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Faculdades Integradas do Vale do Ivaí Instituto Superior de Educação - ISE Credenciado pela Portaria MEC nº. 533 de 22/02/05 D.O.U. 23/02/2005 FERNANDA RODRIGUES DA SILVA JAQUELINE RODRIGUES DA SILVA A VEIA CRÍTICA DA TROPICÁLIA EM CAETANO VELOSO IVAIPORÃ/PR 2013 Av. Minas Gerais, 651 Fone/Fax (43) 3472-1414 CEP 86.870-000 Ivaiporã / PR. Home page: www.univale.com.br

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Faculdades Integradas do Vale do Ivaí Instituto Superior de Educação - ISE

Credenciado pela Portaria MEC nº. 533 de 22/02/05 – D.O.U. – 23/02/2005

FERNANDA RODRIGUES DA SILVA JAQUELINE RODRIGUES DA SILVA

A VEIA CRÍTICA DA TROPICÁLIA EM CAETANO VELOSO

IVAIPORÃ/PR 2013

Av. Minas Gerais, 651 – Fone/Fax (43) 3472-1414 – CEP 86.870-000 Ivaiporã / PR.

Home page: www.univale.com.br

FERNANDA RODRIGUES DA SILVA JAQUELINE RODRIGUES DA SILVA

A VEIA CRÍTICA DA TROPICÁLIA EM CAETANO VELOSO

Trabalho de conclusão de curso apresentado como parte dos requisitos para obtenção parcial do grau de licenciatura em Letras das Faculdades Integradas do Vale do Ivaí (UNIVALE). Orientadora: Prof.ª Me. Ana Paula Miqueletti Sanches

IVAIPORÃ/PR

2013

FERNANDA RODRIGUES DA SILVA JAQUELINE RODRIGUES DA SILVA

A VEIA CRÍTICA DA TROPICÁLIA EM CAETANO VELOSO

Trabalho de conclusão de curso apresentado como parte dos requisitos para obtenção parcial do grau de licenciatura em Letras das Faculdades Integradas do Vale do Ivaí (UNIVALE). Orientadora: Prof.ª Me. Ana Paula Miqueletti Sanches

Aprovado em: __/__/__

________________________________________________ Professora Me. Ana Paula Miqueletti Sanches

_________________________________________________ Professor Me. Cecília Baraldo Contani

_________________________________________________ Professor Mestrando Rafael Adelino Fortes

“Por entre fotos e nomes,

Os olhos cheios de cores

O peito cheio de amores

vãos, eu vou”.

(Caetano Veloso)

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a meus pais José e Lucília, pelo apoio contínuo na sua

construção, realização e conclusão.

Aos meus irmãos Renato, Andrea e meu cunhado Edivaldo que me

auxiliaram de forma incondicional.

Aos meus primos Ricardo e Rodrigo pelo companheirismo .

Dedico a Camila, uma grande pessoa que, sempre, me oportunizou

momentos para que eu pudesse concluir meu trabalho.

Dedico também a Jaqueline, minha querida prima, parceira e amiga pela

compreensão e paciência nos momentos os quais, mais precisei.

Por fim, dedico esse trabalho a professora e orientadora Ana Paula que

soube orientar com total profissionalismo, encaminhando-nos do início ao término do

presente trabalho.

Fernanda Rodrigues da Silva

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho, primeiramente, a Deus por ter me iluminado e

abençoado nessa trajetória.

Aos meus pais Osmário e Sueli que, sempre, me deram força, coragem e

constante apoio para seguir em busca dos meus objetivos.

As minhas irmãs Bruna e Claudia pelo apoio, dedicação incentivo nos

momentos de dificuldades.

Aos meus primos, Andrea e Rodrigo, por serem exemplo de amizade e

carinho, sendo fundamentais na construção do meu caráter.

Por fim, dedico a minha amiga Fernanda que esteve junto comigo na

realização deste trabalho, por tudo que podemos compartilhar a convivência, as

alegrias, as frustrações, as descobertas, enfim pelo o que aprendemos.

Jaqueline Rodrigues da Silva

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer, primeiramente, a Deus por ter me dado disposição,

paciência e discernimento nos momento em que mais necessitei.

Aos meus pais, que, sempre, me apoiaram, me ouviram e me

incentivaram, principalmente nos momentos mais difíceis que até pensei em desistir.

Sou grata a eles por não me deixarem fraquejar e esmorecer diante das

dificuldades que surgiram ao longo do caminho, pois, sem o auxilio deles, jamais

teria chegado até aqui.

Fernanda Rodrigues da Silva

AGRADECIMENTOS

Dirijo minha gratidão ao meu bom Deus, por ter me dado o dom da vida e

a capacidade de poder alcançar tudo que almejo em minha vida.

Agradeço a minha família que é a base da minha vida, sinônimo de amor,

compreensão e dedicação.

A todos os meus professores que contribuíram e enriqueceram meu

conhecimento em toda a minha vida acadêmica.

Em especial, a minha orientadora; professora Ana Paula Miqueletti

Sanches, por me ajudar com seus ensinamentos, paciência e por, sempre, me

mostrar que conseguiria vencer esta etapa de minha vida.

Por fim, aos colegas de sala, por todo o ensinamento e motivação que me

deram e pela amizade de todos esses anos.

Jaqueline Rodrigues da Silva

SILVA. Fernanda Rodrigues da. SILVA. Jaqueline Rodrigues da. A veia crítica da Tropicália em Caetano Veloso. Faculdades Integradas do Vale do Ivaí – UNIVALE. Monografia de curso de Letras. Ivaiporã, 2013.

RESUMO Caetano Veloso é um dos ícones da música brasileira e em um ambiente de total efervescência social e cultural, Caetano Veloso começou a repensar a música popular brasileira. À medida que os anos 60 avançaram, a revolução da juventude avançou nos Estados Unidos e na Europa, mas no Brasil o que avançou foi uma ditadura militar que assumiu o poder em 1964 e que usou de censura e repressão para conter as reivindicações consideradas progressistas. Em 1966, Caetano recupera a ideia dos modernistas ao afirmar que era necessário uma retomada da linha evolutiva da música popular brasileira, a partir do exemplo dado pela bossa nova. Isso significava que a modernidade das guitarras elétricas e da canção pop internacional poderia ser muito bem aproveitada para a criação de uma canção popular com elementos tipicamente brasileiros. No ano seguinte, ele mostraria para o Brasil o resultado dessa ideia: a canção. Devido a isso, a proposta desse trabalho é uma análise geral acerca do tropicalismo, de sua propagação e de sua importância na afirmação da cultura brasileira. Além disso, tem o intuito de Identificar o dialogismo entre as músicas da época e analisar o formato e à estética tropicalista, enfatizando o papel de Caetano Veloso como um dos principais líderes desse movimento. Para tanto, faremos uma caracterização do movimento e do contexto histórico no qual se inseri a Tropicália. Neste contexto, pretende-se perceber as propostas de inovação que o movimento Tropicália buscou instaurar na música popular brasileira e sua vinculação nos meios de comunicação. Por fim, serão analisadas as músicas Tropicália, Alegria, Alegria e é Proibido Proibir, para que se possa constatar toda a veia crítica do movimento em questão. Palavras-Chave: Tropicalismo; Caetano Veloso; Crítica Social.

SILVA . Fernanda Rodrigues . SILVA . Jaqueline Rodrigues . The vein in critical Tropicalia Caetano Veloso . Integrated College Valley Ivaí - UNIVALE . Bachelor's monograph . Ivaiporã , 2013 .

ABSTRACT Caetano Veloso is one of the icons of Brazilian music and in an environment of complete social and cultural effervescence; Caetano Veloso began to rethink the Brazilian popular music. As the '60s progressed, the youth revolution has come in the United States and Europe, but in Brazil, which was moved to a military dictatorship took power in 1964, and that used censorship and repression to contain the claims considered progressive. In 1966, Caetano retrieves the modernist idea of the state that needed a revival of the evolutionary line of Brazilian popular music, from the example given by the bossa nova. This meant that modernity of electric guitars and international pop song could be very well used for the creation of a popular song with elements typically Brazilian. The following year, he would show to Brazil the result of this idea: the song. Because of this, the purpose of this study is a general analysis about tropical’s, its spread and its importance in the affirmation of Brazilian culture. Additionally, aims to identify the dialogism between songs of the time and analyze the format and appearance tropicalista, emphasizing the role of Caetano Veloso as one of the main leaders of this movement. To do so, we will characterize the movement and the historical context in which they inserted the Tropicália. In this context, we intend to realize the proposed innovation Tropicália movement that sought to bring in Brazilian popular music and its relationship to the media. Finally, we analyze the Tropicália songs, Alegria, alegria, and are forbidden to Forbid, so you can find all the critical vein of the movement in question. Key Word: Tropicália; Caetano Veloso; Criticism Social.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11

2. CONTEXTO HISTORICO ................................................................................................ 13

2.1 A DÉCADA DE 60 E O BRASIL ............................................................................................... 13

3. TROPICALISMO ............................................................................................................... 16

3.1 HISTÓRIA DA TROPICÁLIA E SEUS PRINCIPAIS PARTICIPANTES .......................................... 16

3.2 CANÇÃO TROPICALISTA ...................................................................................................... 35

4. UM GRANDE NOME DA MÚSICA BRASILEIRA ..................................................... 36

4.1 CAETANO VELOSO .............................................................................................................. 37

5. ANÁLISE DAS MÚSICAS ............................................................................................... 38

5.1 TROPICÁLIA ......................................................................................................................... 39

5.2 ALEGRIA, ALEGRIA .............................................................................................................. 42

5.3 É PROIBIDO PROIBIR ........................................................................................................... 43

6. CONCLUSÃO .................................................................................................................... 46

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 48

ANEXOS ................................................................................................................................. 50

ANEXO I .................................................................................................................................. 50

TROPICÁLIA (1967)-CAETANO VELOSO .................................................................................... 51

ANEXO II ................................................................................................................................. 52

ALEGRIA, ALEGRIA (1967)-CAETANO VELOSO .......................................................................... 53

ANEXO III ................................................................................................................................ 54

É PROIBIDO PROIBIR (1968) - CAETANO VELOSO .................................................................... 55

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1. INTRODUÇÃO

O Tropicalismo era um movimento cultural o qual surgiu sob a influência

da vanguarda e da soma da cultura pop nacional, tanto a nacional quanto a

estrangeira. Misturou manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações

estéticas radicais. Seus objetivos eram comportamentais e encontraram eco em boa

parte da sociedade, a qual vivia o regime militar, no final da década de 1960. O

movimento manifestou-se, principalmente, na música, mas também, atingiu

manifestações artísticas diversas, como as artes plásticas. Além disso, é pertinente

ressaltar que o movimento sofreu influências e influenciou o Cinema

novo de Gláuber Rocha e o teatro brasileiro

Um momento crucial para a definição da Tropicália foi o Festival de

Música Popular Brasileira, no qual Caetano Veloso interpretou "Alegria, Alegria" e

Gilberto Gil, ao lado dos Mutantes, "Domingo no Parque". No ano seguinte, o festival

foi integralmente, considerado tropicalista e, no mesmo ano, foi lançado o

disco Tropicália ou Panis et circensis, considerado quase como um manifesto do

grupo.

Vale ressaltar, ainda, que movimento tropicalista trouxe várias inovações

para o cenário cultural brasileiro do final da década de 60, uma vez que promoveu

um rompimento com a arte, obviamente, militante, que tratava da situação política do

país na época da ditadura e tinha a melodia como um sustentáculo desta

mensagem. Opondo-se a essa realidade, as letras tropicalistas eram inovadoras,

criavam jogos de linguagem, e se aproximavam da poesia dos concretistas. As

mensagens das letras eram codificadas e exigiam certa bagagem cultural para que

fossem compreendidas. Exemplo disso é "Alegria, Alegria" de Caetano Veloso. a

qual não tem sentido óbvio, mas carrega em sua letra preocupações típicas da

juventude da década de 60, um tormento com a violência da ditadura e um desejo

de inovar, de romper barreiras.

Os artistas tropicalistas caracterizavam-se pelo excesso, roupas coloridas,

cabelos compridos e agregavam várias influências musicais. A intenção era chocar

e, por meio de performances caracterizadas pela violência estética, protestar contra

a música brasileira bem comportada. Influenciados pela contracultura, apoderaram-

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se da linguagem da paródia e do deboche. Os tropicalistas transformaram a música

popular brasileira, sendo grandes expoentes da arte brasileira de vanguarda.

Devido à importância desse movimento, esse trabalho tem o intuito de

estudá-lo, e, de maneira especial, conhecer melhor a obra de Caetano Veloso. Para

isso, primeiramente, cita o período que antecedeu o Tropicalismo no Brasil que

passava por uma grande movimentação política e cultural. No ano de 1964, ocorreu

o chamado golpe militar, quando os militares tomaram o poder durante o governo de

Jânio Quadros. Foi um período bastante efervescente e contraditório da história

cultural brasileira.

As transformações ocorridas nessa época podem ser compreendidas de

várias maneiras na sociedade: no comportamento e na ética, na cultura e nas

condutas de vida. O movimento abriu as portas para uma política pacífica com as

culturas e as sociedades distantes. Nessa época, houve grande fertilidade da

produção cultural no nosso país. Isto é responsabilidade do movimento tropicalista,

que ocorreu nos anos de 1967 a 1968.

Em seguida, aborda a história do Tropicalismo que constituiu um desafio

à crítica cultural dessa época. Os tropicalistas, influenciados pela produção de

paradigmas da mudança cultural, da transformação estética e política da época,

indicam uma situação nova, no contexto dos acontecimentos da cidade de São

Paulo e Rio de Janeiro. Esse movimento abrangeu um período de quatorze meses.

Por fim, aborda-se um dos principais líderes do tropicalismo que foi

Caetano Veloso. Também insatisfeito com o Brasil que não era compatível ao

momento de ditadura militar. A música era a manifestação artística mais aceita.

Duas músicas de grande importância da época foram “Tropicália” e “Alegria, alegria”,

sendo que suas letras eram totalmente inovadoras para a música popular brasileira

além de serem carregadas de ideologias e ideias que são contrárias as normas

estabelecidas, pois Caetano vem propor um caminho oposto, quebrando paradigmas

e apoiando a evolução musical.

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2. CONTEXTO HISTORICO

2.1 A DÉCADA DE 60 E O BRASIL

A década dos anos 60, no Brasil, é apontada pelos cientistas sociais

como um período muito rico cultural e politicamente. O desenvolvimento progressista

anunciado por Juscelino Kubitschek, posteriormente colocado em xeque pela

repressão pós-golpe de 1964, e permeado pelos atos institucionais, resultaram em

uma ampla contestação ideológica na época, produzida pela intelectualidade

brasileira. Somados à entrada da era eletrônica e a conquista do homem à Lua

forma o período mais efervescente e contraditório da história cultural brasileira

contemporânea (BAIRON, 2002, p.14).

Nesse período, o país passava por uma grande movimentação política.

Logo após a renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961, quem assumiu foi seu

vice João Goulart, chamado de (Jango).

Assumiu a presidência em um clima político adverso. Seu governo foi

marcado por abertura às organizações sociais.

Em seus planos, incluíam as reformas de base, que tinham por objetivo

reduzir as desigualdades brasileiras, dentre elas, estavam as reformas bancária,

eleitoral, universitária e agrária.

Uma série de decisões foram tomadas para enfraquecer o presidente,

principalmente pelo fato das elites temerem uma alteração social que ameaçasse

seu poder econômico, em consequência disso, os partidos de oposição, como a

União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD),

acusavam Jango de estar planejando um golpe de esquerda e de ser o responsável

pela carestia e desabastecimento que o Brasil enfrentava. A principal delas foi a

doação do parlamentarismo, que, em 1961 e 1962, concedeu funções do presidente

ao congresso, que até então era dominado por representantes da elite. O regime

presidencialista foi reestabelecido em 1963 após o plebiscito.

A insegurança política e a crise econômica multiplicavam-se pelo país.

Jango sugeriu as reformas constitucionais que aceleraram a reação das classes

conservadoras, como, por exemplo, os empresários, os banqueiros, igreja católica,

militares e classe média, os quais temiam uma guinada do Brasil para o lado

socialista criando as condições para o golpe de 64.

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Com as reformas, Jango pretendia controlar a remessa de dinheiro para o

exterior, oferecer canais de comunicação aos estudantes e permitir que os

analfabetos, maioria da população, votassem.

Em 1964, o comício organizado por Leonel Brizola e João Goulart, na

Central do Brasil, no Rio de Janeiro, serviu de estopim para o golpe. Neste comício

foram comunicadas as reformas que mudariam o Brasil, dentre elas, determinou a

reforma agrária e a nacionalização das refinarias estrangeiras.

A elite logo reagiu: a imprensa, o clero conservador, o empresariado e a

direita em geral, organizaram em São Paulo, a “Marcha da família com Deus pela

liberdade”, que reuniu milhares de pessoas. O repúdio a qualquer tentativa de ultraje

à Constituição brasileira e à defesa dos princípios garantias e prerrogativas

democráticas constituíram o assunto mais pautado de todos os discursos e

mensagens.

O clima de crise política e as tensões aumentavam a cada dia. No dia 31

de março de 1964, tropas de Minas Gerais saem às ruas. Para evitar uma guerra

civil, Jango partiu de Brasília para Porto Alegre, dois dias depois, deixa o país para

se refugiar no Uruguai.

O golpe militar de 1964 foi, amplamente, apoiado à época e um pouco

antes por jornais como O Globo, jornal do Brasil e Diário de Notícias. Um dos

motivos que conduziram ao golpe foi uma campanha organizada pelos meios de

comunicação, para convencer as pessoas de que Jango levaria o Brasil a um tipo de

governo semelhante adotado por países como China e Cuba, ou seja, comunistas,

algo inadmissível, naquele tempo, quando se dizia que o que era bom para os

Estados Unidos, era bom para o Brasil.

Os militares tomam o poder. Durante esse governo, iniciou a enxurrada

de decretos, Leis, Atos Institucionais e Emendas Constitucionais. Em nove de abril,

é decretado o Ato Institucional número 1 (AI-1). Que autorizava a cassação de

mandatos e a suspensão de direitos políticos parlamentares, governadores,

funcionários públicos e líderes sindicais, além dos ex-presidentes Jânio Quadros,

João Goulart e Juscelino Kubistchek. Determinou também a eleição indireta para a

Presidência da República.

No mesmo mês, o general militar Castello Branco foi empossado

presidente com um mandato até vinte e quatro de janeiro de 1967. Em seu

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pronunciamento, declarou defender a democracia, porém ao começar seu governo,

assumiu uma posição autoritária.

Estabeleceu as eleições indiretas para presidente, além de dissolver os

partidos políticos. Vários parlamentares federais e estaduais tiveram seus mandatos

cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos e constitucionais cancelados e os

sindicatos receberam intervenção do governo militar.

Em seu governo, em outubro de 1965, é decretado o Ato Institucional

número 2 que dissolveu os partidos políticos existentes e criou o bipartidarismo.

Surgiu um partido do governo a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e outro de

oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Em 1965, as liberdades civis foram reduzidas, o poder do governo

aumentou e foi concedida, ao congresso, a tarefa de designar o presidente e o vice-

presidente da república.

O governo militar impõe, em janeiro de 1967, uma nova Constituição para

o país. Aprovada neste mesmo ano, a Constituição de 1967 confirma institucionaliza

o regime militar e suas formas de atuação.

Em nove de fevereiro de 1967, surge e Lei de Imprensa para impor

restrições à liberdade dos meios de comunicação, sobretudo aos jornais e revistas,

prevendo ainda o direito à censura prévia a livros, revistas e espetáculos.

No mesmo ano, assume a presidência o general Arthur da Costa e Silva,

após ser eleito, indiretamente, pelo Congresso Nacional. Durante seu governo,

cresce no país a reação ao regime militar, mobilizando diversos setores sociais e

políticos no Brasil.

A oposição ao regime militar cresce e com isso, a UNE (União Nacional

dos Estudantes), organiza no Rio de Janeiro a passeata dos Cem Mil, uma

manifestação de protesto em consequência da morte do estudante secundarista

Edson Luis. A manifestação reuniu mais de cem mil pessoas, no centro da cidade do

Rio de Janeiro, na zona conhecida como Cinelândia, o que representou um dos mais

significativos protestos do período ditatorial do Brasil.

Em treze de dezembro de 1968, o governo decreta o Ato Institucional

número 5 (AI-5). Este foi o mais duro do governo militar, pois aposentou juízes,

caçou mandatos, acabou com as garantias dos habeas-corpus e aumentou a

repressão militar e policial.

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3. TROPICALISMO

3.1 HISTÓRIA DA TROPICÁLIA E SEUS PRINCIPAIS PARTICIPANTES

As transformações decorrentes dos movimentos da contracultura da

década de 1960 podem ser compreendidas sob a ótica de uma mudança

paradigmática em diversas esferas na sociedade: na cultura, nas condutas de vida,

no comportamento e na ética, assim como nas relações materiais.

Nota-se que, nessa década de movimento jovens de contestação,

desobediência, liberdade e novos parâmetros éticos e comportamentais, deslocam-

se de qualquer movimento de esquerda tradicional como os que, também, dividiam

lugar nas mentes dos jovens politizados e descontentes ou qualquer outro,

politicamente, instituído.

A ideia de que o movimento hippie e os novos movimentos pacíficos de

desobediência que daí surgiram, e que, propôs para aquele momento histórico as

mudanças que percebemos hoje é a concepção de que a transformação política (e

suas abrangências nos setores sociais, cultural e econômico) deveria se dar pela

transformação da percepção.

A única forma de ter consciência da transformação que precisamos e

como devemos fazer para alcançá-la é através da transformação de nossa própria

percepção, para negarmos o sistema, a instituição política artística, econômica, a

desobediência civil apareciam como uma forma mais ética e pacífica de

transformação política; a guerra do Vietnã e a reabertura econômica liberal dos EUA

pós-depressão contribuíram para o abandono dos valores morais vigentes, ligados

ao consumismo, à vida ilusória que surgiu do descobrimento dos milhares de

derivados do petróleo, o conservadorismo político e a violência.

O âmbito global de informação que comportava as relações da localidade

com o internacional, ou até mesmo com o intercontinental agiu de forma decisiva na

possibilidade de ruptura com a cultura original e local desses espaços sociais e

simbólicos diferentes para uma sensibilidade ou interesse por culturas,

originalmente, distantes. A comunicação, nessa década, através do rádio, televisão

e jornais pôde reunir aproximadamente, meio milhão de pessoas no festival

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Woodstock, que em 1969 comportou-se em uma fazenda de uma pequena cidade

próxima a Nova Iorque.

O movimento abriu as portas para uma política pacífica com as culturas e

sociedades distantes; a inserção da cítara e das teosofias indianas nas músicas dos

Beatles em sua fase mais psicodélica expandiu a possibilidade de uma relação

social, cultural e política pacífica com a Índia que há poucas décadas ainda era

colônia da Inglaterra; o interesse pelas teosofias e filosofias orientais passou a

questionar a lógica racional a qual se vive no ocidente, toda a raiz do pensamento,

comportamento e da forma, como o ser humano vê o mundo.

Não foi, apenas, na sociedade civil que esta mudança paradigmática pôde

ser percebida; cientistas de diversas áreas, como o físico austríaco Fritijof Capra,

que nos anos 60 relacionou a física moderna com as filosofias e teosofias

tradicionais do oriente (taoísmo, budismo, hinduísmo); ou o psicólogo americano

Timothy Leary, que escreveu “a experiência psicodélica” e estudou as possibilidades

psicológicas do ácido lisérgico e a relação da experiência da substância com a de

morte relatada no livro” tibetano dos mortos”.

O mundo todo estava atento à guerra do Vietnã e havia outros

acontecimentos políticos que tomavam conta dos assuntos internacionais, com o

maio de 1968, a ditadura no Brasil e em outros países da América do Sul; o

momento histórico parecia contribuir para a emergência de grupos sociais que

pudessem conter esse impacto sem pegar em armas, mas desobedecendo,

negando o que fosse imposto e impondo o que era negado.

A década de 60 foi um período de grande fertilidade da produção cultural

brasileira. Parte dessa fertilidade é responsabilidade da Tropicália ou Movimento

Tropicalista, cujo período incide na datação de setembro de 1967 a dezembro de

1968. Essa denominação foi atribuída a manifestações artísticas espalhadas por

diferentes ramos da produção cultural, como artes plásticas, com o trabalho de Hélio

Oiticica; o cinema com as obras de Glauber Rocha; ou o teatro, com as peças

dirigidas por José Celso Martinez.

O Movimento da Tropicália constituiu um desafio à crítica cultural dessa época. Os tropicalistas, influenciados pela produção de paradigmas da mudança cultural, da transformação estética e política da época, indicam uma situação nova, no contexto dos acontecimentos das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro (FAVARETTO, 1996, p.99).

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Essa influência é feita por meio do dialogismo que o tropicalismo faz com

as diversas fontes, fundamentando-se, em especial, nos princípios teórico-

metodológicos esboçados por Mikhail Bakhtin, em que homem e a vida são

caracterizados pelo princípio dialógico. A alteridade marca o ser humano, pois o

outro é imprescindível para sua constituição, isto é, a vida é dialógica por natureza.

Assim, a dialogia é o confronto das entoações e dos sistemas de valores que

posicionam as mais variadas visões do mundo: o permanente diálogo entre os

diversos discursos que configuram uma sociedade, uma comunidade, uma cultura

(BAKHTIN, 2002, p.5).

O Movimento Tropicalista abrangeu um período de quatorze meses,

entretanto não pode ser estudado, somente, nessa fase, pois buscou fontes em

todas as épocas anteriores, deixou marcas culturais, até hoje, como o movimento do

Mangue-beat, grupo musical do Recife.

Revela-se uma aparente contradição, pois de um lado havia o desejo de

ruptura com a tradição, e de outro, a reinvenção crítica e cultural dessa mesma

tradição. Metaforicamente, nada melhor para expressar esse princípio do que a

conhecida imagem dos movimentos de sístoles e diástoles: havia uma vontade de

abertura para o mundo internacionalização cultural e, ao mesmo tempo, e um

retorno em busca de uma identidade nacional e cultural brasileira.

De acordo com Favaretto, o disco manifesto Tropicália é dialógico: cada

música parodia certas imagens do Brasil, deixando entrever todas as outras em um

sistema de interferência e revelações, em que cada música é um efeito de

linguagem. Por ser polifônico, o disco opera a passagem da diacronia (as séries

culturais, por meio das citações) para a sincronia das musicas, tendo também a fala

de um sujeito que se dirige a outro (o ouvinte). Realiza-se, assim a interação de

diversos níveis: o da música, o das paródias e o do contexto sócio-cultural.

Favaretto aponta o fato de que a matiz antropofágico-tropicalista trouxe a

tona uma revisão cultural, que já se iniciara desde o começo da década. Os temas

dessa revisão eram a (re) descoberta do Brasil, o retorno às origens nacionais, a

internalização da cultura, a dependência econômica e o consumo (FAVARETTO,

1996, p.23).

As telenovelas já haviam surgido através das emissoras de televisão

como a Excelsior e a Tupi. Logo seguidas pelos shows musicais como Fino da

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Bossa, com Elis Regina e Jair Rodrigues, a Jovem Guarda, com Roberto Carlos e os

festivais de musica popular brasileira na TV Record.

A contradição perdura: de um lado, compositores como Chico Buarque de

Holanda, Geraldo Vandré, Sérgio Ricardo, Edu Lobo encontram intérpretes com Elis

Regina, com matizes estético musicais que harmonizam o poético e o militante. De

outro, aflora Caetano Veloso, rompendo as barreiras tradicionais da música popular

brasileira estabelecida desde 1958, com a Bossa Nova de João Gilberto, com a

música Chega de Saudade, abrindo caminho para o Tropicalismo. E a partir de

1967, após o sucesso da canção Alegria, Alegria, o cenário cultural e musical

começa a modificar-se. Nesse mesmo ano, aconteceu em São Paulo a “passeata

contra as guitarras elétricas” que representava a negação do público da música

popular e brasileira às criações populares estrangeiras devido à necessidade que se

fazia presente de valorizar o caráter nacional através da cultura, de forma que nossa

música não se impregnasse de culturas imperativas distantes.

Pode-se dizer que a música popular começou a despertar a atenção

redobrada dos intelectuais, sobretudo a partir da Bossa Nova. Em 1960 o

musicólogo Brasil Rocha Brito escreveu um balanço intitulado Bossa Nova, que

procurou abordar a concepção musical do movimento por meio de uma “apreciação

técnica”, mas já identificando que “nunca antes um acontecimento ocorrido no

âmbito da nossa música popular trouxera tal acirramento de controvérsias e

polêmicas, motivando mesas redondas, artigos, reportagens e entrevistas,

mobilizando enfim os meios de divulgação mais variados” (CAMPOS, 1993, p.17).

O riso traz sempre um incomodante: torna-se a expressão regeneradora,

criadora de uma consciência nova, livre, crítica de uma época. Aliados a essa

alegria, ao caráter ambíguo, às performances e aos mineirismos corporais, os

tropicalistas eram vistos pelos chamados conservadores como agentes de

provocação. (Backtin, 2002, p.61).

O moderno convivia com o arcaico da mesma forma que o ideologismo

com o esteticismo na produção artística dessa época. Isto é, de um lado aspirava-se

à assimilação cultural, de outro, a explicitação dos conflitos e contradições.

Segundo Bairon, a ideologia é importante para se repensar questões

sobre a História da Cultura, e que com isso, o poder ideológico torna-se um

controlador da produção cultural. Acrescenta que, em todos os momentos históricos

nos quais o mundo cultural (costumes, religião, leis, literatura, festas etc.) se liberta

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das grades políticas, vê-se a liberação de tudo o que há de melhor no homem. A

tropicália, também, é marcada por essas mesmas características.

Não se pode compreender o Brasil dos anos subsequentes,

desconhecendo que as atividades lúdicas, o culto do prazer criou a estética

tropicalista, uma estratégia inteligente e atenta as estruturas sócio-culturais do

Brasil.

No ano de 1967 no qual a Tropicália se apresentou pela primeira vez no

programa “Frente única: uma noite da música popular brasileira”, os artistas que

frequentavam esse palco consideravam a música popular brasileira, não apenas em

suas estéticas que eram explicitas e, necessariamente, distantes da imposição da

cultura norte-americana, mas visavam elevar a música sua capacidade política

transformadora, instigando sentimentos de reprova à ditadura militar que, nesse

período, era representada pelo Castello Branco, e seguidamente por Costa e Silva.

De acordo com Calado, Caetano Veloso e Gilberto Gil, sempre, foram

ligados à música, mas não profissionalmente. Era comum se encontrarem num bar

para cantar e trocar ideias. Conheceram Maria das Graças (Gal Costa), e tinham

afinidades pelos cantores da Bossa Nova (199 p.45-47).

Caetano Veloso, em sua maneira individual de cantar como o tom baixo,

recebeu influencias de João Gilberto e seu primeiro sucesso é coma música Alegria,

alegria. Gilberto Gil, antes administrador de empresas, que tinha como ídolo Luiz

Gonzaga, o seu baião e o som de percussão da banda de pífaros de Pernambuco. A

primeira música de sucesso de Gilberto Gil foi “Domingo no parque”, com arranjo de

Rogério Duprat. A polifonia do arranjo, a tensão melódica que sugere primeiro um

repouso, e depois uma tensão crescente, se dirigindo à tragédia final, é coberta por

personagens populares, vivendo situações do cotidiano. Essas duas músicas são de

1967, apresentadas no III Festival de Música Popular da televisão Record, em São

Paulo. Ambas contrariavam a tendência antiamericana ou anti-inglesa estagnada na

música nacional, seguindo tais composições com arranjos elétricos estilizados pela

banda Os Mutantes e ainda pelos arranjos eruditos de maestros dispostos a inovar,

como Rogério Duprat, Julio Medaglia e Damiano Cozzela. Esses elementos eram

misturados e somados às letras de influência concretista, da qual o movimento

ainda contava com poetas como Torquato e José Carlos Capinam.

As primeiras representações resultaram na reprovação da interpretação

dos tropicalistas sobre a interação entre os elementos culturais que, embora bem

21

estruturados não agradavam a percepção vigente, ou ainda a visão de mundo

impregnada na MPB e no seu caráter de protesto e valorização de uma cultura

nacional. O público vaiou a apresentação de Caetano Veloso em “é proibido proibir”,

na qual o artista expõe sua opinião contrária à desclassificação de Gilberto Gil do

concurso:

(...) Eu quero dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver com isso. Gilberto Gil, está comigo, para acabarmos com o festival e com toda imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Nós só entramos no festival para isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Entendeu? Eu só queria dizer isso baby. Assim, como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês forem ... em política como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês... O júri é muito simpático, mas é incompetente. (VELOSO, Caetano, 1968), discurso da música “É Proibido Proibir”.

A contracultura que acontecia nos EUA e no mundo não era algo que

sensibilizava esse grupo da MPB da época formado pelos artistas de protesto; o

foco político desses músicos limitava-se à localidade e negava-se a explorar

interpretações do país que remetessem ao nosso subdesenvolvimento, ao

relacionamento do Brasil com as culturas de fora, demonstrando resistência às

guitarras elétricas e articulando formas de expressar mensagens contra a ditadura

para circularem nas rádios, televisão e concursos através de seu veículo de protesto

– a música.

De outro lado, havia ainda a jovem guarda, formada por Erasmo e

Roberto Carlos, um espaço para o rock antigo, que fala de romance e não está tão

preocupada em combater a ditadura com todas as suas unhas a velha guarda do

samba já estava a muito adormecida na música de disco e o lamento de Lúcio Alves

deu lugar a música pop, que surgiu e veio a ser chamada Bossa Nova.

A juventude de classe média carioca dos anos 1950 necessitava de um

novo estilo brasileiro que pudesse sintetizar o sentimento angustiante que

distanciava tanto o jazz americano – que aparecia como o sonho noturno desses

jovens e músicos do rio – com aquele lamento modesto do sambista Lúcio Alves.

O eixo Rio-São Paulo de produção cultural da época recebeu, então, no

final dos anos 50, o artista nordestino João Gilberto, que soube como sintetizar as

relações do jazz com o samba, criando uma nova síncope em um complexo

harmônico-ritmíco que, explorado por ele, unicamente, no violão, estendia a beleza

22

da simplicidade do samba com a sofisticação do jazz, como uma homenagem

romântica ao primeiro. A Bossa Nova virou pop e foi conhecida, amada, exportada e

explorada pelos artistas brasileiros, internacionais e pelos jovens cariocas sedentos

de novidade.

A ruptura com o eixo Rio-São Paulo aconteceu mais um a vez e a

novidade tropical parecia ir um pouco além das conquistas da Bossa Nova,

abertamente, sua grande inspiração. Assim como a Bossa Nova soube encontrar um

diálogo na música entre o jazz e o samba, tirando-os de seus territórios originais e

transformando-os em um novo estilo que tem outros sentidos e grupos de

apreciação, a Tropicália pretendia uma tarefa um tanto quanto intrigante: a

popularização, ou a universalização da MPB.

A estética tropicalista apresentava-se como um sincretismo harmônico

entre produções simbólicas originais de espaços sociais e simbólicos diferentes,

promovendo um diálogo que rompia com as estruturas musicais herméticas e

encontrava um ponto de conciliação entre opostos como o erudito, o popular e o

disco, entre o local e o global, nacional e internacional, as belezas típicas do Brasil e

o subdesenvolvimento, moderno e pós-moderno.

A influência da poesia concretista dos anos 60 pode ser percebida nessa

nova concepção estética e política, a linguagem formada de colagem, mosaicos

sincréticos, intertextualidade, entre outros recursos, assim como a visão dinâmica e

multifuncional do Brasil era alvo da música tropicalista e essa visão de mundo

estendia-se ao derrubamento de qualquer hierarquia artística na música que se

determina a superioridade do gosto hegemônico sobre produções simbólicas

marginais.

O Tropicalismo aproximou os signos da indústria cultural e os emblemas

da tradição brasileira de uma maneira tão forte que deslocou o debate nacional dos

planos políticos para os estéticos (FAVARETTO, 1996, p19).

A propulsão da indústria cultural assimilou essa controvérsia, os artistas

estariam vinculados a posição “engajada” ou “alienadas” frente à “nova” realidade. E,

de fato, muitos compositores e cantores tomaram para si uma missão de cultura,

tornando-se intelectuais ao intervir sobre o terreno do político, compreendido no

sentido de debate sobre a cité.

Contudo, a situação política brasileira pós 1964 provocou ainda mais

confusões sobre o papel da arte sob a sociedade de massas, e foi a penetração

23

popular da canção que a teria revelado como caminho ideal para a divulgação de

determinados ideais e ideologias. Alguns artistas que vieram da Bossa Nova

iniciaram um movimento que desembocou na chamada canção de protesto. Vinícius

de Moraes, Carlos Lyra, Edu Lobo, Nara Leão, entre outros, começaram a tratar

sobre os problemas sociais do país. Essa reversão temática, do “amor, o sorriso e a

flor” para questões libertárias e participantes, nascendo e proliferando sob o debate,

aprofundou o olhar crítico sobre a canção popular, enfatizando seu aspecto verbal e

até mesmo sobrepujando as questões estéticas que num primeiro momento

dominaram o debate sobre a Bossa Nova.

O fato é que de uma maneira ou de outra a massificação cultural parecia

exigir posicionamentos, e as controvérsias daí decorrentes não se restringiram ao

Brasil. Os conhecidos questionamentos sobre a “cultura de massas”, como os

propalados pelos teóricos de Frankfurt, ainda estavam em curso. Umberto Eco

tratou, então, de esclarecer que “o universo das comunicações de massa é

reconheçamo-lo ou não o nosso universo” (ECO, s/d: 11). Destarte, Eco identificou

duas atitudes comuns frente à “cultura de massas”, a de aprovação e a de recusa,

mas que poderiam constituir as duas faces de um mesmo problema, em que

também os textos apocalípticos poderiam ser o “mais sofisticado produto oferecido

ao consumo de massa” (ECO, s/d: 9).

No Brasil, esse tipo de polêmica abrigou outros matizes, inicialmente, não

estavam em questão somente as manifestações oriundas da Indústria Cultural, mas

também, sua associação a processos culturais estrangeiros. Antes de se contrapor à

“qualidade” de seus produtos, contestava-se a sua suposta ameaça às “tradições”

culturais genuinamente brasileiras. Por exemplo, já em relação à Bossa Nova

encontramos postura como a de José Ramos Tinhorão, visto que, apesar de seu

inventário de argumentos, na base de sua recusa do movimento existia a

preocupação, diante da influência do Jazz be-pop, com a “quebra de tradição” do

samba, “através de uma espécie de esquematização destinada a transformar esse

gênero de música popular carioca no âmbito da classe média numa pasta sonora,

mole e informe” (Tinhorão, 1997:51).

Essa relação com a cultura universal, sempre, foi foco de controvérsias,

pois entre a recusa, assimilação ou transformação das influências externas, os

intelectuais brasileiros tentavam, em verdade, refletir sobre uma inconfundível

miscelânea. Sob esse aspecto, na década de 60, os intelectuais estavam se

24

voltando para as indagações dos modernistas como Mário de Andrade e Oswald de

Andrade. No entanto, mesmo que essa diversidade de contraposições presentes nos

discursos tenha, inevitavelmente, refletido sobre o trabalho dos artistas, a música

popular não se ofereceu.

Como observou José Miguel Wisnik, como um campo dócil à dominação

econômica da indústria cultural que se traduz numa linguagem estandardizada, nem

à repressão de censura que se traduz num controle das formas de expressão

política e sexual, nem às outras expressões que se traduzem nas exigências do bom

gosto acadêmico ou nas de um engajamento estreitamente concebido (WISNIK,

2004, p176-177).

Assim, Wisnik conseguiu sintetizar as principais preocupações dos

intelectuais entre aos anos 60/70, mas sem esquecer-se da existência da obra

(música popular) em si, lembrando-nos que não se trata de um mero sintoma, de

uma simples resposta ao contexto intelectual.

Mas essa maleabilidade para se interpretar a música popular foi sendo

conquistada aos poucos, sobretudo depois que o tema adentrou para o campo das

investigações acadêmicas. Um processo de construção do conhecimento que

permaneceu por muito tempo restrito ao universo da crítica, cujas indagações

norteiam, até hoje, muitos trabalhos, visto que tanto intelectuais, quanto, artistas

buscaram construir a “cultura brasileira”, deixando reflexões. Ademais, como

constatou Daniel Pécaut,“esses intelectuais e seu público, os artistas contestadores

e suas plateia formam um conjunto que tem uma presença política certa, com seus

próprios modos de sociabilidade e identificação” (PÉCAUT, 1990: 2550), ou seja,

essas relações e referências presentes no discurso sobre a música compõem,

também, uma cultura política de ação na sociedade.

Entre os artistas/intelectuais que propuseram interpretações sobre a

música popular urbana no “calor da hora”, isto é, entre as décadas de 60 e 70,

destacam-se Walnice Nogueira Galvão, Augusto de Campos, Júlio Medaglia,

Affonso Romano de Sant’anna e Caetano Veloso. Muitos desses autores do

“universo da crítica” mantinham estreitas relações com os músicos populares,

exercendo profissões próximas ao cotidiano desses artistas. Situação que explica

inclusive a agressividade diante das divergências ideológicas, gerando conflitos

reforçados e aproveitados pela mídia, precisamente, como constatou Umberto Eco a

respeito de sua fórmula “apocalípticos e integrados”. Mas a partir disso, a indústria

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fonográfica percebeu, rapidamente, que o consumo era potencializado pelas

disputas de “movimentos”, assim, estimulando os embates através das estratégias

promocionais, pois “os ‘movimentos’ musicais deveriam ser bem configurados a

partir de ‘rótulos’ reconhecíveis e direcionados a faixas de públicos específicas”

(NAPOLITANO, 2001: 277).

Aliás, muito da atração que os festivais de música exerciam sobre o

público advinha dessa espécie de partidarismo formavam-se verdadeiras torcidas

semelhantes ás dos clubes de futebol: MPB versus Jovem Guarda ou MPB versus

Tropicália. E, de acordo com Chico Buarque, a disputa, também, se estendia aos

músicos: “havia rivalidade entre nós, mas era uma rivalidade saudável, porque

escancarada” (apud CHEDIAK, 1999: 12). Caetano Veloso, apesar de sua revolta

diante da caricatural disputa que se criou entre ele e Chico, também, admitiu ,que na

época, “havia uma agressividade necessária contra o culto unânime a Chico em

nossas atitudes” (VELOSO, 1997: 233).

Tudo isso acabava refletindo nas interpretações sobre a música,

redundando em comprometimentos involuntários, mas em determinados casos se

era parcial de uma maneira declarada e proposital. Evidentemente, que os estudos e

pesquisas sobre a música popular urbana não se restringiu às polêmicas. Mas são

com estas generalizações que começamos a identificar algumas motivações

subjetivas para as reflexões artísticas e teórico-metodológicas. Se Augusto de

Campos propôs uma abordagem baseada na Teoria da Informação e Affonso

Romano de Sant’anna nas conexões com a literatura; os compositores, também,

fizeram suas intervenções não só por meio de entrevistas e artigos, mas sobretudo

pelas canções, as quais, eram interpretadas pelos críticos e passavam pelo debate.

Entre os diversos debates, optamos por abordar mais detidamente aquele

sobre o movimento tropicalista, justamente por abarcar a cumplicidade entre os

artistas e críticos. A problemática começou a se configurar em 1965/66, quando

Caetano Veloso se manifestou por meio do artigo Primeira feira de balanço,

destacando que era preciso rever o legado de João Gilberto, o qual teria conseguido

combinar inovação e tradição dando “um passo à frente”, sendo preciso retomar

essa” linha evolutiva”. Tal ideia acabou norteando os rumos da obra de Caetano e

do movimento Tropicalista, cujo marco foi o lançamento do LP Tropicália em 1968.

Envolvendo diversos artistas (Caetano, Gil, Mutantes, Tom Zé, Gal Costa,

Rogério Duprat e por associação, Zé Celso, Hélio Oiticica, Augusto de Campos,

26

Nelson Motta, entre outros) esse movimento realizou uma espécie de revisão crítica

da cultura brasileira no âmbito da linguagem da informação e do consumo,

despertando como se esperava, reações de oposição. Através dessa revisão, esse

grupo legitimou sua atuação, pois estabeleceu antagonismos com outro movimento

ou ideologia considerada dominante, realizando releituras de suas problemáticas

mostrando suas inconsistências. Por isso, “a singularidade do tropicalismo se revela

na situação em que apareceu, quando comparada com a ideologia de protesto”

(FAVARETTO, 1996: 127).

A estratégia básica usada para atrair as atenções foi o emprego do

imprevisto, do choque e da ruptura extrema com o status quo adquirido pelo

adversário, colidindo, por conseguinte, com o próprio público, do qual também se

visava uma parcela. Certamente, tratava de uma atitude de risco, nem sempre

atraindo olhares positivos, dependendo da validade conjuntural (ou histórica) da

nova proposta. Assim, o tropicalismo realizou a crítica através da invenção e do

estranhamento, trabalhando a consonância entre música, poesia, dança, canto e

roupa, ao adotar, inclusive, materiais da Indústria Cultural sob a forma das propostas

das vanguardas artísticas. Construindo assim uma alegorização da realidade, que

provavelmente, não despertaria polêmicas na década seguinte, pois os ruídos, as

guitarras, as roupas exóticas e coloridas estavam assimilados, dado que difundidos

pela Indústria Cultural.

Entretanto, nessas condições, não ocorreria a decodificação do sentido

crítico de um movimento como o tropicalismo, a ambiguidade decorrente da colagem

ou da “enumeração caótica” não seria facilmente perceptível. Pelo contrário, essas

“técnicas” poderiam ser traduzidas como inserção à crítica na chamada cultura de

massas, um voltar-se para si na contemplação do individual. No entanto, esse

movimento surgiu em 1968 quando o ato da apropriação na arte contemporânea

ainda era encarado em suas ambiguidades, exigindo reflexão. Portanto, identificar o

lugar histórico do movimento é fundamental, só assim faz sentido a justificativa do

Augusto de Campos: “naquele tempo, você era a favor ou contra”, ao colocar-se na

linha de frente da “fuzilaria” a favor da Tropicália.

A proposta ganhava a legitimidade do momento, pois se partimos do

discurso de Walnice Nogueira Galvão, a MMPB (moderna música popular brasileira)

estaria presa à mitologia do dia que virá, em canções de Geraldo Vandré, Edu Lobo,

entre outros. Por exemplo: “certo dia que sei por inteiro/eu espero não vá

27

demorar/este dia estou certo que vem...” Ponteio Edu Lobo e Capinam (GALVÃO,

1976). Enquanto isso o Tropicalismo contemporâneo já “começa a sugerir uma

preocupação com o aqui e agora, a pensar a necessidade de revolucionar o corpo e

o comportamento, rompendo com o tom grave e a falta de flexibilidade da prática

política vigente”. Por exemplo: “eis que eles sabem o dia de amanhã/ eles sempre

falam num dia de amanhã.../ todo o seu passado no dia de amanhã...”. Eles –

Caetano e Gilberto Gil (HOLLANDA, 1992:61).

A partir disso, Augusto de Campos, do grupo dos poetas concreto,

escreveu diversos artigos acerca da música popular, publicando no início de 1968

uma coletânea de artigos “O Balanço da Bossa”, na qual defendia uma visão

evolutiva da música popular, que o “grupo baiano” (Caetano, Gil, Gal, Torquato, etc.)

estaria concretizando. Ora , nesse mesmo ano o movimento tropicalista se

estruturou, divulgando-se através de discos, happenings, shows, da televisão; e

entre seus “teorizadores” estava Augusto de Campos que explicava as músicas e

atividades tropicalistas, definia conceitos e objetivos, interpretava e construía as

“engrenagens”, logo adotadas pelos artistas: “afinal, não era nada que viesse

desmentir ou negar a nossa condição de artista, nossa posição, pensamento, não

era. Mas a gente é posta em certas engrenagens e tem que responder por elas”

(apud FAVARETTO, 1996: 21) SALIENTOU Gilberto Gil.

Desse modo, semelhante ao que ocorria nas artes plásticas, os críticos

interpretavam para o público o sentido das atividades artísticas, por isso pode-se

dizer que Augusto de Campos atuou no movimento ao se propor, por exemplo,

interpretar as experimentações ao vivo (efêmeras) realizadas pelos tropicalistas, os

happenings. Essa arte do precário e do passageiro exigia uma análise para

materializar seus efeitos, tratando-se de uma manifestação de contexto que provoca

diversas reações no público: “Não gostei. Não entendi nada”. “É a própria estética

que entra em crise, para dar lugar a uma possível “lógica de preferência”, que seria

a estética da sociedade de massa ou de consumo em massa”

(PIGNATARI,1971:234).

Por isso, foi de grande importância a atividade do crítico para o

movimento, e as considerações acima esclarecem “a lógica de preferência” na qual

se inseriu Campos quando escreveu o artigo “É Proibido Proibir os Baianos”

publicado no Correio da Manhã em 30/10/68. Esse artigo parece-nos muito

sugestivo, pois, tratando-se de uma clara tomada de posição, o autor realiza uma

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síntese das influências e objetivos do movimento. O pretexto é um incidente com

Caetano Veloso ocorrido, semanas antes, nas eliminatórias do III Festival

Internacional da Canção no TUCA (Teatro da Universidade Católica), no qual

Caetano ao apresentar sua canção “É proibido proibir” foi severamente repudiado

com vaias pelo público, realizando um happening de protesto contra esta reação.

Campo, que estava presente nesta apresentação de 15 de setembro, escreveu o

artigo supracitado em favor de Caetano e repudiando a reação do público, em um

texto na mesma linha do discurso proferido por Caetano na ocasião, porém com

maior embasamento teórico.

A Tropicália desmistifica a tradicional música brasileira ao colocar em

conflito seus principais elementos a partir de novos dados obtidos com associação a

música de vanguarda. Assim, Caetano e os baianos levam toda esta “implosão

informativa” para o consumo, pois produzem informação ao violarem o código de

convenções que o rege. Essa violação ocorre em consequência da criação de uma

nova linguagem que associa diversos elementos sonoros e visuais. Caetano, Gil e

os Mutantes ao atuarem dessa forma foram intensamente vaiados, mas souberam

se apropriar da ocasião, inserindo tudo num happening, assim produzindo

informação nova a partir do estranhamento.

Contudo, diz Campos, esta mensagem não foi apreendida pelo público

que estava preso a preconceitos ideológicos (conservadores, stalinistas e

nacionalóides). Assim, o autor deixa claro quem é o seu interlocutor, parte da

esquerda e os adeptos da canção de protesto, aqueles que ainda se pautam na

oposição entre participação e alienação, dicotomia anulada pelos tropicalistas ao

tentarem despertar “a consciência da sociedade repressiva que nos submete”, mas

esse público estaria alienado a essa condição, negando.-lhe Campos tenta,

portanto, pôr a limpo a incoerência desse público que vaiou Caetano, por meio de

um argumento semiótico, justificando, destarte, seu ataque direto aos “protestistas”.

Ademais, acaba justificando a vaia tanto por meio da Teoria da Informação quanto

pela comparação com grandes artistas do início do século que também, em seu

tempo, foram vaiados e incompreendidos (Maiakovski, Schonberg e Debussy, entre

outros), mas que enfim eram grandes gênios inventores. O público de Caetano no

TUCA cometeu o erro de dispensar informação criativa, por estar preso à

redundância cultural e integrado inconscientemente a preconceitos e ao Sistema.

29

De tal maneira, justifica-se o movimento tropicalista ao mesmo tempo em

que se desatualiza qualquer oposição naquele momento, pois ao colocar o grupo

como vanguarda (“É proibido proibir ficará como marco de coragem e integridade

artística”) desloca-se seu julgamento para o futuro. Por isso recusa o uso do sufixo

“ismo” que historicista o movimento, daí a preferência pelo termo “protestistas” em

referência aos ditos adversários, encerrando esse grupo dentro do chamado

Sistema, ou seja, nos limites do previsível. Por esse mesmo viés de desqualificação,

remete-se ao público dos festivais, que seria, especificamente, de universitários e

não o “povo”, colocando em dúvida o caráter popular do festival. Por outro lado, à

“música popular de vanguarda” elaborada pelos tropicalistas, não se aplicaria mais o

termo “popular” com sua definição corrente: “São eles, hoje, indiscutivelmente,

cantando simples ou menos simples, com ou sem pretensão, a vanguarda viva da

música popular brasileira, talvez já não tão “popular”, na acepção meramente

quantitativa do termo, mas a partir deles cada vez mais inventiva (CAMPOS,

1993:292)”.

Diante disso, a complementaridade entre o texto de Campos e o discurso

proferido por Caetano Veloso no TUCA, reforça a nossa ideia de mão dupla entre

crítica e tropicália: “o problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música

brasileira”. Esta frase do discurso de Caetano foi, como vimos, reanimada por

Campos, e tamanha parcialidade do crítico foi comentada, posteriormente, até pelo

próprio Caetano: “na defesa ostensiva dos tropicalistas, Augusto de Campos deixara

ver não apenas como se desenvolvera sua combatividade, mas também como esta

mesma combatividade criara-lhe limitações” (VELOSO,1997:225).

Assim, de acordo com Marcos Napolitano, a crítica de Augusto de

Campos foi eficaz como contribuição para uma “visão heroica” do tropicalismo super

dimensionado o ato de ruptura com um segmento, esteticamente, conservador da

MPB. Portanto, o crítico tropicalista teria construído uma estratégia de confirmação

para uma “vanguarda heroica”, contribuindo para criação de mitos a respeito do

movimento, como se este tivesse de fato rompido com as “estruturas dos festivais”.

Mas, na verdade, os tropicalistas não teriam atuado sobre códigos desconhecidos

pelo público, mas ampliaram esses códigos que organizavam os critérios de

avaliação julgamento estéticos, até então difusos no panorama cultural brasileiro

(NAPOLITANO, 1999:275).

30

Contudo, aos olhos de muitas pessoas, o tropicalismo de fato rompeu

algumas “estruturas”. Para Paulinho da Viola, por exemplo, antes havia movimentos

de música popular, “algumas vezes até forçadas por festivais”, “depois do

movimento tropicalista isso acabou. Foi uma coisa muito forte, crítica, que pôs por

terra uma série de valores, ridicularizou bastante os valores aos quais a gente

também vinha se agarrando até então”. Ou seja, promoveu uma abertura para

criação “e é até errado se ficar discutindo a utilização de qualquer elemento dentro

de uma música, mesmo sendo do passado ou do futuro, ou de agora” (apud CICLO,

1975:98). Por outro lado, é interessante citarmos a crítica severa, porém ponderada

de Chico Buarque quando começaram a tachá-lo como “passadista” em relação aos

tropicalistas: “não se trata de defender a tradição, família ou propriedade de

ninguém. Mas foi com o samba que João Gilberto rompeu as estruturas da nossa

canção (...) e não precisa dar muito tempo para se perceber que nem toda loucura é

genial, como nem toda lucidez é velha” (Holanda, 9/12/68).

A influência da estrutura literária do concretismo no tropicalismo foi

importante, porque, a partir daí, houve o emprego de versos mais livres e soltos, nos

quais se buscavam uma linguagem crítica em relação à sociedade de consumo, à

política brasileira do período e a todos os problemas que estavam acontecendo.

Para Haroldo de Campos, a Tropicália era uma visão brasileira do mundo sob uma

espécie de “devoração”, para uma assimilação crítica da experiência estrangeira e

sua reelaboração em termos e circunstâncias nacionais, alegorizando, nesse

sentido, o canibalismo de nossos selvagens (CAMPOS, 1993,p.23).

Aparecem algumas evidências na letra das canções tropicalistas com a

poesia concreta, como forma não discursiva, os vocábulos concisos e sonoros, o

uso da paródia e a preocupação com a síntese, a montagem, e a justaposição

direta, até para evidenciar o efeito cinematográfico que eles pretendiam dar às

músicas.

O lirismo é deixado de lado para assumir uma linguagem culta, para

mostrar que era impossível a canção ser um veículo ideológico coerente e orgânico

se estiver submetida à indústria cultural. Promoveram a síntese da música e poesia,

entre melodia e texto, em que a letra não da para ser analisada independente da

melodia. Poe exemplo, Gilberto Gil realiza um canto falado em aquele abraço, onde

Caetano Veloso recria uma nova significação totalmente oposta a Vicente Celestino,

isto é, uma reinterpretação.

31

Além do experimentalismo, em que misturavam instrumentos elétricos

(internacionalização), o violão (da Bossa Nova), o berimbau (instrumento regional), a

diversidade de canais de gravação, sonoridades estranhas como uivos, gritos, sons

desconexos, ainda exploravam aspectos visuais, como as roupas de plásticos, e

corporais, como os mise-em-scénese os happenings que produziam, numa forma de

provocação. Incomodavam, porque suas letras e músicas não pertenciam ao código

conhecido do público. Promoviam a vinculação do texto e melodia, a materialidade

do canto e da fala, o movimento do corpo na linguagem musical, sugerindo

sensualidade explícita, deixando, posteriormente, um herdeiro ressaltado em tons

mais fortes Ney Matogrosso. Eles enfatizavam o cafonismo e o humor, contribuindo

para o impacto das construções paródico-alegóricas. O corpo era um elemento na

canção e junto com a voz, a roupa, a letra, a dança, formava a dramatização.

Mas é na alegoria que o tropicalismo parece ser mais lembrado, pelo

antropofagismo e sua deglutição na reelaboração em circunstâncias nacionais,

alegorizando, nesse sentido, o canibalismo de nossos selvagens.

Na reflexão de Olson, o alegórico, em que os sentidos literais, isto é, os

sentidos que, normalmente, denotam a verdade, é usado para significar o que se

sabe ser falso (OLSON, 1997,p.244).

Alegoria é temporal, porque significa algo, sempre, diferente do que

parece. Benjamim diz que as alegorias são para o pensamento, o que são as ruínas

no reino das coisas (apud FAVARETTO, 1996,p.110). E a metáfora que sugere

causa um estranhamento no ouvinte, causando um conflito entre o que ouve e o que

vê, que o obriga a avaliar novos códigos, a rever valores.

Desde os modernistas de 1922 a passado pelos concretistas, os

tropicalistas e o universo barroco na ficção das telenovelas têm-se um percurso

curioso: e inversão dos valores, a mistura dos estilos da linguagem oral e escrita, a

preocupação com a visualidade são instâncias permanentes na história da cultura

brasileira, as quais definem o fenômeno conhecido por carnavalização. Essa atitude

estética encontra as suas raízes na tradição popular. A diversidade faz a dinâmica

dos traços barrocos da cultura brasileira, na qual as razões e paixões do cotidiano

nacional foram sempre projetadas no domínio do saber, da arte, das religiões, da

política.

O tropicalismo cumpriu, assim, um papel carnavalizador no âmbito da

nossa cultura, tendo sido, simultaneamente, debochado, crítico, restaurador e

32

prospectivo. Todas essas relações são misturadas no mesmo sentido de devoração

de antropofagia de Oswald de Andrade.

O tropicalismo, também, tenta reapropiar-se do realismo grotesco das

festas carnavalescas presentes no folclore, no circo, na piada, na gíria, nos chavões.

O interesse pelo programa Abelardo Barbosa, o Chacrinha, não era casual, porque o

conceito do programa era o de um circo, de um parque de diversões, ou de um

carnaval de rua.

Segundo Burke (1991, p.222), o carnaval representa a inversão das

relações entre o homem e homem, fosse inversão etária, inversão de sexo ou outra

inversão de status, uma tentativa de inverter o mundo. Dessa forma, os tropicalistas

enfatizavam o cafonismo e o humor, contribuindo para impacto das construções

paródico-alegóricas.

O homem é movido pelo desejo da quebra dos interditos, pelo verdadeiro

uso de sua liberdade, pela vontade de transpor limites. Um autor que se preocupa

com interdições é Bakhtin. Ao tratar da carnavalização, afirma que o carnaval é a

própria vida que representa, e por certo tempo o jogo se transforma em vida real

(BAKHTIN,2002,p.7). Na festa se aliviam os interditos, os espaços deixam de ser

privados e as máscaras equalizam as condições das pessoas. Adota-se no tempo

da festa um princípio de igualdade entre os homens.

Nesse texto, é na construção das canções que se encontra internalizado

o discurso do carnaval do tropicalismo: ambivalência, ausência de sujeito, integração

do grotesco, riso da tragicomédia, oposição entre espaço aberto e fechado, entre

tempo de espera e movimento, mistura de ritmos populares em formas cultas de

música, no requinte estético de construção das letras.

As manifestações artísticas, constantemente, estão à procura de novas

perspectivas, buscando romper com conceitos ultrapassados na tentativa de

formular uma expressividade coerente com seu tempo. Todavia, a maior parcela dos

indivíduos não está preparada para linguagens transformadoras, por isso, rejeitam o

que lhes espantam, o novo dessemelhante. Foi o que ocorreu com o movimento

Tropicália.

Conforme TOFFANO (2009), a tropicália foi um movimento artístico-

cultural ocorrido no Brasil e tem seus episódios instituidores centrados em 1967,

ainda que o movimento tenha tomado proporções somente em 1968, a partir de um

manifesto despretensioso de Nelson Motta no jornal Última Hora, intitulado “Cruzada

33

Tropicalista”. O movimento brotou sob influência de diversas correntes artísticas,

dentre elas, se destacam, a vanguarda, a cultura pop nacional e a estrangeira. A

tropicália atinge diferentes áreas artísticas, podendo ser considerada uma síntese do

radicalismo cultural que tomou conta da sociedade, sobretudo de sua juventude.

Segundo Correa (2009) o movimento executou uma espécie de análise

crítica da cultura brasileira na esfera linguística, do conhecimento e o consumo,

provocando, como se aguardava, reações de aversão. Por meio desta revisão, esse

grupo autenticou sua ação, pois instituiu incompatibilidade com outro movimento ou

ideologia avaliada como influente, fazendo releituras de suas problemáticas e

apontando suas incoerências.

Devido as características contidas no diagnóstico acima, “a singularidade

do tropicalismo na situação em que apareceu, quando comparada com a ideologia

de protesto” (FAVARETTO, 1996,p.127).

A tropicália traz consigo uma nova perspectiva que contrapõe as

inclinações da música brasileira do período, conforme enfatiza ZEMANOVÁ:

A música brasileira pós Bossa Nova e a definição da qualidade musical no país estavam cada vez mais dominadas pelas posições tradicionais ou nacionalistas de movimentos cujas ideias foram orientadas à esquerda. Contra essas tendências, os tropicalistas procuraram universalizar à linguagem da música popular brasileira incluindo elementos da cultura jovem mundial, como o rock, a psicodélica, a guitarra elétrica. As ideias tropicalistas acabaram impulsionando a modernização nos só da música, mas também da própria cultura nacional. (ZEMANOVÁ,2009 p.10).

O movimento embasava-se na estética e almejava que as manifestações

artísticas mudassem. No âmbito do musical, restauraram as letras das músicas e

incorporaram novas alusões do seu tempo. Os tropicalistas, quebraram paradigmas

no país, quando misturaram rock mais bossa nova, samba e bolero, logo, que na

visão tradicionalista da temporalidade tais combinações eram impensáveis.

Além da música, o movimento abarcou uma diversidade de manifestações

artísticas, entre elas, estão; o teatro, a literatura, as artes plásticas, poesia e o

cinema. No seio destas manifestações tropicalistas são perceptíveis fins políticos e

sociais, principalmente comportamentais, que encontraram eco em boa parte da

população que viva sob regime militar.

Conforme Napolitano (2001), a tropicália pode ser vista como contestação

a uma conjuntura das propostas de engajamento cultural, abalizada na cultura

“nacional-popular” e que cada vez mais era submergida pela indústria cultural e

34

isolada do contato direto com as massas, após o golpe militar de 1964, os gêneros

artísticos tinham como ponto de referência apenas a elite e as produções artísticas

buscavam atender, sobretudo, esse público alvo. Sendo assim, as massas estavam

vivendo a margem no que se alude à representação cultural, o movimento

tropicalista vem buscar contestar esses padrões. Aos tropicalistas inversamente aos

artistas nacionalistas de esquerda acreditavam que “entender a cultura de massa

tinha tanta importância quanto entender as massas revolucionárias”

(ZEMANOVÁ,20096,12).

Contrariamente à proposta da esquerda nacionalista, que atuava no

sentido da superação histórica do nosso absolutismo males de origem, sendo o

subdesenvolvimento e o conservadorismo, conforme Napolitano (2001), o

tropicalismo surgiu assumindo as características do país, suas relíquias.

Essa nova postura dos artistas por um lado se afastava da crença da superação histórica do arcaísmo (não só estéticos, mas sobretudo, socioeconômicos) base da cultura de esquerda [...] o artista, este princípio, seria um antropófago e ao deglutir elementos estéticos, diferentes entre si aumentaria sua força criativa (NAPOLITANO, 2001,p.65

Ainda de acordo com o mesmo autor, o estilo adotado pelos tropicalistas

causou estranheza por parte do público, pois o tropicalismo justapõe elementos

múltiplos e fragmentados na cultura brasileira, o movimento retoma o princípio de

antropofagia do poeta Oswald de Andrade.

O conceito “devorar” de Oswald de Andrade esteve presente no

movimento tropicália e foi essência para rediscutir a produção cultural e se torna um

procedimento seguido pelos próprios tropicalistas para a conquista da finalidade de

ser mais que apenas que um movimento musical, como afirma Veloso (1997)

A ideia do canibalismo cultural servia-nos aos tropicalistas como uma luva. Estávamos “comendo” os Beatles e Jimmy Hendrix. Nossas argumentações contra atitude defensiva dos nacionalistas encontravam aqui uma formulação sucinta exaustiva. Claro que passamos a aplicá-la com largueza e intensidade, mas não sem cuidado, e eu procurei, a cada passo, repensar os termos em que adotamos. Procurei também e procuro agora relê-la nos termos originais tendo em mente as obras em que ela foi concebida para defender, no contexto em que tal poesia e tal poética surgiram. Nunca perdemos de vista, nem eu nem Gil as diferenças entre as experiências modernistas dos anos 20 e nossos embates televisivos e foto mecânicos dos anos 60. (VELOSO,1997,p.248).

De acordo com Caetano Veloso (1997), os tropicalistas retomaram as

considerações de Oswald tendo em vista promover uma reinvindicação do cenário

35

cultural brasileiro, buscando a introdução de elementos distintos de outras matrizes

culturais, das raízes mais antigas as mais atuais.

O movimento foi reprimido pelo governo militar pelo decreto do Ato

Institucional n°5 (AI-5), em dezembro de 1968. Quando Caetano Veloso e Gilberto

Gil são presos e, depois, exilam-se na Inglaterra. Porém, a cultura brasileira estava

marcada por esta nova proposta que persiste até os dias atuais.

3.2 CANÇÃO TROPICALISTA

A ideia de Caetano Veloso e Gilberto Gil, os líderes do movimento

tropicalista, era a criação musical, permeada por uma sincronia e alinhamento

comuns. Para as músicas, eles canalizavam as ideias, mensagens, motivos e

intenções do movimento: a busca pelo novo de caráter estético e cultural. Isso se

confirma com Celso Favaretto (1996, p.17), que “o tropicalismo surgiu mais de uma

preocupação entusiasmada pela discussão do novo, do que propriamente como

movimento organizado”.

Assim, em declaração ao mesmo autor, Caetano Veloso (FAVARETTO, 1996, p.24) afirmava: “Eu e Gil estávamos fervilhando de novas ideias. Havíamos passado bom tempo tentando aprender a gramática da nova linguagem que usaríamos, e queríamos testar nossas ideias, junto ao público [...] Trabalhando noite adentro, juntamente com Torquato Neto, Gal, Rogério Duprat e outros. Ao mesmo tempo, mantínhamos contatos com artistas de outros campos, como Glauber Rocha, José Celso Martinez, Hélio Oiticica e Rubens Gerchman. Dessa mistura toda nasceu o tropicalismo e a tentativa de superar nosso desenvolvimento partindo exatamente do elemento “cafona” da nossa cultura, fundindo ao que houvesse de mais avançado industrialmente, como guitarras e as roupas de plásticos. Não posso negar o que já li, nem posso esquecer onde vivo”.

Embora não se revestisse revolucionária ou politicamente, a

multiplicidade de faceta do movimento não poderia ter como resultado o impacto

menor. Na realidade, mais do que um discurso engajado, a música era um canal

propício para a criação dos novos caminhos que buscavam Caetano Veloso e

Gilberto Gil.

Numa decomposição das músicas do movimento, buscava a estética que

se privilegiava do momento, na qual a Música Popular Brasileira se encontrava. Com

isso, essa foi colocada no mesmo nível do que vinha acontecendo no teatro, nas

artes plásticas e na literatura.

36

O caráter antropofágico foi feito pela mistura de elementos culturais local,

nacional e do exterior, com resultado desmistificador dos símbolos e ídolos do país.

Isso aparece, por exemplo, na canção Alegria, alegria. Nessa música há a

introdução da guitarra e sons elétricos, teve-se uma hostilidade contra os cantores,

como se estivesse em discussão à integridade Música Popular Brasileira. No caso

do disco manifesto foram abertas as possibilidades de experimentações vocais,

principalmente com Gal Costa (na época, Maria da Graça).

Diante desse cenário de música por que toda a estrutura de pensamento

e criação musical desenvolvia-se sob interferências tão marcantes, nesse sentido,

houve um estranhamento em, relação à estética e aos ouvidos daquela época. Isso

ocorreu, porque o público estava habituado à outra forma de harmonia e estrutura

poética.

4. UM GRANDE NOME DA MÚSICA BRASILEIRA

37

4.1 CAETANO VELOSO

Um dos mais importantes nomes do movimento tropicalista, Caetano

Veloso nasce no dia sete de agosto de 1942 na cidade de Santo Amaro da

Purificação no estado da Bahia. Em 1965 o músico, cantor, compositor e escritor

inseriu-se profissionalmente no meio musical, com o trabalho “Cavaleiro\ Samba em

Paz”, neste período, Caetano conheceu Gil, Gal e Tom Zé.

Em 1970, Caetano lança na Inglaterra seu primeiro disco concebido e

gravado no exílio, “Caetano Veloso”. No ano seguinte, Caetano volta ao Brasil, e

apresenta-se na TV Globo e TV Tupi. Nessa mesma década a canção “Alegria,

alegria” vira tema principal de uma novela da Rede Globo, da qual o nome foi tirado

de um de seus versos: “Sem Lenço Sem Documento”; verso que, por sua vez; foi

tirado do livro “As Palavras”, do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre.

No ano de 1981, lança seu novo álbum “Outras Palavras”. Que se torna o

mais vendido da carreira do artista, 100mil cópias, o que lhe garante o primeiro

Disco de Ouro. Sua carreira decolou, internacionalmente, no ano de 1988, fez shows

em Paris, Nova Iorque, Itália, inseriu-se, também, no cinema, nesta mesma época.

Alguns anos depois, é lançado o livro “Caetano – Esse Cara”, é publicado pela

Editora Revan, contendo depoimentos dados ao longo da carreira em várias

publicações, emissoras de rádio e de televisão. O desejo de comemorar os vinte e

seis anos de Tropicalismo e os trinta de amizade, reúne, novamente, Caetano e

Gilberto Gil, para a gravação de um novo disco. O trabalho começou a ser

preparado antes e marcou a retomada da parceria dos dois.

Nesta mesma época, houve o lançamento de “Tropicália 2”, de Caetano e

Gil. O disco mais esperado e comentado no Brasil. Entre os destaques, o hit “Haiti”,

rap social da dupla. Eles apresentaram o espetáculo no Rio de Janeiro.

Em 1995, o poeta, escritor e compositor, iniciou a escrita de um longo

livro de reminiscências, impressões, visões e opiniões sobre os anos 60. Dois anos

depois, foram lançados um livro e um disco. No início do mês, sai “Verdade Tropical”

da Companhia das Letras. O esperado livro de Caetano, em que ele abordava a

mais profunda e pessoal das visões acerca dos principais aspectos e

acontecimentos relacionados com o movimento tropicalista. Vale ressaltar que a

publicação é amplamente debatida nos principais centros intelectuais do país.

38

No ano seguinte, recebeu várias homenagens devido aos trinta anos da

Tropicália.

No ano de 2000, recebeu vários prêmios, se apresentou com diversos

artistas importantes, dentre eles Pavarotti. Passados três anos, recebeu o prêmio do

4º Grammy latino 2003, como melhor álbum de Música Popular Brasileira.

Atualmente, continua a cantar, a compor e dirige trilhas sonoras de filmes.

5. ANÁLISE DAS MÚSICAS

39

5.1 TROPICÁLIA

Conforme Celso Favaretto (1996, p.32) em Tropicália, Alegria, Alegria:

“Os tropicalistas realizaram a vinculação de texto e melodia, explorando o domínio

da entoação, o deslizar do corpo na linguagem, a materialidade do canto e da fala,

operados na conexão da língua e sua dicção, ligados ao infracódigo dos sons que

subjazem à manifestação expressiva’.

Na análise da músicaTropicália o que é ressaltado em “sobre a cabeça os

aviões, sob os meus pés os caminhões aponta contra os chapadões, meu nariz”, é

uma construção de sincronismos de tempos que se justapõem e formam um recorte

fotográfico. Isto é, as cenas descritas remetem a imagens de fragmentos obtidos

pela técnica cinematográfica. Há também, uma associação do particular para o

genérico, como por exemplo, falar em Brasília e Brasil, respectivamente. Ou

contrapor o arcaico e o moderno pela paródia do nacionalismo sentimental, como

aparece nessa parte da composição (FAVARETTO, 1996,p.64):

o monumento é de papel crepom e prata

os olhos verdes da mulata

a cabeleira esconde atrás

da verde mata

do luar do sertão

o monumento não tem porta

a entrada é uma rua antiga

estreita e torta

e no joelho uma criança

sorridente e morta

estende a mão

viva a mata-ta-ta

viva a mulata-ta-ta-ta-ta

Observam-se referências literárias: o Catulo da Paixão Cearense de Luar

do Sertão, os termos românticos estilizados “como olhos verdes e cabeleiras negras”

40

de José de Alencar e Gonsalves Dias. Na imagem o monumento é de “papel crepom

e prata” aparece a contraposição de materiais rígido e maleávele em “sorridente e

morta”, a tônica de choque dos antônimos. Também aparecem signos de

subdesenvolvimento dentro do desenvolvimento, por exemplo, em “ no pátio há uma

piscina , com água azul da amaralina, coqueiro brisa e fala nordestina, e faróis”. Os

elementos que indicam a natureza referem-se à nacionalidade, e os artificiais à

modernização burguesa. O caráter de carnavalização e desmistificação da política

direita é vista na manipulação dos códigos da natureza quando aparece na canção,

“na mão direita tem uma roseira, autenticando eterna primavera, e nos jardins os

urubus passeiam, a tarde inteira entre ao girassóis”. Em contraposição, dão sentido

figurado “no pulso esquerdo um bang-bang”, “acordes dissonantes” e “olhos grandes

sobre mim”. Na última estrofe, há um sentido de alívio das pressões políticas feitas

pelos meios de comunicação, quando aparece na letra da música: “o monumento é

bem moderno, não disse nada do modelo do meu terno, que tudo mais vá para o

inferno meu bem”.

Essa análise, caracterizada por Favaretto (1996, p.67) como

circularidade, sofre momentos que se alternam entre a tensão crítica e a inversão de

valores pela carnavalização de valores, quando se refere a “domingo é o fino da

bossa, segunda-feira está na fossa, terça-feira vai à roça, porém”.

Percebe-se, que embora não engajados em nenhum movimento político,

grupo revolucionário ou filosófico, o tropicalismo abordou a estética e o quadro

cultural, porque universalizou sua poética e o sentido de suas canções. Essa

condição pressupôs questionamentos acerca desse contexto. Com isso, o público

observou em sua ótica defensiva, que o tropicalismo subvertia essa estética poética

e sua dimensão musical como uma nova proposta.

Essa característica aparece representada na música Panis et circenses,

pela sua denúncia sutil aos costumes, convenções e futilidades do ambiente familiar

decadente. Caetano e Gil retratam a cômoda posição da família preocupada

somente, em nascer e morrer, enquanto o mundo muda, evolui e explode em crises.

Esse quadro é o de um grupo alienado da realidade, conservador e à revelia do

senso comum, que ao redor da mesa simboliza a família unida e feliz.

Essa inquietude marcante nos compositores Caetano Veloso e Gilberto

Gil produz obras que são dotadas de beleza poética, riqueza musical e criatividade

41

nos arranjos. Porém são pontuadas de humor cáustico, crítica à falsa moral,

provocativas, investigadoras e estimulantes.

Na música de Caetano, há intertextualidade (paródia), com a carta de

Pero Vaz Caminha no descobrimento do Brasil. Episódio que aconteceu por acaso,

o baterista Dirceu do RC7 (banda do Roberto Carlos), mesmo sem saber do que se

tratava a letra (que foi gravada depois da música). Ouviu apenas o arranjo de

percussão e os cantos de pássaros, fez uma brincadeira que foi gravada. Fato que

realça o estilo cubista, e vanguardista da música: “Quando Pero Vaz Caminha

descobriu que as terras brasileiras eram férteis, escreveu uma carta ao rei: tudo o

que nela se planta, cresce e floresce (e numa referência ao técnico de som Rogério

Caos) e o Caos na época gravou”!

Em seguida, Caetano entra com fala sobre a modernidade, velocidade e

liberdade. Estão, metaforicamente, relacionadas com “ os aviões e caminhões”, que

estes são meios de transporte rápidos da sociedade contemporânea. E com a

felicidade da chegada descreve sua vista da paisagem baiana. Mas o conjunto da

ideia pode entender-se que aeronaves e caminhões militares, levando em

consideração o contexto político histórico. Uma metáfora à opressão que cerca por

terra e céu, em oposição a perspectiva de futuro a sua frente, simbolizado pela

imagem da geografia bahiana.

A canção faz referência, também, ao filme “Viva Maria” estrelado por

Brigitte Bardot, película admirada por revolucionários de esquerda da época.

Também, não falta referência à África, “iá”, repetida várias vezes significa, mãe em

ioruba.

Esta canção quase recebeu o nome de “Mistura Fina”, porém Caetano se

deu conta de que a manifestação não era mais individual, e sim coletiva. Acontecia

um movimento de vanguarda na terra tupiniquim, em plena ditadura militar. Foram

acontecimentos memoráveis, que renovaram a linguagem, primando pela

construção, emoção e democracia artística.

Em última análise, ao “participar dos períodos mais criativos da

sociedade, os tropicalistas assumiram as contradições, sem escamotear as

ambiguidades implícitas em qualquer tomada de posição” (FAVARETTO, 1996,

p.22). Com isso, as características enunciadas neste estudo, cuja auto crítica

tornam-se evidentes, mostra que o tropicalismo serviu às práticas de construção de

musicalidade e estética daquela época.

42

5.2 ALEGRIA, ALEGRIA

Caetano Veloso ao compor “Alegria, Alegria” pretendia que a canção

fosse fácil, mas que tivesse como característica uma nova atitude na qual se

esperava inaugurar. Mesmo diante dos impasses enfrentados, devido às inovações

que “Alegria, alegria” trazia, a música acabou conquistando popularidade.

“Alegria, alegria”, mostra invenções do conteúdo das letras e na agregação da

guitarra elétrica. A letra é composta por fragmentos da realidade e as imagens

evocadas como elementos visuais – pelos crimes-espaçonaves-guerrilhas-Cardinalis

bonitas-bomba-Brigite Bardot remetem a uma ação cinematográfica e de caráter

ambíguo, porque sugere um descompromisso com a situação política da época,

observando em sem lenço, sem documento e eu quero seguir vivendo, e ao mesmo

tempo evidenciando fatos da realidade consumista, como eu tomo uma “coca-cola”.

Aparecem nas letras de suas canções, os elementos do discurso cinematográfico

como a justaposição de imagens e da linguagem concretista, como a enunciação

caótica como alguns dos traços mais observados.

Sobre Alegria, Alegria, Campos (1967,p.145) destacou: “Caetano não foi

o vencedor do festival. Mas venceu todos os preconceitos do publico, acabando com

a discriminação musical entre MPB e jovem guarda. Ainda sendo, com Domingo no

Parque, a mais original, acabou também como a mais popular das composições do

festival”.

A letra da canção era, totalmente, inovadora para a Música Popular

brasileira. Podemos realçar dois aspectos que estão contidos na letra de Caetano,

que são fundamentais para compreendermos as tendências do tropicalismo. O

primeiro aspecto destacado pela letra é a crítica aos intelectuais de esquerda:

“por entre fotos e nomes

sem livros e sem fuzil

no coração do Brasil”

De acordo com ZEMANOVÁ (2009), Caetano critica às grandes palavras

dos intelectuais, que não se tornaram reais. O segundo aspecto é a presença dos

meios de comunicação de massa:

43

“ela nem sabe, até pensei

em cantar na televisão”

Caetano busca enfatizar a efervescência cultural que estava incidindo no

Brasil a partir dos meios de comunicação de massa. Apesar do nome da música ser

“Alegria, Alegria”, muito de seus ouvinte denominou a de “Sem lenço, sem

documento”, logo abaixo, Caetano faz menção as possíveis causas deste fato ter

ocorrido e explica qual significado de alguns dos versos da música.

Não creio que isso se deva simplesmente ao fato de a expressão “alegria, alegria!” não constar da letra da música. É mais provável que a fenda de ironia que separa a canção de seu título tenha dissociado uma do outro na mente do ouvinte comum. De todo modo, “sem lenço sem documento” corresponde à ideia do jovem desgarrado que, mais do que a canção queria criticar, homenagear ou simplesmente apresentar, a plateia estava disposta a encontrar na canção. O verso que se segue à segunda aparição desse quase-título “Nada no bolso ou nas mãos” foi tirado diretamente da última página de “As palavras de Sartre”: numa brincadeira comigo mesmo, eu tinha enfiado uma linha do que para mim era o mais profundo dos livros numa canção de circunstância. A ambição que tinha me levado a compor tal canção, no entanto era grandiosa e profunda. (VELOSO, 1997, p.114).

Sendo produzida em um período histórico em que o governo ditatorial

adotava mecanismos para reforçar o poder em suas mãos, as pessoas não tinham

liberdade de escolha, de expressão, Caetano vem quebrar paradigmas com a

música “Alegria, alegria”, sugerindo a liberdade, o destemido nas entrelinhas da

canção.

“Alegria, alegria é carregada de ideologias e ideias que são contrárias as

normas estabelecidas, pois Caetano vem propor um caminho oposto, esta

recomendação de aversão, não pauta-se, apenas, na conduta das pessoas, mas

também, na forma de produção cultural. Já que, enquanto muitos artistas combatiam

a influência da música estrangeira na Música Popular Brasileira, o tropicalismo apoia

a evolução musical, adotando instrumentos musicais.

5.3 É PROIBIDO PROIBIR

A canção “É Proibido Proibir” pode ser vista como um poema

programático do Tropicalismo. O começo da audição, marcada pelo atonalismo

44

experimental, tem um clima sinistro como pesadelo, característica que bem define a

arte moderna da qual a composição faz parte. Mas nos acordes seguintes quando

Caetano começa a cantar, o andamento passa a ser outro: romântico e melódico fiel

ao verso: “A mãe da virgem diz que não”, apesar de um riff de guitarra distorcido

aqui e ali de fazer inveja as bandas de rock pesado de hoje.

E segue: “e o anúncio da televisão/estava escrito no portão”, mostrando

que o compositor baiano estava atento a influência da cultura de massa no cotidiano

da sociedade da época. O lazer do show anunciado pela TV atrai a moça virgem,

mas preocupa sua mãe. O poeta de Santo Amaro da Purificação pode estar fazendo

uma alusão à revolução sexual da pílula anticoncepcional. Ou seja, agora se pode

transar à vontade sem engravidar, o que impede a moça virgem de começar a

chegar tarde, arrumar emprego, e ter sua independência? Um assombro para as

mães repressoras da época.

Ainda na mesma estrofe, Caetano canta: “E além da porta/ há o porteiro,

sim!”. Permite várias leituras. Uma delas é a de que as proibições (as portas) não

existem sozinhas, não têm autonomia, há sempre um proibidor (um porteiro) por trás

delas. E assim cabe aos “barrados” identificar seus barradores, que podem,

inclusive, existir dentro de nós internalizados. Outra leitura poderia ser a de que a

Arte que, sempre, cantou o grandioso, o herói, também pode cantar o porteiro

humilde, que abre as portas para os magnatas passarem. Ou seja, a temática

moderna é outra: permite a voz ao sem voz, ao menor, ao sem valor, ao excluído, ao

porteiro que não chamamos pelo nome, mas pelo cargo. Assim, devemos atentar

que além do ônibus, há o motorista; da mesma forma que além do prédio, há o

pedreiro, como bem captou a poesia de João Cabral.

Em uma mesma estrofe, Caetano falou de várias coisas ao mesmo

tempo, sem nexos coesivos muito fortes e sem maiores explicações, bem ao sabor

da escrita moderna: descentrado, não-linear e caótica.

O refrão resume toda contradição da Modernidade em negar a tradição, o

estabelecido, o status quo: “Eu digo não” e depois negar a negação: “Eu digo não ao

não”, mostrando que a atitude moderna é negativa, destrutiva, confusa. Como bem

sentenciou o modernista Mário de Andrade: “Não sabemos o que queremos, só

sabemos o que não queremos”. E fecha com o famoso bordão de Maio francês: “É

proibido proibir!”, um genial paradoxo, quase oximoro, que manda a lógica pelos

ares, ao taxar a proibição da proibição. Em consonância com outros bordões do

45

movimento estudantil francês: “Sejamos realistas: exijamos o impossível!”, “Sou

marxista, tendência Groucho!”, “sob o calçamento a praia!”, o proibido proibir revela

um descontentamento que a juventude da época tinha com a racionalidade ocidental

e seus esquemas limitantes, presentes, inclusive, na esquerda ortodoxa. Uma

vontade irreverente e urgente de mudar o mundo não de cima para baixo nem da

esquerda para a direita, mas de todos os lados. Não só nos palanques ou no

parlamento, mas na sala de aula, na rua, em casa, na cama. Ou seja, não apenas

mudar o patrão ou o empregado, mas sua mãe, seu vizinho, seu cachorro, seu

papagaio, numa verdadeira revolução molecular no entender de Felix Guatarri.

Na estrofe seguinte, o lirismo amoroso é retomado: “Me dê um beijo meu

amor” e o arranjo volta a ser melódico, quase uma balada da Jovem Guarda. E

segue: “Eles estão nos esperando/ os automóveis ardem em chamas” desse modo,

em meio a militância mais aguerrida, enquanto os manifestantes esperam para jogar

seus coquetéis molotov nos carros da burguesia, uma pausa para o amor,

recarregar as baterias. E continua: “Derrubar as prateleiras/ as estantes/ as

estátuas/ as vidraças/ louças/ livros, sim!” Numa sanha iconoclasta que rompe com

toda ordem dos logos ocidental, todas as classificações, rotulações, ídolos. Destruir

tudo que é modelo (estátuas), tudo que é transparente, denotativo (vidraças), tudo o

que é raro (louças), tudo o que é documento (livros). Desse modo, começar tudo de

novo. Nessa passagem tanto se percebe os demolidores modernos: Nietzsche,

Bergson, quanto à fúria do futurista Marinetti que bradava pela destruição dos

museus e bibliotecas.

E antes de repetir o refrão Caetano recita um introspectivo fragmento do

perturbador Fernando Pessoa. Depois do refrão, o atonalismo retorna com barulhos

estranhos, sons de objetos quebrados, vozes, que remetem à música erudita

contemporânea, num ensurdecedor e furioso “grand finale”.

Como se pode observar, com a análise dessas três canções, Caetano

Veloso é um dos grandes representantes do Tropicalismo, justamente, por sua

capacidade crítica, mesmo que, às vezes, essa seja uma crítica velada ocasionada

pelo contexto histórico, haja vista que, como já ressaltado nesse trabalho, o país

estava em plena ditadura militar e, assim, em um momento de repressão e falta de

liberdade de expressão.

46

6. CONCLUSÃO

Os estudos concretizados no presente trabalho demonstram que o

Tropicalismo foi um marco na história da música popular brasileira, causador de

47

muita polêmica, para os defensores do purismo, para os intelectuais de esquerda e

para os militares que viam o movimento como subversivo.

Os meios de comunicação, sobretudo a televisão, que foi um dos

principais meios de atuação do Movimento Tropicalista, tiveram papel de veículo

propagador destas novas manifestações artísticas que romperam paradigmas e

modificaram a configuração cultural no Brasil.

Portanto, pode-se constatar que o Tropicalismo foi o movimento que teve

uma visão interdisciplinar na história da música brasileira, por ter permeado em

tantos campos diferentes e dialogado com diversas fontes artísticas.

Quase quarenta anos após o surgimento do tropicalismo, os efeitos do

próprio movimento são persistentes mais do que os próprios criadores e também

aqueles que só o consideravam como um assunto temporário podiam imaginar.

O objetivo deste trabalho foi esboçar a época do movimento tropicalista,

concentrando-se, principalmente, na atuação de Caetano Veloso, haja vista que ele

assumiu a posição principal entre os outros artistas, liderando todo o movimento.

O Movimento Tropicalista foi, sem dúvida, a época marcante da carreira

de Caetano Veloso e, além disso, um dos períodos mais relevantes para a evolução

da música. Naquela época, Caetano estava ainda no princípio da carreira, mas

conseguiu com sucesso dirigir o movimento tropicalista e instaurar assim uma nova

atitude na música popular brasileira.

Vale ressaltar, ainda, que o Movimento Tropicalista não possuiu como

objetivo principal utilizar a música como “arma” de combate político à ditadura militar

que vigorava no Brasil. Por este motivo, foi muito criticado por aqueles que

defendiam as músicas de protesto. Os tropicalistas acreditavam que a inovação

estética musical já era uma forma revolucionária.

Outra crítica que os tropicalistas receberam foi o uso de guitarras elétricas

em suas músicas. Muitos músicos tradicionais e nacionalistas acreditavam que esta

era uma forte influência da cultura pop-rock americana e que prejudicava a música

brasileira, denotando uma influência estrangeira não positiva, contudo esse

movimento foi muito importante no sentido em que serviu para modernizar a música

brasileira, incorporando e desenvolvendo novos padrões estéticos e, também,

inovou em possibilitar um sincretismo entre vários estilos musicais como, por

exemplo, rock, bossa nova, baião, samba, bolero, entre outros. As letras das suas

48

músicas, em especial as de Caetano Veloso, possuíam um tom poético, elaborando

críticas sociais e abordando temas do cotidiano de uma forma inovadora e criativa.

REFERÊNCIAS

BAIRON, Sérgio. Interdisciplinaridade: educação, história da cultura e hipermídia. São Paulo: Cultura, 2002.

49

BAKHTIN, Mikkail. A cultura popular na Idade Média e no renascimento: o contexto de François Rabelais.5.ed. São Paulo: Hucitec, 2002. BURKE, Peter. A cultura popular da Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. CALADO, Carlos. Tropicália: a história de uma revolução musical. São Paulo: Ed. 34, 1997. CAMPOS, Augusto de. Balanço e outras bossas. São Paulo: Perspectiva, 1993. FAVARETTO, Celso. Tropicália, alegria, alegria. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996. HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Cultura e participação dos anos 60. São Paulo: Brasiliense, 1992. GUIMARÃES, Ricardo J. R. Nos caminhos do sonho: grandes projetos e desenvolvimento industrial no Estado do Pará. In: XIMENES, Tereza (Org). Cenários da industrialização na Amazônia. Belém: NAEA/UFPA, 1995. p. 159-164. CORREA, Priscila Gomes. Crítica e a Tropicália. São Paulo: Contemporâneos, 2009. VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: utopia e massificação. São Paulo: Contexto, 2001. TOFFANO, Maria Jacira. Caetano Veloso e a tropicália: a releitura da antropofagia. Textos do Brasil: São Paulo, 2009. ZEMANOVÁ, Lenka. A vida e a obra de Caetano Veloso na época do tropicalismo. São Paulo: contemporâneos, 2009.

50

ANEXOS

ANEXO I

51

TROPICÁLIA (1967)-CAETANO VELOSO

Sobre a cabeça os aviões

sob os meus pés os caminhões aponta contra os chapadões

meu nariz

eu organizo o movimento

eu oriento carnaval

eu inauguro o monumento

no planalto central do país

viva a bossa-sa-sa

viva a palhoça-ça-ça-ça-ça

o monumento é de papel crepom e prata

os olhos verdes da mulata

a cabeleira esconde atrás

da verde mata

o luar do sertão

o monumento não tem porta

a entrada é uma rua antiga

estreita e torta

e no joelho uma criança

sorridente e morta

estende a mão

viva a mata-ta-ta

viva a mulata-ta-ta-ta-ta

no pátio há uma piscina

com água azul de amaralina

coqueiro brisa e fala nordestina

e faróis

na mão direita tem uma roseira

autenticando eterna primavera

e nos jardins os urubus passeiam a tarde inteira entre os girassóis

vivamaria-ia-ia

viva a Bahia-ia-ia-ia-ia

no pulso esquerdo um bang-bang

52

em suas veias corre

pouco sangue

mas seu coração balança a um

samba de tamborim

emite acordes dissonantes

pelos cinco mil alto-falantes

senhoras e senhores ele põe os

olhos grandes sobre mim

viva a Iracema-ma-ma

vivaIpanema-ma-ma-ma-ma

domingo é o fino da bossa

segunda-feira está na fossa

terça-feira vai à roça porém

o monumento é bem moderno

não disse nada do modelo

do meu terno

que tudo mais vá pro inferno

meu bem

que tudo mais vá pro inferno

meu bem

viva a banda-da-da

Carmen Miranda-da-da-da-da.

ANEXO II

53

ALEGRIA, ALEGRIA (1967)-CAETANO VELOSO

Caminhando contra o vento

sem lenço sem documento

no sol de quase dezembro

eu vou

o sol se reparte em crimes

espaçonaves guerrilhas

emcardinales bonitas

eu vou

em caras de presidentes

em grandes beijos de amor

e, dentes pernas bandeiras

bomba Brigitte Bardot

o sol nas bancas de revista

me enche de alegria e preguiça

quem lê tanta notícia

eu vou

por entre fotos e nomes

os olhos cheios de cores

o peito cheio de amores

vãos eu vou

porque não? Por que não?

ela pensa em casamento

e eu nunca mais fui à escola

sem lenço sem documento

eu vou

eu tomo uma coca-cola

ela pensa em casamento

uma canção me consola

eu vou

por entre fotos e nomes

sem livros e sem fuzil

54

sem fome sem telefone

no coração do Brasil

ela nem sabe até pensei

em cantar na televisão

o sol é tão bonito

eu vou

sem lenço sem documento

nada no bolso ou nas mãos

eu quero seguir vivendo amor

eu vou

por que não? Por que não?

ANEXO III

55

É PROIBIDO PROIBIR (1968) - CAETANO VELOSO

A mãe da virgem diz que não

e o anúncio da televisão

e estava escrito no portão

e o maestro ergueu o dedo

e além da porta

há o porteiro, sim...

e eu digo não

e eu digo não ao não

eu digo: É!

proibido proibir

é proibido proibir

é proibido proibir

é proibido proibir...

me dê um beijo meu amor

eles estão nos esperando

os automóveis ardem em chamas

derrubar as prateleiras

as estantes, as estátuas

as vidraças, louças

livros, sim...

cai no areal na hora adversa que Deus concede aos seus

para o intervalo em que esteja a alma imersa em sonhos

que são Deus.

que importa o areal, a morte, a desventura, se com Deus

me guardei

é o que me sonhei, que eterno dura e esse que regressarei.

e eu digo sim

e eu digo não ao não

e eu digo: É!

56

proibido proibir

é proibido proibir

é proibido proibir

é proibido proibir

é proibido proibir...

me dê um beijo meu amor

eles estão nos esperando

os automóveis ardem em chamas

derrubar as prateleiras

as estátuas, as estantes

as vidraças, louças

livros, sim...

e eu digo sim

e eu digo não ao não

e eu digo: É!

proibido proibir

é proibido proibir

é proibido proibir

é proibido proibir

é proibido proibir...