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217 Fernando Cavaleiro e a Operação Tridente Cronologia 11 de Junho de 1917 - Nasce em Abrantes Fernando Cavaleiro; 1934 – Conclusão do 7.º ano de Liceu no Colé- gio Militar; 1936-1939 – Frequenta o Curso de Cavalaria da Escola do Exército; 1940 – Ingressa no qua- dro permanente como Alferes no RC 3, em Es- tremoz; 1947 – Participa como atleta no Campeonato do Mundo de esgrima; 1948, 1952 e 1956 – Par- ticipa como atleta nos Jogos olímpicos de Londres, Helsínquia e Estocolmo na discipli- na de Concurso Com- pleto de Equitação; Janeiro de 1962 – Pro- movido a Tenente-Co- ronel; Fevereiro de 1963 – Forma o Batalhão de Cavalaria 490, em Es- tremoz; Julho de 1963 –Agosto de 1965 – Comissão no Ultramar, na província da Guiné; Janeiro de 1964 – Março de 1964 – Comanda a Componente Terrestre na Operação Tridente; Outubro de 1965 – Promovido a Coronel; 10 Janeiro de 1969 – Passa à situação de Re- serva; 1988 – Passa à situação de Reforma. O Comandante A 11 de Junho de 1917 nasce, em Vila Nova da Barquinha, Fernando José Marques Cavaleiro, o homem que viria a comandar, cerca de 47 anos mais tarde, a componente terrestre na Operação Tridente, uma das operações de maior envergadura conduzidas durante o período da Guerra nos territórios ultramarinos portugueses. Enquanto jovem, Fernando Cavaleiro frequentou o Colégio Militar, onde foi contemporâneo de Spínola e Costa Gomes, tendo concluído o 7.º ano do Liceu no ano de 1934. Em 1936 ingressa na Escola do Exército onde frequenta o curso de Cavalaria, que termina em 1939. Promovido aAspirante, é colocado, desde 1 de Novembro de 1939, no Regimento de Cavalaria N.º 3. Desde a sua primeira colocação até à nomeação para o comando do Batalhão de Cavalaria 490, o Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro prestou serviço em várias Unidades do Exército e da Guarda Nacional Republicana, desempenhando funções ao nível do Comando e do Estado-Maior. A sua dedicação ao desporto manifestou-se cedo, sendo patente na sua folha de serviço as referências às várias competições desportivas em que tomou parte, das quais se destacam a sua participação em olimpíadas, no âmbito do hipismo, por três vezes e a integração na equipa portuguesa de esgrima no campeonato mundial de 1947. Promovido ao posto de Tenente-Coronel em 17 de Janeiro de 1962, cerca de um ano depois é chamado a formar o Batalhão de Cavalaria 490, em Estremoz. Em Julho de 1963, no comando desse Batalhão de Cavalaria, embarca para o Ultramar, província da Guiné, onde assume inicialmente a missão de Força de Intervenção do Comando-Chefe, sendo nesta qualidade que, entre 15 de Janeiro e 24 de Março de 1964, o Batalhão é chamado a executar a Operação Tridente. Cerca de um mês após a Operação Tridente, em 9 de Maio de 1964, o Batalhão assume o sector, na região de Farim, até ao regresso à Metrópole, em 6 de Agosto de 1965. É durante a comissão na Guiné que as qualidades do Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro, enquanto condutor, de homens, emergem. As operações sucessivas, as más condições de vida e as constantes alterações em termos de comandos subordinados obrigam a uma maior acção de liderança da sua parte. Para além do mais, enquanto decisor, fica patente o planeamento e a conduta da Operação Tridente, na qual todos os objectivos foram atingidos de forma eficaz. Promovido ao posto de Coronel em Outubro de 1965, Fernando Cavaleiro,passa, por solicitação do próprio, à reserva, em Janeiro de 1969, com 52 anos, encontrando-se, actualmente, na situação de reforma desde 1988. Possuidor de vários louvores e condecorações de onde se destacam o grau de oficial da Ordem Militar de Aviz, Cruz de Guerra de 1.ª Classe, Cruz de Guerra de 3.ª Classe e Medalha de Mérito Militar de 3.ª Classe, o Coronel Fernando Cavaleiro, com 93 anos de idade, mantém uma vitalidade verdadeiramente invejável no Centro deApoio Social de Oeiras, onde vive com a sua esposa. Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro.

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Fernando Cavaleiroe a Operação Tridente

Cronologia

11 de Junho de 1917 -Nasce em AbrantesFernando Cavaleiro;1934 – Conclusão do 7.ºano de Liceu no Colé-gio Militar;1936-1939 – Frequentao Curso de Cavalaria daEscola do Exército;1940 – Ingressa no qua-dro permanente comoAlferes no RC 3, em Es-tremoz;1947 – Participa comoatleta no Campeonatodo Mundo de esgrima;1948, 1952 e 1956 – Par-ticipa como atleta nosJogos olímpicos deLondres, Helsínquia eEstocolmo na discipli-na de Concurso Com-pleto de Equitação;Janeiro de 1962 – Pro-movido a Tenente-Co-ronel;Fevereiro de 1963 –Forma o Batalhão deCavalaria 490, em Es-tremoz;Julho de 1963 – Agostode 1965 – Comissão noUltramar, na provínciada Guiné;Janeiro de 1964 – Marçode 1964 – Comanda aComponente Terrestrena Operação Tridente;Outubro de 1965 –Promovido a Coronel;10 Janeiro de 1969 –Passa à situação de Re-serva;1988 – Passa à situaçãode Reforma.

O Comandante

A 11 de Junho de 1917 nasce, em Vila Nova daBarquinha, Fernando José Marques

Cavaleiro, o homem que viria a comandar, cercade 47 anos mais tarde, a componente terrestre naOperação Tridente, uma das operações de maiorenvergadura conduzidas durante o período daGuerra nos territórios ultramarinos portugueses.Enquanto jovem, Fernando Cavaleiro frequentou oColégio Militar, onde foi contemporâneo de Spínolae Costa Gomes, tendo concluído o 7.º ano do Liceuno ano de 1934. Em 1936 ingressa na Escola doExército onde frequenta o curso de Cavalaria, quetermina em 1939. Promovido a Aspirante, écolocado, desde 1 de Novembro de 1939, noRegimento de Cavalaria N.º 3. Desde a sua primeiracolocação até à nomeação para o comando doBatalhão de Cavalaria 490, o Tenente-CoronelFernando Cavaleiro prestou serviço em váriasUnidades do Exército e da Guarda NacionalRepublicana, desempenhando funções ao nível doComando e do Estado-Maior. A sua dedicação aodesporto manifestou-se cedo, sendo patente na suafolha de serviço as referências às váriascompetições desportivas em que tomou parte, dasquais se destacam a sua participação em olimpíadas,no âmbito do hipismo, por três vezes e a integraçãona equipa portuguesa de esgrima no campeonatomundial de 1947.Promovido ao posto de Tenente-Coronel em 17 deJaneiro de 1962, cerca de um ano depois é chamadoa formar o Batalhão de Cavalaria 490, em Estremoz.Em Julho de 1963, no comando desse Batalhão deCavalaria, embarca para o Ultramar, província daGuiné, onde assume inicialmente a missão de Forçade Intervenção do Comando-Chefe, sendo nestaqualidade que, entre 15 de Janeiro e 24 de Março de1964, o Batalhão é chamado a executar a OperaçãoTridente. Cerca de um mês após a OperaçãoTridente, em 9 de Maio de 1964, o Batalhão assumeo sector, na região de Farim, até ao regresso àMetrópole, em 6 de Agosto de 1965.É durante a comissão na Guiné que as qualidadesdo Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro, enquantocondutor, de homens, emergem. As operaçõessucessivas, as más condições de vida e as

constantes alterações em termos de comandossubordinados obrigam a uma maior acção deliderança da sua parte. Para além do mais, enquantodecisor, fica patente o planeamento e a conduta daOperação Tridente, na qual todos os objectivosforam atingidos de forma eficaz.Promovido ao posto de Coronel em Outubro de1965, Fernando Cavaleiro,passa, por solicitação dopróprio, à reserva, em Janeiro de 1969, com 52 anos,encontrando-se, actualmente, na situação dereforma desde 1988.Possuidor de vários louvores e condecorações deonde se destacam o grau de oficial da Ordem Militarde Aviz, Cruz de Guerra de 1.ª Classe, Cruz de Guerrade 3.ª Classe e Medalha de Mérito Militar de 3.ªClasse, o Coronel Fernando Cavaleiro, com 93 anosde idade, mantém uma vitalidade verdadeiramenteinvejável no Centro deApoio Social de Oeiras,onde vive com a sua esposa.

Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro.

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Conjuntura Político-EstratégicaEntre 1961 e 1974, o Estado Português desenvol-veu uma guerra de contra-subversão nos territó-rios ultramarinos de Angola, Guiné e Moçambi-que, com a convicção que lutava pela integridadedo seu território e a garantia da sua própriasoberania. Dessa forma, assumindo que, geopoli-ticamente, estava em causa a preservação doRegime e a sobrevivência do próprio Estado,Portugal definiu a preservação dos territórios emÁfrica como objectivo vital, pela qual se predis-pôs a combater. A questão das ProvínciasUltramarinas constituiu o centro das atençõesestratégicas de Portugal desde 1926 a 1974, poiso “Portugal uno, multicontinental e multirracial doMinho a Timor” consubstanciava a autonomia ea independência política do País e era a base dasua economia, justificando o recurso às estraté-gias político-militares para a sua manutenção. Naverdade, desde o Acto Colonial de 1930 queÁfrica era assumida como uma razão de Estado:“Sem ela, seríamos uma pequena nação; com elasomos um grande país”, fundamentava MarcelloCaetano. Essa obsessão com a “Pátria Negra”justificava-se, de acordo com Salazar, com atrilogia geografia, heroísmo e comércio.Se, entre as duas guerras mundiais, Portugal be-

neficiou do estatuto imperial das potências euro-peias vencedoras da 1.ª Guerra Mundial (Inglater-ra e França), tudo mudou depois da 2.ª GuerraMundial. O ponto de viragem foi dado pela crisedo Suez, pelas afirmações feitas em Bandung e,principalmente, pelo despontar de nacionalismosem África e a organização de movimentos delibertação. Em 1956 Salazar vincou, em discursode 30 de Maio, proferido na Sociedade de Geo-grafia de Lisboa, a sua disponibilidade estratégi-ca para a defesa do Império, afirmando que Por-tugal é uma Nação “sem dúvida estranha, com-plexa e dispersa pelas sete partidas do mundo”,mas com um sentimento comum em toda a partede “que ali é Portugal”. Desenvolveram-se, então,mediadas estruturais de fomento destinadas amelhorar o nível de vida das populações, aceleraro povoamento e atrair aos territórios ultramarinosos grandes capitais e as indústrias. Desta forma,o Governo procurava assegurar as condições demanutenção da soberania em África, sem recursoao emprego da força militar.Apoiado na premissa de que as Províncias Ultra-marinas eram território integrante do conjuntounitário português, Salazar não enveredou pelacedência de soberania de parcelas nacionais, aocontrário do que fizeram outras potências(Inglaterra, França, Holanda). Por isso, o Regime

“Portugal não é um país pequeno”. http://purl.pt/

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Estratégia Militar PortuguesaOs anos de 1956 a 1959 foram de reflexão sobrea reorganização das ForçasArmadas, altura emque se equaciona a transferência do esforçomilitar da Europa para África. Efectivamente, em1959, enquanto o Ministro da Defesa, GeneralBotelho Moniz, ainda considerava que nocontexto da guerra-fria a Europa constituía oteatro a privilegiar, o Ministro da Marinha,Almirante Quintanilha Dias, defendia a neces-sidade de mais navios de “alto mar” e o Subse-cretário daAeronáutica, General Kaúlza deArriaga, pedia mais meios aéreos, Salazarafirmava que “o certo é que temos uma guerra noUltramar e ela será de guerrilhas. Para isso, temosque estar preparados”. Enquanto isso, o Ministrodo Exército,Almeida Fernandes, aconselhava,numa Directiva datada de 29 de Abril, “a urgentedisponibilidade de unidades terrestres que, pelasua organização, apetrechamento e preparaçãopossam ser empregadas na execução deoperações de tipo especial: operações desegurança interna de contra-subversão e decontra-guerrilha”, para actuarem na Guiné, emAngola e em Moçambique. Em 25 de Janeiro de1960 a Directiva do General CEMGFA provocouuma alteração profunda nos objectivosestratégicos nacionais, apontando para apreparação de uma guerra no Ultramar, face àsseguintes ameaças: acção insidiosa dos paísesvizinhos; guerra subversiva conduzida nointerior dos territórios; sublevação. Depois, a 25de Novembro desse ano, o Conselho Superior deDefesa Nacional procedeu a uma readaptaçãoestratégica do emprego de forças: o esforço

militar da Europa foi transferido para África;reduziu-se a cooperação com a Espanha nadefesa peninsular nos Pirenéus a uma atitudemais política que militar; foi revisto o plano dedefesa interno do Território Nacional; os compro-missos com a NATO sofreram ajustamentos.Acontece que, em 1960, o estado de prontidãodas Forças Armadas era preocupante, devido aofacto de estarem lançadas as bases para aformação das unidades para a fase pré-insurrec-cional e de rebelião armada no Ultramar, de seconcretizarem modificações profundas nosdispositivos e de se verificarem alterações nainstrução dos quadros. Para além dos problemasde mentalização, face à nova realidade, existiamdificuldades de ordem financeira que permitissemefectuar uma remodelação profunda do aparelhomilitar capaz de cumprir no terreno os objectivospolíticos definidos. Impunha-se uma reafectaçãode meios face à nova definição de objectivosestratégicos e uma harmonização dementalidades no seio das Forças Armadas. Ainstrução militar passou, então, a incorporar astécnicas de contra-guerrilha, com O Exército naGuerra Subversiva a servir de manual do treinomilitar, enquanto um conjunto de oficiais proce-deu à recolha de ensinamentos e lições apren-didas em conflitos similares: no Quénia apren-deu-se a recrutar nas forças adversárias; naMalásia a retirar apoio da população e a garantirmobilidade; na Argélia, assimilaram-se as valênci-as das unidades de quadrícula e de intervenção,a saber extrair as vantagens de emprego dosmeios aéreos e desenvolver um eficaz sistema deinformações; no Vietname, a captação daspopulações foi o ensinamento primordial.

português deixou de contar com o apoio inglês esofreu a pressão americana. Em 1961, iniciou-se aGuerra do Ultramar, com a chacina efectuada pela“hoste” de Holden Roberto às populações efazendeiros no Norte de Angola em 15 e 16 deMarço. A sua eclosão, além de mostrar a irreduti-bilidade de Salazar na política ultramarina, bemvincada na sua célebre frase “para Angola, rapi-damente e em força”, teve implicações profundasno futuro político da Nação. Mas, se a populaçãoportuguesa residente na metrópole e em Áfricajamais acreditou que os acontecimentos iniciadosem Angola se transformassem numa subversãoarmada generalizada às várias províncias, o Regi-me, ao invés, previa essa possibilidade desdefinais do decénio de 1950, como revelam a trans-ferência do esforço militar da Europa para África

e as reestruturações do aparelho militar ao nívelda sua organização, dispositivo e treino. Em 1963,quando o PAIGC sublevou a Guiné, Salazar aindaameaçou os revoltosos anunciando para o Ultra-mar três tomadas de posição possíveis: “a maisestreita e amigável colaboração, se julgarem útil; amaior correcção, se formos dispensados de cola-borar; a defesa dos territórios que constituemPortugal até ao limite dos nossos elementos huma-nos e dos nossos recursos, se entenderem por bemconverterem as suas ameaças em actos de guerra etrazê-la aos nossos territórios”. Em vão, a guerraseguiu o seu curso, com o Regime a ter de combatermilitarmente em três teatros de operações distintos edispersos, politicamente a intransigência dacomunidade internacional e, internamente, uminimigo revolucionário e oposicionista.

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A Arte da Guerrae Aparelhos Militares

Desde 1958 que a evolução daconjuntura política internacional e opulsar da situação em África davamindícios ao Regime de que umconflito no Ultramar era inevitável.Assim, enquanto a diplomaciaesgrimia argumentos de unidadenacional nos fora internacionais, oEstado Novo invertia a suaestratégia. A prioridade passava aser África, em detrimento da OTAN,da Europa e da Espanha.A inversão preconizada pelo regimetrazia um novo desafio ao aparelhomilitar português. A adequação doparadigma de emprego de forças, num contexto deguerra convencional, para um contexto de contra-subversão. Decorrente dos estudos efectuados,evidenciavam-se três factores importantes: anecessidade de uma implantação territorial,designada por unidades de quadrícula, queefectuasse acções de nomadização,patrulhamento, protecção de itinerários e garantis-se, por um lado, a segurança das populações e queas levasse a abandonar o apoio à guerrilha e, poroutro lado, que procedesse à cativação doselementos afectos à guerrilha, com vista ao seurecrutamento e posterior aplicação contra a mesmaguerrilha; a existência de forças de intervençãocom elevada mobilidade, de forma a actuar emtempo oportuno contra formações inimigas; e aimportância de um sistema de informações inte-grado e coordenado para permitir o aproveitamen-to adequado das notícias recolhidas. Portanto, amanobra militar actuava punitivamente sobre osgrupos armados que prejudicassem a manobrasócio-económica, expulsando-os da sua zona deesforço.Assim, a reorganização territorial fixou adivisão em Comandos Territoriais aos quais sesobrepunha uma quadrícula que tinha o Batalhãocomo unidade base. Porém, as unidades dequadrícula ficavam, tendencialmente, imobilizadasna área dos aquartelamentos, deixando a maioriadas vezes a iniciativa das actuações operacionaisaos elementos das forças de intervenção, maisaptas para operações de contraguerrilha,ocupação de áreas sensíveis e escoltas.Nesse sentido, acabou-se com a diferenciaçãoentre Exército Metropolitano e Exército Colonial(que vinha do tempo das Campanhas de OcupaçãoAfricanas, no século XIX) e atribuiu-se ao Exército

a missão abrangente de “assegurar a defesaterrestre do território nacional metropolitano eultramarino contra qualquer agressão externa einterna”. Foi criada a 3.ª Região Militar (Angola,que incluía também S. Tomé e Príncipe), a 4.ªRegião Militar (Moçambique) e sete ComandosTerritoriais Independentes (onde se incluía aGuiné). Determinou-se a criação de«unidades

Reacção a uma emboscada.

Guerrilheiros do PAIGC.

http://www.dokkumenta.com/

http://2.bp.blogspot.com

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PAIGCEm 1956, Amílcar Cabral funda, em Bissau, oPartidoAfricano para a Independência da Guiné eCabo Verde (PAIGC) com um objectivo: a inde-pendência nacional. Depois de repetidas e frus-tradas tentativas de negociação pacífica com ogoverno da metrópole, o partido organiza umaprimeira greve de trabalhadores, em 3 de Agostode 1959, a qual é reprimida pelas autoridadesportuguesas, ficando esse episódio conhecidocomo o massacre de Pidjiguiti. Perdidas asesperanças de uma solução negociada, o PAIGCdecide recorrer à luta armada, sendo o ataque aoaquartelamento deTite, em 23 de Janeiro de 1963,a primeira manifestação da nova estratégia deAmílcar Cabral. Esta modalidade é facilitada pelaformação dos quadros do PAIGC que, desde1960, recebem formação na República Popular daChina. Para além do mais, começam a surgir, deforma mais vincada, da vizinha Guiné-Conacri,variados e importantes apoios (bases de apoio,material e aconselhamento militar, oriundo daURSS).Contudo, a afirmação político-militar do PAIGCinicia-se com a realização do Congresso deCassacá, em Fevereiro de 1964. É então decididoconsolidar as estruturas do partido e as suasbases de apoio à população. Nesse sentido, são

criados serviços de educação, de saúde, judiciaise económicos, ao mesmo tempo que se implemen-taram medidas para uma maior participação políti-ca das populações. Ao nível militar são criadas asForças Armadas Revolucionárias do Povo(FARP) que, entre 1964 e 1968, conseguem umavanço territorial significativo, em muito facilita-do pela postura defensiva das Forças portugue-sas. Neste período o movimento procura maximi-zar, através de campanhas psicológicas, o apoioda população e, ao mesmo tempo, a degradaçãodo moral das Forças portuguesas. Para o efeito, oPAIGC abre, em 1965, a frente psicológica comemissões regulares através da “Voz do Povo”.Será a acção psicossocial de Spínola a principalcausa da ineficácia da acção psicológica doPAIGC e da consequente acalmia que o conflitoconhece entre 1968 e 1972. Contudo, a posturado Governo de Lisboa face à situação na Guinéconduz à abertura das fronteiras do Senegal aomovimento. Com apoios dos Estados limítrofesda Guiné, o PAIGC, aumenta a sua actividademilitar e, em 1973, fruto do emprego de mísseisSA-7 Strela, retira a liberdade de acção ao apare-lho militar português, limitando o apoio aéreo àsoperações terrestres. Nos inícios de 1974, oPAIGC tem as condições que lhe permitem entrarna última fase do processo subversivo, a fase daGuerra móvelconvencional.

especiais de intervenção imediata», de modo que,organizadas, apetrechadas e preparadas, pudes-sem ser empregues na execução de operações desegurança interna de contra-subversão e decontra-guerrilha. Em 1959 criou-se o Centro deInstrução de Operações Especiais, de ondesaíram as Companhias de Caçadores Especiais,tendo embarcado, a 6 de Junho, as primeiras trêscom destino a Angola. Apesar da capacidadeoperacional, as Companhias de CaçadoresEspeciais acabaram por ser extintas, decidindo-se, em determinada altura, “não há CaçadoresEspeciais, são todos normais”. Em 1962, foiretomada a ideia de se constituírem unidadesespeciais de contra-guerrilha, ministrando-seinstrução intensiva a grupos de combate e aalguns batalhões de quadrícula, que foramempenhados como grupos de intervenção.A guerra desenrolou-se essencialmente em terra,porque era aí que vivia a população, centro degravidade estratégica do conflito. Nesse sentido,foi sobre o Exército que recaiu o esforço,cabendo às forças navais e aéreas apoiar asoperações terrestres. Num continente em

processo de descolonização, os países limítrofesda Guiné, deAngola e de Moçambique eramhostis ao Poder Português. Apoiavam osMovimentos de Libertação, autorizando ainstalação nos seus territórios de campos deinstrução, de bases operacionais e logísticas e,também, a circulação de materiais, de pessoas ede forças militares. A existência de “santuários”criou sérias dificuldades às forças portuguesas,na medida em que se tornava difícil evitar a suaentrada no território e, uma vez atravessada afronteira, era difícil localizá-los.Assim, dosprincípios estratégicos aplicáveis na guerra emÁfrica sobressai: a contra-subversão é uma lutapela população e nunca contra a população; aluta contra a subversão não pode ser levada aefeito exclusivamente pelas forças militares eestas não devem actuar unicamente pelas armas.Portanto, a actuação contra-subversiva partia dapremissa de que este tipo de guerra não se ganhapela acção militar, mas perde-se pela inacçãomilitar, constituindo objectivo primário dasForças Armadas garantir a liberdade de acçãopolítica, governativa e administrativa.

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Descrição da BatalhaApós o ataque a Tite, o PAIGC, apoiado pelaGuiné-Conacri, ocupa sem resistência as ilhas deCaiar, Como e Catunco, fundando a auto-procla-mada República Independente do Como. As trêsilhas, separadas por canais estreitos, garantiamsantuário a cerca de 400 guerrilheiros do PAIGC queflagelavam o Sudoeste da província e dificultavam anavegação na Costa Sul, principalmente entreBissau e Catió. A região, abundante em arrozais,garantia a necessária fonte de abastecimento aosguerrilheiros e constituía-se como base de partida apartir da qual o PAIGC podia penetrar na penínsulade Tombali e daí para Norte. Com uma área de 210km2, dos quais 166 ficavam submersos por acçãodas marés, a traficabilidade ficava bastante reduzidaem virtude dos lodos provocados pela baixa-mar.A força de guerrilha, sob as ordens de Nino Vieira,estava organizada em três grupos. De acordo comas informações disponíveis, estavam bemenquadrados, com um razoável grau de instrução emoral elevada. Possuíam armamento ligeiro epesado e sabia-se que os guerrilheiros tinham osacampamentos no Norte de Caunane, ao redor deCassaca – uma zona de mata densa.A decisão de atacar as bases do PAIGC para ex-pulsar os guerrilheiros da região surge na semanado Natal de 1963. A missão é dada pelo Coman-dante-Chefe, Brigadeiro Louro de Sousa, ao Bata-lhão de Cavalaria 490, sob o comando do Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro. Para a OperaçãoTridente, o Tenente-Coronel Cavaleiro contava comtrês companhias de Cavalaria (CCAV) e uma deCaçadores (CCAÇ), das quais três dos comandan-tes de companhia haviam sido rendidosrecentemente, apoiadas por pelotões de pára-quedistas, sapadores, morteiros e obuses e umgrupo de combate de comandos. Para além destas,o Batalhão contava com o apoio de Destacamentosde Fuzileiros Especiais (DFE), meios de transportemarítimo e apoio aéreo, num total de cerca de 1100homens. A intenção do comandante eradesencadear uma acção rápida para isolar as ilhasde Como, Caiar e Catunco e limpar a Zona de Acção(ZA). Para o efeito, organizou os meios disponíveisem cinco agrupamentos (Agr. A, B, C, D e E), todoscom elementos de sapadores e guias fulas naorgânica.O planeamento, conduzido no maior sigilo, previaque a operação fosse executada em três fases: numaprimeira fase, com quatro agrupamentos, efectuardesembarques na região sul para isolar as ilhas deCaiar e de Como; numa segunda fase, efectuar alimpeza da ZA de Caiar-Como e Catunco; na terceira

fase, envolver a Norte da ilha de Como, com forçasdos agrupamentos em Caiar e Catunco, paraconquistar a mata de Cassaca, onde se situava osantuário do PAIGC.No quartel-general em Bissau havia a percepção deque a operação seria prolongada obrigando aoplaneamento exaustivo de todos os aspectoslogísticos, sendo certo que o reabastecimento deágua e combustíveis sólidos seria efectuado atravésde recursos locais. O Grupo de Comando do BatCAV 490 opera inicialmente a partir da fragata NunoTristão e “… posteriormente numa localização acomunicar oportunamente”. A Base Logísticainstalar-se-ia na região Sul de Caiar.No dia 14 de Janeiro de 1964 (dia D-1), os meiosnavais (nos rios Caiar e Cobade) e a Artilharia emCatió, que efectuou os fogos na região Norte deCaiar, Como e Catunco, davam início à operação dedecepção. O desembarque dos agrupamentos A e

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B ocorreram sem incidentes e cedo iniciaram omovimento com destino ao objectivo [Tabancas de]Caiar e Cauane, respectivamente. O primeiroagrupamento encontra dificuldades durante omovimento, em virtude da falta de água que, aocontrário do previsto, era salobra. Atingiram oobjectivo pelas 15h de D+1. O agrupamento B, cujodeslocamento para o objectivo se fez semincidentes, ao atingir a tabanca de Cauane depara-se com uma resistência considerável (com cerca de100 guerrilheiros), que, após eliminada, ocupa oilhéu de Caiame (com um Pelotão), de modo a apoiaro desembarque do agrupamento C, em Catunco, nodia seguinte. Em D+1, os agrupamentos C e Ddesembarcam, sem resistência na região oeste eleste da ilha de Catunco, respectivamente, e em D+2a base logística estava pronta para operar. O

comando da força, inicialmente na fragata NunoTristão, começava a operar de terra.Estavam criadas as condições para dar início àsegunda fase. Ainda que as forças portuguesastivessem sofrido flagelações nas ilhas de Caiar eCatunco, a resistência do PAIGC concentrou-se nailha de Como. Desde D+2 que o agrupamento Bprocurava segurar a picada que ligava Caunane aCassaca e Cachil, porém as forças do PAIGC instala-das na orla da mata varriam a picada com fogo demetralhadora pesada, impedindo a movimentaçãodas forças portuguesas. O agrupamento B sóconsegue entrar na mata, junto de Caunane, emD+9. A segunda fase estava concluída.As baixas não devidas ao combate (deficientealimentação, falta de água, enorme esforço físico erigores do clima) a par da importância da operaçãona mata da Cassaca, levaram a uma reorganizaçãodas forças e a um ajustamento do dispositivo doBat CAV 490. Cauane foi reforçado com as CCAV(-) e o PelMort (-). A força de intervenção foiconstituída pelo DFE 8, GCmds e Pel PQ. O DFE 7 ea CCAÇ constituíam a força que tinha por tarefapenetrar na mata de Cassaca, após o desembarqueanfíbio na região norte de Como (Cachil).Os guerrilheiros, ainda em grande número, encon-travam-se instalados na densa mata ao redor deCassaca. A guerrilha demonstrava ser capaz de fazerface às diversas investidas das forças portuguesasprocurando, de acordo com o Tenente-CoronelCavaleiro, “…o envolvimento ou o cerco denúcleos pequenos das NT; combina, por vezes,acções de movimento, com o tiro flanquiante oufrontal das MP e ML”. Após a pressão impressa deSul e Este, por forças de efectivo CCAV (-), e deNorte, pelas forças desembarcadas em Cachilapoiadas pela Artilharia e ApoioAéreo Próximo, aresistência da guerrilha começa a fraquejar, acaban-do por abandonar a região. São destruídos doisgrandes acampamentos do PAIGC e, com estes,todo o sistema de segurança e apoio logístico domovimento na região. A Operação Tridente é dadacomo concluída em D+71, a 24 de Março de 1964.Contabilizou 9 mortos, 47 feridos e 193 doentes,para as forças portuguesas; 76 mortos (estimados101), 15 feridos (estimados mais de 100) e 9prisioneiros, para as forças do PAIGC.Após a expulsão dos guerrilheiros da região, porordem do Comandante-Chefe, Cochil foi ocupadopor uma companhia cuja finalidade era a de manter apresença militar na região. Porém, o Comandante-Chefe que rendeu o Brigadeiro Louro dos Santos, oBrigadeiroArnaldo Shultz, mandou retirar a referidacompanhia, permitindo que o PAIGC voltasse,posteriormente, a ocupar a região.

Operação Tridente.Dos autores

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Análise da BatalhaA Operação Tridente foi umadas mais importantes operaçõesconduzidas por forças portuguesas,no decurso da Guerra no Ultramar.A tipologia de meios envolvidos(um efectivo de cerca de 1100homens, meios aéreos e navais)e o exercício do comando e controlo(Brigadeiro Louro de Sousa, Coman-dante-Chefe) conferem à OperaçãoTridente um cariz de operaçãoconjunta. Contudo, durante toda aoperação colocou-se o esforço nacomponente terrestre, materializadapelo Batalhão de Cavalaria 490,comandado pelo Tenente-CoronelFernando Cavaleiro.Desde 1963 que o PAIGC, com oapoio da Guiné-Conacri, enveredarapela luta armada. As constantesflagelações à navegação na costa sultornavam Como, Caiar e Catunco, porsi só, um objectivo militar. Para alémde santuário do PAIGC, a região,dava forma à auto-proclamadaRepública Independente do Como,traduzindo-se numa ameaça àsoberania e coesão social, preconi-zada pela política da época. Como,Caiar e Catunco eram, de facto, umobjectivo político-militar importante que estaoperação alcançou na plenitude. Ao nível táctico,para além de infligir pesadas baixas ao PAIGC, osucesso da operação permitiu conhecer commaior profundidade a organização deAmílcarCabral, facilitando a conduta de operaçõesmilitares no território da Guiné.A Operação Tridente enquadra-se nas operaçõesde contra-subversão, uma operação de limpezade uma zona considerada pela doutrina comouma “…operação realmente decisiva”. A comple-xidade que o terreno (e condições meteorológi-cas) e inimigo apresentavam, aliado à duração daoperação, obrigaram ao faseamento da operação.Assim, nas três fases foram executadas diferentesformas de manobra, em concordância com osobjectivos indicados. Desse modo, a primeira fasecontou com uma finta a Norte, conduzida pormeios navais (a simular um desembarque), apoia-dos por fogos de artilharia e aéreos, permitindo odesembarque sem incidentes. Na segunda fase,assistiu-se à execução de batidas nas três ilhas demodo a obrigar os guerrilheiros do PAIGC a aban-

donar aquelas regiões e isolar o inimigo na mata deCassaca. Na terceira fase, com o inimigo isolado,procedeu-se ao cerco e posterior batida de modo agarantir que os guerrilheiros do PAIGC haviamabandonado a região, conforme estabelecido.Ao analisar a Operação Tridente, não podempassar despercebidos os princípios da: Surpresa,consubstanciado pela finta, que desviou a aten-ção do inimigo permitindo que as operações dedesembarque se processassem sem incidentes;Concentração, onde a necessidade de reorgani-zação das forças e dispositivo, de forma a mantera iniciativa na terceira fase, foi uma das condi-ções sine qua non para o sucesso da operação;Manobra, que as 14 ordens parcelares consubs-tanciam, ao procurar, de forma sistemática, obteruma posição vantajosa relativamente ao PAIGCna região; Liderança e Flexibilidade, demonstra-dos pelo comandante do BAT CAV 490, sendodifícil dissociar o resultado final da operação e osuperar das grandes dificuldades impressas pelorigor do clima e pela falta de condições de vidadas forças, durante 71 dias de operações.

Forças de desembarque.Cortesia do Coronel Fernando Cavaleiro

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ConsequênciasA 24 de Março de 1964, após a conquista da matade Cassaca, na ilha de Como, as forças sob ocomando do Tenente-Coronel FernandoCavaleiro regressavam a Bissau deixando paratrás a CCaç 557, que ocupava a região de Cachil,a norte da ilha de Como. Não obstante o sucessoalcançado em Caiar, Como e Catunco, não refreoua iniciativa militar do PAIGC e, a partir de meadosde 1964, os guerrilheiros passaram a dominar,progressivamente, o território Sul da Guiné.Em Lisboa, após a conclusão da OperaçãoTridente, o Presidente do Conselho, parasanar o conflito que existia, desde 1962, entreo Governador da Província da Guiné e oComandante-Chefe, Brigadeiro Louro de Sousa,determina a substituição de ambos e aconcentração de poderes no Brigadeiro ArnaldoShultz, na altura Comandante do Sector deAmbrizete, em Angola.Assim, em Maio de 1964, oBrigadeiro Shultz assume o Governo da Guiné e oComando-Chefe da mesma província. Se ocomando de Louro de Sousa foi marcado pelafalta de motivação enquanto Comandante-Chefe,o BrigadeiroArnaldo Shultz, apesar de receberconsideráveis reforços, é incapaz de travar ainiciativa do PAIGC e as Forças portuguesasperdem a iniciativa, passando à defensiva.Perante o perigo de uma derrota militar, cujarepercussão nas restantes províncias seria desas-trosa, o Governo de Lisboa, em 1968, faz substi-tuir o General Arnaldo Shultz pelo BrigadeiroAntónio de Spínola. Onovo Comandante-Chefetem a percepção de que aguerra de África é deíndole política e que asolução não é, puramente,militar, assumindo-se amáxima que este tipo deguerra não se ganhaunicamente através daacção militar, mas perde-sepela inacção. Desse modo,à sua chegada a Bissau,Spínola altera significati-vamente a estratégia dosseus antecessores. Alterao dispositivo militar, deforma a tentar reganhar ainiciativa, criando asZonas de Intervenção doComando-Chefe, áreas dedomínio preponderante do

PAIGC, onde apenas unidades especiaisoperavam com o apoio da Artilharia e da ForçaAérea. A par das operações militares, Spínola põeem prática um projecto de conquista dos“corações e das mentes” da população da Guinécom o slogan “Uma Guiné Melhor”. A estratégiade Spínola, de não perder a guerra por forma aencontrar uma solução política, apresenta osseus frutos nos finais de 1969. Nesse ano, ainiciativa volta às mãos das Forças portuguesas,permitindo encetar conversações com LeopoldSenghor, o Presidente do Senegal. Atravésdaquele líder africano, Spínola pretende chegarao PAIGC e atrair os seus quadros para oprojecto psicossocial.No decurso da sua política de aproximação, emAbril de 1970, ocorre a morte de três oficiais deligação às mãos do PAIGC, contudo, o Coman-dante-Chefe não se demove e, em 1972, discutecom Senghor o cessar-fogo por um período de 10anos, após o que seria sufragada uma soluçãopara a Guiné. Contactado por Spínola, o regimede Marcelo Caetano nega terminantemente estasolução e Leopoldo Senghor, defraudado, abre asfronteiras e apoia o PAIGC.Um ano após o vislumbre de uma solução paraa Guiné, as Forças portuguesas encontram-secomprimidas pelo PAIGC entre Guidage, a Norte,e Guilege, ao Sul do território da Guiné. A 24 deSetembro de 1973 é declarada, unilateralmente, aindependência da Guiné. O reconhecimento porPortugal só sucede cerca de um ano depois,a 10 de Setembro de 1974.

Brigadeiro António Spínola.http://historiaguine.com.sapo.pt/

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AutoresTenente-Coronel Abílio Pires Lousada, Professor de História Militar do IESM.Major Luís Falcão Escorrega, Professor de Estratégia do IESM.Major António Cordeiro Menezes, Professor de Táctica do IESM.

CuriosidadesA Operação Tridente, a par de ter atingido os objec-tivos definidos, traduziu-se num enorme revés parao PAIGC. Posteriormente, numa operação conduzi-da na península de Gampará, foi apreendida umacarta escrita por um comandante do PAIGC, denome Nino, cujo teor se transcreve: “CamaradasFaincam [Rui Demba Djassi] e Kant [DomingosRamos], Para que esta vos encontre continuandode boa saúde, junto dos vossos camaradas. Eu e osmeus vamos rasoàvelmente bons. Camaradas, acheiobrigado a dirigir-vos estas linhas, porque sei que jánão tenho nenhuma safa a não que dirigindo-me avós. Como sabem estou muito afrontado, porque astropas ainda continuam a praticar barbarasmassacres no I.Come. Hoje já se faz 48 dias que osn/camaradas estão enfrentando corajosamente asforças inimigas. Queria que os camaradas retirassemjuntamente com a população conforme na soluçãotomada pelo N/Secretário Geral. Mas o que é certo éimpossível, porque não temos caminho de fazê-lossair. Por isso agradecia-vos que me mandassemreforço vindo de todas as partes. Mesmo se poracaso será possível pode enviar ao mínimo 150 a200 camaradas, porque senão os portugueses vão-me dar cabo da população. Camaradas tenhampaciência porque não tenho outra safa a não ser ovosso auxílio.Tenho encontrado numa situação muito grave. Astropas estão a aumentar cada vez mais as suas for-ças, tanto como terrestres, aviação e também pormeios marítimos. Camaradas, não tenho mais nada adizer-vos, somente posso dizer-vos que de um diapara o outro vamos ficar sem a população e semguerrilheiros aí já estamos a contar com as baixas de23 camaradas n/durante todos estes dias de ataques.Portanto termino desejando-vos maiores sucessos,junto dos vossos camaradas e do povo em geral.Do vosso camarada Marga-Nino [Nino Vieira].”Durante a sua comissão de serviço (entre 16 deJulho de 1963 e 22 de Março de 1965), para além da

Operação Tridente, as várias operações conduzidaspelo Batalhão de Cavalaria 490, sob o comando doTenente-Coronel Fernando Cavaleiro, foramimportantes para a condução da estratégia militar naGuiné, sendo -lhe atribuído, a 16 de Fevereiro de1965, o seguinte louvor: “Batalhão de Cavalaria n.º490, porque, encontrando-se na Província há maisde 18 meses e tendo iniciado a sua missão dequadrícula após um período de intervenção nasregiões mais afectadas pelo In (Ilha do Como eMorés) tem mantido uma actividade operacionalprofícua, à custa dos seus próprios efectivos emquadrícula, enfileirando sempre ao lado de outrasUnidades mais modernas na Província.Não obstante as alterações que tem havido nosprincipais colaboradores do Comando e noComando das suas Companhias orgânicas, tudopor força de promoções ocorridas após o início dasua comissão de serviço, e apesar do elevadonúmero de elementos inoperacionais, comoconsequência de factores vários a que não sãoestranhos os períodos vividos em verdadeiroambiente de contraguerrilha, tem o B. Cav. 490sabido manter um elevado espírito combativo quehonra aArma de Cavalaria e o Exército.Unidade dotada de elevado moral, tem-no fortifica-do nos duros momentos de luta vividos e que ficama atestar o alto valor militar de todos os seus com-ponentes – Oficiais, Sargentos e Praças – irmana-dos como estão no mesmo sentimento do Dever queos trouxe à Guiné Portuguesa”.JE

Bibliografia- BATALHÃO DE CAVALARIA 490, Relatório da Operação Tridente. Bissau, 1964.- BRAZÃO, Vasco, COSTA, Pinto da e MOTA, Manuel, Operação Tridente – Guiné 1964, TIG de História Militar doCPOS Conjunto, Lisboa, IESM, 2010.- CANN, P. John, Contra-Insurreição em África 1961-1974. O Modo Português de Fazer a Guerra, S. Pedro do Estoril,Atena, 1998.- CATARINO, Manuel, As Grandes Operações da Guerra Colonial. 1961-1974. Guiné, Vol. 2, Presselivre, 2010.- COMISSÃO PARA O ESTUDO DAS CAMPANHAS DE ÁFRICA, Resenha Histórico-Militar das Campanhas deÁfrica (1961-1974). Dispositivo das nossas Forças - Guiné, 3º Vol., Lisboa, EME, 1989.- EME, O exército na Guerra Subversiva. Vol. I-V, Lisboa, Estado Maior do Exército, 1963- GOMES; Matos e AFONSO, Aniceto, Os Anos da Guerra Colonial. 1964, Vol. 5, Porto, QuidNovi, 2009.

Guião do Bat Cav 490.