fernando henrique cardoso - teoria da dependência

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"TEORIA DA DEPENDÊNCIA" OU ANÁLISES CONCRETAS DE SITUAÇÕES DE DEPENDÊNCIA? ( * ) FERNANDO HENRIQUE CARDOSO (*) Texto apresentado no 2.º Seminário Latino- americano para el Desarrollo (promovido pela FLACSO, sob o patrocínio da UNESCO em novem- bro de 1970, Santiago, Chile) para comentar a co- municação de P. C. Weffort. "Notas sôbre a teoria da dependência: teoria de classe ou ideologia na- cional?"

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"TEORIA DADEPENDÊNCIA" OUANÁLISES CONCRETAS DESITUAÇÕES DEDEPENDÊNCIA? (*)

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

(*) Texto apresentado no 2.º Seminário Latino-americano para el Desarrollo (promovido pelaFLACSO, sob o patrocínio da UNESCO em novem-bro de 1970, Santiago, Chile) para comentar a co-municação de P. C. Weffort. "Notas sôbre a teoriada dependência: teoria de classe ou ideologia na-cional?"

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Nos últimos anos a insistência com que se tem fala-do na América Latina sôbre a dependência e as confu-sões em tôrno do tema são tantas que a primeira reaçãode quem, de qualquer forma, tem alguma parte de res-ponsabilidade na proposição do tema é a de fazer o meaculpa. Por outro lado, parece quase inútil entrar numadiscussão quando ela já assumiu uma conotação ideoló-gica tão forte que se torna difícil analisar os textos e asidéias em que se apóia.

O mea culpa a que me refiro não deriva do reconhe-cimento de um equivoco intelectual quanto ao ponto departida, mas decorre de que poderia ter sido previsto oefeito de um movimento crítico que partia de idéias queroçam a ideologia e que, por isto mesmo, provavelmenteterminaria mergulhado nela.

Nos trabalhos que escrevi sôbre dependência existeuma dupla intenção crítica. Por um lado — e êste as-pecto da crítica parece-me que ficou claro, e foi menoscombatido — critica-se as análises do desenvolvimentoque abstraem os condicionamentos sociais e políticos doprocesso econômico e critica-se as concepções evolucio-nistas (das etapas) e funcionalistas (especialmente ateoria da modernização) do desenvolvimento. A críticase faz mostrando-se que o desenvolvimento que ocorre écapitalista e que não pode desligar-se do processo deexpansão do sistema capitalista internacional e das con-dições políticas em que êste opera. Por outro lado, acrítica se orienta para mostrar — o que é óbvio, masnas análises fica muitas vêzes relegado a segundo, plano— que a análise "estrutural" dos processos de formaçãodo sistema capitalista só tem sentido quando referidahistòricamente. Que quer dizer isto?

Quer dizer, bàsicamente, que as estruturas condi-cionantes são o resultado da relação de fôrças entre clas-

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ses sociais que se enfrentam de forma especifica emfunção de modos determinados de produção. Trata-se,portanto, de valorizar um estilo de análise que apanha osprocessos sociais num nível concreto.

Ora, a partir dêste momento, a crítica não se orien-ta apenas contra "a direita", mas também contra seto-res, em geral preponderantes, da esquerda intelectual.Teòricamente é insatisfatório substituir as análises ins-piradas na "teoria do desenvolvimento" por outras tan-tas que insistem, de forma geral e indeterminada, em queo processo do desenvolvimento capitalista se dá em pro-veito da burguesia e de que nas condições da AméricaLatina e do desenvolvimento do capitalismo internacio-nal êle é uma expressão do imperalismo.

Daí a idéia, simples e, parece-me, clara, de que autilização da noção de dependência só ganha sentido e éde proveito quando põe em evidência que:

"el concepto de dependencia ( . . . ) pretende otorgar signi-ficado a una serie de hechos y situaciones que aparecenconjuntamente en un momento dado y se busca establecer porsu intermedio las relaciones que hacen inteligibles las situacio-nes empíricas en función del modo de conexión entre loscomponentes estructurales internos y externos. Pero Io exter-no, en esa perspectiva, se expresa también como un modoparticular de relación entre grupos y clases Sociales en elambito de las naciones subdesarrolladas" (¹).

Páginas adiante no mesmo livro se explicita maisainda que o conceito de dependência será utilizado como"um tipo de concepto "casual-significante'' — implica-ciones determinadas por un modo de relación histórica-mente dado — y no como concepto meramente mecánico-causal, que subraya la determinación externa, anterior,para luego producir consecuencias internas" (2).

Com o conceito de dependência, buscava-se revalo-rizar, portanto, dois aspectos de significação metodoló-gica precisa:

(1) CARDOSO, F. H. e FALETTO, E. — Dependencia y desarrolloen América Latina. México, Siglo XXI. 1969. pág. 19-20.

(2) Idem - op. cit. pág. 20.

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a) as análises do processo histórico de constitui-ção da periferia da ordem capitalista interna-cional devem explicar a dinâmica da relaçãoentre as classes sociais no nível interno dasnações (no caso das situações de dependênciamantidas a partir da existência de EstadosNacionais).

b) os condicionantes externos, isto é, o modode produção capitalista internacional, "o Impe-rialismo", o mercado externo etc. (ou seja, tantoos aspectos econômicos como os políticos docapitalismo), reaparecem inscritos estrutural-mente tanto na articulação da economia, dasclasses e do Estado com as economias centraise com as potências dominantes, como na ar-ticulação dessas mesmas classes e no tipo deorganização econômica e política que prevaleceno interior de cada situação de dependência.

Assim, a noção de dependência (3) é apresentadapara pôr ênfase em um tipo de análise que recupera asignificação política dos processos econômicos e que con-tra a vagueza das análises pseudo-marxistas que vêemno imperialismo uma enteléquia que condiciona apenasdo exterior o processo histórico dos países dependentes,insiste na possibilidade de explicar os processos sociais,políticos e econômicos a partir das situações concretase particulares em que êles se dão nas situações dedependência.

Evidentemente, não há qualquer proveito, a partirdaí, em substituir simplesmente "o Imperialismo" por

(3) Por isto, não se postula, como adiante se reafirmará, o con-ceito de dependência como "totalizante": "Sin embargo, no seria suficienteni correcto proponear la sustitución de los conceptos de desarrollo y subde-sarrollo por los de economia central y economia periférica o — como sefuesem una síntesis de ambos — por los de economias autónomas y econo-mias dependientes. De hecho, son distintas tanto las dimensiones a queestos conceptos se refieren como su significación teórica. La noción dedependência alude directamente a las condiciones de existência y funcio-namiento del sistema económico y del sistema político, mostrando las vin-culaciones entre ambos, tanto en lo que se refiere al plano interno delos países como al externo". — (CARDOSO, F. H. y FALETTO, E. ~ op. cit.,p. 24).

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outra enteléquia, "a Dependência". Não foi isso quese fêz no ensaio referido acima, nem em trabalho pos-terior que escrevi sôbre a ideologia da burguesia in-dustrial em países dependentes.

A utilidade e a significação teórica da noção dedependência, tal como a concebemos, reside precisamenteno contrário: na recuperação a nível concreto, isto é,permeado pelas mediações políticas (inclusive o EstadoNacional) e sociais (de acordo com a formação histó-rica das classes sociais em cada situação de dependên-cia), da pugna de interêsses por intermédio da qual sevai impondo o capitalismo ou a êle se vão opondo fôrçassociais por êle mesmo criadas.

Está claro que o suposto teórico mais geral quetorna possível êste enfoque é o de que não existe adistinção metafísica entre os condicionantes externos eos internos. Noutros têrmos: a dinâmica interna dospaíses dependentes é um aspecto particular da dinâmicamais geral do mundo capitalista. Porém, essa "dinâmicageral", não é um fator abstrato que produz efeitos con-cretos; ela existe por intermédio tanto dos modos sin-gularizados de sua expressão na "periferia do sistema",como pela maneira como o capitalismo internacional searticula. Essa "unidade dialética" é que leva a recusara distinção metafísica (isto é, que supõe uma separaçãoestática) entre fatôres externos e efeitos internos, e porconseqüência leva a recusar todo tipo de análise da de-pendência que se baseia nesta perspectiva.

Quer isto dizer que não existem "fatôres externos",ou que, por exemplo, a forma que a produção capitalistaadota nos centros industrializados não "afeta" a perife-ria? Òbviamente não. Quer dizer, simplesmente, queas mudanças ocorridas "no centro" são concomitantes,estão relacionadas e encontram expressão concreta emoutras tantas mudanças na periferia. Assim, por exem-plo, se o "conglomerado multi-nacional" passa a preva-lecer como forma de organização da produção, êle pro-voca uma reorganização da divisão internacional do tra-balho e leva à rearticulação das economias periféricas edo sistema de alianças e de antagonismos entre as classesnos dois níveis, interno e externo. Entretanto, a "ex-

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pressão concreta" que o modo capitalista de produçãovai encontrar nas áreas dependentes não é "automática":dependerá dos interêsses locais, das classes, do Estado,dos recursos naturais etc. e da forma como êles se

foram constituindo e articulando històricamente.Nisto reside talvez a vantagem fundamental da uti-

lização da perspectiva da dependência nas análises: des-loca-se a explicação de um plano simplista do condi-cionante externo sôbre o interno para uma concepçãomais integrada do relacionamento das partes que com-põem o sistema capitalista internacional. Substitui-seum estilo de análise baseado em determinações gerais eabstratas (que insistem no Imperialismo, na Luta deClasses, na Burguesia e na Revolução como conceitosgerais ou, no melhor dos casos, como contradições in-determinadas) por outro que procura situar concreta-mente cada momento significativo de modificação daprodução capitalista internacional, mostrando como sedá a rearticulação das classes sociais, da economia e doEstado em situações particulares. Ao deslocar dessaforma o núcleo das explicações do processo histórico,assegura-se, ao mesmo tempo, a possibilidade de encon-trar vias distintas de rearticulação de uma situação dedependência para outra, de um período para outro. Emresumo, aceita-se que existe uma "história" — e portan-to, uma dinâmica, própria de cada situação de depen-dência.

Está claro que seria ingênuo pretender transformara noção de dependência num conceito totalizante. Areferência feita por Weffort seria correta se correspon-desse a autores distintos dos que alude:

"em dadas condições sociais e políticas internas (que só po-dem ser resolvidas por uma análise de classe), os gruposque detêm a hegemonia, ou seja, que dão conteúdo à idéiade Nação, podem usar a autonomia política para a inte-gração econômica. Noutras palavras, não creio que este-jamos autorizados, por uma referencia à Nação, a precisara. dependência como conceito totalizante que nos daria oprincipio do entendimento da sociedade como conjunto"(WEFFORT, F. C. — Notas sôbre a "Teoria da dependên-

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cia": teoria de classes ou ideologia nacional?", pág.

10 (*) (**).

Eu, tampouco, creio nisso.A noção de dependência, teòricamente, não pode

fazer mais do que assinalei nas páginas anteriores. Atépor um entendimento semântico, quem depende, dependede algo; está condicionado, não é condicionante. Pre-tender elevar a noção de dependência à categoria deconceito totalizante é um nom, sens. E, rigorosamentenão é possível pensar numa "teoria da dependência".Pode haver uma teoria do capitalismo e das classes, masa dependência, tal como a caracterizamos, não é maisdo que a expressão política, na periferia, do modo deprodução capitalista quando êste é levado à expansãointernacional.

Entretanto, Weffort em sua critica — apesar dehaver chamado a atenção para implicações teóricas im-portantes das análises de dependência — caiu numa es-pécie de armadilha: voltou atrás, do mesmo modo comoKautsky deu um passo atrás nas análises do social-liberal Hobson sôbre o imperialismo, como disse Lenin.

Assim, voltou a conceber estàticamente a relação inter-no/externo e a recorrer a uma dialética abstrata decontradições gerais e indeterminadas.

No âmago da crítica está a idéia de que a ambi-güidade do conceito de dependência, que ora se refereà "dependência externa", ora à relação estrutural ex-terno interno, decorre em qualquer das duas acepçõesde que:

"ela oscila, irremediàvelmente do ponto de vista teóricaentre um approach nacional e um approach de classe.No primeiro, o conceito de Nação opera como uma premis-sa de tôda a análise posterior das classes e relações de

(*) Na versão publicada neste Boletim, Weffort modificou a re-dação, sem alterar, contudo, o fundamental. Substituiu a frase final pelaseguinte: "Em realidade, não creio que a referência ao Estado-Naçãoseja premissa segura para a caracterização de um conceito que nos dariao principio do entendimento da sociedade como conjunto" (pág. 9) .

(**) Ao longo diste trabalho, as citações literais e as páginas àsquais remeto o leitor se referem ao texto original de WEFFORT, apre-sentado ao Seminário da Flacso.

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produção; ou seja, a atribuição de um caráter nacional (real,possível e desejável) à economia e à estrutura de classesjoga um papel decisivo na análise. No segundo, pretende-seque a dinâmica das relações de produção e das relaçõesde classe determine, em última Instância, o caráter (real)do problema nacional" (Weffort, F. C. — op. cit, pág. 7) .

Weffort atribui o primeiro approach aos "teóricosdo desenvolvimento" e o segundo aos "teóricos da de-pendência". Mas acrescenta que êstes "tendem para osegundo approach mas partem do primeiro e tratam decriticá-lo".

Weffort crê que o advérbio de sua frase sôbre oconceito de dependência, que oscila irremediàvelmenteentre a classe e a Nação, revela uma disjuntiva teóricada qual não escapamos, Faletto e eu.

"A pergunta que se poderia colocar para os autores é aseguinte: trata-se de uma contradição real ou de ambigüidadedo conceito que pretende definir uma perspectiva totali-zante a partir da idéia de Nação? Concordo em que a

- existência de países (Nações) econômicamente dependen-tes e politicamente independentes constitui uma "problemáticasociológica" importante. Mas tenho minhas dúvidas de quea reprodução do problema no plano do conceito ajude aresolvê-lo" (Weffort, F. C. - op. cit.. Pág. 9 ) .

Minha resposta é: trata-se de uma contradição real,e em nenhuma hipótese, da definição de uma perspectivateórica totalizante.

Em nossas análises quisemos evitar essa espécie dedialética formal, que vê na história o desdobramentode contradições unívocas. Substituímos êste tipo dedialética pelo que, na linguagem da moda, se diariauma concepção das contradições como "complexamente— estruturalmente — desigualmente determinadas" ou"sobredeterminadas". Por isto, insistimos em que a con-tradição entre as classes nas situações de dependênciainclui contradições específicas entre a Nação (o Estado),e o Imperialismo e entre os interêsses locais das classesdominantes e seu caráter internacionalizante.

Não se reproduz um problema no conceito, mas seconstitui o conceito de dependência saturado històrica-

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mente das contradições particulares que lhe dão sentido,em sua relação com as contradições gerais (isto é, comas que derivam da expansão do modo de produção ca-pitalista internacional) numa combinação determinada,concreta. Êste procedimento é simplesmente ortodoxo,sempre e quando não se caia no equivoco de pensar queo conceito de dependência é totalizante (como o demais-valia ou de modo de produção) ou que está defi-nido no campo teórico como parte categorial do modode produção. Teòricamente, o conceito de dependênciaé "reflexo", isto é, decorre da instauração de um modode produção que supõe a acumulação por meio de mo-nopólios e da repartição do mundo entre nações impe-rialistas, como diria Lenin. Será explicado por con-ceitos que constituem a teoria do capitalismo na faseimperialista, não explicará — òbviamente — o Imperia-lismo. Quando, entretanto, o conceito de dependência serefere às formações sociais — como no caso de nossoensaio — o procedimento adequado para constituí-lo teo-ricamente é o de reter conceptualmente as contradiçõesque êle quer expressar.

Noutros têrmos, com a noção de dependência, nãose pode (nem se desejou) substituir a análise de classespela de nações, mas a disjuntiva não é correta porquealude a conceitos cujo estatuto teórico é desigual. Pre-cisamente o que se pretendeu foi mostrar que concre-tamente, isto é, sem apelar para as contradições geraise indeterminadas das idéias abstratas de classe, Nação,Estado ou Imperialismo, a contradição entre as classes,nos países dependentes, passa por uma contradição na-cional e se insere no contexto mais geral de uma contra-dição de classes no plano internacional e pelas contradi-ções que derivam da existência de Estados Nacionais.

A solução que Weffort apresenta para o problemada oposição classe-Nação (*) não se sustenta porqueparte de vários enganos: nem a Nação foi por nós con-cebida como princípio teórico explicativo, nem se colo-

(*) "Na minha opinião, a ambiguidade Classe-Nação presente na"teoria da dependência" deverá resolver-se em têrmos de uma perspectivade classe, para a qual nem existe uma "questão nacional" em geral (ou adependência em geral) no sistema capitalista, nem a Nação é concebidacomo um principio teórico explicativo" (WEFFORT, F. C, op., cit., pág. 8)

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cou qualquer questão nacional ou de dependência emgeral. Por outro lado, a referência a uma "perspectivade classe", de modo indeterminado como faz Weffort, éinsuficiente para uma análise social concreta.

Ao contrário, no ensaio criticado, aceitou-se comocontradição sobredeterminante a produção capitalistainternacional. Apesar disso, se algum progresso houvena análise da dependência foi a de se haver particula-rizado situações de dependência, constituídas sempre con-siderando-se simultaneamente a relação interno/externo:economias de enclave, produtores e exportadores nacio-nais, internacionalização do mercado, por um lado, e, poroutro, capitalismo competitivo, capitalismo monopólico.Entretanto, outra vez aqui essas determinações não fo-ram tomadas sob forma geral, mas, ao contrário, se-gundo o modo como se foram constituindo em cada país.Assim, mesmo a idéia de "capitalismo monopólico" nãofoi tomada como um "abre-te Sézamo", mas foi rede-finida segundo o modo como êle se organizou nospaíses hegemônicos (Inglaterra, EUA) e segundo o tipoparticular de organização capitalista (predomínio fi-nanceiro, industrial, industrial/financeiro). Não se dei-xou de considerar, inclusive as mudanças ocasionadasno nível puramente organizatório das emprêsas, como,por exemplo, formação dos conglomerados.

Tanto a Nação não foi concebida como um princí-pio explicativo, que na terceira situação fundamental dedependência aludida no ensaio criticado, o traço carac-terístico é o de internacionalização. Entretanto, isto foierrôneamente visto por Weffort em têrmos de que "osautores estiveram no limite de abandonar a idéia deNação como premissa teórica e passar, de forma radical,a uma perspectiva informada, sem ambigüidade, nas re-lações de produção e nas relações de classe". Não seriapossível abandonar o que não se assumira. Como o quenos interessava era a caracterização de situações con-cretas de dependência, insistiu-se em que a Nação e oEstado Nacional, de fato, como objeto de estudo e nãocomo perspectiva de análise, perderam o significado an-terior. Como conceito, entretanto, a dependência, mesmona situação de internacionalização do mercado, na me-dida em que busca caracterizar as relações entre clas-

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ses concretamente situadas, precisa captar o tipo decontradição que subsiste entre o modo de produção pre-valecente, as classes sociais e a organização política,inclusive a Nação e o Estado Nacional.

E foi isso que se fez, brevemente, nas últimas pá-ginas do livro. Em têrmos teórico-metodológicos seriauma volta atrás, num ensaio que caracteriza situaçõesde dependência, insistir apenas nas contradições geraisentre relações de produção e relações de classe, comopretende Weffort, sem mostrar que elas se articulam,ainda hoje, através do Estado e da Nação. Não se iriaalém de petições de princípio e de uma dialética aonível da oposição abstrata entre conceitos, se deixásse-mos de caracterizar precisamente a "ambigüidade" dasituação, sempre e quando se entenda, como o fizemos,que neste caso essa ambigüidade nada mais é do que aforma como a contradição aparece, ao nível da percepçãodos agentes. Uma análise dialética que não marcasseas ambigüidades e que passasse sem mediações das re-lações de produção às relações de classe não seria umaanálise concreta de movimentos sociais estrutural-històri-camente condicionados, que foi o que pretendemos fazer.

Nessa mesma ordem de idéias, tão pouco tem sen-tido contrapor as análises das situações de dependênciacom a análise de Marx sôbre o modo capitalista de pro-dução. De um lado porque aquelas se referem a for-mações sociais e Marx, ao analisar situações concretas,òbviamente não descurou de considerar os Estados e asNações. Por outro lado, o problema não está em queMarx tenha escolhido a Inglaterra como exemplo paraa investigação teórica "das leis gerais do sistema capi-talista, concebido como universal" (sic), como escreveuWeffort, mas sim em que no modo de produção capita-lista analisado por Marx, o suposto era o da livre con-corrência e não a produção monopólica e menos ainda oda expansão imperialista. Seria incrível supor hoje quea análise não devesse considerar os monopólios, o im-perialismo e, como decorrência, a dependência...

Quanto às teorias da transição política e os equívo-cos na consideração dos modelos clássicos, francamente,não conheço quem, inspirado em análises de dependênciatenha pensado em transformar a burguesia nacional no

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"ator privilegiado". Parece-me, pelo contrário, que fo-ram os autores que sustentaram a importância da aná-lise da dependência os que mais criticaram essas analo-gias e os que mais insistiram na internacionalização dasburguesias nos paises dependentes. Ainda uma vez, acritica aqui se endereça a uma idéia que Weffort atri-bui aos analistas da dependência — a de que para êlesa Nação é o verdadeiro conceito explicativo — mas quenão encontra apoio no pensamento e no contexto da obradêsses autores. Antes parece ser uma preocupação —legítima como problema — do próprio Weffort, que per-cebe a importância da Nação como instância mediadora.

Tanto é assim que estou de acôrdo com Weffortquando afirma que:

"É ao nível geral, supranacional, ao nível das relações deprodução, que a questão das possibilidades de desenvolvi-mento do capitalismo na América Latina deve ser colocada,do mesmo modo que é a êste nível que seria possível tentarencontrar algum lugar teórico definido para uma "teoria dedependência". Ou seja, é a êste nível que a "teoria de de-pendência" pode aparecer como teoria explicativa e ondetambém se pode obter alguma sugestão para entender suaincapacidade de ir além das premissas nacionais. Por maisque se fale em dependencia interna é inevitável voltar à ques-tão de dependência externa. Em outras palavras, a "teoriada dependência" parece girar em tôrno de algum tipo deteoria do imperialismo; a questão é de saber de que tipo deteoria" (WEFFORT. P. C. — op. cit., pág. 15 (*).

Entretanto, a questão não é saber a que teoria doimperialismo se liga a idéia de dependência, mas sim a dereelaborar a teoria do imperialismo, de modo a mostrarcomo se dá a acumulação de capitais quando se indus-

(*) Cito baseando-me na versão original. A que se apresenta nesteBoletim (cif. pág. 14) altera apenas uma referência: a de que é no níveldas relações de produção que se deve encontrar o lugar teórico para o"problema nacional". Parece-me, novamente, uma simplificação de quempensa numa dialética sem mediações, urdida na teia de contradições inde-terminadas. A outra diferença entre as duas versões é que na atualse faz referência a uma teoria socialista e a outra "pequeno-burguesa ra-dical". Não acredito que a adjetivação substitua o rigor e o vigor dademonstração.

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trializa a periferia do sistema capitalista internacional.Eu concordo com Weffort nas críticas a Baran e à noçãode excedente. Não concordo, todavia, com a maneirasimplista como resolve o confronto entre a "teoria dadependência" e a teoria do imperialismo. Por váriasrazões. A primeira é a de que não existe uma teoria dadependência independentemente da teoria do imperialis-mo. O confronto é artificioso. As situações de depen-dência decorrem da existência de algum tipo de expansãode capitalismo. Isto foi enfatizado sempre pelos autorescitados por Weffort. A segunda é que Lenin, como indicaWeffort, estava interessado na elaboração de uma expli-cação econômica (pois, como afirma no prólogo às ediçõesfrancesa e alemã de 1920, a censura tzarista o obrigou aconcentrar-se na análise econômica e a referir de modomenos direto as implicações políticas do tema), ligada aproblemas referentes aos países imperialistas (Weffort,F. C. — op. cit, pág. 19). Mas aqui é preciso notar queLenin não estava preocupado apenas com as duas questõesreferidas por Weffort — a da aristocracia operária e ada inevitabilidade da guerra — mas, principalmente, como nôvo papel do capital financeiro e com a repartiçãodo mundo entre as associações de capitalistas e entre asgrandes potências, literalmente.

Assim, como o foco de Lenin era a análise das po-tências imperialistas, e das economias monopolistas, nãoteria que se referir, continuamente, aos países dependen-tes, mas aos países imperialistas. Como sublinhou o pró-prio Weffort (contràriamente à sua argumentação), ospaíses — e os Estados Nacionais — constituem neste tipode enfoque unidade de análise indispensável e, de fato, oforam no texto de Lenin. Seu problema era o de mostrarque "el paso del capitalismo a la fase de capitalismo mo-nopolista, al capital financiero, se halla relacionado conla exacerbación de las luchas por el reparto del mun-do" (4) e que estas eram lutas entre Estados Nacio-nais, entre potência imperialistas.

(4) LENIN, V. I. — El imperialismo: fase superior del capitalismo.Buenos Aires. Lautaro, 1946, pág. 103.

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Entretanto, Lenin se refere também à constituiçãode situações de dependência, em têrmos que não dife-rem dos sustentados por Faletto e por mim (5):

"Puesto que hablamos de la política colonial de la épocadel imperialismo capitalista, es necesario hacer notar queel capital financiero y la política internacional correspon-diente, la cual se reduce a la lucha de las grandes potên-cias por el reparto económico y político del mundo, creanuna serie de formas de transición de dependencia nacional.Para esta época son típicos no sólo los dos grupos fun-damentales de países que poseen colonias, y as colonias,sino también las formas variadas de Estados dependientes,politicamente independentes, desde un punto de visto formal,pero, en realidad, envueltos por la red de la dependenciadiplomática y financiera. Una de estas formas, la semi-colônia, la hemos indicado ya antes. Como modelo de lasegunda citaremos, por ejemplo, la Argentina."La América del Sur, pero sôbre todo la Argentina — diceSchulze-Gaevernitz en su obra sôbre el imperialismo bri-tánico —, se halla en una situación tal de dependencia fi-nanciera con respecto a Londres, que se la puede casi ca-lificar de colonia comercial inglesa".Según Schilder, los capitales invertidos por Inglaterra enla Argentina, de acuerdo con los datos suministrados porel cónsul austrohúngaro en Buenos Aires, fueron, en 1909,de 8,75 mil millones de francos. No es difícil imaginarsequé fuerte lazo se establece entre el capital financiero (ysu fiel "amigo", la diplomacia) de Inglaterra y la burguesia

argentina y los sectores dirigentes de tôda su vida econó-mica y política" (Lenin, V. I. — op. cit., p. 113).

É, portanto, superficial a caracterização do pensa-mento de Lenin feita por Weffort:

"O imperialismo não se define (para Lenin) a partir deuma premissa política (a Nação) mas como uma fase par-ticular do desenvolvimento capitalista, ou seja, a partir

(5) Note-se que em outras obras LENIN e TROTSKY, enfrentaramo problema de caracterizar a situação da Rússia em que haveria, aomesmo tempo, uma dependência, principalmente com relação à França,e o desenvolvimento de uma base industrial-capitalista. Mas mesmo noestudo sôbre o Imperialismo, fase superior do capitalismo, LENIN ca-

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das relações de produção, com o aparecimento dos mono-pólios e a fusão do capital bancário com o industrial"

. (Weffort. F. C - op cit. p. 19).

Não. Lenin não tinha um pensamento economicista,nem deixava de ver as mediações políticas como parteinseparável do "todo" estruturado que êle queria ex-plicar. Ligava sempre a fase particular da acumulaçãocapitalista na etapa financeiro-monopolista com a repar-tição do mundo entre potências imperialistas e com osefeitos dessa sôbre os países coloniais e os dependentes.Cito, ainda uma vez, dentre os muitos textos disponíveis,em abono do que afirmo:

"Si fuera necesario dar una definición lo más breve po-sible del imperialismo, deberia decirse que el imperialismoes la fase monopolista del capitalismo. Una definición talcompreenderia lo principal, pues, por una parte, el capitalfinanciero es el caital bancário de algunos grandes bancosmonopolistas fundido con el capital de los grupos mono-polistas de industriales y, por otra, el reparto del mundoes el tránsito de la política colonial, que se expandia sinobstáculos en las regiones todavia no apropiadas porninguna potencia capitalista, a la política colonial de do-minación monopolista de los territórios del globo, entera-mente repartido" (Lenin, V. 1. — op. cit., p. 117).

Por fim, nesta "confrontação" entre a teoria leni-nista do imperialismo e as análises da dependência, umúltimo debate. Weffort afirma que a noção de depen-dência tem sido concebida como "super-inclusiva" e queLenin se refere ao imperialismo como uma etapa par-ticular, històricamente situada, do capitalismo.

É certo que em alguns textos de autores que trata-ram do tema existe essa referência abrangente e a — his-

racteriza, a partir do ângulo oposto (isto é, do processo visto apartir "do centro"), a relação externa/interna de modo semelhante aque se fêz: "los grupos monopolistas capitalistas — cartels, sindicatos,trusts — se reparten entre si, en primer lugar, el mercado interior,apoderándose de un modo más o menos completo, de la producción delpais. Pero bajo el capitalismo, el mercado interior está inevitablementeenlazado con el exterior. El capitalismo ha creado desde hace ya muchotiempo el mercado mundial" (LENIN, V. I. — op. cit., p. 89).

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tórica, ao conceito de dependência. Eu não as subscrevo.Não é correto, entretanto, afirmar que no ensaio deFaletto e meu, ocorra isso. Como já disse, se algumavantagem teórico-metodológica existe na análise que fi-zemos das situações de dependência, essa parece-me tersido a de caminhar no sentido de maior concreticidade.Não falamos da dependência em geral, mas de situaçõesde dependência. Dependência na fase de constituição doEstado Nacional e de formação de uma burguesia ex-portadora, dependência na situação de enclave e depen-dência na etapa de internacionalização do mercado nafase de formação de economias industriais periféricas.Subdividimos ainda mais estas "fases", mostrando quenão constituem etapas, mas formações sociais específi-cas que supõem, às vêzes, arranjos particulares que con-têm a existência das três situações, embora sempre es-truturadas de forma sobredeterminada.

É certo que nos referimos à dependência num pe-ríodo anterior à plena constituição do sistema monopó-lico-imperialista, quando falamos da primeira das trêssituações de dependência aqui mencionadas. A razãopara isto é curial e se encontra no próprio Lenin. Citoextensamente ainda uma vez:

"Lo que caracterizaba al viejo capitalismo, en el cual do-minaba plenamente la libre concurrencia, era a la exportaciónde mercancias. Lo que caracteriza al capitalismo moderno,en el que impera el monopolio, es la exportación de capital.El capitalismo es la producción de mercancías en el gradomás elevado de su desarrollo, cuando incluso la mano deobra se convierte en mercancia. El incremento del cambiotanto en el interior del pais como, muy particularmente, enel terreno internacional, es el rasgo distintivo característicodel capitalismo. El desarrollo desigual, a saltos, de las dis-tintas empresas y ramas de la industria, en los distintospaíses, es inevitable bajo el capitalismo. Inglaterra se con-virtió en país capitalista antes que otros, y hacia mediadosdel siglo XIX, al introducir la libertad de comercio, pre-tendió ser el "taller de todo el mundo", el abastecedorde artículos manufacturados para todos los países, loscuales debían suministrarle, a cambio de ello, materiasprimas. Pero êste monopolio de Inglaterra se vió quebran-tado ya en el último cuarto del Siglo XIX, pues otros varios

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países defendiéndose por medio de aranceles "proteccionís-tas", se habian convertido en Estados capitalistas indepen-dientes. En el umbral del siglo XX asistimos a la forma-ción de monopolios de otro género: primero, uniones mono-polistas de capitalistas en todos los países de capitalismodesarrollado; segundo, preponderancia monopolista de al-gunos paises ricos, en los cuales la acumulación de capitalhabia alcanzado proporciones gigantescas. Surgió un enor-me "exceso de capital" en los paises avanzados" (Lenin, V.I. — op. cit. p. 81-82).

A dependência compatível com a formação de pro-dutores nacionais, é portanto, anterior ao desenvolvi-mento do imperialismo monopolista exportador de ca-pitais. E foi nestes precisos têrmos que a caracteriza-mos para o caso da América Latina. Como o "traçodistintivo característico do capitalismo" (note-se, não desua fase imperialista, apenas) é o incremento do co-mércio interno e externo (coisa arquiconhecida), quandoessas relações de troca se fazem no âmbito de um co-mércio entre nações, elas levam a um tipo particular dedependência, como foi o caso da América Latina noséculo XIX, até ao período da "enclavização". Êsteúltimo, sem "abolir" as contradições próprias da formaanterior de dependência, agregou novos e particularestraços distintivos, agora sim, da fase imperialista.

Por fim, convém deixar claro que a teoria leninistado imperialismo é insuficiente para explicar o que ocorrenas situações contemporâneas de dependência que se dãoem países cuja industrialização se faz sob contrôle docapital financeiro internacional.

Deixando de lado a discussão talmúdica (6) a quefomos levados para evitar incompreensões, convém su-blinhar que ao analisar o nôvo caráter da dependência(e neste ponto as contribuições de Teotônio dos Santose de seu grupo são significativas), o que fizemos foi

(6) Sem deixar, naturalmente, de fazer referências criticas a algunserros de LENIN, como por exemplo sua consideração sôbre que "todomonopolio, engedra inevitablemente una tendencia al estancamiento y a

la descomposición" (LENIN, V. I. — op. cit., p. 131).Neste passo, SCHUMPETER e GALBRAITH ensinam mais do que

LENIN.

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mostrar que a divisão do mundo já não se realiza mais,como na época de Lenin, por uma anexação de territó-rios e pelo contrôle político-econômico de áreas, paragarantir o domínio sôbre as fontes de matérias-primasapenas. Em Lenin, esta era a idéia predominante, quese repete sempre. Na caracterização final sôbre os qua-tro aspectos principais típicos do período de que se ocupa-va, Lenin faz referências diretas em duas delas, a essacaracterística essencial do imperialismo. O primeiro as-pecto do imperialismo é, naturalmente, o da monopoliza-ção como conseqüência da concentração da produção.Mas o segundo é que:

"los monopolios han determinado una tendencia cada diamás acentuada a apoderarse de las más importantes fuentesde materias primas, particularmente para la industria fun-damenta! y más cartelizada de la sociedad capitalista: lahullera y la siderúrgica" (Lenin, V. I. — op. cit., p. 163).

A terceira característica é a de que os monopóliossurgiram dos bancos; já a quarta, outra vez, é a de queos monopólios nascem da política colonial, mas que ocapital financeiro, na luta pela repartição do mundo,"ha añadido la lucha por las fuentes de materias-pri-mas, por la exportación de capital, por las "esferas deinfluencia", esto es, las esferas apropriadas para realizartransaciones lucrativas, concesiones, beneficios monopo-listas etc, finalmente, por el territorio económico engeneral" (Lenin, V. I. — op. cit, págs. 163-164).

A época histórica que vivemos é outra. Procurou-secaracterizar os efeitos da forma atual de organização ede contrôle econômico imperialista sôbre os países de-pendentes por intermédio da idéia de internacionaliza-ção do mercado interno e de formação de uma econo-mia industrial controlada pelo capital financeiro mono-pólico nas situações em que as economias industriaisdependentes encontram seu mercado nos próprios paísesdependentes. Para isto, a "teoria do imperialismo", talcomo se encontra formulada por Lenin, não é suficiente.As alianças políticas, a estrutura das classes, as contra-

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dições particulares e sua exarcebação (7), assumem ou-tras formas. É preciso ter imaginação para suscitar asdúvidas pertinentes a esta nova situação e fôrça teóricapara explicá-las como uma situação particular de depen-dência, ligada sempre à forma que a acumulação e aexportação de capitais adotam na economia capitalistainternacional.

Foi o que se tentou fazer, correndo naturalmenteos riscos da incompreensão e do êrro. Não se quis,porém, fazer uma "teoria da dependência" apelando auma noção totalizadora de dependência.

Em qualquer caso, entretanto, não seria correto subs-tituir o que se fêz, ou seja, a análise dialética de si-tuações concretas de dependência por uma teoria formaldas classes que não as situe num contexto no qual o im-perialismo e a dependência que lhe corresponde (isto é,a existência de potências dominantes e nações domina-das) são referência obrigatória para a análise das clas-ses. Pensar que com esta substituição se agrega algoa "uma teoria socialista da revolução na América Lati-na" (Weffort, F. C. — op. cit, pg. 20 (*)) quando,como no caso, a intenção não é demagógica, constituium equívoco que se origina de uma interpretação for-malista do que seja a dialética marxista.

Para dar passos à frente o que é necessário é irmais longe na análise das situações de dependência nosentido de ver, em situações concretas, como se movemas fôrças sociais que podem negar, isto é, superar acondição atual da dependência. Neste sentido, o ensaiocriticado deixa muito a desejar, pois, apesar de suaintenção, pouco acrescentou — além de uma pers-pectiva e de algumas indicações de cunho estrutural —ao conhecimento de situações particulares capazes derevelar os limites da "reprodução" da situação de domi-nação de classe em países dependentes.

(7) LENIN tinha sempre presente a "correlação entre o imperialismoe a intensificação da opressão nacional", e o fato de que o "imperialismoconduz às anexações, à intensificação da opressão nacional, e, por con-seguinte, também à exarbação das contradições" (LENIN, V. I. — op.cit., p. 160-161.

(*) Frase suprimida por WEFPOST na presente versão de suacomunicação.

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É nesta direção, creio, que se encontra a criticamais legítima ao esfôrço feito e para ela deve caminharquem estiver interessado, não em fazer uma "teoria socia-lista" da revolução, mas em elaborar uma teoria quepermita orientar a prática, se fôr o caso, de uma revo-lução socialista, ou que permita mostrar as situaçõesnas quais tal tipo de revolução se transforma mais numanseio enraizado em ideologias do que num caminhosocialmente viável.

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