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FESTA POMERANA: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DOS DESENHOS DE ALUNOS SOBRE O SIGNIFICADO DO ALEMÃO EM POMERODE Scheila Maas FURB – Universidade Regional de Blumenau [email protected] Resumo: Este artigo é parte integrante de uma pesquisa que está sendo realizada no Mestrado em Educação da FURB – Universidade Regional de Blumenau – na Linha Discurso e Práticas Educativas e tem como objetivo discutir a Língua Alemã em Pomerode à luz dos estudos sobre discurso presentes nos escritos de Bakhtin e seu círculo. A cidade se intitula como sendo “a mais alemã do Brasil”, slogan repetido incansavelmente pela mídia. Os sujeitos da pesquisa são alunos do 9º. ano do Ensino Fundamental, por já terem um considerável percurso com a aprendizagem do alemão em sala de aula. A coleta de dados (ou geração de registros) se deu através de um comando entregue aos alunos para ser respondido. Os alunos responderam à pergunta “Por que estudar alemão na escola?” e representaram, em forma de desenho, o que significa falar alemão em Pomerode. Para este artigo, foram utilizados três desenhos. Desses dizeres emanam referências à Festa Pomerana, evento realizado anualmente no mês de janeiro em comemoração ao aniversário da cidade e a relação dela com a cultura alemã, reiterando um discurso circulante entre os pomerodenses. Palavras-chave: discurso; educação; bilingüismo; língua alemã, ideologias. Abstract: This article is an integral part of a research that is being carried out in the Master’s degree in Education by FURB in the Speech Line and Educational Practices and has as aim discusses the German language in Pomerode to the light of the studies about speech present in the writings of Bakhtin and his circle. The town entitles itself as “the most German of Brazil”, slogan that is tirelessly repeated by the media. The people of the research are students of the ninth grade of the Secondary School, for having already a considerable way with the learning of the German language in the classroom. The data collection (or generation of records) happened thorough a control given to the students to be answered. The 1

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Este artigo é parte integrante de uma pesquisa que está sendo realizada no Mestrado em Educação da FURB – Universidade Regional de Blumenau – na Linha Discurso e Práticas Educativas e tem como objetivo discutir a Língua Alemã em Pomerode à luz dos estudos sobre discurso presentes nos escritos de Bakhtin e seu círculo. A cidade se intitula como sendo “a mais alemã do Brasil”, slogan repetido incansavelmente pela mídia. Os sujeitos da pesquisa são alunos do 9º. ano do Ensino Fundamental, por já terem um considerável percurso com a aprendizagem do alemão em sala de aula. A coleta de dados (ou geração de registros) se deu através de um comando entregue aos alunos para ser respondido. Os alunos responderam à pergunta “Por que estudar alemão na escola?” e representaram, em forma de desenho, o que significa falar alemão em Pomerode. Para este artigo, foram utilizados três desenhos. Desses dizeres emanam referências à Festa Pomerana, evento realizado anualmente no mês de janeiro em comemoração ao aniversário da cidade e a relação dela com a cultura alemã, reiterando um discurso circulante entre os pomerodenses.

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Page 1: Festa Pomerana Oficial

FESTA POMERANA: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DOS DESENHOS DE ALUNOS SOBRE O SIGNIFICADO DO ALEMÃO EM POMERODE

Scheila MaasFURB – Universidade Regional de Blumenau

[email protected]

Resumo: Este artigo é parte integrante de uma pesquisa que está sendo realizada no Mestrado em Educação da FURB – Universidade Regional de Blumenau – na Linha Discurso e Práticas Educativas e tem como objetivo discutir a Língua Alemã em Pomerode à luz dos estudos sobre discurso presentes nos escritos de Bakhtin e seu círculo. A cidade se intitula como sendo “a mais alemã do Brasil”, slogan repetido incansavelmente pela mídia. Os sujeitos da pesquisa são alunos do 9º. ano do Ensino Fundamental, por já terem um considerável percurso com a aprendizagem do alemão em sala de aula. A coleta de dados (ou geração de registros) se deu através de um comando entregue aos alunos para ser respondido. Os alunos responderam à pergunta “Por que estudar alemão na escola?” e representaram, em forma de desenho, o que significa falar alemão em Pomerode. Para este artigo, foram utilizados três desenhos. Desses dizeres emanam referências à Festa Pomerana, evento realizado anualmente no mês de janeiro em comemoração ao aniversário da cidade e a relação dela com a cultura alemã, reiterando um discurso circulante entre os pomerodenses.

Palavras-chave: discurso; educação; bilingüismo; língua alemã, ideologias.

Abstract: This article is an integral part of a research that is being carried out in the Master’s degree in Education by FURB in the Speech Line and Educational Practices and has as aim discusses the German language in Pomerode to the light of the studies about speech present in the writings of Bakhtin and his circle. The town entitles itself as “the most German of Brazil”, slogan that is tirelessly repeated by the media. The people of the research are students of the ninth grade of the Secondary School, for having already a considerable way with the learning of the German language in the classroom. The data collection (or generation of records) happened thorough a control given to the students to be answered. The students answered the question “Why study German at school?” and they represented as drawing what means speak German in Pomerode. For this article were used three drawings. From these sayings emanate references to the Pomerana Party, event that happens annually in the month of January in commemoration of the birthday of the town and its relationship with the German culture reiterating a circulating speech among the people from Pomerode.

1. Introdução

O presente artigo, ligado ao Eixo Temático Educação, Cultura e Sociedade e à linha de pesquisa Discurso e Práticas Educativas, do Programa de Pós Graduação em Educação, Mestrado em Educação, da FURB – Universidade Regional de Blumenau, tem como objetivo analisar os dizeres dos alunos, mais especificamente os desenhos de alunos sobre a Língua Alemã em Pomerode, cidade localizada no Vale do Itajaí, Santa Catarina, e a relação delas com os discursos circulantes na sociedade, à luz dos estudos sobre discurso presentes nos escritos de Bakhtin e seu círculo.

Pomerode é uma cidade essencialmente colonizada por imigrantes alemães e que hoje é conhecida pelo epíteto de ser “a cidade mais alemã do Brasil”.

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No município de Pomerode, o alemão ainda é língua de interação em situações cotidianas diversas, como em algumas esferas públicas, no comércio, em alguns programas da emissora de rádio da cidade, igrejas, sociedades de caça e tiro, escolas e na família.

2. Herzlich willkommen in Pomerode!1: contextualizando a pesquisa

De acordo com informações que constam no site da Prefeitura Municipal2, o município de Pomerode possui uma área de 217,8 km2 e está situado na microrregião do Médio Vale do Itajaí, Santa Catarina. Segundo o Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 20073, Pomerode possui uma população de 25.261 habitantes. O município tem como limites Jaraguá do Sul ao norte; Blumenau ao sul e ao leste; Timbó e Rio dos Cedros ao oeste e está situado a 175 km da capital do Estado, Florianópolis.

Para compreender o cenário atual da cidade, seria preciso retomar aspectos históricos da formação da região. Parafraseando Zimmer (1997), no século XIX a Europa passou por um acelerado processo de industrialização, transformações políticas que trouxeram profundas mudanças econômicas e sociais com reflexos nas cidades e nos campos provocando um vasto movimento migratório de massas populacionais em direção a diversas partes do mundo, sobretudo à América. O governo brasileiro foi pressionado pela Inglaterra para proibir o tráfico de escravos negros africanos e os imigrantes europeus foram uma solução para a substituição da mão-de-obra escrava. Havia também o interesse do Governo Imperial e Provincial do Brasil para que as terras mais ao Sul, como Santa Catarina, fossem colonizadas. Segundo Seyferth (1999), o Médio Vale do Itajaí foi colonizado a partir de 1850 e toda a responsabilidade da instalação e manutenção das colônias foi transferida aos cuidados da iniciativa particular como Sociedades Particulares e Companhias de Navegação. Dentro dessa perspectiva foi fundada a Colônia Blumenau, da qual o Vale do Rio do Testo (Pomerode) fazia parte.

Ainda no site oficial da cidade, consta que o nome Pomerode está ligado à origem de seus fundadores, imigrantes vindos da Pomerânia (Pommerland), norte da Alemanha. O nome deriva da junção do radical Pommern e do verbo rodern, verbo alemão que significa tirar os tocos, tornar a terra apta para o cultivo.

O início da colonização de Pomerode remonta ao ano de 1861, quando os primeiros imigrantes, liderados pelo colonizador Hackrath, decidiram subir um afluente do Rio Itajaí-Açu, a partir da região onde atualmente se localiza o bairro Badenfurt. Eram abertas picadas ao longo do curso do rio, que foi chamado Rio do Testo.

A colonização da área foi uma estratégia para fortalecer o comércio entre a Colônia de Dona Francisca (atual região de Joinville) e a Colônia de Blumenau, lote a qual as terras de Pomerode eram integradas. As divisões das Colônias eram definidas pela Campanha Colonizadora do Dr. Hermann Otto  Blumenau, fundador da cidade de Blumenau.

Os primeiros imigrantes de Pomerode se estabeleceram ao longo do Rio do Testo pelo sistema de minifúndios (pequenas fazendas). Seyferth (1999) cita que as famílias compravam o lote a prazo, do Estado ou de empresas particulares, e só recebiam o título definitivo da propriedade

1 Bem vindos a Pomerode!2 Acesse www.pomerode.sc.gov.br. Acesso em 21 de julho de 2008.3 Ver site oficial IBGE, www.ibge.gov.br. Acesso em 21 de julho de 2008.

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após a quitação. O lote era uma unidade produtiva de policultura e criação de animais e as tarefas eram divididas entre os membros da família.

As primeiras edificações eram rústicas construções de pau a pique, cobertas com folhas de palmeiras. Mais tarde, os imigrantes começaram a erguer as casas em estilo enxaimel, que consiste basicamente em uma estrutura de madeira preenchida inicialmente com taipa, tijolos e argamassa, ainda presente na arquitetura local, o que é outro indício da preservação das tradições na localidade.

Até a virada do século XX, Pomerode era uma colônia voltada apenas para agricultura e pecuária de subsistência, com pequenos pontos comerciais nas áreas centrais da colônia. Com a virada de século, pequenas empresas familiares de laticínios, frios, móveis e cerâmica deram início à industrialização do município.

Hoje (2009), a cidade é considerada um efetivo pólo têxtil e metal-mecânico na região do Vale do Itajaí. De acordo com Zimmer (1997), em quase cinqüenta anos de existência como município (sua emancipação política se deu em 1959), o desenvolvimento baseado na diversificação das atividades econômicas tem proporcionado à sua população um bom padrão de qualidade de vida; e a herança cultural de seus antepassados pomeranos, manifestada na língua, culinária, música, arquitetura e folclore ainda se manifesta nas festas e no cotidiano. Pomerode mantém até hoje traços de uma pequena comunidade com influência alemã em seus costumes.

3. Metodologia

Para a geração dos registros (MASON, 1997) da pesquisa em andamento, focalizada neste artigo, foi aplicado um teste piloto em uma escola selecionada da rede municipal de Pomerode, com alunos do 9º. ano do Ensino Fundamental, aplicado pela coordenadora sem a presença da pesquisadora, em que os estudantes responderam à pergunta: “Por que estudar alemão?” Foi também solicitado que os alunos representassem, em forma de desenho, a seguinte pergunta “O que significa falar alemão em Pomerode?”. Para este artigo, foi feito um recorte e utilizados apenas os desenhos de três alunos.

Esta é uma pesquisa de cunho qualitativo com foco na teoria da enunciação baseada nos estudos de Bakhtin, envolvendo além do sujeito, seus dizeres e os sentidos da enunciação. Justifica-se o enfoque qualitativo, pois, segundo Bogdan e Biklen (1994) assumem algumas características necessárias para qualificá-la como tal, como a idéia de que o comportamento humano é influenciado pelo contexto em que ocorre e isso se torna importante para o investigador qualitativo.

Os desenhos dos alunos refletem a visão de mundo deles, a ideologia que os circula (BAKHTIN, 2006). A análise semiótica de imagens paradas tem sido usada em uma grande variedade de sistemas, sendo muito utilizada para estudar os anúncios publicitários. O estudo da semiótica fornece ao pesquisador uma abordagem sistematizada para descobrir como eles produzem sentidos (PENN, 2002). Sendo assim, a tarefa do semiólogo é

“desmistificar, ou ‘desmascarar’ esse processo de naturalização, chamando a atenção para a natureza construída da imagem, por exemplo, identificando os conhecimentos culturais que estão implicitamente referidos pela imagem ou contrastando os signos escolhidos com outros elementos de seus conjuntos paradigmáticos” (PENN, p. 325)

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Em seu artigo sobre o estudo das imagens paradas, a autora ainda expõe as etapas do processo de análise, que ela nomeia como “dissecação”. Essas etapas passariam pela criteriosa escolha do material, pela identificação dos elementos no material (tanto texto quanto imagem, nada deve ser ignorado, no nível da denotação) e pela análise de níveis de significação mais altos (conotação), em que se buscam as relações entre os elementos da imagem, as associações trazidas à mente, quais conhecimentos culturais são necessários para compreender a imagem, etc. (PENN, 2002).4. A Festa Pomerana

De acordo com Zimmer (2002), a década de 1980 foi bastante turbulenta para todo o país devido à economia nacional. A crise que veio com a alta inflação foi ainda agravada em Santa Catarina por causa das enchentes que assolaram a região do Vale do Itajaí em 1983 e 1984.

Diante desse cenário, o Governo Estadual, juntamente com os municípios discutiram propostas para tentar melhorar essa situação. Em conjunto, decidiram investir no turismo, por se mostrar um mercado promissor. Santa Catarina, ao investir no turismo de interior, também se beneficiaria, pois a atividade geraria lucros o ano inteiro, não apenas no verão.

A cidade de Pomerode, que sempre foi considerada uma extensão de Blumenau, passou a elaborar políticas de incentivo ao turismo e, durante o mandato do prefeito Eugênio Zimmer (1983-1988), foi criado o Serviço de Cultura e Turismo. Esse órgão, após elaborar pesquisa junto à cidade para enumerar as características específicas do município que pudessem auxiliar no desenvolvimento do turismo, constatou, entre outras coisas, o uso da língua alemã em Pomerode, o protestantismo de origem luterana como religião predominante, o grande número de construções enxaimel, as sociedades de caça e tiro. Assim, com o aval do Executivo Municipal, este órgão criou para a cidade o slogan “Pomerode, a cidade mais alemã da Brasil”. Esse slogan foi intensamente divulgado nos meios de comunicação de massa e ainda hoje aparece nas propagandas da cidade, inclusive no estribilho do Hino de Pomerode4, escolhido em 2008 por intermédio de um concurso, sendo vencedor da letra e música o senhor Aristeu B. Klein.

O governo municipal levou adiante o projeto turístico e, em comemoração ao jubileu de prata do município em 1984, decidiu, juntamente com a ACIP (Associação comercial e industrial de Pomerode) organizar a festa em janeiro, com duração de vários dias e muitos atrativos para os cidadãos pomerodenses e turistas. Assim, a festa vem se realizando anualmente e já está em sua 26ª. edição. O público também vem aumentando anualmente, sendo que em 2009, atingiu 70.417 visitantes em 10 dias de festa.

Para o sucesso de festas com o caráter da Festa Pomerana, os Clubes de Caça e Tiro (Schützenverein) tiveram uma importância significativa. Segundo Flores (1997), eles serviram de base para a formação da vida social das colônias alemãs e sustentavam um caráter étnico, visto que um dos objetivos era preservar hábitos e costumes trazidos pelos colonizadores. Mas a invenção e criação destas festas têm autoria. Elas não surgem através do tempo, de forma espontânea. As festas germânicas são resultados de homens que têm ou tiveram influência política, como aconteceu no caso de Pomerode. Para Hobsbawn (1997), eventos como a Festa Pomerana são chamados de “invenção das tradições” ou “tradição inventada”. Entenda-se tradição inventada

como um conjunto de práticas normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceita; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar

4 Estribilho do Hino de Pomerode: “Pomerode! Pomerode! / O teu povo se orgulha de ti / Ó cidade mais alemã do Brasil, / De beleza e graça Deus te fez”

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certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado (HOBSBAWN, 1997, p.9)

Segundo o autor acima citado, a tradição inventada nada mais é do que uma reação a uma situação nova (em Pomerode, poder-se-ia identificar a gradativa diminuição dos falantes de alemão e de alguns costumes), uma tentativa de voltar a estabelecer o passado através da repetição. Ora, é na Festa Pomerana que se encontram alguns aspectos que já não fazem mais parte do cotidiano em muitos momentos. A Küchenmarsch (marcha dos cozinheiros), item indispensável em casamentos até alguns anos, hoje dificilmente é realizada. Em determinado momento da festa do casamento, a banda sai do palco e, acompanhada por todo o pessoal responsável pela cozinha e pelos noivos, entra no salão carregando utensílios como panelas, pratos, garfos, xícaras, dançando alegremente. Hoje, com exceção de alguns casamentos realizados em salões mais afastados do centro da cidade, é uma prática vista apenas na Festa Pomerana. Hobsbawwn (1997) também diz que muitas vezes “inventam-se” tradições “não porque os velhos costumes não estejam mais disponíveis nem sejam viáveis, mas porque deliberadamente não são usados, nem adaptados” (HOBSBAWN, 1997, p 16). Talvez seja esse o caso da Festa Pomerana.

Optamos por fazer uma explicação sobre a Festa Pomerana por ser um dos itens que aparecem em uma quantidade significativa de desenhos. Interessante perceber que as referências à Festa Pomerana aparecem somente nos desenhos, e nunca nos dizeres dos alunos. Mais um indício da “tradição inventada”: é através da Festa Pomerana que as tradições e a cultura local estão sendo “exportadas”, não mais através dos costumes diários.

5. Os dizeres/desenhos dos alunos

Como mencionado anteriormente, os desenhos utilizados para análise neste artigo são resultado de uma coleta com alunos do 9º. ano do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino, em que os estudantes responderam à pergunta: “Por que estudar alemão?” Foi também solicitado que os alunos representassem, em forma de desenho, a seguinte pergunta “O que significa falar alemão em Pomerode?”. Para este artigo, foi feito um recorte e utilizado apenas os dizeres (desenhos) de três alunos.

Na parte escrita, em que mencionavam os motivos para estudar alemão em Pomerode, aparecem repetidos diversas vezes quesitos como empregabilidade e futuro, talvez até por se tratar de alunos do 9º. Ano, que no ano seguinte estarão no Ensino Médio possivelmente pensando no primeiro emprego. Também se pôde perceber que os discursos são circulantes, uma vez que os itens citados pelos alunos também aparecem documentados na Proposta Curricular do Município que regulamenta o ensino de alemão e provavelmente usados pela comunidade em geral para justificar a disciplina de alemão no currículo escolar.

Passando para a análise dos desenhos, percebem-se algumas semelhanças entre os selecionados. O primeiro desenho selecionado, ilustrado abaixo, é de um rapaz de 14 anos, natural de Campo Erê – PR, não falante do alemão, aqui nomeado de Guilherme 5. Ao representar o significado de falar alemão em Pomerode, o aluno ilustrou o portal da Festa Pomerana, com duas bandeiras da Alemanha tremulando em cada uma das laterais. Logo abaixo, dois barris de chope, bebida comum na festa.

5 Os nomes são fictícios.

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Ilustração 1 - Desenho de Guilherme, 14 anos, não falante do alemão

O segundo desenho pertence a outro rapaz, aqui chamado de Peter, 15 anos, nascido em Pomerode, mas não falante de alemão. Em sem registro, aparece um casal tipicamente trajado, os populares “Fritz” e “Frida”, casal que representa as tradições alemãs, em frente a um morro verde, talvez evocando os vales da região.

Ilustração 2 - Desenho de Peter, 15 anos, não falante do alemão

Qualquer semelhança com o folder da Festa Pomerana de 2009 não é mera coincidência. Bakhtin (2003) afirma que não existem enunciados neutros. Cada enunciado emerge de um contexto cultural repleto de significados e valores e “é sempre um ato responsivo, isto é, uma tomada de posição dentro de um contexto”. (BAKHTIN, apud FARACO, 2006, p. 25) e somos constantemente afetados pelo nosso contexto. Ou seja, não existiria um discurso fundante, o falante não é um “Adão bíblico”, que fala sobre objetos virgens, nunca antes nomeados; “tudo isso é discurso do outro e isso não pode deixar de refletir-se sobre no enunciado”. (BAKHTIN, 2003, p. 300). Essas vozes sociais ou heteroglossia são circulantes nos discursos da comunidade e se repetem nos dizeres dos

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alunos. Ao desenhar o significado de falar alemão em Pomerode, os alunos repetiram a representação da festa veiculada pela mídia.

Folder da 26a. Festa Pomerana - 2009 6

Acima, como pode ser visto no folder da festa, também aparecem em primeiro plano pessoas tipicamente trajadas, que pela fisionomia lembrariam os traços germânicos (itens constantes no desenhos de Peter). Um deles, o mais jovem, segura um grande caneco de chope (elemento presente no desenho de Guilherme). Os três aparecem em frente ao portal sul da cidade, um dos principais acessos à cidade de Pomerode e próximo ao local da festa. O portal também é um elemento presente no desenho de Guilherme, sendo que também aparece nos desenhos de outros alunos, não selecionados para este artigo. O convite feito no folder, “Descubra a festa mais alemã do Brasil”, em outras versões que não a eletrônica aqui retratada, aparecia ainda escrito em alemão, “Entdecken Sie das deutscheste Fest in Brasilien”, numa referência ao bilingüismo presente na cidade de Pomerode.

6 Acesse http://www.pomerodeonline.com.br/port/eventos/festa-pomerana.htm. Acesso em 24 de fevereiro de 2009.

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Mesmo no cartaz da Festa Pomerana de 2008, aparecem elementos muito próximos aos desenhos dos alunos. Novamente o portal sul da cidade, várias pessoas tipicamente trajadas, como a rainha e as princesas e um grupo de dança folclórico, bem como um jovem segurando um caneco de chope à direita da foto. Fato que merece atenção são as flores que fazem a borda dos cartazes, técnica conhecida como Bauernmalerei, comum na decoração da festa.

Ilustração 3 – Folder da 25a. Festa Pomerana - 20087

O desenho abaixo retratado pertence a Marcelo, 14 anos, natural de Pomerode, não falante de alemão. Em seu desenho, está representado o Choppmotorrad, a motocicleta do chope, veículo comum também na Oktoberfest, realizada em Blumenau, Santa Catarina. Trata-se de uma motocicleta adaptada com um barril de chope e, à medida que vai passando pela cidade durante o desfile, distribui a bebida aos espectadores. É comum nos desfiles que iniciam a Festa Pomerana todas as noites. Também, assim como os desenhos acima analisados, há referência à Festa Pomerana, com uma bandeira da Alemanha no canto direito.

7 Acesse http://www.portaldapropaganda.com.br/portal/images/stories/pomerana.jpg. Acesso em 26 de fevereiro de 2009.

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Ilustração 4 - Desenho de Marcelo, 14, não falante do alemão

Chama a atenção o fato de nenhum dos três alunos ser falante do alemão, e retratar a Língua Alemã em Pomerode relacionada à festa. Dessa situação pode-se falar também das identidades, pois a representação do imaginário dos alunos sobre o alemão em Pomerode é vestir-se, trajar-se com as roupas típicas, beber a bebida típica e conhecer suas ligações com o país de origem: a Alemanha. Bakhtin (citado por FARACO, 2006, p. 57) afirma que “todo dizer é, assim, parte integrante de uma discussão cultural (axiológica) em grande escala: ele responde ao já dito, refuta, confirma, antecipa respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc”. Os desenhos acima retratados estão, de certa forma, respondendo àquilo que já foi dito, confirmando um discurso que circula na comunidade de Pomerode: de que a Festa Pomerana é o lugar de mostrar a cultura e a Língua Alemã para a sociedade em geral, especialmente para os turistas como forma de visibilizar a cultura alemã.

6. Considerações finais

Considerando o que foi discutido até aqui, pôde-se perceber, nos dizeres dos alunos, um discurso repetido, vindo de outras esferas e que é incorporado ao discurso deles. De acordo com Bakhtin (2003, p. 379)

Todas as palavras (enunciados, produções de discurso e literárias), além das minhas próprias palavras, são palavras do outro. Eu vivo em um mundo de palavras do outro. E toda a minha vida é uma orientação nesse mundo; é reação às palavras do outro (uma reação infinitamente diversificada), a começar pela assimilação delas (no processo de domínio inicial do discurso) e terminando na assimilação das riquezas da cultura humana (expressas em palavras ou em outros materiais semióticos).

Assim, as palavras (ou os desenhos, como no caso deste artigo) por serem uma forma de linguagem manifestam as ideologias dos discursos. Toda ideologia possui valor semiótico, incluindo-se a linguagem verbal e não-verbal (BAKHTIN, 2006). Observamos que os desenhos dos sujeitos analisados neste artigo confluem na mesma direção dos textos divulgados na mídia e é possível fazer uma relação que faça sentido entre eles. São sujeitos que passaram por ideologias diferentes e que possuem também identidades diferentes que não se tornam homogêneas, mas heterogêneas à medida que os sujeitos representaram de maneiras diferentes a Língua Alemã em Pomerode, mas que possuem o mesmo imaginário com relação à Língua Alemã e à cidade de Pomerode. Cabe ainda lembrar que a cidade não mantém mais

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todas as mesmas características de quando foi colonizada pelos primeiros imigrantes que vieram para o Brasil. Porém, a representação dos trajes típicos, do chope e da Alemanha ainda são recorrentes no imaginário da sociedade. Há um discurso circulante, repetido muitas vezes sem reflexão, como um clichê.

7. Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail (V. N. Volochínov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.

________. Bakhtin, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BIKLEN, S.; BOGDAN, R. Investigação qualitativa em educação. Portugal, Porto Editora: 1994.

FARACO, C.A. Linguagem e diálogo: as idéias lingüísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2006.

FLORES, M.B.R. Oktoberfest: turismo, festa e cultura na estação do chopp. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1997.

HOBSBAWN, E., RANGER, T. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra S.a, 1997

MASON, J. Qualitative researching: London: Sage, 1997

PENN, G. Análise semiótica de imagens paradas. In: BAUER, M.W.; GASKELL, G., (ed.) Pesquisa qualitative com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.

SEYFERTH, G. A colonização alemã no Brasil: etnicidade e conflito. In: FAUSTO, B. (org.) Fazer a América. São Paulo: USP, 1999.

ZIMMER, Roseli; DIRKSEN, Valberto; KLUG, João. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Pomerode, a cidade mais alemã do Brasil : as manifestações de germanidade em uma festa tento-brasileira. 1997. 134f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas

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