fenÕmenos de materializaÇÃo manuel quintÃo

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______________________________________________________________________________________ 1 LIGA DE PESQUISADORES DO ESPIRITISMO _______________________________________________________________ ACERVO DE BIBLIOTECA VIRTUAL http://www.lihpe.net/artigos/index.html . FENÔMENOS DE MATERIALIZAÇÃO 1 M. Quintão (Conferência realizada na Federação Espírita Brasileira, em 21 de abril de 1921, sobre as observações feitas no Pará em três sessões da Exma. Sra. D. Anna Prado). Aos esposos Prado, Em testemunho de Verdade e reconhecimento. O autor. Meus irmãos em crença, irmãos meus em humanidade: como crentes por vos confortardes ou curiosos sinceros por vos edificardes, a todos indistinta e fraternalmente eu saúdo e agradeço a comparência a esta assembléia. Antes de entrar no assunto que aqui nos congrega, permiti que, dentro da doutrina que professamos e nos felicita senão a todos, a muitos dentre nós façamos ligeira referência à data de hoje, em que a sociedade civil comemora e escrita está nos fastos da pátria história - a conjuração mineira, que teve por epílogo a execução de Silva Xavier - o ―Tiradentes‖. Porque o espírita, meus senhores e minhas senhoras, não é, como a muita gente ainda se afigura, um ser indiferente e alheio aos antecedentes e conseqüentes da sociedade que o cerca, no plano material, e só preocupado com abstrações e presumidas hipóteses da sua vida futura. Bem ao contrário, na comprovação da imortalidade, na certeza dos seus eternos destinos, ele melhor compreende, nas solidárias etapas, a justeza da lei de causa e efeito, que prevalece para os indivíduos como para as coletividades. Assim, pois, o espírita se interessa logicamente pelos acontecimentos do seu tempo e neles pode e deve intervir de modo benéfico, concorrendo dentro da lei maior de amor e justiça de moral e trabalho para o progresso da família como da sociedade, da pátria como da humanidade. 1 [Fenômenos de materialização, M. Quintão, Edição: Livraria da Federação Espírita Brasileira, Avenida Passos, 28, Rio de Janeiro Brasil, 1921, pp. 46].

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É um estudo do fenômeno de materialização muito oportuno pois é cada vez mais rara essa faculdade mediúnica.

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LIGA DE PESQUISADORES DO ESPIRITISMO _______________________________________________________________

ACERVO DE BIBLIOTECA VIRTUAL

http://www.lihpe.net/artigos/index.html.

FENÔMENOS DE MATERIALIZAÇÃO1

M. Quintão

(Conferência realizada na Federação Espírita

Brasileira, em 21 de abril de 1921, sobre as observações

feitas no Pará em três sessões da Exma. Sra. D. Anna

Prado).

Aos esposos Prado,

Em testemunho de

Verdade e reconhecimento.

O autor.

Meus irmãos em crença, irmãos meus em humanidade: como crentes por vos

confortardes ou curiosos sinceros por vos edificardes, a todos indistinta e fraternalmente eu

saúdo e agradeço a comparência a esta assembléia.

Antes de entrar no assunto que aqui nos congrega, permiti que, dentro da doutrina

que professamos e nos felicita – senão a todos, a muitos dentre nós – façamos ligeira

referência à data de hoje, em que a sociedade civil comemora e escrita está nos fastos da

pátria história - a conjuração mineira, que teve por epílogo a execução de Silva Xavier - o

―Tiradentes‖.

Porque o espírita, meus senhores e minhas senhoras, não é, como a muita gente

ainda se afigura, um ser indiferente e alheio aos antecedentes e conseqüentes da sociedade

que o cerca, no plano material, e só preocupado com abstrações e presumidas hipóteses da

sua vida futura.

Bem ao contrário, na comprovação da imortalidade, na certeza dos seus eternos

destinos, ele melhor compreende, nas solidárias etapas, a justeza da lei de causa e efeito,

que prevalece para os indivíduos como para as coletividades. Assim, pois, o espírita se

interessa logicamente pelos acontecimentos do seu tempo e neles pode e deve intervir de

modo benéfico, concorrendo dentro da lei maior de amor e justiça de moral e trabalho para

o progresso da família como da sociedade, da pátria como da humanidade.

1 [Fenômenos de materialização, M. Quintão, Edição: Livraria da Federação Espírita Brasileira, Avenida

Passos, 28, Rio de Janeiro – Brasil, 1921, pp. 46].

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E se a pátria representa um conjunto de espíritos afins conjugados à prova para ferir

determinadas notas no concerto da evolução planetária, esta sob a égide da divina

providência, é claro que ao espiritista incumbe estudar, meditar e colaborar na história de

sua pátria.

Mas, senhores, do ponto de vista das teorias materialistas, niilistas, negativistas,

quem foi e que poderia ter sido o chamado protomártir da Independência? Que valor se

poderia atribuir ao seu ideal?

Uma maquina animada! Um ―complexo‖ de células e tecidos, química e casual quão

efêmeramente condensado para viver um minuto, para lampejar um momento no

tumultuoso, inexpressivo cenário do mundo e...oh! irrisão - desaparecer para sempre!

E o móvel, o ideal desse martírio hoje comemorado e glorificado, que valor pode ter

à face dessas doutrinas, que lidam por fazer do homem, da criatura inteligente uma simples

expressão de forças, aliás, desconhecidas quão arbitrárias?

Viver na saudade, na memória dos pósteros... Parca, mesquinha, ridícula

compensação para quem saiba que a morte é o fim inelutável de tudo. Glória, renome,

ideal, afeições, trabalho, martírio, tudo igual a nada!

Confessemos, senhores, que no mundo em que vivemos não são, não podem ser

essas as doutrinas que criam santos e sagram heróis.

Não é com elas e por elas, ao menos com lógica, que a humanidade se tem afirmado

progressiva, no transcurso da sua história.

Demais, a característica do nosso estágio planetário, mau grado a todas as

aparências de liberdade, é o egoísmo. É por ele - e aqui se exalça a onisciência divina —

que, instrumentos da Providência, não conseguindo iludir, os seus desígnios, antes neles

colaborando, engendramos a dor, a dor que engendra o aperfeiçoamento.

Em suma: o materialismo só pode ser negativo, estéril, aniquilador de todos os

surtos de sacrifício e bondade, de todos os ideais de progresso, porque o indivíduo não tem

por horizonte mais que os limites de uma cova.

Foi certo, esse materialismo que fez a Jean Finot2 dizer ―que de todos os cimos do

pensamento francês se desprendem a tristeza e a desolação‖.

Nem outra é a filosofia que levava Schopenhauer a traduzir assim a existência: —

―trabalhar e sofrer para viver; viver para trabalhar e sofrer‖.

Vejamos, agora, o problema por outro prisma...

Sabeis, os que estudais o Espiritismo, que há uma comunicação de Napoleão3 na

qual o grande guerreiro por justificar a sua ação destruidora, diz que baixou como escolhido

do Senhor, flagelo da humanidade recalcitrante e tarda, sim, mas também a concorrer para

o seu progresso, visto como, onde quer que os soldados fincassem o coto de sua lança ali

plantavam, também, uma semente da Liberdade.

2 Progrés et Bonheur [Editora Félix Alcan, Paris, 1914. Subtítulo: philosophie, morale et science du progres et

du bonheur. Jean Finot, nascido Finkelstein, é escritor polonês (Varsóvia - 1856-1922). Nota do Revisor:

Todas as informações entre colchetes [ ] , nas notas de rodapé, são de Jorge Damas Martins]. 3 Do Paiz da Luz, vol 1º [p. 83, 6ª edição FEB, 1984, Brasília DF]

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E quando o médium, depois de uma pausa maior, lhe pergunta: ―Ainda estás aí,

espírito eleito?‖ Napoleão responde: Eleito, não escolhido... E prossegue: Eleito, um só, O

Cristo, filho de Deus, a quem a missão foi dada em um sorriso; escolhidos muitos:

Alexandre, Cezar, Aníbal ou eu, a quem as tarefas foram dadas em uma ordem.‖. E

rematava: ‖Compreendes a diferença?‖.

Compreendemo-la nós pela Revelação Espírita, que elucida a genealogia espiritual

de N.S.Jesus Cristo4.

De resto, já o previstes, Napoleão, general, citou generais missionários, baixados

providencialmente à terra; mas não é só para brandir uma espada, levando massas à

chacina, que baixam os missionários.

Eles baixam para impulsionar todas as atividades regeneradoras, para colaborar em

todos os passos do progresso humano, porque essa é a grande lei da reencarnação, das vidas

sucessivas e, num sentido mais lato, da solidariedade universal.

Vejamos, pois os espíritas, na personalidade histórica de Silva Xavier, um espírito

que veio prestar o seu concurso oportuno à evolução do nosso povo.

Ter-se-ia propiciado em resgate de faltas anteriores? Não importa sabê-lo por agora.

Ter-se-ia oferecido voluntariamente por escalar mais altas esferas da espiritualidade? De

qualquer forma, onde quer que paire o seu espírito, pois que o espírito, a mônada original é

eterna e consciente - esta a tese que nos propomos, embora pobremente, aqui sustentar -

onde quer que paire o seu espírito, repetimos, tenha ele da família espírita aqui reunida um

pensamento de paz e fraternidade, dessa paz e fraternidade, meus senhores, que não cabem

dentro das convenções sociais de calendários, mas que vibram em acordes divinos e atraem

bênçãos de todo o universo.

Isto posto, permiti que abordemos o tema da nossa palestra:

***

No desempenho deste dever de consciência e com serenidade que deve caracterizar

os escravos da Verdade, diremos com o ilustre historiador Eugène Bonnemère5: Eu também

me ri dos fenômenos espíritas, eu também desdenhei o Espiritismo, mas o riso que eu

supunha de Voltaire era o riso do idiota, muito mais vulgar do que aquele outro.

Apóstrofe? Mas, senhores, não é nossa, é de um profundo pensador. Na sua esteira e

de outros tantos sábios e filósofos eminentes, fomos candidato ao conhecimento do

Espiritismo, há mais de vinte anos, e de sua realidade nos convencemos, não por um desses

fatos concretos de que vamos aqui tratar, mas por uma prova indireta que, para nós, bem

4 [Aqui, Revelação Espírita, é uma referência a obra O Quatro Evangelhos, de Jean Baptista Roustaing, 5ª

edição FEB, 1971, Rio de Janeiro-RJ, 1º Tomo, pp. 281-336, onde é abordado o tema: Genealogia de Jesus

(aos olhos do homens), onde se dá as explicações, em espírito e verdade, dos textos evangélicos de Mateus,

Cap. I, v. 1-17. Lucas, Cap. III, v. 23-38]. 5 [Jeseph-Eugène Bonnemère (1813-1893). Ver Os Pioneiros de Espiritismo, de J. Malgras, DPL Editora, São

Paulo, 2002, p. 51. A frase citada de Bonnemère se encontra na Revue Spirite, Paris, 23º ano, Nº 4, abril de

1880, p. 133].

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jovem naquela época, já valia mais e mais eloqüentemente falava que todos os fatos

concretos.

Porque, senhores, mercê de Deus (sem ufania o dizemos) somos daqueles que,

meditando o Evangelho, compreendem o espírito desta passagem: — Tu viste, Tomé, e

creste; felizes dos que não viram e creram6.

Sim, porque verdade é que a crença não se improvisa. Bem examinada, ela não é,

tão pouco, resultante da educação ou do meio, embora não deixe de lhe sofrer as

influências. E a prova aqui está, somos nós mesmos, os que aqui acorremos emigrados de

outros credos.

A crença é, sim, patrimônio substancial do Espírito; mas não se forma, nem se

consolida, nem se dilata arbitrária, tumultuariamente, no transcurso de uma existência

singular, fugacíssima ao embate de paixões e vicissitudes só por só humanas. A crença é

dádiva da Suprema Inteligência que a criatura conserva, desenvolve, acumula em etapas

sucessivas no mundo real da espiritualidade sem fronteiras, porque infinito como o próprio

Deus.

Daí o não crer quem quer, mas quem pode. Daí os matizes policromos das crenças

religiosas, que correspondem, à luz de superior critério e no dizer dos espíritos elevados, ao

nível moral e intelectual das épocas em que abrolham para a Terra.

Consenti vos falemos de nós, relatando a nossa conversão ao Espiritismo ainda

porque este fato tem aplicação de atualidade, precisa ser divulgado neste momento em que,

para os corifeus da ciência oficializada, parece constituir crime o procurar aliviar ou levar

por meios não oficiais a cura aos enfermos.

Ignora essa gente, no seu misoneísmo clássico, o que diz o Dr. Gustavo Geley da

mediunidade curadora...7

―La mediumnité curative mérite d’être sérieusemente étudiée. Certains sujets

semblent capables d’extérioriser partie de leur propre dynamisme vital pour reforcer le

dynamisme vital défaillant de malades. De là des cures surprenantes et qui dépassent même

peut-être, le cadre des maladies nerveuses‖8.

E ultrapassam. Nós - afirmamo-lo à fé do nosso passado e desafiando a todos os

teoristas que nos desmintam - nós fomos desenganados da medicina oficial, dessa ciência

que presume curar e cura, mas que também pode matar sem peias nem responsabilidades

definidas.

Admirador incondicional, então, dessa ciência orgulhosa e céptica, corrosiva das

melhores energias d’alma, depois desse desengano cruel, em plena floração de mocidade

6 João, Cap..XX, v 29 [Será que os que não viram e creram possuem uma fé sem sustentação? Kardec, cheio

de bom-senso, refuta: ―Não; é exatamente o contrário: ... não viram, mas compreendem; e somente

compreendem porque raciocinaram‖. Ver Revista Espírita, julho de 1859, FEB, Brasília-DF, 1ª Ed. 2004, p.

259]. 7 Do Inconsciente ao Consciente, pág. 261 [Gustave Geley (1868-1924), médico e pesquisador francês].

8 [―A mediunidade curativa merece ser estudada seriamente. Certos indivíduos parecem capazes de

exteriorizar parte de seu próprio dinamismo vital para reforçar o dinamismo vital sem energia de enfermos.

Daí as curas surpreendentes e que, talvez até, ultrapassem o quadro das doenças nervosas‖. Tradução: José

Antonio Carvalho].

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aberta a todas as esperanças da vida, não encontramos, nem poderíamos encontrar, mais

que uma solução lógica e digna - o suicídio, o aniquilamento absoluto, o nada enfim.

À mesma conclusão chegou Schopenhauer, por tudo atribuir à vontade. Era a

vontade que criava a representação; era a representação que criava o mundo: portanto,

aniquilamento da vontade, finalidade do mundo.

Mas, dizíamos, estávamos na iminência de cometer o maior dos crimes perante

Deus e perante nós mesmo. Agora de sobra o sabemos. Eis senão quando encontramos um

amigo (Antonio Gabriel Ferreira, hoje na espiritualidade) que compadecido da nossa ruína

orgânica nos aconselhou recorrêssemos a um médium...

Um médium?! Era o espanto e era o riso do idiota de que fala Bonnemère, e não

trepidamos em tachar de tal o portador ocasional da esmola divina, que haveria de trazer-

nos a salvação relativa do corpo e a cura definitiva da alma.

Sem embargo do conceito estulto, quem sofre sofre e a dor ainda é o melhor

patrimônio do espírito, neste planeta de reparação.

Diderot9 já dizia: ―Só vivemos entre dores e lágrimas‖, Mas Diderot não apreendia,

certos, os benefícios dessa dor que pule, faceta, burila a inteligência; que molga quebranta,

aniquila o orgulho e prepara a criatura para a compreensão dos seus destinos superiores.

Foi assim que, tangido pela dor, procuramos o Dr. Dias da Cruz10

(este ainda entre

nós), porque ouvíramos dizer que era espírita. E monologávamos: se nos não curar como

espírita, poderá fazê-lo como médico homeopata, posto que já houvéssemos também

recorrido ao grande Joaquim Murtinho11

. Grande médico, porque grande médium intuitivo,

de que derivava aquela precisão de diagnósticos.

Ao consultório de Dias da Cruz chegamos na impetuosidade do desespero, qual

náufrago que tenta a última tábua de salvação e lhe dissemos:

- Doutor, não sei o que tenho. Não quero exame, nem diagnóstico, que os tenho e

muitos - cada cabeça, cada sentença... O que quero é tratar-me pelo Espiritismo.

Austero, mas bondoso, o facultativo sorriu iluminadamente e respondeu:

- Meu amigo, sou médico e espírita, trato pela medicina e creio em Deus; mas, uma

vez que se quer tratar pelo Espiritismo, o que lhe cumpre é recorrer a um médium idôneo.

- Mas o senhor me fala grego: Que vem a ser ―médium‖?

- Um homem que tem a faculdade de receber as receitas dos Espíritos.

E nos indicou, então, desinteressadamente aquele benemérito e saudoso

companheiro, que também respondeu a processo da Saúde Pública - o caridoso, o modesto,

o abnegado ser que entre os homens se chamou Domingos de Barros Lima Filgueiras12

.

9 [Denis Diderot (1713-1784), filósofo e escritor francês].

10 [Francisco Menezes Dias da Cruz (1853-1937), vice-presidente da FEB na 1ª gestão de Bezerra de

Menezes, veio a substituí-lo na presidência de 1890 a 1895. Ver Grandes Espíritas do Brasil, Zêus Wantuil,

FEB, 4ª edição, 1/2002, Brasília-DF, pp. 289-294]. 11

[Joaquim Duarte Murtinho (1848-1911), político brasileiro, engenheiro civil, formou-se em medicina e

especializou-se em homeopatia e foi também professor. Ver mensagem mediúnica no livro Seareiros de

Volta, Waldo Vieira, FEB, 3ª edição, 1976, pp. 116-7]. 12

[Natural do Rio de Janeiro (1846-1906). Ver Grandes Espíritas do Brasil, pp. 297-314].

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Fomos procurá-lo a rua Álvaro nº. 6, levando-lhe o nosso papelucho (uma dessas tiras que

tanto incomodam o academicismo oficial).

Recordemos: Filgueiras habitava mais que modesta vivenda. À frente, um terreno

raro pontilhado de raros arbustos. Nesse terreno, ao cair do crepúsculo, premiam-se 20 ou

30 pessoas humildes, gente do povo, os coxos e estropiados do Evangelho seriam...

Eram os consulentes do taumaturgo e nós (oh! vergonha das vergonhas) colgados à

nossa cegueira moral, roídos da gafeira d’alma, que é o cepticismo, ao vermos aquele

punhado de criaturas, rotas umas, descalçadas outras, grandes, porém, todas na sua fé,

monologamos pedante:

- E é isto o Espiritismo! Triste coisa, a bruxaria...

Enfim, ali estávamos. Demos o nosso papelucho. Filguerias não aparecia aos

consulentes. Tinha dois filhos que se encarregavam de arrecadar as receitas e distribuí-las

com os medicamentos, porque também os dava a quem pedia.

Após meia hora de duvidosa expectação, ouvimos gritarem nosso nome e

recolhemos o papelucho, confessemos, envergonhados de ali nos encontrar naquela patuléa.

Mas, oh surpresa! (e vede como é grande tudo isso) é possível que às outras

inteligências e a outros corações estas coisas não abalem, mas a nós falaram

definitivamente:

Fosse o diagnóstico dos males de que sofríamos, fosse a indicação da data da

infecção que nos originara, ficamos assombrados. Todos os nossos castelos filosóficos,

todas as nossas teorias monísticas ruíram fragorosamente! Como poderia aquele homem

que não nos viu, que não nos conheceu, saber os antecedentes, precisar detalhes da nossa

vida?

Excogitamos o mistério e acabamos por concluir que devíamos conhecer esse super

homem, cujas virtudes miríficas cresciam na proporção das melhoras que

experimentávamos com as suas agüinhas13

.

Calculai, agora, o dobrado espanto quando, logrando aproximarmo-nos desse

homem, em vez de um doutor, encontramos um simples, em vez de um sábio, um bom, mas

dessa bondade que transluz e edifica, porque é essência de fé, não simulacro de fé.

E quando pretendíamos relatar-lhe a odisséia da nossa terapêutica falida,

enaltecendo-lhe os méritos de apóstolo, respondia:

- Não; está enganado, eu nada sou, nada sei, nada valho; agradeça a Deus a sua

cura...

Senhores! hoje, o tuberculoso, o cardíaco, o hepático, o sifílítico, o condenado a

vinte e tantos anos está diante de vós, para afirmar a veracidade deste fato e de muitos

outros que hão de, malgrado a filáucia, as presunções escolásticas, aos interesses

contrariados, fazer a felicidade do homem na Terra.

Temos de falar de fenômenos que vimos, ouvimos e palpamos; mas fenômenos que

aberram, por transcendentes e invulgares, de todas as teorias clássicas e correntes.

13

[Palavra depreciativa para medicamento homeopático administrado em gotas].

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Vejamos: Para a ciência oficial, o homem, biológica, anatômica e filosoficamente

considerado, não passa de um complexo celular, de uma trama de moléculas animadas e a

expressão mais alta da sua existência, o que nós chamamos faculdades da alma —

memória, discernimento, vontade, etc. - é simplesmente a soma, a totalidade de consciência

dos neurônios.

É isso o que afirma, não um ―louco‖ como nós, mas um sábio de tomo, qual Le

Dantec14

. E porque a nós não nos sobra autoridade científica para confutá-lo valha-nos a

opinião de sábios por sábios.

Lê Dantec conjetura, Geley experimenta; este, na sua obra já citada, após relatar

diversos casos de trepanação e ablação parcial do cérebro, assim conclui:

―Donc, les hypothèses matérialistes, qui faisaient de la pensée une sécrétion du

cerveau et voulaient assigner des centres aux facultés mentales, sont erronées: — ―Il n’y a

pas des centres spécieux présidant l’un à l’abstraction, l’autre aux émotions, un troisième à

la memoire, un autre à l’imagination. [un trosième à la memorie; un autre à l’imagination

repetido] Cette mythologie cérébrale est abandonée; notre activité spirituelle n’obéit pas à

des divinités locales, érigées par des savants crédules dans les différents coins de leurs

schémas cérébraux!‖.15

Mas, na verdade, e sem recorrer a grandes acrobacias mentais, o que nós

concebemos e os materialistas não explicam é como simples movimentos celulares se

transformam em pensamentos e sentimentos.

Outra coisa que, de boa fé, escapa ao raciocínio lógico é o fato de poder a simples

célula geratriz produzir a diferenciação dos tecidos, cartilagens, músculos, ossos, nervos,

vísceras e mais: a morfologia orgânica, a conjuração dos órgãos em molde específico e a

unidade de funções, como se tudo se passasse visando um fim inteligente - a vida! A vida!

E que é a vida?

O Dr. Ferraz de Macedo, médico português ilustre, ao falar da vida pós-mortem16

diz: Nunca me lembrei de que, ao analisar anatomicamente um corpo morto, lhe não podia

descobrir a vida, porque ela o tinha abandonado.

E linhas abaixo, referindo-se ao corpo abandonado à terra: - Porque parou de

trabalhar, quando continuava a ter tudo que o fazia trabalhar até então?

São problemas de alta filosofia, estes, que se não podem tratar minuciosamente nos

limites de uma palestra, nem nos sobra, repetimos, maior autoridade para fazê-lo.

14

[Félix Le Dantec (1869-1917), biologista francês]. 15

[―Portanto, as hipóteses materialistas, que faziam do pensamento uma secreção do cérebro e queriam fixar

os centros às faculdades mentais, estão erradas: — ―Não há centros especiais presidindo um à abstração, outro

às emoções, um terceiro à memória, um outro à imaginação. Essa mitologia cerebral está abandonada; nossa

atividade espiritual não obedece às divindades locais erigidas pelos sábios crédulos nos diferentes cantos de

seus esquemas cerebrais!‖. Tradução: José Antonio Carvalho].

16

Do Paiz da Luz – v.II [Francisco Ferraz Macedo, pp. 74-77, edição FEB]

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Montesquieu17

, citado por Gibier18

dizia que, preferível a esgotar um assunto, era dizer dele

o suficiente para fazer pensar.

Acolhendo o conceito e por vos não molestar com muitas citações clássicas

contrárias ao materialismo, nós vos inculcamos a obra em que o Dr. Geley, com o método

de um sábio verdadeiro, reuniu todas as teorias correntes, provando com fatos da própria

ciência que a maior parte delas não passa de mero verbalismo convencional.

Assim, por exemplo, em testando a teoria da evolução, afirma e demonstra que ela

não pode recusar, antes só pressupõe a existência de um dínamo-psiquismo superior, que

condiciona os organismos e que a eles preexiste e subsiste.

Um fato só, ilustrativo do assunto - a histólise do inseto - é de molde a infirmar os

fatores clássicos da Embriologia, para justificar a evolução específica.

Há, diz Geley, um hinóptero que, saindo da terra, precisa, para garantir a espécie,

depositar o óvulo em certa lagarta. A imobilidade da lagarta é, porém, condição

indispensável ao desenvolvimento do gérmem e, então, o que se dá é o seguinte: o

hinóptero ataca a lagarta de maneira duplamente inteligente, isto é, dosando o seu veneno

―quantum satis‖ para não matar o inimigo e ferindo-o precisa, matematicamente nos centros

nervosos da locomoção.

Ora, comenta o ilustre cientista, esse inseto saiu da terra, seus antepassados não

existiram para ele, nem tempo teve de lobrigar um coetâneo de sua espécie... Como explicar

esse instinto original, se a função de espécie fosse, como querem os partidários de Darwin19

e Lammark20

, decorrente da adaptação, da experiência, da amplificação hereditária?

Mas senhores, não é a própria ciência que nos afirma que o ―complexo celular‖, que

o nosso corpo, como o dos animais e as próprias plantas são cadinhos em constante

transformação?

Por uma tal afirmativa, a só estrutura específica, anatômica, tanto quanto a eurritmia

psicológica, assume proporções de enigma indecifrável.

E se quiséssemos à luz de semelhantes postulados encarar a identidade moral do

ego, esse quid que afirma que existimos porque pensamos, sentimos, queremos, amamos?

Entretanto, meus senhores, fato é que, de todos os tempos, em todas as teogonias, na

tradição religiosa e mesmo profana de todos os povos, vamos encontrar assinalados os

fenômenos anímicos, os da manifestação das almas, hoje controlados pela ciência, mau

grado o misoneísmo da própria ciência que ora nega a priori, ora afirma com ―camouflage‖

como aconteceu com o magnetismo, travestido em hipnotismo21

e está sucedendo com o

17

[Charles-Louis de Secondat, ou simplesmente Charles de Montesquieu, senhor de La Brède, próximo a

Bordeaux (1689-1755), político, filósofo e escritor françês]. 18

Analyse des Choses – cap.II, pág. 22 [Analise das Coisas, 4ª Edição FEB, 1981, Rio de Janeiro-RJ, p. 79,

nota de rodapé (1) do livro de Paul Gibier (1851-1900), cientista francês]. 19

[Charles Darwin (1809-1882), renomado cientista inglês, autor da teoria da evolução das espécies] 20

[Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck (1744-1829), naturalista francês que

desenvolveu a teoria dos caracteres adquiridos]. 21

[Do magnetismo travestido de hipnotismo, sugiro o texto de Allan Kardec: O Magnetismo Perante a

Academia, Revista Espírita, Janeiro de 1860, pp. 21-29, edição FEB].

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Espiritismo mascarado de alucinação, metapsiquismo, histerismo, dinamismo,

subconsciente, etc.

Ah! o misoneísmo da ciência vale bem pelo dogmatismo das religiões.

Foi ele, foi esse misoneísmo que fez o grande Arago22

dizer que nunca se chegaria a

conhecer a composição química dos astros. Mas a espectrometria desmentiu Arago...

Foi ele, que levou o grande Lavoisier23

a dizer: ―Como hão de cair pedras do céu, se

no céu não há pedras?‖ E a astro-física desmentiu Lavoisier.

Foi ele, ainda que levou Boileau24

a insultar o representante de Edison25

chamando-

o ventríloquo impostor, diante do fonógrafo.

Foi ele, e sempre ele, que lançou o ridículo sobre o grande Galvani26

, despercebido

que da rã bailarina se originaria uma das maiores conquistas do século - a aplicação da

eletricidade, também desconhecida em sua essência.

E o outro? O farisaísmo, irmão siamês daquele, hoje seu êmulo senão mentor na

guerra ao que lhe escapa da rotina interesseira e regalista?

Envenenou Sócrates27

...

Crucificou Jesus ...

Queimou Joanna d’Arc28

...

Encarcerou Galileu29

...

Matou Coligny30

...

Calcinou João Huss31

...

Excomungou Allan Kardec32

...

Mas, senhores, seria um libelo interminável. Respigai as páginas da História e vereis

quanto se há feito em nome da Religião e da Ciência, substancialmente separadas nos seus

princípios, quando uma afirma e outra nega Deus, mas virtualmente conjugadas e até

reciprocamente enamoradas, quando atingidas no que julgam seus privilégios, como se a

inteligência e a razão fossem delas patrimônio exclusivo!

Vejamos agora como essa mesma ciência exclusivista inquinada de presunção e

orgulho procura, nas malhas da própria inanidade, desobrigar-se do problema que se criou e

22

[François Jean Dominique Arago (1786-1853), físico, astrônomo e político francês]. 23

[Antoine-Laurent de Lavoisier (1743-1794), francês, é considerado o pai da química moderna]. 24

[Louis-Auguste Boileau (1812-1896), arquiteto francês]. 25

[Thomas Alva Edison (1847-1931), americano, inventor da lâmpada]. 26

[Luigi Galvani (1737-1798), anatomista italiano]. 27

[Filósofo ateniense (469-399 a. C.)]. 28

[1412-1431. Heroína na guerra dos cem anos e padroeira da França]. 29

[Galileu-Galilei (1564-1642), físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano]. 30

[Gaspard Coligny (1519-1572), almirante francês]. 31

[Jan Huss (1369-1415), reformador religioso condenado pelo Concílio de Constança e queimado vivo.

Depois, reencarnou como Allan Kardec (1804-1869), o Codificador da Doutrina Espírita, como informa o

Espírito Conde J. W. Rochester no livro Herculanum, publicado pela FEB, 6ª edição, 1979, Rio de Janeiro-

RJ, tradução de M. Quintão, pp. 192 e 351]. 32

[As obras de Allan Kardec foram proibidas pelo Índex - lista oficial de livros cuja leitura a Igreja

católica romana proíbe, por considerá-la nefasta e perigosa à fé e à moral – em 1º de maio de 1864,

após o lançamento de O Evangelho segundo o Espiritismo].

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impôs, para definir as manifestações da inteligência, por exemplo. Não podendo já atribuí-

la a quantidade nem a qualidade da massa cinzenta do cérebro, imagina fatores como o

artritismo e até à sífilis! Fatores patogênicos, nada mais.

Ride? Mas, senhores, não sou eu quem diz, é o Dr. Geley, comentando os seus

compares. Diz ele33

: ―Ainsi, tout ce qui, au point de vue intellectuel, serait, soit au dessous,

soit au dessus de la normale, serait le fait de la maladie‖. E acrescenta: ―O Dr Chabaneix34

fala de auto-intoxicação e ―surmenage‖ nos predispostos - ―Une des maladies du cerveau,

c’est l’automatisme ou l’apparation du subconscient‖35

,36

. Singular doença obtempera

Geley, que em vez de ser uma causa de perturbação e diminuição para o indivíduo, aumenta

as suas capacidades e o seu poder. Mas, se perguntássemos a Chabaneix – que vem a ser

esse subconsciente?

O Padre Florêncio Dubois, que tão galhardamente e cristãmente nos recebeu em

Belém, esparramando a sua bilis ichorosa37

pelas colunas de honra da ―Folha do Norte‖,

também nos falou da ―massa parda‖... Mas o Padre, coitado, é sempre um energúmeno e de

sobra conhecemos a sua ética – (O cristão pode obrar precisamente como homem e

despojar-se da personalidade de cristão, naquelas ações que não são próprias do homem

cristão.).

A teoria da sífilis... Senhores, não queremos privar-vos do sabor da originalidade e

assim damo-la aqui ―ipsis litteris‖ no idioma do genial autor. ―Si la syphilis, conclut

gravemente le Dr. Paschal Serph38

, fait le mal que tout les médecins sont unanimes à

reconnaître et à craindre pour l’humanité, elle lui donne, en revanche, la possibilité de

perfectionner ses moyens d’actions et compense ainsi, dans une certaine mesure, par son

action hipertrophiante cérébrale, créatrice des idées particulières géniales, ses méfaites

redoutables‖39

. Não será o caso de darmos parabéns aos sifilíticos?

Mas, admitindo, por argumentar, o valimento da teoria da morbidez para justificar

os fenômenos psicológicos, é preciso considerar que as nevroses, como a loucura, do ponto

de vista da anatomia patológica, ainda são puros enigmas para a ciência médica. E não é

dizendo simplesmente que o gênio é nevrose ou loucura, que se fará compreender o

mecanismo das produções geniais.

33

De L’inconscient au conscient, pág.112. [―Assim, tudo o que, sob o ponto de vista intelectual, estaria, seja

abaixo, seja acima da normal, seria o fato da doença‖. Tradução: José Antonio Carvalho]. 34

[Paul Chabaneix (1875-1948), autor da obra: Le subconscient chez les artistes, les savants et les écrivains,

Paris, Edição J.-B. Baillière et fils, 1897]. 35

[―Uma das doenças do cérebro, é o automatismo ou a aparição do subconsciente‖. Tradução: José Antonio

Carvalho]. 36

Vheses do Jesuíta Caen – Ecos de Roma, do Padre Guilherme Dias, pág.35. 37

[Líquido que tem ichor ou é da natureza do ichor. Humor purulento, que escorre de certas úlceras. (Do Gr.

ikhor.)]. 38

Gazete mèdicale de Paris, 12 Juillete 1916 [No original está 1016, incorretamente].. 39

[―Se a sífilis, conclui gravemente o Dr. Paschal Serph, faz o mal que todos os médicos são unânimes em

reconhecer e em temer pela humanidade, ela lhe dá, em compensação, a possibilidade de aperfeiçoar seus

meios de ações e compensa assim, em uma certa medida, por sua ação hipertrofiante cerebral, criadora das

idéias geniais particulares, seus malfeitos temíveis‖. Tradução: José Antonio Carvalho].

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Mas, senhores, se nós considerarmos o fato (e o fato é real) de um louco que, em

estado de hipnose, recobrava as suas faculdades normais? Aqui mesmo, no Rio40

,

conhecemos um homem, um amigo que esteve no Hospício como louco e era um simples

obsedado.

Restabelecido pelo Espiritismo, dele fez-se adepto fervoroso e era de ver-se como

contava o que denominava pitorescamente - ―as memórias da sua loucura‖. Eram puros

fenômenos mediúnicos, de vidência e audição, que ele não podia rechaçar por lhes ignorar a

origem e que, provado está, não se combatem a soros nem a duchas, nem a capacetes de

gelo.

Voltando a considerar com Le Dantec que o pensamento é função do corpo vivo,

como explicar o haver Walter Scott41

escrito Ivanhoé em completo delírio febril?42

E os

fatos de lucidez e clarividência?

Dentre muitos e mil mais, que se contrapõem à hipótese materialista, permitindo nos

seja citar um só, narrado pelo Sr. Roberto Bruce:

―Navegando perto da Terra Nova, absorvido em seus cálculos, ao passar pelo

camarim do capitão, julgou vê-lo sentado à mesa; mas atentando melhor, verificou que era

um estranho a olhá-lo fixa e admiradamente. Surpreso com a ocorrência, vai interrogar o

capitão e este lhe assegura que ninguém lá poderia estar. De fato, a verificação foi negativa;

mas, insistindo o oficial que o homem que vira estava escrevendo na ardósia, encontraram

nesta as palavras: ―Toquem para noroeste‖.

―A increpação de que fosse a letra do próprio capitão e feita a contra prova da

caligrafia, não só deste como de todo o pessoal de bordo, verificado que nenhum dos

presentes escrevera na ardósia, o comandante deliberou seguir o rumo indicado e três horas

depois divisava um ―iceberg‖e, junto dele, um navio ao desamparo. Transbordados dele

passageiros e equipagem, Bruce comovido reconhece entre eles o homem do camarim.

Chamado a explicar-se e solicitado a escrever na outra face da ardósia as mesmas palavras,

ficou demonstrada a perfeita identidade da grafia. E contou que, precisamente um pouco

antes de meio dia, fatigado adormecera e sonhara que estava a bordo de outro navio.

Contara o sonho ao capitão e agora o que lhe admirava era parecer-lhe tudo quanto via

muito familiar, quando, certo, ali nunca estivera‖.

Aqui, comenta judiciosamente o nosso ilustre patrício Dr. Alberto Seabra, está um

caso de desdobramento inconsciente. Ele serve, diremos nós e vós de certo já o inferistes,

para provar que o Espírito pode agir e material e psiquicamente fora do invólucro carnal.

É postulado clássico da psicologia oficial que todas as faculdades físicas dependem

de localizações cerebrais precisas e nítidas: nihil est intellectu quod non prius fuerit in

40

[Cidade do Rio de Janeiro] 41

[1771-1832, Edimburgo, Escócia] 42

ALBERTO SEABRA, O Problema do Além, pág.101 [Dr. Alberto Seabra (1872 - 1936) nasceu em S.Paulo

e publicou vários livros. Dentre eles, um intitulado "O problema do Além e do Destino", Editora São Paulo,

1910. Alberto Seabra era filiado ao Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento. No livro Claramente

Vivos, de Francisco Cândido Xavier e Elias Barbosa, por Espíritos Diversos (IDE, Araras-SP, 1ª edição, 1979,

p. 55), há uma comunicação do Espírito Luiz Augusto Trita relatando a atuação médica espiritual do Dr

Seabra].

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sensu... Entretanto, aqui estão, nesta obra, fundamentalmente consignadas às conclusões do

Dr. Guépin comunicadas à Academia de Ciências de Paris em 24 de março de 1917, a

saber43

:

1º que a amputação do cérebro no homem é possível, relativamente fácil e salva

certos feridos que os tratados clássicos condenam ainda a morte certa, ou, pelo

menos, a enfermidades incuráveis.

2º que esses operados demonstram, às vezes, não haverem perdido tal ou tal

região cerebral.

O celebre Dr. Laveran registra a comunicação, mais surpreendente ainda, do

presidente da Sociedade Antropológica de Sucre (Bolívia), fato ocorrido na clínica do Dr.

Nicolas Ortiz. Trata-se de um rapaz de 12 a 14 anos, falecido no pleno gozo de suas

faculdades intelectuais e cuja autópsia revelou as menínges hiperemiadas e um grande

abcesso ocupando quase todo o cerebelo, uma parte do cérebro e a protuberância.

Todos sabemos que a hemiplegia é uma lesão cerebral que se caracteriza pela

paralisia de um dos lados do corpo, o oposto ao da lesão. Pois bem, conhecemos um

jornalista de talento, o Dr. Thomaz Gomes dos Santos, filho do conselheiro desse nome, o

qual, em idade avançada, redigia o seu jornal em Vassouras e praticava com proficiência

a odontologia. Era um intelectual.

Conclusão única: nem quantidade, nem qualidade de massa encefálica para justificar

a existência da alma como epifenômeno, no dizer de Huxley44

. Melhor fora confessar

como Charles Richet45

: que importa ao fisiologista toda essa extraordinária complexidade

das células nervosas com suas dendrites, arborescências, ramificações, corpúsculos, se ele

ignora o uso destas partes?46

Não citaremos mais fatos, fatos e fatos, mesmo porque esta palestra não se adstringe

a fatos concretos e ao relatá-los, de escantilhão e sem ordem sistemática, desejamos, de

preferência, realçar a doutrina pela indução filosófica dos fatos.

Em poucas palavras: para nós, mais alto que todas as comprovações da cirurgia, da

anatomia, da psicologia, falam da imanência do ser, da sobrevivência do espírito, da

mônada consciente, desse dinamismo psíquico superior evolvendo e fazendo evolver os

organismos - mais alto para nós, repetimos - falam os fenômenos de pura intelectualidade.

E desse citaremos aquele que de longa data guardamos, como dos mais categóricos.

Eis como a ele se refere Eugène Nus47

em seu livro Choses de l´Autre Monde:

―Nossa tripeça não se embaraçava com tão pouca coisa e desafio todas as academias

literárias a formularem instantaneamente, sem preparo prévio nem reflexão alguma,

definições circunscritas a doze palavras, tão completas e por vezes tão elegantes, como as

43

De L’Inconscien, au conscient, pág.82. 44

[Thomas Henry Huxley (1825-1895), biólogo britânico]. 45

[Charles Robert Richet (1850-1935), prêmio Nobel de fisiologia em 1913. Ver Charles Richet – Apóstolo

da Ciência e o Espiritismo de Samuel Nunes Magalhães, FEB, 1ª edição, Brasília-DF, 1/2007]. 46

O Fenômeno Espírita, pág. 122. 47

[Destacado literato francês (1816 – 1894)].

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improvisadas pela nossa mesa, a qual concedíamos no máximo e a custo a faculdade de

formar uma palavra composta por um traço de união...

Vejamos algumas dessas definições:

Infinito - Abstração puramente ideal, acima e abaixo do que é concebido pelos

sentidos.

Espírito - Suntuosidade do pensamento. Galanteria harmoniosa das relações, das

comparações e das analogias.

Harmonia - Equilíbrio perfeito do todo com as partes e das partes entre si48

.

Mas, basta. E os ditados musicais pela mesma tripeça?

Pergunta-se: quem respondia? O subconsciente de um assistente, o conjunto de

todos eles? Mas, o mecanismo do fenômeno em si? E por que o não tentam os cépticos,

por que não experimentam com essa fraude, esse ilusionismo que alardeam tão fácil,

reproduzi-lo, efetivá-lo em igualdade de condições e ―controle‖? Ah! os explicadores de

inverossímeis com impossíveis!

Então, se um ser rústico, boçal e até anormal (é o caso da histérica de Charcot49

escrevendo mediunizada uma sentença de Platão em grego antigo) chega a tais prodígios,

então, é o caso de dizer-se que a fraude ultrapassa todas as inteligências humanas!

Venham os opugnadores, os caluniadores, os infirmadores destes fenômenos, vistam

eles batina ou empinem beca, venham todos os bazófios reproduzir essas fraudes e nos

retrataremos.

Antes de entrar em considerações de outra ordem, convém vos leia uma

comunicação mediúnica que nos foi dada para um dos confrades aqui presentes, e isto

porque se trata, no fundo, de uma tese de atualidade, qual a da mediunidade curadora em

face da ciência oficial. Essa comunicação nos foi transmitida por aquele símbolo de

ternura, de convicção inabalável e inteireza moral irredutível; por aquele homem que

sacrificou todos os louros da vida de relação em troca do bordão de peregrino excelso do

Evangelho de Jesus, fazendo dele o único fanal nos mares tempestuosos da existência

terrena... É desse companheiro, que ainda vem iterativamente levantar-nos das fraquezas

e temores humanos, que ele defrontou e venceu; é, finalmente, daquele que, dentro desta

casa e para muitos de vós presentes, bem sabeis, fez dela um templo, honrando mais que

ninguém o lema insculpido em sua fachada - Deus, Cristo e Caridade. É de Bezerra de

Menezes, que também foi médico e médico notável do seu tempo, porque sabia, porque

estudava e, sobretudo porque tinha amor e caridade. Ouçamo-lo:

―A ciência da terra é um meio e não um fim. Dada ao homem para que ele

desenvolva e apure suas faculdades intelectivas e afetivas, Deus que é a fonte de toda e

única ciência, o confunde sempre que ele, homem, renega por louco orgulho o patrimônio

divino na aplicação das leis naturais, julgando-se criatura, fator de vida, ele que não dá

vida a uma célula! Pois bem, meu amigo, fala-vos, agora, por mercê de Deus, um espírito

que foi, como ali dizem, homem de ciência, da pobre, da miséria ciência terrena. E esse

48

[Choses de l´Autre Monde, cinquième èdition, Paris, Librairie des Sciences Psychologiques et Spirites –

Infini, p. 24; Esprit, p. 36 e Harmonie, p. 34]. 49

[Jean-Martin Charcot (1825-1893), médico e cientista francês].

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espírito, esse irmão vos diz a face de Deus e dos homens: - é o espírito que vivifica a

matéria‖ (A mesma conclusão chegam certos experimentadores, chega o Dr. Geley em

citação que faremos depois da leitura desta comunicação - devo declarar - tomada muito

antes de conhecermos esta obra). ―Ao encarnar-se ele, o espírito, constitui-se um foco de

energia vital condensada (é o dinamismo superior de Geley) e providencialmente

calculada para as vicissitudes da existência que elegeu. Essa energia potencial ele a pode

malbaratar no exercício do seu livre arbítrio, mas não pode renová-la para além do termo

assinalado. Se, no entanto, tem fé; se sabe atrair elementos salutares, fluidos puros (e nós

sabemos que nos fluidos residem as maiores potencias da natureza) é claro que neles

encontrará auxílio poderoso ao entretenimento da vida orgânica até aquele termo, dentro

da lei e sem deixar, por isso, de sofrer justamente as conseqüências de suas fraquezas ou

leviandades. Assim, não há revogação da lei quando a organismos exaustos nos concede o

Pai suscitar energias de empréstimo, sempre, já se vê, com visos de proveito espiritual. E

são esses os casos que o homem tonto e cego averba de miraculosos. Pobre Homem! Que

sabe ele das origens da vida?‖

E aconselha então: ―Ora, pois, com fé, pede dentro da lei e fica certo de que, nos

reservatórios do que chamam espaço, no seio infinito de Deus, só aí é que se elaboram os

agentes da vida. Tudo mais são elementos secundários, só valiosos quando santificados

pela lei de amor e progresso espiritual‖.

Agora, a citação de Geley a que acima me reporto: ―As curas ditas miraculosas são

o fruto da mesma ideoplastia orientada por sugestão ou auto sugestão, em sentido

favorável às reparações orgânicas e concentrando por algum tempo, com esse fim, todo o

poder do dinamismo vital‖.

―Nos seres inferiores, a força desse dinamismo (para nós potencial do perispírito)

di-lo ainda o mesmo autor, em sua plenitude funcional chega ao ponto de reparar

membros mutilados, porque a função cerebral pouco ou quase nada utiliza da força vital‖.

Mas, a hora já vai adiantada e precisamos entrar na apreciação dos fenômenos por

nós assistidos e constituintes do objetivo da nossa reunião. Não seremos longo porque,

certo, muitos de entre vós conhecem desses fenômenos pelo trato intelectual. Nós mesmo

os conhecíamos através de uma plêiade inumerável de sábios de reputação mundial, que

deles hão tratado em obras que correm mundo e se encontram vazadas em quase todos os

idiomas cultos.

Convém, contudo, assinalar que, para certo grupo de observadores, o fenômeno de

materialização não passa de exteriorização da alma, ou seja, de forças mal conhecidas. É

o duplo fluídico do médium que se exterioriza, sem que por tal se possa provar a

sobrevivência do ser consciente, depois da morte.

Aqui, vem de molde uma pergunta: - Se a nossa alma pode, qual borboleta, deixar o

seu casulo e criar fora dele, mecânica e inteligentemente, um organismo com todas as

aparências de realidade, não há razão de ordem filosófica que impeça a conclusão de que

essa mesma alma sobreviva ao corpo. E a conclusão se reforça ainda na circunstância

unanimemente verificada, de que, basta exteriorizar–se para que se mostre mais

perspícua, mais atilada, porque desperta o tal subconsciente, que não é mais nem menos

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que o despertar do seu passado, das suas energias intrínsecas, entorpecidas no estado de

co-materialidade.

Entretanto, acentue-se também que o grupo maior dos pesquisadores, dos que

proclamam a imanência do espírito independente da matéria orgânica, esse filia-se ao

Espiritismo, seguindo todas as tradições e teogonias do passado.

A grande verdade é, pois que o nosso espírito mais do que comumente supomos,

vive fora deste ergástulo temporário e putrescível, e vive mais fora que dentro, porque é

fora do corpo que ele se supre das energias físicas e morais para levar por diante a sua

precária existência terrena.

No sono, por exemplo. E daí o velho anexim: ―O travesseiro é bom conselheiro‖.

Quanta gente, em sonho, registra casos admiráveis de previsão e premonição? Nós

mesmos temos, em família, um caso positivo, desses que a ciência jamais explicaria com

as suas teorias clássicas.

Portanto, nosso espírito se exterioriza, vive fora do corpo, viaja, passeia, visita, se

manifesta e (aqui incide a verdadeira significação do fato, a ilação superior) - vive ―pós-

mortem‖, vivo depois que deixamos o cárcere, como a borboleta irisada que deixa o seu

casulo e adejante paira na atmosfera luminosa. É isto que um certo número de sábios

relutantes não quer aceitar. Aliás, Haeckel50

dizia: ―Se me provarem que o espírito vive,

atua, pensa e se manifesta independente da matéria, serei espiritista‖.

Ora, o que a Revelação ensina e demonstra é que o espírito tem corpo... Menos

material, mais ou menos sutil que o nosso, mas, de alguma sorte, material. Nem é

possível admitir no Universo o vácuo absoluto. ―Carro d’alma‖ de Pitágoras, ―Od‖ de

Reichenbach, ―Matéria sutil‖ de Descartes, ―Corpo angélico‖ de Santo Agostinho, ou

―Astral‖ dos ocultistas, que importa o nome? Fosse uma hipótese e perguntaríamos: e o

éter dos metapsíquicos e a afinidade dos químicos já foram vistos, tocados pelos nossos

sentidos comuns?

Pois bem: poder-se-á comprovar a sobrevivência do eu consciente após a morte?

Isso é o que se procura induzir, e bem, nesta obra de crítica filosófica e de ciência algo

experimental do Dr. Gustavo Geley. Diz ele e dizem outros pesquisadores do fenômeno

de materialização que, partindo do corpo do médium, o seu duplo que fica ligado por um

cordão fluídico, às vezes por duplo cordão, presumindo-se que assim se estabeleça a

corrente de energia entre o médium e o fantasma, que ele denomina ―electoplasma‖. Ora,

não vimos esse cordão, nem simples nem duplo, mas vimos dois fantasmas ao mesmo

tempo, perfeita, caracteristicamente diferençados

Vamos, porém, por partes. A teoria espiritista simplifica de modo admirável estas

coisas. Assim é que os desencarnados dizem e disseram a Allan kardec que os espíritos

apropriam, assimilam do médium a força, o fluido vital inerente à matéria deste e pela

ação da sua vontade, combinando-o, absorvendo-o por assim dizer no seu perispírito,

plasmam, condensam o fantasma, que começa a insinuar-se qual nebulosa.

50

[Ernst Heinrich Philipp August Haeckel (1834-1919), naturalista alemão].

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Os Fatos

Posto fosse nosso companheiro de viagem, não tivemos a bordo ensejo de nos

aproximar do Sr. Eurípedes Prado, o marido da médium. Não o conhecíamos. Ao

chegarmos a Belém, ficamos surpreendidos ao ler seu nome na lista dos passageiros.

Houvemos, pois, de recorrer ao nosso distinto confrade Carlos Sousa, digno presidente da

União Espírita Paraense, para alcançar daquele uma sessão de materializações. Não o

solicitávamos por nós, mas principalmente para podermos trazer ao Rio de Janeiro, qual o

fazemos aqui, a prova testemunhal daqueles fenômenos que tantas conversões haviam

produzido, inclusive a do Dr. Matta Bacelar, médico reputadíssimo e ancião justamente

estimado quão venerado na sociedade paraense, o qual não teve a mínima duvida em abrir

mão dos preconceitos científicos, para declarar-se adepto do Espiritismo, atestando

―coram populo‖ a veracidade dos fatos.

Acolhido com extrema gentileza o nosso desejo, no dia, ou antes em noite aprazada,

possuído de natural curiosidade dirigimo-nos à casa do maestro Bosio, no bairro, de

―Baptista Campos‖ onde se dão habitualmente aquelas sessões. A companha, a assistência

que lá encontramos reunida, pode dizer-se, do ponto de vista mundano, era a mais seleta.

Pessoas de nome, de ilustração, de conceito e reputação social. De escantilhão

memorando: Drs. Matta Bacelar e Pereira de Barros, médicos; Dr. Nogueira de Faria,

juiz; Dr. Penna Costa, promotor público; Dr. A. Moris, advogado; Appolinário Moreira,

diretor da Recebedoria do Estado; o maestro Bosio, A. Lucullo, inspetor federal de

seguros, Carlos B. Sousa, Adalberto de Macedo e outros. Entre as senhoras, além da

Exma. D. Anna Prado - o médium - a família Lucullo e uma filha do Dr. Bacellar.

A primeira sessão realizou-se à plena luz. Nela obtivemos a escrita direta, o

transporte de objetos, a manipulação de flores em parafina, esta com luz graduada.

Um céptico já nos objetou, quando relatávamos os fatos, se no assoalho não haveria

algum alçapão... Fútil, a objeção. A sala é pavimentada a cimento. E as paredes? – lisas

como a alma do interlocutor. Não podia haver alçapão... As sessões se realizam nos

baixos da casa – o que chamamos aqui um porão habitável – mas suficientemente amplo.

O maestro Bosio, que foi céptico renitente, tem gosto pelos fenômenos e a nada se poupa

a fim de lhes dar toda a nitidez, de modo a convencerem o maior número.

A sessão fez-se, primeiro, em torno de uma mesa grande e comum, de jantar. D.

Anna Prado - o médium - é uma senhora austera, mãe exemplar e esposa dedicada.

Católica por educação e tradição de família, hostil, de começo aos preliminares do seu

desenvolvimento mediúnico, só condescendeu em aceitá-los e auxiliá-los a instâncias do

marido. Ciosa da sua reputação e precavida da maledicência ignara e fácil, não é sem

escrúpulo que transige na demonstração das suas preciosas faculdades, fora do círculo das

suas relações.

Em torno à mesa, assentamo-nos todos, mas repare bem nos detalhes, disto fazemos

questão.

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Aqui está (mostrando) um desenho, um esboço do cenário, pelo qual os meus

ouvintes mais exigentes poderão fazer idéia do local.* A sala tem apenas três portas de

comunicação, duas para a frente e uma para os fundos da casa, e portas das quais o

maestro Bosio nos oferecera as chaves. Precaução inútil, todavia. Porque o ambiente

estava iluminado bastante para que ali não se pudesse insinuar alguém que não fosse

imediatamente visto. Demais, que interesse teria aquela gente em enganar-nos e enganar-

se a si mesma? Não nos lembramos que houvesse outros móveis além da mesa e cadeiras

de que nos utilizávamos. Lembramo-nos, sim, que, ao fazer essa observação,

mentalmente, consideramos: - retiraram tudo para que se não diga que há qualquer

artifício oculto...

À cabeceira da mesa o médium, nós à direita e à nossa frente o Dr. Pereira de

Barros, que conosco rubricou o papel em que obtivemos a escrita direta.

à nossa direita ficou o Dr. Bacellar. Pediram colocássemos o papel debaixo da mesa

e perto o lápis. Fizemo-lo, junto, porém, dos nossos pés, de modo a poder, assim,

controlar o fenômeno, pelo menos sentir se alguém - embora fechada a sala e

perfeitamente unidas as nossas cadeiras - se insinuava debaixo da mesa.

Enquanto esperávamos o médium, mãos visíveis, conversando - e todos

conversavam sobre assuntos variados - apenas se interrompia dizendo: - Ele está pedindo

menos impaciência, que pensem noutra coisa, etc., até que deu o sinal - ―pronto‖.

Como atrás dissemos, a sala estava suficientemente iluminada, todos víamos, o

médium não se achava em transe.

Mas dizem os pirrônicos sistemáticos: ―porque embaixo e não em cima da mesa?‖

Respondemos: embaixo, por mais escuro, e mais escuro, porque a luz - dizem os espíritos

- tem ação dissolvente sobre os fluidos combinados dos perispíritos. Que há nisso de

extraordinário? São leis e leis que mal começamos a lobrigar. Aqui, na terra, ninguém

ilude as leis naturais: assim, por exemplo, ninguém, revela a plena luz uma chapa

fotográfica.

Mas (mostrando), aqui está o papel que eis de examinar. Da parte que ficou para

cima, escreveram: ―Sofram com coragem as injurias do padre‖. E no verso, isto é, na

parte voltada para o chão: ―Coragem meus irmãos, mais sofreu Jesus‖.

O padre, ao qual já nos referimos, é o famigerado pitorra Florêncio, padre francês

adstrito a Abadia, como lá dizem, de Nazareth.

Homem inteligente, mas sem escrúpulos, porque lhe franquearam a primeira coluna

de um órgão da imprensa, dela fez pelourinho para denegrir pessoas e coisas espíritas,

com grande gáudio da sua ―claque‖ estulta e fanática. Esse padre recebeu-nos - natural

que o fizesse - a ponta de faca. Deu-nos de mascate, intrujão, idiota para baixo, só porque,

a pedido de distinto amigo, simpático à doutrina - o Dr. Penna Costa, respondêramos a

uma ―interview‖ do ―Estado do Pará‖, evidenciando a vida e o programa desta casa. Com

isso angariou ele uma polêmica lamentável por só vasada em terreno pessoal, com o Dr.

Penna Costa e polêmica que degenerou em processo por injurias e calúnias, tais os mimos

que se trocaram.

* Vide, págs seguintes (croquis da sala).

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De nossa parte, sem procurar revidar ao padre, quisemos aproveitar o ensejo para

doutrinar; e, quando mais acesa ia a contenda, ao lado de artigos rubros e escandalosos,

tresandando fel e lodo, inserimos o que escrevemos no ―Reformador‖ intitulado ―Calma e

coerência‖, a propósito da pastoral do Arcebispo contra espíritas e protestantes, e cujo

fecho é o preceito do Perdoai não sete, mas setenta vezes sete51

. Esta nossa atitude, não

de passividade incondicional, mas de coragem cristã, na vera acepção da humildade, não

foi, infelizmente, ao que parece, compreendida pela maioria de nossos confrades

paraenses e daí o sermos nessa mesma folha averbado de místico, quando unicamente

fomos racionalista do Evangelho. Não, certo, desse Evangelho por aí pregado ao sabor de

todos os esculcas de pequenas igrejas, mas do Evangelho em espírito e verdade, tal como

o inculcam os espíritos elevados, ou sejam os mensageiros de Jesus. Ao ―Estado do Pará‖

poderia convir que escorchássemos o padre. Era o escândalo. Mas ao ―Estado do Pará‖

não conviria que doutrinássemos Espiritismo, escandalizando a consciência dos seus

leitores católicos...

Mas, senhores, fechemos este longo parênteses. Como vos dizia, a entidade invisível

escrevera e assinara – João. Para o fazer na face do papel assente no solo, teria de o virar.

Isto não se deu; o caderno almaço estava no mesmo lugar e posição em que o

colocáramos, mantendo sobre uma das bordas a nossa botina. Desta, da sua pressão,

podereis ver aqui os vestígios. Aqui temos, pois, o fenômeno da ―escrita direta‖,

porquanto o ―médium‖ mantinha, às vistas de todos, as mãos sobre a mesa e nem ele, nem

ninguém poderia praticar uma intervenção direta.

Em seguida, ―João‖, pela voz do médium, pediu-nos a mim e ao Dr. Pereira de

Barros, assentado de fronte de mim, que conservássemos na palma da mão um lenço e

levássemos a mão para baixo da mesa. Assim praticando, não tardou sentíssemos um leve

contato de mão, subindo do pé direito, puxando a calça, tamborilando no joelho e, por

fim, arrecadando sutilmente o lenço.

Foi-se-me o lenço, disse, olhando para o Dr. Pereira Barros. O meu ainda aqui está,

respondeu ele. É preciso esperar, obtemperou o ―médium‖. Decorridos minutos, o doutor

acusa a retirada do seu lenço e quase simultaneamente acusamos a restituição do nosso.

Antes de qualquer consideração, antes mesmo de retirarmos a mão sob a mesa, o lenço do

doutor cai à frente dele, projetando como do teto e do ângulo da sala que ficava atrás de

nós. Os lenços estavam (ao nosso modo de ver52

) artisticamente enovelados, semelhando

uma flor ou uma fruta, como queiram, mas de qualquer forma, inteligentemente

manipulados.

Se quisermos atribuir estes fenômenos de transporte e efeitos ditos físicos, a forças

desconhecidas, ao subliminal e quejandas hipóteses mais ou menos abstrusas e

rebarbativas, teremos de infirmar as próprias leis da física, segundo as quais força alguma

atua que não seja em linha reta. Ora, neste caso, forçoso é convir que essa força não atuou

em linha reta, antes, no mecanismo do fenômeno, operou de modo complexo, descreveu

51

[Mt. 18:21-22]. 52

[No original o texto está truncado: (o nosso idel-o ver). Optamos, pelo sentido, escrever (ao nosso modo de

ver)].

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muitas figuras geométricas. Apreendendo um lenço aqui, outro ali, depois de os amarrar

inteligente, artisticamente, devolve-os quase de jato, um por debaixo da mesa, com

requintes de delicadeza, outro de cima, bruscamente projetado!

Retirada, em seguida, a mesa, foram trazidos dois baldes comuns contendo um cera

de carnaúba quente e outro água fria. Em torno desses baldes fechamos um circulo, ou

antes, uma elipse de cadeiras. De propósito citamos a cera derretida, liquefeita, porque a

sua temperatura, qual a tomamos, tateando o vasilhame, não a suportaria impunemente a

nossa epiderme53

.

No Pará, contaram-nos que, para responder a uns tantos censores e conjecturistas do

fenômeno, o maestro Bosio expôs um modelo de pé e reptou os incrédulos a produzirem

coisa igual mediante premio de 5:000$000. Sempre houve, ao que parece, uns três

simplórios que o tentaram, queimando-se inutilmente e mais gravemente um deles, que

sofria de eczema ou varizes, se bem nos lembramos do relato. Mas, ainda assim, admitida

a possibilidade de moldagem, graças à aplicação de qualquer substância refratária ao

calor, sobre a epiderme, nem por isso estaria removido o maior óbice – a retirada do pé ou

da mão sem quebra do molde.54

Ainda para esse trabalho não se extinguiu, apenas se graduou a luz da sala, cujas

portas permaneciam fechadas. Dentro em pouco, sem vermos qualquer sombra ou

fantasma, ouvimos o marulhar d’água, como se alguém a agitasse, no balde. Depois,

pediram-nos que estendêssemos a mão e recebemos emocionado esta flor delicadíssima,

ainda quente, e em cujas pétalas podereis distinguir as impressões digitais do

manipulador.

O fato de nos ser entregue ainda quente (e bem quente) é um desmentido a quantos,

mesmo no Pará, dizem que tais artefatos são adrede preparados e artificiosamente

conduzidos ao recinto das experiências. Entretanto, estávamos todos nos entrevendo e

fiscalizando ali. Ninguém se moveu dos seus lugares. E como se aqueceria aquela prenda,

tão frágil, antes que se não quebrasse nas vicissitudes de um suposto esconderijo?

Da probidade, da idoneidade moral dos circunstantes não falaremos. Não falaremos

da estultícia dessa presunção de que pessoas de critério reconhecido, sem interesse

material qualquer e com sacrifício mesmo de tempo e comodidades se reúnam pelo só

prazer de se mistificarem, mistificando os seus semelhantes. São valores de apreciação

com os quais não contamos nesta tese, tanto sabemos que, para uma certa classe de gente,

a integridade alheia só pode coexistir com a sua forma de ver as coisas. Compreendemos,

de sobejo, aquela zona lúcida de que nos fala o Dr. Gibier55

, fora da qual o indivíduo

nada vê, nada sente, nada sabe.

Acusando-se fatigado o médium, levantamos a sessão.

Emprazado para a prova segunda, a de materialização propriamente dita, a ela

comparecemos disposto, mais que nunca, à observação quanto possível rigorosa. Assim,

53

Calculamos 70 ou 80 centigrados. 54

E dizer-se que o inefável Dubois atribui tais fenômenos ao concurso de tubos fosforescentes! 55

Analyse des choses [Ver Apêndice sobre o significado de zona lúcida segundo Paul Gibier].

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novo exame na sala, na mesma sala; minuciosa investigação da gaiola de ferro, da câmara

escura, da disposição das cadeiras, da lâmpada elétrica, das portas, de tudo enfim.

A assistência variou de algumas pessoas, cresceu de numero, mas lá estavam as de

maior destaque, que haviam assistido a primeira.

Pedem-nos que examinemos a gaiola na qual fica encerrado o médium. Essa gaiola

é um quadrado de ferro, cujos varões tocamos um a um, experimentando-lhes a firmeza

de conjunto e a integridade singular. As colunas angulares sejam os quatro pés da gaiola,

assentam sobre um estrado de madeira inteiriço, ao qual, por dispositivo especial, ficam

solidamente parafusados, pelo sistema de rosca. Perguntaram-nos se queríamos lacrar as

porcas. Dispensamos essa precaução inútil, uma vez que a sessão se faria com luz

graduada e nós mesmo manejáramos a chave inglesa. Externamente, qualquer tentativa

para desaparafusar a gaiola seria de todos percebida. Internamente, o ―médium‖ jamais

poderia manejar a chave inglesa. E que o pudesse, para sair, houvera de suspender a

gaiola e o biombo dentro do qual ia ficar.

Não foi, confessamos, sem certa magoa que vimos aquela senhora respeitável, de

fisionomia austera quão benevolente, trajando um costume azul escuro, entrar para aquela

prisão, na qual havia uma cadeira, em que ela se assentou, meio de lado e debruçando-se

no respaldo, tal como se vê nesta fotografia56

.

Sobre a gaiola, conduzida a um canto da sala57

colocamos o biombo — uma barraca

de pano escuro, tendo na parte frontal uma cortina. O ―médium‖ ficou, destarte,

duplamente enclausurado e, sala fechada, mal concebíamos como suportava aquela

temperatura só compensada por um ventilador fronteiro a câmara escura.

Preparado o gabinete, assentamo-nos em semicírculo e começou o fenômeno do

transe mediúnico, tal como o descrevem Crookes, Gibier, Aksakoff, Geley e tantos

outros. O ―médium‖ ora gemia em surdina, ora respirava alto e todos ouvíamos esses

haustos e gemidos até que serenou.

Aqui, revela ponderar que a hipnose não é espontânea. Ela se opera por

magnetização do Espírito desencarnado que superintende os fenômenos — neste caso,

―João‖, que foi tio carnal da ―médium‖ nesta sua existência terrena. ―João‖ portanto, o

fantasma, adormeceu o médium, que caiu em transe, como em linguagem técnica se diz.

Entrementes, parecia haver-se estabelecido certa afinidade psíquica entre nós e o

―médium‖, como que nossos pensamentos e sentimentos mais recônditos eram por ele

devassados. Assim, advertia: ―é preciso ter menos impaciência‖; ―mais atenção da

esquerda‖; ―João diz que devem atenuar a rotação do ventilador, etc.‖ Depois, a cortina

do biombo foi suspensa. Houve, por conseguinte, ação mecânica.

Mas, é preciso dizê-lo, tudo isso se dá com luz atenuada, luz cujo dispositivo é este:

ao fundo da sala, uma lâmpada elétrica pendente do teto, interceptada por um pano verde.

Assim, velada a parte da sala em que transcorrem os fenômenos, a luz da lâmpada se

esbate, do outro lado, na parede e, correndo por ela de alto a baixo, reflete-se no ambiente

56

Esta e outras fotografias, bem como as luvas e flores de parafina, acham-se na sala da Federação, para os

que quiserem examiná-las. 57

Veja-se o desenho já citado.

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tanto quanto necessário para que todos se divulguem. Dir-se-ia, para vos dar uma idéia,

uma penumbra de cinematógrafo, suficiente para se divisarem fisionomias, objetos,

movimentos quaisquer.

A ansiedade de auditório era grande, profundo o silêncio, quando alguém exclamou:

— Ei-lo, o fantasma, a desenhar-se no canto da câmara escura, à direita. Não o vê? Não

víamos... Olhe agora, ali, no outro canto junto à parede.

De fato, no ponto indicado, à nossa frente, oscilava como que um lençol, uma massa

branca que se foi condensando e resvalando cosida à parede - não havia três metros de

distância da câmara ao lugar em que me encontrava - chegando ao ponto em que estavam

os dois baldes, já de nós conhecidos e mais uma garrafa com água raz, destinada a

temperar a cera para a confecção dos moldes e flores.

O fantasma, sempre mais nítido, insinua-se bem perto, estaca defronte do balde.

Fixamo-lo a vontade: era um homem moreno, orçando pelos seus 40 anos, trazendo à

cabeça um capacete branco. Pelas mangas largas de amplo roupão também branco, saíam

as mãos trigueiras e grandes. Os pés não lhos divisamos.*

Chegou, cortejou, palpou os baldes, ergueu com a mão direita o que continha a cera

quente e com a esquerda, elevando a garrafa de água raz a altura do rosto, como que

dosou o ingrediente. Depois, arriando o balde, como para confirmar o seu feito, arrastou-o

no chão, produzindo o ruído característico, natural. Os seus gestos e movimentos eram

perfeitos, naturais, humaníssimos, como se ali estivesse criatura humana. Isso posto,

afastou-se e conservou-se a um canto da câmara escura, enquanto do outro canto surgia

uma menina de seus treze anos, que dá o nome de Annita.

Assim, tivemos uma dupla manifestação. Visíveis ao mesmo tempo, ―João‖ - um

homem e ―Anita‖ uma quase criança, enquanto ouvíamos iterativamente o médium

suspirar na câmara escura! E note-se, na assistência ninguém havia que pudesse fingir de

criança...

Annita caminhou graciosa para o balde e em breve nos entregou esta delicada flor

(mostrando) que tem o caule virado. Regressando ―Annita‖ à câmara, pelo mesmo trajeto,

antes que se esvaecesse, ―João‖ diz como para o médium - ―Vou operar‖. E aproxima-se e

opera. Vemo-lo abaixar-se e alternadamente mergulhar a mão num e noutro balde. O que

não vimos - e isto dizemos para que considerem que não fantasiamos nem exageramos -

foi o desmaterializar da mão para sacar a luva, pois neste comenos João voltou-se para a

parede e o processo foi rapidíssimo, quase instantâneo. O ―médium‖, lá do gabinete,

mandou que estendêssemos a outra mão (na direita conservávamos a flor) e... aqui está o

molde de ―João‖.*

Certo, já compreendestes, Senhores, a correlação do fenômeno; ―Annita‖ veio,

manipulou e nos entregou esta flor; ―João‖, em seguida, modela a sua mão desta forma,

isto é, juntando o polegar ao indicador, como a significar que é dele a oferta da dita flor!

Agora é o caso de perguntar a todos os físicos e químicos: como é possível tirar-se a

mão de um molde assim talhado, sem o quebrar? Ah! senhores, já houve um sabichão

* Clichê do fantasma (Gravura).

* Molde da mão, (gravuras).

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imaginoso, um cérebro fecundo na sua caturrice de ―espírito forte‖, que aventou a

hipótese de umas luvas de borracha cheias de água fria. Então, esvaziada a luva...

Somente o genial contraditor se esqueceu de que a borracha não só não resistiria à

temperatura da cera, como, principalmente, que estes moldes cheios de gesso dão um

órgão anatômico perfeito, a ponto de apresentarem sinais ou defeitos, que os defuntos

tinham em carne e osso.

Não nos detenhamos, contudo, em refutar puerilidades. Aqui tendes a prova

documental do fenômeno e vamos resumir porque a hora vai célere e adiantada.

Em seguida, do gabinete, diz o ―médium‖ que procurássemos reconhecer a entidade

que ia materializar-se... E para logo toma vulto uma linda criatura. Era uma moça esbelta,

loura cabeleira solta, trazendo a tiracolo, sobre as vestes alvas, uma faixa azulada. (Note-

se que o ―médium‖ é moreno, tipo acentuadamente nortista, de cabelos pretos e, por sinal,

rigorosamente penteados) Caminhou até bem perto de nós, que lhe vimos os traços

fisionômicos bem nítidos, o brilho da linda e basta cabeleira.

Depois de nos olhar e de cumprimentar a assistência, em graciosa curvatura,

afastou-se até ao centro da sala, parecendo indecisa... Aí ouvimos todos, não o ―médium‖,

mas ―João‖ dizer: - abram alas. Interessante, senhores, a voz do além túmulo; a

articulação das sílabas é perfeita, porém não tem o timbre nasal, pastoso, da voz humana.

É um som metálico, por dar uma idéia, visto que não encontro nada que lhe corresponda

exatamente.

Ao ―abram alas‖, de ―João‖, rompeu-se o círculo das cadeiras em dado ponto e foi

quando novamente, ouvimos a ordem de ―João‖, incisa e rápida - ―Vá por minha conta‖.

E logo a visão, que antes parecia pouco segura do seu corpo, caminhou resoluta até

junto e sob a lâmpada, percorrendo a sala em todo o seu comprimento. Um assistente58

que, por dispositivo da colocação primitiva, lhe ficara mais próximo nessa surtida, disse-

nos depois: ‖Eu vi até os cabelos dos braços e as veias da pele, quando ―ela‖ estacionou

sob a lâmpada‖. Ao regressar vimos o seu andar naturalíssimo, o passo cadenciado e, por

curto o vestido, as botas de atacar, de cano alto e cor marrom claro.

Esta circunstância é digna de nota especial, pois que, em regra, as descrições e

observações clássicas dizem que os fantasmas deslizam e dificilmente se lhes distinguem

as extremidades inferiores. Nós vimos os sapatos e até os cordões dos mesmos!

O que, seja dito, não conseguimos ver nitidamente, nos fantasmas, foram os olhos,

que eles - ao que parece - procuram resguardar. A propósito, disse-nos o Sr. Eurípedes

Prado que ―João‖ chegara mesmo a solicitar que desistissem de o fixar com insistência,

sem contudo, arrazoar o motivo de tal solicitação. Será que o fluido magnético humano

focalizado e projetado em feixes, exerça ação dissolvente, como a luz artificial, sobre o

perispírito condensado do manifestante? É uma pergunta que não ficará sem resposta

oportuna e ninguém se admire desta ou de outras obscuridades, em se tratando de leis que

mal começamos a entrever e estudar.

―João‖ ainda veio a nós e apertou-nos a mão, tendo antes recomendado, pela voz do

médium, que não fizéssemos qualquer pressão, para que ele médium não se magoasse.

58

Adalberto Macedo, funcionário do British Bank, em Recife.

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Disto, não há concluir que o fantasma seja o duplo mediúnico, porém que a ele está

substancialmente ligado, vivendo, por assim dizer, da vida orgânica do ―médium‖.

Em seguida a essa materialização, tivemos a de um sacerdote encanecido e austero.

Caminhou vagaroso ao centro da sala e aí esteve parado, imóvel, cerca de cinco minutos.

Devido ao hábito negro, apenas lhe pudemos divisar o rosto, as mãos, a cabeça

encanecida, coroa aberta. Com o mesmo passo lento e grave recuou e, inclinando a fronte

como em respeitoso cumprimento, desapareceu na câmara.

Ato contínuo, diz o médium: ―João está pedindo que toquem piano‖. O maestro

Bosio dá suas ordens para cima e em breve ouvimos as harmonias de uma valsa lenta. E

―João‖ cadencia os passos, dança graciosamente59

e canta em surdina, acompanhando o

piano dolente. Maravilhoso!

Terminada a valsa, ainda falou, na sua voz metálica: - Olhe o Dubois. Depois,

alegando fadiga do médium, iniciou as despedidas a todos, cortejando e acenando com as

mãos, graciosa, naturalmente. Por fim genuflectindo, solene, ergueu os braços ao alto, no

gesto expressivo de quem dá graças a Deus. E, rápido, desmaterializou-se, deixando-nos

n’alma embevecida uma dulcíssima impressão de reconhecimento e saudade.

Ainda ouvimos a impressão dos seus dedos a estalidarem delicadamente na face do

médium, por despertá-lo. A voz de ―pronto‖, aclarado intensamente o ambiente, puxamos

do relógio. A sessão durara 2 ½ horas.

O ―médium‖, retirado o biombo, patenteava-se exausto, mas calmo, acusando

apenas entorpecimento das pernas. Desaparafuzada a gaiola, acercando-se solícito o

venerando Dr. Bacellar, ousamos perguntar-lhe se verificava qualquer anormalidade

fisiológica, ao que ele nos respondeu:

— Nada, apenas uma ligeira depressão do pulso.

De fato, dentro de dez minutos, a Exma. D. Anna Prado gesticulava e conversava

naturalmente. Devo ainda confessar que, em nenhum dos assistentes, notei impressão de

alarma ou constrangimento; bem ao contrário, todos se manifestavam prazerosos, como

se houvessem assistido a uma das cenas consuetudinárias da vida. Tudo natural,

naturalíssimo.

59

[Allan Kardec comenta sobre um Espírito de um indígena peruano que se comunicava com o Sr e Sra Nezt

- membros da Sociedade -, e que realizava efeitos de ordem física ―dançando constantemente, isto é, fazendo

dançar a mesa, que marca o ritmo perfeitamente reconhecido de uma polca, de uma mazurca, de uma

quadrilha, de uma valsa em dois ou três tempos, etc.‖. Ver Revista Espírita (FEB), Fevereiro de 1860, pp. 65-

6].

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Legenda:

1 - Portas fechadas

2 - Portas fechadas

3 - Lâmpada elétrica comum

4 - Tela de pano verde, resguardado da luz

5 - Câmara escura dentro da qual ficou o médium engaiolado

6 - Balde d´água fria

7 - Balde com parafina a 70 graus

8 - Eurípedes Prado

9 - O conferencista

10 - Dr. Nogueira Faria

11 - Dr. Matta Bacellar

12 - Dr. Pereira de Barros

13 - Dr. Penna Costa

14 - Ventilador

- Cadeira

___ - Trajeto do fantasma de uma moça não reconhecido

- . - - Trajeto do fantasma de um padre

>>> - Trajeto do fantasma de João

- - - - Trajeto do fantasma de Annita

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Fotografia obtida no dia 30 de janeiro às 9 horas da manhã.

Reconhece-se francamente a fisionomia do espírito de João.

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***

Neste ponto, senhores, não posso nem devo omitir, um fato que me diz respeito

pessoalmente, visto que, mais que as próprias materializações, ele fala da sobrevivência

da alma. No dia subseqüente a essa extraordinária sessão, a Exma. D.Anna Prado nos fez

ciente que ao começo da mesma ―João‖ lhe dissera achar-se ali presente, uma menina

morena, de 4 a 5 anos, cabelos caídos a altura dos ombros, a qual vinha para ser

materializada, porém que ele, ―João‖, não podia produzir a materialização porque a

menina estava com a ―camisola vermelha‖.

Era a nossa filhinha Maria das Dores (Chicha), desencarnada nesta capital a cerca de

14 anos60

. A cor da camisola (precisamente da que vestia quando faleceu) não era, certo,

motivo de impedimento à materialização, sabido que os espíritos tomam as vestes que

lhes praz, em geral brancas. Era, porém, essa cor de camisola, pela terceira vez, a

característica da identidade desse espírito por tantos títulos querido.

Da primeira vez, na Pensão Vegetariana, nesta capital, aos 22 de janeiro do ano pp.

(dia do natalício da Chicha) almoçávamos despreocupado quando acercando-se de nós o

caro confrade e ―vidente‖ Pereira da Silva61

, interroga:

- Quem é uma menina assim, assim, que te acompanha?

E nós, incrédulo: - Qual menina, qual nada...

- Olha, articulou sentencioso, veste uma camisola desta cor... e tomava entre os

dedos os cordões vermelhos de uma cortina próxima...

A segunda prova fez-se agora na Bahia, no salão da União Espírita, após uma

conferência ali realizada. Quando, depois da prece, comovido, mal procurávamos

disfarçar a nossa emoção, aproxima-se de nós o Sr. F. , também vidente, e ...

- O senhor tem alguma filha desencarnada? Eu a vi, ainda agora, pairando por traz

do senhor, morena, assim... e com uma camisola vermelha.

Chegamos ao Pará, a ninguém comunicamos tais incidentes, ninguém sabia que

perdemos há 14 anos uma filha e vamos ouvir que ―ela‖ estivera presente àquela

extraordinária sessão, só não se materializando pelo fato de trazer uma camisola

vermelha!62

60

[Ver a história detalhada do caso Maria das Dores (Chicha), inclusive sua reencarnação como Maria da

Glória (Lula) no livro Cinzas do Meu Cinzeiro, de Manoel Quintão, edição da Livraria da Federação Espírita

do Paraná, Curitiba-PR, o prefácio de Carlos Imbassahy está datado de 1952, Cap. XI: De onde não se

espera..., pp. 69-75)]. 61

[Frederico Pereira da Silva Junior (≈1858-1914), médium durante 34 anos no Grupo Ismael (FEB).

Aparelho escolhido por Ismael para receber a palavra póstuma de Allan Kardec que ―forneceu as suas

instruções aos espiritistas da capital brasileira, exortando-os ao estudo, à caridade e a unificação‖. Ver Brasil,

Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, Espírito Humberto de Campos, médium Francisco Cândido Xavier,

10ª edição FEB, 1974, Rio de Janeiro-RJ, Cap. XXVIII, p. 218]. 62

[Sabemos de outra manifestação desse Espírito, agora pela psicofonia de Chico Xavier, em 13 de outubro

de 1938, como narra o próprio Quintão:

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Meus senhores, basta. Confessemos que só coincidência não pode abranger tantas

maravilhas. E essa prova era para nós a maior, então, porque suficiente para nos encher o

coração de piedade por todos os gratuitos inimigos da nossa causa, por aqueles mesmos

que, em gestos brutais, sem conhecer-nos, tentavam expor-nos à risota do vulgacho

ignorante.

Demos graças a Deus.

--------

A terceira e última sessão, deu-se na véspera de nosso regresso.

Indo à casa do maestro Bosio fazer as despedidas, lá encontramos o Sr. Eurípedes e

sua senhora. Sendo-nos dito que os fenômenos mais se intensificavam a plena

escuridade, assim o preferimos, incondicionalmente.

De fato, nessa sessão obtivemos mais um lenço atado (este de ourela azul); o

fantasma tirou-nos o sapato do pé esquerdo, calçando-o no Presidente da União Espírita

Paraense, nosso prezado confrade Carlos B. Sousa. E sendo menor que o nosso o sapato

deste, colocou-o junto do nosso pé. Ao do nosso pé esquerdo, deu ele no cordão um nó

tão complicado, que levamos no hotel mais de meia hora por desatá-lo. E tudo isso era

feito com celeridade pasmosa, quase instantânea.

Tirou-nos a gravata, levou dela o alfinete, pregando-o ao casaco de uma senhora,

abraçou-nos repetida e demoradamente, apertou a nossa mão, tocou levemente a nossa

face.

Alguém se lembrou da campainha. Trouxeram-na e colocamo-la entre os pés,

calcando as bordas com força, no intuito de ver se ele a arrebataria com violência ou se a

desmaterializaria. Nem uma nem outra coisa. Como se lesse o nosso desígnio, ―João‖

suscitou-nos um leve prurido na perna e enquanto a levantávamos para atender a

―comichão‖, a campanhia tilintou sobre as nossas cabeças. Compreendemos que o

espírito agiria intencionalmente para burlar o nosso intento. Nessa sessão, o contato do

fantasma foi mais sensível, a materialização seria, quiçá, mais completa, porém só

poderíamos senti-la pelo tato.

―Às 20 horas, todos a postos, pressurosos, reunimos-nos em casa do José [Xavier], ao lado da cabana

do ―Chico‖. É uma sessão íntima de graça a Deus pela viagem feliz e é também o nosso cartão de visita aos

Protetores da outra Cabana de Luz, onde tantas luzes temos já recolhido. Historiemos agora mais esta:

―Feita a prece inicial, Emmanuel toma o médium (Ainda não ouvíramos Francisco Xavier em transe

sonambúlico e o que nos ocorre aqui consignar, a propósito, é que de quantas manifestações idênticas temos

observado, esta é a que mais se aproxima das do médium Frederico Junior, que transmitiu as célebres obras de

Bittencourt Sampaio) e, em termos sóbrios nos dá as boas vindas, concitando-nos ao cultivo do Evangelho. A

seguir, Maria da Glória, (Lula), nossa filha, vem falar à minha mulher [D. Alzira] em linguagem familiar,

típica e entremeada de episódios domésticos, íntimos, só de nós conhecidos. Minha mulher se comove,

chora... Aquela linguagem é bálsamo para o coração materno‖. Ver Romaria da Graça, FEB, Rio de Janeiro-

RJ, 1939, opúsculo de distribuição gratuita., p. 8].

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Como não ignorais, conhecem-se três formas de materialização, das quais nos fala o

Dr. Geley nesta obra - a luminosa, a vaporosa e a de aparência carnal, específica.63

Nós vimos os fantasmas sob a forma vaporosa, mas bastante condensada para

distinguir-lhes as fisionomias, as estaturas, os gestos e caracteres físicos outros, como

cabelos, unhas, etc. O contato da pele nos deixou a impressão natural, como se

houvéssemos tocado a mão de um homem, apenas um tanto umidecida.

Dessa mão (mostrando-a bem), a mesma que nos tocou, sem que

experimentássemos a mínima sensação anormal, tendes o respectivo molde.64

E mais

estes dois, em formatos diversos, oferecidos à Federação pelos confrades paraenses e

obtidos em outras sessões, não por nós presenciadas, mas nem por isso, menos dignas do

vosso acatamento e atenção. Enfim, ides vê-los, que só para isso os trouxe, a falarem mais

alto e solenemente do que o nosso testemunho pessoal, em prol da verdade que

propugnamos, a mercê de Deus, há tantos anos.

* * *

Muita gente lastima que estes fenômenos deveras transcendentes não se

multipliquem, não se vulgarizem, no pressuposto de que eles convenceriam a todo o

mundo. Entretanto, bem outra é a ilação a tirar: diante das provas mais categóricas, há os

irredutíveis de boa e de má fé. Há os que negam ―a priori‖, por comodismo, por inércia

intelectual - espíritos levianos para os quais o problema da vida é uma equação fisiológica

= e há os que combatem por interesse sistemático. Defendendo prerrogativas e regalias de

casta, coisa alguma os levaria a capitular. Empalhados, embiocados, no - impossível -

constituem a grande categoria dos que o vulgo chama - os piores cegos - os que não

querem ver.

Mas, senhores, um dos grandes ensinamentos da filosofia espírita é o de que tudo

vem a seu tempo e providencialmente. Se o nosso cardeal se lembrasse de reproduzir

hoje, ali na Urca ou em S. Bento, o auto-de-fé realizado em Barcelona em 1861, o feito

não passaria de um anacronismo pueril e ridículo, como ridículos e pueris são os apodos

que, dos seus pupiltos adamascados, lançam à doutrina e aos seus adeptos, sacerdotes

mais ou menos, solertes e almiscarados.

Mas, admitindo que as materializações se generalizassem, que estes fenômenos

supranormais se intensificassem, que sucederia? Por um lado, incidiriam na vulgaridade

balofa das mesas falantes, a breve trecho no indiferentismo; e por outro lado, se

adaptariam - o que é pior - ao feiticismo inconseqüente.

Não, mil vezes não. A Providência é um fato e se a nós compete, principalmente,

nos colocarmos em condições de bem aproveitar as esmolas que do alto nos chegam, aos

nossos Guias, aos Espíritos superiores é que compete encaminhar a evolução da

humanidade. Ora, em tese falando, o que se evidencia é que a nossa humanidade não está

63

Esta última foi obtida posteriormente pelo nosso confrade Fred Figner, na aparição de sua Rachel. Veja-se o

livro-Trabalho dos Mortos, do Dr. Nogueira Faria, a sair do prelo. 64

Clichê da mão

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preparada para a messe opima que a seara fecunda do Espiritismo lhe oferta. A prova,

tendê-la em que, se tais fenômenos hão constituído elementos de convicção a uma plêiade

de sábios ilustres, despreconcebidos de orgulho e prejuízos de escola, para outros não

passam os mesmos fenômenos de farsa ou de ilusão. Demais, fenômenos supranormais,

transcendentes, eles dependem de um médium e só podem verificar com eficiência dentro

de leis que só moralmente se justificam - o intuito de saber, mas saber, para repartir,

amando e progredindo. Fora isso, não.

E justo é que assim seja, e natural também, porque uma ciência não o é tal pela só

observação dos fenômenos que oferece aos sentidos corporais. Ela o é, precisamente,

quando da observação dos fatos conjuga, relaciona, determina as leis que regem os fatos.

Não é observando céus estrelados que se faz ciência astronômica; não é agrupando

números a esmo que se pratica a matemática.

Pois bem, senhores, nos fenômenos espíritas, é preciso que haja da parte dos

observadores o ―criterium‖ superior, que corresponde aos desígnios da Providência, à Lei

Moral absoluta, no dizer dos espíritos elevados. Porque, o Espiritismo é a ciência da vida,

não no que ela tem de transitório e perecível, mas de eterno e imutável.

Ser espírita, portanto, não é crer na imortalidade da alma, somente; não é, tão pouco,

ver, tocar, sentir e falar com os espíritos, pois tudo isto é velho quanto o mundo que

habitamos.

Ser espírita é assimilar, dos ensinamentos doutrinários compendiados, como destes

fatos hoje concludentes, inconcussos, o cabedal intelectual e moral necessário à reforma

desta humanidade que se dissolve e aniquila das próprias paixões, do seu materialismo

estrábico, da sua impenitência no erro.

Ser espírita é começar desde logo a reforma de si mesmo, é renunciar, na frase do

Cristo, ao ―homem velho‖65

e segui-lo66

a Ele o Cristo, como quem diz – ―o meu reino

não é deste mundo‖67

.

Ser espírita é constituir elemento novo para a sociedade de amanhã e então, não

tendo já por fanal efêmero os interesses de uma classe, de uma sociedade, de um país ou

de uma raça, saber, mas saber em consciência, absolutamente, que é um elemento

indestrutível, inteligente, volitivo e progressivamente autônomo para promover a sua

integração no seio de Deus, isto é, conhecendo a verdadeira ciência, a ciência divina,

universal em Deus.

É para isso, e tão somente para isso, que o Espiritismo baixa à terra em modalidades

novas, revelando, ou antes, suscitando aos homens verdades, velhas e ampliando outras

que o divino Mestre definiu naquele ―Consolador‖68

, naquele ―Espírito de Verdade‖69

,

que ensinaria todas as coisas e ficaria eternamente conosco.

65

[Paulo de Tarso: Ef. 4,22; Rm. 6,6 e Cl. 3,9]. 66

[Jesus – Mt. 10, 38 e 16, 24; Lc. 9,23 e 14,27]. 67

[Jo. 18,36]. 68

[Consolador: Jo. 14:16, 26; 15:26; 16:7]. 69

[Espírito de Verdade: Jo. 14:17; 15:26; 16:13.].

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Eternamente conosco! Senhores, acolhamos o convite que nos chega clangorosa ou

harmoniosamente, a toques de reunir para o ―Dia do Julgamento‖, que é o exame da

consciência para o surto incoercível da reparação.

Lázaros da Fé, paralíticos da Razão, ovelhas tresmalhadas do aprisco de Jesus, que é

o Caminho, Verdade e Vida, façamos desse convite à preocupação máxima da nossa

existência, certos de que ela não se vai finar amanhã no crepúsculo de um túmulo, mas

via alcandorar-se no infinito, prefulgir, irradiar no seio eterno de Deus.

Nem de outro modo pensando eu vos falaria aqui, neste templo, que o é, o

tabernáculo de muitas graças hauridas na compreensão do lema insculpido em sua

fachada — Deus, Cristo e Caridade.

FIM

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APÊNDICE

ZONA LÚCIDA

Spinoza diz que devemos encarar as coisas sob um caráter de eternidade. Irei mais

longe: sustento ser conveniente que nos habituemos a considerar tudo em relação com o

espaço e o tempo, com a imensidade e a eternidade. Quão minúsculos nos apareceriam

grandes acontecimentos e altas situações, se os sujeitássemos ao cálculo desta regra de

proporção? Mas, é esta uma operação que não está ao alcance de toda gente; non licet

omnibus...

Outra condição que importa também não desprezar é a de curar-se o homem desse

orgulho que acompanha inevitavelmente uma má educação científica e uma instrução

especializada, incompleta, como são tão freqüentes em nossos dias. Pessoas muito

esclarecidas em um pontinho especial dos conhecimentos humanos julgam poder decidir

arbitrariamente sobre todas as coisas e repelem sistematicamente toda novidade que lhe

choque as idéias, quase sempre por este único motivo – que em geral não confessam – que

se aquilo fosse verdade, elas não podiam ignorar! Por minha parte, encontrei

freqüentemente esse gênero de bazófia entre homens cuja instrução e estudos deveriam

preservá-los dessa deplorável enfermidade moral, se não tivessem sido especialistas,

escravos da sua especialidade. É sinal de inferioridade relativa uma pessoa julgar-se

superior!

Enfim, o número de inteligências que sofrem de lacunas é maior do que se julga

geralmente. Do mesmo modo que determinados indivíduos são totalmente refratários ao

estudo da música, das matemáticas, etc., a outros muitos estão interditas certas

investigações do pensamento. Uns, que se distinguiram nesta ou naquela classe de

ocupações: na medicina ou na mercearia, na literatura ou na arte de fabricar panos, segundo

toda a probabilidade, teriam lastimosamente falhado se houvessem escolhido — como

outros tantos que abarrotam o mundo — uma carreira situada fora do que chamarei a zona

lúcida, à semelhança da ação dos refletores que, durante a noite, transmitem a luz a uma

zona de feixes luminosos, fora dos quais só há sombra e incerteza.

Coisas existem que não estão ao alcance da concepção de certas inteligências: estão

fora de sua zona lúcida.

É inútil insistir mais: algum crítico mal disposto poderia reconhecer-se nestas

observações e acusar-me, em represália, de haver escolhido um assunto fora da minha

própria zona. Queiram os deuses preservar-me de semelhante infelicidade!...

(Análises das Coisas, FEB, 1981, 4ª Edição, Rio de Janeiro-RJ, pp. 38-9).