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o boletim do que por cá se faz EM ARQUIPÉLAGO DE CARROS QUEM FAZ PONTES É REI 91 ABRIL 14 MENSAL DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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O Boletim do que por cá se Faz Gratuito, comunitário, não lucrativo e independente. Distribuído no Faial, Pico, Terceira e São Miguel.

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Vou pedalando entre a Madalena e Santo Amaro, na ilha do Pico. Não trago mapa, porque me convenci que o percurso era simples, por já o ter feito de carro várias vezes. Mas claro que de bicicleta demoro mais, reparo mais, penso mais. Vão-me aparecendo placas com nomes de santos. Sant’Ana, Santo António, Santa Luzia, São Vicente, São Roque (provavelmente a ordem está errada – continuo sem mapa). Para São Miguel, talvez por ser Arcanjo, tive que pedir boleia de uma carrinha, que não consegui pedalar debaixo de chuva até às suas celestiais alturas. E por fim Santo Amaro. A toponímia não é exclusivamente hagiológica, também há lugares com nomes de outras coisas: Cachorro, Cabrito, Arcos, Prainha.

O que são nomes? Referências, mnemónicas, abreviaturas. Um nome é uma fórmula fácil, simples e indispensável à comunicação humana, para falar de pessoas, coisas, lugares. Chegamos a achar aborrecido que na altura de dar nomes a estas terras no meio do mar, faltasse imaginação aos nossos povoadores. É o que nos parece hoje em dia, quando vemos que escolheram invariavelmente nomes de santos para os lugares ou, vá lá, de características geográficas predominantes, caso óbvio da ilha a que chamaram Pico – esta. E uma coisa que sempre me espantou nos antigos era a capacidade que tinham para, sem ler ou escrever, saber os dias pelos nomes. Dia de São tal e dia de Santa tal. Como é que era possível que soubessem de cor e por ordem mais de trezentos e cinquenta santos (sendo que os santos a mim me pareciam todos iguais uns aos outros)?

Mudando de assunto para aqui voltarmos depois. Existe uma (existem várias) aplicação para telemóveis e tabletes em que o objectivo é identificar o máximo de logótipos possíveis. É um jogo. Aparece-nos o ícone sem as letras ou parte do logótipo total e nós escrevemos o nome da companhia, corporação, empresa, instituição – da marca, enfim. Nos primeiros níveis as mais óbvias e populares até que nos últimos já são obscuras companhias e bancos chineses de que (ainda) não ouvimos falar. E sem grandes problemas, digo-vos, qualquer um de nós atinge as várias centenas de logótipos nomeados – sabendo ainda que produto ou serviço representam. E neste jogo só estava representada uma companhia portuguesa, por isso a nossa cultura logotípica é ainda mais vasta se contarmos com o panorama nacional, regional e local. Ora não será isto tão extraordinário como saber de cor e por ordem trezentos e sessenta e cinco santos?

O certo é que nomes, como marcas, como símbolos (que os santos também os têm), como logótipos, cumprem todos a função de resumir em pouco o que quer dizer muito mais. Estou a fazer uma comparação simplista entre marcas comerciais e figuras religiosas. Já se compararam estrelas de cinema a deuses... E este jogo de comparações é divertido porque as semelhanças estão lá: identificamo-nos hoje em dia com marcas como antes nos identificávamos com santos. E mesmo quem ache que não se identifica com nenhuma marca, vai ver que com alguma se identifica: de café, de computadores, de electrodomésticos, de roupa, de detergentes, de... futebol... de partidos políticos! Marcas comerciais, os partidos políticos? Ora mas se até países são cotados...

É verdade que não damos nomes de marcas a ilhas hoje em dia. Mas obrigadinha, também já não há ilhas por descobrir... Consulto o mapa da geomorfologia submarina dos Açores e saltam-me à vista: Lucky Strike, Hard Rock Café e Trident... O Metro de Lisboa, que já contava com um São Sebastião e depois com uma Santa Apolónia, também já tem a PT Bluestation. E há a Meo Arena, houve a Praça Sony... Não, não se dão nomes de marcas a ilhas e a vilas, mas já faltou mais. Nomes de santos é que já ninguém vai buscar. E tudo isto para quê? Bom, além da óbvia conclusão, para vermos que continuamos a crer e que ainda temos boa memória para aquilo que nos interessa.

s a n t a i m a g e m d e m a r c ac r ó n i c a

É verdade que não damos nomes de marcas a ilhas hoje em dia. Mas obrigadinha, também já não há ilhas por descobrir...

A u r o r A r i b e i r o

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“Partilha” é o mais recente documentário de Tiago Rosas. A característica essencial de “Partilha” é a sua força e intencionalidade enquanto documento antropológico ou mesmo “álbum de família”, sobre tão curiosa abordagem à festa do Espírito Santo no lugar de João Bom, Bretanha, Ilha de São Miguel.

Desta feita, o jovem documentarista filma a festa da partilha, registando os diferentes momentos desse momento celebrativo, que vai desde os preparativos e organização da festa à nomeação do mordomo do próximo ano.

Neste trabalho documental com a duração de hora e meia, pressente-se desde o início a preocupação de escutar os envolvidos no processo, acompanhar a organização e aprestos dessa realização anual, versando o tema da partilha entre os envolvidos bem como detectar e pressentir as origens dessa celebração, avivando os primórdios do seu povoamento e aparecimento, já que fica bem no interior da ilha em poiso tão recôndito.

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c i n e m a

Deste modo, a proximidade do realizador do documentário com os intervenientes foi fundamental (a família Pavão concedeu aqui um significativo testemunho), ajudando agora a que este trabalho se desenrolasse e se desenvolvesse de forma afectiva, captando assim os gestos e os sons dessa cerimónia comunitária do princípio até ao final da festa. Constata-se assim que este material visual regista este acontecimento numa combinação do divino e do pagão, bem como sagrado e profano.

É, pois, com uma imaginação vigorosa e um musical cuidado que o som presente no filme adquire uma inusitada relevância – mais uma vez o tema principal é de Zeca Medeiros!

Outro pormenor é a ausência de uma narração clássica e onde se evidencia a leitura dos textos de Vitorino Nemésio, Natália Correia e Agostinho da Silva, aqui lidos de forma exemplar e enleio poético por Laura Lobão, todos eles relacionados

com a relevância das festas do Espírito Santo no arquipélago. A actriz repete duas vezes o excerto do filósofo Agostinho da Silva, denotando assim uma clara missão de destacar esse momento particular de partilha que se vive nas ilhas tal como a coroação dos mais novos – o tom maior das festas.

Uma pequena nota para os momentos do filme com habitante da freguesia de João Bom, João Medeiros, ainda que difíceis de decifrar na sua plenitude, revelam a enorme grandeza e humanidade deste personagem no auge da sua naturalidade, que de tão rica e pungente na sua diferença e frescura, nos faz ter inveja das suas oito décadas de existência. E que assim viva a festa da Partilha! F e r n A n d o n u n e s

A verdadeira história da autonomia açoriana é uma história de normas. Aliás está por fazer uma história do homem na perspetiva das normas.

O homem é normativo EM tudo, de onde vem se não da norma, onde está se não é a norma e para onde vai se não é a norma que lhe racha o caminho?

São tudo em tudo normas. As normas internas de cada um. As normas da família, no seu seio e na socie-dade. As normas da polis. As normas de COMO lavar as mãos e de como fecundar o outrem dando-lhe ao

mesmo tempo conteúdo de norma de prazer.A norma de escrever, de pensar. Tudo é norma, até para LER.

Ninguém respira livremente, há norma para isso, se não É da lei, É da saúde, ou da diminuição do corpo, ou do espaço ou da treta, enfim aglomerado de normas.

O meu corpo é norma. Violo-a porque necessito de cumprir outra norma. A necessidade, pois claro tam-bém é outra norma. Não necessito SEGUIR a norma porque sou A própria norma. Tirem-me a norma sem me tirar a VIDA, impossível, é outra norma. Tirem-me a vida sem me retirar a norma, impossível, sempre a

norma.Sem ela não sou. Sem ela não vou. Sem ela não estou.

A r n A l d o o u r i q u e

c u l t u r a d e n o r m a s

Palestra sobre como o homem é sobretudo norma, ou ensaio literário sobre as normas

Abordagem à festa do Espírito Santo no lugar de João Bom, Bretanha, Ilha de São Miguel

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A edição anual da revista Atlântida já está disponível e pode ser adquirida na sede do IAC (Instituto Açoriano de Cultura), sito no Alto das Covas, Angra do Heroísmo. A autoria dos desenhos no interior, capa e separadores, é do arquitecto/ilustrador Luís Brum. A abrir a contenda está o artigo: “Qual o papel da cultura no nosso Portugal contemporâneo?”, onde se incita à reflexão que urge fazer sobre o “desinvestimento generalizado” nestas coisas culturais e que terá consequências na “desconstrução de todo um sistema complexo e identitário que caracteriza a nossa sociedade e nos une como um povo com oito séculos de história”. Interessantes são, sem dúvida, a conversa que decorre entre Vanessa Rato e o artista Pedro Cabrita Reis bem como o “Retrato de Natália” segundo Ana Maria Pacheco do Nascimento. Uma atenção mais do que merecida e especial para “A Tourada do Mar: A Baleação Açoriana observada por Mário Ruspoli e Chris Marker”, num texto muito bem escrito e demorado, exemplarmente escrito por Francisco Maia Henriques. Parabéns à direcção do IAC, Paulo Raimundo e Filipa Tavares, por este trabalho de recolha e organização editorial que só voltará em 2015.

Houve um tempo que foi simples, demasiado simples até, escrever ou editar um livro em Portugal. Trabalho árduo será publicar um livro que contenha uma determinada identidade e que possua dentro de si um sentido de comunidade e diversas e intrincadas conexões estéticas, isto é, que goteje lastro e contamine tudo à sua volta num universo visível de centelha para lá de abarcar dentro de si um combinado sensível de partilha e inclusão. Impossível? Pode ser não!

O livro “há-de f lutuar uma cidade no crepúsculo da vida”, do jovem micaelense, Leonardo Sousa, é uma primeira obra que reúne dentro de si uma galáxia afectiva de diferentes autores, sendo, sobretudo, um livro de um autor com força e singularidade que editou o seu livro iniciático e que não é, certamente, mais um a povoar as estantes das livrarias ou das bibliotecas. Escrever um livro é, portanto, uma tarefa arriscada e, na maioria das vezes, um feito inglório, ainda que nos convençam do contrário. O autor que tem uma aguda consciência do exercício da escrita e da transpiração que esta requer, escreve na página 41 deste livro em forma de aviso: “fazer um verso é entregar a alma e mutilá-la muitas vezes”. Alma mutilada, portanto. Daí que este livro com o curioso título “há-de f lutuar uma cidade no crepúsculo da vida”, para além de ser a primeira súmula de versos e contos do autor, é também o anúncio da sua afirmação enquanto escritor e literato, a sua assunção de vida literária

a t â n t i d a d o i a c

r e v e l a ç ã o e o u s a d i a l í r i c a

l i t e r a t u r a

l i t e r a t u r a

e sinónimo de revelação e ousadia lírica como podemos ler em “Nota Informativa I”: “não há utilidade em conhecer palavras/ tua boca move-se com a lentidão das portas à noite/ ou com a monotonia do lume que te passeia nos olhos/ continuas a procurar/ as sílabas que te levem ao derreter dos versos/ ou ao presságio da saliva dos espelhos”. Escrever ou procurar as sílabas que te levem ao derreter dos versos passou, portanto, a fazer parte da sua vida e este enfrentamento é digno de estima, elogio e admiração. Seria, no entanto, bom esclarecer que muito embora os encómios naturais a que esta primeira obra possa estar sujeita convém não embandeirar em arco ou desperdiçar loas de forma fácil e corriqueira pois acreditamos que ainda há muito caminho por fazer e desbravar. O livro convoca a poesia, a prosa e o conto sendo neste último registo que o autor arrisca abrir o jogo do que está para vir: “- rasurem a minha vida, quero escrever outra e medito, eis as minhas pernas um tanque e cicatrizes (…)”. O escritor está consciente que este é um livro de homenagem aos seus autores dilectos e que por ali ecoam vozes de leituras, lampejos e demais amores-perfeitos. Ele começa desta forma um diálogo de gigantes e comprova a presença dos autores eleitos em muitas das páginas do seu livro, e, convenhamos, não há mal nenhum nisso e é até sinónimo de leitura e gratidão perante a obra de outros. Não será muito difícil encontrar aqui e ali ecos e ressonâncias de Paula Sousa Lima, Al Berto e o seu “Horto de Incêndio”, ou ainda marcas de intertextualidade de leituras mais recentes dos romances e crónicas de António Lobo Antunes, para além de toda a obra do seu poeta de eleição: Herberto Helder.

A fasquia que Leonardo Sousa colocou perante si está, portanto, muito elevada e, só por isso, devíamos neste momento elogiar a sua ousadia e coragem lírica. F e r n A n d o n u n e s

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O Cine’Eco | Seia – Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra da Estrela, é o único festival de cinema, em Portugal, dedicado à temática ambiental, no seu sentido mais abrangente. Realiza-se em Seia anualmente, em Outubro, e de forma ininterrupta desde 1995, por iniciativa do Município de Seia. O Festival, que em 2014 completa 2 décadas de existência, procura promover novas ideias e acções através do audiovisual, para fazer reflectir o público sobre as questões ambientais.

Numa iniciativa conjunta do Observatório do Mar dos Açores (OMA) e do Festival Cine’Eco|Seia, com a colaboração da Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça (BPARJJG) e do Fazendo, e à semelhança do ano passado, arrancou no Faial, no dia 13 de Março, a extensão da edição de 2013 deste Festival nos Açores, com a exibição dos filmes vencedores dos Prémios de Antropologia Ambiental – DAMOCRACY, de Todd Southgate, Brasil, 2013 – e Camacho Costa/lusofonia – MEU PESCADOR, MEU VELHO, de Amaya Sumpsi, Portugal, 2013. A exibição destes dois primeiros filmes esteve enquadrada nas XXI Jornadas Pedagógicas da Associação Portuguesa de Educação Ambiental (ASPEA). Depois deste arranque estão agendadas sessões semanais, com entrada livre, à quinta-feira, pelas 21:30h, no auditório da BPARJJG, até ao dia 22 de Maio.

Ainda no decurso destes meses será realizada uma programação paralela, no Auditório da Escola Secundária Manuel de Arriaga e na Escola Básica e Secundária de São Roque do Pico, permitindo a exibição de alguns dos filmes que integram esta Extensão, abrindo assim a oportunidade a um público mais jovem e muito desperto, assistir e debater estas questões ambientais.

Mas não decorrerá apenas no Faial esta extensão do Cine’Eco|Seia. A programação será apresentada em simultâneo na Terceira e em São Miguel. Na Terceira, em Angra do Heroísmo, em colaboração com o Observatório do Ambiente dos Açores, o Cineclube da Ilha Terceira e o grupo de Teatro “O Alpendre”, onde decorrerão as sessões. Em São Miguel as sessões dividem-se entre a Lagoa, no auditório do ExpoLab, e Ponta Delgada, no Cine Solmar, numa parceria com o 9500 Cineclube e o Expolab.A programação detalhada para todas as ilhas está disponível em www.oma.pt. C A r l A d â m A s o

3 de Abril - 21:30hAuditório da BPARJJGTransparências Perdidas, Mário Pereira, Vitor Brito e Carlos Amaro, Portugal, 2013, 26’ Prémio Panorama Regional | LusofoniaHerberto, Bruno Sousa, Portugal, 2013, 55’

10 de Abril - 21:30hAuditório da BPARJJGA Alquimia Do Espírito (The Alchemy of the Spirit), Paulo Prazeres, Portugal, 2013, 98’Menção Honrosa | Lusofonia | Júri da Juventude

17 de Abril - 21:30hAuditório da BPARJJG Os Caçadores de Frutas (Fruits Hunters), Yung Chang, Canadá, 2012, 95’

24 de Abril - 21:30hAuditório da BPARJJG Abelhas e Homens (More than Honey), Markus Imhoof, Alemanha / Suíça /Áustria, 2012, 95’

30 de Abril - 21:30hAuditório da BPARJJG O Último Oceano, (The Last Ocean), Peter Young, Nova Zelândia, 2012, 87’

e x t e n s ã o d o f e s t i v a l c i n e ’ e c o s e i a – a ç o r e sc i n e m a

3 de Abril – 21:30hAuditório do Alpendre – Grupo de TeatroA Alquimia do Espírito (The Alchemy of the Spirit), Paulo Prazeres, Portugal, 2013, 98’Menção Honrosa | Lusofonia | Júri da JuventudeSegundo Fôlego (Second Wind), Sergey Tsyss, Rússia, 2012, 6’24’’

10 de Abril – 21:30hAuditório do Alpendre – Grupo de TeatroAbelhas e Homens (More than Honey), Markus Imhoof, Alemanha / Suíça /Áustria, 2012, 95’A Galinha que Burlou o Sistema, Quico Meirelles, Brasil, 2011, 15’

17 de Abril – 21:30hObservatório do Ambiente dos AçoresVamos Salvar os Alimentos (Food Savers), Valentin Thurn, Alemanha, 2013, 54’,Prémio Educação AmbientalA Flor Única (The only f lower), César Pérez Herranz, Espanha, 2012, 7’Amora Preta (Black Mulberry), Gabriele Razmadze, França-Georgia, 2012, 20’Regra dos Alimentos (Food Rules), Marija Jacimovic &Benoit Detalle, Sérvia, 2012, 2’13’’

24 de Abril – 21:30hAuditório do Alpendre – Grupo de TeatroA Quintinha (Little Land), Nikos Dayandas, Grécia, 2013, 52’Damocracy (Damocracy), Todd Southgate, Brasil, 2013, 35’ Prémio Antropologia Ambiental

5 Abril – 17:00hExpolabSe Eu Tivesse uma Vaca (Si Yo Tuviera una Vaca), Norma Nebot, Espanha, 2013, 21’Grande Prémio Ambiente Cine’Eco 2013A Quintinha (Little Land), Nikos Dayandas, Grécia, 2013, 52’ 11 de Abril – 21:30h9500 CineclubeTransparências Perdidas, Mário Pereira, Vitor Brito e Carlos Amaro, Portugal, 2013, 26’ Prémio Panorama Regional | LusofoniaHerberto, Bruno Sousa, Portugal, 2013, 55’ 19 de Abril – 15:00hExpolabA Alquimia Do Espírito (The Alchemy of the Spirit), Paulo Prazeres, Portugal, 2013, 98’Menção Honrosa | Lusofonia | Júri da Juventude 25 de Abril – 21:30h9500 CineclubeOs Caçadores de Frutas (Fruits Hunters), Yung Chang, Canadá, 2012, 95’

22 de Abril - Dia Mundial da TerraEscola Básica e Secundária de S.Roque9:00hSe Eu Tivesse uma Vaca (Si Yo Tuviera una Vaca), Norma Nebot, Espanha, 2013, 21’Grande Prémio Ambiente Cine’Eco 2013Segundo Fôlego (Second Wind), Sergey Tsyss, Rússia, 2012, 6’24’’14:30hE-Wasteland, David Fedele, Austrália, 2012, 20’Um destino final limpo nas Maldivas (Wash Final Destination in Maldives), Giulio Pedretti e Roberto Carini, Itália, 2013, 15’

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e x t e n s ã o d o f e s t i v a l c i n e ’ e c o s e i a – a ç o r e s

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- “Mmmmmh...olha aqui que belo lugar… Ilhas bonitas, água limpinha, muita rocha onde posso crescer... Depois desta longa viagem, preciso de um lugar onde possa “criar raízes”.- Com licença, este lugar está vazio, não está? Obrigada.- Olha... Desculpem… Como vêem, tenho um talo muito grande e preciso de um bocado mais de espaço... Pode apertar-se?- Obrigada... Não é por mal, a sério, mas roubo-te mais uns metros de rocha, está bem? É porque está a chegar a minha prima, estás a ver? É aquela com os pequenos arpões... Ela também precisa de espaço para crescer e, se não o encontra, cresce em cima das outras...Oh, que mal criada! Estou aqui a ocupar mais do 20% das rochas marinhas e ainda não me apresentei!Peço desculpa…Olá a todos eu sou Asparagopsis taxiformis e a minha prima aqui ao lado é a Asparagopsis armata.Somos algas vermelhas (Rhodophyta) e a nossa família chama-se Bonnemaisoniaceae (que chique!). Somos as únicas duas espécies do género Asparagopsis no mundo, e até somos muito parecidas, não é? A maior diferença é que A. armata está armada (armata = armada) com arpões entres as suas frondes.Já fomos muito estudadas por parte dos biólogos, sobretudo porque temos um ciclo de vida particular chamado heteromórfico. Ou seja, temos duas formas de vida: uma chamada gametófita, onde é possível distinguir-nos facilmente, e outra fase, chamada esporófita ou fase Falkenbergia. Na fase esporófita, somos parecidas com bolinhas de algodão rosa. Somos muito famosas em todo o mundo! Não pelos melhores motivos, diga-se… Somos consideradas espécies invasoras. O que isto quer dizer? Uma “invasora” é uma espécie não indígena que prolifera sem controle e constitui uma ameaça para as espécies nativas ou para o equilíbrio e funcionamento dos ecossistemas. Onde chegamos, ocupamos muito espaço, impedindo que outros

c o n v e r s a d ’ a l g a s

c i ê n c i a

seres sésseis possam crescer em harmonia connosco (algas, corais, espojas). Gostaríamos de não ser má vizinhança, mas é assim que somos...Eu tenho origem no Japão. A prima A. armata vem da Austrália, no oceano Pacifico. Como chegámos ao Atlântico?! É um mistério…Hoje em dia, povoamos quase todas as águas tropicais e subtropicais! Sim, temos a capacidade de resistir e conquistar os diferentes ambientes em que nos fomos impondo. Isto também porque os peixes e os ouriços não gostam muito de nos comer, portanto podemos crescer sem perturbação.É verdade, a nossa reputação não é das melhores; somos conhecidas como “malvadas”, “invasoras” e até mesmo como “destruidoras da diversidade”. Os humanos organizam programas de controlo e prevenção da nossa presença. Uma bióloga disse-me que está a tentar perceber como é que conseguimos ser assim tão eficazes. A nossa presença e abundância estão a ser constantemente monitorizadas. Por um lado, somos consideradas estrelas de Hollywood! Tiram-nos fotografias, somos filmadas, tivemos até uma câmara apontada para nós durante vários dias, tipo reality show. O objetivo era verificar se alguém nos comia. Por outro lado, vivemos no terror: algumas de nós foram transportadas para laboratórios em outros países! Aí foram estudados os compostos químicos que produzimos e qual é o seu efeito nos outros organismos.Apesar da nossa fama gostava de dizer que, à nossa maneira, damos um contributo para a biodiversidade marinha. As nossas frondes oferecem refúgio para pequenos animais, incluindo cavalos-marinhos. Fornecemos substâncias com propriedades altamente antioxidantes e antibacterianas, utilizadas em produtos cosméticos e na produção de agar. Por esta razão, empresas como a SeaExpert começaram a recolher amostras da A. armata na ilha do Faial. Constatou-se que existe de facto valor para a nossa exploração e comercialização!Emfim… Não somos assim tão más, não é?

Para saber mais: SEAPROLIF - Projeto científico que estuda algas marinhas http://seaprolif.ird.nc/ pA o l A pA r r e t t i i n v e s t i g A d o r A d o i m A r / d o p u n i v e r s i d A d e d o s

e r r a t aNa última edição, por lapso, não

inlcuímos a autoria do artigo “ilustrando as espécies marinhas dos

açores”. Ao autor, Les Gallagher, e aos leitores as mais

sinceras desculpas.

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O choco-comum (Sepia officinalis) muito conhecido em Portugal continental, ao contrário do que se pensa, já habitou as águas Açorianas, na costa litoral da ilha do Pico e de São Miguel. Atualmente, ninguém os consegue encontrar, mas deverá ter sido um residente marinho deste magnífico e rico Arquipélago. Desde que a vida existe na Terra, muitas espécies de seres vivos foram aparecendo e desaparecendo em função de processos naturais. Hoje em dia considera-se extinta uma espécie quando não é registada durante 50 anos. O choco é um cefalópode com 8 braços e 2 tentáculos, que servem para auxiliar na captura de alimento de modo a trazê-lo até à boca, para fixar as presas após as capturas e para agarrar o parceiro durante a cópula. A sua dieta alimentar é muito diversificada, incluindo artrópodes, moluscos, anelídeos, peixes e até mesmo… chocos. Tem um ciclo de vida curto, atingindo no máximo 2 anos. Possui capacidade de mimetismo, que usa como camuflagem para iludir predadores e presas. Quando ameaçado, liberta um jato de tinta que provoca uma “nuvem”, tendo assim a oportunidade de escapar,

e s p é c i e s n ã o i n d í g e n a s v s . a u m e n t o d a b i o d i v e r s i d a d e

o c h o c o f u g i t i v o !

c i ê n c i a

Cada vez é mais recorrente ouvirmos falar, ler ou ouvir notícias sobre espécies não indígenas, espécies exóticas ou espécies alienígenas. De facto, a invasão de ambientes terrestres e aquáticos por espécies não indígenas tem ocorrido no mundo inteiro e o ‘catálogo’ destas espécies ‘de outras paragens’ tem vindo a aumentar durante as duas últimas décadas. Mas o que são espécies não indígenas? Tratam-se de espécies que se moveram para fora da sua habitual zona geográfica, na maior parte dos casos via acção humana. Este movimento intencional de organismos ou espécies por parte do homem já ocorre há milhares de anos. Por exemplo, é conhecido e documentado que inúmeras espécies de plantas foram introduzidas e cultivadas em várias zonas do globo. A maior parte dos vegetais, frutos e carne que consumimos hoje derivam de espécies de animais ou plantas que foram intencionalmente introduzidas de outras zonas. No mar, um dos mecanismos de transferência mais importantes para a redistribuição de espécies marinhas no globo é o transporte marítimo, principalmente através das águas de lastro assim como através da incrustação em cascos de navios.

Mas será que a descoberta e detecção de espécies não indígenas contribui para o aumento da biodiversidade? Será que esta introdução de novas espécies pode ser considerada benéfica para a biodiversidade? Se analisarmos esta questão numa perspectiva meramente aritmética, sim. Recentemente, o meu grupo de investigação implementou um programa de monitorização de espécies marinhas não indígenas em águas do arquipélago da Madeira. Até ao momento, já foram detectadas e identificadas mais de 30 espécies não indígenas, muitas delas novos registos em águas madeirenses. Não havendo registos de extinções de espécies nativas, estas novas introduções contribuem para uma maior diversidade no inventário de espécies do arquipélago da Madeira. Contudo, considero algo enganadora e até mesmo perigosa esta interpretação puramente matemática.

Não podemos ignorar que certas espécies não indígenas podem trazer-nos benefícios que podem ir desde a alimentação (por exemplo espécies em aquacultura) até à redução da erosão em determinados solos. Necessitamos sim, de uma eficiente gestão ambiental deste tipo de espécies porque são conhecidos inúmeros impactos de espécies não indígenas em espécies nativas, habitats ou até mesmo ecossistemas. Não podemos nem devemos ignorar conhecidos impactos severos que espécies não indígenas têm provocado nas últimas décadas. Em 1935, na Austrália, foram introduzidos 100 sapos boi (Bufo marinus) para combater o escaravelho da cana-de-açúcar que era considerado na época uma praga e as consequências foram catastróficas em termos ambientais e económicos. Actualmente existem mais de 200 milhões destes sapos na Austrália e a sua erradicação parece impossível.

Temo que um simples rótulo de ‘inofensivo(a)’ e sem fundamentação a novas espécies não indígenas possa conduzir a más decisões de gestão ambiental. É fundamental conhecer e aprofundar antes de qualquer tomada de decisão precipitada. É urgente termos ferramentas que nos possam auxiliar na decisão. Programas de monitorização permanente poderão ser essa ferramenta. Para mais informações, consultar www.canning-clode.com. J o ã o C A n n i n g C l o d e i m A r - u A ç s m i t h s o n i A n i n s t i t u t i o n s e d i A d o n A e s tA ç ã o d e b i o l o g i A m A r i n h A d o F u n C h A l

confundindo um eventual predador. Em 1858 e 1861, o célebre malacologista Francês Henri Drouët reportou a existência de Sepia officinalis nos Açores, mais propriamente nas ilhas do Pico e S. Miguel. Como este autor refere nas mesmas obras a existência de polvo-comum e da lula-mansa, a hipótese de se tratar de confusão é baixa. Não é, porém, um registo consensual. O facto de os chocos não passarem por um estado paralarvar planctónico levanta muitas questões. Não sendo planctónicos, como teriam chegado às ilhas, atravessando o oceano? Não fazia sentido.Um outro fator é a profundidade máxima que suportam. Por norma, esta espécie desloca-se perto do fundo até aos 150 m de profundidade. Não podem passar esta profundidade porque a sua concha interna (siba) implode devido à pressão. Como poderiam ter passado por profundidades de milhares de metros?Acresce que o choco é uma espécie que necessita de locais de abrigo, é maioritariamente bentónico e tem por hábito enterrar-se na areia. Ora, as nossas ilhas não são o local mais indicado para fornecer esse ninho acolhedor e protegido. Apesar de todas estas dúvidas, muitos autores

mantêm a observação de Drouët. A verdade, no entanto, é que atualmente este organismo não faz parte da lista de espécies dos Açores, visto que não foi observado nos últimos 153 anos. Ter-se-á extinto?Evitar a extinção de uma espécie é um grande desafio e um grande problema atual. Há quem acredite que estamos a atravessar a sexta grande extinção da história e daí ser tão importante a preservação de espécies. Será isto verdade? Refletindo sobre assunto, podemos verificar que o nosso planeta está a perder biodiversidade e habitats.No nosso caso é ainda pior. As ilhas possuem áreas reduzidas e com pouca probabilidade escapatória a uma eventual ameaça. Seja maior ou menor a tendência de desaparecimento de espécies, nas ilhas há sempre que ter atenção acrescida.

Para saber mais:http://www.sketchplease.com/cuttlefish/jason-241MEIO - http://www.horta.uac.pt/intradop/index.php/mestrado-meio

Boletzky, S.V. (1983). Sepia officinalis. In: Cephalopod Life Cycles, vol. 1. Academic Press, Toronto. m ó n i C A s i lv A e s t u d A n t e d e m e s t r A d o d o d o p / u A ç

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v i a j a - s e n o m u s e u d e a n g r a d o h e r o í s m odivide a meio o corpo nu. Perturbadoramente memorável é, também, o registo das árvores prenhas de crianças dos Tana Toranja, habitantes da ilha Sulawesi, na Indonésia, que sepultam no interior dos troncos os seus filhos mortos em tenra idade. Margarida Quinteiro, professora do Ensino Secundário, angrense e igualmente uma viajante veterana, conduziu uma viagem com itinerários minuciosamente detalhados e ilustrados por fotografias que, embora dando conta do esplendor da paisagem, privilegiavam essencialmente o inusitado dos costumes, o pitorescos do vestir, os pormenores exóticos das construções, a fascinante desordem dos mercados. Das muitas fotos apresentadas, destacamos a arrebatadora visão da colossal muralha da China, os encantadores recortes das multicoloridas fachadas tibetanas e os impactantes retratos das mulheres Nimba, da Namíbia, ornadas por intrincados penteados e vestidas de lama vermelha.Por sua vez, Rui Caria, o único profissional na área da imagem a participar nestas mostras, trouxe à Sala do Capítulo a sua visão do quotidiano em grandes cidades. A par de capturas que prestam um incontornável tributo a grandes ícones cosmopolitas, a abordagem de Rui Caria assume especial relevância nos instantâneos em que a câmara se faz voyeur, isolando no tumulto cinzento das ruas, momentos de vibrante alegria, enternecedora ternura ou… demasiadas vezes… miséria confrangedora, solidão e irremediável desalento. Duas imagens se sobrepõem e digladiam na memória: a do casal que passa de bicicleta num rasto radioso de risos; a da mulher que encostada a um muro de lajes de mármore

Viajar pela Imagem é uma das iniciativas promovidas pelo Museu de Angra do Heroísmo, no âmbito do programa de dinamização da exposição Património Mundial | Do Mundo a Angra do Heroísmo, que assinala o 40.º aniversário da Convenção (1992-2012) e o 30.º ani-versário da inclusão da Zona Central de Angra do Heroísmo na Lista do Património Mundial (1983-2013).Fotógrafos, reconhecidos pelo seu gosto pelas viagens, foram convidados a projetar fotografias das suas excursões pelo mundo, em pleno espaço expositivo, e a dar testemunho das suas vivências noutras terras, à maneira dos muitos pícaros e andarilhos que, aportados a Angra, aqui davam conta das suas aventuras e desventuras nas terras recém-descobertas.

Ouvir Hugo Machado, geólogo de profissão, falar do seu último périplo de treze meses por montanhas recônditas, desertos inóspitos e arquipélagos paradisíacos tornou fácil perceber o misto de admiração, espanto e incredulidade que acometia as audiências de Marco Polo e Fernão Mendes Pinto. Mas se os quadros descritos pelo jovem angrense pareciam de fábula, as fabulosas imagens remetiam ao silêncio e não houve como não admirar quem assim se aventura por tão remotas paragens, convivendo amenamente com gentes de todas as cores e de hábitos tão estranhos ao nosso pálido olhar ilhéu e europeu. Mesmo passados meses, é impossível esquecer algumas das fotografias apresentadas, duas das quais foram premiadas pela National Geographic Magazine. É inesquecível o contraluz do sacerdote hindu, surpreendido nas suas libações matinais, e que a câmara eterniza no preciso instante em que a luz do sol ilumina a doirado o fio de água que lhe

branco agoniza de frio, coberta por um lençol finíssimo, um lapidar e cru retrato de morte.Depois de dada a volta ao mundo, em abril, será ocasião de viajar pela realidade local. No sábado, dia 5, serão apresentadas fotografias realizadas no âmbito do concurso RAVE: Biodiversidade dos Ambientes Costeiros, organizado pelo Centro Reg¬gional de Educação e Investigação Associado à Sustentabilidade dos Açores e pelo Grupo da Biodiversidade da Universidade dos Açores, em parceria com o Parque Natural da Ilha Terceira e o Museu de Angra do Heroísmo. Uma semana depois, a 12 de abril, e no âmbito da celebração do Dia dos Monumentos e Sítios, Angra recuará no tempo, através da projeção do Documentário Terceirense, realizado por António Luís Lourenço da Costa, em 1927, e apresentado pela primeira vez, nesse mesmo ano, em Angra do Heroísmo, por iniciativa da empresa Foto-Cinema Açores. Esta fita, anunciada na imprensa local de então como o primeiro filme açoriano, compreende um conjunto de quadros em que as imagens animadas procuravam reter a vida da cidade, as suas figuras e as suas gentes, os seus hábitos e as suas pequenas histórias.

Desta forma, Viajar pela Imagem cumpre o objetivo do Museu de Angra do Heroísmo de se assumir como espaço de confluência de culturas, protagonizando momentos de vivência de outras realidades e heranças, que são um estímulo para uma reflexão alargada sobre os temas do Património, da Diferença e da Identidade e sobre os modos como a Humanidade com eles convive.A n A l ú C i A A l m e i d A s e r v i ç o e d u C At i v o d o m u s e u d e A n g r A

d o h e r o í s m o

f o t o g r a f i a

à s v o l t a s n a s i l h a sf a z e n d o l i g a ç õ e s

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Canção de EngateAntonio Variações

Tu estás livre e eu estou livreE há uma noite para passarPorque não vamos unidos

Porque não vamos ficarNa aventura dos sentidos

Tu estás só e eu mais só estouTu que tens o meu olharTens a minha mão aberta

À espera de se fecharNessa tua mão deserta

Vem que amorNão é o tempoNem é o tempo

Que o fazVem que amorÉ o momento

Em que eu me douEm que te dás

Tu que buscas companhiaE eu que busco quem quiser

Ser o fim desta energiaSer um corpo de prazer

Ser o fim de mais um diaTu continuas à espera

Do melhor que já não vemE a esperança foi encontrada

Antes de ti por alguémE eu sou melhor que nada

A canção de hoje, que me acompanha juntamente com a chuva e ventos do norte que insistem em se manter vivos por mais uma noite, foi cantada, mexida e remexida vezes sem conta na história da música pop(ular) Portuguesa. Poder-se-ia pensar que por estar já tão enraizada nas nossas memórias, não tinha que ser para aqui chamada.

Mas como a mim, ainda hoje, me surpreende e enternece a sua forma estranhamente crua e verdadeira, vai ter que ser. Quem a escreveu viveu (e vive) muitos anos para além de si e do seu tempo. Chamava-se António, como tantos da nossa terra, mas como poucos tinha um dom para fundir as palavras com a música, mesmo não sabendo ler nem escrevê-la.

Mais, teve a ousadia e a capacidade de nas sua canções, fundir também universos aparentemente opostos (qualquer coisa entre Braga e Nova Iorque, como dizia), mostrando numa década de 80 jovem e sombria, que afinal, no domínio das pessoas e das suas vidas, pouca coisa é contraditória e que por baixo das máscaras quase tudo faz sentido. Escreveu e cantou a Canção do Engate (chegou a por a hipótese de lhe chamar Canção Convite, por receio de ser mal interpretado) para o seu segundo disco “Dar e receber” mas já não teve oportunidade de a ver levantar voo nas rádios e nas bocas do país que amava. Deu muito de facto e nesta canção em particular levou a todos um amor socialmente incómodo, frágil, quase incorrecto para se comentar nestas andanças mas indiscutivelmente real e morno para se sentir – “vem que o amor, não é o tempo nem é o tempo que o faz, vem que o amor, é o momento em que eu me dou, em que te dás”. Um engate maravilhoso, terno mas directo à ferida e à forma de adormecê-la, mesmo que por uma noite apenas. Sem ilusões – “Tu que buscas companhia e eu que busco quem quiser, ser o fim desta energia, ser um corpo de prazer, ser o fim de mais um dia... tu continuas à espera do melhor que já não vem, a esperança foi encontrada antes de ti por alguém e eu, sou melhor que nada”. Amanhã, ou mais logo, dizem que o inverno ainda vai ficar por cá.

Pois bem, acendam a lareira da canção original do Antonio (ou esperem por sexta-feira) e vão ver que aquecem por dentro. m i g u e l m A C h e t e

c a n ç ã o d e e n g a t en a , n a , n a a a , n a , n a , n a , n a a a

Agregar um enredo cativante a uma descrição fiel da sociedade terceirense, invocando dados históricos, e juntando uma crítica política do país em geral e dos Açores em particular, eis a proposta que José Luís Neto nos oferece com o seu mais recente livro “Danças de Espada”.

Lançado oportunamente no início das festividades do Carnaval, a história desenvolve-se no ambiente dos preparativos de uma Dança de Espada, que defendida por muitos como sendo a raiz da tradição do tão afamado Carnaval terceirense. Enquanto o grupo se dedica às actividades preparatórias da encenação, são diversas as situações periféricas que conferem interesse à descrição do modus vivendi terceirense, tais como os envolvimentos amorosos e a conversas político-sociais e religiosas entre os diversos personagem que, embora divergente nos seus ideais, convergem nos valores morais.

Mas é na descrição do próprio enredo da dança que o livro ganha o seu brilho. Enquanto a personagem que é o autor do assunto, o senhor Costa, conta a história, somos transportados no tempo para o

d a n ç a s d e e s p a d al i t e r a t u r a

início do séc. XVI, época em que se desenvolve toda a acção do assunto da Dança de Espada.Levantando apenas a ponta do véu sobre a questão (pois os pormenores devem ser apreciados na leitura do próprio livro), podemos dizer que estamos perante um enredo que contém todos os ingredientes necessários a uma Dança de Espada. Desde amores intensos, a desentendimentos, disputas e traições. A história retrata a vida de Gaspar Vaz, cavaleiro da época, cuja vida, conta-se, foi plena de vivências e emoções. “(…) mesmo depois de morto, pegava na viola e cantava o seu infortúnio. Diz-se também que foi esse fantasma que ensinou os carpinteiros de Angra a fazerem a primeira Viola da Terra, de modo a obter o tipo de sons que mais fossem afins ao seu estado de alma”. Todas as situações dramáticas se conjugam numa teia para, por fim, tudo proporcionar um desenlace emotivo.

É no encadeamento entre os tempos modernos, vividos pelos intervenientes na Dança, e o séc. XVI, onde se vive a história que é objecto do assunto da peça, que encontramos o paralelismo socio-cultural que permite justificar a actual sociedade

Um livro de José Luís Neto

como sendo uma herança da história da Terceira, mais particularmente de Angra (actual Angra do Heroísmo).

“Danças de Espada” é um livro que permite ao leitor identificar-se com locais, pessoas e padrões de comportamento tipicamente angrenses. Para leitores que não conheçam a realidade angrense e terceirense, é, sem dúvida, um cartão de visita para a ilha Terceira e para a cidade de Angra do Heroísmo. Os conhecimentos de arqueologia do autor conferem uma mais-valia quanto ao realce a diversos pormenores históricos que por vezes passam despercebidos a quem vive ou visita a Terceira.

O estilo de escrita, embora cuidado e elaborado, consegue simultaneamente ter a simplicidade suficiente para uma leitura leve e cativante.n u n o s A r d i n h A

m ú s i c a

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Não passa um dia em que não ouçamos falar nos jornais de casos de violência de género. As discriminações ultrapassando largamente o respeito dos direitos do homem. Ir além das palavras. Maltratar o outro pela sua natureza biológica, pela sua construção psicológica, pelos seus atributos sociais. Não parece concebível que alguns tenham o poder de agir provocando o mal de outros por um simples ato de vontade ou por hábitos culturais. Como é possível, ainda em 2014, poder ser violentado sem, por isso, estar em posição de se defender?

Como expusemos brevemente no primeiro artigo, não há uma única solução a empreender, uma vez que esta está ligada à nossa condição de seres humanos, como espécie vivendo no planeta e integrada nas estruturas orgânicas mas também sociais fazendo de nós um ator social ligado a um painel de origem de substâncias mais ou menos ditas e conhecidas por aquela mesma que a concebeu.

Além do reconhecimento da nossa posição individual no seio da nossa comunidade, há a questão da nossa formação social no seio da nossa cultura. Esta muito possivelmente foi refutada, levando-nos a ver que as nossa origens conduzem-nos através das ações e posições diversas ao contrário dos nossos pares.

Depois de ter começado a escrever a peça de teatro « Corpos (com) sentidos », apercebi-me que tinha tido a oportunidade de poder encontrar numerosos atores sociais ligados a esta questão. As discussões ricas que pudemos ter ajudaram-me a compreender parte da problemática sobre a ilha Terceira, e também de entender esta questão de maneira a ter uma visão múltipla.

Assim, fiz uma proposta no sentido de não guardar isso nos meus arquivos, esquecido, mas de tentar fazer um livro.

Quis utilizar diversos suportes para falar desta complexa problemática. A utilização de diversos meios como o teatro e a sua encenação, a escrita, a fotografia e, mais amplamente o filme leva, de cada vez, a uma reflexão diferente na apresentação e no trabalho de compreensão. Cada trabalho conduz-me a outro e tenho a impressão que esse completa o primeiro. Uma espécie de jogo de troca entre os múltiplos intermediários.

Este livro vai ser feito de artigos sobre as experiências vividas por profissionais de saúde. Eles serão uma explicação concreta duma vivência quotidiana humanamente dolorosa, ou

c o r p o s c o m s e n t i d o ss o c i e d a d e

de outra forma, complicada emocionalmente, devido ao confronto jornalístico com situações de vida muito duras. Violações em repetição, violência física quase quotidiana, ameaças repetidas, dependência das vítimas, submissão, incompreensão versus história de amor, maus tratos de crianças, medo da sociedade, angústia devido à pressão social, impossibilidade financeira de sair da situação, recaídas, etc.

Estes textos terão um objetivo explicativo, vistos através do prisma dos técnicos sociais. As palavras simples face às situações absurdas. Os seres que se atolam em histórias sem fim.

Uma das primeiras soluções será a educação. É necessário que as mulheres aprendam a viver para e por elas mesmas. Na idade de irem para a escola,

as miúdas não são obrigadas a levar vestidos cor de rosa e a dançarem. Elas podem ler, estar vestidas de verde e adorarem fazer barcos ou construções. As ações empreendidas desde a mais tenra idade com as crianças, vão integrar uma base sólida, frequentemente inconsciente, que vai condicionar os futuros adultos a agir repetindo as suas aprendizagens.

Como sublinha Simone de Beauvoir, «Ninguém nasce mulher, torna-se mulher». Esta frase simples, muitas vezes recuperada, não parece ter sido compreendida por todos. É aí, onde uma das maiores aberrações do nosso século se faz perceber, os nossos ganhos, lutas, combates, não parecem estar integrados de maneira real. As mulheres sabem-no, ao que me parece, mas repetem os atos insensatos face à sua própria condição de mulher.

O problema da violência conjugal é um problema de fundo, quase estrutural. Seria necessário regressar à matriz do nosso sistema de pensamento para encontrar o erro de base que é o de considerar a mulher de forma diferente do homem. Com exceção dos atributos físicos, as nossas capacidades são similares.

E quando se vê uma mulher ser agredida por um homem e a sociedade não faz nada ou quase nada, isso parece-nos absurdo.

Como já atrás referi, esta questão é muito complexa uma vez que ela toca os domínios de sentimentos muito diversos. Por exemplo, há a questão do poder sobre o outro, da submissão, mas também da negação, da aceitação da sua condição por condicionamento cultural, a questão do género feminino e do lugar que lhe dá a sua sociedade… Apesar da uniformidade desta problemática, enquanto ser humano único, não podemos viver esta situação de maneira similar e para não fazer uma publicação que se assemelhe a um manual de escola para educadores especializados, quis incluir fotografia. Esta terá por objetivo subjetivar as palavras e os postulados. Sendo mais precisa, a introdução da imagem nesta publicação não é, em caso algum para mostrar situações objetivas de violência, mas para tentar mostrar a multiplicidade de entendimentos que cada um e cada uma pode então conhecer da apreensão desta situação. As imagens simbólicas, as imagens usando os corpos para revelar a nossa complexidade a reagir e a compreender-se.

Assim, através desta publicação, esta conjugação de artigos, queremos lançar uma discussão no papel. Vários atores sociais escreveram e continuarão a escrever sobre a sua experiência e as suas ideias.

Espero que as pessoas que lerem este artigo tenham ideias a propor-me sobre este projeto ou contatos, a fim de alargar o âmbito destas perspetivas. A troca de saberes é uma grande etapa na luta contra as discriminações de género e a violência conjugal. é m i l i e b e F F A r A

Seria necessário regressar à matriz do nosso sistema de pensamento para encontrar o erro de base que é o de considerar a mulher de forma diferente do homem. Com exceção

dos atributos físicos, as nossas capacidades são similares.

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c i ê n c i a

c i n e m a

Nos Açores, faz sentido investigarmos em produtos naturais marinhos.Esta área de investigação procura novos compostos no mar para tratar problemas de saúde.E em todo o mundo, uma das questões mais investigadas é a da cura para o cancro.

Fundado em 1977, o Cine-Clube da Ilha Terceira (CCIT) atravessou, depois de um fulgor e pujança iniciais, que proporcionaram bons momentos e bons filmes ao público terceirense, anos difíceis, até ter ressurgido no ano de 2013, por vontade de um grupo de amantes da Sétima Arte.

Grupo que tenta agora ir ao encontro de novos públicos, organizando e/ou colaborando com eventos especiais em torno de cinematografias particulares, servindo de extensão a festivais e mostras de cinema temático e procurando seguir os fluxos e as rotinas da população.

Um dos problemas que se coloca hoje a todas as associações culturais é, sem dúvida, a falta de verbas. Com o CCIT não é diferente, daí que o nosso projecto cultural assente em quatro vectores: desenvolvimento de actividades que impliquem um mínimo de custos, dada a inexistência de recursos financeiros disponíveis; determinação na realização de actividades, tanto quanto possível regulares, que assinalem a sua existência; estabelecimento de parcerias, viabilizadoras dessas actividades; e criação de novos públicos.

Assim, para 2014, é nossa intenção lançar um Festival de Cinema sobre a temática do Mar e das Ilhas, que se venha a constituir em cartaz cultural e turístico com forte atracção regional e nacional, se não mesmo internacional. A nossa ideia é que o mesmo ocorra bienalmente, com início em 2015. Para que tal aconteça, iremos motivar parceiros públicos e

e c o n o m i c a m e n t e i n v i á v e lc r ó n i c a d e u m a c i ê n c i a q u e n ã o d á d i n h e i r o

c i n e c l u b e d a i l h a t e r c e i r ad o f e s t i V a l d o m a r e d a s i l h a s a o p l a n o r e g i o n a l d e c i n e m a .

a t i V i d a d e s p a r a 2 0 1 4 d o c c i t

privados, desde logo as duas câmaras municipais da ilha Terceira e o Governo Regional.

Sem a participação, ao nível de parceria, dessas instituições, dificilmente poderá a iniciativa vir a ter qualquer êxito. Por este motivo, torna-se, desde logo, de elevada importância a sua adesão a este projeto. Para lá destas parcerias estratégicas, serão envidados todos os esforços no sentido da captação de apoios nacionais e internacionais, nomeadamente com recurso a programas de financiamento na área do Cinema que estejam ao alcance do CCIT.

Além desta iniciativa, fazem parte do nosso plano para o corrente ano, a realização de ciclos de cinema nas freguesias dos dois municípios da Terceira, devolvendo a Sétima Arte a alguns dos espaços que, durante décadas, mais contribuíram para a sua exibição e que a marcha do tempo, o desenvolvimento tecnológico e uma certa ideia de prosperidade tornaram, infelizmente, periféricos. Os moldes desses ciclos e os filmes serão oportunamente anunciados, depois de definido o modus operandi, bem como os apoios de que uma actividade como esta carece.

O CCIT vai diligenciar junto do departamento do executivo regional responsável pela área da Educação no sentido da criação de um Plano Regional de Cinema, que prossiga como principal objectivo o desenvolvimento de competências e práticas no que respeita ao visionamento de Cinema nos Açores.Este Plano deve consubstanciar acções e estratégias de valorização da cultura cinematográfica,

especificamente adequadas às características e necessidades da população açoriana e do sistema educativo regional, promovendo a literacia mediática, quer ao nível da história da sétima arte, quer quanto ao nível das diferentes dinâmicas que o audiovisual hoje apresenta.

É ainda desejo do CCIT promover a criação de uma Rede de Festivais de Cinema Temático, não comercial, que sirva de base de ligação entre estes festivais e reúna sobre eles um banco de dados a disponibilizar ao público em geral e às associações cineclubistas em particular, de forma a facilitar a informação e os contactos.

Por último, o CCIT tenciona proporcionar ao público em geral e a diversos nichos de públicos específicos o visionamento de filmes e documentários diversos, sobre variados temas, quer na forma de ciclos ou mini-ciclos de cinema, quer associados a determinadas efemérides ou acontecimentos, dando assim continuidade à actividade já desenvolvida no ano transato.

Refira-se, por exemplo, a associação do CCIT às comemorações do Ano Dacosta, com um mini-ciclo o Surrealismo no Cinema, a propósito dos cem anos do nascimento de António Dacosta (1914-1990), em parceria com estabelecimentos de ensino, nomeadamente a Escola Secundária Tomás de Borba. Ou um outro, sobre o Vinho no Cinema, em parceria com a Câmara Municipal da Madalena, da ilha do Pico. C A r l o s b e s s A ( d i r e C ç ã o d o C C i t )

c o m o é q u e o s c i e n t i s t a s s a b e mq u e é “ a n t i c a n c e r í g e n o ” ?

Então, como é que sabemos se uma substância é anticancerígena?A primeira resposta está no laboratório. A partir de cancros que foram retirados de pessoas, cientistas mudaram as células para que pudessem viver, multiplicar-se e manterem-se em placas de laboratório, por terem uma capacidade especial para se agarrarem às paredes das placas. Assim, primeiro, temos de escolher o tipo de cancro que pretendemos testar e comprá-lo. Sim, compram-se células de cancro: um cancro do cólon pode custar 600 €; um cancro da mama custa cerca de 800 €. Depois é encomendar e chegam congelados. As células são então colocadas nas condições ótimas para se multiplicarem (à temperatura do corpo humano, numa estufa) e quando estão a dividir-se à velocidade normal de um cancro, distribuímos as células por vários poços numa placa. Aplicamos depois em cada poço os vários compostos que estamos a testar e esperamos 2 dias. No fim desse tempo, usamos uma substância especial que dá cor às células que morrem. Nos poços com mais cor, estarão os compostos que mataram mais células enquanto nos que não têm cor, o composto não foi eficaz a matar o cancro. Para termos valores para compararmos entre os vários compostos, usamos uma máquina para ler a cor de cada poço e calcula-se a concentração necessária para matar metade das células cancerígenas que tínhamos. Diz-se que um composto é muito anticancerígeno quando esta concentração é muito baixa pois significa que precisamos de pouco para matar maior quantidade de cancro.

Se a vossa próxima questão é se já encontramos compostos anticancerígenos...podemos responder que já tivemos placas com muita cor! s í lv i A l i n o

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m o n t r a d e l e rl i t e r a t u r a

Cristóvão de AguiarCÃES LETRADOSEdição: Calendário, 2008 (176 páginas)

«Os textos que compõem este livrinho, que ora vos apresento, foram extraídos, com ligeiras alterações, de vários livros meus [boa parte deles, por exemplo, d’A Tabuada do Tempo e de Ciclone de Setembro] onde essas histórias sobre cães e cadelas se encontram — os inseparáveis e afectuosos companheiros da minha infância e juventude.».

Esta pequena declaração de Cristóvão de Aguiar pode servir-nos como guia de leitura de toda a sua obra. Em poucas palavras, direi que se trata do complexo entrelaçar, quase promiscuidade, entre a escrita dita diarística e a escrita de ficção. É sempre Cristóvão de Aguiar homem/escritor que nesses dois registos se encontra e desencontra. De tal maneira e tão radicalmente o faz que diria que, com essa atitude, é a própria fronteira de géneros que se esbate, ou, num certo sentido, se clarifica e aprofunda aquela que para muitos é a mais forte possibilidade (ou validade) da narrativa ficcional: a implicação autobiográfica como derradeira possibilidade. Esta perspectiva, sobreleva e arrasta outra questão, que é a da tendencial anulação de fronteiras entre o real e o ficcional, isto é, de fazer derivar a diferença para outro patamar, onde são bem distintos os valores em causa, como seja, por exemplo, a possibilidade de considerar igualmente o real sensível como algo que se constrói autoralmente, e, assim, ser possível modelar o experienciado e o imaginado com as mesmas regras que a ficção utiliza.

Isto que parece apenas teoria é absolutamente claro na prosa de Cristóvão de Aguiar. E acrescento ainda isto, que é claro e público: o primeiro Relação de Bordo, livro em jeito de diário que relata os anos 1964-1988, foi pacientemente escrito nos finais da década de 1990, com o auxílio da sua prodigiosa memória, de notas de época, cartas e, acrescento eu como óbvio corolário, do uso da mesma oficina em que se fabrica toda e qualquer ficção. «A minha escrita tem de ser coada pela memória afectiva.» «Tenho de facto facilidade em me transportar a outras épocas da minha vida e revivê-las quase com a mesma intensidade com que as vivi. Basta-me um incentivo que incendeie a memória.», diz-nos o autor com toda esta clareza. Os diários ou quase-diários Relação de Bordo I e II, Nova Relação de Bordo e A Tabuada do Tempo são exemplares e eloquentes. Tal como as ficções Passageiro em Trânsito, Trasfega e Ciclone em Setembro. Podemos talvez dizer isto: Cristóvão de Aguiar é tão verdadeiro nuns como noutros livros. E a literatura ficcional é tão excelente tanto nuns como noutros. Ele sabe que as suas razões são «(…) razões que, por serem imaginadas, correm o risco de se tornar verídicas…»

Os contos de Cães Letrados são, como disse, extraídos de vários livros do autor: e não errarei muito se afirmar que mais de metade destas pequenas ficções pertencem… aos seus livros ditos não ficcionais – os diários. Quem leu os livros anteriores só tem a ganhar em ler esta sequência – como nova. Aos leitores que só agora chegam ao mundo de Cristóvão de Aguiar, Cães Letrados é um saboroso aperitivo, recheado de bons sabores e bem nutrientes! Os contos podem agrupar-se em dois latos conjuntos: um, integra as estórias que o autor nos diz que vivenciou (mas só ele saberá a verdade – ou não…); outros, em que os cães são vestidos com um pêlo mais alegórico e por aí ironizam com figuras (supostamente não caninas) – cães polícias e polícias cães, cães universitários… – que todos podemos facilmente reconhecer no nosso quotidiano. Para Cristóvão de Aguiar, os cães têm sido «(…) povoadores de solidões acumuladas.» Boa companhia, portanto.C A r l o s A l b e r t o m A C h A d o C o m pA n h i A d A s i l h A s

Urbano Bettencourt OUTROS NOMES, OUTRAS GUERRAS Edição: Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, 2013 (48 páginas). Prefácio de Vamberto Freitas

O presente volume contém uma selecção de poemas que vêm desde o seu primeiro livro, Raiz de Mágoa (1972) até ao recente África frente e verso, e inclui ainda uma breve sequência de inéditos. A poesia de Urbano Bettencourt requer o nosso reencontro de tempos a tempos, uma sucessão de olhares e pensamentos. Não se trata tanto aqui de uma poesia de conceitos ou ideias, mas sim de uma ideia ou conceito de poesia onde tudo cabe ou tudo poderá ser sugerido e insinuado, onde o melhor da nossa tradição literária converge para que possamos redefinir constantemente quem somos e donde vimos.Vamberto Freitas (do Prefácio)

Nuno Costa SantosOS DIAS NÃO ESTÃO PARA ISSOEdição: Livramento, Ponta Delgada, 2005 (48 páginas). Distribuição da Companhia das Ilhas

Sobre as rochas, / acabados de chegar / os nossos passos / ainda estão tensos / e motorizados, / como se nunca / tivessem descolado / do estertor da cidade. // Conservam / manchetes, buzinas, / o polvo do trânsito / e todo o calão de rotunda. // Escorregamos pois / para as águas do porto / ansiosos por repetir / a experiência. // Sabemos disso: / no mar das ilhas / o milagre é caminhar / sob as águas. (poema O milagre)Dividido em quatro partes temáticas (Para os queixumes; Para os outros; Para os afectos, memórias; Para os conselhos), onde o quotidiano é muito relevante, este livro de Nuno Costa Santos é um marco importante do percurso de um dos mais destacados poetas das novas gerações açorianas e nacionais.

Raul BrandãoAS ILHAS DESCONHECIDASEdição: Comunicação, Lisboa, 1988 (168 páginas). Prefácio de António M.B. Machado Pires

O livro de Raul Brandão possui a capacidade rara que têm alguns autores de nos fazer olhar para uma paisagem e descobrir o que a torna única – a sua «alma», como ele próprio diz, seja salientando um pormenor até aí despercebido, ou dotando-a de um sentido que a transfigura. A viagem em que o acompanhamos ocorreu entre 8 de Junho e 29 de Agosto de 1924, e permitiu-lhe visitar os Açores ilha por ilha. Raul Brandão chama-lhes “ilhas desconhecidas”, não só pelo seu isolamento (então muito flagrante), mas sobretudo por reconhecer nelas uma autenticidade já perdida ou desvirtuada em muitos outros pontos de Portugal. Domina estas «notas e paisagens» (subtítulo da obra) o deslumbramento do autor com o «espectáculo da luz», que «atinge talvez a perfeição». Brandão descreve nos mais ínfimos cambiantes estas “ilhas desconhecidas”, respeitando assim o mistério e a grandeza que nelas se abrigavam.

C A r l o s A l b e r t o m A C h A d o C o m pA n h i A d A s i l h A s

r e b u s

solução no próximo número

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c o n t o

a v e n t u r a s d e e z e q u i e l m a l a q u i a s n o p a r a í s o(continuação do número anterior)

O catedrático Ezequiel Malaquias é especialista em paraísos, mas daqui não decorre, lógica e necessariamente, que seja igualmente especialista em infernos. Donde, a sua exclamação: «mas que raio de inferno vem a ser este?!», proferida em voz alta no aeroporto do Pico depois de saber, ao fim de uma hora de espera, que a sua bagagem – cujo peso era equivalente ao total da dos outros passageiros e pela qual pagou uma pequena fortuna por excesso de peso – não tinha viajado consigo desde Lisboa no mesmo avião.A conclusão, aparentemente lógica, que retirámos sobre não ser ele, necessariamente, especialista em infernos, não foi desacertada, fique-se desde já a saber: uns segundos depois de ter gritado a sua indignação, e nela ter invocado o inferno, supostamente reinante na ilha do Pico, ou, pelo menos, ter aí a cauda, depois disso, o inteligente e arguto Malaquias não levou mais do que uns segundos para perceber que a sua conclusão era infundada. E pensou também: «não é com esta idade, e em pousio académico, que me vou lançar no estudo do inferno; não, mais uma vida teria eu de ter para tal feito e, francamente, mesmo que a pudesse ter, não a despenderia assim, antes aprofundar o estudo do paraíso – ou escrever uma centena de livros! Se isto é parte de um qualquer terreno infernal, pois seja, terei suficiente sabedoria para o ignorar.»

Jogo enigmático em que letras e imagens são usados para formar uma nova palavra ou frase. Os algarismos entre parêntesis indicam quantas palavras compõem o enigma e o número de letras de cada uma. As letras fornecidas devem ser compostas com o nome das imagens para formar novas palavras. Deve ser lido da esquerda para a direita.

resolver rebus é compensador

r e b u s s o l u ç ã o d o ú l t i m o r e b u s

solução no próximo númerol e t r A s d o r e b u s ( 2 + 3 + 7 + 3 + 7 )

( 8 + 5 + 1 + 1 1 )

c a b e ç a d e

(a)

Entretanto, era preciso saber do paradeiro da sua bagagem, dos milhares de livros que nela vinham. Perdê-los seria mesmo um verdadeiro inferno, isso sim.Com uma única maleta na mão e um resguardo contra o frio, afastou-se da zona de recolha de bagagem acompanhado pelo zeloso, e embaraçado, “chefe de assistência em terra do aeroporto do Pico”. A sua amável e eficiente secretária da Universidade tinha tratado de todos os procedimentos para a sua viagem e estadia e, portanto, haveria de ter alguém à sua espera na zona das chegadas.E estava. Malaquias, mediano de altura, viu quase ao nível dos seus olhos um enorme letreiro, feito de cartão de caixa de mercadoria de supermercado, ou algo semelhante, com os seguintes dizeres, em azul f luorescente: “Profeçôr Zekielmalakias”. Sob o cartaz, um rotundo e gigantesco ventre. Subindo o olhar, já receoso, Ezequiel Malaquias viu, sob uma camisa de f lanela, xadrez azul e rosa choque, um par de opulentos seios e, meio metro acima, um rosto vermelho escuro – tudo isto pertencente a um energúmeno com quase dois metros de altura e uma largura condizente. Sorria, o homenzarrão, com uma boca cheia de dentes amarelos, com intervalos entre cada um deles onde cabia facilmente uma esferográfica (ou um molho de palitos, para uso diário e reserva semanal). O sorriso alargou-se quando percebeu, já muito perto de si – pois o abominável, que possuía uns enormes óculos verdes de fundo de garrafa, sinal ameaçador e evidente da sua profunda miopia, deu três largas passadas – que aquela minúscula criatura era o seu dótôr. Com uma só mão, a esquerda, transformou o cartaz imundo de gordura de óleo de fritar numa bola de ténis e, com a direita sapuda e alagada em suor, sacudiu o desgraçado do professor Ezequiel Malaquias. «Come ‘tá sôr prefessôre? Fez boazinha viage? Atão, só traz essa maletinha?! Bravo home’. Vamos lá d’ir que se faz trade! A ver s’inda vamos a tempo de trincar uns charrinhos co’nhami!” Logo que se viu livre do apertaço de mão do gorila, Ezequiel Malaquias teve mais uma visão do inferno – mas não queria acreditar. Respirou fundo e, soletrando pausadamente, explicou que antes de ir ao que o homem queria, era necessário saber onde reclamar da sua bagagem perdida, quase uma tonelada. O homenzarrão fez-se ainda mais vermelho, à beira de uma apoplexia. O “chefe de assistência em terra” acudiu a tempo, pegando num braço de Malaquias e arrastando-o para um balcão da companhia aérea, enquanto o gigante vermelhusco abria e fechava a boca como peixe fora de água. (continua) C A r l o s A l b e r t o m A C h A d o

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