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2012 Carlos Brasil Residência em Medicina de Família e Comunidade e Especialização em Saúde de Família para Enfermeiros e Cirurgiões Dentistas Ferramentas de acesso à Família

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Page 1: Ferramentas de acesso à família 2012 (Carlos Brasil)

2012

Carlos Brasil

Residência em Medicina de Família e

Comunidade e Especialização em Saúde de

Família para Enfermeiros e Cirurgiões Dentistas

Ferramentas de acesso à Família

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Residência em Medicina de Família e Comunidade e Especialização em Saúde de Família para Enfermeiros e Cirurgiões Dentistas

Família

Três meninos e duas meninas, sendo uma ainda de colo.

A cozinheira preta, a copeira mulata, o papagaio, o gato, o cachorro,

as galinhas gordas no palmo de horta e a mulher que trata de tudo.

A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,

o cigarro, o trabalho, a reza, a goiabada na sobremesa de domingo,

o palito nos dentes contentes, o gramofone rouco toda a noite

e a mulher que trata de tudo.

O agiota, o leiteiro, o turco, o médico uma vez por mês, o bilhete todas as semanas

branco! mas a esperança sempre verde. A mulher que trata de tudo

e a felicidade.

Carlos Drummond de Andrade

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Residência em Medicina de Família e Comunidade e Especialização em Saúde de Família para Enfermeiros e Cirurgiões Dentistas

Esta apostila é uma compilação de literatura referente ao tema, devendo servir apenas como orientador para os Residentes, não tendo a pretensão de ser vislumbrado como um texto final. O texto é anualmente revisado e complementado. Existem inúmeras referências acerca do tema, algumas delas listadas na Bibliografia desta.

Carlos Henrique Guimarães Brasil

Médico de Família

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................... 5

FERRAMENTAS DE ACESSO À FAMÍLIA ..................................................... 6

O QUE É UMA FAMÍLIA? ........................................................................... 8

ESTRUTURA DA FAMÍLIA .......................................................................... 9

ETAPAS PARA SE TRABALHAR COM FAMÍLIAS ........................................ 10

ASSOCIAÇÃO ........................................................................................................................................ 10 AVALIAÇÃO .......................................................................................................................................... 10 EDUCAÇÃO EM SAÚDE ............................................................................................................................ 11 FACILITAÇÃO ........................................................................................................................................ 11 REFERÊNCIA ........................................................................................................................................ 11

GENOGRAMA ......................................................................................... 12

CICLO DE VIDA FAMILIAR ....................................................................... 14

F.I.R.O. .................................................................................................. 16

P.R.A.C.T.I.C.E. ....................................................................................... 18

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................... 20

CONTEÚDO

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS O conceito de se trabalhar com famílias remonta ao estabelecimento de uma relação colaborativa entre

o profissional de saúde e a família com necessidade de cuidados. Esse profissional deve trabalhar a estrutura familiar existente focando as tarefas de desenvolvimento para cada etapa do ciclo de vida, a adaptação para crises, prevenção de agravos e promoção de saúde.

À exceção dos terapeutas familiares, os profissionais de saúde da família habitualmente não costumam tentar trazer grandes mudanças à estrutura familiar quando se identifica uma disfunção. O alvo principal geralmente é ajudar a família a conseguir recursos para lidar com problemas, focando nas tarefas normais do desenvolvimento, adaptação a “crises saúde” e prevenção de agravos (STEINERT & GOLDEN, 1986; MCWHINNEY & FREEMAN, 2010).

Segundo STEINERT & GOLDEN (1986), estabelecer uma conexão (rapport) e uma relação de confiança com os membros de uma família requer que trabalhemos uma série de habilidades que englobam:

• Estabelecer o nível de demanda de cada membro; • Manter a neutralidade, evitando favorecimento de qualquer membro em particular; • Levar em consideração a disposição, valores e regras da família, respeitando sua estrutura

hierárquica.

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FERRAMENTAS DE ACESSO À FAMÍLIA O acesso à família é um pré-requisito para atuar sobre a mesma. Uma intervenção na família sem

conhecê-la se aproxima a instituir um tratamento sem um diagnóstico, tanto no contexto médico quanto no contexto social.

Acesso, diagnóstico e intervenção estão intimamente ligados. Intervir numa enfermidade ou manter a saúde no contexto da família significa entender sua estrutura, funções (papéis) de cada membro, desenvolvimento e relação do processo saúde-doença.

Essa coleta de informações é um processo contínuo em que todos os momentos devem ser aproveitados, podendo ser necessários vários encontros entre a definição inicial do problema até o acordo de intervenções. Os dados podem ser obtidos com um único membro ou, idealmente, com todos os familiares.

Devemos sempre levar em consideração que a família participa do processo saúde-doença como definidora do comportamento frente à enfermidade e, às vezes, como desencadeadora da decisão de procurar cuidados médicos. As relações familiares influenciam na adesão e contribuem para a eficácia do tratamento ou da reabilitação. (STEINERT & GOLDEN, 1986)

Há algumas situações em que se torna necessária uma avaliação mais detalhada da família: • Sintomas inespecíficos (cefaléias, lombalgias, dores abdominais) em pessoas com grande freqüência

de consultas sem doença orgânica; • Utilização excessiva dos serviços de saúde ou consultas freqüentes de diferentes membros da família

(muito suspeito de disfunção familiar); • Dificuldade no controle de doenças crônicas quando requerem dietas ou intervenção/ajuda dos

outros membros da família; • Problemas graves emocionais ou de comportamento; • Efeito mimético1; • Problemas conjugais (dependência excessivos) e sexuais (impotência e infertilidade); • Triangulação, sobretudo com a criança; • Doenças relacionadas ao estilo de vida e ao ambiente (doença hepática e alcoolismo, doença

pulmonar e tabagismo, úlcera péptica e stress); • Doenças nas fases de transição do ciclo de vida (a espera do primeiro filho, filhos na adolescência,

ninho vazio, etc.); • Morte na família, acidente grave, divórcio, etc.; • Sempre que o modelo biomédico tradicional mostrar-se inadequado ou insuficiente. De modo geral, os pontos de transição de estágios no processo de desenvolvimento familiar são mais

conflitantes e “os sintomas tendem a aparecer quando há interrupção ou deslocamento no ciclo de vida familiar”. (BURD, 2007)

Segundo ACKERMAN (apud BURD, 2007), não existe famílias idealmente saudáveis e sim predominantemente saudáveis ou predominantemente doentes, na dependência de sua capacidade de encontrar soluções realísticas para seus problemas ou contendo-os de forma a restringir seus efeitos deletérios enquanto encontra a solução. A incapacidade de conter ou solucionar seus conflitos pode culminar na desorganização dos vínculos familiares.

Dessa forma, a resposta aos problemas pode ser adaptativa ou não, evidenciando-se por disfunções que interferem na resposta dos indivíduos às enfermidades. Por exemplo, um “paciente” rotulado pela família como portador de sintomas pode ser a expressão de uma disfunção na mesma (bode expiatório), portanto, seu “processo de cura” estará relacionado à intervenção no sistema familiar.

1 Efeito mimético refere-se à repetição de padrões de resposta frente a algum problema semelhante vivido anteriormente pela família (N.A.).

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Para STEINERT & GOLDEN (1986), a maioria das famílias passam continuamente por situações que variam entre o “conforto” e a “doença” e a presença ou não de conflitos não define disfunção. Esta se liga à capacidade ou não do grupo familiar em prover equilíbrio emocional, suporte às necessidades físicas e de desenvolvimento para seus membros.

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O QUE É UMA FAMÍLIA? Dificilmente se conseguirá definir Família de forma satisfatória e abrangente. Essa definição pode não

abarcar determinados núcleos se levarmos em consideração a definição tradicional de “pai, mãe, filhos,...”. Apesar de grande parte das sociedades definirem Família baseada na composição marital, optamos por uma maior amplitude desse termo de forma a se ter um maior dinamismo e uma melhor contextualização:

“Grupo de pessoas íntimas com passado e futuro comuns”.

(RAMSON e VANDERVOOT, 1973). Entendemos Família como um sistema de relações interpessoais, dinâmico, estruturado segundo um

conjunto de crenças, valores e normas, construído sob uma influência cultural determinada pelo contexto em que vive. Constitui-se a unidade primordial de organização social.

Como sistema, qualquer alteração que afete um dos membros repercutirá na família como um todo determinando ajustes adaptativos ou não (CAEIRO, 1991).

“O sentido de ligação a outra pessoa é um requisito básico para o crescimento individual. O relacionamento deve ser tal que cada pessoa seja considerada um indivíduo com recursos para seu próprio desenvolvimento. O crescimento, às vezes, envolve uma luta interna entre necessidades de dependência e de autonomia; mas o indivíduo se sente livre para se encarar se tiver um relacionamento em que sua capacidade seja reconhecida e valorizada e em que ele seja aceito e amado. Então ele estará apto a desenvolver seu próprio potencial de vida, a tornar-se mais e mais singular, autodeterminado e espontâneo”.

Clark Moustakas (MIRANDA e MIRANDA, 1983)

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ESTRUTURA DA FAMÍLIA Segundo WONG (1999), as famílias podem se apresentar como: 1. Família nuclear: A família nuclear ou conjugal consiste em um marido, uma esposa e filhos

(naturais ou adotados) que vivem em um domicílio comum. 2. Família de Pai/Mãe solteiro (a): Família de pais sozinhos, sem companheiro, conseqüente às

atitudes liberais dos tempos modernos ou a separação e o divórcio. 3. Família binuclear: O termo família binuclear é empregado para descrever a situação que permite

que os pais continuem a função paterna embora encerre a unidade marital. 4. Família reconstituída: As famílias reconstituídas ou famílias pregressas são aquelas em que um ou

ambos os adultos possuem filhos de um casamento prévio que residem no domicílio. 5. Família estendida: A família estendida combina as famílias nucleares em unidades maiores através

da relação pai-filho. Ela consiste na família nuclear acrescida de parentes lineares ou colaterais. Mais amiúde, ela é composta de duas ou mais unidades residenciais de três ou mais gerações afiliadas através da extensão da relação pai-filho (pais, filhos, netos, avós).

Ao se conhecer a estrutura da família, devemos estar atentos também a “quem é quem” (o papel de

seus membros, idades, sexo, situação de vida). Cada constituição diferente possui tarefas e necessidades específicas no estágio no ciclo de vida, permitindo ao profissional prever, de certa forma, as demandas e o impacto que um problema de saúde em particular determina sobre o sistema familiar.

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ETAPAS PARA SE TRABALHAR COM FAMÍLIAS Pode-se esquematicamente definir 5 fases para trabalhar com famílias. A utilização dessas etapas

dependerá de cada família e do contexto encontrado.

Associação É uma etapa essencial para a construção do processo terapêutico. Inicia-se no momento em que um

paciente traz ao profissional uma situação em que a família interfere direta ou indiretamente no processo, podendo haver necessidade de reajustes na estrutura familiar por alterações determinadas por intercorrências clínicas ou sociais.

Respeitar crenças e realidade de determinada família, observando e analisando primeiro, de forma a não entrar em conflito ao tentar impor suas próprias convicções e soluções com base nos seus conhecimentos, é uma tarefa bastante difícil para os profissionais. Para se estabelecer a comunicação efetiva é essencial a percepção das experiências pessoais de cada indivíduo, adequando-se a complexidade a cada pessoa.

Alguns pontos devem ser valorizados: • Os momentos com o paciente e sua família são preciosos e delicados. Uma relação construída pode

ser rompida se houver desrespeito da hierarquia e crenças familiares. • Ao se propor um contato com a família, obstáculos podem ser levantados pelo profissional (quando

não tem a clareza da necessidade em se convocar uma entrevista familiar) ou pelo paciente (que teme perder seu status perante os familiares).

• Há algumas armadilhas que podem expor o profissional: alguns membros que tentam triangular com o profissional, lateralização da comunicação, uso de linguagem inadequada para o grupo familiar, desrespeito a hierarquia do grupo e seus tempos de comunicação.

• A Família é chave para a promoção da saúde, estabelecer de parcerias com a mesma é primordial para melhoria na qualidade de vida da mesma e da comunidade.

Avaliação

Após a construção da associação, é necessária a análise do funcionamento do grupo familiar de forma

mais objetiva possível e, para tanto nos munimos de determinadas ferramentas. Essa análise tenta explicitar as linhas de poder e decisão no grupo, a forma de vivenciar o processo saúde-doença, utilizando recursos internos e externos (comunitários).

Avaliar o contexto em que um problema se instala aumenta o poder de intervenção e, conseqüentemente, sua resolubilidade. Em especial nas condições crônicas, o entendimento do paciente e da família e a tradução dos conhecimentos sobre a evolução e terapêutica para uma linguagem acessível a eles pode ser determinante no desfecho.

As principais ferramentas utilizadas são: 1. Genograma – instrumento gráfico que permite rapidamente visualizar padrões de repetição de

patologias e comportamentos. 2. Ciclo de Vida Familiar – identifica situações em que o surgimento de disfunções é mais freqüente.

Nas fases de transição, em que a família é forçada a renegociar os papéis, é onde as doenças se instalam mais facilmente.

3. F.I.R.O. (Fundamental Interpersonal Relations Orientations) – através das dimensões Inclusão, Controle e Intimidade; é utilizado para analisar as relações entre os membros da família, seus papéis na harmonia do grupo e como um problema pode interferir na sua dinâmica.

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4. P.R.A.C.T.I.C.E. – segue o seguinte roteiro: problema apresentado, papéis, afeto, comunicação, tempo no ciclo de vida, doença na família (passado e presente), enfrentando o estresse, ecologia (suporte e contatos externos).

Educação em saúde

Baseados na história e na experiência das pessoas, devemos prover a família de informações acerca do

processo saúde/doença de forma a incentivar o desenvolvimento do autocuidado e hábitos saudáveis. Partimos do pressuposto que o adulto somente aprende novos conhecimentos quando estes tem

sentido em suas vidas, quando a família busca auxílio para lidar com determinado problema é o momento-chave para se introduzir os conceitos de educação em saúde.

Deve-se ter em mente que a informação deve ser dada em consonância com a capacidade de percepção e necessidade do cliente, não se podendo deixar de lado as questões culturais. Deixar de considerar essas questões, desrespeitando as linhas de poder dentro da comunidade torna o profissional incapaz de dar sentido às informações que deseja transmitir.

Facilitação

Para que se faça a facilitação de comunicação entre os membros de um grupo familiar, necessitamos

compreender suas relações de poder e sua maneira de se comunicar. Uma ferramenta bastante útil nesse ponto é o F.I.R.O., ajudando a identificar aliados e empecilhos para que ocorra a comunicação, além de perpetuadores da situação patogênica.

Referência

O profissional de Saúde da Família deve referenciar o cliente ou a família a um nível maior de

complexidade de atenção, explicando os motivos e o resultado esperado com esse encaminhamento. Deve-se tentar estabelecer uma forma de contato com o profissional que irá receber a referência, fornecendo subsídios para a avaliação e a contra-referência. Isso irá aumentar a confiança da família e do cliente, garante as informações para o consultor, estabelece um vínculo de corresponsabilidade e possibilita que o profissional da atenção primária dê continuidade ao caso.

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GENOGRAMA O Genograma (“árvore da família”, fenograma, pedigree da família, familigrama) é um método de

coleta, armazenamento e processamento de dados sobre a família, podendo ser usado para explorar problemas biomédicos, genéticos, comportamentais e sociais.

Sua funcionalidade está na rápida visualização da complexidade da “estrutura” da família, de informações mais estáveis, com pouca informação sobre sua dinâmica. Por abordar o indivíduo (mesmo reportando gerações anteriores), é uma ferramenta distinta do PRATICE, uma vez que este aborda mais profundamente as relações familiares.

A elaboração do genograma é diagnóstica e potencialmente terapêutica, pois permite aos elementos da família se confrontarem com a sua história familiar. Além disso, melhora a aceitação do cliente e a relação profissional-cliente.

Não deve ser utilizado rotineiramente, sendo mais efetivo quando aplicado seletivamente. Sua coleta pode ser feita com entrevista com o paciente ou, preferencialmente, com a presença de toda

a família. O registro é feito com a utilização de símbolos e o mínimo de palavras.

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Saultz JW. The contextual care. In: Saultz JW (editor). Textbook of Family Medicine. Mc Graw-Hill. 2000:135-59. Citado por REBELO (2007).

O Genograma deve conter:

1. Idade ou ano de nascimento de todos os membros familiares. 2. Qualquer morte, inclusive idade a ou data de morte e causa. 3. Doenças significantes ou problemas biopsicossociais de membros familiares. 4. Indicação de membros que moram na mesma casa. 5. Datas de matrimônios e divórcios 6. Listagem do primogênito à esquerda, com os demais irmãos consecutivamente por ordem

cronológica à direita. 7. Uma legenda descrevendo os símbolos utilizados 8. Símbolos selecionados para o máximo de simplicidade e visibilidade

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CICLO DE VIDA FAMILIAR

“O Ciclo de Vida Familiar define etapas pelas quais uma família passa durante a sua evolução, bem como as tarefas que devem ser cumpridas no decorrer de cada uma delas”.

(CAEIRO, 1991) É necessária a compreensão do ciclo de vida familiar, assim como do desenvolvimento individual, de

forma que o profissional de saúde possa formular hipóteses sobre os problemas que os pacientes estão vivendo. A Família não é uma estrutura estática, ao contrário, está sujeita a mudanças contínuas no decorrer do seu desenvolvimento, não se podendo deixar de considerar a influência determinada pelo contexto social, político e econômico. O profissional de saúde, tendo em conta estas mudanças poderá ajudar os familiares a prevê-las e a prepararem-se para elas, podendo, ao mesmo tempo, enriquecer a sua compreensão do contexto em que ocorrem as várias situações de doença (McWHINNEY, 1994:185).

Segundo DUVALL, o ciclo de vida familiar compõe-se de oito fases centradas na existência dos filhos e na sua educação, desde o nascimento até a maturidade. Apesar de não ser necessário que cada família passe pelo ciclo completo e em sequência. Ultrapassar fases é, em graus variáveis, traumático e requer respostas adaptativas de todos os membros a cada nova situação. Uma melhor ou pior adaptação a determinado conflito induzirá a satisfação e o sucesso na resolução dos conflitos posteriores. Não entender os papéis correspondentes a cada fase do ciclo, bem como as tarefas exigidas, pode gerar disfunção pessoal e familiar.

Estágio do Ciclo de Vida Tarefas a serem cumpridas Tópicos de promoção de saúde

Estágio I: Casamento e um lar independente: A união das famílias Marido, Mulher (iniciando a vida a dois; casal sem filhos).

• Estabelecer a identidade do casal (estabelecer relacionamento satisfatório); • Realinhar os relacionamentos com a família ampliada (autonomia em relação à família de origem, união de sistemas bastante complexos); • Tomar decisões em relação à paternidade; • Novas amizades.

• Comunicação sobre as expectativas de cada um dos cônjuges. • Planejamento familiar

Estágio II: Famílias com filhos pequenos Marido-pai, Mulher-mãe, filho e/ou filha

• Integrar os lactentes à unidade familiar e encorajar seu desenvolvimento; • Acomodar-se às novas funções parentais e dos avós; • Manutenção de uma ligação conjugal.

• Envolver o pai na gestação. • Orientações sobre acidentes e doenças na gestação e primeira infância. • Informações sobre o crescimento e desenvolvimento da criança. • Encorajar um tempo para o casal.

Estágio III: Famílias com pré-escolares Marido-pai, Mulher-mãe, filho-irmão, filha-irmã

• Socializar as crianças; • Pais e filhos ajustam-se à separação; • Enfrentar custos financeiros crescentes; • Desgaste de energia e a falta de privacidade dos pais.

• Estimular o diálogo na educação dos filhos. • Informações sobre o crescimento e desenvolvimento da criança. • Encorajar um tempo para o casal.

Estágio IV: Famílias com escolares Marido-pai, Mulher-mãe, filho e/ou filha

• As crianças desenvolvem relacionamento com os amigos; • Os pais ajustam-se às influências da escola e dos colegas de seus filhos; • Enfrentar demandas crescentes de tempo e dinheiro; • Manter uma relação de casal.

• Informações sobre o crescimento e desenvolvimento da criança. • Monitorar o desempenho escolar. • Sugerir estratégias de manejo do tempo. • Aquisição de novos hábitos e amigos.

Estágio V: Famílias com adolescentes Marido-pai, Mulher-mãe, filho e/ou filha

• Os adolescentes desenvolvem crescente autonomia; • Equilibrar liberdade com responsabilidade. • Os pais reorientam-se para as questões de carreira e da metade da vida conjugal; • Os pais começam uma mudança no sentido de preocupar-se com a geração com mais idade; • Estabelecer fundamentos para atividades dos pais após a saída dos filhos.

• Estabelecer relação que reflita aumento de autonomia; • Informações sobre o desenvolvimento do adolescente. • Sexualidade e hábitos. • Estilo de vida.

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Estágio VI: Famílias como centro de partida Marido-pai-avô, Mulher-mãe-avó

• Os pais e os adultos jovens estabelecem identidades independentes; • Renegociar as relações conjugais;

• Trabalhar aceitação da multiplicidade de entradas e saídas na família. • Acomodação ao fim de papel de pais e estabelecimento de relações adultas com os filhos.

Estágio VII: Famílias de meia idade Marido-pai-avô, Mulher-mãe-avó, filho-irmão-tio, filha-irmã-tia

• Reinvestem na identidade do casal; • Desenvolvimento de interesses diferentes; • Realinhamento das relações para incluírem afiliados e netos; • Planejar o futuro financeiro e aposentadoria; • Lidar com as incapacidades e a morte da geração com mais idade; • Prover conforto, saúde e bem estar ao casal.

• Encorajar a fazer planos para aposentadoria, lazer e moradia. • Discutir sexualidade e processos ligados ao envelhecimento. • Explorar o papel de avós.

Estágio VIII: Famílias em envelhecimento Viúva, Viúvo, mulher-mãe-avó, marido-pai-avô

• Deslocamento da função de trabalho para aposentados e para semiconfinamento ou recolhimento total; • Prover moradia e segurança financeira; • Mantêm o funcionamento individual e do casal enquanto de adaptam ao processo de envelhecimento; • Preparação para a própria morte e aceitação da perda do parceiro e/ou filhos e de outros amigos; • Integridade do ego.

• Tópicos de saúde na terceira idade. • Revisar a vida como recurso para a saúde mental. • Terapias ocupacionais e lazer. • Lidar com as perdas (amigos, parentes, cônjuge e outros).

Adaptado de: WHALEY & WONG. Enfermagem Pediátrica (1999); de: De DUVALL. Manual de Medicina Familiar (1994) e de: MOYSÈS, Samuel Jorge. PSF – Ferramentas (2003).

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F.I.R.O. (Fundamental Interpersonal Relations Orientations)

O modelo FIRO foi projetado por Willian Schultz com objetivo de estudar grupos em um sistema social e

adaptado por W. J. Doherty e N. Colangelo para estudo e terapia com famílias. Especificamente com relação à família, destina-se a compreender melhor o seu funcionamento.

É muito utilizado para entender: • Alterações no ciclo de vida familiar. • Avaliação das disfunções conjugais ou familiares. • Doenças graves. • Pacientes terminais. As relações de família podem ser categorizadas nas dimensões de INCLUSÃO, CONTROLE E INTIMIDADE

e constituem uma sequência inerente ao desenvolvimento para o manejo de mudanças na família. As três dimensões constituem uma sequência lógica de prioridades para o tratamento. 1. INCLUSÃO (“dentro ou fora”) – Refere-se à interação dentro da família, organização e vinculação. Há a

necessidade interpessoal de manter um relacionamento satisfatório. A. Estrutura: refere-se aos padrões repetitivos de interação que se tornam rotina. Relaciona-se a

organização da família, incluindo papéis e laços entre as gerações. B. Conectividade: refere-se a laços de interação entre os membros, relacionando-se elementos de

comprometimento, educação e sentimentos de pertencer. C. Modos de compartilhar: refere-se às associações interativas com o senso especial de identidade da

família como grupo. Envolve noções como rituais familiares e valores familiares. 2. CONTROLE (“topo ou base”) – Refere-se às interações que influenciam o poder dentro da própria família.

Existe a necessidade de se estabelecer e manter o balanço de poder nos relacionamentos. Os maiores tipos de interações de controle são:

• Controle dominante (tentativa de influência unilateral) • Controle reativo (tentativa de contrariar uma influência) • Controle colaborativo (tentativa de dividir as influências).

3. INTIMIDADE (“perto ou distante”) – refere-se às trocas interpessoais e sentimentos compartilhados,

esperanças, expectativas, proximidade ou distanciamento. Há a necessidade de se estabelecer e manter relações de amor e afeto.

Quando a família sofre mudanças, seus membros são forçados a renegociar os papéis com relação aos

itens anteriores (inclusão, controle e intimidade). Inclusão, Controle e Intimidade constituem uma sequência inerente ao desenvolvimento para o manejo

de mudanças na família, também constituindo uma sequência lógica de prioridade na intervenção na mesma.

Protocolo sugerido de Intervenção na Família com uso do FIRO (LIBRACH, Lawrence & TALBOT, Yves): 1. Itens relativos à Inclusão (“dentro ou fora”)

Desde que você descobriu a doença:

• Como sente o seu papel ter mudado?

• O seu papel atual lhe causa alguma preocupação?

• Como você se sente sobre o modo que os outros membros da família lidam com seus papéis? 2. Itens relativos ao Controle (“topo ou base”)

Desde que você descobriu a doença:

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• Você se sente suficientemente envolvido no processo de decisão de sua família?

• Você sente que a sua família tem um bom modo de tomar decisões? E quanto aos conflitos?

• Você sente se você e a sua família estão no controle da situação? 3. Intimidade (“perto ou distante”)

Desde que você descobriu a doença:

• Você se sente confortável em compartilhar os seus sentimentos com os outros membros da família?

• Existem emoções que você está relutante em dividir com outros membros da família?

• Você está satisfeito na sua relação com o cônjuge? Pais? Irmãos? Outros membros da família?

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P.R.A.C.T.I.C.E. O modelo PRACTICE foi projetado como diretriz para a avaliação do funcionamento das famílias,

focando-se no problema. Fornece informações sobre a dinâmica familiar e posicionamento desta frente os problemas enfrentados, ajudando o profissional de Saúde da Família a traçar intervenções para o manejo do caso específico.

P. Presenting Problem (Problema apresentado ou razão da entrevista) • Enfermidades, hospitalizações, problemas comportamentais e de relacionamento.

R. Roles and Structure (Papéis e estrutura)

• Função na organização hierárquica, barreiras (fronteiras), coesão e controle (do caos à rigidez). • A posição de maior poder refere-se a quem toma as decisões mais importantes, a quem geralmente controla os rendimentos familiares, ou de quem vem a “última palavra”. • Os papéis dos membros não causam conflitos desde que estejam claros e aceitos por todos, podendo ser definidos implícita ou explicitamente. • Deve-se estar atento ao grau de autonomia individual.

A. Affect (Afeto)

• Refere-se a como a família se comporta frente ao problema apresentado. • Expressão das emoções, tom emocional familiar (caloroso, entristecido, raivoso, bem humorado, etc.). • Famílias saudáveis são capazes de expressar uma grande diversidade de emoções, tanto positivas quanto negativas. • Deve-se estar atento para expressões de emoções que não são apropriadas à realidade vivenciada, pois podem sinalizar para dificuldades familiares.

C. Communication (Comunicação)

• Avaliar tanto a comunicação verbal quanto a não verbal ajuda a entender como a família se organiza. • Devem-se incentivar formas de comunicação direta em detrimento de expressões “veladas”.

T. Time in the family life cycle (Tempo no ciclo de vida familiar)

• A dinâmica de cada estágio do desenvolvimento é experimentada de forma diferente por cada família e influencia na ocorrência de enfermidades e resposta às mesmas.

I. Illness in family past and present (Enfermidade2 na família no passado e no presente) • Focalizar as enfermidades, podendo estas estar mascaradas em uma disfunção na unidade familiar. • Experiências com doenças anteriores, principalmente se freqüentes ou graves, modificarão a resposta no presente. • O significado da doença, a crença no sistema de saúde, hábitos de saúde e estilo de vida também podem ser determinados pela família.

C. Coping with Stress (Enfrentando o estresse)

2 Entenda-se enfermidade como a experiência de adoecer, como é vivenciar a doença, quais as perdas e ganhos determinados por esta doença.

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Residência em Medicina de Família e Comunidade e Especialização em Saúde de Família para Enfermeiros e Cirurgiões Dentistas

• Adaptabilidade, estratégias e soluções familiares ao lidar com enfermidades, tanto no passado quanto no presente.

E. Ecology (Ecologia)

• Interação da família com o meio. • Refere-se a suporte e contatos externos (sociais, culturais, religiosos, econômicos, educacionais e de saúde), ou seja, os recursos que a família dispõe para enfrentar o problema.

Page 20: Ferramentas de acesso à família 2012 (Carlos Brasil)

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Residência em Medicina de Família e Comunidade e Especialização em Saúde de Família para Enfermeiros e Cirurgiões Dentistas

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