feb 1-14 rt13 lamounier gorender 5-5-14 resp.unlocked

3
Universidade de Brasília – Departamento de Economia FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL - 1º/2014 – Turma A Prof. Flávio R. Versiani 13º ROTEIRO DE DISCUSSÃO DE TEXTOS Referência: Lamounier, “Agricultura e Mercado de Trabalho...”; Gorender, caps. 20 e 22. 1. Como vimos antes, apesar da existência no País de uma oferta potencial de trabalho não escravo, na segunda metade do século XIX, vários fatores dificultavam a aplicação dessa mão de obra na lavoura cafeeira em expansão. O artigo de Lamounier mostra evidências relacionadas a algumas dessas questões. Indique passagens do artigo relativas aos seguintes pontos: a) existência de oferta ampla de trabalho livre (não havia “falta de braços”); Mostra-se que, para a construção de ferrovias, que demandavam grande quantidade de trabalhadores, não havia dificuldade em recrutá-los. Com salários suficientemente atraentes, (o artigo menciona os “bons salários” pagos), havia mão de obra disponível. b) dificuldades para a mobilização do trabalho livre para o café (como no argumento de Furtado); Nas opiniões expressas por fazendeiros do café no Congresso Agrícola de 1878 há referências à dificuldade de “mobilizar a força de trabalho potencial que constituía a população livre e pobre”, inclusive por obstáculos políticos (p. 361) — o que vai ao encontro do argumento de Furtado. c) resistência dos cafeicultores ao uso de trabalho livre nacional (preconceito contra esse tipo de trabalho) Há também referências a preconceito negativo com relação à mão de obra nacional, por parte de certos fazendeiros, que viam os trabalhadores brasileiros livres como indolentes e resistentes a um trabalho regular (p. 360), já que costumavam abandonar as fazendas em busca de melhor ocupação. Preconceito, provavelmente envolvendo uma visão racista, que influía na preferência por trabalhadores europeus. d) utilização de mão de obra livre na lavoura cafeeira, apesar dos obstáculos. Mostra-se que houve algum uso de mão de obra livre no café, não tanto nos primeiros tempos da expansão da lavoura cafeeira (ver os dados do relatório provincial de 1854, p. 358), mas principalmente após 1870, incluindo indicação de possível migração nordestina (pp. 359-61). Embora não comprovem uso expressivo de trabalho assalariado antes do início da imigração italiana, na década de 1880, os dados sugerem que os obstáculos à utilização de mão de obra livre nacional no café, como os mencionados por Furtado no cap. 21 da Formação, não eram intransponíveis. 2. Gorender mostra um uso generalizado de trabalho escravo na criação de gado. Mas muitos autores supunham que isso era inviável; Caio Prado Jr., por exemplo, escreveu: “[em] territórios imensos, pouco povoados e sem autoridades, é difícil manter a necessária vigilância sobre trabalhadores escravos.” Vigilância estreita, como por meio de feitores, era uma característica necessária do regime de trabalho com mão de obra cativa?

Upload: osmar-vitor

Post on 18-Dec-2015

223 views

Category:

Documents


8 download

DESCRIPTION

Lamounier

TRANSCRIPT

  • Universidade de Braslia Departamento de Economia FORMAO ECONMICA DO BRASIL - 1/2014 Turma A Prof. Flvio R. Versiani

    13 ROTEIRO DE DISCUSSO DE TEXTOS

    Referncia: Lamounier, Agricultura e Mercado de Trabalho...; Gorender, caps. 20 e 22. 1. Como vimos antes, apesar da existncia no Pas de uma oferta potencial de trabalho no escravo, na segunda metade do sculo XIX, vrios fatores dificultavam a aplicao dessa mo de obra na lavoura cafeeira em expanso. O artigo de Lamounier mostra evidncias relacionadas a algumas dessas questes. Indique passagens do artigo relativas aos seguintes pontos: a) existncia de oferta ampla de trabalho livre (no havia falta de braos); Mostra-se que, para a construo de ferrovias, que demandavam grande quantidade de trabalhadores, no havia dificuldade em recrut-los. Com salrios suficientemente atraentes, (o artigo menciona os bons salrios pagos), havia mo de obra disponvel. b) dificuldades para a mobilizao do trabalho livre para o caf (como no argumento de

    Furtado);

    Nas opinies expressas por fazendeiros do caf no Congresso Agrcola de 1878 h referncias dificuldade de mobilizar a fora de trabalho potencial que constitua a populao livre e pobre, inclusive por obstculos polticos (p. 361) o que vai ao encontro do argumento de Furtado. c) resistncia dos cafeicultores ao uso de trabalho livre nacional (preconceito contra esse

    tipo de trabalho)

    H tambm referncias a preconceito negativo com relao mo de obra nacional, por parte de certos fazendeiros, que viam os trabalhadores brasileiros livres como indolentes e resistentes a um trabalho regular (p. 360), j que costumavam abandonar as fazendas em busca de melhor ocupao. Preconceito, provavelmente envolvendo uma viso racista, que influa na preferncia por trabalhadores europeus. d) utilizao de mo de obra livre na lavoura cafeeira, apesar dos obstculos.

    Mostra-se que houve algum uso de mo de obra livre no caf, no tanto nos primeiros tempos da expanso da lavoura cafeeira (ver os dados do relatrio provincial de 1854, p. 358), mas principalmente aps 1870, incluindo indicao de possvel migrao nordestina (pp. 359-61). Embora no comprovem uso expressivo de trabalho assalariado antes do incio da imigrao italiana, na dcada de 1880, os dados sugerem que os obstculos utilizao de mo de obra livre nacional no caf, como os mencionados por Furtado no cap. 21 da Formao, no eram intransponveis. 2. Gorender mostra um uso generalizado de trabalho escravo na criao de gado. Mas muitos autores supunham que isso era invivel; Caio Prado Jr., por exemplo, escreveu: [em] territrios imensos, pouco povoados e sem autoridades, difcil manter a necessria vigilncia sobre trabalhadores escravos. Vigilncia estreita, como por meio de feitores, era uma caracterstica necessria do regime de trabalho com mo de obra cativa?

  • 2 No no caso da criao de gado. Em primeiro lugar, as tarefas tpicas, nessa atividade, so tarefas geralmente praticadas apenas por um trabalhador, ou um pequeno grupo de trabalhadores, sendo pouco vivel vigi-los de perto: o nmero de supervisores ou feitores quase igualaria o de escravos. E principalmente pelo fato de serem, em sua maioria, tarefas relativamente intensivas em habilidade, cuja boa execuo difcil de avaliar diretamente (o que um boi bem procurado ou bem laado?). Seria prefervel incentivar de alguma forma os trabalhadores do gado, afim de que executassem suas tarefas da melhor forma. 3. Gorender menciona o fato de que o trabalho livre e o trabalho escravo eram alternativas viveis mais ou menos por igual, na pecuria nordestina, enquanto na grande lavoura o trabalho escravo impedia a difuso do trabalho livre. Explique por que a vantagem comparativa do trabalho escravo seria maior no segundo caso do que no primeiro. A vantagem comparativa do trabalho escravo era maior em servios onde predominassem tarefas intensivas em esforo, como capinar ou colher cana: a coero eficaz, nesse caso, para garantir a maximizao da produo. Na pecuria as tarefas so em geral intensivas em habilidade, como visto acima; sua boa execuo melhor garantida com incentivos positivos, que podem ser oferecidos tanto a escravos como a trabalhadores livres, mais ou menos por igual. 4. Gorender fala no sentido de vergonha dado a certos trabalhos normalmente atribudos a escravos; e no fato de que homens livres recusassem emprego como criados domsticos. Explique o efeito dessas atitudes sobre a oferta de trabalho livre, no perodo da escravido.

    Isso faria com que pessoas livres relutassem em aceitar trabalhos geralmente feitos por escravos a no ser que lhes fosse oferecida uma remunerao suficientemente alta para compensar essa vergonha. Ou seja, a oferta de mo de obra livre para trabalhos desse tipo seria limitada, ou muito inelstica. 5. Gorender critica a noo de que a escravido no Brasil tenha sido relativamente branda, refutando uma suposta benevolncia dos senhores de escravos: [A ideia de um] escravismo patriarcal [...], benevolente para os escravos, [relaciona-se a] uns poucos fiapos adrede pinados do tecido scio-histrico.

    A relativa brandura de certos tipos de escravido dependeria de uma atitude benvola dos senhores para com seus escravos?

    Certamente poderia haver senhores de escravos benvolos, ao lado de outros nada

    benvolos ou mesmo particularmente cruis. Mas, independentemente de inclinaes pessoais, havia o interesse geral em maximizar os ganhos com a atividade produtiva. O que levaria os senhores de escravos a usar os mtodos de tratamento de escravos mais conducentes a essa maximizao. Se se entende como benevolncia a preponderncia de incentivos positivos, em lugar de castigos fsicos, isso decorreria simplesmente da maior ocorrncia de atividades em que predominavam tarefas intensivas em habilidade. Como vimos, era frequente que escravos exercessem tais atividades, especialmente no sculo XIX. Assim, benevolncia seria algo relativamente comum, nesse perodo contrariamente ao que supe Gorender.

    6. No fala com pobre, no d mo a preto / No carrega embrulho / Pra que tanta pose, doutor? / Pra que esse orgulho?. (Do samba A Banca do Distinto, de Billy Blanco). O que lhe sugere a comparao desse trecho de crnica urbana carioca, dos anos 1960, com o episdio mencionado

  • 3 pelo viajante americano Thomas Ewbank (Gorender, cap. 22, nota 19), que morou no Rio um sculo antes? A comparao mostra como traos culturais associados ao perodo da escravido esto ainda hoje presentes em nossa sociedade. Carregar volumes na rua era coisa de escravo, abaixo da dignidade de rapazes elegantes, como Ewbank testemunhou; e a letra do samba indica que esse tipo de comportamento est vivo entre ns (em suas msicas, Billy Blanco se mostrou um observador agudo da cena urbana, no Brasil contemporneo). Assim como no dar mo a preto, atitude racista que certamente tem razes em sentimentos elitistas de superioridade em relao ao escravo negro.