federalismo e descentralizaÇÃo em perspectiva comparada · revista de sociologia e polÍtica nº...

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9 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 24, p. 9-27, jun. 2005 Jonathan Rodden FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA: SOBRE SIGNIFICADOS E MEDIDAS 1 Recebido em 10 de dezembro de 2004 Aprovado em 18 de maio de 2005 DOSSIÊ FEDERALISMO Este artigo revê e redireciona a literatura empírica comparada sobre as causas e conseqüências da descentralização e do federalismo. A “primeira geração” de estudos concebia a descentralização como um jogo de soma zero, de transferência de autoridade do centro para os governos subnacionais; partia das premissas da economia de bem-estar social e da teoria da escolha pública e empregava formas pouco precisas para medir a descentralização do gasto e o federalismo. Em contraste, ao definir diversas modalidades de federalismo e de descentralizações fiscal, política e de políticas; ao medi-las e ao explorar inte-rrelações entre países e ao longo do tempo, este trabalho apresenta um retrato mais preciso da descentralização e do federalismo, que fornece subsídios para explicar a crescente disjunção entre a teoria e as evidências encontradas em diferentes países. Assim, aponta na direção de uma “segunda geração” de trabalhos empíricos mais sofisticados, que levam a política e as instituições a sério. PALAVRAS-CHAVE: federalismo; descentralização fiscal; descentralização política; descentralização de políticas; conceitos. I. INTRODUÇÃO A estrutura básica dos governos encontra-se em processo de transformação no mundo, à me- dida que a autoridade política e os recursos mi- gram do controle dos governos centrais para os subnacionais. Embora cientistas políticos e eco- nomistas venham desenvolvendo uma variedade de teorias para explicar as causas e as conseqü- ências dessas mudanças, observa-se um atraso no que se refere a esforços sistemáticos para tes- tar essas teorias empiricamente. Cada vez mais, os pesquisadores da área estão complementando os estudos de caso com análises de grandes con- juntos de dados que exploram variações diacrônicas e entre países. Embora as dificuldades para co- lher dados exijam que se trabalhe com proposi- ções simples e de elevado nível de abstração, ain- da assim é desejável testar hipóteses sobre fede- ralismo e descentralização com base em informa- ções acerca de um grande número de países e diversas décadas. Embora o escopo e a generali- dade sejam as maiores vantagens oferecidas pelas regressões estatísticas nas análises comparadas, estas também podem criar problemas que amea- çam obscurecer ao invés de clarear os fatos. Dados confiáveis de diversos países sobre descentralização e federalismo são escassos e os conceitos utilizados muitas vezes são tidos com complementares ou mesmo intercambiáveis. A visão dominante sobre descentralização retrata a transferência orgânica e organizada de autonomia política, fiscal e de gestão de políticas. Alguns estudos comparados procuram explicar a descentralização fiscal endogenamente (PANIZZA, 1999; GARRETT & RODDEN, 2003); outros tra- tam a descentralização e o federalismo como exógenos e tentam medir seus efeitos sobre o cres- cimento econômico (DAVOODI & ZOU, 1998) ou como proxies para accountability, corrupção ou qualidade da governança (TREISMAN, 2000a; FISMAN & GATTI, 2002). Outros estudos exa- minaram suas implicações sobre o déficit fiscal, a inflação e a estabilidade macro-econômica (TREISMAN, 2000B; WIBBELS, 2000), enquanto uma literatura mais antiga examina o tamanho e o crescimento dos governos (CAMERON, 1978; OATES, 1985). Cada um desses estudos utiliza uma única e simples medida de descentralização 1 Este artigo foi publicado anteriormante na revista Comparative Politics, New York, v. 36, n. 4, November, 2004. Tradução de Míriam Adelman e Marta Arretche.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 9-27 JUN. 2005

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 24, p. 9-27, jun. 2005

Jonathan Rodden

FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃOEM PERSPECTIVA COMPARADA:

SOBRE SIGNIFICADOS E MEDIDAS1

Recebido em 10 de dezembro de 2004Aprovado em 18 de maio de 2005

DOSSIÊ FEDERALISMO

Este artigo revê e redireciona a literatura empírica comparada sobre as causas e conseqüências dadescentralização e do federalismo. A “primeira geração” de estudos concebia a descentralização como umjogo de soma zero, de transferência de autoridade do centro para os governos subnacionais; partia daspremissas da economia de bem-estar social e da teoria da escolha pública e empregava formas poucoprecisas para medir a descentralização do gasto e o federalismo. Em contraste, ao definir diversasmodalidades de federalismo e de descentralizações fiscal, política e de políticas; ao medi-las e ao explorarinte-rrelações entre países e ao longo do tempo, este trabalho apresenta um retrato mais preciso dadescentralização e do federalismo, que fornece subsídios para explicar a crescente disjunção entre a teoriae as evidências encontradas em diferentes países. Assim, aponta na direção de uma “segunda geração” detrabalhos empíricos mais sofisticados, que levam a política e as instituições a sério.

PALAVRAS-CHAVE: federalismo; descentralização fiscal; descentralização política; descentralização depolíticas; conceitos.

I. INTRODUÇÃO

A estrutura básica dos governos encontra-seem processo de transformação no mundo, à me-dida que a autoridade política e os recursos mi-gram do controle dos governos centrais para ossubnacionais. Embora cientistas políticos e eco-nomistas venham desenvolvendo uma variedadede teorias para explicar as causas e as conseqü-ências dessas mudanças, observa-se um atrasono que se refere a esforços sistemáticos para tes-tar essas teorias empiricamente. Cada vez mais,os pesquisadores da área estão complementandoos estudos de caso com análises de grandes con-juntos de dados que exploram variações diacrônicase entre países. Embora as dificuldades para co-lher dados exijam que se trabalhe com proposi-ções simples e de elevado nível de abstração, ain-da assim é desejável testar hipóteses sobre fede-ralismo e descentralização com base em informa-ções acerca de um grande número de países ediversas décadas. Embora o escopo e a generali-dade sejam as maiores vantagens oferecidas pelas

regressões estatísticas nas análises comparadas,estas também podem criar problemas que amea-çam obscurecer ao invés de clarear os fatos.

Dados confiáveis de diversos países sobredescentralização e federalismo são escassos e osconceitos utilizados muitas vezes são tidos comcomplementares ou mesmo intercambiáveis. Avisão dominante sobre descentralização retrata atransferência orgânica e organizada de autonomiapolítica, fiscal e de gestão de políticas. Algunsestudos comparados procuram explicar adescentralização fiscal endogenamente (PANIZZA,1999; GARRETT & RODDEN, 2003); outros tra-tam a descentralização e o federalismo comoexógenos e tentam medir seus efeitos sobre o cres-cimento econômico (DAVOODI & ZOU, 1998)ou como proxies para accountability, corrupçãoou qualidade da governança (TREISMAN, 2000a;FISMAN & GATTI, 2002). Outros estudos exa-minaram suas implicações sobre o déficit fiscal, ainflação e a estabilidade macro-econômica(TREISMAN, 2000B; WIBBELS, 2000), enquantouma literatura mais antiga examina o tamanho e ocrescimento dos governos (CAMERON, 1978;OATES, 1985). Cada um desses estudos utilizauma única e simples medida de descentralização

1 Este artigo foi publicado anteriormante na revistaComparative Politics, New York, v. 36, n. 4, November,2004. Tradução de Míriam Adelman e Marta Arretche.

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FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA

fiscal, uma distinção binária entre estados fede-rais e unitários ou ambos.

Crescente desilusão com a descentralização eo federalismo, especialmente entre os países emdesenvolvimento, é o leitmotif mais evidente des-sa literatura. Teorias otimistas, começando porMontesquieu e continuando ao longo da modernaeconomia do bem-estar social (OATES, 1972),enfatizaram as vantagens de revelação da infor-mação e de accountability das estruturas gover-namentais mais descentralizadas. As teorias daescolha pública exploraram a possibilidade de quea mobilidade, em contextos descentralizados e dejurisdição múltipla, possa facilitar a adequação entreas preferências dos cidadãos e as políticas gover-namentais (TIEBOUT, 1956; BRETON &SCOTT, 1978), produzir governos menores, maiseficientes e menos corruptos (HAYEK, 1939;BRENNNAN & BUCHANAN, 1980), bem como,sob determinadas condições, mercados mais se-guros e crescimento econômico mais rápido(WEINGAST, 1995). Porém, estudos empíricosrecentes contestam essas teorias, apresentandoevidências que associam a descentralização e ofederalismo a níveis mais altos de percepção dacorrupção (TREISMAN, 2000a), governos mai-ores (STEIN, 1999), instabilidade macro-econô-mica (WIBBELS, 2000) e, sob determinadas con-dições, menor crescimento (DAVOODI & ZOU,1998). Tais estudos freqüentemente apresentamconclusões que põem em dúvida os benefícios dadescentralização e do federalismo.

Contudo, as distinções entre os variados tonsde descentralização e federalismo ainda não fo-ram encaradas com seriedade. Questões sobredesenho, conteúdo e forma da descentralizaçãosão tratadas superficialmente, não porque as teo-rias e as hipóteses relevantes sejam pouco dife-renciadas, mas devido às dificuldades envolvidasna coleta de dados mais refinados. As deficiênci-as dessas medidas freqüentemente são reconhe-cidas, mas defendidas como o custo necessáriopara construir uma amostra de tamanho suficien-te para permitir fazer inferências confiáveis. Masquão altos são esses custos? Será que os indica-dores preferidos de descentralização realmentemedem os conceitos utilizados nas teorias rele-

vantes? Este artigo assume algumas licenças dasregressões utilizadas em análises comparadas eapresenta algumas perguntas básicas sobre defi-nições e medidas. Após distinguir e estabelecerrelações entre tipos de descentralização e federa-lismo, argumento que as relações entre a teoria ea análise empírica da “primeira geração” de estu-dos são bastante tênues.

A primeira tarefa deste artigo é utilizar dadosnovos para apresentar uma descrição empírica econceitualmente mais sólida das formas dedescentralização e federalismo. Esse procedimentoproporcionar-nos-á várias pistas importantes so-bre as razões por que os estudos empíricos exis-tentes destoam tanto das teorias normativas e àsvezes entre si. Acima de tudo, em lugar de forta-lecer a autoridade independente dos governos es-taduais e municipais, a descentralização muitasvezes cria uma forma de governo mais complexae entrelaçada que pouco se parece com as formasde descentralização previstas nos manuais sobreo federalismo fiscal ou nas teorias de escolha pú-blica. Em segundo lugar, à luz destes fatos, o ar-tigo reavalia o que se aprendeu com a primeirageração de estudos comparados e enfatiza for-mas de melhorar a coleta de dados, a teoria e oslaços entre ambas.

II. DESCENTRALIZAÇÃO

A descentralização é freqüentemente concebi-da como a transferência de autoridade dos gover-nos centrais para os governos locais, tomando-secomo fixa a autoridade total dos governos sobre asociedade e a economia. Os esforços para definire medir a descentralização concentraram-se pri-mordialmente na autoridade fiscal e, em grau me-nor, na autoridade política e da gestão de políti-cas.

II.1. Descentralização fiscal

A maior parte dos estudos empíricos sobredescentralização enfoca exclusivamente a distri-buição das despesas e receitas entre níveis de go-verno. Esses estudos apóiam-se principalmente napublicação do FMI Government Finance StatisticsYearbook (daqui em diante, “GFS”) para calculara participação dos governos locais e regionais nototal do gasto governamental.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 9-27 JUN. 2005

FONTE: o autor, a partir de: colunas 1 a 3: GFS; colunas 4, 5 e 8: Rodden (2002); colunas 6 e 7: OECD (1999).

TABELA 1 – VARIÁVEIS DE DESCENTRALIZAÇÃO FISCAL (MÉDIAS DOS ANOS 1990)

1 2 3 4 5 6 7 8 Gastos do gov. local-estados/Total de gastos

Transfe-rências/Total das receitas dos gov. locais-estados

Receitas próprias dosestados-gov. locais/ Receita total

Transf.+receitas compar-tilhadas/Receita dos estados-gov. locais

Receitas próprias dos estados-gov. locais/ Total da receita

Receitas tributá-rias dos estados-gov. local/Re-ceitas totais (autono-mia sobre taxas)

Receitas tributá-rias dos estados-gov. locais (autono-mia sobre taxas e bases)

Autono-mia para contrair emprés-timos

Argentina 0,44 - - 0,56 0,18 - - 4,0 Austrália 0,50 0,40 0,32 0,37 0,33 - - 2,5 Áustria 0,34 0,27 0,27 0,58 0,16 0,008 0,004 1,6 Bélgica 0,12 0,56 0,06 - - 0,048 0,004 - Bolívia 0,21 0,09 0,18 0,43 0,11 - - 1,5 Botsuana 0,03 0,83 0,01 0,84 0,01 - - 1,0 Brasil 0,41 0,34 0,28 0,36 0,27 - - 4,5 Bulgária 0,19 0,35 0,15 0,92 0,02 - - 1,0 Canadá 0,65 0,26 0,51 0,32 0,47 0,321 0,299 2,7 Colômbia - - - 0,38 - - - 3,0 Dinamarca 0,54 0,09 0,31 0,43 0,32 0,174 0 1,5 Finlândia 0,41 0,43 0,33 0,36 0,31 0,196 0 3,0 França 0,19 0,73 0,13 0,39 0,12 - - 3,0 Alemanha 0,45 0,72 0,34 0,70 0,13 0,0090 0,0002 2,5 Guatemala 0,10 0,40 0,04 0,67 0,03 - - 2,0 Hungria 0,10 0,66 - - - 0,018 0 - Islândia 0,23 0,19 0,23 - - 0,184 0 - Índia 0,49 0,43 0,33 0,42 0,34 - - 2,5 Indonésia 0,13 0,73 0,03 - - - - - Irlanda 0,29 0,72 0,09 0,74 0,08 - - 1,8 Israel 0,14 0,40 0,08 0,38 0,09 - - 2,4 Itália 0,23 0,66 0,09 0,80 0,05 - - 2,5 Malásia 0,14 0,19 0,16 - - - - - México 0,23 0,11 0,20 0,59 0,09 0,018 0,018 2,6 Holanda 0,30 0,70 0,09 0,70 0,09 0,010 0 2,3 Nigéria 0,48 0,86 0,09 0,86 0,09 - - 1,0 Noruega 0,35 0,40 0,22 0,39 0,22 0,004 0 1,6 Peru 0,23 0,73 0,07 0,05 0,23 - - 2,5 Filipinas 0,08 0,46 0,05 0,41 0,06 - - 1,0 Polônia 0,17 0,31 0,13 0,54 0,09 0,032 0 2,0 Portugal 0,09 0,48 0,05 0,40 0,06 0,011 0,009 2,5 Paraguai 0,02 - 0,01 0,23 0,01 - - 2,0 Romênia 0,11 0,44 0,07 0,44 00,7 - - 1,0 Espanha 0,36 0,60 0,16 0,56 0,17 0,053 0,022 2,5 Suécia 0,37 0,18 0,33 0,20 0,32 0,183 0,006 3,0 Suíça 0,55 0,25 0,41 0,19 0,45 0,179 0,113 3,0 Tailândia 0,06 0,28 0,05 - - - - - Inglaterra 0,29 0,71 0,09 0,74 0,08 0,040 0 1,5 EUA 0,53 0,30 0,42 0,34 0,39 0,177 0,177 3,0

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FONTES: 1a: GFS; 1b: Henderson (s/d); 1c: Henderson (s/d) e World Bank (2000); 1d a 1f: Henderson (s/d).

FIGURA 1 – INDICADORES DE DESCENTRALIZAÇÃO SELECIONADOS (SÉRIES TEMPORAIS)

1a: Average Expenditure Decentralization, 29 countries

00.10.20.30.40.5

1965 1975 1985 1995

1c: Percent of countries with elected subnational governments (43 countries)

00.20.40.60.8

1

1965 1975 1985 1995

local

regional

1b: Percent of countries where center cannot easily override SNG (43 countries)

0

0.2

0.4

0.6

0.8

1965 1975 1985 1995

1d: Percent of countries with decentralized primary education policy (43 countries)

0

0.2

0.4

0.6

1965 1975 1985 1995

1e: Percent of countries with decentralized infastructure policy (43 countries)

0

0.2

0.4

0.6

1965 1975 1985 1995

1f: Percent of countries with decentralized police policy (43 countries)

0

0.2

0.4

0.6

1965 1975 1985 1995

1a – DESCENTRALIZAÇÃO DOS GASTOS MÉDIA (29 PAÍSES)

1b – PERCENTUAL DE PAÍSES CUJOS GOVERNOSCENTRAIS NÃO PODEM FACILMENTE PREVALECERSOBRE OS GOVERNOS SUBNACIONAIS (43 PAÍSES)

1c –PERCENTUAL DE PAÍSES COM GOVERNOSSUBNACIONAIS ELEITOS (43 PAÍSES)

1d – PERCENTUAL DE PAÍSES COM POLÍTICASDE EDUCAÇÃO PRIMÁRIA DESCENTRALIZADAS(43 PAÍSES)

1e – PERCENTUAL DE PAÍSES COM POLÍTICAS DEINFRA-ESTRUTURA DESCENTRALIZADAS(43 PAÍSES)

1f – PERCENTUAL DE PAÍSES COM POLÍTICAS DESEGURANÇA DESCENTRALIZADAS (43 PAÍSES)

NOTAS: Compartilhados entre os governos central e subnacionais Compartilhados entre dois ou mais níveis subnacionais Um nível subnacional apenas

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FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA

A primeira coluna da Tabela 1 apresenta dadossobre a descentralização de gastos para todos ospaíses para os quais o GFS fornece uma boa co-bertura ao longo dos anos 1990. Bem mais do quea metade do gasto público é realizada pelos níveisregionais e local, em federações descentralizadas

como Canadá e Suíça, enquanto essa proporção éinferior a 4% em alguns países altamente centra-lizados da África. Esses dados permitem-nos tra-çar ainda – o que é mais importante – a evoluçãoda descentralização fiscal ao longo do tempo.

A Figura 1a apresenta as médias da participa-ção dos governos locais e regionais no total dogasto, para um conjunto de 29 países para os quaisexistem séries temporais a partir de 1978. Obser-va-se uma tendência ascendente notável: em 1978,em torno de 20% dos gastos eram feitos nos ní-veis subnacionais; em 1995, essa média havia sal-tado para mais de 32%. Contudo, isso de maneiraalguma representa uma tendência universal. Emalguns países, a distribuição da autoridade de gas-

to retornou para os governos centrais nos anos1990, enquanto a descentralização fiscal prevale-ceu mais na Espanha e em boa parte da AméricaLatina.

Entretanto, um olhar rápido sobre esses dadosnão inspira grande confiança com relação à suautilidade como uma medida composta dedescentralização da autoridade. Por exemplo, aDinamarca é o terceiro país mais descentralizadodo mundo, segundo a Tabela 1 – ainda mais des-

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 9-27 JUN. 2005

centralizado do que os EUA – embora o governocentral regule quase todos os aspectos das finan-ças dos governos locais. A Nigéria aparece emsétimo lugar, mesmo que os estados, durante operíodo de regime militar, fossem pouco mais doque postos administrativos do governo central.

Em resumo, é difícil interpretar os dados so-bre a descentralização do gasto sem informaçõesadicionais sobre a estrutura regulatória das finan-ças subnacionais. A maior parte dos argumentosteóricos que enfatizam os ganhos de eficiênciaobtidos pela descentralização (assim como os ar-gumentos mais recentes que apontam para os pe-rigos desta última) implicitamente assumem queos avanços – deterioração – em “responsividade”[responsiveness] ou os incentivos para os esfor-ços dos governos locais derivam da maior auto-nomia em relação em relação ao governo centralcentral, assim como na teoria da organização in-dustrial, para a maior parte da literatura, a essên-cia da descentralização reside no fato de que elapermite maior discrição para os governos locaiscombinada à limitação de acesso do centro à in-formação, restringindo assim a capacidade do úl-timo de anular decisões locais ex post (QIAN &WEINGAST, 1997). Ao comparar firmas, se asdivisões regionais da firma A gastam mais do queas divisões regionais da firma B, isso não neces-sariamente é reflexo de uma descentralização maiorda primeira se os gerentes regionais da firma Aestão mais sujeitos a um controle rígido por parteda sede central e suas decisões sofrem interven-ção freqüente, enquanto a firma B é essencialmenteum conglomerado. No mesmo sentido, adescentralização do gasto governamental pode di-zer muito pouco sobre o locus da autoridade.

Uma consideração importante diz respeito àsfontes de financiamento da descentralização dogasto: se ela provém de transferênciasintergovernamentais, receita compartilhada como centro de acordo com uma fórmula fixa ou daarrecadação de receitas próprias, tais como im-postos ou tarifas pagas por usuários, ou aindaempréstimos. Até recentemente, quase todos osestudos comparados ignoraram essas diferenças.O GFS de fato inclui uma linha nas suas contasdas receitas subnacionais chamada “transferênci-as” [grants], mas para muitos países elas não in-cluem as transferências constitucionalmente com-partilhadas. Pode-se utilizar essa informação paracalcular a dependência dos governos locais e re-gionais em relação às transferências. Essas médi-

as estão apresentadas na segunda coluna da Ta-bela 1. Além disso, pode-se obter uma medida al-ternativa de descentralização fiscal, calculando-se a participação das receitas próprias dos gover-nos locais na receita governmental total (terceiracoluna da Tabela 1). Embora seja uma fonte úutilpara observar a variação ao longo do tempo, deve-se tomar cuidado ao fazer inferências baseadasna variação entre países, porque os registros so-bre as receitas de transferências e as receitas pró-prias não parecem ser consistentes entre os paí-ses.

Uma forma de obter medidas mais seguras doque as do GFS seria utilizar informações dos pró-prios países, para construir uma medida de auto-nomia de receitas dos governos subnacionais quenão codifique automaticamente receitas derivadasde mecanismos de partilha tributária como receitaprópria. A quarta coluna da Tabela 1 apresenta umamedida da participação das transferências maisreceitas partilhadas no total das receitas dos go-vernos subnacionais e a coluna seguinte apresen-ta uma medida das receitas próprias como parce-la da receita total (RODDEN, 2002). Esta última éuma alternativa à variável simples “descentralizaçãodo gasto” – representa uma tentativa de medir aparcela da receita governamental total que é efeti-vamente arrecadada por meio dos esforços dosgovernos subnacionais.

Contudo, mesmo essa variável ainda exagerao grau de autonomia dos governos subnacionaiscom relação às suas receitas. Embora os gover-nos subnacionais possam arrecadar receitas cha-madas de “fonte própria”, o governo central podeainda manter o poder de decisão acerca dasalíquotas e das bases tributárias, deixando aosgovernos subnacionais o simples papel de coletarimpostos de acordo com a determinação central.Um estudo recente da Organização para a Coope-ração e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE)examina esse problema complexo, mas infelizmen-te aborda apenas um pequeno número de países(OECD, 1999). Tal estudo permite-nos calcularduas variáveis adicionais: a parcela do total dasreceitas de impostos sobre a qual os governossubnacionais possuem autonomia plena para fixar(1) as alíquotas de seus próprios impostos e (2)as taxas e as fontes de seus impostos. Essas vari-áveis, também apresentadas na Tabela 1, apresen-tam um retrato muito diferente da autonomia fis-cal dos governos subnacionais. Vários países emque os governos subnacionais são responsáveis

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FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA

por uma grande parcela do total do gasto (coluna1) e da taxação (coluna 5), esses governossubnacionais têm muito pouca autonomia sobreas alíquotas e as fontes de tributação (coluna 7).De fato, este estudo deixa claro que os EUA, oCanadá e a Suíça são um caso à parte quando se

trata da autoridade autônoma sobre as receitassubnacionais. Um objetivo importante para a co-leta de novos dados seria a expansão e aperfeiço-amento do estudo da OCDE, especialmente paraos países em desenvolvimento.

FONTES: o autor, exceto: ** GFS; *** Rodden (2002).NOTAS:1. Coeficientes de simples correlação pairwise.2. Número de casos sobrepostos em itálico.3. * Significância de 0,05.

TABELA 2 – CORRELAÇÃO DE COEFICIENTES DE VARIÁVEIS DE DESCENTRALIZAÇÃO (ANOS 1990)

Gastos dogov. local-estados/ Total de gastos

Transfe-rências/ Total das receitas dos gov. locais-estados

Receitas próprias dos estados-gov. locais/Re-ceita total

Transf.+ receitas comparti-lhadas/ Receita dos es-tados-gov. locais

Receitas próprias dos esta-dos-gov. locais/To-tal da receita

Receitas tributárias dos esta-dos-gov. local/ Re-ceitas to-tais (auto-nomia so-bre taxas)

Receitas tributárias dos esta-dos-gov. locais (au-tonomia sobre ta-xas e ba-ses)

Autono-mia para contrair emprés-timos

Autono-mia política

Eleições subna-cionais

Transfe-rências/ Receitas estaduais

-0,1958

35

Receitas estaduais próprias/ Receitas totais**

0,8729*

36

-0,5908*

35

Transfe-rências+ receitas comparti-lhadas/ Receitas estaduais

-0,1668 32

0,4600* 30

-0,3724* 31

Receitas estaduais próprias/ Receitas totais***

0,8419* 32

-0,4182* 30

0,8995* 31

-0,5979* 32

Receitas fiscais estadu-ais/Re-ceitas totais (autono-mia de taxas)

0,6407* 19

-0,3817 18

0,7257* 18

-0,6557* 16

0,8698* 16

Receitas fiscais estaduais/Receitas totais (autono-mias de taxa e de base)

0,6399* 19

0,2278 18

0,6806* 18

-0,434 16

0,7027* 16

0,6797* 19

Autono-mia para contrair emprés-timos

0,4126* 32

-0,3545 30

0,4953* 31

-0,4510* 34

0,5126* 32

0,2246 16

0,2741 16

Autono-mia política

0,5130* 23

0,1499 19

0,3402 19

0,0833 19

0,1067 17

0,3417 10

0,3117 10

0,1038 19

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A Tabela 2 apresenta uma matriz de dupla en-trada de coeficientes de correlação para todas asvariáveis contempladas neste artigo. O número decasos que servem de base para as correlaçõesaparece em itálico. As variáveis referentes à mo-dalidade de descentralização, baseada na “receitade fonte própria”, calculadas a partir do GFS edas informações dos próprios países, apresentamcorrelações elevadas, de 0,9. Seguindo a primeiracoluna para baixo, encontram-se correlações re-lativamente elevadas (0,87 e 0,84) entre as variá-veis “descentralização do gasto” e “arrecadaçãode recursos de fonte própria”, calculadas com basenas informações do GFS e nas informações dospróprios países. Contudo, para a amostra menorda OCDE, a correlação entre a descentralizaçãodo gasto e qualquer uma das variáveis referentesà arrecadação local autônoma de impostos cai paraaproximadamente 0,64.

Adicionalmente, os governos centrais podemtentar restringir a autonomia fiscal dos governossubnacionais, não somente por meio de transfe-rências condicionadas e da regulação da arreca-dação local de impostos, como também impondolimitações formais à obtenção de empréstimospelos governos subnacionais. A capacidade deaceder os mercados de crédito ou outras fontesde financiamento do déficit é um componenteimportante da autonomia fiscal dos governossubnacionais. Um índice criado pelo BancoInteramericano de Desenvolvimento considera asexigências para autorização de endividamento, oslimites quantitativos e as restrições ao uso de dí-vidas impostas pelo governo central, assim comoa possibilidade de obter empréstimos dos bancose empresas públicas de propriedade dos governossubnacionais (em 1995). Essa variável, com es-cala de 1 a 5, é apresentada na última coluna daTabela 1. A Tabela 2 mostra que a autonomia paraobter empréstimos está positivamentecorrelacionada às medidas de gastos e dedescentralização das receitas e negativamentecorrelacionada às dependência de transferências(cf. HAGEN & EICHENGREEN, 1996;RODDEN, 2002).

II.2. A descentralização de políticas

A descentralização de políticas raramente éexaminada pelos estudos empíricos, porque é muitodifícil medí-la. Afortunadamente, VernonHenderson recentemente tomou para si essa tare-fa (HENDERSON, 2000). Em primeiro lugar,

Henderson perguntou se o governo central tem odireito legal de sobrepor-se às decisões tomadaspelos níveis subnacionais com relação às políti-cas sob sua competência “com uma facilidade quecoloque em questão sua autoridade”(HENDERSON, s/d). Embora essa codificaçãoenvolva uma certa liberdade de critérios, a figura1b mostra que, em 1975, 21% dos governos cen-trais da amostra de Henderson não possuíam odireito legal de anular as decisões e políticas to-madas localmente, mas em 1995 essa porcenta-gem havia pulado para 60%. Em segundo lugar,Henderson perguntou que nível do governo é res-ponsável pela tomada de decisões em cada umade três áreas de política: educação básica (autori-dade sobre currículo e contratação ou demissãode professores), infra-estrutura (construção localde estradas) e a força policial local. Os gráficosdas figuras 1d a 1f mostram uma tendência ine-quívoca na direção de uma influência maior dosgovernos locais e regionais em cada uma dessasáreas.

Talvez o aspecto mais impressionante dessesgráficos seja a prevalência de autoridade compar-tilhada. A porção da amostra em que existe autori-dade compartilhada entre o governo central e umou mais dos governos locais está indicada pormeio de uma linha pontilhada. Muito raramente osgovernos centrais cedem autonomia plena aosgovernos subnacionais. Na vasta maioria dos ca-sos, a descentralização envolve um movimento deuma situação de completo controle do governocentral para a de um envolvimento conjunto entreo centro e uma ou mais unidades subnacionais.Mesmo nos casos em que o governo central nãoestá envolvido, a autoridade é freqüentementecompartilhada por dois ou mais níveis de governo(apresentados na tabela com tipo normal). Final-mente, as situações em que apenas um nível degoverno está envolvido na elaboração das políti-cas (apresentado em negrito) são extremadamenteraras. A literatura sobre o federalismo fiscal assu-me o “pressuposto de que a provisão de serviçospúblicos deve estar localizada nos níveis menoresdo governo, abrangendo, espacialmente, os custose benefícios relevantes” (OATES, 1999, p. 1 124).A prescrição normativa e, em última instância, asteorias positivas que dela são derivadas supõemuma nítida compartimentalização da autoridade,de acordo com algo que se assemelha ao princí-pio do subsidiariedade, combinada à autoridadecompartilhada ocasionalmente, para as tarefas em

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que os custos e os benefícios relevantes recaementre os níveis de governo. Contudo, os dados doGráfico 1 mostram que os governos centrais eregionais estão freqüentemente envolvidos atémesmo em assuntos relacionados ao currículo,contratação e demissão de professores do ensinofundamental, assim como decisões sobre a cons-trução de estradas municipais.

É possível transformar os dados sobre políti-cas do Gráfico 1 em uma medida simples da au-tonomia dos governos subnacionais sobre as po-líticas. Uma estratégia razoável consiste em atri-buir dois pontos para os países que não têm con-trole central sobre as políticas dos governossubnacionais, dois pontos para cada área de polí-tica em que o controle é exercido exclusivamentepelos governos regionais ou locais e um pontopara as áreas de política em que os governossubnacionais compartilham suas decisões com ocentro. Para 1995, o índice vai de zero a sete. ATabela 2 mostra que essa variável apresenta umacorrelação de 0,51 com a descentralização do gas-to, mas é interessante notar que ela não é signifi-cativamente correlacionada com nenhuma dasoutras medidas de decentralização.

II.3. A descentralização política

A seguir, é possível obter algum conhecimen-to sobre a descentralização política acompanhan-do eleições regionais e locais ao longo do tempo.O Gráfico 1c apresenta a parte da amostra emque os governos regionais e locais são eleitos porvoto popular, mostrando mais uma vez uma ten-dência evidente em direção à descentralização.Enquanto somente 30% dos governos locais daamostra eram eleitos em 1970, em 1999 essa par-cela havia aumentado para 86%. Para muitos des-ses países, essa mudança representa parte de umamudança maior, do autoritarismo para a demo-cracia, no final dos anos 1980 e início dos anos1990.

Um índice simples de descentralização políti-ca, variando de zero a dois, atribui um ponto paracada nível subnacional em que os membros dopoder Executivo foram eleitos por voto popularem 1995. Não surpreende que a Tabela 2 mostreque as autoridades locais eleitas por voto populargozem de maior grau de autonomia na gestão daspolíticas do que as autoridades nomeadas e quetenham poder de decisão sobre uma proporçãomaior das despesas públicas.

Embora seja útil a distinção binária entre auto-ridades eleitas e nomeadas, variações mais sutisna descentralização política entre sistemas que ele-gem diretamente seus governos subnacionais sãomais difíceis de quantificar, embora sejam de gran-de importância. Acima de tudo, é importante ava-liar a relação entre as arenas eleitorais de níveislocal e central. Por exemplo, a lista de candidatosque competem nas eleições locais pode ser esco-lhida pelos dirigentes do partido no governo cen-tral. Do outro lado do espectro, as autoridadeslocais ou estaduais podem desempenhar um pa-pel-chave na seleção de candidatos para as elei-ções governamentais do governo central. Porexemplo, na Austrália e na Alemanha, as listas dospartidos para as eleições federais são elaboradaspelos líderes partidários estaduais, assim como,nos EUA, os estados desempenham um papel fun-damental na seleção dos candidatos à presidência.Embora essas questões sejam examinadas em al-guns poucos estudos de caso (GARMAN,HAGGARD & WILLIS, 2001), uma meta valiosapara as pesquisas futuras seria a compilação deum conjunto de dados comparativos de diversospaíses.

De maneira mais abstrata, essas variáveis sãointeressantes em caso de querermos avaliar a in-dependência relativa (ou interdependência) dasarenas eleitorais dos níveis central e subnacionais.Por exemplo, as eleições dos governos estaduaisnos EUA são conhecidamente influenciadas pelaavaliação que os eleitores fazem do presidente eseus colegas de partido. Governadores – sem sorte– podem ser apenados pelos efeitos de puniçãodas eleições realizadas na metade do mandato,enquanto outros – mais felizardos – podem pegarcarona na popularidade do presidente em perío-dos de prosperidade econômica. Em um exemplomais extremo das externalidades entre eleiçõescentrais e subnacionais, os eleitores alemães en-caram as eleições estaduais como competiçõesfederais de metade do mandato, pois determinamdiretamente a composição partidária da poderosacâmara alta. Por outro lado, David Samuels suge-re que no Brasil, onde os estados são os distritoseleitorais, as eleições federais sofrem forte influ-ência da política do nível estadual em que os go-vernadores jogam um papel crítico (SAMUELS,2000).

O sucesso de uma autoridade subnacional temum componente que se baseia nas avaliações acer-ca de seu desempenho no nível local e um com-

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ponente que provém da avaliação de seu partidono nível nacional. Não obstante essa “carona”,vários estudos demonstram vínculos claros entreo desempenho fiscal no plano estadual e o desem-penho macro-econômico e os resultados das elei-ções para Governador, nos EUA. Assim, aschances de reeleição dos governadores nos EUAtêm claros componentes nacionais e estaduais.Uma estimativa da dimensão desses componen-tes para as autoridades subnacionais em diversospaíses dir-nos-ia muito sobre sua motivação, porexemplo, para a cooperação intergovernamental,o esforço local ou a disciplina fiscal.

Uma avaliação menos precisa, porém maisoperacional, da relação entre as arenas eleitoraiscentrais e subnacionais foi sugerido primeiramentepor William Riker e Ronald Shaps (1957) e foiempregada em uma amostra de 14 federaçõesdesde os anos 1970 (RODDEN & WIBBELS,2002): o número de governadores de nível esta-dual ou provincial com a mesma filiação partidá-ria do poder Executivo federal. Esse dado permiteobservar as variações na (des)centralização polí-tica ao longo do tempo e facilita comparações úteisentre países. Permite acompanhar, por exemplo,o dramático declínio da dominação do Partido doCongresso na Índia, a erosão gradual do domíniodo PRI (Partido Revolucionário Institucional) noMéxico, a fragmentação do sistema federal brasi-leiro e os episódios de autoritarismo e federalismodemocrático na Nigéria. Embora seja baixo o nú-mero de casos que coincidem, a Tabela 2 mostraque, na média, nos anos 1990, essa “harmoniapartidária” está negativamente correlacionada commedidas de descentralização fiscal e política.

III. FEDERALISMO

O federalismo não é uma distribuição particu-lar de autoridade entre governos, mas sim um pro-cesso – estruturado por um conjunto de institui-ções – por meio do qual a autoridade é distribuídae redestribuída. O federalismo remete-se à pala-vra fœdus, no latim, que significa “contrato”. Apalavra veio a ser usada para descrever acordoscooperativos entre estados, geralmente para fina-lidades de defesa. Acordos formais e contratosimplicam reciprocidade: qualquer que seja o pro-pósito, os envolvidos devem cumprir alguma obri-gação mútua. Se o governo central pode obter tudoo que deseja dos governos locais por meio de sim-ples atos administrativos, faz pouco sentido en-carar ambos como engajados em uma relação

contratual ou federal. O federalismo significa quepara algum subconjunto das decisões ou ativida-des do govero central, torna-se necessário obtero consentimento ou a cooperação ativa das unida-des subnacionais.

Antes de examinar os detalhes das instituiçõesque balizam os contratos federais, é importantecompreender como e porque os contratos fede-rais fazem-se pela primeira vez. Tanto a definiçãoquanto a operação do federalismo estão imersasnas condições históricas que fizeram emergir ocontrato original. William Riker (1964) argumen-ta que as federações modernas surgiram de nego-ciações que visavam a garantir defesa militar con-tra um inimigo comum, embora seja possível acres-centar-se outros bens coletivos como o livre co-mércio e uma moeda comum. As alianças e asconfederações costumam sofrer de instabilidade,comportamento oportunista e problemas de açãocoletiva; contudo, se os incentivos para a coope-ração são suficientemente fortes e os incentivospolíticos são adequadamente alinhados, os repre-sentantes das entidades envolvidas podem nego-ciar uma nova estrutura de governo baseada emum governo central com forte autoridade e regrasdecisórias que exigem algo menos que a unanimi-dade. Uma vez feito esse contrato, ele toma vidaprópria e continua vigendo mesmo após a derrotado inimigo ou a conquista de um mercado oumoeda comum. Alfred Stepan (1999) identificaum segundo caminho em direção ao federalismo.Muitos estados multinacionais formaram-se nãopor meio de acordos voluntárias, mas por meioda conquista e do colonialismo. Diante do desafiode manter unido um estado multinacional, um pactofederal torna-se necessário, para conservar a uni-dade nacional e evitar os temores de exploraçãointerétnica.

Em ambos os cenários, o contrato federal ori-ginal é um acordo sobre a composição e os pode-res do governo central, bem como sobre as “re-gras do jogo” que estruturarão as futurasinterações entre esse governo e as unidades que ocompõem. Os efeitos da barganha original tor-nam as federações diferentes dos sistemas unitá-rios. As unidades não cederão autoridade ao cen-tro sem salvaguardas contra a exploração futura,seja por parte do centro mesmo, seja por partedos outros estados. Desse modo, os acordos fe-derais geralmente incluem: a) uma constituição queproteja a soberania e a autonomia das unidades,incluindo em alguns casos b) cláusulas que lhes

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atribuem todos os “poderes residuais” que foramexplicitamente atribuídos ao centro; a credibilidadedessa legislação muitas vezes está vinculada à pre-sença de c) um tribunal constitucional forte e in-dependente; mais importante, acordos federaisexigem d) maiorias ou supermaiorias das unida-des territoriais para efetuar uma ampla gama demudanças nas políticas – especialmente mudan-ças na distribuição vertical básica de autoridadepolítica e fiscal ou na Constituição.

Desde a Filadélfia de 1776 até a Reunião deCúpula da Comunidade Européia em Nice no ano2000, está claro que, na adoção de um acordofederal, as maiores preocupações relativas à pos-sibilidade de exploração provêm dos pequenos ter-ritórios que seriam sistematicamente derrotadosse os votos fossem distribuídos de acordo com apopulação. Assim, estados pequenos tendem a in-sistir em esquemas de representação baseados no

território, enquanto estados grandes defendem arepresentação proporcional à população. O com-promisso geralmente envolve uma câmara baixade base demográfica e uma câmara alta que so-bre-representa os estados pequenos2. Dados com-parativos coletados por David Samuels e RichardSnyder mostram que as federações apresentamníveis muito mais elevados de sobrerepresentaçãoda câmara alta do que os sistemas unitários(SAMUELS & SNYDER, 2001).

Portanto, o federalismo é uma forma de agre-gação de preferências que freqüentemente depen-de de acordos entre os governos territoriais ouseus representantes, em contraste com o princí-pio majoritário (CREMER & PALFREY, 1999).Mas isso de modo algum implica um conceito bi-nário. A Tabela 3 retrata um continuum que refleteo papel dos governos territoriais nos processosde elaboração de políticas do governo central.

No extremo esquerdo, as decisões são toma-das por maiorias de indivíduos – os distritosterritoriais não desempenham nenhum papel. Tal-vez os melhores exemplos modernos sejam osreferendos ou as assembléias de cidades [townmeetings] nas áreas rurais da Nova Inglaterra3 ouna Suíça. Ou, para fornecer um exemplo mais

realista no nível nacional, Israel – com somenteum distrito eleitoral que abrange o país inteiro –, é

2 Outra explicação para a má distribuição é que a riquezafundiária e os proprietários de capital procuram isolar-sedas demandas em favor da redistribuição provenientes dos

TABELA 3 – PAPEL DOS GOVERNOS TERRITORIAIS NO PODER LEGISLATIVO

Unitário Federal Confederado

FONTE: o autor.NOTA: n/d: não disponível.

Unidades de decisão

Indivíduos Represen-tantes distritais eleitos que nãocorrespon-dem aos governos territoriais

Represen-tantes distritais eleitos que correspon-dem aos governos territoriais

Represen-tantes distritais eleitos que correspon-dem aos governos territoriais

Represen-tantes distritais indicados pelos governos territoriais

Represen-tantes distritais indicados pelos governos territoriais

Regra da representa-ção distrital

N/d Uma pessoa, um voto

Uma pessoa, um voto

Sobre-re-presentação

Sobre-re-presenta-ção

Sobre-re-presentação

Requisitos para mudanças nas políticas

Maioria simples

Maioria simples

Maioria simples

Maioria simples

Maioria simples

Maioria qualificada ou super-maioria

Exemplo Assembléia da cidade (town meeting)

Parlamento britâncio

Câmara alta italiana

Senado estaduni-dense

Bundesrat alemão

Conselho de Ministros da União Européia

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um país em que os níveis menores do governonão coincidem com nenhuma zona territorial quetenha papel formal nos processos decisórios dogoverno central. Seguindo esse continuum, temosos legislativos eleitos por distritos territoriais – omodelo da maior parte das legislaturas modernas.Mesmo que esses distritos não correspondam àsfronteiras dos governos territoriais (como nos sis-temas ao estilo Westminster, em que aredistritalização é freqüente), pode-se esperar maisnegociação territorial que nos sistemas sem dis-tritos. Seguindo ao longo desse continuum, en-contram-se os legislativos em que as fronteirasdos governos territoriais e dos distritos eleitoraiscorrespondem uns aos outros, mas as cadeirassão alocadas de acordo com a população, como éo caso da câmara alta na Itália.

A próxima posição na Tabela 3 é ocupada pelacâmara alta da grande maioria das federaçõesmodernas, incluindo os EUA. Nela, cada territó-rio tem o mesmo número de representantes dire-tamente eleitos, independentemente da sua popu-lação. Mas a posição que segue é ainda mais “fe-deral”: no Senado original dos EUA, assim comono moderno Bundesrat alemão, os representantessão nomeados diretamente pelos governos esta-duais. Finalmente, no extremo esquerdo da Tabe-la 3, encontram-se os legislativos em que os re-presentantes são nomeados diretamente, os esta-dos pequenos estão sobre-representados e asmudanças do status quo exigem supermaiorias ou,em um caso extremo, unanimidade. Para mudan-ças constitucionais, o Bundesrat alemão pertencea esse grupo, assim como o Conselho de Minis-tros da Comunidade Européia, para as questõesmais importantes. A cada posição mais à direitanesse espectro, os governos territoriais assumemmaior precedência como unidades relevantes naconstrução das maiorias legislativas e pode-se di-zer que a representação torna-se mais “federal”.

A representação dos estados na elaboração depolíticas do governo central faz parte da essênciado federalismo (KING, 1982). Entretanto, umadefinição estrita pareceria excluir o Canadá, poissuas províncias não têm representação formalcomo veto players nos processos decisórios dogoverno federal. Contudo, os governos federal e

provinciais estão claramente presos a um proces-so contínuo de negociação intergovernamental,que ocorre principalmente externamente às insti-tuições do governo central. O governo central doCanadá chega até a assinar acordos contratuaiscom as províncias. Embora ele não seja obrigadoa obter a aprovação dos governos provinciais paraelaborar políticas, freqüentemente precisa agradá-las, fazendo-lhes barganhas e pagamentos. Osgovernos centrais da Rússia e da Espanha envol-vem-se diretamente em negociações bilaterais emultilaterais com os governos regionais; na Ale-manha e na Austrália, há uma variedade de orga-nismos multilaterais de negociação, formais e ori-entados para a elaboração de políticas específi-cas, que incluem os estados e o governo central.

Em suma, acordos federais são em grandeparte produto de incentivos institucionais deriva-dos de negociações anteriores, mas algumas ve-zes as instituições relevantes não estão identificadasna Constituição. Alguns países, como a Alema-nha, o Brasil e os EUA possuem quase todos osatributos identificados acima, de (a) a (e). Porém,a Índia, a Áustria e o Canadá geralmente são con-siderados federações, embora suas câmaras altasnão sejam nem fortes nem sobre-representadas.As credenciais federais da Índia às vezes são con-testadas, porque nesse país o Primeiro-Ministrogoza da autoridade constitucional para destituir osgovernos dos estados; porém, esse poder vemsendo empregado cada vez com menor freqüên-cia, sem mudança constitucional.

Não obstante essas áreas cinzas, tentativasanteriores de medição comparada tratam o fede-ralismo como um conceito binário. Inúmeros es-tudos comparados utilizam as classificações fei-tas por estudiosos das constituições (ELAZAR,1995; WATTS, 1999) que identificam as federa-ções baseados mais no senso comum e na experi-ência do que em critérios rigorosos de codificação.A última linha da Tabela 2 mostra os coeficientesde correlação de uma única variável dummy “fe-deral” com as outras variáveis de descentralização.Não surpreende que o federalismo encontre-sepositivamente correlacionado com medidas dedescentralização de despesas, de receitas, de em-préstimos e de políticas. Entretanto, em contrastecom o conhecimento convencional, as federaçõesnão se distinguem dos sistemas unitários em ter-mos de níveis de dependência das transferências.Além disso, o coeficiente de correlação positivapara autonomia fiscal dos governos subnacionais

trabalhadores urbanos.

3 Na costa Leste dos EUA (nota das tradutoras).

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é puxado por três federações – os EUA, a Suíça eo Canadá –; outras federações com dados dis-poníveis a esse respeito possuem níveis muitobaixos de autonomia fiscal.

A classificação tradicional das federações émuito ampla, juntando países tão diferentes comoSuíça e Paquistão. Também mascara importantesvariações temporais, como, por exemplo, aNigéria, ao entrar e sair da ditadura militar, ou aÍndia, à medida que a “regra do Presidente” des-vaneceu-se por obsolescência. Há muito espaçopara melhorarmos a medição do federalismo. Va-riáveis dummy sobre o federalismo devem serconsideradas com ceticismo. Embora não neces-sariamente funcione muito melhor, um caminhopossível para a medição mais refinada seria criarmedidas contínuas, adotando índices baseados nasdimensões do federalismo mencionadas acima enos critérios de representação mostrados na Ta-bela 3. Mais importante ainda, na próxima seção,argumento que qualquer tentativa de medir o fe-deralismo deve ser cuidadosamente articulada como argumento teórico de interesse.

IV. RELACIONANDO A TEORIA E A ANÁLISEDE DADOS

Deste exercício de esclarecimento de concei-tos e medidas, algumas lições destacam-se. Em-bora a descentralização do gasto e o federalimsoestejam correlacionados com algumas das medi-das alternativas, são proxies pouco precisas e po-tencialmente enganosas para muitos dos fenôme-nos discutidos pelas teorias mais importantes so-bre as causas e conseqüências da descentralização.Mais importante ainda, os dados apresentadosacima nos dão retratos muito diferentes dadescentralização e do federalismo do que os queestão implícitos em boa parte da literatura teórica.É pouco freqüente que a descentralização fiscal ede políticas envolva um deslocamento de umaquantidade fixa de autoridade ou recursos do go-verno central para os governos regionais ou lo-cais. Ao contrário, a descentralização geralmenteenvolve acrescentar novas camadas ou novos re-cursos e responsibilidades para os níveis inferio-res de governo, em um contexto de superposiçãode esferas de autoridade.

A descentralização política também se acres-centa à natureza complexa e imbricada do gover-no de múltiplos níveis. Quando a autoridade so-bre as políticas e sobre as finanças imbrica-se,não surpreende que a avaliação que os eleitores

fazem das autoridades centrais e subnacionais tam-bém se inter-relacione. A literatura normativa so-bre o federalismo fiscal, assim como as teoriasconstitucionais norte-americanas sobre o federa-lismo dual, têm tido efeitos obscurecedores. Mui-to freqüentemente, economistas e cientistas polí-ticos teorizam sobre descentralização como se elasignificasse uma divisão nítida de tarefas, em queo centro só entra para a provisão de bens coleti-vos nacionais e para corrigir desvios. As noçõesde federalismo que prevalecem na Ciência Políti-ca criam um problema parecido. O federalismonão necessariamente acarreta uma autoridade maiordos governos subnacionais sobre os impostos,gastos ou qualquer outra coisa. O federalismo nãoimplica que o centro e os estados sejam sobera-nos, cada um protegido contra a interferência dooutro. Ao contrário, as federações têm evoluídopara contratos incompletos em andamento e pelasua própria natureza estão sob constanterenegociação. Na maior parte das federações, ocentro depende das províncias para implementare fazer valer muitas das suas decisões e não podeefetuar mudanças do status quo em algumas áre-as sem o consentimento das unidades constituin-tes.

Com base nessas lições, o resto deste artigorevisita diversas questões dirigidas à pesquisaempírica comparada. Para cada área de pesquisa,discute 1) as limitações dos estudos existentes; 2)formas de melhorar as conexões entre teoria edados e 3) novos rumos para a teoria.

IV.1. A descentralização endógena

A intuição central da teoria do federalismo fis-cal afirma que os benefícios da descentralizaçãocorrelacionam-se positivamente com a variaçãogeográfica nas demandas providas pelo setor pú-blico (OATES, 1972; PANIZZA, 1999). Essa li-nha de argumentação baseia-se em Montesquieue Rousseau, ao enfatizar os benefícios dadescentralização em territórios grandes e de po-pulações vastas. Embora não explicitem os pro-cessos políticos por meio dos quais as demandaspor descentralização são transformadas em polí-ticas, esses autores argumentam que sistemasexcessivamente centralizados em países grandese heterogêneos terão que encarar uma grande pres-são para descentralizar, se não quiserem expor-seaos riscos de secessão ou guerra civil. AlbertoAlesina e seus colaboradores estendem essa lógi-ca e examinam um intercâmbio básico entre os

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benefícios das grandes jurisdições e os custos daheterogeneidade em populações grandes(ALESINA & SPOLAORE, 1997). Mas o tama-nho grande implica custos – a dificuldade de sa-tisfazer uma população mais diversificada. Outroramo da literatura enfatiza o intercâmbio entre a)os benefícios da coordenação e das economias deescala e b) os benefícios de fixar os níveis dosimpostos e de determinar as transferênciasredestributivas no nível local, nas sociedades quepossuem níveis (e distribuições) de renda regio-nalmente heterogêneos (BOLTON & ROLAND,1997). Em todos esses modelos, níveis suficien-temente altos de heterogeneidade geram deman-das para a descentralização ou mesmo para a se-cessão.

Um desafio que se apresenta para testar estesargumentos encontra-se no fato de que exigemmedições da heterogeneidade regional das prefe-rências. A área territorial e a heterogeneidade lin-güística são as proxies usadas nos estudosempíricos de Wallace Oates e Ugo Panizza, querevelaram uma correlação positiva com adescentralização do gasto. Esses estudos aindamostram que a riqueza e a democracia estão posi-tivamente associadas à descentralização do gasto.

Contudo, a descentralização do gasto tende aser uma proxy pobre da devolução política e depolíticas que tais teorias abordam. Quando aheterogeneidade étnica ou lingüística gera deman-das por descentralização, as demandas tendem adirigir-se para o locus da tomada de decisões arespeito dos currículos escolares, da segurançapública ou da introdução de eleições locais. Noargumento de Bolton e Roland, que foca as prefe-rências em relação ao locus da autoridade tributá-ria derivadas da renda, a variável independentecorreta exigiria dados regionais sobre os níveis derenda e sua distribuição interpessoal e a variáveldependente correta assemelhar-se-ia às variáveisde autonomia tributária da OCDE acima descri-tas. Contudo, os testes empíricos da teoria ten-dem a ser muito dificeis, pois já vimos que o tipode autonomia tributária dos governos subnacionaisconcebido por essa teoria é extremamenteincomum, mesmo nos países mais desenvolvidos.

De fato, os dados apresentados acima suge-rem que as teorias de descentralização endógena,se bem que visam a iluminar tendências recentes,devem ir além das teorias do eleitor mediano nasquais a descentralização é conceitualmente equi-

valente à secessão. Talvez seja mais relevante per-guntar por que os políticos escolhem tornar oEstado mais imbricado e complexo. Por exemplo,quais incentivos conduzem os políticos do gover-no central a abrir mão de ter responsibilidade in-dependente sobre a provisão de certos bens pú-blicos e compartilhar responsibilidades com osgovernos locais para o financiamento da provisãodescentralizada por meio de transferências? Emparte, a resposta pode relacionar-se com a poten-cial redução do déficit orçamentário do governocentral bem como com a transferência da res-ponsabilidade pelo mau desempenho. De modoinverso, o que explicaria a tendência dominanteda primeira metade do século XX, de migração daautonomia fiscal e de políticas – especialmenterelativa a impostos – dos estados e províncias paraos governos centrais federais ou, mais recente-mente, para os organismos intergovernamentais?Depois do trabalho pioneiro de Fritz Scharpf eseus colaboradores (SCHARPF, REISSERT &SCHNABEL, 1976), dedica-se pouca atenção te-órica ou empírica para questões relativas à natu-reza cada vez mais imbricada da tomada de deci-sões de governos centrais, regionais e locais.

Em suma, além de uns poucos estudos sobrea descentralização de despesas, trabalhos compa-rados sobre a descentralização endógena em ma-téria de impostos, política e de políticas são umterritório ainda sem exploração. O caminho maispromissor para uma próxima geração de pesqui-sas seria abordar uma gama mais ampla de variá-veis de descentralização e complementar os mo-delos do eleitor mediano com pressupostos maisrealistas sobre instituições e políticas.

IV.2. Accountability, corrupção e bom governo

Se a descentralização de fato envolvesse atransferência líquida de autoridade conforme for-mulado pela teoria do federalismo fiscal, poder-se-ia aproximar o governo “do povo” e melhorara informação, accountability e “responsividade”[responsiveness] em relação aos cidadãos. No en-tanto, quando a descentralização envolve acres-centar camadas de governo e expandir áreas deresponsibilidade compartilhada, pode facilitar atransferência de “culpa” ou de créditos políticos,na prática reduzindo a accountability. Pior ainda,em países que já sofrem do fenômeno dacorrupção, pode conduzir à competição pela ex-tração de rendas e confusão sobre as bases dosuborno (SHLEIFER & VISHNY, 1993). Os es-

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tudos anteriores sobre corrupção, em que as vari-áveis exógenas eram medidas de descentralizaçãodo gasto e uma variável dummy “federalismo” nãopermitiam distinguir entre essas possibilidades(TREISMAN, 2000a; FISMAN & GATTI, 2002).Porém, um trabalho recente de Triesman tenta li-dar com os problemas potenciais associados àsuperposição de autoridade, utilizando uma variá-vel que conta o número de níveis de governo,empregando uma medida de autoridade judicial epolicial descentralizada (que supõe a superposição)(TREISMAN, s/d). É possível que estudos futu-ros apresentem avanços nesse sentido, examinandoa extensão em que diferentes níveis apresentamsuperposição de autoridade ou, melhor ainda, au-toridade regulatória.

Alguns dos argumentos mais convincentes querelacionam a descentralização com maisaccountability e menos corrupção consideram amobilidade e a competição intergovernamentalcomo fatores que reduzem a capacidade de su-borno dos governos. Porém, nem adescentralização do gasto nem o federalismo sãouma proxy razoável da mobilidade do capital e dacompetição intergovernamental. A primeira exigealguns dados sobre as possibilidades reais dos in-divíduos e das firmas realmente migrarem ou deameaçar fazê-lo. Em boa parte do mundo, os la-ços étnicos e lingüísticos agem como impedimen-tos fortes contra a mobilidade. Fora um pequenogrupo de países ricos, a mobilidade entre jurisdi-ções é mais freqüentemente uma ação desespera-da para fugir da pobreza do que expressão de pre-ferências sobre a provisão local de serviços ousobre a corrupção e a migração geralmente con-duz às favelas das capitais, onde a corrupção e aprovisão de serviços podem ser piores ainda.Mesmo assim, os teóricos acima citados concen-tram-se primordialmente na mobilidade do capi-tal, em vez da mobilidade do trabalho. Mas paraque a mobilidade do capital tenha efeitos sobre agovernança, os governos subnacionais precisamapresentar um grau significativo de autonomiaregulatória, principalmente com relação aos im-postos. Todavia, os dados apresentados acimasugerem que a autonomia da autoridade tributáriados governos subnacionais é uma ficção em mui-tos dos países que à primeira vista aparentam serdescentralizados. Para examinar a plausabilidadeda competição entre jurisdições. Uma abordagemcomum na literatura envolve examinar o tamanhoe o número das jurisidições de primeiro nível, sob

o pressuposto de que a mobilidade teria menoscustos nas jurisdições menores. No entanto, issonão nos fornece muita informação se não foracompanhado de uma medida dos poderes fiscaisdos governos. De fato, teorias simples sobre onível ótimo de taxação fornecem bons motivospara suspeitar que haja uma correlação negativaentre o tamanho da jurisdição e a autonomia tribu-tária.

Em todo caso, nenhum dos estudos empíricosexistentes sobre corrupção ou bom governo cons-tituem provas aceitáveis das hipóteses que vincu-lam a competição intergovernamental e os cons-trangimentos sobre os políticos locais. Em pri-meiro lugar, pode não ser suficiente a simples iden-tificação de autonomia regulatória ou tributária dosgovernos subnacionais ou mesmo a observaçãode que a competição horizontal realmente aconte-ce. Em alguns países, a estrutura do regime tribu-tário subnacional pode encorajar a exportação deimpostos ou acordos corruptos entre governossubnacionais e empresários. Além disso, emboratodos os supostos benefícios da descentralizaçãosuponham ganhos em accountability, muito pou-co se sabe sobre os vínculos entre os tipos dedescentralização fiscal e de políticas (ou, melhordito, superposição) e a capacidade dos eleitoresde responsibilizar as autoridades locais por aquiloque fazem. Um caminho mais promissor que asregressões para fazer análise comparada seriamdetalhados estudos de caso, apoiados em umaperspectiva explicitamente comparativa. Por exem-plo, estudos sobre os EUA mostram que os eleito-res tanto punem quanto recompensam os políti-cos estaduais pelos resultados macro-econômi-cos e fiscais obtidos (LOWRY, ALT & FERREE,1998), coisa que os eleitores alemães não fazem(LOHMANN, BRADY & RIVERS, 1997). O pró-ximo passo seria vincular explicitamente essasvariações entre países com diferenças nas insti-tuições políticas e fiscais.

IV.3. Escala fiscal e redistribuição

Um conjunto parecido de problemas tem afe-tado a literatura empírica comparada que examinaa descentralização e o tamanho do governo. Acei-te-se ou não o viés antigovernamental implícitonessa literatura, há bons motivos para acreditarque a descentralização, se facilitar a competiçãotributária entre governos, conduzirá a um setorpúblico de menor tamanho. A primeira geração deestudos empíricos, no entanto, não tentou medir

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a autonomia tributária dos governos subnacionais.Oates examinou os efeitos da competição tributá-ria sobre o tamanho do governo utilizando dadosde diversos países sobre a descentralização dogasto, enquanto Cameron usou uma variáveldummy de federalismo (CAMERON, 1978;OATES, 1985). Mais recentemente, Ernesto Stein(1999) distinguiu a descentralização fiscal finan-ciada por impostos locais das transferências –mesmo distinguindo entre transferências discrici-onárias e constitucionais – em um estudo compa-rado sobre o tamanho dos governos na AméricaLatina. Rodden examinou os efeitos diferencia-dos das transferências e das receitas de fonte pró-pria usando dados de uma ampla amostra, assimcomo usou os dados da OCDE sobre autonomiatributária acima citados para identificar países nosquais a competição tributária seria mais provável(RODDEN, 2003). Os achados sugerem que adescentralização está positivamente associada aotamanho do governo quando financiada com trans-ferências, mas tem um efeito neutro ou mesmonegativo nos raros casos em que a descentralizaçãoé financiada pelos impostos locais.

Uma literatura relacionada sugere que o fede-ralismo inibe o crescimento da redistribuição e doEstado de Bem-estar Social. Parece haver apoioempírico unânime para essa proposição, mas elalimita-se a mais ou menos 15 países da OCDE e auma variável dummy simples de federalismo4: seos limites à redistribução são derivados da com-petição intergovernamental que favorece o capitalsobre o trabalho e provoca nos governos locais omedo do fenômeno do welfare magnet5, o fede-ralismo torna-se de fato uma proxy pobre. Umaexplicação “federal” alternativa consiste no viéspró-status quo das federações devido aos múlti-plos veto players, na era de expansão do estadode bem-estar social. Mas isso exigiria uma medi-da mais refinada para captar alguns dos conceitosda Tabela 3, acima. Outra teoria atraente mas ain-da não testada seria a sobre-representação parla-mentar de fazendeiros e das elites rurais conser-vadoras em detrimento dos trabalhadores urba-nos; nesse caso, alguma variação do índice de

sobrerepresentação desenvolvido por Samuels-Snyder talvez seja útil.

IV.4. Gestão macro-econômica

Finalmente, é possivel avançar tanto naconceituação quanto na utilização dos dados com-parados para analisar os vínculos entredescentralização e resultados macro-econômicos,tais como déficits, inflação e, em última instância,o crescimento econômico. A literatura mais re-cente – caracterizada pelo ceticismo – concentra-se nos problemas de coordenação e ação coletivaque complicam a gestão, o ajuste e a reformamacro-econômicos quando as decisões de gastosão descentralizadas. Mais uma vez, dados sim-ples sobre a descentralização do gasto que nãosejam acompanhadas de informaçôes sobre omarco institucional das finanças subnacionais sãoenganosos – os governos centrais de países comgastos muito descentralizadas freqüentementecolocam limitações muito estritas para que os go-vernos subnacionais tomem empréstimos. Com-binadas à regulação central da arrecadação dosimpostos subnacionais, as limitações centrais po-dem fornecer ao centro instrumentos para con-tornar as iniciativas dos governos locais paraimplementar políticas fiscais que atendam seuspróprios interesses mas sejam coletivamentedestrutivas. É também importante examinar osefeitos de incentivo derivados das várias formasde transferências. Quando o governo central podeameaçar reter as transferências intergovernamen-tais, isso pode funcionar como uma alavanca im-portante para constranger a indisciplina fiscal dosgovernos locais e amenizar problemas de coope-ração intergovernamental. Por outro lado, algunstipos de transferências intergovernamentais po-dem também fornecer aos políticos subnacionais(assim como seus eleitores e credores) expectati-vas de que no futuro o governo central assumasuas dívidas, solapando assim os incentivos paraa disciplina fiscal.

Nas novas literaturas teóricas e empíricas queenfatizam riscos macro-econômicos, o federalis-mo joga um papel maior do que a descentralizaçãofiscal. O federalismo combina problemas decoorenação e cooperação porque permite que osestados sejam veto players nos processos de ela-boração de políticas do governo central. Não so-mente é possível que os estados ou provínciasconduzam coletivamente sua política fiscal demodo sub-ótimo como as garantias constitucio-nais podem impedir a intervencão dos governos

4 Para uma revisão da literature, cf. Castles (1999, p. 82).

5 Trata-se do fenômeno da atração exercida sobre as popu-lações necessitadas, que pode provocar migração para lo-cais com melhores programas e benefícios de assistênciapública (N. T.).

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centrais; ou, por meio de sua representação nopoder Legislativo ou nos organismos intergoverna-mentais de negociação, os estados beneficiadospodem ter um poder de veto que impeça refor-mas.

Contudo, esses aspectos do federalismo sãomuito mal-captados por meio de uma variáveldummy. Talvez uma negociação de estilo federalseja tão relevante na China quanto em qualquerfederação formal e menos pronunciada na Áus-tria, no Paquistão ou na Nigéria durante seus pe-ríodos de regime militar do que em estados unitá-rios como a Itália ou, cada vez mais, o Reino Uni-do. A natureza da barganha federativa tem sidotransformada na Índia e México após a queda doCongresso e do PRI, respectivamente. Estudosde caso do federalismo e da indisciplina fiscal re-velam que pequenas diferenças nos incentivospolíticos, nas relações entre os poderes Executi-vo e Legislativo e na organização do parlamentotêm consequencias importantes6. Uma meta im-portante para a pesquisa futura seria o desenvol-vimento de variáveis que abordem as dimensõesconstitucionais e de representação do federalis-mo. Além disso, se o federalismo afeta a estabili-dade macro-econômica, esse efeito é provavel-mente contingente com uma série de outros as-pectos políticos e institucionais, tais como adescentralização das despesas e das receitas, aautonomia subnacional para tomar empréstimos ea harmonia partidária.

Uma preocupação final relativa às regressõesnas análises comparadas que as conseqüências dadescentralização – mesmo se os conceitos sãoclaros e as medidas precisas – seria o fato de que,como discutimos acima, dificilmente a organiza-ção vertical do governo é exogéna. Tanto a natu-reza da descentralização ou do federalismo quan-to as variáveis macro-econômicas podem sercodeterminadas por outras variáveis como geo-grafia econômica, a heterogeneidade da popula-ção, a migração, a distribuição de renda e deman-das por democracia e redistribuição. Uma cres-cente confiança nas teorias que vinculam institui-ções e resultados exige que se compreenda me-lhor como evoluem e se estabilizam tais institui-ções – uma área para a qual os estudos de caso,bem informados teoricamente representam o pontode partida mais promissor.

V. CONCLUSÕES

Este trabalho identificou tanto as armadilhasquanto os avanços nas tentativas de compreendera organização vertical do governo por meio daanálise comparada. Uma “primeira geração” deteorias baseadas na economia do bem-estar sociale na escolha pública vem sendo complementadacom abordagens novas que consideram institui-ções e incentivos; os estudos empíricos come-çam a seguir o mesmo caminho. Os estudosempíricos pioneiros prestaram pouca atenção àsvariações nas descentralizações fiscal e política.Contudo, alguns dos seus achados se mostraramúteis: a descentralização fiscal e o federalismo nãose traduzem facilmente em ganhos de eficiência eaccountability, previstos pela primeira geração dateoria. A geração de estudos empíricos que se lheseguiu vem examinando a complexidade e a di-versidade da descentralização e considera a pos-sibilidade de que diversos tipos de descentralizaçãotenham causas e efeitos diferentes. A adequaçãoentre a teoria e a análise empírica vem melhoran-do e este artigo sugeriu diversos caminhos paramelhorarmos a coleta e análise de dados.

Este artigo identificou também alguns dos li-mites da análise empírica comparada e sustenta arelação simbiótica entre a abordagem quantitativae os estudos de caso na análise comparada. Al-guns aspectos institucionais, como os incentivosderivados de vários tipos de transferências, orga-nização legislativa e as relações políticas entre oslíderes políticos centrais e locais, devem ser ana-lisados primeiramente por meio de estudos de caso,apoiados em hipóteses comparativas, para depoispoder avançar nas análises quantitativas que com-param um grande número de países. Em geral, osanalistas que produzem regressões envolvendo umgrande número de casos devem ser modestos nassuas afirmações, assim como aqueles que empre-gam esses dados devem ser cautelosos nas inter-pretações que fazem. A comparabilidade das me-didas adotadas algumas vezes confunde-se comsua relevância para a teoria ou para as políticasem questão, criando o perigo de que estudos afe-tados por conceitos mal-elaborados ou mal-medi-dos obscureçam as mentes e conduzam os pro-gramas de pesquisa – e também a elaboração depolíticas – a caminhos pouco produtivos. Regres-sões com base em dados de diferentes países sãoas mais úteis quando tanto respondem quanto aju-dam a informar estudos de caso realmente com-parativos.6 Ver, por exemplo, Rodden, Eskeland e Litvack (2003).

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Finalmente, à medida que as lições provenien-tes dos estudos de caso e da coleta de dados so-bre os países avancem, as teorias também devemevoluir. Isso já começa a acontecer, conforme osanalistas respondem aos problemas relativos aaccountability, corrupção e instabilidade macro-econômica em países recentemente descentrali-zados. Um importante passo seria reconhecer queo melhor entendimento da descentralização dosúltimos 20 anos não consiste em uma transferên-

cia líquida de autoridade ou de recursos fixos dosníveis centrais de governo para os subnacionais,nem entender o federalismo como a alocação fixade esferas de autonomia do governo central e dasprovíncias. Um ponto de partida mais promissorpara a construção teórica seria a análise das cau-sas e efeitos da distribuição imbricada e compar-tilhada de autoridades política, fiscal e de políti-cas.

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Jonathan Rodden ([email protected]) é Professor Assistente do Departamento de Ciência Política doMassachusetts Institute of Technology (MIT).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 263-267 JUN. 2005

ABSTRACTS

Versão dos resumos para o inglês: Miriam Adelman

COMPARATIVE FEDERALISM AND DECENTRALIZATION: ON MEANING ANDMEASUREMENT

Jonathan Rodden

This article reviews and redirects the cross-country empirical literature on the causes andconsequences of decentralization and federalism. A “first generation” of studies vieweddecentralization as a simple zero-sum transfer of authority from the center to subnational governments,drew upon the assumptions of welfare economics and public choice theory, and employed bluntmeasures of expenditure decentralization and federalism. By defining several alternative forms offederalism and fiscal, policy, and political decentralization, then measuring them and exploring inter-relationships across countries and over time, this paper paints more detailed pictures of decentralizationand federalism that help explain the growing disjuncture between theory and cross-national evidence,pointing the way toward a “second generation” of more nuanced empirical work that takes politicsand institutions seriously.

KEYWORDS: federalism; fiscal decentralization; political decentralization; policy decentralization.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 271-276 JUN. 2005

RÉSUMÉS

Versão dos resumos para o francês: Maria Fernanda Araújo Lisboa

FEDERALISME ET DECENTRALISATION EN PERSPECTIVE COMPAREE : SUR LESSENS ET LES MESURES

Jonathan Rodden

Cet article revoit et reoriente la littérature empirique comparée sur les causes et conséquences de ladécentralisation et du fédéralisme. La « première génération » d’études concevait la décentralisationcomme un jeu de résultat zéro, de transfert d’autorité du centre en direction des gouvernementssousnationaux ; elle partait des prémisses de l’économie du bien-être social et de la théorie du choixpublic et employait des formes peu précises pour mesurer la décentralisation de la dépense et lefédéralisme. A l’opposé, en précisant les diverses formes de fédéralisme et de décentralisationfiscale, politique et de politiques, en les mesurant et en exploitant les relations entre pays et au coursdes temps, ce travail présente un portrait plus précis de la décentralisation et du fédéralisme, ce quicontribue à expliquer la croissante disjonction entre la théorie et les évidences trouvées dans différentspays. Ainsi, il pointe vers une « seconde génération » d’études empiriques plus sophistiquées, quiprenent la politique et les institutions au sérieux.

MOTS-CLES : fédéralisme; décentralisation fiscale; décentralisation politique; décentralisation depolitiques; concepts.

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