fazendo ciências com o tabletop: efeitos do uso de ... · dos que são de grande valia para a...

11
EDUCAÇÃO EM DEBATE Ana Karina Morais de Lira' Fazendo ciências com o Tabletop: efeitos do uso de computadores no desenvolvimento cognitivo Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de A lagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, depois voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes, depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar no pano uma gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso. A palavra foi feita para dizer. Graciliano Ramos Resumo o presente artigo discute o uso de computadores no ensino de ciências, com foco na incorporação de um software do tipo banco de dados em atividades de investigação científica, e seus efeitos sobre o desenvolvimento cognitivo de pré-adolescentes. Para tanto, nós abordamos o tema teoricamente, apresentamos um exemplo de atividade que inclui o uso do software Tabletop, e por último, descrevemos e analisamos respostas fornecidas por alunos de 5 a série para o problema da jlutuação de objetos como atividade de Investigação Científica com suporte de Bancos de Dados (ICBD). A análise dessas respostas demonstra que a forma pela qual os alunos lidam com os requerimentos de atividades de investigação científica, e respondem a eles, depende tanto das estruturas de raciocínio previamente construídas, quanto da estrutura de aprendizagem que emerge na interação que acontece nessa experiência. Palavras-chave: Informática educativa, ensino de ciências e banco de dados. Abstract Doing Science with Tabletop: Effects of the Use of Computers on Cognitive Development The present article discusses the use of computers in science teaching. It focus especially on the incorporation of a database software in activities of scientific investigation, and its effects on cognitive development of pre- adolescents. First, we discuss the theory, then we present an example of an activity which includes the software Tabletop. Finally, we describe and analyse answers given by pre-adolescents -5 th class students of a particular Brazilian school= in order to solve the problem of jloating objects as an activity of scientific investigation with the support of a database (SISD). The analysis of these answers indicates that the way through which the students deal with the requirements of the activities of scientific investigation, and answer to it, depends on the reasoning structures they have already constructed, and also on the learning structure which emerges during the interaction which happens in this experience. Key words: information technology, science teaching and databases. I Ph.D. em Desenvolvimento Cognitivo e Aprendizagem, Universidade de Londres, e professora da Faculdade de Educação, Univer- sidade Federal do Ceará. 86 EOUCAçAO EM DEBATE. Ano 25. V. 2 - N°. 46 - 2003

Upload: phungliem

Post on 15-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

EDUCAÇÃOEM DEBATE

Ana Karina Morais de Lira'

Fazendo ciências com o Tabletop:efeitos do uso de computadores nodesenvolvimento cognitivo

Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de A lagoas fazem seu ofício.Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa

ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, depois voltam a torcer.Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes, depois enxáguam,

dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão.Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida

e mais outra, torcem até não pingar no pano uma só gota.Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada

na corda ou no varal, para secar.Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para

enfeitar, brilhar como ouro falso. A palavra foi feita para dizer.

Graciliano RamosResumo

o presente artigo discute o uso de computadores no ensino de ciências, com foco na incorporação de umsoftware do tipo banco de dados em atividades de investigação científica, e seus efeitos sobre o desenvolvimentocognitivo de pré-adolescentes. Para tanto, nós abordamos o tema teoricamente, apresentamos um exemplo de atividadeque inclui o uso do software Tabletop, e por último, descrevemos e analisamos respostas fornecidas por alunos de 5a

série para o problema da jlutuação de objetos como atividade de Investigação Científica com suporte de Bancos deDados (ICBD). A análise dessas respostas demonstra que a forma pela qual os alunos lidam com os requerimentosde atividades de investigação científica, e respondem a eles, depende tanto das estruturas de raciocínio previamenteconstruídas, quanto da estrutura de aprendizagem que emerge na interação que acontece nessa experiência.

Palavras-chave: Informática educativa, ensino de ciências e banco de dados.

Abstract

Doing Science with Tabletop: Effects of the Use of Computers on Cognitive Development

The present article discusses the use of computers in science teaching. It focus especially on the incorporationof a database software in activities of scientific investigation, and its effects on cognitive development of pre-adolescents. First, we discuss the theory, then we present an example of an activity which includes the softwareTabletop. Finally, we describe and analyse answers given by pre-adolescents - 5th class students of a particularBrazilian school= in order to solve the problem of jloating objects as an activity of scientific investigation with thesupport of a database (SISD). The analysis of these answers indicates that the way through which the students dealwith the requirements of the activities of scientific investigation, and answer to it, depends on the reasoningstructures they have already constructed, and also on the learning structure which emerges during the interactionwhich happens in this experience.

Key words: information technology, science teaching and databases.

I Ph.D. em Desenvolvimento Cognitivo e Aprendizagem, Universidade de Londres, e professora da Faculdade de Educação, Univer-sidade Federal do Ceará.

86 EOUCAçAO EM DEBATE. Ano 25. V. 2 - N°. 46 - 2003

I Introdução

o presente trabalho versa sobre o uso decomputadores no ensino de ciências para os ní-veis fundamental e médio. Adotando uma pers-pectiva da Psicologia Cognitiva, nós discutimoso potencial representado por um software do tipobanco de dados quando usado em atividades deinvestigação científica, e seus efeitos sobre o de-senvolvimento cognitivo de pré-adolescentes.Para dar suporte a essa discussão, primeiro nósconsideramos o que a teoria e a literatura apon-tam sobre o tema, e em seguida, apresentamosum exemplo de atividade que inclui o uso doTabletop, um software do tipo bancos de dados.Por último, descrevemos e analisamos respostasfornecidas por pré-adolescentes para a soluçãodo problema da flutuação de objetos como ativi-dade de Investigação Científica com suporte deBancos de Dados (ICBD). Nessa parte, mostra-mos a interação entre eles e o Tabletop no con-texto da ICBD, analisando os esquemas de racio-cínio que aplicam para testar suas hipóteses sobreo porquê alguns objetos flutuam e outros afun-dam quando colocados na água; e discutindo ouso que fazem das ferramentas do Tabletop paratestar essas hipóteses.

Dessa forma, para discutir os efeitos do usodo computador sobre o desenvolvimento cogni-tivo de pré-adolescentes, nós analisamos em de-talhes o desafio proposto pelo problema daflutuação de objetos como atividade de ICBD. Ten-tamos analisar essa atividade a exemplo do quefaz Graciliano Ramos sobre o mode de lavar rou-pas das lavadeiras lá das Alagoas. Destaque-se,no entanto, a beleza e sensibilidade próprias dopoeta, na rica metáfora com o ato de escrever.Quanto a nós, na discussão de situação particularem que o computador é utilizado como ferramentapedagógica, tecemos considerações que, esperamos,possam ser generalizadas e aplicadas a práticas di-versas de ensino com o uso de computadores.

11Considerações teóricas, estudos erecomendações

Nessa parte do trabalho, apresentamos ar-gumentos sobre o uso do computador na edu-cação, a partir da perspectiva de teorias do de-senvolvimento cognitivo. Em seguida, discutimosestudos, experiências e outros indicadores que

recomendam a inclusão do uso de bancos de da-dos no currículo escolar.

Por que o uso de computadores naeducação?

Em resposta à pergunta por que o uso de com-putadores na educação? muitos argumentam que asnecessidades e requerimentos da sociedade nostempos presentes - a Era da Informação - tornamimperativo o uso de instrumentos práticos quepossam ajudar o homem a dar sentido a conside-rável quantidade de informação com a qual eletem que lidar na sua vida diária (UNDERWOODand UNDERWOOD, 1990; BEZANILLA, 1992;SHAUGHNESSY, GARFIELD and GREER,1996). Nessa perspectiva, habilidades tecnoló-gicas são vistas como uma questão de sobrevi-vência para o cidadão, cujo sucesso depende dacompetência para lidar com novas máquinas eaplicações. A necessidade da alfabetização digital,a arte do manejo de informação via computado-res, resulta do fato de que essa prática está es-palhada no mundo, fora da sala de aula. De acordocom essa visão, o advento da tecnologia da in-formação tem forçado uma reavaJiação das ten-dências educacionais, em função da demandapara a inclusão do uso de computadores na edu-cação de cidadãos responsáveis.

De um modo geral, duas razões 'ustificamo uso do computador na educação: a primeira,que é baseada em argumentos similares àquelesdo parágrafo anterior, diz respeito à formação decidadãos capazes de lidar com as exigências devida e do mercado de trabalho; a segunda, queserá tomada como centro para as nossas discus-sões, refere-se ao significativo apel que o com-putador pode desempenhar em situações deensino-aprendizagem, Gomo recurso ou ferra-menta didática.

Se compararmos, por exemplo, a época emque Piaget estudou o desenvolvimento do raciocí-nio científico com os dias de hoje, percebe-se dife-renças significativas, uma das quais é representa-da pela criação de um poderoso instrumento pararegistrar, apresentar, manusear e controlar infor-mações: o software do tipo banco de dados.

Há duas características dos bancos de da-dos que são de grande valia para a atividade deinvestigação científica: primeiro, a sua estruturapara o registro e organização de dados, que é aomesmo tempo simples e muito bem definida; se-

EDUCAÇÃO EM DEBATE. Ano 25. V 2 - N°. 46 - 2003 87

gundo, suas facilidades para interrogar os dados(tais como, por exemplo, o acesso imediato e aspossibilidades para que a informação seja apre-sentada de várias e significativas maneiras). Defato, entre as capacidades dos bancos de dados,aquelas relacionadas ao armazenamento de am-plas quantidades de informação (capacidade),resgate de dados muito rápido (velocidade) e fá-cil apresentação de dados em formas ricas, signi-ficativas e variadas (flexibilidade) têm sido enfa-tizadas. Por todas essas razões, bancos de dadostêm sido compreendidos como um ambientemuito adequado para o desenvolvimento de ati-vidades de manejo de dados.

Face a esse avanço tecnológico, uma ques-tão a ser levantada é: o uso de software do tipo bancode dados influencia o raciocínio científico de crianças?Duas hipóteses podem ser propostas para res-ponder a essa questão: primeiro, que o própriodesenvolvimento da criança controla a formacomo ela usa o instrumento; segundo, que a cri-ança, durante a atividade, desenvolve meios parausar o instrumento em um nível superior. Umaforma alternativa para colocar essa mesma per-gunta seria, então: será que as contribuições que acriança traz para a experiência educacional com bancosde dados determinam a maneira que ela vai lidar comseus requerimentos, ou são as características interacio-nais do envolvimento da criança com as atividades demanejo de dados elas próprias responsáveis pela apro-priação do banco de dados pela criança?

Essas duas hipóteses envolvem diferentesprevisões sobre o aprender a usar um softwaredo tipo banco de dados. Sob a primeira hipó-tese, a criança irá responder ao uso de banco dedados basicamente à luz das estruturas de pen-samento que ela já tenha adquirido, e só terásucesso nas operações permitidas por essas es-truturas. Se o seu nível de pensamento fornecera ela a base para lidar com os requerimentos dobanco de dados, seu envolvimento com ativida-des de modelagem de dados poderá representaroportunidades estimulantes, desafiadoras e cons-trutivas para a criança aplicar os esquemas queela já tenha construído. Ela pode mesmo de-senvolver novas estruturas de pensamento atra-vés desse processo. Por exemplo, uma criançaque já tenha construído algum esquema de pen-samento classificatório básico não terá nenhu-ma dificuldade para categorizar informações deforma a criar um banco de dados. Ela certamentepode organizar seus dados por classes que in-

cluam muitos valores possíveis, e simultanea-mente colocar essa informação nas linhas e co-lunas de um banco de dados.

Se a criança não tiver adquirido ainda asestruturas cognitivas necessárias para operar coma lógica envolvida no uso de bancos de dados, noentanto, o seu engajamento em atividades demanuseio de dados pode ser frustrante, ao invésde construtivo, e provavelmente ela não será ca-paz de superar os obstáculos cognitivos encon-trados durante o desenvolvimento das atividades.No contexto do nosso exemplo acima, a criançaque não tenha ainda construído esquemas classi-ficatórios certamente terá dificuldade para pen-sar em termos de classes e valores subordinados,que devem ser especificamente colocados nobanco de dados durante seu registro.

Sob a segunda hipótese, a criança irá lidarcom os requerimentos das atividades de manejode dados, e responder a eles não somente deacordo com as habilidades que adquiriu previa-mente, mas também através da estrutura deaprendizagem que emerge durante a interaçãoque acontece nessa experiência educacional. Essaestrutura resulta do nível de desenvolvimento dacriança, do que demanda a atividade tal como elaé praticada na cultura, e também da forma atra-vés da qual as pessoas cujo papel inclui a trans-missão de significados culturalmente atribuídosparticipam das construções da criança. Assim, ha-bilidades tais como a separação de variáveis, usa-das no contexto do uso de bancos de dados, po-dem ser melhor entendidas como emergindonesse processo de apropriação, o qual reflete umasérie de características inter-relacionadas, inclu-indo a criança, o instrumento, e a organização daexperiência educacional. A prática cultural do usode bancos de dados envolve os objetivos e ativi-dades da criança e outros participantes nesse pro-cesso, e as demandas de atividades no banco dedados, as quais são determinadas pela naturezado software usado e das tarefas desenvolvidas.

Essas visões acerca da construção do co-nhecimento têm promovido consideráveis avan-ços na compreensão do processo de apropriaçãode meios culturais, apesar de que nenhuma de-las ainda explica inteiramente o que determina aapropriação de um instrumento tal como umbanco de dados. É possível que cada hipótesepossa explicar corretamente diferentes aspectosdesse processo, o qual, de certa forma, parece sertão importante como aprender uma língua ou ma-

88 EDUCAÇÁO E" DEBATE. Ano 25. V 2 - N°. 46·2003

temática, como o resultado de requerimentos so-ciais para a competência tecnológica e compu-tacional nesse novo milênio.

Estudos, experiências e a recomendação para ainclusão de atividades com o uso de bancos de dados nocurrículo escolar

Em estudo que realizamos no nosso dou-toramento (LIRA, 2000) examinamos se o usode bancos de dados para testar hipóteses criauma oportunidade para pré-adolescentes desen-volverem a noção de variáveis e o controle ex-perimental de variáveis. Os resultados desse es-tudo comprovaram que a compreensão que osestudantes têm sobre essas noções é influencia-da tanto pelas estruturas de raciocínio que elesconstruíram antes da experiência educativa,quanto pelo uso de bancos de dados. O estudoenvolveu 51 pares de estudantes de escolas par-ticulares paulistas, com idades entre 10 e 13anos, sendo que 25 pares fizeram parte de gru-pos experimentais e 26 pares constituíram umgrupo de referência. Estudantes nos grupos ex-perimentais usaram bancos de dados enquantodesenvolviam investigações científicas, um gru-po criando bancos de dados e outro trabalhandocom bancos de dados previamente preparados.A intervenção educacional foi desenvolvida comcada par de estudantes durante 10 encontros,nos quais eles tentavam descobrir por que algunsobjetos flutuam e outros afundam (em uma adapta-ção do exame clássico Piagetiano sobre Flutuaçãode corpos), e o que determina a distânci~ percorridapor carros descendo ladeiras (adaptação da tarefaPlanos Inclinados, também estudada por Piaget).Durante a investigação, os estudantes testavamsuas hipóteses sobre esses problemas usandográficos e diagramas construí dos no softwareTabletop (TERC - Technology Research Center1989-1995), um programa de bancos de dados.Estudantes no grupo de referência não usavamo computador. Todos os estudantes foram sub-metidos a um teste de raciocínio antes e depoisda experiência educacional desenvolvida no es-tudo. Uma análise de variância mostrou que osgrupos experimentais apresentaram performancesignificativamente melhor do que o grupo dereferência nos pós-testes realizados. Além dis-so, observou-se uma correlação significativaentre os escores no pós-teste e os escores nopré-teste. Esses resultados indicam que o usode software do tipo banco de dados em ativida-des de investigação científica influencia o racio-

cínio lógico de pré-adolescentes: tanto em fun-ção das estruturas de raciocínio que eles cons-truíram antes da experiência educativa, quantopelo uso de bancos de dados e outros aspectosda experiência em si. Nenhuma diferença foi ob-servada entre os grupos que construíram ban-cos de dados e aqueles. que interagiram combancos de dados previamente preparados. As-sim, como orientação para escolas, pode-se su-gerir que as decisões para o desenvolvimento deatividades envolvendo a coleta de dados e cria-ção de bancos de dados devem ser tomadas combase em considerações pragmáticas - tais comocurrículo, organização da sala de aula, e motiva-ção dos estudantes - mais do que na antecipaçãode efeitos dessas atividades no desenvolvimentocognitivo dos estudantes.

De fato, experiências em sala de aula epesquisas correlatas (UNDERWOOD eUNDERWOOD, 1987; HEALYeHOYLES,1993;UNDERWOOD, 1994; e AINLEY e PRATT,1994) têm demonstrado que o uso de banco dedados estimula o pensamento lógico de estudan-tes, como no caso, por exemplo, das habilidadesclassificatórias e da noção de variável. Por outrolado, apesar das expectativas acerca das facili-dades que bancos de dados oferecem para aformalização de idéias matemáticas e científicas,estudos também têm identificado algumas difi-culdades apresentadas por estudantes quandoeles lidam com a forma lógica requerida pela lin-guagem computacional (SPAVOLD, 1989; eBEZANILLAe OGBORN, 1992). Isso impõe anecessidade do desenvolvimento de mais estu-dos e experiências nesse domínio, com vista àidentificação e análise dos obstáculos de nature-za cognitiva que podem ser apresentados por alu-nos - e talvez mesmo por professores - em situ-ações que envolvem o uso de computadores comoferramenta pedagógica, e dos cuidados e proce-dimentos necessários à superação dos mesmos.

Certamente com base nas experiências po-sitivas, os Parâmetros Curriculares acionais(PCN, 2000) têm enfatizado a importância dainclusão de atividades envolvendo o manejo eanálise de informações no currículo não somentede matemática, mas de diversas outras discipli-nas escolares. Isso está em consonância com ouso educacional de bancos de dados compu-tacionais por instituições de ensino, o que repre-senta uma tendência mundial, firmada nos anos1990. Evidência do uso de bancos de dados em

89EOUCAÇAO EM DEBATE, Ano 25, V 2 - N°, 46 - 2003

educação é obtida por meio de indicadores taiscomo: sua inclusão oficial no currículo escolar, arecomendação desse uso por pesquisadores e gru-pos profissionais, e a elaboração de publicaçõescurriculares no tema, incluindo software e paco-tes de atividades de modelagem de informaçõesatravés de bancos de dados computacionais, parauso em escolas. Esse processo de modelagem oumanejo de dados, usualmente referido como datamodelling ou data handling, será tratado aqui comoInvestigação Científica com o suporte de Bancos deDados (ICBD), tal como definido por Lira (2000).

A inclusão de atividades de InvestigaçãoCientífica com o suporte de Bancos de Dados(ICBD) no currículo escolar da educação primá-ria e secundária tem sido observada, desde osanos 1990, no Reino Unido, na Espanha, nosEstados Unidos e na Austrália (HANCOCK,KAPUT e GOLDSMITH, 1992; e SHAUGHNESSY,GARFIELDeGREER, 1996). Pesquisadores e gru-pos profissionais também têm recomendado ainclusão de ICBD no currículo escolar(SPAVOLD, 1989; HANCOCK e KAPUT, 1990;HANCOCK, KAPUT e GOLDSMITH, 1992; eHEALYe HOYLES, 1993). Finalmente, o signi-ficativo número de publicações sobre ativida-des de manejo de dados para o currículo esco-lar, software e pacotes adaptados para o usoeducacional (revisados por SHAUGHNESSY,GARFIELD e GREER, 1996) também corrobo-ram o status dado a atividades de manejo dedados em escolas.

IllUm exemplo de atividade escolarcom uso de bancos de dados

Nos tópicos seguintes fornecemos umexemplo de atividade pedagógica com uso desoftware do tipo banco de dados. Primeiro, apre-sentamos o processo de Investigação Científicacom o suporte de Bancos de Dados (ICBD), oTabletop, e a Flutuação de Objetos como ativi-dade de ICBD.

A Investigação Científica com o suporte deBancos de Dados (lCBD)

Os termos Investigação Científica com o su-porte de Bancos de Dados (ICBD) , data handling (ma-nejo de dados) e data modelling (modelagem de dados)podem ser entendidos como similares. Hancock,Kaput e Goldsmith (1992) sugerem que a mode-

lagem de dados em um software do tipo bancode dados é um processo dinâmico, que consisteem duas fases: criação e análise de dados. A criaçãode dados inclui a decisão sobre que dados cole-tar, o desenho de uma estrutura na qual os da-dos possam ser organizados, e o estabelecimen-to de meios sistemáticos para medir e categorizarobservações. A análise de dados inclui olhar parapadrões de respostas, construir e interpretar grá-ficos, descrever tendências e apresentar e justi-ficar conclusões. Essas fases não são vistas comoindependentes: a análise de dados delimita a cri-ação desses dados de antemão, e a criação de da-dos influencia a análise dos mesmos.

Esse processo de modelagem de dados éum tipo de investigação científica, cuja particula-ridade é exatamente o suporte de um softwaredo tipo banco de dados, razão porque resolvemosdenominá-Ia ICBD (LIRA, 2000). Como um pro-cesso, a ICBD é um todo dinâmico com fases eatividades inter-relacionadas, cada uma contribu-indo para o propósito central de explicar um fe-nômeno. Ambas as idéias de dinâmica e inter-relação são mais facilmente entendidas atravésda referência as fases e atividades que compõemuma investigação: fases de previsão, planejamento(desenho), coleta, análise e conclusão; e ativida-des tais como nomear variáveis, levantar hipóte-ses, planejar uma investigação (experimento,levantamento, etc.) - isto é, observar um fenô-meno natural ou (re)produzido, e medir, descre-ver e registrar dados sobre ele - testar hipóteses,levantar e testar novas hipóteses e finalmente,chegar a conclusões. O uso de um software dotipo banco de dados nesse processo oferece, en-tre outras facilidades, uma estrutura sobre a qualos dados podem ser manejados.

Dizer que o desenvolvimento da ICBD éum processo dinâmico significa assumir que,durante o fazer desse processo, os sujeitos esta-rão sempre indo e vindo entre as fases: por exem-plo, estendendo, através da organização prelimi-nar de dados na fase do desenho, a atividade dedefinição de variáveis envolvidas no problema, aqual teve início na fase de previsão; tornando afase do desenho contingente com o que é espe-rado da análise; revendo os dados, criando novascolunas em função da necessidade de sua aná-lise, e assim por diante. Dessa forma, a definiçãode um procedimento para guiar o desenvolvi-mento de um experimento pode incluir a organi-zação da ICBD em fases, mas isso deve ser fle-

90 EDUCAÇÃO EM DEBATE. Ano 25. V 2 - N°. 46 - 2003

xível considerando a dinâmica do processo. Osestudantes podem, por exemplo, coletar mais da-dos e criar novas colunas em seus bancos de da-dos enquanto eles pensam sobre o problema.

Um ponto importante no desenvolvimentodo processo de leBO é garantir sua integridade,isto é, manter a idéia do processo como um todo,como uma unidade. Isso está fortemente relacio-nado com a consideração da inter-relação das fa-ses e atividades no processo, e da compreensãosobre como elas complementam uma a outra.

Existem muitas formas possíveis de desen-volver um ciclo de leBO, e essas possibilidadespodem ser caracterizadas por diferentes usos debancos de dados. Por exemplo, um modo deleBO pode incluir a coleta de dados e a criaçãode um banco de dados, enquanto que em outromodo essas atividades podem ser substituídaspela oferta de bancos de dados pré-preparadosaos estudantes. Na definição de um procedimentopara guiar o desenvolvimento de atividades deleBO deve-se considerar que o software a serusado nesse processo representa um meio atra-vés do qual se pode desenvolver a investigaçãopasso a passo. Vejamos a seguir um software dotipo banco de dados.

Tabletop: um software do tipo bancode dados

TabletopTM (TERe, 1989-1995), osoftware que iremos agora apresentar, é um ins-trumento para construir, explorar e analisar pe-quenos bancos de dados. Sua estrutura é a tradi-cional, com uma janela de linha-coluna, usadapara o registro de dados (Figura 1), a qual seassocia a uma janela de leitura somente, onderesultados de análise de dados são apresentados.Em termos funcionais, os dados organizados pe-los usuários do software nas linhas e colunas dobanco de dados podem ser rearrumados em umavariedade de formas depois de terem sidoautomaticamente transferidos pelo software. Paracada linha no banco de dados, um ícone é mos-trado na janela associada. Barras instrumentaismostram as possibilidades para abrir e definirrepresentações gráficas tais como diagramas deVenn, histogramas de freqüência, e gráficos decoordenadas. Operações de cálculo, tais comocontar, total, média e mediana encontram-setambém disponíveis nessa janela.

A janela de linha-coluna é uma represen-tação de dados baseada em propriedades

(üe Edit ll.atabase Iabletop Ylindow l:ielp

mFLUTUA.TD8 l!Ililf3

?:A----.-.---.Widf,'iitBí1tlf,tIDifijifUMumr1i ~

I!Wl!B~~hT,;~"'s-- . Afund-;---'T- . --1i.4:----7.9Ip~- -jCi'ljnd~-' - :=J1!Wl!Bastao grande i Flutua ! 189.5' 320 1Madeira : Retangular1!Wl!Blocode cortica TFJutua . j 40.5 i 1991Cortica : RetangularI!Wl!Blocode madeira j FI;;'i;;;-------:-· ---424.5:'-----5041 Madeira : RetangularI!WlVBoi~~~';;;Wgl~'bo"-'TFi~i~~"--'T"""4o':16i5TBõ;;ãch'ãw"'TClrcuiil;:'w-",-,l!Wli-Bo;:;:8'cha····'·''''rAi~~·dã.. ··:T-"··il:5r..ii4Tíi;;;i;;chã··· .. ·-;Retilngüla~w.".'

'I!Wlróiiod;~ .····TAi~nda ·[··s4TiSTMetãi····jciiio·d;ic8·····I!Wl!Ón~ei;:õ;p;:i;nu~;···TAi~ndã····T···22jl!i5Tvid;:õ·'TO;;;ãiI!WlrCin~ei;:õindi~·rAi~ndã··· 'T' ·····37!iT3iiiTMadeira TCiiind~iCil"""":1~~~~~l~~ti:I~~-~i~~~~,·~~{~F:~·l::·:·:··~~:::~~~:I:~::·::~~~~~~:r~tã~~t~············_J::~:;~t:::1!Wl!···p;;d;~·cã~;;ãlhõ··_··_·····TAi;;nda····"'···r.. ·············4riT··.. ···--·~2-:iI·P~d;ã·_··- ; Retangular1!Wl'Pedra pome : Flutua! 49: 100 IPedr;--- RetangularI!Wl!Pilha j Afunda! 21.7 i 61 Metal C~ca--I!Wl!Pote1 j Flutua I 62.5: 270 ICortica CilindricaI!WlIPote 2 iAfunda I 353.5 : 270 I Metal CilindricaI!WlfPõle3--~ : Flutua I 155.5 : 270 IMadeira Cilind-ric-a--I!Wlfp~i~"4-w'··"-_·"_..··....!·Fi~i-.:;~.._···..···..I..-·..··..·..···Úi9:..5T· ..·"· ..-úõlcé7a-----rCiÚ·;d~i~·"- ..-" ..I!Wlr·p~i~·S·······································!·Fiutu8·············!················"6'0:::;-;-·..···"·"270·1Pi·ii~tiC;;....."".. .~'ciii~d~i'~"'" _...l!Wlip~i~ii' ·"··TÃf~nd8··I 36Õ.6 270 'pe'ira --- ·CiÜ~d;:i~·~rN~~t~i·TFtutu~ "1" 23." 270rPlasticõl;;;ii~iol'."Ciii~d;:i·~8"·..

!~ Inicial I:1 ti'J i$ ~, .1 Tablelop !:~~;~@ij;'12:54'Figura 1 - Banco de dados sobre objetos flutuantes, construido na janela de linha-coluna do Tabletop,

EDUCAÇAO EM DEBATE. Ano 25. V 2 - N°. 46 - 2003 91

(FALBELand HANCOCK, 1993). As linhas, cha-madas de records na linguagem computacional,dão lugar às observações na lista de informações,e as colunas, chamadas fields, contêm suas pro-priedades. Nomear colunas e preencher linhassão as principais atividades na construção de umbanco de dados. O nome de uma coluna repre-senta uma variável- peso, material, forma, etc. -e as linhas representam os valores que essas va-riáveis assumem para o objeto na lista. A ativi-dade de nomear colunas requer a identificaçãode propriedades dos objetos e o reconhecimentode suas variações. A atividade de preencher li-nhas implica o manejo de valores assumidospor cada objeto incluído no banco de dados deacordo com as variáveis focalizadas.

Existem formas alternativas de preencheras linhas de um banco de dados, linha a linha oucoluna a coluna. Essas representam ênfases di-ferentes e colocam demandas diferentes para ousuário. Registrar os dados linha a linha é comodescrever cada observação (pessoa, evento ou

objeto considerado) de acordo com as variáveisdefinidas nas colunas. Tabular os dados coluna acoluna é como descrever os valores assumidos porcada variável em particular, caso a caso. Podemossupor, por exemplo, que uma criança que aindanão possa pensar facilmente em termos de variá-veis, prefira registrar os dados linha a linha, oque permite a ela que se concentre nos objetos,uma variável por vez. Deve ser mais difícil colo-car os dados coluna a coluna. No entanto, o aces-so à construção final deve fortalecer a compreen-são de variáveis pela criança.

Na janela Tabletop, cada representação grá-fica - a saber, diagramas de Venn (Figura 2),histogramas de freqüência, e gráficos de coorde-nadas (Figura 3) - é definida através da escolhade uma coluna a ser visualizada, e a reorgani-zação dos dados mantém a característica da es-trutura inicial, de ser baseada em propriedades.Uma vez que a variável é escolhida, seus valoressão dispostos na coordenada e cada ícone é co-locado em correspondência com seus valores na

E - o que você vê ai? Ian - Esses aqui são maiores; E - E o que aconteceu? Ian - (Eles) afundaram; E - E o queaconteceu com esses maiores? Ian - (Eles) flutuaram (..) Esses aqui flutuaram ... e (eles) são menores; E - Elesflutuaram? Ian - Ah, não (eles) afundaram, digo (..) Esse também flutuaram, e (eles) são menores ... Então, otamanho não faz diferença para todos (..) Apenas para alguns; E - Como é isso? F - (Ele) não faz diferença; E- E sobre a idéia de vocês de que os menores iriam afundar e os maiores iriam flutuar? Ian - Não. Aqui, eu achoque... (Ele) também não tem muito a ver; E - O que você quer dizer com "muito a ver"? Jan - Porque algunsflutuam ... os maiores podem afundar ou flutuar, e os menores podem afundar ou flutuar.

92 EDUCAÇAO EM DEBATE. Ano 25. V 2 - N°. 46 - 2003

"

lUloisco azul

lN]a,eulo de cortõc. lN]Pot" 1 lN]Pote 5 lN]Sei,o ovel \ü1 '.~ lN]P.edr. pome o.üISId... . lN]Ped,."oscolho •••.•Clónd'o•••.•Bolac"'''wrOl5<iwaVI~Tt(tglltlf''c'iiiltrr •."-10 IUITubo7lN]Tubo2 . IUITubo3 lIWITo,b04 lN] Tubo1

lN]Po'e 7 N\V.'rc.r."c. lN]PíIha lN]8",~... lN]Sastao cboes

fi!J F~e Edit Database Tabletop Wir\doy., Help

400

300

l!WIPote10200 l!WIs•• tec grande

lN] Pote 3 l!WIPote 4

100

Flutua

lN]T, ••;"., de bõcicleta

"*1Cinzeiro indo

lN]Pote 6 lN]Pote.2 l!WIPole9

l!WI5 upOftede velo

AllM1d<l

Figura 3 - Gráfico de coordenadas descrevendo dados sobre peso dos objetos e resultado no teste de flutuação.

D - Eu acho que peso influencia. Eu acho que os mais pesados ... ; E - O que você observa ai? j - Bloco de madeira é o maispesado, (ele) flutua; D - Porque tem outro fator que não deixa ele... j - Eu acho que não tem uma resposta, não é somenteum ... ; D - (Nós) temos que colocar peso junto com... assim: o peso e o... ; j - Esse tinha um espaço para a água entrardentro ... pode fazer com que... (..) D - Porque, olhe, o que é mais pesado ... aqui, olhe, esse..; (..) E - O que você disse, Dany?D - Eu acho que o peso influencia; E - O que você acha do que julia disse? D - O mais pesado ..; j - Esse bloco de madeira,ele flutua; D - Porque ele tem uma superflcie maior do que os pequenos ... ; j - Por aqueles que podem, (por causa do) volume,não é? D - Tranca de bicicleta. que é pequena, o volume ..; j - Eu acho que é: volume, peso e... ; D - Forma ... ; j - Também aforma. Bom, então todos os fatores fazem diferença (..)

variável. Se o usuário quiser manejar somenteum subgrupo de dados, o subgrupo pode serselecionado, permitindo o controle de variáveis.

A principal razão para usar o softwareTabletop como suporte para atividades de ICBD éa adequação do ambiente do software às necessi-dades da atividade. As duas janelas que constitu-em o software - para registro e análise de dados -correspondem exatamente às fases principais daICBD. Além disso, duas outras características doTabletop justificam a escolha para usá-Io ematividades de ICBD: primeiro, ele proporciona umnúmero de operações analíticas junto com re-presentações que tornam essas operações inteli-gíveis; e segundo, ele oferece flexibilidade e ricofeedback, mais do que um padrão de análise pré-determinado, e assim estimula a exploração.

Uma atividade de ICBD: a Flutuaçãode Objetos

Na atividade de flutuação de objetos, asquestões principais são: (1) que objetos flutuam e

que objetos afundam quando colocados na água? e (2)por que alguns objetos flutuam e outros afundam quandocolocados na água?

A segunda dessas questões, que demandauma explicação, envolve um problema cuja re-solução requer a separação de variáveis, repre-sentando, assim, uma fonte rica de informaçõessobre as estratégias adotadas por pré-adolescen-tes para usar operações formais de pensamento.Na realidade, essa atividade foi adaptada do exa-me clássico Piagetiano sobre Flutuação de Corpos(PIAGET, 1958), utilizado pelo pesquisador noestudo do pensamento formal.

O material necessário a essa atividade con-siste em uma ampla variedade de objetos, comdiferente e contrastante material, cor, forma,tamanho, comprimento, peso, ete. (ver lista nobanco de dados apresentado na Figura 1); umdepósiro com água; um kit para a manipulaçãode dados consistindo de instrumentos de medida- uma régua, uma fita métrica, uma balança,beakers de diferentes tamanhos, ete. - um com-putador com o software Tabletop instalado; e um

93EDUCAÇÁO EM DEBATE. Ano 25. V.2 - N°. 46 - 2003

formulário a ser preenchido quando os alunosnomeiam variáveis, planejam o experimento e ela-boram conclusões sobre a experiência. Na apre-sentação da tarefa, esse material é espalhado nochão ou em uma mesa, e um banco de dados noTabletop já mostra a lista dos objetos incluídosna atividade, em uma coluna chamada nome.

A atividade é apresentada aos alunos cominstruções do seguinte tipo: o experimento que agente vai começar hoje é sobre objetos que flutuam eafundam. A gente tem esse material e quer respondera essas questões. A idéia é que você vá tentandoresponder as questões através dos dados: fazendoprevisões, decidindo como realizar as medidas,realizando o experimento, e criando o banco de dados,de forma que possa explorar a informação que coletoue chegar a algumas conclusões. Eu irei pedir que vocêcomece separando os objetos de acordo com os quevocê acha que vão flutuar e os que você acha que vãoafundar na água. Enquanto faz isso, você podeescrever nesse formulário sobre os fatores que vocêacha que podem contribuir para que os objetos flutuemou afundem e que efeitos cada um desses fatores têmsobre o flutuar ou afundar do objeto, em umaatividade de previsão. Então você pode começar acriar um banco de dados. Depois, os dados irãomostrar se o que você previu acontece ou não, e devemajudá-lo(a) a responder as questões.

Enquanto desenvolvem a atividade, osalunos passam pelos seguintes passos..• classificam os objetos de acordo com o que eles

acham que acontecerá quando colocá-Ias naágua, isto é, se esses objetos irão flutuar ou não;

• explicam as bases de sua classificação, definindoos fatores que segundo eles podem levar umobjeto a flutuar ou afundar, e também fazendoprevisões sobre os efeitos deles na flutuação dosobjetos;

• colocam os objetos na água, testando se flutuamou afundam, e começando a criar um banco dedados com as informações que obtêm doresultado do teste;

• respondem a primeira questão principalatravés da análise de dados no Tabletop;

• resumem suas observações, procurando poruma lei que explique suas respostas à perguntado "por quê";

• adicionam colunas a seus bancos de dados deacordo com a sua lista dos fatores relevantes, edefinem como eles devem descrever ou medir ascategorias ou valores que cada fator assume;

• coletam os dados e colocam-nos no banco dedados;

• respondem a pergunta do "porquê" baseados naanálise dos seus dados no Tabletop; e finalmente,

• resumem suas conclusões, como se fossemapresentá-Ias aos seus colegas de classe.

IV Como pré-adolescentes testamhipóteses sobre a flutuação deobjetos em um contexto de ICBD

Nessa parte do trabalho, descrevemos eanalisamos respostas forneci das por pré-adoles-centes para a solução do problema da flutuaçãode objetos como atividade de lCBO, mostrandocomo eles manusearam os dados no ambiente dosoftware, e discutindo a interação entre eles e oTabletop no contexto da lCBO. Para tal, focaliza-mos: (a) o uso que fazem das ferramentas doTabletop para testar suas hipóteses sobre o por-quê objetos flutuam ou afundam na água; e (b)os esquemas de raciocínio que aplicam para tes-tar essas hipóteses.

Os dados aqui apresentados fizeram partede estudo realizado no nosso doutoramento(LIRA, 2000), com alunos de sa e 6a séries deescola particular paulista, entre 10 e 13 anos deidade, os quais desenvolveram, em duplas,atividades de lCBO por aproximadamente 12 en-contros de duas horas de duração, cada. Os alu-nos das duas duplas aqui referidas cursavam a S".série e tinham 11 e 12 anos de idade. Vejamosalgumas respostas forneci das por lan e Fabrício,testando hipótese sobre tamanho. Nos trechos dosprotocolos de resposta apresentados, usaremossempre E para examinador, e as iniciais ou o pró-prio nome dos estudantes para designá-Ias.

Os recursos usados por ]ulia e Daniela parapensar sobre a hipótese delas foi um gráfico noqual peso e teste estavam cruzados no primeiroplano, e dados sobre nome estavam apresentadosem um segundo plano. Começaram aplicando umesquema de raciocínio pertinente para peso abso-luto, como a seguir: objetos pesados devem afun-dar, do contrário a hipótese não é verdadeira [sep então q, a hipótese é verdadeira]. ]ulia entãoapontou para uma contradição - o objeto maispesado e que flutuava, o bloco de madeira [se pentão não-q, a hipótese é falsa].

As garotas propuseram então a hipótesesobre peso e outro fator (j - Eu acho que (..) não é

94 EDUCAÇÁO EM DEBATE. Ano 25. V 2 - N°. 46 - 2003

somente um ... ; D - (Nós) temos que colocar peso juntocom ...). Elas passaram a considerar volume/formano esquema de pensamento delas, nos seguintestermos: objetos pesados deveriam afundar, mas se elessão grandes, eles flutuam. Elas transformaram seuesquema inicial objetos pesados devem afundar porobjetos pesados e grandes devem flutuar [se p.r, então q],e objetos pesados e pequenos devem afundar [sep.não-r, então não-q]. Em outras palavras, o es-quema de pensamento que elas aplicaram intui-tivamente corresponde a: peso sendo o mesmo, ob-jetos maiores devem flutuar e objetos pequenos devemafundar, do contrário a hipótese não é verdadeira [Sendop igual, se r então q, e se não-r então não-o, a hipó-tese é verdadeira]. Note que as garotas associa-ram volume e forma e conseqüentemente não ti-nham definido ainda qual dessas variáveis elasdeveriam considerar junto com o peso.

V Considerações finais

A análise dos protocolos de respostas aci-ma demonstra a riqueza da interação entre pré-adolescentes e o software Tabletop incorporadoem atividades de investigação científica. Os re-cursos do software, como os diagramas de Venne gráfico de coordenadas, tornam possível a com-preensão dos dados da experiência científica, as-sim como o teste de hipóteses sobre o problemaem foco. Fabrício e lan fizeram um uso apropria-do das ferramentas do Tabletop para testar suahipótese sobre a influência do tamanho naflutuação dos objetos: observando dados que con-tradiziam a sua hipótese inicial de que objetosgrandes flutuam e objetos pequenos afundam,eles refutam essa hipótese, concluindo que o ta-manho não influencia a flutuação dos objetos. Noteste dessa hipótese, seus esquemas de raciocí-nio são aplicados em consonância com o que ob-servam através do software, que possibilita a ela-boração de conclusões lógicas.

Também Iúlia e Daniela puderam dar sen-tido aos dados observados através da represen-tação gráfica no Tabletop, testando a hipóteseinicial sobre peso absoluto a partir da aplicaçãode esquemas de raciocínio lógico em paralelo aobservação de dados contraditórios. As garotasainda propuseram uma nova hipótese sobre a in-fluência de peso junto com outro fator, a qual foiformulada através da aplicação de esquema depensamento do tipo mantendo o peso constante,então objetos maiores devem flutuar e objetos menores

devem afundar. A discussão do volume, no en-tanto, não encontrou referente no gráfico, ape-sar de fazer parte dos esquemas de pensamentodas garotas.

Esses dados demonstram que tanto as es-truturas de raciocínio previamente construídas,quanto a estrutura de aprendizagem que emergedurante a interação que acontece nessa experi-ência educacional dizem sobre a forma atravésda qual os alunos lidam com os requerimentosdas atividades de manejo de dados, e respondema eles. Essa estrutura de aprendizagem resultado nível de desenvolvimento da criança, do quedemanda a atividade tal como ela é praticada nacultura, e também da forma através da qual aspessoas, cujo papel inclui a transmissão de sig-nificados culturalmente atribuídos, participam dasconstruções desses alunos.

Bibliografia

Ainley, ]. & Pratt, D. (1994). Runaway cars.Micromath, 10, (2), 18-19.Bezanilla Albisua, M. J. (1992). Children'sunderstanding and use of a data base. Unpublisheddoctoral dissertation, 10E, University ofLondon.Hancock, c.. Kaput, ]. J. & Goldsmith, L. T.(1992). Authentic inquiry with data: critical barriersto classroom implementation. Educational Psychologist,27, (3),337-364.Healy, L. & Hoyles, C. (1993). Data handling inthe primary classroom: teachers and pupils as researchdesigners (Part of the Primary Data Handling Pack).Hertz, UK: Advisory Unit Enterprise Limited.Inhelder, B. & Piaget, J. (1958). The growth of logicalthinking from childhood to adolescence. London:Routledge & Kegan Paul.Inhelder, B. & Piaget,]. (1964). The early growth oflogic in the child. London: Routledge & Kegan Paul.Lira, A. K. M. de (2000) Separating variables inthe context of data hadling. Unpublished doctoraldissertation, 10E, University of London.Shaughnessy, ]. M., Garfield, ]., & Greer, B.(1996). Data handling. In A. ]. Bishop et a!.(Eds.), International handbook of mathematicseducation (part one, pp. 205-237). London:Kluwer.TERC - Technology Research Center (1989-1995) Tabletop ™ [Cornpu ter Software].

EDUCAÇÃO EM DEBATE. Ano 25. V 2 - N° 46 - 2003 95

Cambridge, MA:Author & Broderbund Softwarefor Education.Underwood, J. (1994). Databases. In J.Underwood (Ed.), Computer Based Learning (pp.79-101). London: David Fulton.Underwood, J., & Onderwood, G. (1990).

Computers and learning: Helping children acquirethinking skills. Oxford, UK: Blackwell.

Underwood, J. & Underwood, G. (1987). Dataorganisation and retrieval by children. British journalofEducational Psychology, 57, 313-329.