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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM SEMIÓTICA E LINGUÍSTICA GERAL FERNANDO GOMES DA SILVA Alagoanos em São Paulo e a Concordância Nominal de Número São Paulo 2014

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE LINGUSTICA PROGRAMA DE PS GRADUAO EM SEMITICA E LINGUSTICA GERAL

    FERNANDO GOMES DA SILVA

    Alagoanos em So Paulo e a Concordncia Nominal de Nmero

    So Paulo 2014

  • 2

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE LINGUSTICA PROGRAMA DE PS GRADUAO EM SEMITICA E LINGUSTICA GERAL

    FERNANDO GOMES DA SILVA

    Alagoanos em So Paulo e a Concordncia Nominal de Nmero

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Semitica e lingustica Geral do Departamento de Lingustica da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de mestre em Lingustica.

    Orientador: Prof. Dr. Ronald Beline Mendes

    So Paulo

    2014

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo CAPES pelo apoio pesquisa.

    Agradeo ao meu orientador, Prof. Dr. Ronald Beline Mendes, pela oportunidade de

    desenvolver esta pesquisa que to importante para mim, pela amizade, pacincia,

    pelas discusses e inmeras horas dedicadas leitura dos meus textos. Agradeo

    tambm aos funcionrios do Departamento de Lingustica pela ateno e

    disponibilidade em todas as vezes em que precisei de ajuda.

    Agradeo Profa. Dra. Olga Coelho Sanssone por ter participado de todos os

    momentos importantes na construo dessa pesquisa. Prof. Dra. Margarida Petter

    por todas as orientaes e conversas sobre o meu trabalho. Ao Prof. Sebastio

    Gonalves (UNESP So Jos do Rio Preto), por todos os comentrios e sugestes para

    o aperfeioamento dessa pesquisa.

    Agradeo aos amigos do GESOL-USP, pela amizade, pelas risadas, pelos desabafos,

    pelas sugestes construtivas e por fazerem parte da minha vida: Marlia, Mariane,

    Wendel, Lvia, Dayane, Rafael Ciancio, Rafael Rocha e Larissa.

    Agradeo imensamente aos meus pais, Ado e Josefa, pelo amor incondicional, pela

    fora, pelo apoio emocional e por sempre acreditarem e apostarem todas as suas

    fichas em mim. Agradeo tambm a todos os meus familiares (primos (as) e tios (as))

    que contriburam para a minha formao como ser humano.

    Agradeo ao meu amigo e companheiro (de todas as horas), Jnior, pela ajuda

    emocional e espiritual, pelas longas e confortveis conversas, por me apoiar em todas

    as minhas decises, por ficar acordado durante as madrugadas me dando fora para

    que conclusse este trabalho, sobretudo nas ltimas semanas que antecederam o

    depsito da dissertao.

    Finalmente agradeo imensamente a Deus e toda a sua equipe, que me mantiveram

    firme e determinado na realizao dessa pesquisa.

  • 4

    Resumo Este trabalho analisa, de acordo com as premissas terico-metodolgicas da

    Sociolingustica Variacionista (Labov 1972:[2008]), como se d a concordncia nominal

    de nmero (CN) na fala de alagoanos estabelecidos na cidade de So Paulo, em

    comparao com a fala de paulistanos. A anlise multivariada feita com as

    ocorrncias de sintagmas nominais simples (constitudos de dois elementos), como

    as pessoa-s/. O objetivo principal verificar quais so os fatores lingusticos e

    sociais que concorrem para a realizao da CN nesses dois subgrupos de falantes. Os

    dados foram extrados de 24 entrevistas sociolingusticas com paulistanos e 24 com

    alagoanos que vivem na capital paulista. Ambas subamostras so definidas pelas

    mesmas variveis sociais: sexo/gnero, faixas etrias e escolaridade.

    Os resultados indicam que a taxa de no realizao da concordncia (CN-)

    entre alagoanos e paulistanos praticamente a mesma. Em ambas as subamostras, os

    fatores sociais mostraram-se mais significativos, uma vez que todos foram

    selecionados para os dois grupos de falantes, com os maiores ranges. As mulheres so

    as mais sensveis variante de prestgio; no entanto, as alagoanas apresentam

    percentual um pouco maior de CN- (23%) do que as paulistanas (17%). No h

    indicativo de mudana em progresso: em ambos os subgrupos, a segunda faixa etria

    a que desfavorece CN-. J para escolaridade, trata-se de um grupo de fatores mais

    significativo para paulistanos do que para alagoanos. Quanto aos fatores lingusticos,

    Classe de palavra do elemento nuclear, Processo de formao de plural do elemento

    nuclear e Nmero de slaba do elemento no-nuclear se mostraram mais significativos.

    Da perspectiva da concordncia nominal de nmero, esta dissertao mostra

    que alagoanos e paulistanos se assemelham mais do que se diferenciam. Nesse

    sentido, pode ser que faam parte de uma mesma comunidade de fala (Labov 1972

    [2008]), 1996 [2006], Guy 1981 mas isso s poder ser confirmado por estudos

    futuros, que se dedicarem a outras variveis na fala destes e de outros grupos de

    falantes migrantes para a cidade de So Paulo.

    Palavras chaves: Concordncia Nominal, Variao lingustica, Sociolingustica, So

    Paulo.

  • 5

    Abstract

    Within the framework of variationist Sociolinguistics (Labov, 1972 [2008]), this

    master thesis analyzes variable number agreement within the nominal phrase (NP), in

    the Portuguese spoken in the city of So Paulo by Alagoanos (migrants from the

    northeastern state of Alagoas) and by Paulistanos (those born and raised in the city).

    The multivariate analysis focuses on two-word plural NPs, such as as pessoas/ the

    persons. The main goal is to verify what linguistic and social factors condition the

    variable in use, in a comparison between these two groups of speakers. The data was

    extracted from 24 sociolinguistic interviews with Alagoanos and 24 with Paulistanos.

    Both samples are stratified by the same social variables: sex/gender, age group and

    level of education.

    Results indicate that the frequency of CN- (that is, lack of agreement) is

    approximately the same for both groups of speakers. In both, social factors are more

    significant than linguistic factors, since all of the social ones included in the analysis

    were selected as statistically significant. Women disfavor CN- (a generally stigmatized

    form), although the agreement is more frequent among Alagoanas than among

    Paulistanas. Theres no indication of change in progress: for both groups of speakers,

    the intermediate age group disfavors CN-. As for level of education, it is more

    significant for Paulistanos than for Alagoanos. Among the linguistic factors, the class

    of the nuclear word, the morphology of plural, and the number of syllables of the NP

    left element were the ones selected as statistically significant

    This thesis shows that, from the perspective of number agreement within the

    NP, Alagoanos and Paulistanos are more similar than different. Therefore, they could

    be part of a same speech community (Labov 1972 [2008], Guy 1981) in the city

    something that should be discussed by further research, including other linguistic

    variables and groups of speakers.

    Keywords: Nominal Phrase, Number Agreement, Language Variation, Sociolinguistics,

    So Paulo.

  • 6

    Lista de Tabelas

    Tabela 1 Distribuio dos dados dos falantes adultos em funo da classe gramatical e da

    posio dos elementos no SN (transcrita de Scherre, 1996) ...................................................... 20

    Tabela 2 Distribuio das classes gramaticais no-nucleares em funo da posio e relao

    com o ncleo. Scherre (1996:51) ................................................................................................ 21

    Tabela 3: Distribuio geral dos dados alagoanos ...................................................................... 64

    Tabela 4 Distribuio geral dos dados paulistanos ..................................................................... 64

    Tabela 5: Anlise 1 - CN- entre alagoanos ................................................................................ 66

    Tabela 6: Anlise 1 - CN- entre paulistanos .............................................................................. 66

    Tabela 7: CN- e Faixa Etria ...................................................................................................... 68

    Tabela 8: CN- e Faixa Etria para anlise atomstica e SNs em Oushiro (indito) .................... 69

    Tabela 9: CN- e escolaridade .................................................................................................... 70

    Tabela 10: CN- e sexo/gnero .................................................................................................. 72

    Tabela 11: Distribuio dos fatores no grupo Formao do plural ............................................. 74

    Tabela 12: CN- e formao do plural ........................................................................................ 74

    Tabela 13: CN- e classe de palavra do elemento no nuclear .................................................. 76

    Tabela 14: Anlise 2 CN- para alagoanos ............................................................................... 78

    Tabela 15: Anlise 2 CN- para paulistanos............................................................................. 78

    Tabela 16: Anlise 3 CN- para alagoanos ............................................................................... 79

    Tabela 17: Anlise 3 CN- para paulistanos............................................................................. 80

    Tabela 18: CN- no cruzamento entre Sexo/Gnero e Faixa etria ........................................... 81

    Tabela 19 CN- no Cruzamento entre Sexo/Gnero e Escolaridade ....................................... 83

    Tabela 20 CN- no Cruzamento entre Faixa etria e Escolaridade ......................................... 85

  • 7

    Lista de Quadros

    Quadro 2 : Distribuio dos domiclios por Faixas de Renda Familiar , segundo Distritos do

    Municpio de So Paulo (2000) IBGE Fundao Seade .......................................................... 34

    Quadro 3: Grupos de fatores definidos da amostra SP2012 e perfis sociolingusticos dos

    informantes. ................................................................................................................................ 40

    Quadro 4: Quadro de perfis paulistanos (12 ............................................................................... 41

    Quadro 5: Perfis dos informantes alagoanos e paulistanos usados nessa pesquisa .................. 48

    Quadro 6: Codificao inicial dos fatores do grupo Classe gramatical do elemento no nuclear

    ..................................................................................................................................................... 55

  • 8

    Lista de Figuras

    Figura 1: Diviso da cidade de So Paulo em Centro Velho, Centro Expandido e Periferia. ...... 33

    Figura 2 Populao adulta (30-60 anos) na Regio Metropolitana de So Paulo. ...................... 37

    Figura 3: Percentuais de CN- para paulistanos e alagoanos em SNs simples e complexos, e

    predicativos. ................................................................................................................................ 64

    Figura 4: CN- e Faixa Etria para alagoanos e paulistanos (P.R.).............................................. 68

    Figura 5: CN- e Faixa Etria em duas pesquisas com amostras paulistanas ............................. 69

    Figura 6: CN- e escolaridade para alagoanos e paulistanos ..................................................... 70

    Figura 7: CN- sexo/gnero entre paulistanos e alagoanos ....................................................... 72

    Figura 8: pesos para CN- de acordo com a formao do plural ............................................... 75

    Figura 9: CN- e classe de palavra do elemento no nuclear .................................................... 77

    Figura 10: CN- e nmero de slabas do elemento nuclear (para alagoanos) ........................... 81

    Figura 11 CN- no Cruzamento entre Sexo/Gnero e Faixa etria para Alagoanos ............... 82

    Figura 12 CN- no Cruzamento entre Sexo/Gnero e Faixa etria para paulistanos .............. 82

    Figura 13: Cruzamento entre Sexo/Gnero e Escolaridade para Alagoanos .............................. 84

    Figura 14: Cruzamento entre Sexo/Gnero e Escolaridade para paulistanos ............................ 84

    Figura 15: CN- no Cruzamento entre Faixa etria e Escolaridade para Alagoanos .................. 85

    Figura 16: CN- no Cruzamento entre Faixa etria e Escolaridade para Paulistanos ................ 86

  • 9

    Sumrio

    AGRADECIMENTOS ................................................................................................................. 3

    RESUMO ..................................................................................................................................... 4

    ABSTRACT ................................................................................................................................. 5

    LISTA DE TABELAS ................................................................................................................. 6

    LISTA DE QUADROS ............................................................................................................... 7

    LISTA DE FIGURAS .................................................................................................................. 8

    INTRODUO ........................................................................................................................ 10

    CAPTULO 1 - SOCIOLINGUSTICA VARIACIONISTA E OS ESTUDOS DE

    CONCORDNCIA NOMINAL ............................................................................................... 14

    1.1. A teoria da Variao e Mudana.............................................................................................. 14

    1.2. A concordncia nominal como varivel ................................................................................... 15

    CAPTULO 2 AS AMOSTRAS DE FALA EM SO PAULO .......................................... 30

    2.1. So Paulo ................................................................................................................................ 32

    2.1.1. As imigraes na cidade ...................................................................................................... 36

    2.2. O Projeto SP2010 .................................................................................................................... 39

    CAPTULO 3 - A VARIVEL E OS GRUPOS DE FATORES........................................... 49

    3.1. Grupos de fatores sociais ........................................................................................................ 51

    CAPTULO 4. RESULTADOS ............................................................................................... 63

    CONCLUSO ........................................................................................................................... 87

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..................................................................................... 91

    ANEXO: ROTEIRO DAS ENTREVISTAS ........................................................................... 95

  • 10

    Introduo

    O portugus paulistano uma variedade ainda pouco investigada (Mendes,

    2009; Oushiro, 2010). Apesar de significativas empreitadas como o Projeto NURC-SP

    (Castilho & Preti, 1986, 1987; Preti & Urbano, 1988, 1990), o Projeto Gramtica do

    Portugus Falado (Castilho, 1990; Castilho et al., 2006; Ilari, 2008) e, mais

    recentemente, o Projeto SP2010 Construo de uma amostra da fala paulistana

    (Mendes, 2012), pode-se dizer, de acordo com Oushiro (2010), que h um grande

    nmero de trabalhos realizados com base no portugus paulistano, mas pouqussimos

    sobre o portugus paulistano. Em outras palavras: h um grande nmero de trabalhos

    que se valem de dados do portugus paulistano, muitas vezes em estudos

    comparativos com o portugus europeu, mas pouqussimos trabalhos que analisam e

    descrevem sociolinguisticamente a variedade falada na cidade de So Paulo.

    Especificamente sobre o falar paulistano, vem ao caso estudar usos lingusticos

    (aqui entendidos como inerentemente variveis- (Labov, 1972 [2008])) salientes na

    comunidade, tais como a pronncia do /-r/ em coda silbica (Oushiro, 2010), a

    concordncia nominal (Oushiro, indito) e outras. Entretanto, se por um lado ainda so

    pouco numerosos os estudos dessa natureza, por outro nem sequer h notcias de

    trabalhos que incluam a possvel convivncia, em razo de imigraes, de variedades

    lingusticas dentro da cidade.

    No intuito de contribuir para a ampliao dos estudos sociolingusticos e a

    descrio do portugus falado na capital paulista, este trabalho analisa, de acordo com

    as premissas terico-metodolgicas da Sociolingustica Variacionista (Labov 1972

    [2008]), como se d a Concordncia Nominal (CN) de nmero em sintagmas nominais

    de dois elementos (algumas vezes aqui referidos como SNs simples, relativamente

    queles que tm trs ou mais elementos). As ocorrncias de SNs plurais foram

    extradas de 24 entrevistas sociolingusticas com paulistanos e 24 com alagoanos. Nos

    dados, o primeiro elemento dos SNs categoricamente marcado com plural, enquanto

    que a marcao no segundo varivel (como em aS menina e aqueleS mooS)

  • 11

    A Gramtica Normativa prescreve que todos os elementos do SN plural, assim

    como um nome e um sintagma predicativo, devem concordar em gnero e nmero (cf.

    Bechara, 1999; Cunha, 1971; Cunha & Cintra, 1985; Sacconi, 2004). Entretanto, so

    inmeros os trabalhos que j evidenciaram e descreveram o fato de que a

    concordncia nominal de nmero se realiza variavelmente em toda a comunidade

    brasileira, verificando-se diferenas relativas a frequncias, mas nem sempre com

    relao aos contextos que favorecem a no realizao da concordncia (CN-) (Braga,

    1977; Scherre, 1988, 1996; Lobato, 1994; Dias, 1996; Scherre e Naro, 1998; Antonino,

    2007; Lucchesi, 2008; Salomo, 2010, Fiamengui, 2011 e Oushiro (indito)).

    Alguns resultados tm sido recorrentes em diferentes variedades do portugus

    brasileiro em que a varivel foi estudada. A posio dos elementos dentro do sintagma

    nominal (um grupo de fatores especialmente importante na anlise de SNs plurais com

    mais de dois elementos), a classe gramatical e o cruzamento entre esses dois grupos

    de fatores sempre se mostram relacionados com a varivel. Em geral, os

    determinantes (sobretudo artigos) so os que mais frequentemente carregam a marca

    de plural (Scherre 1988, Santos 2010, Brando & Vieira 2012). A Formao do plural

    (regular, com acrscimo de -s, ou irregular, com -is, es etc.) tambm se revela como

    um grupo de fatores significativo nas anlises, podendo variar de comunidade para

    comunidade (Scherre 1988, Fiamengui 2010) ainda que, no geral, a no realizao da

    concordncia (CN-) seja favorecida nos casos de plural regular.

    Alm destes e de outros fatores de natureza lingustica, a realizao varivel da

    CN sensvel a fatores sociais. O nvel de escolaridade do informante apresenta-se

    como um dos fatores que mais favorecem a CN-: quanto menor o nvel de

    escolaridade do informante, maior a tendncia de que ocorra esta variante. A faixa

    etria dos informantes tambm tem sido verificada como significativa nos trabalhos,

    em geral com desfavorecimento de CN- entre falantes da faixa intermediria (34 59

    anos em mdia) - embora em algumas comunidades esses resultados possam ser

    diferentes (Naro & Scherre 1991, Scherre & Naro 2006). Para sexo/gnero uma das

    variveis mais replicadas nos estudos sociolingusticos as mulheres tendem a ser as

    mais conservadoras, enquanto os homens tendem a favorecer CN-, embora nem

  • 12

    sempre este fator seja selecionado como estatisticamente relevante no

    funcionamento social dessa varivel (Salomo, 2010).

    Dessa forma, so muitos os trabalhos que mostram como a concordncia de

    nmero no SN em portugus brasileiro um caso de variao socialmente marcada,

    em que pesam a identidade social do falante (Fiamengui, 2011), em termos de baixos

    nveis de escolaridade e de informalidade na situao de fala (Scherre, 1988, 1996,

    Santos, 2012). Em So Paulo, interessa comparar a realizao da CN na fala de

    alagoanos (que migraram para a cidade) e paulistanos (aqueles que nasceram e foram

    criados nela), a fim de verificar se:

    (i) os fatores sociais e lingusticos que favorecem a ocorrncia de CN- so os mesmos

    nos dois subgrupos;

    (ii) essa varivel estvel ou se h indicativo de mudana em progresso (Labov, 1972:

    [2008]) nos dados extrados das amostras de fala dos dois grupos;

    (iii) em ambos os subgrupos CN- de fato a variante favorecida entre as pessoas com

    menor grau de escolaridade;

    (iv) paulistanos e alagoanos constituem uma mesma comunidade de fala na cidade de

    So Paulo, no que diz respeito varivel CN.

    As 24 entrevistas sociolingusticas com paulistanos foram selecionadas dentre

    aquelas gravadas e transcritas pelo Grupo de Estudos Sociolingusticos da USP (GESOL),

    na execuo do Projeto SP2010 Construo de amostra de fala paulistana1

    (Mendes, 2012). Essas entrevistas foram estratificadas de acordo com trs variveis

    sociais: sexo/gnero (masculino e feminino), faixa etria (20 a 34, 35 a 59 e mais de 60

    anos de idade) e escolaridade (Fundamental e Mdio). Para cada um dos doze perfis

    sociolingusticos que esses fatores geram, o grupo gravou cinco informantes, de modo

    que o corpus totaliza 60 entrevistas, que podem ser acessadas na Internet2. J as 24

    entrevistas com alagoanos que residem na cidade de So Paulo foram gravadas e

    1 Proc. FAPESP n. 2011/09278-6 (pesquisador responsvel: Prof. Dr. Ronald Beline Mendes)

    2 Site: http://projetosp2010.fflch.usp.br/ (ltimo acesso em 30/07/2014).

    http://projetosp2010.fflch.usp.br/

  • 13

    transcritas especificamente para o desenvolvimento do presente trabalho, de acordo

    com os mesmo perfis e orientaes gerais do Projeto SP2010.

    Esta dissertao est estruturada em quatro captulos. No primeiro,

    desenvolve-se uma sntese dos trabalhos realizados por Labov (1972[2008],1966

    [2006]) que fornecem os fundamentos para a pesquisa sociolingustica, bem como dos

    estudos sobre a concordncia nominal que serviram de referncia para o

    desenvolvimento do presente. No captulo 2, descreve-se como foram construdas as

    amostras paulistana e alagoana, assim como caracterizam-se os dois grupos

    sociolinguisticamente. No captulo 3, so delineadas as hipteses que se aventaram

    acerca da realizao da CN, sob a forma de grupos de fatores. Finalmente, o captulo 4

    traz os resultados das anlises quantitativas dos dados, com foco nos grupos de fatores

    (sociais e lingusticos) estatisticamente significativos no funcionamento da varivel

    sempre numa comparao entre alagoanos e paulistanos. Verifica-se que os dois

    grupos apresentam baixas frequncias de CN-, mas que ela um pouco maior entre

    paulistanos (afirmao possvel graas comparabilidade entre as duas subamostras).

    A variao na realizao da CN revela-se correlacionada, em ambos os grupos, aos

    fatores sociais: escolaridade, sexo/gnero e faixa etria. Entre os fatores lingusticos,

    destacam-se a classe gramatical do elemento esquerda do SN, a formao (regular

    ou irregular) do plural no elemento direita. O nmero de slabas do elemento nuclear

    um grupo de fatores que foi selecionado apenas entre os alagoanos. No geral, esse

    estudo comparativo permite dizer que alagoanos e paulistanos mais se assemelham do

    que se diferenciam, no que diz respeito ao favorecimento de CN-.

  • 14

    Captulo 1 - Sociolingustica Variacionista e os

    estudos de concordncia nominal

    1.1. A teoria da Variao e Mudana

    A lngua/linguagem como um fato social foi algo proposto pela primeira vez por

    Saussure (1916 [2000]) em seu curso de lingustica Geral. No entanto, o interesse

    sincrnico pela estrutura lingustica, em que o valor da oposio entre unidades se

    firmou como um dos conceitos centrais contribuiu para que, na prtica, a anlise de

    sistemas lingusticos (ou seja, a anlise estrutural de lnguas diferentes) tivesse lugar

    privilegiado, relativamente ao estudo de diferenciaes intralingusticas em correlao

    a fatos de natureza social (ou extralingustica).

    Embora a lingustica descritiva americana, a partir da dcada de 20, j

    apresentasse interesse pela diversidade (intra)lingustica dentro de uma comunidade

    de falantes, os estudos com foco na variao e mudana da lngua (do modo como so

    ainda hoje desenvolvidos) surgem na dcada de 1960, com Labov, Weinreich & Herzog

    (1968 [2006]) que sistematizaram um conjunto de interesses terico-metodolgicos

    sobre o estudo da mudana lingustica com base na variao nos usos. Segundo os

    autores, a variao est sujeita a presses internas, emanadas do prprio sistema

    lingustico, mas tambm a presses externas, oriundas do contexto social no qual os

    falantes esto inseridos. Nas palavras dos autores:

    (...) encontramos razes convincentes para modificar essa posio nos fatos confirmados de que os desvios de um sistema homogneo no so todos eles erros aleatrios de desempenho, mas so num alto grau codificados e parte de uma descrio realista da competncia de um membro de uma comunidade de fala. (Weinreich, Labov, Herzog, 1968 [2006]:60)

    A nova vertente de estudos lingusticos, que se tornaria conhecida como

    Sociolingustica, passa ento a estudar a lngua em seu uso efetivo, baseando-se no

    fato de que a variao inerente a qualquer manifestao lingustica e passvel de ser

    analisada e sistematizada como heterogeneidade estruturada. Weinreich, Labov e

  • 15

    Herzog tinham por objetivo um novo modelo de lngua, que acomodasse os fatos do

    uso varivel e seus determinantes sociais e estilsticos (1968*2006+:34).

    Esse modelo terico-metodolgico de certa forma rompia com as correntes

    estruturalista e gerativista, na medida em que permitia (seno, pedia) uma nova

    abordagem para os estudos lingusticos, que se pautasse pelo princpio de que os

    sistemas so por definio heterogneos e sujeitos a presses sociais de modo que

    na heterogeneidade (e no na homogeneidade) que se deve buscar entender a

    estrutura e o funcionamento da lngua.

    Dessa forma, desde seus estudos seminais em Marthas Vineyard (1972 [2008])

    e Nova Iorque, Labov (1966 [2006], 1972 [2008]) mostrou que as variantes das

    variveis lingusticas so empregadas com significao social e que o funcionamento

    dos sistemas lingusticos deve ser estudado a partir dessa premissa.

    A Sociolingustica laboviana busca, ento, descrever e analisar os mecanismos

    relacionados aos processos de variao e mudana, considerando que os fatores

    lingusticos (internos lngua) e os sociais (sexo/gnero, escolaridade, faixa etria,

    nvel social, situao de comunicao etc.) podem influenciar a escolha3 de uma ou

    outra variante, mostrando que a lngua regulada por um conjunto de regras variveis

    e no categricas.

    1.2. A concordncia nominal como varivel

    De acordo com a prescrio gramatical do portugus brasileiro (Bechara, 1999;

    Cunha, 1971; Cunha e Cintra, 1985; Sacconi, 2004), a concordncia nominal (CN)

    obrigatria, ou seja, se no plural, todos os elementos do sintagma nominal (SN) devem

    ter a marca de plural, bem como os predicativos a ele ligados. Traduzindo a tradio

    gramatical, Scherre afirma:

    Na concordncia dentro do SN, colocam-se marcas explcitas de plural em todos os seus elementos flexionveis quando o ncleo do sintagma for formalmente plural; na concordncia do predicativo com o sujeito, repetem-se as marcas formais de plural em

    3 No necessariamente consciente.

  • 16

    todos os elementos flexionveis dos predicativos quando o sujeito for formalmente plural... (Scherre, 1977:182)

    Entretanto, o fato que, nos usos, essa marcao no categoricamente

    realizada. Por isso, nos estudos sociolingusticos, a CN no SN tratada como uma regra

    varivel. Como tal, a realizao da CN influenciada por fatores sociais e lingusticos.

    Entre os primeiros, anlises variacionistas tm mostrado que a ausncia de

    concordncia nominal est comumente relacionada a nveis de escolaridade mais

    baixos e informalidade da situao de comunicao. Linguisticamente, destacam-se a

    posio linear que o elemento ocupa no SN e a classe gramatical de seus elementos.

    Braga (1977)

    Um dos primeiros trabalhos sobre concordncia nominal como varivel no PB

    foi desenvolvido por Braga (1977), que analisou a fala de sete moradores do Tringulo

    Mineiro (15 a 20 anos de idade) pertencentes s classes mdia e baixa, com

    escolarizao correspondente aos atuais nveis Fundamental e Mdio (incompleto). A

    autora aventou hipteses lingusticas que organizou nas seguintes variveis: (i)

    presena e ausncia de flexo no elemento anterior ao termo considerado; (ii) natureza

    fonolgica do contexto seguinte; (iii) posio que o elemento ocupa no SN e (iv) grau de

    salincia fnica entre as formas singular e plural. As variveis sociais includas na

    anlise foram: grau de formalidade da entrevista e classe social do falante.

    Os resultados relativos influncia desses fatores na no realizao da

    concordncia indicam que so maiores as chances de um elemento do sintagma no

    receber a marca de plural quando o elemento anterior tambm no possui tal marca

    (considerando-se sintagmas nominais com mais de dois elementos)

    Sobre a posio que elemento ocupa no SN, Braga (1977) conclui que os

    falantes da classe baixa e mdia apresentam uma probabilidade mais elevada na

    aplicao da regra (concordncia nominal realizada) de presena de concordncia

    nominal na primeira posio, com um declnio progressivo na segunda, terceira, quarta

    e quinta posies.

    Quanto ao contexto fonolgico, Braga (1977) recomenda considerar a natureza

    fonolgica do contexto imediatamente anterior ao /-s/ e a posio da slaba tnica no

    elemento considerado.

  • 17

    J quanto ao grupo grau de formalidade, no se observou sua influncia entre

    os falantes da classe baixa, mas sim entre aqueles de classe mdia. Segundo Braga

    (1977), os falantes da classe mdia apresentam desempenho lingustico que se

    aproxima mais da norma de prestgio do que os falantes da classe social baixa.

    Poplack (1980)

    Os processos de supresso do morfema plural em elementos do SN ocorrem

    tambm no espanhol latino americano. Poplack (1980) analisou 6.349 dados extrados

    de 24 entrevistas sociolingusticas com pessoas da classe trabalhadora acima de 21

    anos de idade, falantes do espanhol porto-riquenho e no falantes do ingls no norte

    da Filadlfia. Suas anlises levaram concluso de que a presena de marca de plural

    no segmento anterior favorece a reteno de marca no elemento em questo. Assim

    como nos resultados de Braga (1977), a noo de pluralidade est associada cadeia

    de marcas que existem em elementos precedentes, ou por meio de algum outro

    mecanismo, como por exemplo, um SN anterior. Assim como mostrou Braga (1977),

    significativa a contribuio do fator posio para a tendncia de supresso da marca

    do plural no elemento que sucede um outro sem marca. Os exemplos (1) e (2),

    extrados das subamostras paulistana e alagoana organizadas para o presente

    trabalho, ilustram esse fato:

    (1) Estar prxima DOS MEUS FILHOS...pra mim... a melhor coisa desse mundo (SP-F63S)4

    (2) Ah...era divertido... NAS FESTA JUNINA a gente fazia fogueira l no stio... (AL-M60M)

    Segundo as anlises de Poplack (1980), um SN do tipo deste sublinhado em (1),

    com uma sequncia em que h marcas na primeira e segunda posio, bem baixa a

    taxa de ausncia de plural no terceiro elemento. J em (2), no sintagma tem-se marca

    4 Nos exemplos, D1 e S1 se referem, respectivamente, a Documentador (a) e Sujeito Informante. Os

    cdigos entre parnteses, logo aps os exemplos, indicam o perfil do informante: naturalidade do

    informante (SP paulistano ou AL alagoano); sexo/gnero (M masculino ou F feminino); a faixa

    etria (1: entre 20 e 35 anos; 2: 36-59; e 3: 60 anos ou mais); a escolaridade (M para aqueles que

    estudaram at o Ensino Mdio e S para aqueles que estudaram at o ensino superior).

  • 18

    de plural no primeiro constituinte, mas no no segundo - o que aumenta as chances de

    que tambm no haja no terceiro. Apenas para o determinante, o primeiro elemento

    do sintagma, o efeito de supresso baixssimo: na maioria das vezes em que no se

    observa concordncia, o primeiro constituinte o nico com a marca /-s/. Neste

    sentido, Poplack (1980) defende ser esta uma semelhana do espanhol (falado poca

    na Filadlfia) com o portugus brasileiro. Este efeito denominado por paralelismo

    formal foi posteriormente testado para o portugus brasileiro por Scherre (1988).

    O estudo de Poplack (1980) fornece ainda outras consideraes importantes,

    relacionadas ao efeito dos fatores gramaticais e dos fatores fonolgicos na realizao

    da concordncia nominal. No que diz respeito s classes de palavras, constata que na

    posio no nuclear esquerda do SN, um adjetivo favorece a no realizao da

    concordncia, enquanto que um artigo a favorece. J com relao aos fatores

    fonolgicos, constata que uma pausa seguinte ao SN plural favorece CN-, do mesmo

    modo que tonicidade fraca na slaba seguinte.

    Pode-se considerar que a concluso mais relevante do trabalho feito por

    Poplack (1980) a de que, enquanto o espanhol da Filadlfia (elimina a redundncia

    da estrutura superficial da sentena), ela organiza o seu sistema de marcao de

    plural. Na variedade falada, o espanhol analisado parece necessitar apenas que o

    plural seja marcado em algum constituinte do sintagma, diferentemente do que

    prescreve a gramtica normativa.

    Na presente pesquisa, com base na fala paulistana e alagoana, o grupo de

    fatores posio e marcas precedentes no sero testadas. Ao serem extradas todas as

    ocorrncias de sintagma nominal das duas amostras, constatou-se que a quantidade

    de SNs simples (dois elementos) ocorrem em mdia cinco vezes mais do que os SNs

    mais complexos (trs elementos ou mais). Como o interesse maior dessa pesquisa

    reside na comparao entre os dois grupos de falantes, optou-se por no analisar os

    SNs com mais de dois elementos. Por outro lado, Oushiro (indito), que tambm

    trabalha com essa varivel numa amostra paulistana mais abrangente, apresenta

    anlises que incluem tambm os SN complexos). No presente trabalho, verifica-se que,

    nos SNs simples, a primeira posio categoricamente marcada com plural,

    diferentemente da segunda. Embora no se trabalhe com os dois grupos de fatores

    acima mencionados, faz-se necessrio apresentar resultados j obtidos sobre ele, pois

  • 19

    alm de se mostrar muito significativo para a CN- , est diretamente relacionado com

    o grupo de fator Classe de palavras do elemento no nuclear, que se inclui nas anlises

    da varivel entre alagoanos e paulistanos.

    Scherre (1988 e 1996)

    Scherre (1988) analisa o efeito da varivel paralelismo formal e verifica que a

    presena de marca de plural num determinado elemento do SN favorecida pela

    presena de tal marca nos elementos anteriores. No mesmo sentido, a presena de

    pelo menos uma marca precedente no sucedida por zero (ou seja, ausncia de marca

    de plural) favorece a presena de marca no elemento seguinte, com percentual um

    pouco menor do que quando h duas ou trs marcas antecedendo o elemento em

    questo. J a presena de zero num elemento precedente leva quase categoricamente

    ao zero no constituinte seguinte.

    Scherre (1996) discorda da correlao sugerida por Guy (1981) - de que h uma

    equivalncia entre os fatores classe de palavra e posio do elemento no SN - e

    desenvolve uma abordagem que considera trs grupos de fatores lingusticos (posio

    linear, classe gramatical, marcas precedentes). A partir de 11.086 dados, extrados de

    48 entrevistas sociolingusticas do Corpus Senso5, procura verificar todas as inter-

    relaes entre eles e os transforma em dois fatores: (1) relao entre elementos

    nucleares e no nucleares e posio linear dos elementos nucleares do SN e (2) marcas

    precedentes em funo da posio.

    Com o objetivo de explicar para o efeito do fator classe gramatical (Guy, 1981)

    em funo do fator posio, Scherre (1996) apresenta uma tabela com a distribuio

    dos dados, a fim de embasar sua discordncia com Guy (1981):

    5 Corpus Censo do Programa de Estudos sobre o Uso da Lngua (PEUL), vinculado ao Departamento de

    Lingustica e Filologia da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Esse

    banco de dados constitudo por 64 gravaes de 60 minutos cada com informantes estratificados em

    funo dos anos de escolarizao (de 1 a 4 anos, de 5 a 8 anos; e de 9 a 11 anos), da faixa etria (7/l4

    anos; 15/26; 26/49 e acima de 49 anos), e do sexo (feminino e masculino). (cf. SCHERRE, 1996).

  • 20

    Tabela 1 Distribuio dos dados dos falantes adultos em funo da classe gramatical e da

    posio dos elementos no SN (transcrita de Scherre, 1996)

    Classe

    Posio

    Total Primeira Segunda Terceira

    Substantivos 153/161 = 95%

    Ex.: Problemas assim

    maiores

    2.777/5.196 = 53%

    Ex.: Essas carne

    congelada

    317/514 = 62%

    Ex.: das otas famlias

    3247/5871

    Categoria

    substantivada

    No ocorre 60/93% = 65%

    Ex.: trabalha uma,

    as outras fica

    16/23 = 70%

    Ex. as coisas boas e

    as ruins

    76/116

    Pronome pessoal

    3 pessoa

    12/12 = 100%

    Ex. delas todas

    27/33 = 82%

    Ex. de todos eles

    Xxxx

    Ex. todos ele

    39/45

    Adjetivo 47/48 = 98%

    Ex.: novas escolas

    125/163 = 77%

    Ex.: as boas aes

    125/307 = 41%

    Ex: uma coisinha

    bonitinha

    297/518

    Quantificador 133/133 = 100%

    Ex.: todos os anos

    3/7 = 43%

    Ex.: eles todo

    22/108 = 20%

    Ex.: aquelas cruzinha

    toda

    158/248

    Possessivo 184/184 = 100%

    Ex.: suas tias

    130/135 = 96%

    Ex.: nos meus filhos

    2/12 = 17%

    Ex.: uns colega meu

    316/331

    Demais classes

    no nucleares

    3701/3802 = 97% 141/151 = 93% 3/4 = 75% 3845/3953

    Total 4230/4340 = 97% 3263/5778 = 56% 485/968 = 50% 7978/11086

    A autora mostra que a terceira posio dos SNs no ocupada apenas por

    adjetivos (31% so adjetivos e 53% so substantivos), e que 30% dos adjetivos

    aparecem na segunda posio, percentual significativamente alto para ser ignorado; os

    substantivos tm maior probabilidade de serem marcados na terceira posio (62%),

    ao contrrio dos adjetivos que se apresentam mais marcados na segunda (77%); e, por

    fim, os possessivos e demais elementos no nucleares tambm ocorrem na segunda

    posio com considerveis ndices de marcas (97% e 93%). Alm disso, verifica-se

    ainda que qualquer que seja a classe gramatical que ocupe a primeira posio, esta

    tende a ser muito marcada.

    Logo, a autora verifica que tomar classe por posio ou posio por classe leva

    a encobrir regularidades lingusticas importantes. A partir dessa argumentao, ela

  • 21

    introduz uma nova abordagem analtica que contempla a relao entre essas duas

    variveis, uma vez que: (i) as classes gramaticais no nucleares que ocorrem na

    primeira posio so todas antepostas ao ncleo do SN; (ii) as classes gramaticais da

    segunda posio so predominantemente antepostas ao ncleo do SN; e (iii) as classes

    no nucleares da terceira posio so predominantemente pospostas ao ncleo do SN.

    Para essa anlise, a autora apresenta uma tabela com as classes no nucleares

    distribudas em funo da posio linear que ocupam no SN em funo da relao de

    anteposio ou posio de ncleo do SN.

    Tabela 2 Distribuio das classes gramaticais no-nucleares em funo da posio e relao com o ncleo. Scherre (1996:51)

    CLASSE E POSIO Anteposto Posposto

    Adjetivo na 1 posio (novas escolas)

    47/47 = 98% No ocorre

    Adjetivo na 2 posio (as boas aes/coisas lindas)

    36/39 = 92% 89/124 = 72%

    Adjetivo na 3 posio (uma casinha bonitinha)

    No ocorre 127/307 = 40%

    Quantificador na 1 posio (todos os anos)

    133/133 = 100% No ocorre

    Quantificar na 2 posio (eles todo)

    No ocorre 3/7 = 43%

    Quantificador na 3 posio (aquelas cruzinha toda)

    No ocorre 22/108 = 20%

    Possessivo na 1 posio (suas tias)

    184/184 = 100% No ocorre

    Possessivo na 2 posio (os meus filhos/colegas minhas)

    127/130 = 98% 3/7= 43%

    Possessivo na 3 pessoa (uns colegas meu)

    No ocorre 2/12 = 17%

    Demais elementos no-nucleares 1 posio (alguns meses/determinados pontos)

    3791/3802 = 97% No ocorre

    Demais elementos no-nucleares 2 posio (todos os anos/eles mesmo)

    141/148 = 95% 0/3 = 0%

    Demais elementos no-nucleares 3 posio (do meus prprios filhos)

    1/1 = 100% 2/3 = 66%

    De acordo com seus resultados, relativamente s classes no nucleares foi

    possvel observar que todos os elementos que antecedem o ncleo do SN so

    marcados e que todos os elementos pospostos ao ncleo do SN so menos marcados.

  • 22

    Scherre (1996) considera ainda que a relao entre classe gramatical e posio,

    relativamente aos elementos no nucleares, deve ser vista por meio de sua

    distribuio em torno do ncleo, sem que importe tanto nem a classe nem a posio,

    mas sim a distribuio da classe no nuclear em relao ao centro do SN.

    Segundo a autora, revela-se importante uma segunda questo: a posio linear

    mostra-se significativa somente com relao aos elementos no nucleares do SN; tal

    constatao interessante na medida em que: as categorias substantivadas

    comportam-se da mesma forma que os substantivos, sendo mais marcados na terceira

    do que na segunda posio; e pronomes pessoais evidenciam maior nmero de marcas

    na primeira do que na segunda posio, embora apresentem porcentagem mais alta

    do que os substantivos. A autora prope, ento, unir os dois grupos de fatores em

    apenas um, que denomina Relao entre os elementos do SN:

    1 as classes no nucleares antepostas apresentam mais marcas do que as

    pospostas; no o adjetivo que pouco marcado, mas sim o adjetivo posposto;

    no o quantificador que muito marcado, mas o quantificador anteposto,

    justificando-se que no correto afirmar que sempre a primeira posio do SN

    mais marcada que as demais.

    2 Os elementos no nucleares no so igualmente marcados em todas as

    posies, j que primeira e a terceira posio so sempre mais marcadas do que

    a segunda, refutando-se concluses de que a classe dos substantivos uma das

    menos marcadas.

    Scherre (1996) retoma os fatores marcas precedentes e posio linear,

    estudados tanto no PB quanto no espanhol, com o objetivo de mostrar que ambas as

    lnguas apresentam mais semelhanas do que diferenas. Ao analisar esses fatores

    para o PB, a autora constata que no foram analisados adequadamente, indicando que

    os autores no discutiram os resultados obtidos. Ela dividiu marcas precedentes em

    nove fatores e os exemplos por ela apresentados esto destacados abaixo, nos quais o

    elemento em foco encontra-se sublinhado e o contexto precedente apresenta-se

    grafado com letras maisculas:

    - o fator ausncia refere-se ausncia de qualquer constituinte do SN precedendo o

    elemento da primeira posio (os fregueses, do meus tio).

  • 23

    - zero formal na primeira posio (dO meus tios; FILHOTINHO novos; TANTA

    gargalhadas).

    - numerais da primeira posio - (TRS captulos; NOVE ncleos formados; DEZ sinhoras

    l sentada; DOIS risco verde).

    presena de marca formal na primeira posio - (OS fregueses; UNS troo; OS meus

    quatro filhos; AS perna toda marcada; NOTAS melhores).

    ncleo semntico e presena de marca formal engloba casos como: (a) de ncleo

    nominal mais alto com marca formal de plural (MILHES de coisas); e (b) os casos de

    ncleo nominal, com ou sem marca formal de plural, acompanhado de marca no

    primeiro elemento do SN em anlise (UM GRUPO DE CRIANAS abandonadas; UMA

    SRIE DE OUTRAS coisas).

    ncleo semntico e ausncia de marca formal apresenta (a) as ocorrncias de

    ncleo nominal mais alto sem marca formal de plural (UMA PORO DE carro; UM

    GRUPO DE crianas abandonadas); e (b) as ocorrncias de ncleo nominal sem marca

    formal de plural seguido de ausncia de marca no primeiro elemento do SN sob anlise

    (UMA PORO DE COISA interessante).

    - presena de marcas formais a partir da primeira posio envolve a presena de

    duas ou mais marcas formais de plural precedendo o segmento analisado na terceira,

    quarta ou quinta posio (AS MAIORES privaes; AS PARTIDAS TODAS iguais).

    mistura de marcas engloba todos os casos de presena de pelo menos uma marca

    formal de plural precedendo o elemento nominal analisado, no mediada por zero em

    elemento que admite marca (dO MEUS tios; NOVE NCLEOS formados ), os demais

    casos deste fator (DEZ SINHORAS L sentada; AQUELAS PESSOAS ASSIM BEM

    esquisitinha) seguem o mesmo princpio.

    zero formal a partir da primeira posio pode ser caracterizado nos seguintes

    termos: entre a ltima marca formal e o elemento analisado tem de haver,

    necessariamente, um zero em elemento que admite marca, mesmo que mediado por

    um numeral ou por um modificador (UMAS BORRACHA grande; DOIS RISCO verde; AS

    PERNA TODA marcada; AS CASA MAIS antiga).

    As anlises com esses fatores, com exceo de ausncia fora do SN e zero na

    primeira posio, que respectivamente favorecem marcao do plural na primeira e na

    segunda posio, levam constatao recorrente de que: marcas levam a marcas e

  • 24

    zeros levam a zeros (Scherre, 1989). O ncleo semntico formalmente marcado

    (MILHARES DE coisas) ou seguido de marca formal (UMA SRIE DE OUTRAS coisas e

    UMA PORO DE CRIANAS abandonadas) favorece a insero de marca de plural no

    segmento analisado (peso .74); com o ncleo semntico formalmente sem marca de

    plural (UMA PORO DE coisa) ou seguido de um elemento tambm sem tal marca

    (UMA PORO DE PEIXINHO colorido) favorece o zero no elemento seguinte (.41).

    Dessa forma, segundo Scherre (1989), no so necessrias explicaes ad hoc.

    A autora finalmente conclui que o fator posio isolado dos fatores marcas

    precedentes e da classe gramatical no d conta de explicar a variao na

    concordncia de nmero, na sua totalidade. Reitera, assim, sua hiptese de que a

    melhor anlise para esse fenmeno a que considera esses trs fatores agrupados em

    dois: 1) marcas precedentes em funo da posio; e 2) relao entre elementos

    nucleares e no nucleares e posio dos elementos nucleares dentro do SN.

    Carvalho (1997)

    Carvalho (1997) analisou a concordncia de nmero no SN (simples e

    complexos) no portugus falado na rea urbana de Rio Branco (Acre). Alm de verificar

    o fenmeno como varivel, buscou demonstrar se os contextos lingusticos e sociais

    correlacionados a ela so os mesmos para aquela comunidade, se comparados com os

    trabalhos sobre CN no Brasil. Para isso, a autora testou os grupos de fatores: posio

    do elemento do SN, classe gramatical, marcas precedentes, contexto fnico seguinte,

    salincia fnica (tonicidade e nmero de slabas), sexo, grau de escolarizao e grau de

    formalidade do discurso. Sua amostra composta de 24 informantes, sendo 12

    homens e 12 mulheres, com idade entre 20 e 30 anos.

    Seus resultados mostram que, para salincia fnica, os itens mais salientes so

    mais marcados com plural do que os menos salientes. Quanto tonicidade, a autora

    conclui que no se trata de um grupo de fatores explanatrio, j que seus resultados

    apresentam discrepncia entre os percentuais e os pesos relativos (segundo ela,

    devido m distribuio dos dados). A hiptese acerca do nmero de slabas do item

    lexical singular (itens lexicais com mais de duas slabas tm mais chance de receber

  • 25

    marca de plural do que os disslabos e monosslabos) confirma-se. A autora verifica

    que o princpio da salincia fnica atua mais fortemente sobre a concordncia do que

    processos morfolgicos de formao de plural.

    Carvalho (1997) afirma, assim como Scherre (1988, 1996), que as variveis

    posio, classe gramatical e marcas precedentes apresentam-se muito inter-

    relacionadas; assim Classe gramatical, relacionado posio dos elementos no SN,

    demonstra que os determinantes so mais marcados nas duas posies e a

    comparao entre substantivos e adjetivos revela que os primeiros so mais marcados

    com plural do que os segundos, nas duas posies.

    Com relao s variveis sociais, a autora verificou que o grau de escolarizao,

    est intrinsicamente ligado ao fenmeno varivel, numa correlao que se repete nos

    trabalhos - quanto maior o nvel de escolaridade do informante, menor a tendncia

    de no realizao da concordncia. Quanto ao sexo, os dados no confirmam a

    hiptese de que as mulheres mais sensveis ao prestgio, uma vez que so os homens

    que menos deixam de realizar a concordncia. A autora afirma que tal resultado pode

    estar relacionado ao engajamento dos homens de sua amostra no mercado

    profissional.

    Andrade (2003)

    Entre os numerosos trabalhos sobre variao na concordncia nominal, h

    tambm aqueles desenvolvidos na regio sul do Brasil, tais como Andrade (2003), que

    analisou 24 entrevistas sociolingusticas gravadas em Tubaro, no Sul de Santa

    Catarina, e em So Borja, no Rio Grande do Sul (12 informantes de cada cidade). As

    entrevistas de So Borja fazem parte do Projeto VARSUL6 e as de Tubaro foram

    cedidas pelo Procotextos/Amurel7.

    Foram consideradas as variveis idade (entre 20 e 60), sexo (masculino e

    feminino) e escolaridade (primrio, ginsio e colegial). Linguisticamente, os grupos

    foram: posio do elemento no SN, Classe gramatical dos elementos do SN, relao

    6 Projeto VARSUL - Variao Lingustica Urbana da Regio Sul (UFSC).

    7 PROCOTEXTOS/AMUREL - Projeto de Coleta de Texto de Informantes da AMUREL.

  • 26

    desses elementos com o ncleo, marcas precedentes, processo morfolgico de

    formao de plural, tonicidade dos elementos e graus dos substantivos e adjetivos.

    O cruzamento entre posio linear e classe gramatical, assim com nos

    trabalhos apresentados at aqui, possibilitou verificar que a primeira posio do SN

    um fator que favorece a insero da marca de plural, o que j no acontece com as

    demais posies, que tendem a desfavorecer a presena de marcas de plural no SN. No

    entanto, Andrade (2003:107) evidencia uma diferena em relao a trabalhos

    anteriores quando a segunda posio ocupada por artigos ou demonstrativos,

    esta ir favorecer mais a aplicao da regra que a primeira posio ocupada por esta

    mesma classe gramatical. Ou seja, na primeira posio, os substantivos favorecem

    mais a aplicao da regra do que os prprios determinantes; j os adjetivos

    desfavorecem a aplicao da regra em qualquer posio.

    Assim como em outros trabalhos, plurais irregulares favorecem mais a aplicao

    da regra (isto , a realizao da concordncia) do que os plurais regulares. Quanto

    varivel marcas precedentes, a autora confirma a hiptese de Scherre (1988) de que

    marcas levam a marcas e zeros levam a zeros. Os resultados do grupo de fatores

    relao com o ncleo comprova que todos os elementos antepostos ao ncleo do SN

    so muito mais marcados, enquanto os elementos pospostos so pouco marcados.

    Em relao classe gramatical, quando substantivos aparecem na primeira

    posio do SN, apresentam peso relativo maior para a no realizao da concordncia -

    maior que os determinantes na primeira posio que a desfavorecem.

    Dentre as variveis sociais, escolaridade levou a resultados semelhantes ao de

    trabalhos anteriores. As mulheres deixam de realizar a concordncia relativamente

    menos que os homens - na cidade de Tubaro (SC), mas no em So Borja (RS), onde

    no se verifica diferenciao entre homens e mulheres. A idade dos informantes no

    se revelou um grupo de fatores relevante.

    Fiamengui (2011)

    A variao na CN em SNs tambm foi estudada no interior paulista. Aqui,

    destaca-se o trabalho de Fiamengui (2011), com foco na fala de adolescentes da regio

    de So Jos do Rio Preto. Foram analisados 5.391 dados extrados de duas amostras:

  • 27

    640 redaes escolares obtidas a partir do projeto Desenvolvimento de Oficinas de

    Leitura e Interpretao de Textos no Ensino Fundamental8 e 8 narrativas orais

    integrantes do corpus Iboruna, constitudo no mbito do Projeto ALIP9.

    Nesse estudo, foram considerados os seguintes fatores lingusticos: posio

    linear e classe gramatical, processo morfolgico de formao de plural, tonicidade do

    item lexical singular, nmero de slabas do item lexical singular, contexto

    fontico/fonolgico seguinte, marcas precedentes ao elemento analisado, formalidade

    dos substantivos e adjetivos.

    J os fatores sociais foram: sexo (masculino e feminino), idade (10 a 15 anos),

    escolaridade (5 a 8 sries do ensino fundamental). Para a anlise das redaes, foi

    considerado ainda o grupo proposta de redao e para a comparao entre as duas

    amostras incluiu-se o grupo modalidade (oral/escrita).

    Os resultados de Fiamengui (2011) mostram que a modalidade escrita

    desfavorece a no realizao da concordncia, relativamente oral. Considerando-se

    aqui apenas os dados orais, o grupo posio linear e classe gramatical apresentou-se

    como o mais significativo, sendo que o determinante (anteposto, na primeira posio

    do SN) aquele em que a marca de plural mais presente, seguido pelo determinante

    anteposto ao ncleo ocupando a segunda posio. Os adjetivos pospostos s

    favorecem a marcao do plural quando so trisslabos a partir da terceira posio do

    SN.

    O grupo de fatores nmero de slabas do item lexical no confirma a hiptese

    de que os itens com maior nmero de slabas so mais marcados com plural que os

    demais. A autora considera que uma possvel explicao para esse resultado possa

    estar na posio que o item ocupa no SN. O cruzamento entre os grupos posio linear

    e classe gramatical e nmero de slabas mostra que a maior parte dos monosslabos

    8 Projeto desenvolvido na Escola Estadual Professora Zulmira da Silva Sales, localizada na rea

    residencial e perifrica da cidade de So Jos do Rio Preto, credenciado junto Pr-Reitoria de Extenso

    da UNESP, da mesma cidade, e coordenado pelas Prof Dra. Luciani Ester e Prof Dra. Sanderlia

    Roberta Longhin-Thomazi. 9 ALIP Amostra Lingustica do Interior Paulista Banco de Dados construdo entre 2004 e 2007 com a

    amostra da fala de 152 informantes da regio de So Jos do Rio Preto, estratificados em sexo/gnero

    (masculino e feminino), faixa etria (07 a 15 anos, 16 a 25 anos, 26 a 35 anos, 36 a 54 anos e mais de 55

    anos), escolaridade (1 ciclo do ensino fundamental, 2 ciclo do ensino fundamental, ensino mdio e

    ensino superior) e renda (mais de 25 sal. min., 11 a 24 sal. min., 6 a 10 sal.min. e at 5 sal. min.)

  • 28

    ocupa a primeira posio (substantivos ou categorias substantivadas), caso no qual a

    marcao do plural desfavorecida.

    O ltimo grupo selecionado entre os lingusticos foi marcas precedentes ao

    elemento analisado. Os resultados permitem, mais uma vez, verificar a atuao do

    paralelismo formal (marcas levam a marcas e zeros levam a zeros).

    Dentre os grupos sociais, sexo/gnero foi o mais significativo, sendo que os

    homens so mais conservadores, ou seja, tendem a deixar de realizar a concordncia

    menos que as mulheres. Fiamengui justifica esse resultado pelo fato de que a maior

    quantidade de dados oferecida por informantes de 14 anos, que na amostra

    influenciam negativamente a marcao.

    Os resultados para idade so interessantes, uma vez que os mais velhos entre

    seus informantes (14 anos) desfavorecem a marcao de pluralidade. Essa

    justamente a idade em que, segundo Labov (1974), o indivduo passa a dispor de maior

    percepo social; segundo Fiamengui (2011:129), um dos motivos dessa recusa

    pode estar numa relao conflituosa entre os valores incalculados pelo sistema escolar

    com a adoo da norma prescritiva nas aulas e lngua portuguesa, e os valores

    culturais que o adolescente herda de sua prpria comunidade, dentre os quais os

    relacionados ao prprio vernculo.

    Oushiro (indito)

    Na capital paulista, Oushiro (indito) realiza uma pesquisa com dados de fala

    paulistana, em uma amostra composta por 118 entrevistas sociolingusticas, com os

    mesmos perfis dos paulistanos aqui analisados, em que analisa, entre outras variveis,

    a concordncia nominal de nmero. A autora analisa tanto sintagmas simples como

    sintagmas complexos, com os seguintes fatores: sexo/gnero, faixa etria,

    escolaridade, regio de residncia, classe social, origem dos pais, mobilidade

    geogrfica, processos morfofonolgicos de formao do plural, tonicidade do item

    singular, posio relativa, classe morfolgica, contexto fnico seguinte e paralelismo

    intrassintagmtico (somente para 3, 4 e 5 posies).

  • 29

    Dentre as variveis sociais, no so selecionadas como significativas para a

    concordncia nominal a faixa etria do falante, a sua regio de residncia e a origem

    dos pais. A Idade do falante, como varivel contnua, tampouco selecionada. Esses

    resultados indicam que, no quadro geral, a concordncia nominal parece ser um caso

    de variao estvel em So Paulo.

    Dentre as variveis lingusticas posio linear e classe de palavras foram mais

    significativas. Quanto ao paralelismo sinttico investigado por Scherre & Naro

    (1992), Scherre (1998) e Scherre (2001) os resultados so similares: SNs precedidos

    por outros SNs com concordncia parcial favorecem CN- (peso .70), e SNs precedidos

    por SNs com concordncia plena a desfavorecem (peso 45); quando se trata do

    primeiro SN de uma srie (neste estudo, a ausncia de SNs plurais nas cinco oraes

    precedentes), a tendncia neutra, semelhante probabilidade geral da amostra.

    A amostra analisada por Oushiro (indito) muito maior e mais abrangente do

    que aquela que se analisa aqui (pensando-se nos paulistanos). Entretanto, o objetivo

    do presente trabalho , conforme vem-se reiterando, comparar a realizao da CN na

    fala de dois grupos de falantes que vivem na cidade de So Paulo. Nesse sentido,

    ambos os dois trabalhos cooperam na descrio da fala paulistana. A reviso

    bibliogrfica apresentada neste primeiro captulo fornece as bases para a formulao

    de hipteses, na forma de grupos de fatores muitos dos quais so includos na

    anlise comparativa que aqui se desenvolve.

  • 30

    Captulo 2 As amostras de fala em So Paulo

    Desde seus trabalhos seminais, Labov (2008 [1972]) ressalta que a realizao

    de estudos de variveis lingusticas em reas urbanas no se pode basear em dados

    fornecidos por informantes selecionados arbitrariamente. Alm de uma descrio da

    populao que se quer enfocar, no sentido de compreender ao menos algumas

    particularidades da comunidade, deve-se cuidar para que haja, de acordo com os

    interesses do estudo, variao tambm na amostra da comunidade: homens e

    mulheres, de idades diferentes, pertencentes a estratos socioeconmicos distintos,

    que desenvolvam atividades ocupacionais variadas. Naturalmente, a hiptese de base

    que essas diferenas podem atuar nos usos lingusticos dos membros de uma tal

    comunidade.

    De acordo com o autor, preciso compreender quais as fronteiras que

    delimitam o enquadramento de um indivduo a uma certa comunidade de fala, e no a

    outra. Considera que as fronteiras so postas mediante dois aspectos: um deles, no

    nvel consciente, e o outro, no inconsciente. Quanto ao nvel consciente, os falantes

    compartilham atitudes e valores semelhantes em relao lngua, j que a

    comunidade de fala mais bem definida como um grupo que compartilha as mesmas

    normas em relao lngua (LABOV, l972 *2008+). Tais normas so apreendidas pelo

    pesquisador mediante o valor que os falantes de uma certa comunidade de fala

    atribuem a elas, sendo que, normalmente, ao grupo de prestgio cuja fala

    dominante na escola, no trabalho, na mdia, etc. so vinculados valores positivos.

    Ainda de acordo com Labov (1972), alm de valores conscientes em relao

    lngua, os falantes de uma comunidade de fala compartilham, inconscientemente,

    aspectos essenciais do sistema lingustico as suas regras gramaticais , sendo que os

    indivduos adquirem tal sistema sem que possam escolher falar deste ou daquele

    jeito.

    Ao considerar esses dois nveis envolvidos na delimitao da comunidade de

    fala, Labov ressalta que ela no pode ser simplesmente concebida como um grupo de

  • 31

    falantes que utiliza as mesmas formas, mas como um grupo que compartilha as

    mesmas normas em relao lngua (1972:158). Dessa forma, possvel observar que

    ele prioriza o carter de conscincia das atitudes dos falantes em relao s normas

    gramaticais compartilhadas pelo grupo, para caracterizar a sua comunidade de fala.

    No presente trabalho, alagoanos e paulistanos em So Paulo podem constituir

    comunidades de fala distintas (com hbitos sociais e lingusticos particulares).

    Entretanto, a verificao disto dependeria no s da incluso, no debate, de outros

    grupos de migrantes que vivem na cidade (baianos, pernambucanos, etc), alm de

    incluir tambm outras variveis lingusticas. De fato, no tarefa trivial discutir o que

    define uma comunidade de fala, sobretudo num espao urbano to heterogneo

    quanto So Paulo. Neste sentido, a anlise que se desenvolve aqui uma contribuio

    na direo de desenhar um quadro mais abrangente da sociolingustica paulistana, que

    passe a incluir aqueles que se mudaram para a cidade, alm dos paulistanos nativos.

    Em outras palavras, verificar se paulistanos e alagoanos, na cidade de So Paulo, se

    assemelham ou se diferenciam quanto ao emprego da concordncia nominal mais

    um passo em tal direo.

    Para tanto, construiu-se uma amostra de 24 entrevistas sociolingusticas

    gravadas com alagoanos que moram em So Paulo e selecionaram-se 24 entrevistas

    com paulistanos da amostra coletada pelo GESOL (SP2010) . Conforme descrevem as

    sees a seguir, essas duas amostras (que por vezes so referidas aqui como

    subamostras, quando se considera o conjunto total de dados para o desenvolvimento

    desta dissertao) so estratificadas com base nas variveis sexo/gnero (masculino e

    feminino), faixa etria (20 a 34, 35 a 59 e mais de 60 anos) e dois nveis de

    escolaridade (Ensino Fundamental e Ensino Mdio). Desses fatores sociais, resultam 12

    perfis sociolingusticos diferentes (por exemplo: homem de primeira faixa etria com

    ensino mdio), para cada um dos quais h dois informantes.

    Labov (1972[2008]) sugere que uma amostra de falantes idealmente conta com

    pelo menos trs indivduos para cada perfil. Entretanto, o trabalho de localizar,

    contactar e gravar certos perfis de alagoanos (por exemplo, aqueles de terceira faixa

    etria que tenham concludo o ensino fundamental) no permite que se colete uma

    amostra to grande num tempo limitado. Dessa maneira, gravaram-se dois

    informantes por perfil.

  • 32

    Conforme indica o Captulo 1, a novidade do presente trabalho est na

    comparao entre dois subgrupos de falantes que habitam So Paulo. Como os nativos

    da cidade so foco tambm de outra pesquisa que tambm enfoca a concordncia

    nominal de nmero (alm de outras variveis) e que utiliza uma amostra muito maior

    e mais representativa (118 informantes, estratificados tambm de acordo com a regio

    da cidade) destaca-se aqui a construo de uma amostra da fala de alagoanos que se

    mudaram para So Paulo. A prxima seo neste captulo, contudo, trata da amostra

    paulistana, j que foi nos conhecimentos acumulados pelo GESOL, na construo da

    amostra SP2010 ,que a coleta dos dados alagoanos se baseou.

    A seguir, portanto, aps uma breve descrio sociolingustica da cidade de So

    Paulo, este captulo trata da construo da amostra de alagoanos em So Paulo e faz

    uma reviso das hipteses que justificam os grupos de fatores sociais que estratificam

    ambas as subamostras.

    2.1. So Paulo

    Situada na regio sudeste do pas, So Paulo foi fundada em 25 de janeiro de

    1554, pelos padres Jos de Anchieta e Manuel de Nbrega, que haviam subido a Serra

    do Mar em busca de um local seguro para se instalar e catequizar os ndios. Quase

    cinco sculos depois, o povoado de Piratininga transformou-se na maior metrpole

    brasileira, com 1500 km, sendo hoje a maior cidade da Amrica do Sul, com uma

    populao de 11,8 milhes de habitantes. tambm a principal cidade da Regio

    Metropolitana do estado de So Paulo, rodeada por outras, que formam a Grande So

    Paulo (aproximadamente 19,7 milhes de habitantes).10

    A capital paulista hoje o grande polo econmico do pas; sua economia

    baseada na prestao de servios, seguido pela indstria; j a agricultura no

    desenvolvida na cidade, mas sim em outras no interior estado, que abastecem a

    capital.

    10

    Fonte: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-

    paulo|sao-paulo acessado em 26/07/2014

    http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-paulo|sao-paulohttp://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-paulo|sao-paulo

  • 33

    A cidade dividida em cinco zonas (Centro, Sul, Norte, Leste e Oeste) e estas se

    dividem em diversos distritos. Para a amostra SP2010, construda pelo GESOL e

    disponibilizada na Internet, os perfis sociolingusticos tm, cada um, cinco informantes

    - um de cada uma dessas zonas. Alm dessa distribuio, os informantes da amostra

    tambm se dividem em trs regies: Centro Velho, Centro Expandido e Periferia. O

    Centro Velho o centro histrico (e inclui bairros considerados tradicionais, tais

    como Bela Vista, Consolao, Bom Retiro, Brs e Liberdade) cuja urbanizao

    antiga, cujas construes tm um carter histrico e cujas famlias que a vivem

    tendem a ser daquelas mais prototipicamente paulistanas (Mendes; Oushiro, 2012). O

    Centro Expandido tambm faz parte de uma regio central (isto , no perifrica), mas

    j no constitui o centro propriamente. Ela inclui bairros como Pinheiros, Santana,

    Vila Madalena, Moema e outros, que so relativamente mais desenvolvidos,

    concentram imveis que so mais valorizados e contam com melhor infraestrutura de

    servio e cultura. J a Regio Perifrica (que inclui bairros como Sapopemba, Pirituba,

    Jabaquara, Campo Limpo e Perus) aquela cuja formao historicamente mais

    recente; assim, os bairros no dispem da melhor infraestrutura, comparativamente

    s outras duas regies. A figura abaixo ilustra essa diviso dos bairros da cidade:

    Figura 1: Diviso da cidade de So Paulo em Centro Velho, Centro Expandido e Periferia. (Mendes & Oushiro 2012)

  • 34

    So Paulo apresenta distribuio socioeconmica bastante contrastante, j que

    comum encontrar numa mesma regio distritos altamente valorizados em que se

    concentram as maiores rendas familiares (como no Morumbi, mais de 60% habitantes

    detm mais de 25% salrios mnimos por famlia) (Mendes & Oushiro, 2012) e distritos

    menos valorizados (como em Parelheiros, em que 64% detm renda familiar at 5

    salrios mnimos)11. O quadro abaixo mostra a distribuio de renda familiar da

    populao em diferentes distritos da cidade. comum que em distritos mais afastados

    das regies centrais os ndices de renda familiar sejam bem menores do que em

    distritos centrais:

    Distritos/Regio (C/P)

    Faixas de Renda (em Salrios Mnimos SM)

    At 2 SM 2-5 SM 5-10 SM 10-15 SM 15-25 SM Mais de 25

    SM

    MUNICPIO DE SO PAULO 13,30 24,39 25,97 11,29 10,98 14,06

    Capo Redondo (P) 18,30 32,80 29,82 9,36 6,50 3,22

    Consolao (C) 3,77 8,33 17,19 10,49 15,74 44,47

    Graja (P) 22,92 35,87 28,21 7,55 4,08 1,38

    Itaim Bibi (C) 3,87 6,61 12,98 8,83 14,78 52,92

    Jardim Paulista (C) 2,43 4,04 11,97 9,17 16,61 55,78

    Marsilac (P) 44,10 31,23 19,47 4,31 0,19 0,71

    Parelheiros (P) 26,06 38,16 25,79 6,15 2,83 1,01

    Quadro 1 : Distribuio dos domiclios por Faixas de Renda Familiar , segundo Distritos do Municpio de

    So Paulo (2013) IBGE Fundao Seade

    Segundo os prprios paulistanos que fazem parte da amostra SP2010, as

    diferentes regies da cidade podem apresentar caractersticas particulares. H

    informantes que acreditam que os hbitos das pessoas, inclusive os lingusticos, so

    diferentes entre as zonas centrais e perifricas, o que pode ser uma considerao

    11

    Fonte: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-

    paulo|sao-paulo ltimo acesso em 26/07/2014

    http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-paulo|sao-paulohttp://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-paulo|sao-paulo

  • 35

    importante para a investigao da concordncia nominal, j que se trata de uma

    varivel estigmatizada e que pode traar perfil social dos falantes.

    (3) D: voc consegue nota(r) diferena de comportamento... alguma coisa... entre os paulistanos de lugares diferentes da cidade? S: sim...com certeza d d pra... o paulistano ele...eu no sei se o paulistano...o ser humano em si...ele muito assim pr-moldvel moldvel assim pra muda(r) inclusive a sua caracterstica dependendo de onde ele est ele se comporta de uma forma diferente...porm tendo escapes que ele v que ele no aguenta mais e ele acaba mostrando quem ele realmente mas tem mudana de comportamento mediante a cada lugar que vai sim D: (vo)c acha que a gente acaba se moldando S: acaba com certeza eu acho que do prprio ser humano isso n tem locais que voc deve... que voc tem que manter uma postura diferenciada como uma pessoa que mora num bairro i(r) procura(r) emprego no centro da cidade ele precisa ele vai muda(r) o seu comportamento a sua forma de fala(r) porque seno ele no vai consegui(r) emprego n e mesmo porque eu acredito que tem que existi(r) profissionais pra pode(r) faze(r) avaliao n e de fato dinmicas de grupo entrevistas no tem essa necessidade (SP-F2M)

    (4) D: e o que que (vo)c acha que tem de diferente no jeito de fala(r) de algum do centro ou de diferentes bairros de periferia mesmo? S: o vocabulrio bastante diferenciado o vocabulrio no as grias n as grias voc v que diferente ahn no meu ver a gria n so grias diferentes n so vocabulrios regionais D: mesmo dentro da cidade tem tambm? S: tem tem sim com certeza (SP-M2S)

    Para o interesse da pesquisa sociolingustica na cidade de So Paulo

    importante ressaltar que, embora Classe social no seja um grupo de fatores que

    participe da estratificao das amostras, pode estar intrinsicamente relacionada a

    Escolaridade, j que quanto maior o nvel de escolaridade do informante maiores so

    as probabilidades de acesso a melhores posies profissionais e redes sociais. Embora

    a amostra paulistana tenha includo variabilidade em termos de classe social, este

    grupo de fatores no ser considerado no presente trabalho anlise pela dificuldade

    de estratificar a amostra alagoana da mesma forma e de encontrar alagoanos de

    diferentes classes sociais na cidade.12

    12

    Cf. Oushiro (indito) para uma anlise da relevncia do grupo de fatores

    Classe no funcionamento da concordncia nominal em So Paulo.

  • 36

    2.1.1. As imigraes na cidade De acordo com recente levantamento do Instituto de Pesquisa Econmica

    Aplicada (IPEA, 2013), 46% da populao residente da regio metropolitana no

    nasceu na cidade algo que fica bem ilustrado na Figura 1, abaixo. As migraes de

    estrangeiros para So Paulo foram impulsionadas sobretudo durante o perodo da

    Segunda Guerra Mundial, que interrompeu as importaes e levou a um aumento da

    produo, no estado, dos produtos at ento importados. O processo intensificou-se

    no governo de Juscelino Kubitschek, que lanou as bases da indstria automotiva no

    ABC paulista, um tema que tambm aparece em entrevistas com paulistanos, gravadas

    pelo GESOL:

    (5) D: e essa questo da imigrao... mais... n... tinha essa questo da Liberdade bairro de japons... o Brs e a Moca bairro de italiano... (vo)c acha que ainda (es)t concentrado assim... (xxx)... nos bairros... ou j misturou? S: no.. tem muita mistura... mas tem muita concentrao porque eu... trabalhei na Secretaria da Cultura n... ento... ... tem muita... imagina... o pessoal... o povo judeu super fechado... o pessoal da... da Itlia... eles so tambm super organizados... D: os judeus (es)to aonde?... assim... tem um bairro?... S: os judeus?... olha... acho que Higienpolis tem muito... tem...eles... que(r) ve... l perto da Hebraica tambm... ... ele no tem assim um lugar acho que o judeu como tem por exemplo a Liberdade ou como o Bexiga...o italiano... mas eles so muito unidos sabe... eles... uma comunidade que bem... muito forte... e os (japoneses) tambm... no tem aquelas festas de vez em quando que tem...fazem aquelas festas como que chama... da Achiropita n?... n... ... mas tem... tem... tem as fes... tem uma festa que... l no... como que chama... aquele museu... Memorial do Imigrante... uma vez por ano... tem a Festa das Naes... l voc v as comunidades n... e eles danam... todo ano tem... maravilhoso...eles fazem stands com comidas tpicas... e e as comunidades elas preparam shows tpicos pra apresenta(r) no palco... ento ... tem muita mistura... mas tem muita organizao nas comunidades independentes... (en)tendeu?... (SP-M1S)

    Conforme j se mencionou neste trabalho, o portugus falado em So Paulo foi

    pouco estudado, e a cidade hoje constituda por pessoas de diversas nacionalidades

    e naturalidades. Os imigrantes mais enraizados na cidade (japoneses, italianos,

    coreanos, bolivianos) em bairros como Mooca, Liberdade, Bom Retiro, no tiveram

    ainda o seu portugus estudado. Embora no trabalhe diretamente com eles, Oushiro

    (indito) investiga a concordncia nominal e outras variveis na fala de uma variedade

    abrangente de paulistanos, que possivelmente inclui descendentes de italianos - o que

  • 37

    abre caminhos para trabalhos futuros. A fala dos migrantes nordestinos que residem

    na cidade de So Paulo tambm no foi estudadada ainda, e os dados do grfico

    abaixo revelam que grande parte da populao paulista constituda por nordestino. A

    presente pesquisa, evidentemente, busca contribuir para ampliar o cenrio dos

    estudos sociolingusticos na cidade.

    Figura 2 Populao adulta (30-60 anos) na Regio Metropolitana de So Paulo.

    Fonte: Censo 2011 (apud Rocha, 2013)

    De acordo com esse grfico, cerca de 30% da populao residente na Regio

    Metropolitana de So Paulo so representados por nordestinos. De acordo com os

    dados disponibilizados pelo Centro de Tradies Nordestinas (CTN), o total de

    nordestinos que reside na cidade de 2.047.16813. Para suprir a necessidade de mo

    de obra operria, o estado passou a receber migrantes nordestinos a partir da metade

    do sculo XX, em especial homens, vindos principalmente dos estados da Bahia, Cear,

    Pernambuco e Paraba, que se fixaram principalmente na perifrica de So Paulo e nas

    cidades vizinhas. No processo de gravao das entrevistas, tanto da amostra alagoana

    quanto da paulistana, comum que os informantes identifiquem alguns bairros ou

    regies da cidade em que se concentram mais imigrantes ou mais nordestinos,

    justamente por estes serem mais numerosos na cidade.

    (6) D: aqui verdade... voc acha que tem alguma regio assim que concentra.... sei l os nordestinos pessoas pessoas...do nordeste?

    13

    disponvel em http/www.ctn.org.br ltimo acesso em 20.08.2013

  • 38

    S1: no... Santo Amaro...Santo Amaro... se concentra a maior regio de nordestino l voc se sente que (vo)c (es)t no nordeste...tem at lugares assim que vende coisas tpicas do nordeste l... D: ah ? S: tem salo de forr... tem tudo... do nordeste... um pouquinho longe n... ali Largo Treze de Maio...se bem que hoje em dia est difcil de dizer que nordestino se concentra s em um lugar...antes o centro era s pra pessoas...pessoas que tinham mais condies...hoje...se voc andar pela regio do Brs...por exemplo...(vo)c vai encontrar muito nordestino...principalmente porque l tem muita agncia de nibus clandestinos... (AL-M2M)

    No perodo entre 1970 a 1991, mais de 2,6 milhes de nordestinos migraram

    para a cidade de So Paulo, com maior nmero de baianos, seguidos de

    pernambucanos, cearenses, paraibanos e alagoanos que viam na cidade a

    possibilidade de melhores condies de vida:

    Dentre os imigrantes registrados em So Paulo nas dcadas de 70 e 80, constata-se que, no primeiro perodo, a nmero de imigrantes da UF chegava a cerca de 3 milhes, representando 92% do total de imigrantes do Estado, principalmente devido aos volumes de emigrantes da regio Sul do pas. J no perodo seguinte os imigrantes no nascidos do Estado foram cerca de 2,3 milhes sendo que houve um pequeno acrscimo no nmero de imigrantes de retorno que chega a 368 mil pessoas, ou seja, cerca de 14% do total. (Cunha et al.,2000: 71-72)

    Os dados sobre a cidade de So Paulo, sobretudo sobre as migraes, reforam

    o carcter multicultural da cidade e sua complexidade etnogrfica. No possvel

    estudar aspectos socioculturais e lingusticos da cidade sem levar em considerao o

    convvio dos diferentes subconjuntos de habitantes. Por este motivo, neste trabalho

    sero analisadas amostras da fala de dois desses subconjuntos que convivem na capital

    paulista: paulistanos nativos (aqueles que nasceram e foram criados na cidade) e

    alagoanos que se mudaram para ela. Conforme adianta a introduo, estuda-se como

    se realiza a concordncia nominal de nmero nessas duas amostras, a fim de verificar

    se a variao regulada pelos mesmos grupos de fatores sociais e lingusticos.

    O item a seguir trata dos procedimentos para a construo da amostra de 60

    entrevistas por meio do projeto SP2010 Construo de uma mostra da fala

    paulistana (Mendes e Oushiro, 2012), das quais foram selecionadas 24 para a

    composio da amostra paulistana utilizada nesta pesquisa.

  • 39

    2.2. O Projeto SP2010

    Por volta de 1970, iniciaram-se no Brasil os primeiros estudos que investigavam

    a lngua falada no Brasil. O Projeto NURC (Norma Lingustica e Urbana Culta) (Castilho

    & Preti, 1986, 1987; Preti & Urbano, 1988, 1990) possibilitou que diversos estudos

    lingusticos fossem realizados com algumas das variedades do portugus falado no

    pas, incluindo-se entre elas a falada em So Paulo.

    No estado de So Paulo, alguns trabalhos que disponibilizam banco de dados

    de fala foram realizados e merecem destaque, como Projeto para o Portugus Paulista

    (Castilho, 2007) e o Projeto Iboruna (Gonalves, 2008), na regio de So Jos do Rio

    Preto.

    Entre os anos de 2008 e 2010, o GESOL construiu uma amostra da fala

    paulistana composta por mais 100 entrevistas com paulistanos e no paulistanos, de

    ambos os sexos, entre 15 e 89 anos de idade e com escolaridade equivalente ao Ensino

    Fundamental incompleto at o Ensino Superior completo, residentes das cinco zonas

    da cidade (Centro, Norte, Sul, Leste e Oeste). Tal amostra chamada de Piloto e o

    perodo de sua coleta possibilitou que roteiros de entrevistas fossem reelaborados e

    aprimorados, mtodos de contato de informantes fosse refinados e critrios de

    transcrio e de codificao de variveis fossem revistos.

    A partir de anlises dessas entrevistas da Amostra Piloto, consideraram-se seisc

    os parmetros mais importantes para a construo de uma amostra representativa da

    fala paulistana Sexo/Gnero, Faixa Etria, Escolaridade, Classe Social, Regio da Cidade

    e Gerao da Famlia na cidade. No entanto, no seria factvel construir uma amostra

    que se estratificasse com base em todas essas variveis em um perodo limitado. Para

    manter certa comparabilidade com outras amostras construdas em outras localidades,

    decidiu-se que a nova amostra (SP2010) seria estratificada por: sexo/gnero

    (masculino e feminino); faixa etria (20-34 anos; 35-59; 60 anos ou mais) e

    escolaridade (Ensino Fundamental e Ensino Mdio). Essas variveis levam a 12 perfis,

    para cada um dos quais foram gravados 5 informantes, totalizando-se 60 entrevistas,

    do modo como resume o quadro 02. Quanto as outras trs variveis no includas na

  • 40

    estratificao dos perfis, elas no definem o tamanho da amostra, mas fazem parte

    dela qualitativamente.

    Quadro 2: Variveis estratificadoras da amostra SP2012 e perfis sociolingusticos dos informantes

    (transcrito de Mendes e Oushiro 2012: 978).

    Conforme j se adiantou na Introduo, essas 60 entrevistas esto disponveis

    (tanto o udio quanto as transcries) em site prprio14 na Internet. Dentre elas, para

    o presente trabalho foram selecionadas 24 entrevistas, com base nos perfis e

    informantes que seriam gravados para a amostra alagoana que descrita no item a

    seguir. Em princpio, a proposta para a construo da amostra alagoana era idntica

    paulistana; no entanto, no foi possvel encontrar alagoanos da terceira faixa etria

    com ensino superior completo, de modo que alterou-se a varivel escolaridade (em

    vez de Ensino Mdio e Superior, trabalhou-se com Ensino Fundamental e Mdio). Tal

    alterao no representou um problema para a amostra paulistana, que contm

    grande variedade de perfis e informantes (considerando-se no apenas a Amostra

    SP2010, mas tambm a Amostra Piloto).

    14

    Cf: http://projetosp2010.fflch.usp.br/

    http://projetosp2010.fflch.usp.br/

  • 41

    Quadro 3: Amostra Paulistana (12 perfis x 2 informantes = 24 )

    Todos os informantes da amostra SP2010, conforme j se mencionou,

    nasceram e foram criados na cidade de So Paulo. J vimos tambm que a metrpole

    habitada por uma grande quantidade de imigrantes, que deveriam passar a integrar os

    estudos sociolingusticos. Neste sentido, o presente trabalho d um passo, ao coletar

    uma amostra de alagoanos que vivem na capital So Paulo e ao propor a comparao

    de suas falas, ainda que da perspectiva de uma nica varivel lingustica a

    concordncia nominal de nmero.

    2.3. A construo de uma amostra de alagoanos em So Paulo

    A comunidade alagoana na cidade de So Paulo soma 145.237 indivduos,

    (66.760 homens e 78.447 mulheres15). Assim como comum entre nordestinos

    migrantes, eles vieram para a metrpole em busca de melhores ofertas de trabalho e

    melhores condies de vida para seus familiares. Com o passar do tempo, foram se

    enraizando e construindo relaes sociais e afetivas com a cidade de So Paulo o que

    fez com que sentissem acolhidos, mas nem por isso deixassem de preservar costumes,

    conforme exemplificam os trechos de entrevistas abaixo:

    15

    De acordo com dados disponveis em: http/www.ctn.org.br ltimo acesso: 20.05.2014.

    Sexo/Gnero Faixa etria Escolaridade Perfis

    Feminino

    1 (20-35)

    Fundamental

    1. F1M

    2. F2M

    2 (36-59)

    3. F3M

    Mdio

    4. F1S

    3 (60 +)

    5. F2S

    6. F3S

    Masculino

    1 (20-35)

    Fundamental

    7. M1M

    8. M2M

    2 (36-59)

    9. M3M

    Mdio

    10. M1S

    3 (60 +)

    11. M2S

    12. M3S

  • 42

    (7) D: voc gosta de morar aqui em So Paulo por qu? S: eu gosto porque So Paulo tem tudo e ningum se mete na sua vida... eu acho isso uma das coisas mais maravilhosas da Terra... voc tem seus direitos seus deveres sem interferncia das pessoas porque assim...eu estou comparando com o Nordeste...no Nordeste as cidades so pequenas... as pessoas todas se conhecem... qualquer ato que voc faz que para voc no seja inflacionrio... aos olhos das pessoas... seja voc entra na mira das pessoas e as pessoas te matam por antecedncia...So Paulo no... So Paulo no todo mundo. (ALM2M)

    (8) D: e vocs tinham ou mantm alguma tradio... alguma coisa que vocs faziam em famlia? S: tnhamos de...da pscoa n? que eles chamam a pscoa aquela coisa da gente almoar na casa de um... almoar na casa de outro... do afilhado levar um presente para o... para a madrinha e ganhar um presente tambm n?... eu lembro que na poca da...da pscoa era uma poca muito gostosa para es