feira de artesanato

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VISITA À FEIRA DE ARTESANATO Através de um convite que nos foi formulado pelas Exmas senhoras professoras, Luísa Parra e Sílvia Oliveira, e fazendo parte do programa de Cidadania e Profissionalidade da Unidade de Competência-UC3 DR3, os média e a informação, efectuámos uma visita à Feira de Artesanato de Coimbra, com vista a elaborarmos uma reportagem sobre o evento. Minuciosamente, admirei todas aquelas obras de arte, fruto do trabalho manual de cada pessoa, cultura e saber transmitido ao longo de gerações onde cada peça grande ou pequena é uma obra de arte feita com muito carinho, como que cada uma para além de serem fruto do seu trabalho fossem filhos de si mesmo. Veja-se que alguns artesãos nunca se desfazem de determinadas peças, devido ao carinho com que as fazem. Calmamente percorremos a feira e de tudo quanto observei sobressaíram um técnico de calçado (vulgo sapateiro) de Castro Daire, coisa muita rara nos dias de hoje, que tinha calçado muito bem trabalhado embora o seu preço não fosse muito acessível. Apreciei a tanoaria, pela arte de trabalhar a madeira, as casas de xisto, que fazem lembrar aldeias serranas, as miniaturas de vidro, etc. Em tudo o que mais me despertou a atenção foi uma senhora de Barcelos que era oleira e que fazia manualmente bonecos em barro cinzento. Mulher talvez de cinquenta anos cabelo curto e ruivo de óculos um pouco graduados, explicava minuciosamente cada passo que era preciso dar para dar corpo ao boneco. Desde o amassar, à cozedura, ao vidrar, ao controlar a temperatura do forno, etc. Pensando eu que, para executar tantas tarefas diferentes, a senhora necessitaria de muitas aprendizagens, perguntei-lhe que estudos tinha, ao que me respondeu: sei ler e escrever! Mas o que me despertou realmente mais a atenção foi a, rendilheira de renda de bilros, de Vila do Conde que nos mostrou e explicou como trabalhava. Disse-nos que começou a aprender a trabalhar com os bilros aos cinco anos de idade, frisando que havia trabalhos onde era necessário utilizar mais de três mil bilros. Falou que no museu de Vila do Conde há uma escola onde se aprende esta arte, assim como uma outra em Peniche. Embora o desenho tivesse sido feito a computador, ela conseguia fazê-lo mentalmente já tal é a sua prática de trabalho e mesmo improvisar. 1

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VISITA À FEIRA DE ARTESANATO

Através de um convite que nos foi formulado pelas Exmas senhoras professoras, Luísa Parra e Sílvia Oliveira, e fazendo parte do programa de Cidadania e

Profissionalidade da Unidade de Competência-UC3 DR3, os média e a informação, efectuámos uma visita à Feira de Artesanato de Coimbra, com vista a elaborarmos uma reportagem sobre o evento.

Minuciosamente, admirei todas aquelas obras de arte, fruto do trabalho manual de cada pessoa, cultura e saber transmitido ao longo de gerações onde cada peça grande ou

pequena é uma obra de arte feita com muito carinho, como que cada uma para além de serem fruto do seu trabalho fossem filhos de si mesmo. Veja-se que alguns artesãos nunca se desfazem de determinadas peças, devido ao carinho com que as fazem.

Calmamente percorremos a feira e de tudo quanto observei sobressaíram um técnico de calçado (vulgo sapateiro) de Castro Daire, coisa muita rara nos dias de hoje, que tinha calçado muito bem trabalhado embora o seu preço não fosse muito acessível.

Apreciei a tanoaria, pela arte de trabalhar a madeira, as casas de xisto, que fazem lembrar aldeias serranas, as miniaturas de vidro, etc.

Em tudo o que mais me despertou a atenção foi uma senhora de Barcelos que era oleira e que fazia manualmente bonecos em barro cinzento. Mulher talvez de cinquenta anos cabelo curto e ruivo de óculos um pouco graduados, explicava minuciosamente cada passo que era preciso dar para dar corpo ao boneco. Desde o amassar, à cozedura, ao vidrar, ao controlar a temperatura do forno, etc. Pensando eu que, para executar tantas tarefas diferentes, a senhora necessitaria de muitas aprendizagens, perguntei-lhe que estudos tinha, ao que me respondeu: sei ler e escrever!

Mas o que me despertou realmente mais a atenção foi a, rendilheira de renda de bilros, de Vila do Conde que nos mostrou e explicou como trabalhava. Disse-nos que começou a aprender a trabalhar com os bilros aos cinco anos de idade, frisando que havia trabalhos onde era necessário utilizar mais de três mil bilros. Falou que no museu de Vila do Conde há uma escola onde se aprende esta arte, assim como uma outra em Peniche. Embora o desenho tivesse sido feito a computador, ela conseguia fazê-lo mentalmente já tal é a sua prática de trabalho e mesmo improvisar.

Também admirei os artigos ecológicos, desde malas, carteiras e cintos feitos em corticite provenientes de Setúbal e que estava representada pela Sr.ª Emília Leão – Artesanato em cortiça. Pensei que sendo nós um país tradicionalmente produtor de cortiça poderíamos dedicar-nos à manufactura destes artigos.

Os materiais utilizados pelos artesãos são diversos: desde os trabalhos em pedras de calcário originais e únicas das praias, trabalhos em madeira como as réplicas de embarcações em miniatura e peças em madeira alusivas ao surf, representações de penicheiros e poveiros em tecido endurecido, trabalhos em cerâmica e pintura.

Resumindo: a feira era dominada por expositores sobretudo oriundos do norte do país e distrito de Viseu. As doçarias, constituídas por arroz doce, bolos,

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broas, pão-de-ló, licores que presenciámos oriundas especialmente de Almalaguês tinham bom aspecto e convidavam os transeuntes a adquiri-las. Para dar ânimo à feira havia um rancho folclórico regional. Tivemos ainda ocasião de privar um pouco com um dos responsáveis pela exposição que nos falou das dificuldades económicas que sentem e a razão de esta feira se realizar a seguir à feira do livro.

Artesãos provenientes de várias regiões do país mostraram, durante sete dias, as artes e ofícios artesanais aliados às criações de cariz contemporâneo.

As rendas de bilros despertaram em mim tamanha curiosidade que tive vontade de pesquisar um pouco sobre o assunto, deixando aqui algumas notas de muito interesse e que enriqueceram o meu saber.

Em Portugal a arte da renda de bilros tem especial expressão nas zonas piscatórias do litoral, com maior relevo para Peniche e Vila do Conde, onde esta arte é antiquíssima.

Não é conhecida a origem da renda de bilros. Sabe-se que povos muito antigos usavam tecidos cujo aspecto se assemelhava a renda e que se presume fossem elaborados de forma semelhante à renda actual. Admite-se que os Fenícios podem ter sido agentes divulgadores das rendas, através das suas trocas comerciais e, portanto, também ao longo da costa marítima portuguesa, onde estabeleciam contactos privilegiados. Outra corrente afirma terem chegado ao nosso país através dos contactos com o norte da Europa, onde a arte apareceu nos seus principais portos presumivelmente vinda da Índia.

É um trabalho formado pelo cruzamento sucessivo ou entremeado de fios têxteis, executado sobre o pique e com a ajuda de alfinetes e dos bilros. O pique é um cartão, normalmente pintado da cor açafrão para facilitar a visão por parte da executante, onde se decalcou um desenho, feito por especialistas, cuja origem está na criatividade da autora, que por vezes recorre à estilização de objectos naturais como as flores e animais.

Os alfinetes fixam o trabalho ao pique e são colocados em furos estrategicamente efectuados no desenho base. O bilro é um artefacto de madeira em forma de pêra alongada onde é enrolada a linha (fio têxtil) que vai sendo descarregada à medida que o trabalho avança. Todo o trabalho é executado com o auxílio de uma almofada cilíndrica, onde é fixado o pique, que, por sua vez, está pousada sobre um banco de madeira cuja forma permite a fácil alteração da posição da almofada, que roda sobre si, enquanto permita uma posição cómoda a quem executa.

Indefinida que está a sua origem, resta apurar a data do seu aparecimento no nosso país e, como tal, consta que a primeira vez que se falou na palavra renda, entre nós, terá sido no reinado de D. Sebastião, em 1560.

No reinado de D. João V o país foi inundado e influenciado pelas rendas com origem na Flandres, dado que o protocolo da corte obrigava ao uso das rendas flamengas, facto que veio prejudicar o desenvolvimento das nacionais. Esta situação originou a revolta das rendeiras nortenhas que enviaram o seu protesto, perante o rei, através da vila-condense Joana Maria de Jesus, que conseguiu permissão para o uso das rendas nacionais em lenços, lençóis, toalhas e outro bragal de casa, continuando proibido o seu uso pessoal. As rendas nacionais foram libertadas destas peias em 1751.

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"Onde há redes há rendas" e Peniche não foi excepção, como não foram quase todas as povoações do litoral onde se desenvolve actividade piscatória. Num livro publicada em 1865 pelo então capitão do porto Pedro Cervantes de Carvalho Figueira refere-se que umas senhoras, que na época contavam mais de oitenta anos, afirmavam que a sua tia avó lhes mostrava piques das rendas que tinha feito em menina, o que atesta que as rendas, em Peniche, já se faziam em meados do século XVIII.

Num testemunho datado de 1625, regista-se a doação de uma renda e, poucos anos depois, já a pintora Josefa de Óbidos as inclui em vários dos seus quadros.

Junto à fortaleza existe um imponente monumento à Rendilheira

Entretanto, a originalidade e a qualidade das rendas de bilros atingiram tal grau de perfeição e notoriedade, que hoje são mundialmente conhecidas. Em meados do séc. XIX existiam em Peniche quase mil rendilheiras e, segundo Pedro Cervantes de Carvalho

Figueira, eram oito as oficinas particulares onde crianças a partir dos quatro anos de idade se iniciavam na aventura desta arte. Mas foi em 1887, com a fundação da escola de Desenho Industrial Rainha D. Maria Pia (mais tarde Escola Industrial de Rendeiras Josefa de Óbidos), sob a direcção de D. Maria Augusta Bordalo Pinheiro, que as rendas de Peniche atingiriam um grau de perfeição e arte difíceis de igualar.

Com o advento da industrialização, as rendas de bilros sofreram uma regressão, que atingiu o seu ponto mais drástico com a extinção da disciplina facultativa da sua aprendizagem no ensino secundário. Actualmente, esta arte encontra-se salvaguardada e dignificada, sendo mais de meio milhar as penicheiras que sabem tecer renda de bilros ou se dedicam à sua confecção. Observa-se, neste momento, o renascer do interesse pelas rendas, mercê do apoio que tem sido prestado pela autarquia.

O Museu das Rendas de Bilros de Vila do Conde promove o estudo da história desta arte secular e, simultaneamente, tem desenvolvido projectos que visam o seu relançamento para o século XXI. Do acervo do Museu fazem parte belos exemplares de Rendas de Bilros, desenhos e piques, bilros e almofadas estrangeiras, testemunho dos sucessivos contactos com certos produtores além fronteiras. No único Museu de Rendas de Bilros em Portugal, é ainda possível observar as Rendilheiras e a sua perícia na arte de bem dedilhar os bilros, existindo, no piso superior, uma Escola de Rendas, onde as crianças aprendem a delicada arte de rendilhar.

Os materiais utilizados pelos artesãos são diversos: desde os trabalhos em pedras de calcário originais e únicas das praias, trabalhos em madeira como as réplicas de embarcações em miniatura e peças em madeira alusivas ao surf, representações de penicheiros e poveiros em tecido endurecido, trabalhos em cerâmica e pintura.

Bibliografia:

"Bordados e rendas de Portugal", de Dr. Manuel Maria de Sousa Calvet de Magalhães

“Museu da Rendilheira de Vila do Conde, Câmara municipal de Peniche

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Coimbra, 15 de Maio de 2009

José António da Costa Silva

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