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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
FEMINISMO AUTÔNOMO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO:
REFLEXÕES INICIAIS
Telma Gurgel¹
Resumo: O debate sobre a autonomia no interior do feminismo no Brasil tem sido teorizado em
diversos aspectos que demarcam no geral, a autodeterminação das mulheres como condição
ontológica do feminismo como sujeito coletivo. Neste sentido, o maior interesse desse texto é
dialogar com as questões que giram em torno da noção de autonomia na atualidade e seus
desdobramentos na práxis política feminista, mediante os dados iniciais de pesquisa documental
com grupos feministas em três estados do nordeste brasileiro. Com isto, ensaiamos indicar que
dentre os desafios que contornam este debate está a perspectiva da autonomia como elemento
demarcatório que, dialeticamente, estabelece os nexos internos necessários à todo sujeito coletivo
constituído por múltiplas opressões como o feminismo. Nesse campo, utilizamos a noção de
coletivo total como uma síntese das particularidades que possibilitam uma unidade na diversidade
no campo feminista considerando-se sua heterogeneidade teórico-política-social como sujeito
emancipatório.
Palavras-chaves: movimento feminista, autonomia, coletivo total.
Ao longo da história do feminismo no Brasil, o termo autonomia assumiu diversas
conotações que refletiu antes de tudo, o nível de envolvimento desse movimento com determinado
contexto social e a sua ação militante, no processo de transformações sociais, políticas e culturais.
Assim, para além de outras singularidades que compõem a história do feminismo, nesse
artigo seguiremos o fio condutor do debate sobre autonomia que desde o início, criticou o sentido
restrito do individualismo abstrato preconizado pela sociedade moderna e situou as contradições e
desigualdades com relação à condição socio-histórica das mulheres.
Destarte a autonomia pressupõe a condição de liberdade sendo assim não se pode falar em
autonomia das mulheres, em realidades com bases estruturais patriarcais, capitalistas e racistas que
consubstancialmente e coextensivamente alimentam todas as relações societárias e naturalizam os
diversos sistemas de opressões.1.
A primeira demarcação foi, portanto, no sentido de que a autonomia não seria uma palavra
sem corporeidade, sua compreensão exige o pressuposto de que existem diferentes condições de
1 Mesmo que algumas mulheres consigam viver em condição de autonomia e possa estabelecer relações mais
igualitárias em seu cotidiano, a realidade de hierarquização, segregação e exploração ainda é fato concreto na vida da
maioria das mulheres, em nível mundial e no Brasil, em particular.
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sua realização, na vida do individuo concreto, quando situamos a perspectiva de intersecionalidade
classe, raça e sexo.
Num segundo momento, esboçaremos alguns elementos que demarcam e definem o campo
feminista autônomo, mediante um diálogo com os dados iniciais de nossa pesquisa sobre o
feminismo no Brasil contemporâneo.2
1-Questões de autonomia para a práxis do Feminismo
Como já nos assinalou Pinto (2003) a organização de coletivos que se auto definem como
feministas, teve inicio no Brasil, nos anos de 1970, no cenário da ditadura militar e sob a influência
das ideias feministas em países da Europa e dos Estados Unidos. Eram conhecidos como grupos de
reflexão, com importante atuação no sentido do compartilhamento de experiências vividas e na
construção de um espaço político, não misto, que possibilitasse uma ação coletiva, mesmo em
tempos de cruel repressão. Mesmo com esse caráter intimista, podemos encontrar registro de
manifestações políticas organizadas por alguns desses coletivos, em torno do direito ao aborto.
Como não se tinha uma arena de luta política aberta para a disputa de projetos societários,
em função da ditadura militar, à época, esses grupos de reflexão representavam o espaço legítimo
de auto-organização das mulheres e um ambiente de sororidade3 que foi fundamental para os
momentos seguintes, em que o debate da au tonomia política do movimento se evidencia.
Isto porque a experiência da organização de grupos de mulheres brasileiras exiladas, em
especial, o Círculo de Mulheres, em Paris, no qual se ratificou uma perspectiva revolucionária para
o feminismo em aliança com o ideário feminista do Movimento de Libertação da Mulher- MLF.4
Trouxe para o centro do debate a relação programática e tensionada entre a auto-organização das
mulheres e a luta de classes, com o enfoque no limite e complementariedade dessa aproximação.
2 Referimo-nos a pesquisa que coordenamos O FEMINISMO COMO UM COLETIVO TOTAL: um estudo sobre o
feminismo autônomo no Brasil trata-se de uma pesquisa nacional, iniciada, em 2016, com o apoio do CNPq. Os dados
que apresentaremos no artigo se refere a coletivos de três estados nordestinos: Rio Grande do Norte, Ceará e
Pernambuco. 3 A sororidade é aqui compreendida como uma aliança feminista entre mulheres( Lagarde,2009), como um valor e
prática, ela se traduz como um agrupamento de mulheres que se reconhecem, mesmo na diversidade. Como conceito
complexo, exige o cuidado para não invisibilizar experiências vividas e as relações de poder entre mulheres.
4 O MLF foi uma das expressões feministas dos movimentos de contestação as formas tradicionais de organização
política, que se desenvolveram no contexto europeu dos anos de 1960 e influenciaram toda uma geração de militantes,
intelectuais e ativistas.
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A querela era, portanto, entre o feminismo, o movimento de mulheres, os partidos políticos
de esquerda ou centro-esquerda e as organizações de esquerda clandestinas e girava em torno do
potencial da luta feminista e sobre seu objetivo estratégico. Para Pinto ( 2003), o tensionamento se
dava,
[...] entre aquelas que pensavam que o feminismo tinha de estar associado à luta de classe e
aquelas que associavam o feminismo a um movimento libertário que dava ênfase ao corpo,
à sexualidade e ao prazer. ( PINTO, 2003,p. 55).
Importa ainda destacar que além dessa disputa no seio do movimento, as mulheres ainda
tinham que enfrentar a resistência de suas organizações políticas que consideravam o feminismo e
suas temáticas, como um risco para a unidade da classe trabalhadora, já que traziam para o espaço
público o questionamento da ordem patriarcal, muitas vezes reproduzida no interior dos partidos de
esquerda, seja na divisão de tarefas, na representação pública e no assédio moral e sexual de suas
militantes pelos dirigentes.
A conjuntura dos anos de 1980 e o início do frágil e comprometido processo de
redemocratização em nosso país é acompanhada por uma maior aproximação do feminismo com as
demandas das mulheres populares e com os partidos políticos de esquerda. Fenômeno que já se
evidenciava na década passada, quando foi criado o Centro de Desenvolvimento da Mulher
Brasileira5.
Neste cenário o princípio teórico dos debates sobre autonomia se centrava na crítica a dupla
militância de feministas com atuação no movimento e em partidos políticos. Os riscos de uma
hegemonização das lutas e interesses das organizações partidárias no interior do movimento
feminista foi o ponto predominante do debate. No geral se temia que a disputa de correlação de
forças entre as diversas agremiações partidárias no interior do campo feminista, implicasse em
fragilidade organizativa e dispersão de força coletiva.
O questionamento em torno da autonomia também se desenvolvia no processo de
aproximação com as mulheres em bairros populares que traziam questões relativas à imediaticidade
do cotidiano, para o movimento. Demandas essas que em diferentes enfoques, muitas vezes, foram
compreendidas à época, como destoante em relação às reivindicações feministas que se
5Organização criada em 1975 com o objetivo de desenvolver estudos e ação de organização políticas das mulheres. Ver Pinto (2003).
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desenvolviam no tripé do confronto com o patriarcado, da crítica ao capitalismo e de resistência às
formas tradicionais de fazer política. Por outro lado, temiam-se, principalmente, as alterações
programáticas que seriam provocadas no feminismo mediante a incorporação destas pautas, que se
encerravam na conquista imediata das políticas públicas e na garantia de participação política das
mulheres.
Além desse debate programático, nesse momento o termo autonomia ganha destaque
também na questão estratégica do feminismo, em torno da aproximação/distanciamento do Estado.
Aqui se encontravam pelo menos duas tendências hegemônicas: aquela que defendia a
institucionalização do movimento com uma maior relação com os governos, no intuito de inserir o
tema da condição das mulheres nas políticas públicas. E, a que ponderava a manutenção do caráter
autônomo do movimento e destacava o risco da cooptação ou do envolvimento manipulatório,
segundo Cisne (2015) que poderiam advir desta justaposição de interesses. Esta temeridade se
evidenciará mais fortemente na década seguinte, com o fenômeno das Organizações Não-
Governamentais- ONGs.
Com os anos de 1990, essa compreensão atribuída à autonomia pelo feminismo desloca-se
da questão da especificidade da autodeterminação do movimento de mulheres, em relação aos
partidos políticos e as esferas estatais e ganha o terreno da institucionalidade das ONGs feministas.
Diferentemente da década anterior, na qual alguns coletivos feministas realizavam serviços,
dirigidos às mulheres, como estratégia de pressão sobre os diversos governos para implantação de
políticas públicas para mulheres e ao mesmo tempo ampliar o apoio social a uma pauta
principalmente, na área de atenção saúde, combate a violência contra a mulher e organização
política6.
O fenômeno das ONGs está relacionado a um contexto mais amplo de estruturação do
capitalismo e cumpre um papel estratégico, sob o ponto de vista da transferência de
responsabilidade de programas e políticas que deveriam ser executadas pelo Estado, para o
chamado terceiro setor (MONTAÑO E DURIGUETO, 2011).
6 Estas iniciativas já contavam com financiamento externo, a maioria desses advinha de fundos de solidariedade de
associações da sociedade civil, movimentos sociais, órgãos clericais progressistas e outras fontes associativas do
hemisfério norte, principalmente.
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No campo do feminismo podemos destacar pelo menos duas críticas à ‘onguização’ que
podem esclarecer, os conflitos que repercutem na questão da autonomia do movimento feminista
enquanto sujeito coletivo, até hoje.
A primeira diz respeito à transformação da identidade institucional com a redução política e
quantitativa, da base social do movimento de mulheres na dinâmica cotidiana da ONG. A segunda
crítica se centra na estrutura administrativa que transferiu as decisões políticas do movimento, para
as equipes das ONGs.
A contradição estaria assim situada entre o princípio da autonomia que se materializa no
processo de autodeterminação, individual e coletivo, das mulheres no exercício da política. E a
centralidade de poder nas estruturas das ONGs que reproduz práticas de hierarquização e
centralidade decisórias, modelo este, cuja a crítica é um dos fundamentos teórico-políticos do
feminismo como sujeito coletivo.
Outro ponto de crítica se centrava na questão da origem dos financiamentos na medida em
que além dos recursos internacionais7, o contexto dos anos de 1990 inaugura um período de maior
acesso dos coletivos feministas, por meio das ONGs, aos fundos públicos nacionais. Inclusive como
resposta às orientações da cooperação internacional que preconizava uma contrapartida das
instituições, mediante aproximação com o Estado.
A contradição entre os interesses de autodeterminação das mulheres e as relações
institucionais construídas mediante estes financiamentos, é focalizada na maioria dos estudos sobre
o movimento na América Latina. Conforme Alvarez (1998, 2000) e Castro (1997) o financiamento
das ONGs passou a ser um dos indicadores, do processo de “onguização” do feminismo e sua
provável perda de autonomia para a realização de ações com maior combatividade e radicalidade.
Importa destacar que apesar dessa tendência, existem práticas diferenciadas entre as ONGs em
relação a essa política.
Com isso, queremos indicar que o debate sobre a autonomia para o feminismo pode ser
sistematizado, em qualquer época histórica, mediante três questões centrais, entre outras: 1- Qual a
7 Estes se estruturam, muitas vezes, como intermediárias de fundos advindos de organismos financeiros, principais
responsáveis pelo crescimento da pobreza e desigualdades no continente, como o Fundo Monetário Internacional(FMI),
o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) e o Banco Mundial(BM). Cisne( 2015) observa uma redução
desse financiamento atualmente.
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natureza e com quais sujeitos estabelece relações políticas? 2- Como garantem sua sustentabilidade
financeira? 3- Quais são suas instâncias decisórias, como funcionam e em que periodicidade?
Com estas questões iniciamos nossa pesquisa com grupos autônomos feministas, pois como
parte de um complexo de totalidades (KOSIK,1985) o fenômeno da institucionalização do
feminismo no último período, tem sido acompanhado pelo surgimento de novas organizações
feministas.
Assim no próximo ítem nos deteremos na concepção de autonomia que referenciam esses
coletivos, indicando assim uma tendência teórico-política desse debate na atualidade.
2- Autonomia e feminismo: um debate em continuidade
O debate sobre a autonomia como elemento de demarcação e unidade exige antes de tudo
que o movimento feminista recrie os mecanismos de participação direta em suas instâncias de
decisões.
Em tempos de adversidades, como o que enfrentamos na atualidade, é fundamental o
alargamento dos espaços de democracia que expresse a diversidade das opressões contra as quais as
mulheres se mobilizam. E, ao mesmo tempo, destaque a necessidade de compreendê-las num
processo de imbricação permanente, que possibilite, mesmo que pontualmente, a construção de um
campo amplo de ação política das diferentes formas de resistência das mulheres, às expressões do
poder estrutural-simbólico do patriarcado na sociedade contemporânea,.
Essa prerrogativa de se constituir como espaço amplo, que contemple a diversidade de
experiências de opressão enfrentadas pelas mulheres é destacado pelos coletivos em seus
documentos:
[...] o feminismo não diz respeito apenas às mulheres, mas toda forma de opressão,
dominação e controle. Entendemos que não existe hierarquia de opressões, tanto a opressão
de gênero quanto a de raça, etnia e classe devem ser combatidas (COLETIVO LEILA
DINIZ, 2014,p.02).
Além de indicar uma perspectiva de consubstancialidade e coextensividade das relações
sociais de sexo, raça e classe que segundo Kergoat (2012, p. 126-127):
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[...] formam um nó que não pode ser sequenciado ao nível das práticas sociais, apenas em
uma perspectiva analítica da sociologia; e elas são coextensivas: implantando as relações
sociais de classe, de gênero e de ‘raça’, se reproduzem e se coproduzem mutuamente.
Esse caráter, ao mesmo tempo, geral e específico das lutas feministas, aliado a centralidade
da superação do patriarcado em suas dimensões de “raça”/etnia e classe pode ser considerada a
força política do feminismo. Como nos afirma Falquet (2011), a unidade relativa do feminismo em
torno desse projeto emancipatório demarca a sua memória social.
Nesse panorama, a estratégia global do feminismo deve reconhecer as diferentes
experiências de opressão das mulheres, como corpo individualizado e sujeito social e a
heterogeneidade em sua formação, daí decorrente.
Esse reconhecimento confere ao feminismo um movimento dialético que conforma uma
unidade para sua construção como sujeito político que se desafia, permanentemente, ao “[...]
reconhecimento da diversidade e a construção de uma unidade diversa que exprime a aceitação das
experiências particulares dentro da identidade coletiva” (CISNE; GURGEL, 2014, p. 73),
constituindo-se assim, como um coletivo total.
Compreendemos que a categoria de coletivo total permite uma leitura das diversas
singularidades no feminismo, sem hierarquização. Pois reivindicar o total nos distancia dos riscos
da fragmentação e/ou isolamento nas especificidades, compreendidas como um desprendimento do
processo social como complexo de totalidades. Trata-se, portanto, do reconhecimento das
particularidades no todo da diversidade que compõe um sujeito múltiplo, como o feminismo.
Neste sentido, a noção do coletivo total pode ser entendida, ao mesmo tempo como uma
ferramenta analítica e um instrumento politico, no campo da práxis social feminista, pois pressupõe
a construção de relações horizontalizadas elemento constitutivo de todo processo de debate sobre
autonomia.
Em nossa pesquisa a horizontalidade foi apresentada por todos os coletivos como princípio e
condição essencial pra concepção de autonomia política assumida pelo movimento, na atualidade.
Assim, podemos encontrar que,
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O Coletivo Feminista Diadorim entende que a horizontalidade das práticas, das decisões e
das relações é um elemento essencial da nossa atuação. Entendemos que a igualdade nas
relações de poder e a rejeição a qualquer forma de hierarquia são centrais a construção do
empodera- mento das sujeitas e do feminismo. O diálogo entre as nossas companheiras é
parte fundamental do processo de construção das nossas autonomias. ( COLETIVO
DIADORIM, 2014, s/p).
Sem dúvida que a reafirmação da horizontalidade, responde imediatamente a crítica do
deslocamento de poderes, no interior do feminismo, com o processo de onguisação. No entanto
concordamos com Oliveira (2017) que destaca em suas reflexões os riscos do espontaneismo, como
uma contra tendência política, também possível, no cenário contemporâneo.
Com base nessa leitura destacamos a necessidade do feminismo em superar esse risco com
o desenvolvimento de formação política, ações diretas e encontros amplos que fomente o debate em
torno dos elementos que limitam sua perspectiva crítica do real e sua força política, na criação de
uma nova ordem de igualdade e liberdade.
O desafio é, portanto, desenvolver simultaneamente a crítica ao Estado e ao capitalismo sem
perder de vista, as demais dimensões, objetivas e subjetivas, que constróem a experiência
compartilhada das mulheres no processo de oposição à estrutura patriarcalizada da sociedade.
É neste sentido que a autodesignação de feministas autônomas, ganha força nos coletivos
pesquisados. Como encontramos na apresentação do coletivo Diadorim:
[...] o coletivo feminista Diadorim, surge se afirmando enquanto coletivo independente,
autônomo, horizontal e auto organizado, formado por mulheres cis e trans comprometidas
com a luta pelo combate à todas as formas de opressão, entendidas assim, como
transversalizadas a luta anticapitalista. (COLETIVO DIADORIM, 2014, s/p ).
Ou ainda na carta política do Coletivo Leila Diniz quando explica a sua transição de ONG
para movimento autônomo,
Autônomo porque essa foi nossa primeira pauta e decisão coletiva, queríamos caminha com
as nossas pernas, de forma independente de partidos políticos e sindicatos. Somos auto-
organizadas, descoladas de organismos verticalizados, com hierarquia e concenração de
poder, protagonizamos nossa própria luta. ( COLETIVO LEILA DINIZ, 2014, p.01)
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Ao incorporar a autonomia como parte constituinte de sua ação política, esses grupos
feministas reveem antigas matizes desse debate na história do movimento. Ao mesmo tempo em
que afirmam demarcações importantes no sentido da afirmação do caráter emancipatório do
movimento.
Entre estas queremos destacar a dimensão da auto-organização e de unidade na diversidade
que acompanham as propostas em evidência e que pode alterar a representatividade pública do
movimento, em seu diálogo com a sociedade e em termos de sua conexão com a luta de classes8.
Por fim, podemos indicar que as expressões do feminismo autônomo surgidas em meio a
crítica à institucionalização, em nosso país, nos últimos anos, favorecem ao processo de construção
de uma agenda anticapitalista, antirracista, antissexista e de solidariedade que favorece a
perspectiva de reconhecimento das diversas opressões, vivenciadas pelas mulheres, que o
caracterizam como um sujeito coletivo total.
6 Referências
ALVAREZ, Sônia E. Em que Estado está o feminismo latinoamericano: uma leitura crítica das
políticas públicas com ‘perspectiva de gênero’. Cadernos Sempreviva Gênero nas políticas públicas:
impasses e perspectivas para a ação feminista. Nalu Faria, Maria Lúcia Silveira e Míriam
Nobre(Orgs). São Paulo: SOF, 2000, p. 09-25.
______. Feminismos Latino-americanos. Revistas Estudos Feministas. Rio de Janeiro.
IFSC/UFRJ-PPCIS/UERJ, n. 2, p. 265-284, 1998.
CASTRO, Mary Garcia. Feminismos e feminismos, reflexões à esquerda. Presença de Mulher,
São Paulo, n. 29, p. 03-09, 1997.
CISNE, Mirla. Feminismo e Consciência de classes no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2015
________e GURGEL, Telma. Feminismos no Brasil Contemporâneo: apontamentos críticos e
desafios organizativos. In Revista TEMPORALIS. Brasília (DF), ano 14, n. 27, p. 57-76, jan./jun.
2014.
COLETIVO LEILA DINIZ. Carta para amigas/os e parceiras/os, Natal-RN, 2013.
COLETIVO AUTÔNOMO FEMINISTA LEILA DINIZ. Manifesto do coletivo autônomo
feminista Leila Diniz. 05 DE AGOSTO DE 2014. Disponível em: <
8 Referimo-nos em especial ao coletivo marcha das vadias e o Diadorim em Recife-Pe, o Coletivo Leila Diniz, em
Natal- RN e o grupo Tambores de Safo, em Fortaleza- Ce, entre outras expressões.
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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
https;//www.facebook.com/coletivoleiladiniz/posts/706700192716777> Acesso em 05 de maio de
2016.
COLETIVO DIADORIM. Carta Política. Recife/PE, 2014.
FALQUET, Jules. Le Mouvemement féministe em Amérique Latine et aux Caraïbes: défis et
espoir face à la mondialisations néolibérale. Disponível em julesfalquet.worpress.com/2011.
Acesso em 20/10/2012.
KERGOAT, Danièle. Se battre, disent-elles... Paris: La Dispute, 2012.
KOSIK, Karel. Dialética do Concreto, 3ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.
OLIVEIRA, Thaisa Vanessa Costa. FEMINISMO E AUTONOMIA: um estudo da organização
da Marcha das Vadias em Recife/Pe. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Direitos
Sociais. Mossoró: UERN, 2017, 119 p.
MONTAÑO, Carlos e DURIGUETO, Maria Lúcia. Estado, Classes e Movimentos Sociais. São
Paulo: Cortez, 2011.
PINTO, Celi Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2003.
Abstract: The debate about autonomy in feminism in Brazil has been theorized in several aspects
that demarcate in general, the self-determination of women as the ontological condition of feminism
as a collective subject. In this sense, the main interest of this text is to dialogue with the questions
that revolve around the notion of autonomy in the present and they unfolding in the feminist
political praxis, through the initial data of documentary research with feminist groups in three states
of northeastern Brazil. With this, we try to indicate that among the challenges that surround this
debate is the perspective of autonomy as a demarcating element that, dialectically, establishes the
necessary internal links to every collective subject constituted by multiple oppressions such as
feminism. In this field, we use the notion of total collective as a synthesis of the particularities that
make possible a unity in diversity in the feminist field considering its theoretical-political-social
heterogeneity as an emancipatory subject.
Keywords: feminist movement, autonomy, total collective