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Fernando HugoMédico e deputado estadual

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Revist ntrevista

Entrevista com Fernando Hugo da Silva Colares, dia 17 de novembro de 2009

r-

Geimison - Deputado Fernando Hugo, osenhor sempre declara seu amor à Messejana,e muitas de suas ações parlamentares forame são voltadas ao bairro. A maior parte do seueleitorado é de lá e tem mantido o senhor na As-sembleia Legislativa há cinco mandatos. Hoje,cinquenta e três anos depois de ter ido morarlá, quem o senhor avalia ser mais importante: osenhor para Messejana, ou ela, Messejana, parao senhor?

Fernando Hugo - Eu tenho certeza que issotudo é fruto de um consórcio de trocas, amabili-dades, dificuldades, prazeres, questionamentose interrogações. Mas, nessa troca, nesse ir e virde tudo isso, eu tenho certeza que o ganhadorgrande é o Fernando Hugo da Silva Colares.Porque amo a Messejana feito uma paixão quenão se acaba mais. Amor desse tipo mais pare-ce uma passionalidade. Eu não me inquieto nemme entristeço de dizer por onde ando, seja aquiou em qualquer cidade maior do Brasil, que soude Messejana - a Vila Nova Real de Messejanadas Américas. Assim criada na época em que orei de Portugal decretou a sexta vila do Estado,que foi Messejana.

Janaína - Deputado, aos (seus) três anos deidade, a família do senhor foi à Messejana passaro feriado, a Semana da Pátria. E por ali perma-neceu como residente. Nessa época, Messejanaera uma entrada da cidade, era tanto um impor-tante centro comercial quanto geograficamenteposicionada em um lugar favorável. Então, foiuma questão de conveniência ir para lá?

Fernando Hugo - Foi uma viagem quase quefestiva, um feriadão, esse termo que naquelaépoca nem se usava, mas, naquele tempo, aSemana da Pátria era uma semana de come-morações, festividades, solenidades e feriado.Então nós fomos passar a Semana da Pátria lá eficamos na casa que foi alugada primordialmen-te. Até porque, é bom frisar que, nesse períodode tempo, ocorreu uma reviravolta socioeconô-mica na minha família. E os bens que se tinhaforam perdidos, e foi se afastando mais e mais aamarra maior da vida de meu pai, Aurino, e ma-mãe Odete, aqui, especificamente, em Fortaleza.Eu digo assim porque, àquele tempo, distrito deFortaleza, Messejana já era, mas a gente tratavaFortaleza como se fosse somente a capital doEstado. Bem distante, bem longe de Messejana.

Narjara - O que motivou esse declínio finan-ceiro da sua família?

Fernando Hugo - Acredito que a desadmi-nistração da empresinha de beneficiamento decera de carnaúba, alguma coisa relacionada

com doença nas vacarias que o papai e o vovôOlavo tinham aqui em Fortaleza. Tendo em vistaque, naquele tempo, todo o leite que abasteciaFortaleza, a grande cidade, era advindo de co-lheita manual em vacarias de distribuição, mui-tas vezes, em lombo de animal. Por aí, acreditoque seja o caminho dessa decadência econômi-ca da minha família.

Janaína - O senhor sabe o motivo que levouseus pais a ficarem lá? Foi a crise?

Fernando Hugo - É, mas não foi só por causada crise, porque, mesmo assim, a minha famíliatinha, sem ostentação maior, veículo de trans-porte, o que era diferencial imenso nas décadasde 50 e 60. Em Fortaleza, você chegava a contaras famílias que tinham carro. Lá em casa tinhadois carros, caminhão, tudo. Foi o atrativo tam-bém da bucólica Messejana, da paz, da riquezade um sítio que existia lá, onde nós moramosgrande parte da minha vida. E era nesse casa-rão, exatamente atrás da Igreja Matriz de Mes-sejana. Afora a imensa facilidade de meu avô ede minha mãe de fazerem amizades, o que ra-pidamente atraiu para dentro da nossa casa umconjunto de pessoas que qualificavam o nossobem querer à Messejana.

Vinícius - Na sua meninice em Messejana, oque mais lhe influenciou na sua personalidadeque perdura até hoje?

Fernando Hugo - O senso extremamentedifícil de ser encontrado hoje em dia das pala-vras amigos e amizade. Mas foi a amizade quegestou esse meu amor à Messejana, não só naestrutura geofísica do local, mas principalmen-te nas amizades de infância que lá nasceram eeternizam-se em nós todos.

Vuri - Deputado, qual a lembrança mais mar-cante que o senhor tem dessa época da infânciaem Messejana?

Fernando Hugo - Lembranças marcantessão muitas, mas, em especial a falta de energiaprogramada. Quando não existia ainda a ener-gia vinda de (Hidrelétrica) Paulo Afonso. Tinhaum sinal que piscava a energia naquele entornoda área central de Messejana, por volta de oitohoras. E quando eram exatamente nove horas, aenergia desaparecia. Era uma coisa que chama-va atenção. E nós crianças, que sempre quería-mos ficar mais, quando dava a hora do segun-do pisco, você já estava no primeiro sono. Masexistem outras coisas. A participação de todaaquela imensa quantidade de crianças, meninose meninas, principalmente meninos, no patamarda igreja à noite. Coisa de um bucolismo tremen-do! Lá no patamar da igreja, afora se conversar

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Tentamos entrevistar asenadora Marina Silva(PV). Quando ela veio aoCeará, em setembro de2009, embrenhamo-nosem um enorme tumulto,na Assembleia Legisla-tiva, para falar com ela.Nem assim foi possívelmarcar a entrevista.

o nome de FernandoHugo foi sugerido porGeimison Maia. A suges-tão causou polêmica naturma. Alguns defende-ram o nome do deputa-do. Outros rejeitaram. Nofim foi aceito. Agora erapreciso trabalhar duro naprodução da entrevista.

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Fernando Hugo acor-da diariamente entre 4he 4:30h. No quintal decasa, com dupla face derua, atende no consultó-rio, o qual está dentro dafundação por ele criada.Nela, são oferecidos ser-viços de consulta médicae encaminhamento deserviço social, além deconsultoria jurídica. Hádias em que a fundaçãoatende até 100 pessoas.Quando o momento éemergencial, medica-mentos são ofertadospara a população. Clinicadas 5 às 9h.

Popularizado pelo tra-balho médico, foi eleitodeputado estadual em1990. Cumpre atualmen-te o quinto mandatoconsecutivo, com vota-ções seguidamente maisexpressivas.

abundantemente sobre tudo, se participava detodo tipo de brincadeira infantil: bandeirantes,pega-pega, corre-corre, e, quando se podia e setinha tempo, um joguinho de futebol de bola demeia, porque era raro ter bola de couro lá.

Geimison - E as brincadeiras na lagoa?Fernando Hugo - Eram mais no período de

férias. Porque nós íamos e se jogava habitual-mente futebol na beira da lagoa, e se fazia aque-le banho gostoso em água límpida, pura e cris-talina, desprovida completamente da poluiçãofecal que hoje existe naquele espelho d'águamaravilhoso que banhou Iracema.

Emília - Foi nesse convívio nos arredores daigreja, nas conversas, que o senhor teve os pri-meiros contatos com política?

Fernando Hugo - No final de década de 50,(começo) de 60, a figura mais esplendorosa dapolítica de Messejana era o vereador (falecido)José Barros de Alencar. Vereador por sete ouoito mandatos consecutivos em Fortaleza, seisvezes presidente da Câmara Municipal de Forta-leza, era morador da nossa grande Messejana -nasceu ali no Ancuri. Afora ele, na década de 60,apareceu o Raimundo Edimílson Ximenes, quefoi eleito deputado estadual e era morador deMessejana, mais especificamente da Lagoa Re-donda. Era um político vibrante, dinâmico, forteno falar, agressivo. E eles dois me influencia-ram bastante. No evoluir do tempo, na décadade 70, também tivemos contato com o deputa-do estadual, que foi presidente da Assembleia,Paulo Benevides (já falecido), que era oriundode Mombaça (município do Sertão Central cea-rense, a 296 quilômetros de Fortaleza), mas mo-rava em Messejana. Era empresário de sucessoe foi, duas vezes, deputado estadual. Homemde prestígio junto ao governador Plácido Caste-lo (foi governador entre 1966-1970), tanto quefoi presidente da Assembleia Legislativa. São astrês figuras políticas exponenciais. É bom frisarque, na infância e adolescência, àquela época,não era costumeiro você ter contatos fáceis,como você tem hoje em dia, com os vereado-res e deputados. E eles eram pessoas que anda-vam, iam à feira, assistiam missa junto conosco,frequentavam o cinema. Tinham uma vida socialextremamente centrada na Messejana.

Vinícius - O senhor citou a casa que ficavapor trás da Igreja Matriz. O senhor costuma sereferir a essa casa como um coração de mãe.Por que o senhor se refere dessa forma e emque esses hábitos influenciaram a formação dohomem público Fernando Hugo?

Fernando Hugo - Veja bem. Chegar com trêsanos de idade, na inquietação travessa e traqui-nóide da infância. Sair de uma casa boa, luxu-osa, mas centrada ali na rua Senador Pompeu,próximo ao Frotão (Hospital José Frota) de hoje.E encontrar um espaço de um quarteirão inteiro,com um casarão imenso, embora de estruturaarquitetônica velha, altamente confortável paratodos os anseios, peraltices e correrias de umacriança, era verdadeiramente um sonho. Aforaisso, esse sítio era provido de árvores frutíferasdo tipo: sapotizeiros, mangueiras, siriguelei-ros, coqueiros. Todo e qualquer tipo de criança

encantava-se com aquela fartura. Cajueiros àspampas! Isso tudo nos fazia um contato de in-timidade que não tínhamos aqui e lá era exube-rante. Foi por isso que aquela casa, no períodode férias, consolidava uma festa para todas ascrianças dali. Era futebol de manhã, futebol detarde, brincadeiras de noite. Nós fazíamos da-quela vivência infantil uma espera constante deque as férias chegassem, ou de que aparecesseum feriadão. Principalmente a Semana Santa e aSemana da Pátria. Era comum, quando começa-va o ano letivo, nós pegarmos o calendário paralocalizar essas festas.

Mariana - O senhor cresceu e ainda mora naMessejana. Como foi essa mudança na Messe-jana daquela época para a de hoje? A sua visãode morador.

Fernando Hugo - A Messejana de minhainfância, infância mais pueril que se possa ima-ginar, era restrita praticamente à área da PraçaCentral da Matriz e o entorno acalçamentadode mais ou menos seis quarteirões quadrados.Transporte lá, na praça, tinha um Jipe e, a partirda década de 60, uma caminhonete Rural Wil/ys.Passava o ônibus de hora em hora. Isso tudo fi-xa-se na nossa mente e, ao ser interpelado pelasua pergunta, eu viajo e vejo esse filme todo, deuma forma gostosa. É um bucolismo que vem.A paz, a tranquilidade. A soberania maior de sesentar nas calçadas e juntas duas, três, quatrofamílias e conversar à noite. Isso é uma infân-cia que fica. É a professora que sai do colégioe passa e diz para tua mãe, teu pai: "Olha, eleprecisa estudar mais Aritmética" (voz alta comose falasse do outro lado do portão).

Na evolução do tempo, o crescimento deMessejana, marcadamente a se comparar comhoje, 50 anos após, é indescritível! A populaçãoimensa: condomínios, apartamentos, casas in-contáveis, cerco favelar no entorno da grandeárea de Messejana. Intranquilidade, inseguran-ça, falta de assistência primária para tudo e paratodos, isso hoje em dia é terrível. Mas hoje eusou um homem criado com todas as benessesda Messejana, com todos os bem estares quea Messejana propiciou, e essas dores que exis-tem hoje eu responsabilizo-me para tentar curar.Como médico, na individualidade de cada pa-ciente. Como homem público, até onde eu pos-sa fazer.

Geimison - O senhor acha que Messejanasempre foi um bairro com ares de interior? Tan-to anteriormente como hoje mesmo?

Fernando Hugo - Não, hoje não. Hoje você,estando em Messejana, imagina-se no (bairro)Montese, imagina-se em uma área da (avenida)Bezerra de Meneses. Trânsito agitado, toda essaurbanização doentia dos grandes centros, Mes-sejana tem, e, se você quiser, eu ainda mandoum bocado para sua casa!

Vinícius - Além desses aspectos de buco-lismo, das amizades que perduram até hoje, euacredito que Messejana também esteja muitovinculada à figura de seus pais, seu Aurino edona Odete. Como e com que frequência o se-nhor se lembra da figura dos seus pais e queimagem o senhor guarda mais deles.

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Fernando Hugo - A figura do papai Aurino eda mamãe Odete, no consórcio educativo quetive no Colégio Cearense e nas professoras, mefizeram o homem que eu sou. Tenho certeza,não sou o pior dos filhos de Deus nem o maissatanizado dos filhos do Diabo. Procuro pôr emação tudo de bom que eles me ensinaram. Issoaí é muita coisa. Minha mãe era uma figura mui-to católica e falava bem mais do que eu - vo-cês imaginam logo como era essa logorreia daOdete. Ela fazia amizade ao passar, distribuindouma simpatia e sendo uma pessoa de humanis-mo nos atos e de caridade na alma que fez comque rapidamente, por meio da Igreja Católica,ela fosse presidente da Legião de Maria e assis-tenciasse as obras de religiosidade, sempre navislumbrância de fazer o bem sem olhar a quem.Papai era muito sisudo, muito trancado, mas elequedava-se a essa intempestividade comporta-mental que a mamãe tinha de atrair as pessoas.E ele ia nesse bolsão. Por isso eles sempre sesentiram bem em Messejana. Depois, com opassar dos tempos, nós, filhos crescidos, o Ola-vo, meu irmão, já professor, e eu já médico for-mado, nunca quiseram nem pensaram sequerem sair da Messejana.

Janaína - O senhor a partir da quinta sériepassou a estudar no Colégio Cearense. Comoera naquela época sair da Messejana para virpara o Centro da cidade?

Fernando Hugo - Era uma viagem! Quandonós chegávamos, os alunos que moravam emFortaleza diziam: "Vixe, chegou a moçada daMessejana!". Como se fosse assim outro mun-do. Uma verdadeira viagem. E, na realidade, es-sas dificuldades eram grandes, porque a linha deônibus era marcada por horários, não era nessevai e vem de hoje, a área servida por dezenas deônibus. Era o ônibus de Messejana a Fortaleza,e esse ir e vir era sequenciado e acompanhado.por horário.

Narjara - Falando um pouco da adolescên-cia. O senhor é famoso por discursos acalora-dos e por um temperamento, aparentemente,forte. O Fernando Hugo adolescente tinha pro-blemas com isso?

Fernando Hugo - Não. Eu sempre era umpouco irrequieto no colégio, tanto na escolade Messejana, onde fiz as primeiras incursõesde aprendizado no antigo primário, como noColégio Cearense. Eu era tido como um alunodanado, na concepção das professoras, mas tal-vez isso seja interpretação errada daquelas quejá estão com Deus, né? (risos). Sempre fui um

pouco falante. Eu era orador de turma e habi-tualmente tinha uma certa facilidade de escre-ver. Isso me fez sempre ser visto dessa formadiferenciadamente boa para mim. Porém nuncative truculência comportamental. É interessanteque esse comportamento de plenário, onde euesbravejo, me dou de corpo e alma a externa r omeu pensamento, o meu questionar, às vezes,quem não me conhece pensa que eu sou assimuma figura bronca, tosca, rude, grosseira, abru-talhada e ignorante. Eu torço que você não pen-se isso! (rindo e olhando para a Narjara).

Bruno - Deputado, estou vendo ali uma ima-gem de uma santa. Então, me abriu a curiosi-dade para saber como é a religiosidade na suafamília?

Fernando Hugo - Muito grande. Católicos.Bruno, minha família tinha uma vivência como Catolicismo enorme. Isso por parte de minhafamília mais intimamente ligada: vovó Orcina,vovô Olavo, mamãe Odete e papai Aurino. Masa família do papai, que morava em Fortaleza, es-ses eram religiosamente (pronuncia sílaba porsílaba) exagerados! Eu diria assim. Quando euvinha passar um dia, dois ou três, uma semanana casa das tias, rezava o terço todo dia, comu.n-gava semanalmente, com assistência de missaem toda aquela orquestração quase fanáticaque os católicos tinham àquele tempo. Essa re-ligiosidade ficou bem presente no meu evoluirporque no Colégio Cearense os irmãos maristastratavam a educação em parceria com a visãodivina de que educar é um ato de amor. E issoera muito importante para nós. A figura da mãede Jesus, a Virgem Maria, é para mim uma figu-

IINo plenário, eu meentusiasmo. Não

entendo como se épolítico parlamentare não se bota amor

na fala, não sedefende um ponto devista com vibração"

FERNANDO HUGO I 81

Entramos em contatocom a chefe do gabinetede Fernando Hugo, Va-léria Cavalcante. Ela foibastante atenciosa e dis-se que conversaria como deputado a respeito daentrevista. Poucos diasdepois a pré-entrevistafoi marcada.

Fernando Hugo recebeos três estudantes daequipe de produção emseu gabinete, na Assem-bleia Legislativa. A equi-pe estava receosa deque o deputado não teriamuito tempo para con-versar na pré-entrevista.Na verdade, foram 2h30de conversa.

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Na pré-entrevista, umasvent-premiére da per-sonalidade de FernandoHugo: do nada, ele come-çou a consultar um dosentrevistadores, ViníciusMota. Motivo: excessode reservas lipídicas dorepórter. A consulta in-formal só deu lugar àpré-entrevista graças àintervenção contundentede Janaína Bras.

Fernando Hugo se emo-ciona quando fala sobrea dolantina. Na pré-en-trevista, o deputado, hojeuma figura rubra e robus-ta, revelou ter chegadoa pesar quase 50 quilos,no auge da drogadição,quando quase morreu.

ra muito importante. Como uma (pausa) pessoaque entrou na minha alma, como uma imagemque se criou no meu espírito, feita pela visãodos irmãos maristas: de que Maria era tudo, deque por ela fazia-se a intercessão do pleito, dopedido, do choro, do ai, do ui, da dor na terra,para que se obtivesse de Deus tudo o que há decurar. É óbvio que hoje eu tenho uma imagemdiferente. A imagem é a imagem, pura e sim-plesmente a imagem. Mas fica, e eu gosto derespeitar.

Geimison - Quando o senhor passou a estu-dar em Fortaleza, no Centro, aquele pré-adoles-cente Fernando Hugo começou a experimentaruma maior liberdade, saindo das barras da fa-mília?

Fernando Hugo - Foi um choque muitogrande. Você imagina você sair de um colégioonde existiam quinze, vinte alunos numa salade aula e passar a frequentar o Colégio Marista,na Capital, com salas de aula de 40, 50 alunos.Isso para mim era um tormento, eu me sentiacompletamente irrequieto com aquela multidão.Afora isso, o choque de falar, a forma de se ensi-nar. Sem aquela assistência quase que maternalda professora que te conhecia, que sabia ondevocê morava, que você encontrava-se com elana igreja, no mercado, na feira e que criava umavinculação, pelo menos visual, de respeito e deadmiração. Foi um choque grande. E o choquemaior foi o ato-fato de que nós convivíamos, nassalas de aula do Colégio Cearense, com mais deuma professora. Vixe, isso me inquietava de-mais! Quando terminava uma aula de Geografia,que entrava a professora de Matemática, quenão era a dona lolanda, a dona Telina, a donaMaria do Carmo, a dona Augusta, eu achava umnegócio do outro mundo. "Como é que pode?Sai uma e entra outra na mesma evolução docurso". Mas deu para superar.

Emília - Deputado, foi a sua loquacidadeque já nessa época lhe destacou dentro do gru-po que veio de Messejana? Em que ocasiões,na escola, o senhor era convidado a discursar,a falar?

Fernando Hugo - Aniversários, eventosfestivos, comemorações, datas da escola oudatas da civilidade brasílica. É bom frisar que,na forma de educar do Colégio Marista, nóstínhamos, nas aulas de Português, em váriasocasiões, professores que abriam até o espaçopara você cantar. Isso, cedo, foi importante paraque eu desinibisse-me frente a falar pra turma epra apresentar-me na frente de todos. Mas essa

ti I

- .

forma de falar, até hoje eu não entendo comoé que ela veio. Acho que eu lia um pouquinhoe essa leitura fixou-se em mim de forma a quevocês possam dizer que eu tenho essa logorreiaque mostro ter nas minhas apresentações doplenário ou da vida comum.

Janaína - Na época da escola, o que o se-nhor lia?

Fernando Hugo - Todos esses livros de edu-cação infantil. Afora, no Colégio Cearense, ondehavia uma indução ao estudo de Literatura doromantismo brasileiro e da idade moderna. li-vros que me fixam bastante: em especial, a mi-nha bíblia descritiva, pelo Graciliano Ramos, éVidas Secas. E, no ato de fazer com que se tenhauma escrita de qualidade diferenciada, é Joséde Alencar com Iracema ou qualquer outro livro.

Vinícius - Deputado, como a cidade de For-taleza se apresentava para o senhor? Como éque o senhor via Fortaleza naquela época?

Fernando Hugo - Como uma cidade grande.Com medo de carro, que já tinha bem mais doque se pode imaginar lá na bucólica Messejana.Era descer na Avenida Visconde do Rio Branco,atravessar a avenida com muito cuidado, commedo de ser atropelado, e já entrar no colégio.Sair do Colégio Cearense, atravessar a (aveni-da) Duque de Caxias e ir até o ponto de ônibusde Messejana, que ficava ali na Visconde do RioBranco, ao lado do Parque da Criança. E aqui-lo tudo era gigantesco. A visão que eu tinha doParque da Criança era que era um bosque infi-nitamente grande. Aquele laguinho lá no centroera uma verdadeira Amazônia d'água! (risos).Exatamente porque chocava-nos a imensa dife-rença de Fortaleza-Centro e de Messejana.

Mariana - a senhor está se referindo todoo tempo a "nós", não é? Eu imagino que seja osenhor e os seus irmãos. Como era essa relaçãocom seus irmãos?

Fernando Hugo - Éramos três irmãos. amais velho, o Francisco Olavo da Silva Colares,que é o professor Olavo Colares. a mais novo(Luís Roberto) faleceu em 1975. É extremamen-te interessante lembrar-se disso. Três compor-tamentos diferentes, três formas de pensar bemdiferentes. Mas na espiritualidade de tudo o queera brincar, de tudo o que era viver dentro dagestão familiar, obedecendo às normas, nóséramos muito ligados, muito íntimos até. Issofoi muito importante, porque, hoje em dia, tantoeu como o Olavo passamos isso que recebemosde nossos pais para nossos filhos. Ele tem doisfilhos, eu tenho três, e eu sinto que isso é joga-do, principalmente pela educação que eu rece-bi, para eles. É uma coisa que meus pais nosdotaram, que verdadeiramente não se aprendena escola, nem se abocanha na faculdade. É umaprendizado do dia-a-dia o bem viver, o respei-to ao direito do outro. Isso foi benéfico demaispara o modo alegre, festivo, irmão, competitivoque tivemos até 1975, quando em um acidentede carro meu irmão faleceu.

Geimison - E a decisão do senhor de esco-lher a Medicina como curso superior, isso veiode uma vocação que o senhor foi descobrindoao longo do tempo, ou teve alguma pressão fa-

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miliar nessa escolha?Fernando Hugo - Veja bem uma coisa. O

'quente' da época já era Medicina. Quente queeu digo era de competição: Medicina, Arquite-tura, Engenharia e Agronomia. E tinha, àque-la ocasião, um famoso concurso do Banco doNordeste, que era feito pra técnicos de desen-volvimento econômico, os TDEs do Banco doNordeste, que era um verdadeiro vestibular. Osgrandes economistas por aí, todos passarampor esse concurso do Banco do Nordeste. E erauma coisa que diziam muito que eu fizesse, masa minha total forma de ver a Aritmética e Mate-mática como dois bichos dragonescos, armadosde sangue e fogo, me afastou completamentedessa ideia. Então, quando eu estava no evoluirdo cursinho, que era o equivalente ao terceiroano científico daquela época, eu dediquei-me decorpo e alma e vi que adorava Biologia, que gos-tava de Química Orgânica, embora da outra quí-mica (Físico-Química) que tinha muito númeropelo meio não era a minha praia. E isso induziu aque eu sempre fosse um estudante de cursinhopensante em um dia botar um jaleco de médico.

Geimison - A doença da sua avó também in-fluenciou? Ela teve um AVC (Acidente VascularCerebral) e o senhor cuidava muito dela.

Fernando Hugo - A vovó morreu, se não mefalhe a memória, em 28 de janeiro de 1970. E eutive com ela uma dedicação e uma intimidadede tratar, que me fez com que o lado sentimen-tal da Medicina, o lado extremamente d'alma daMedicina, me despertasse, me fizesse pensarmais e mais. Por isso, quando todos diziam queeu fizesse o TDE do Banco do Nordeste, fosseeconomista, na minha alma o reinado da Arit-mética era zero. E o amor que eu já tinha, talvezbem no fundo do cérebro, onde há aquela áreaobscura de percepção que ninguém enxerga,à Medicina tivesse nascido nesse quadriênio(1966 a 1970) de sofrimento da vovó Orcina, queeu assistenciei-a como neto e como enfermeiro,vamos dizer assim.

Vinícius - E como é que foi esse período dafaculdade? O senhor teve de conciliar estudo etrabalho.

Fernando Hugo - Já na época do cursinho,em 71, eu já dava aulas. Aliás, cedo, pra minhamanutenção pessoal, eu dava aulas particula-res. Em 71, eu gerenciava um núcleo de ativida-des do Movimento Brasileiro de Alfabetização,o Mobral, e disso, tirava o sustento pra ir e vir,pra guardar o dinheirinho do final de semana.Depois, na faculdade, com as dificuldades enor-mes, eu dava aula pela manhã cedo e, muitasvezes, à noite. Muitas foram as semanas (enfati-za) que de segunda até sábado, contando comnoites de virada de estudo, que eu não dormimais do que dez, doze horas, e descontava nosábado à noite e no domingo. Sem deixar de iràs minhas festinhas pra não deixar de participarda vida social das curriolas da época.

Narjara - Foi nessa época que o senhor per-deu o seu irmão?

Fernando Hugo - Dia 30 de junho de 1975.Ele estava servindo à Aeronáutica. Ele tinha umdesejo imenso de ser piloto, e foi a uma missão

liA clínica vivia maischeia do que o

Castelão em dia deCeará x Fortaleza,mas o meu bolso

vivia mais vazio doque o açude do Orós

na seca de 58"aqui na Parnaíba (PI), e lá houve um acidente deautomóvel, de automóvel não, de um jipão da-queles da Aeronáutica, e ele faleceu.

Narjara - Que impacto isso teve na sua per-sonalidade, na sua vida?

Fernando Hugo - Foi enorme! Um impactogrande porque eu tive que ser, de repente, umverdadeiro pai da mamãe, pela imensa (enfati-za) dedicação que ela tinha a nós todos, e eleera o pirralho menor, era o mais jovem dos três.E a sisudez do papai embotou-se numa tristeza,que eu passei a ser até um misto de psicólogo,de conselheiro, de tudo. Afora os afazeres da fa-culdade, afora minha atividade laborativa comoprofessor. E o meu irmão que ficou era o Olavo,que era extremamente (soletra as sílabas) caia-do no que diz respeito à partilha do sofrimento,que nele foi tão grande quanto em nós.

Vinícius - Deputado, o senhor não escon-de de ninguém que foi dependente químico dedolantina. Como isso começou e quantos anosdurou?

Fernando Hugo - Eu estava no Hospital doExército, em 1978. E, a partir dali, numa cirurgiaque fui efetuar na mandíbula, para extração deum dente inciso, eu fui aconselhado pelo colegacirurgião-odontológico a tomar uma ampola dedolantina, que é um derivado opiáceo, entorpe-cente, analgésico de alta potência, direi assimpra vocês entenderem. E, a partir daí, gerou-seuma dependência imensa, enorme, que me fezviciado, drogadito, da dolantina, e infortunouminha vida e desafortunou a de meus amigose familiares durante muito tempo. Interessanteque hoje eu falei nisso aqui (na Assembleia), eeu expus no plenário mais uma vez, de novo,novamente, essa situação que precisa ser tra-tada com carinho, amor, afeto e compreensão,coisa que os governos brasileiros não estão ten-do.

Emília - O que a Dolantina fazia com o se-nhor, o que ela despertava, alterava no senhor?

Fernando Hugo - Tudo o que é diferente deeu aplicar uma injeção de dolantina em você.Porque esses estudos, hoje em dia, mostramque as reações de entorpecentes, psicotrópicose todos esses derivados de canábis, de cocai-náceos, são individuais. Você pode pegar um

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Observando a vermelhi-dão da pele de Fernan-do Hugo, ainda na pré-entrevista, a intrépidarepórter Janaína Brasnão resistiu: "Deputado,o senhor come muitacenoura?". Ele disse quenão, mas estava verme-lho e rindo.

Agora, era preciso ir aoencontro de pessoas queconviveram com Fernan-do Hugo. Os escolhidosforam o irmão, Olavo Co-lares, e o amigo de infân-cia Paulo Afonso.

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cigarro de maconha, fumar e dizer: "Isto é umaporqueira, isto não serve de nada, sujou minharoupa e estou fedendo". E pode outra pessoa, oBruno de repente, dizer: "Isso aqui é um paraí-so". Uma injeção de dolantina, aplicada no mús-culo de qualquer pessoa, gera num período dedois, três minutos, aproximadamente, uma hip-nose, uma tranquilidade, uma analgesia, umapaz interior, que habitualmente acompanha-sede sono. Eu não, eu ficava moderadamenteexcitado, com uma logorreia imensa. Evidente-mente, era uma anomalia comporta mental, quepropiciou esse hábito de dependência tudo detempo que eu perdi com esse malfazejo ato deser um drogadito.

Narjara - Esse problema do vício em dolan-tina atrapalhou de alguma forma a sua carreira?

Fernando Hugo - Custou-me, eu quero crer,oito anos da minha vida. Você já imaginou, euque era médico iniciante na carreira, profissionalcom uma grande busca de pessoas admirandoo meu discernimento de médico-clínico. É umtempo perdido, o plantão, (eu) deixava de ir; oconsultório (eu) deixava de fazer, deixando de-zenas de pessoas a esperar. Isso é um buraconegro na minha vida, mas não me abalou. Pelocontrário, em ressurgindo das cinzas - que eu jádiria estar morto, pesando 53 quilos, sem que-rer muita conversa com ninguém, só vivendopara a droga ... E a droga egocentriza tudo queé de ação, seja no preto, no branco, no pobre,no rico, no crente, no ateu. Eu sou um vitoriosoe isso me jubila, me leva pra cima. Saio por aí,converso bastante, dou palestras. E estou apto,alegre e satisfeito por estar vivo e por não ter,pela dependência, matado alguém, coisa corri-queira na drogadição.

Mariana - Houve algum tipo de tratamento?Como o senhor conseguiu sair desse processo?

Fernando Hugo - É uma novela. Estive inter-nado em instituições, estive internado na Clíni-ca Maxwell, lá em Atibaia (SP), que é o maiorcentro de ressocialização e recuperação de dro-gaditos. Gerou um desajuste familiar enorme.Minha mulher, por orientação de psiquiatras epsicólogos, saiu de casa, pra ver se isso trariaum trauma que me fizesse raciocinar de novo.Eu fiquei só. Fui morar, a chamado de meu paie minha mãe, com eles. Uma novela grande,

que posta-se a termo, quando numa madrugadadesafortunada, eu já de noites e noites viradastomando injeção, prometi a minha mãe e meupai que não iria tomar (dolantina), até porquenessa noite a mamãe teve um sonho alucinati-vo de que eu estava sendo preso. Isso mexeu,sei lá, com o resto de alma que eu ainda tinha arespirar e eu consegui renascer. Eu nasci duasvezes, diferente de você.

Vinícius - Conversando com o Olavo, eledisse que a família atribui a sua cura a um mi-lagre. a senhor acredita em milagres, ou que asua cura foi um milagre?

Fernando Hugo - Na forma vernáculo-vo-cabular da palavra milagre eu acredito (risos).a milagre é uma coisa inusitada, que acontececom o dedo de alguma entidade celestial ou me-tafísica, surreal. Foi um milagre. Porque deu-se,inclusive, num instante em que, eu já acho quetodos não acreditavam mais (na recuperação).E eu nem tinha a mínima vontade mais de viverfrente aqueles picos de depressão que o droga-dito tem. Teria sido um milagre. Se foi, obriga-do, Senhor.

Denise - Deputado, e a partir dessa sua ex-periência com a dolantina, como é que o senhoravalia os tratamentos que são feitos hoje para aspessoas com dependência química?

Fernando Hugo - Nas instituições privadase/ou aNGs (organizações não governamentais),cujas mensalidades variam de dois até cinco milreais - limitando por demais o acesso de po-bres e da classe média baixa -, o serviço é feito,quase sempre, com boa qualidade. Psicólogos,assistentes sociais, psiquiatras, médicos clíni-cos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionaiscompõem um cordão que faz com que o dro-gadito, que quer se recuperar, possa ter chancede sair dessa doença, contra a qual não existenenhum medicamento (baixando o tom de voz).Você está com pneumonia, toma antibiótico,fica boa. Não existe uma medicação específicapara lhe curar da drogadição. a remédio maisforte nessa recuperação é o amor familiar, oamparo, o carinho, o afeto dessas instituições.Na vida pública, os serviços no Brasil inexistem.No Plenário, já apresentei um projeto de indica-ção, rogando, suplicantemente, ao governadordo Estado do Ceará, Cid Gomes, que faça seisnúcleos de ressocialização no Estado do Ceará(para) o jovem, o adulto, ou o velhinho (enfati-za). Porque a droga, ela não tem idade preferen-cial. A droga é democrática, muito mais do quequalquer conceito que se possa ler. Ela dá nopreto, no branco, no amarelo, no rico, no pobre,no crente, no ateu, no doutor, no analfabeto, noPHD e no que nunca viu uma letra. Infelizmente,do jeito que está, o futuro do Brasil é caótico. aEstado do Ceará não tem um centro que tenhaleitos destinados a isso. a Hospital de SaúdeMental de Messejana tem lá 15 leitos pra desin-toxicação. Dez, quinze, vinte dias, o paciente étirado do hospital, volta muitas vezes pro seiofamiliar, onde existem múltiplas opções de re-torno pra drogadição.

Vuri - Como esse problema influenciou otratamento do senhor com seus pacientes?

Marcar a entrevista como irmão de FernandoHugo não foi das tarefasmais fáceis, pois o pro-fessor Olavo Colares nãousa celular. a primeirocontato foi através da es-posa dele.

Depois, Vinícius Motateve que usar algumasestratégias pouco orto-doxas. Ligou para o colé-gio onde Olavo trabalha,na hora do intervalo, epediu para falar com ele.A pré-entrevista com oprofessor foi marcada.

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Fernando Hugo - Veja bem uma coisa. Ha-bitualmente, com raríssimas exceções, quandoestava na dependência maior, eu não ia traba-lhar no consultório, trabalhar em serviço públi-co, fosse no IPEC (Instituto de Previdência doEstado do Ceará) ou na Secretaria de Saúde. Eera um médico bastante procurado, sem quererlantejoular-me. Não ia ao plantão, porque vocêdessocializa-se. No uso da droga, você perde,por bloqueio do superego, aquelas primárias eprimordiais noções de respeitabilidade, de edu-cabilidade, de amor ao que faz e faz bem feito.Você pode até num ato médico que fosse, fazermalfeito e prejudicar alguém. Então eu não ia.Por isso, eu passei grande parte desse tempolonge de atividades médicas, fechava o consul-tório, sem ir a plantão, de licença, em tratamen-to continuado, com a orientação de psicólogos,psiquiatras, clínicos e orientadores específicos.

Vuri - O senhor acha que a relação que temcom os pacientes atualmente mudou por causadisso?

Fernando Hugo - Não. Já na época da fa-culdade, meus professores diziam que eu eraum clínico nato. E eu gosto de conversar comos meus doentes. Percucientemente analisar,questionar e ir em busca de fazer o diagnóstico.Isso pra mim é orgásmico, dá um prazer imen-so. Examinar um doente como eu aprendi há 35anos atrás. De sorte que, hoje em dia, eu aindacontinuo na atividade médica, no meu consul-tório em Messejana, aberto à população. E euacho que deve ter alguma coisa diferente, quevem gente se consultar comigo de Pernambu-co, do Pará, do Maranhão e já veio até gente deMinas Gerais.

Geimison - O senhor já falou do caráter hu-manista que a sua mãe tinha na pré-entrevista(durante a produção da entrevista). Tambémjá criticou algumas pessoas da Messejana queiam fazer o curso de Medicina e depois não que-riam atender a população local. Foram esses osfatores que levaram o senhor a essa prática daMedicina Humanitária, de atender gratuitamentea população do bairro? O caráter humanista dafamília e uma certa indignação com esses ou-tros profissionais que não tinham esse despren-dimento?

Fernando Hugo - Eu acho a primeira opção.Se é que existe algum cunho genético, que nin-guém pode imaginar e nem há mapeamento prase ver isso. A importância da mamãe como figu-ra caritativa, humanista, é muito forte na minhapercepção de cidadão crescido sob a tutela e aeducação dela. Eu preferencialmente diria isso.

Bruno - E a partir de que momento o senhorcomeçou a fazer esse atendimento gratuito?

Fernando Hugo - Desde a época que eu eraaluno da faculdade. Sempre fiz. Interessante-mente, depois de formado, uns amigos, e emespecial o amigo Everardo Vasconcelos (pro-prietário da Granja Soevert, montou pratica-mente uma clínica ali na praça central de Messe-jana. A clínica vivia mais cheia do que o Castelãoem dia de Ceará x Fortaleza, mas o meu bolsovivia mais vazio do que o açude do Orós na secade 58.

Narjara - A Medicina Humanitária começouantes da política, não é isso?

Fernando Hugo - Muito antes.Narjara - Mas o senhor ainda é acusado de

assistencialismo. O que é que o senhor avaliadessa ...?

Fernando Hugo - (interrompendo) Olha, vejauma coisa. Eu acho que sou assistencialista,dentro da conceituação do termo assistencialis-ta. Se querem me inserir como um político quefaz esse tipo de ação naquela forma do torna-lá-dá-cá, deixe essa visão no vislumbre bestial da-queles que não me conhecem (bate com o dedona mesa várias vezes). Lá no meu atendimen-to médico diário, com toda a minha equipe deadvogados, de assistentes sociais, de pessoasque fazem o bem pelo bem, sem olhar a quem.Lá em casa nunca, com toda a intransitividadeda palavra nunca, se pediu um título de eleitor.Nunca. Se acham que eu sou assistencialista,titulem-me desse jeito. Serei, mas não mudareio meu jeito de ser pro meu povo.

Janaína - O seu amigo Paulo Afonso relatoupra gente uma história interessante. Ele falouque, certa feita, um empresário gaúcho chegouao seu consultório, lá na (avenida) Antônio Sa-les. e o senhor se recusou a cobrar o serviço.Então, não é uma questão só de a populaçãonão ter dinheiro? É mais da natureza do senhorde achar que a Medicina tem de ter esse cará-ter ...

Geimison - Não é uma coisa que se deva ga-nhar dinheiro com isso?

Fernando Hugo - Eu tenho uma visão ex-tremamente objetiva do que é ensino público,principalmente, numa faculdade como Medici-na. Você entra na faculdade, recebe do poderpúblico tudo e mais alguma coisa de ensina-mentos, de curso caro, caríssimo. Você sai de láe nada fazer em troca? Eu acho um destempero.Eu acho até que, pasmem, certamente seria atéuma ação ditatorial, que não passa nunca pelaminha mente fazê-Ia, mas eu acho até que seria

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Olavo falou da convi-vência familiar, deu maisdetalhes de como foipara a família enfrentara dependência de dolan-tina do irmão. Tambémcontou histórias inte-ressantes da infância deFernando Hugo, como odiscurso sobre o carvão- tema da última pergun-ta da entrevista.

Janaína Bras foi ao bairrode Messejana. Ela pas-sou o dia por lá e con-versou com a populaçãopara saber como o Dr.Hugo era avaliado. Mui-tos foram os elogios aomédico e deputado.

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A conversa com PauloAfonso ajudou a equipe aentender a trajetória mé-dica de Fernando Hugo e,principalmente, a medici-na humanitária pratica-da por ele. Na conversatambém foi possível co-nhecer o início da traje-tória política de FernandoHugo.

17 de novembro de 2009.É chegado o dia da en-trevista. Fernando Hugobrincou: "Sintam-se àvontade, perguntem tudoo que quiserem, respon-derei só o que eu quero".Apesar do aviso, ele aca-bou respondendo a tudoque foi perguntado.

obrigatório um profissional dar tantas horas porsemana de trabalho gratuito, como recompensado processo de formação. Eu não vejo nada dediferente disso. a indivíduo ser empresário, po-bre, culto, analfabeto, toscamente educado, pramim é indiferente. a ser humano é igual. Mas,certamente, o Paulo Afonso não deve ter se lem-brado que eu disse pra ele (o empresário) queproporcionasse uma festa para a criançada láda favela das (estala os dedos pensando ... batena mesa ao se lembrar) da beira do açude doJangurussu, a favela do Parque Betânia. "Pron-to, você pega o dinheiro da minha consulta, vailá e faz uma festinha pros meninos." Saiu muitobem pra mim. Eu sou milionário sem ter riquezanenhuma. Eu tenho um bicho chamado amiza-de, que eu encontro em todo e qualquer canto.Esse gerenciamento, muitas vezes, é feito porfiguras que me admiram à distância. Grandesempresários daqui vêm nesse gabinete, não ésó pela minha zoada de plenário ou de jornal,não! É porque sabem, vêm. Muitos ajudam omeu trabalho. Muitos chegam lá (no consultó-rio) com caixa de remédio. "Quer ver, rapaz, voulá dar isso aqui pro Dr. Hugo!". (abranda) É bom,não faz mal a ninguém, não. (reflexivo)

Vinícius - Deputado, falando nas amizades,a gente apurou que o senhor é popular na Mes-sejana há muito tempo, muito antes de entrar navida política. Como é que o senhor se sente comessa popularidade e em que isso mexe com avaidade do senhor?

Fernando Hugo - Pergunta muito gostosa,boa! (pausa) Todo e qualquer ser humano, mes-mo não vaidoso ou como eu que diz-se ser nãovaidoso, fica alegre, satisfeito com o abraço, otapinha nas costas, o aplauso, com o "oi, Dr.Hugo". Dia de domingo, desde a minha ado-lescência, frequento a feira de Messejana, ondefrequentam 50-60 mil pessoas. Logicamente eunão vou pegar na mão de 50, 60 mil pessoas.Seria uma estupidez eu dizer isso. Mas é gosto-so. Se eu saio à praia, vou ao cinema, ao está-dio, principalmente depois da televisão aqui (TVAssembleia), essa popularidade mexe, induz umriso que extravasa a contratura labial e vem dedentro da nossa alma. É gostoso ser popular, eisso cria em nós, mesmo dizendo como eu quenão sou vaidoso, uma vaidade.

Geimison - Como foi esse processo de re-solver disputar uma eleição? a senhor tentoulogo de cara esse desafio? Queria que o senhorcontasse também como foi a primeira campa-nha eleitoral.

Fernando Hugo - Veja bem uma coisa. Eufalei há pouco que o vereador José Barros deAlencar era uma figura maravilhosa na vida po-lítica de Fortaleza, que saiu de Messejana. Elefaleceu em 1988. E a minha amizade com o filhodele, o Francisco José, fez com que nós parti-cipássemos de uma eleição, a de 88, para queele disputasse, o Francisco José, a vaga deixadapelo pai dele. Infelizmente, ele não era do ramopolítico, e não deu certo. E passaram-se os dias,correram-se os meses, e de repente um grupode amigos me foi visitar, em 1989, e propuse-ram que eu me candidatasse a deputado esta-dual, que a campanha de deputado estadual eraem 1990. Eu até ri na ocasião, frente à condiçãoinexistente de se bancar uma eleição, numa áreacomo Messejana, para se tentar uma candida-tura a deputado estadual. Ri, mas fiquei alegrepor excelência, e eles disseram: "A condiçãode bancar a campanha é a tua popularidade, oteu bem querer com as pessoas". É esta aceita-bilidade que há pouco vocês (entrevistadores)referendaram. E assim dito, assim feito. Enfren-tarmos a campanha e está aí, vocês estão meaturando até hoje.

Geimison - E como foram as dificuldades daprimeira campanha eleitoral?

Fernando Hugo - Só um carro 'véi' Passat,que tanto andava pouco, como dava o prego.Uma vontade enorme. as amigos de infância fa-ziam reuniões quase que quarteirão a quarteirão.A população, muitas vezes, aprontava artesanal-mente, no sentido maior da palavra, bandeiras,bandeirinhas, bandeirolas, adesivos e, dessejeito, criou corpo. Tivemos uma coligação, emque eu entrei filiado pelo Partido Liberal, com oPartido Social Cristão. E nós conseguimos sereleitos com 7766 votos.

Narjara - Senhor deputado, o senhor é umcrítico do PT, né?

Fernando Hugo - Começou a desconversaro negócio.

Narjara - Segundo o material que a produ-ção apurou, seu irmão, o Olavo, disse que, naMessejana, o senhor recebe até votos de mili-tantes do PT. Como é que o senhor explica isso?

Fernando Hugo - Na realidade, partido po-lítico no Brasil não existe. Com aquele fervor,aquela manifestação continuada de vibraçãopelo partido político, como eu imagino que umpartido político deveria ser, untado de vibraçãocontínua, onde as dores do partido fossem di-vididas desde a estrutura direcional até os maissimples e singelos militantes. a PT, quando cria-do, propôs-se a assim ser. Veio sempre avocan-do pra si de que eram os justos, os honestos davida política do Brasil. E deu no que deu. Quan-do chegaram ao poder com a eleição de Lulada Silva, constituíram um conjunto de escânda-los de corrupção, prevaricação, peculato, de-sordem administrativa, improbidade de todo onaipe, nunca, jamais antes existente na históriadas Américas, não é só do Brasil. a mais sujo detodos partidos políticos da história do Brasil é oPT. E desafio pra ponta do lápis todo e qualquerhistoriador a assim discutir e debater comigo.(Leia a resposta do PT na página 91)

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Narjara - E os votos?Fernando Hugo - Os votos surgem exata-

mente daquilo que existe enraizado n'alrna. ver-dejante sempre, embora maduro de tempo, aamizade. Supera toda e qualquer visão política,partidária, ideológica, de religiosidade, enfim.

Vinícius - O senhor disse que foi incentivadopelos seus amigos a entrar na vida política praser para Messejana o que o José Barros de Alen-car tinha sido como vereador. Dezenove anosdepois, como é que o senhor avalia sua atuaçãoparlamentar nesse sentido? O senhor acha quecumpriu essa tarefa?

Fernando Hugo - (pausa) Muito bem ... Euacho que cumpri. Eu acho, não, que esse negó-cio de acho é de quem não tem convicção. Eutenho certeza que cumpri. Porque seria muitomais cômodo e muito melhor politicamente proFernando Hugo, se eu tivesse acostado-me auma multidão de convites da época do doutorJuraci (Magalhães), prefeito de Fortaleza (emtrês mandatos: 1990-1992; 1997-2000 e 2001-2004); da época do doutor (Antônio) Cambraia,prefeito de Fortaleza (no período 1993-1996); eaté recentemente de épocas, que eu não que-ro nem pronunciar o nome da atual desastrosaadministração de Fortaleza. E eu sempre tive omeu pensar centrado em pessoas que dirigirame dirigem o Estado do Ceará. Por isso, sem an-dar (bate com o dedo na mesa repetidas vezes)bajulativamente nas portas palacianas do Cam-beba de outrora e do Palácio Iracema de hoje(referindo-se às sedes do Governo do Estado),muito boa coisa em termos de saúde, educaçãoe área social, eu consegui trazer pra Messejana.Foram sapatos e sapatos de solados gastos. Sãoquilômetros de chão andados que você olha pratrás e não enxerga mais nem a poeira. Porém,vale a pena. Se não sou tudo aquilo que imagi-nei, estou na busca de um dia chegar lá.

Emília - Deputado, o senhor é conhecidopor ter um discurso exaltado, cheio de termosprovocativos, de sarcasmo. É intencional (o dis-curso), é uma estratégia para que suas palavrasrepercutam na mídia?

Fernando Hugo - Não, porque fi-Ios sem-pre desde que cheguei aqui (na Assembleia).Só depois da era Marcos Cais (presidente daAssembleia Legislativa entre 2003 e 2006) quea televisão chegou aqui. Aqui na Assembleia,em tempos passados, antes da televisão mos-trar a cara do Zé, da Maria, do Pedro, do Cazuzadiscursando, dizendo que é santo, que vai procéu (bate forte, duas vezes, na mesa), tinha diade o presidente abria a sessão e dizer: "Depu-tado Fernando Hugo, quinze minutos pro seupronunciamento", sem eu estar nem inscrito!Porque não tinha nenhum deputado inscrito. Seduvidas, pergunte ao Departamento Legislativo,eu não minto! Isso aí pode escrever com letrasdouradas: eu não minto! Hoje em dia, tem genteque dorme aqui, de rede armada, pra se inscre-ver cedo. É importante esse dado que eu disseaí. Se você disser, "Fernando Hugo, tinha genteque nunca falava aqui e hoje fala?" Muitos!

Geimison - Continuando a questão da ora-tória. Nela, há uma grande mistura de explo-

são, humor, sarcasmo e, principalmente, muitapolêmica. De onde veio isso, da sua formaçãofamiliar ou se desenvolveu ao longo do tempo,influenciado por alguma outra pessoa que o se-nhor admirasse?

Fernando Hugo - Nunca houve influência deninguém. Se você me perguntar tqueho maiororador político da história recente do Brasil, (euresponderia) Carlos Lacerda (jornalista e políticocarioca, 1914-1977). Mas se você disser assim:"Fernando Hugo, tem algum pronunciamento -que o induziu a ser assim - sarcástico, polêmi-co, forte de falar do Carlos Lacerda?" Não. Atéporque o que mais transfere isso é a visão e aaudição; e nós não temos essa documentaçãodo Carlos Lacerda. Porém, eu digo que o CarlosLacerda é uma figura brilhante na vida políticade plenário no Brasil ... Essa sua pergunta me fazinterrogar a mim mesmo, mas eu lhe digo umacoisa: quando cheguei, que comecei a me ma-nifestar aqui, sempre foi do mesmo jeito. Eu atéacho que, nos últimos tempos, tenho melhora-do. Porque, sem ser omisso nem conivente comos erros, eu já não detenho-me mais a criticarreiterada mente, por exemplo, esse desastre ca-ótico e infernal da administração de Linda Linsda Fortaleza horrorosa.

Geimison - Mas essa sua forma de se ex-pressar começou após a entrada na Assembleiaou o senhor é assim também com a família, comos amigos?

Fernando Hugo - Não, não, não. Eu sou umhomem comum, normal, de conversar com osfilhos, com os amigos, na troca de afinidades,intimidades, e num trato isonômico de falar comtodos. No plenário, eu me entusiasmo. Não en-tendo como se é político-parlamentar, e não sebota amor na fala, não se defende um ponto devista com vibração.

Janaína - O senhor se arrepende de algumdiscurso vibrante que descambou do bom sen-so?

Fernando Hugo - Já, já, já. Algumas vezesaqui a ignorância trazida pela adrenalina fez comque eu tenha sido grosseiro, agressivo na indivi-dualidade da pessoa. É diferente você discursarcriticando o Tribunal de Contas do Município(por exemplo) e (é) bastante diferente você dis-

liA importância damamãe como figuracaritativa, humanista,é muito forte na

minha percepção decidadão crescido soba tutela da educação

dela"

FERNANDO HUGO I 87

Fernando Hugo se iden-tificou rapidamente como Bruno Falcão, maisconhecido por nós comoTapioco. É que um so-brinho do deputado, jáfalecido, filho de OlavoColares, também se cha-mava Bruno.

Além do Tapioco, o de-putado tentou interagircom todos. Perguntouse o nome da Narjara eraindiano; brincou com aDenise, pois ela se man-teve calada até fazer suaprimeira pergunta: "Elafala!". Sobrou até parao professor Ronaldo Sal-gado, postado atrás dosalunos na sala: "O bomgeneral, na guerra, nãose atira ao combate não,ele vai mandando osbestas!".

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Fernando Hugo tem jeitode professor. Fala comose fosse um mestre emsala de aula. Se fala sobreseis lugares diferentes doCeará, desenha círculosimaginários no papel,como se visualizasse oque está sendo dito econfirmasse contando:são seis.

No gabinete há uma char-ge emoldurada em umquadro. Nela, FernandoHugo dá uma bronca nopresidente Lula por nãoprovidenciar a energianecessária para movera siderúrgica que vai serinstalada no Pecém, mu-nicípio do litoral do Cea-rá. Fernando Hugo apare-ce com a face avermelha-da e com um chapéu decouro semelhante ao deLampião.

110 mais sujo de todos os partidos políticosda História do Brasil é o PT. E desafio pra

ponta do lápis todo e qualquer historiador aassim discutir e debater comigo"

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cursar criticando o Zé ou a Maria lá do Tribunalde Contas do Município. Na personificação deusar o plenário para crítica, eu 'tô' fora. E issoa gente vai aprendendo com o envelhecer doerrar. Tenho bem vivas duas lembranças horro-rosas (de coisas) que fiz no plenário. Mas, inte-ressantemente, no imediatismo do mesmo diacorrigi uma, pedindo desculpas, que eu achoque não é um ato que desumanize qualquer ho-mem, pelo contrário, faz crescer; e um ou doisdias depois pedi desculpas a outro.

Vinícius - O que detona a explosão do seutemperamento?

Fernando Hugo - A mentira (bastante enfá-tico). A mentira me deixa ruborizado por dentroe por fora. Eu não consigo fazer política no eitomaledicente da mentira, da falácia, da engana-ção. Isso me tonifica, me vitaminiza a ir ao ple-nário, às comissões, a todo e qualquer debatecom uma força que penetra pelos meus porosde forma dominadora, e me faz falar alto, fazercom que proponha ações fortes. A mentira metira do sério. Por isso, de novo, outra vez, nova-mente, eu venho à história do PT. O PT, com aalma lavada e enxugada - como dizia OdoricoParaguaçu /personagem da ficção criada pelodramaturgo Dias Gomes) - de mentiras, fez oque fez. Daí a minha rejeição, do partido, nãodas pessoas.

Vuri - Sobre esse seu discurso que é sem-pre rico com as palavras ... Enfim, acredito queo senhor deve fazer muita questão de enfeitá-10.Mas o senhor não acha que todo esse voca-bulário seu, de certa forma, não se distancia damaior parte da população que não tem acesso auma educação melhor? Como é o seu métodopara preparar esses discursos?

Fernando Hugo - Não, porque muitas vezeseu até crio neologismos. Sem programação nemnada, e de repente eu desço e me dirijo de umaforma extremamente (falando sílaba por sílaba)comunicativa. "Fernando Hugo, é programado?"É não. É porque quando eu quero açoitar o por-tuguês pra que o Zé Mané lá do cabaré da Chicado Babau (batendo na mesa repetidas vezes) emMessejana perceba o que eu estou falando, eufalo. Eu só preparei um discurso na minha vida,que foi até redacionado pelo Fernando Pontes,que é jornalista. Foi o primeiro discurso meu naAssembleia. Foi o maior desastre que eu já vi naminha vida. Eu não sabia ler e olhar pra o povo.Abandonei (os discursos preparados). Não te-nho lembrança de preparar um pensar. Que éque acontece? Hoje, eu estou descendo para omeu atendimento (no consultório) às 4:45h damanhã, o menino disse: "Olha o jornal aqui".

Olho, digo, poxa, o assunto do Tribunal de Con-tas da União. Cheguei aqui e disse: "Dedé (DedéNogueira, assessor parlamentar de FernandoHugo), arranja um jornal". E vou pra tribuna. Elá, muitas vezes sem nem ter tido tempo de leros textos dos jornais, mas pegando a matriz, onúcleo central da coisa, eu faço (o discurso).

Narjara - Sobre as denominações que o se-nhor dá a alguns políticos, como a prefeita deFortaleza, que o senhor chama de Linda Lins. Jágerou algum problema? Alguma pessoa já veiofalar com o senhor sobre isso?

Fernando Hugo - Bem, a história da Luizian-ne Lins comigo aqui na Assembleia ... Ela foivereadora, eu não fui. Ela chegou aqui depu-tada, pessoa brilhante, questionadora, intrigan-temente inteligente, dona de uma percuciênciade buscar as coisas, de buscar o correto, desugar todos os erros de qualquer administraçãoe jogá-I os ao espaço sideral. Aí, ganha eleiçãopra prefeita e faz presente esse desastre com-porta mental, administrativo, cheio da incúria,irresponsabilidade, pobreza administrativa; emilionário, bilionário de mentira, enganações efantasias para o povo de Fortaleza. Eu achei porbem citar, então, Linda Lins - que ela pra mimfisionocamicamente é uma pessoa bonita derosto -, Linda Lins de Fortaleza horrorosa, con-trapondo-se aquele negócio que ela estampapor aí nos 'outdoors' - a propaganda FortalezaBela. Mas isso nasceu ali numa fala de plenárioe de repente pegou. E foi pra a imprensa, e daí,hoje em dia, se você não me disser que o nomeda prefeita é Luizianne Lins, é capaz de eu acharque é Linda Lins mesmo. E eu acho que ela nãodeve ter raiva de ser chamada de Linda, não; eLins é o sobrenome da família.

Denise - Deputado, fazendo um paralelo en-tre seus dois ofícios, de médico e de político,como é que uma coisa influenciou na outra?

Fernando Hugo - Uma é maternal e pater-nalmente dona da outra. A Medicina é que mefez popular. O contato diário com dezenas e, emalgumas ocasiões, até centenas de pessoas queprocuravam: "Dr. Hugo, veja isso aqui, resolvaisso aqui", coisas paramédicas. Por isso que aMedicina pra mim é o albergue que recebeu apolítica, que já existia, talvez silente, mas bempresente em mim.

Mariana - Deputado, o senhor citou que seorgulha de não ter enriquecido com a política ...

Fernando Hugo - (interrompendo) Eu nãome orgulho não. Se você arranjar um jeito deeu enricar, é já que eu quero (risos de todos).Se eu disse isso aí, é bom corrigir porque isso éuma hipocrisia (o deputado disse isso na pré-en-

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trevista). Eu me orgulho de não ter enriquecido,não. Eu me orgulho de ser um homem rico deamizades, de bem estar. Sem dúvida alguma, ariqueza de bens materiais que eu não tenho nãofoi por falta de oportunidades. Foi, muitas vezes,porque alguns costumes da minha formação fi-zeram com que eu não os buscasse.

Mariana - E falando um pouquinho disso, al-guém já tentou corromper o deputado FernandoHugo?

Fernando Hugo - Por isso que eu não sourico.

Emília - O senhor se descreve como umapessoa emotiva e explosiva. De alguma formao senhor teve de mudar a personalidade pra sepreservar, a partir do momento que passou aser uma pessoa pública?

Fernando Hugo - Não. Sempre fui emoti-vo, de choro fácil e de consternações fáceisde serem encontradas. Quando os momentosduros e difíceis dos meus familiares e amigos,ou mesmo de outros, exigem essa procedênciade comportamentos. Isso é tão presente que eunão mudei, sequer, o meu comportamento devida, a minha localização de habitação, nem aminha maneira de relacionar-se aqui na Assem-bleia. Sou emotivo, sei; sou explosivo, consci-ência plena tenho. Porém você nunca vai me verser explosivo num discurso no plenário e depoiseu guardar ódio, rancor porque o Zé ou a Mariapensaram diferente e contrapuseram-se a mim.

Vinícius - Deputado, quem são esses perso-nagens, Zé Pitoco, Chica do Bábau, são criadospelo senhor?

Fernando Hugo - Isso aí tem criado proble-ma, viu? Problemas bons. O Zé Pitoco e a Chicado Babau apareceram em pronunciamento, queeu nunca, com toda justeza de caráter Ihes digo,nunca programei. (pensando) "Rapaz, vou criarisso aqui!" Até porque não sou escritor, não te-nho visão criativa pra ser escritor. Mas o grandeculpado da existência, pra mim, brilhante, do ZéPitoco e da Chica do Babau foi o petismo chegarao poder. Eles nasceram nos meus pronuncia-mentos depois do senhor Lula da Silva chegarao poder e fazer tudo diferente do que se pode-ria imaginar. O Zé Pitoco, na minha concepção,é aquele que critica comportamentos absurdos,criados pelo Governo Lula primordialmente,que se contrapõem a tudo que eles diziam an-tes. Esse é o Zé Pitoco. Um bêbado que filosofaquase sempre no cabaré (da) - essa sim, mal-educada, explosiva, deselegante e deseducada- Chica do Babau, que quando está embriaga-da, rasga o palavrório mais açoitativo contra ocanelau (gíria cearense para pessoas pobres definanças e/ou de espírito) do PT. E isso, aqui eacolá, fere alguns dos deputados petistas queainda têm coragem de falar nesse partido quejá morreu.

Narjara - O senhor, em entrevista à equipede produção, fez uma crítica ao PSDB, seu par-tido, por não saber fazer uso do populismo. En-tretanto Messejana inteira conhece o senhor, osenhor diz que vai à feira, atende (como médico)a população gratuitamente. O senhor se achauma exceção do partido?

Fernando Hugo - Preste bem atenção. OPSDB não soube popularizar-se. Pela adminis-tração vitoriosa, o PSDB era ainda para ser o par-tido que mandasse na administração do Estado.Eu, como tucano vibrante que sou hoje em dia,acho que esse foi o grande erro. Eu critico bas-tante o PSDB pela forma de não entender queo povo precisa ter um contato constante comaqueles que, mítica ou idolatricamente, passama admirar. O fenômeno Tasso Jereissati é tãogrande hoje em dia que lembra assim um PadreCícero. Vá em qualquer grande cidade do Inte-rior acompanhado do senador Tasso Jereissatie você vai ver gritos que mostram, na presençado tempo atual, aquelas moçoilas que desmaia-vam quando viam os Beatles ou Rolling Stonesna década de 70. Eu estou citando o Tasso por-que ele emblematiza a maior liderança tucana. Eisso faltou ser distribuído popularmente.

Geimison - Deputado, o país vive uma gra-ve crise política de representatividade. A maiorparte da população acha que os políticos nãoestão antenados com seus desejos ou anseios.Eu pergunto: o que o senhor acha que precisamudar na política brasileira pra que a populaçãopossa vir a confiar nos políticos?

Fernando Hugo - Adoro dizer que sou políti-co, não tenho vergonha. No período de adminis-tração dos militares, que a historiografia bestialde alguns resolveu chamar de ditadura militar- eu prefiro dizer regime de administração dosmilitares com voto -, não existia ou era mínimaa corrupção. O que se vê hoje em dia é aquelapolítica desmoralizada, porque diariamente riosdeparamos com escândalos. Por isso, o desgas-te dos políticos no Brasil se faz bem presente. Émuito difícil (ouvir), mesmo (vindo de) pessoasrudes: "Todo político é igual". Quando se sabeque não é. No todo, o desgaste existe por causados constantes atos de corrupção que são mos-trados e, principalmente (sílaba por sílaba) - nãoestou defendendo os políticos, não -, porque aJustiça não tem ações rápidas, punitivas e se-veras.

Narjara - Deputado, o senhor citou a épocada ditadura militar, que o senhor prefere deno-minar regime militar, não é isso?

Fernando Hugo - É uma sinonímia. Massempre deixando claro que ditadura na minhaconcepção, não pode ser passada para popula-ção como uma ditadura comparativamente coma de Fidel Castro (em Cuba). de Mao (Tsé Tung,

FERNANDO HUGO I 89

Também ornam a parededo gabinete os diplomasdos cinco mandatos con-secutivos como deputa-do estadual, cuidadosa-mente emoldurados emcores diferentes; e asfotos de família, incluin-do mulher e filhos - úni-co assunto vetado pelodeputado.

Sobre a mesa do alvi-negro Fernando Hugo,um boneco trajando ouniforme do Ceará as-sando um leão, masco-te do time do Fortaleza.Segundo o deputado, oadorno é bem anterior àatual boa fase do Ceará,na primeira divisão, e máfase do Fortaleza, na ter-ceira divisão.

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Dentro da oratória 'hu-gueana', existem ex-pressões que repete otempo todo: "De novo,outra vez, novamente";"A tudo e a todos". Eledefine a própria retóricacomo "Iogorreia". O de-putado adora advérbiose, de vez em quando,conecta-os a adjetivosconstruindo pérolas taiscomo "extremamenteadrenalinizado.

Mais uma pérola: umarusga entre FernandoHugo e o então deputadoestadual João Alfredo.João criticava as admi-nistrações Tasso Jereis-sati e Fernando HenriqueCardoso. Aí FernandoHugo disse: "DeputadoJoão Alfredo, essa suaconversa já encheu de-mais. Você está igual acururu de beira de pote.A gente chuta com a vas-soura e lá vem você denovo".

na China). de (Josef) Stálin (na União Soviética),não tem como comparar.

Narjara - O senhor considera que a ditaduramilitar fez mais bem do que mal para o país. Porque o senhor acha isso?

Fernando Hugo - Embora eu tenha tido pa-rentes que sofreram por pensar ideologicamen-te diferente do Regime Militar, eu, numa análisefria que faço, digo e chamo pro debate: talveztivesse sido muito pior se aqueles planejamen-tos de verdadeiras intentonas comunistas, queiriam eclodir àquela época, tivessem vencido noBrasil. Primeiro, a mortandade teria sido muitomaior, traria pro cárcere muito mais gente. Se-gundo, se você bem observar a administraçãomilitar, o Brasil cresceu, progrediu e criou umaforma de administrar com execuções de gran-des obras. Está aí a Itaipu, a Ponte Rio-Niterói.Na parte de educação, o Mobral O que foi mo-vimento de alfabetização do Brasil (a sigla sig-nifica Movimento Brasileiro de Alfabetização).Pegue os dados estatísticos de educação doque era o Brasil: analfabeto (sílaba por sílaba).E a ditadura, ou Regime Militar, criou condiçõesdiferentes.

Janaína - O senhor se considera um conser-vador?

Fernando Hugo - Vixe, Nossa Senhora. So-bre o que, e de que forma essa pergunta podeser respondida. No geral?

Janaína - Moralmente falando.Fernando Hugo - Eu sou um moderado. Mas

conservador, na conceituação do que pode cairno reacionário, nem pensar. Mas eu sou ummoderado conservador. Conservador da formacomo fui educado, cristianizado, da maneiracom que aprendi respeitabilidade a outrem. Po-rém, é bom que se frise que isso não me ator-menta. O que me deixa extremamente adrenali-zado é quando me chamam de reacionário. Rea-cionário na minha ótica é o indivíduo que fechouos olhos, não evolui, mora em um passado ondeexala nos atos tudo que é um medievalismo decomportamentos. Isso pra mim tolhe toda a mi-nha paz, me chamar de reacionário. Agora, con-servador moderado eu sou.

Vinícius - Deputado Fernando Hugo, porque o senhor vai todos os domingos à Feira deMessejana e o que o senhor aprende lá?

Fernando Hugo - A Feira da Messejana eufrequentava na adolescência acompanhado domeu pai. Dominicalmente, ele comprava feijãoverde, maxixe, quiabo, macaxeira, carne deótima qualidade. E foi nesse frequentar o mer-cado que eu conheci figuras que, ainda hoje,(algumas) nos saúdam com alegria. Marchantescomo o Cazuza, o finado Zé Pezim, o Mário. Pes-soas que vendem merendas como caldo, pane-lada, buchada, sarrabulho. A feira é um abraçoaberto de mãe pra se discutir, pra se debater.Isso fez com que eu viciasse-me a estar na fei-ra, entre seis e sete horas da manhã, e andarde barraca em barraca, comprar o. queijo bom,comprar o feijão verde e conversar. Lá vocêencontra desembargador, juiz, delegado, pro-fessor. O academicista mais graduado e até oZé Pitoco e a Chica do Babau, que estão muitas

vezes lá me esperando.Janaína - O Bêbados e Melados tinha um

goleiro que agarrava muito.Fernando Hugo - (risada convicta do deputa-

do) Esse povo está com fome! (risadas convic-tas de todos)

Janaína - O senhor ainda joga futebol?Fernando Hugo - Não, hoje em dia, mais

não. O Bêbados e Melados, nosso time de fu-tebol, participava com grandes jogadores! ...Existia um campeonato lá em Messejana, ondeparticipavam 15, 20 agremiações, quase semprede famílias. Era um negócio bastante consor-ciado com o esporte pelo esporte, embora ascompetições fossem acirradíssimas. O Bêbadose Melados ganhou dois campeonatos. Eu era ogoleiro, coisa que levei do futebol de salão, queaprendi a jogar na seleção do Colégio Cearense.Era coisa pra caramba!

Narjara - Como é que surgiu esse nome dotime: Bêbados e Melados?

Fernando Hugo - Porque existia aquele con-junto que o Ney Matogrosso cantava, os Secose Molhados. E, na criação do time, passou namente de um tal de Fernando Hugo botar onome do time. Eu disse: "Rapaz, bota os Bêba-dos e Melados! Assim faz o contraponto comos Secos e Molhados". E foi aceito pela curriolatoda. E nós jogávamos e participávamos de jo-gos fora de Fortaleza. Era gostoso. Óbvia e logi-camente fica a saudade do tempo, mas hoje emdia eu não tenho a audácia irresponsável de mecadastrar, sequer, a passar perto de uma travede futebol (risos).

Vinícius - Então os atletas não entravam emcampo com um combustível extra, não?

Fernando Hugo - Quase sempre (risos).Tomava uma ou duas cervejas. Alguns não be-biam, mas o goleiro era preciso estar voltado nosentido mirabolante da palavra. Mas era tudofamiliar, e quase sempre o jogo chegava ao tér-mino sem nenhum ato de percalço de violência- coisa rara nos campos e nas quadras de espor-te hoje em dia.

Geimison - Por que o médico FernandoHugo detesta ser chamado de clínico-geral?

Fernando Hugo - (risos) Clínico-geral équem desentope pia, arranca parafuso, conser-ta motor de arranque, sobe em escada, apanhafruta, consulta, dentre outras coisas. Faz parto,costura dedo de menino cortado. Isso é uma ter-minologia sertânica por natureza que nós, médi-cos internistas, clínicos-médicos, que amamosa Medicina de qualidade clínica, temos pavor.Clínico-geral é pra aquele médico do sertão deoutrora, que fazia tudo e essas peraltices que eucitei agora.

Janaína - Deputado, depois de todo essenosso passeio, tanto pela Medicina como pelaMessejana e pela política, eu queria que a gentevoltasse ao começo da entrevista. O seu irmãoOlavo nos contou um fato interessante sobrequando o senhor tinha por volta de cinco anos.O senhor subia num tamborete e discursava so-bre a falta do carvão: "O Brasil tem que resolvero problema do carvão. Enquanto não resolver-mos o problema do carvão, este país não vai

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para frente". Hoje, o senhor, já homem formado,feito, político, médico, olhando tudo que se pas-sou na sua vida, que reflexão o senhor faz sobreaquela criança em cima do tamborete?

Fernando Hugo - É interessante o Olavorelembrar isso porque, na realidade, era bemcostumeiro, principalmente nas manhãs de al-moços dominicais, quando a família estava bemreunida, e os meus tios, dentre eles o poeta Ota-cílio Colares, insultavam-me verdadeiramentepra eu, na bestialidade pura, na forma infantilmais pueril que se possa imaginar, me trepar na-quele tamborete e ali, num palavrório destem-perado e sem uma calcificação que mostrasseuma linha, falar sobre coisas desse tipo. Como oOlavo se lembrou aí do carvão. Eu acho que setem alguma coisa que se transporta da infânciapra a adultice ... (com a voz ligeiramente embar-gada) Eu fiquei emocionado porque eu estoume lembrando de como era engraçado essa coi-sa que só uma criança pode fazer. Tão besta etão infantil, mas todos aplaudiam e riam daquelaminha maneira de falar ... O Olavo tem uma me-mória espacial! (risos) É por isso que ele é tidocomo um professor diferenciado! Esse cara foise lembrar disso (saquinho na mesa) ... Mas eraassim, de uma forma bem pueril. Acho que, sempercepção, isso transportou-se no tempo e hojeem dia eu brigo pelo carvão da refinaria que oLula não manda (risos gerais).

Resposta do presidente do Partido dos Tra-balhadores (PT) no Ceará, lIário Marques:

O PT ao longo dos trinta anos de existênciamostrou-se um partido democrático, comprática política diferente do conservadorismopolítico que sempre teve no patrimonialismoa sua marca. O PT tem um projeto para o Bra-sil e este projeto está em curso no governodo presidente Lula, cujos resultados apon-tam para uma revolução no campo social,além de projetar o Brasil com potência e umadas cinco maiores economias nos próximosanos. Além do mais, foi exatamente no go-verno Lula que mais ocorreu combate asredes de corrupção através de dezenas deoperações da Polícia Federal. Os ataques dodeputado Fernando Hugo, além de desquali-ficados, revelam o quanto o PSDB está semdiscurso e envergonhado de seu projeto exe-cutado na era FHC.

FERNANDO HUGO I 91

Na entrevista, o momen-to mais tocante, na opi-nião da maioria dos en-trevistadores, foi aqueleem que comentando so-bre o fato de não ser ricofinanceiramente, Fernan-do Hugo se orgulha damaior riqueza, as amiza-des: "É bom, não faz mala ninguém, não".