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Amanhecer, Manhã, Dia, Tarde, Crepúsculo e Noite. 1974. Serigrafia Acesse o conteúdo no site do MRE. Fayga entre cores e transparências dobra 3 dobra 2 dobra 1 8024, 1980. Realizado em serigrafia, o álbum temático CAMINHO, uma homenagem a Aníbal Machado, revela os tempos da experiência humana, no âmbito da Natureza. A luminosidade como temática comanda as durações e respectivas variações. Fayga transmuda o tempo da experiência estética vivida com a Natureza em espaço gravado através de uma visão lírica do mundo. A realidade é absorvida pelo mundo imaginário, uma revelação secreta que transcende os limites do fenô- meno objetivo e do visível. Uma subjetividade instaura- -se criando ritmos singulares. A cor, em um jogo de opacidades e transparências, ganha formas e se estru- tura em assimetrias, gerando um dinamismo próprio como experiência do ser no mundo. No conjunto das litografias, outra possibilidade imagi- nativa explorada por Fayga Ostrower, emergem paisa- gens imaginárias. Experimenta-se uma sensação de ausência de esforço pois suas formas resultam da suavidade dos gestos precisos. Áreas de transparências comparecem como o vocabulário expressivo da entre as formas diáfanas e sinuosidades, em toques certeiros da artista, que promovem avanços e recuos, expansão e contenção. Suas paisagens poéticas reve- lam-se em relações espaço temporais. Mais do que qualquer obra de Oscar Niemeyer, o projeto da sede do Ministério das Relações Exteriores na nova capital foi o resultado de um extraordinário esforço colaborativo que mobilizou os melhores criadores brasileiros, muitos dos quais receberam encomendas de obras para integrar as estruturas e os interiores do Palácio Itamaraty. Um aspecto pouco conhecido deste projeto é a coleção de obras de arte para os gabinetes e espaços de trabalho do bloco administrativo. Cada sala de espera recebeu uma coleção de gravuras de um importante artista contemporâneo, uma forma simples de divulgar a arte brasileira junto ao público estrangeiro que diariamente visita o Itamaraty. Um dos destaques da coleção de gravuras do Ministério é o políptico de sete gravuras realizado por Fayga Ostrower especialmente para o Palácio dos Arcos. Esta obra é resultado de uma longa colaboração com o Itamaraty, que remonta aos anos 1950, e envolveu a realização de exposições da artista brasileira ao redor do mundo e a encomenda de obras para presentear chefes de estado e de governo estrangeiros que visitam Brasília. Com esta exposição, o Ministério das Relações Exteriores busca apresentar ao público brasileiro uma parcela ainda pouco conhecida de seu acervo artístico. Organização e montagem: Comissão RE50 Curadoria: Maria Luisa Távora Concepção museográfica: Vanessa Ventura Design gráfico: Luiza Ceruti Apoio: Fundação Alexandre Gusmão Palácio Itamaraty. Dez/2018 - Mar/2019 Uma beleza, a beleza Maria Luísa Tavora para a Revista História, Setembro de 2015 Fayga Ostrower foi uma figura especial no universo artístico brasileiro. Desenhou, pintou com aquarela, ilustrou periódicos, livros e poemas de escritores como Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, criou capas de discos e de livros, fez estampas de tecidos, desenhou joias e projetos de murais para edifícios. Além de artista plástica, foi uma pensadora e uma teóri- ca sobre a arte, escrevendo livros e artigos e circulan- do pelo Brasil e pelo mundo para proferir palestras e orientar cursos em instituições universitárias, museus e centros culturais. Mas foi na gravura que encontrou o seu meio preferencial de expressão, ao qual dedicou toda a vida. Polonesa de família judaica, emigrada adolescente para o Brasil em 1934, Fayga explorou com sensibilidade os efeitos das cores, sempre buscando resultados suaves. Um dos exemplos de sua maturidade inventiva é o Painel do Itamaraty, feito para o Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. Em 1967, quando terminaram as obras do Palácio do Itamaraty, destinado a abrigar o ministério que ainda funcionava no Rio de Janeiro, o embaixador Wladimir Murtinho procurou a artista. A ideia era complementar o acervo de obras brasileiras do palácio do Rio com outras aquisições para o prédio construído em Brasília. Murtinho estava interessado em comprar seis gravuras de Fayga para compor as paredes de uma sala dedica- da a ela – àquela altura uma artista reconhecida inter- nacionalmente, contemplada em 1957 com o grande prêmio em gravura na Bienal de São Paulo e em 1958 na Bienal de Veneza. Diante da rara oportunidade de ter uma exposição exclusiva e permanente em lugar de circulação de intelectuais e personalidades interessados na cultura artística do Brasil, Fayga fez uma contraproposta: em vez de juntar seis gravuras diferentes, ela faria uma obra especialmente para a sala. Pensou em criar várias gravuras que se relacionassem visualmente por suas cores e formas, e que funcionassem como uma espé- cie de painel. Precisou de nove meses e meio, em regime de dedicação exclusiva, para concluí-lo. O resultado foi uma série de trinta painéis. Ao voltar para buscar as obras, Wladimir Murtinho surpreendeu-se ao ver uma pilha de gravuras coloca- das à parte, em um canto do ateliê da artista. Eram soluções abandonadas pela autora e que, por isso mesmo, podiam revelar como se dera aquele processo criativo. O embaixador propôs-lhe, então, realizar uma exposição didática, na qual ela pudesse apresentar o conjunto abandonado juntamente com o painel pronto. De junho a julho de 1968, a proposta concretizou-se em uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde o público pôde compreender de maneira mais concreta os interesses que conduziram Fayga na composição definitiva do Painel do Itamaraty. Obras incluídas na exposição: Sem título, 1961. Xilogravura; Políptico do Itamaraty. I, II, III, IV, V, VI e VII, 1968. Xilogravura; 7103, 1971. Xilogravura; Sem título, 1973. Serigrafia; Álbum CAMINHO. I - Aurora; II Manhã; III- Dia; IV - Tarde; V - Crepúsculo; VI - Noite, 1974. Serigrafia; 7413, 1974. Serigrafia; 7415, 1974. Serigrafia; 7801. Serigrafia, 1978; Sem título, 1980. Litografia; Sem título, 1980. Litografia; 8002, 1980. Litografia; 8003, 1980. Litografia; 8004, 1980. Litografia; 8024, 1980. Litografia; 8103, 1981. Litografia; 9208, 1992. Litografia; Sem título, 1993. Litografia. Série: Posse do presidente Fernando Henrique Cardoso, 1998. Xilogravura. revelação de um clima de poesia e de lirismo no qual se desdobram. Evocam o tempo vivo e original – perpetuamente se recriando. O espaço flui por Sua presença dentro do abstracionismo no Brasil é das maiores. Estruturando transparências e organizando magicamente o aparente caos, exerceu uma progressão de ordem musical, com suas memórias da paisagem interior. Walmir Ayala, 1989

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  • Amanhecer, Manhã, Dia, Tarde, Crepúsculo e Noite. 1974. Serigrafia

    Acesse o conteúdo no site do MRE.

    Faygaentre cores

    e transparências

    dobra 3

    dobra 2

    dobr

    a 1

    8024

    , 198

    0.

    Realizado em serigrafia, o álbum temático CAMINHO, uma homenagem a Aníbal Machado, revela os tempos da experiência humana, no âmbito da Natureza. A luminosidade como temática comanda as durações e respectivas variações. Fayga transmuda o tempo da experiência estética vivida com a Natureza em espaço gravado através de uma visão lírica do mundo.

    A realidade é absorvida pelo mundo imaginário, uma revelação secreta que transcende os limites do fenô-meno objetivo e do visível. Uma subjetividade instaura--se criando ritmos singulares. A cor, em um jogo de opacidades e transparências, ganha formas e se estru-tura em assimetrias, gerando um dinamismo próprio como experiência do ser no mundo.

    No conjunto das litografias, outra possibilidade imagi-nativa explorada por Fayga Ostrower, emergem paisa-gens imaginárias.

    Experimenta-se uma sensação de ausência de esforço pois suas formas resultam da suavidade dos gestos precisos. Áreas de transparências comparecem como o vocabulário expressivo da

    entre as formas diáfanas e sinuosidades, em toques certeiros da artista, que promovem avanços e recuos, expansão e contenção. Suas paisagens poéticas reve-lam-se em relações espaço temporais.

    Mais do que qualquer obra de Oscar Niemeyer, o projeto da sede do Ministério das Relações Exteriores na nova capital foi o resultado de um extraordinário esforço colaborativo que mobilizou os melhores criadores brasileiros, muitos dos quais receberam encomendas de obras para integrar as estruturas e os interiores do Palácio Itamaraty.

    Um aspecto pouco conhecido deste projeto é a coleção de obras de arte para os gabinetes e espaços de trabalho do bloco administrativo. Cada sala de espera recebeu uma coleção de gravuras de um importante artista contemporâneo, uma forma simples de divulgar a arte brasileira junto ao público estrangeiro que diariamente visita o Itamaraty.

    Um dos destaques da coleção de gravuras do Ministério é o políptico de sete gravuras realizado por Fayga Ostrower especialmente para o Palácio dos Arcos. Esta obra é resultado de uma longa colaboração com o Itamaraty, que remonta aos anos 1950, e envolveu a realização de exposições da artista brasileira ao redor do mundo e a encomenda de obras para presentear chefes de estado e de governo estrangeiros que visitam Brasília.

    Com esta exposição, o Ministério das Relações Exteriores busca apresentar ao público brasileiro uma parcela ainda pouco conhecida de seu acervo artístico.

    Organização e montagem: Comissão RE50Curadoria: Maria Luisa TávoraConcepção museográfica: Vanessa VenturaDesign gráfico: Luiza CerutiApoio: Fundação Alexandre GusmãoPalácio Itamaraty. Dez/2018 - Mar/2019

    Uma beleza, a belezaMaria Luísa Tavora para a Revista História, Setembro de 2015

    Fayga Ostrower foi uma figura especial no universo artístico brasileiro. Desenhou, pintou com aquarela, ilustrou periódicos, livros e poemas de escritores como Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, criou capas de discos e de livros, fez estampas de tecidos, desenhou joias e projetos de murais para edifícios. Além de artista plástica, foi uma pensadora e uma teóri-ca sobre a arte, escrevendo livros e artigos e circulan-do pelo Brasil e pelo mundo para proferir palestras e orientar cursos em instituições universitárias, museus e centros culturais. Mas foi na gravura que encontrou o seu meio preferencial de expressão, ao qual dedicou toda a vida. Polonesa de família judaica, emigrada adolescente para o Brasil em 1934, Fayga explorou com sensibilidade os efeitos das cores, sempre buscando resultados suaves. Um dos exemplos de sua maturidade inventiva é o Painel do Itamaraty, feito para o Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. Em 1967, quando terminaram as obras do Palácio do Itamaraty, destinado a abrigar o ministério que ainda funcionava no Rio de Janeiro, o embaixador Wladimir Murtinho procurou a artista. A ideia era complementar o acervo de obras brasileiras do palácio do Rio com outras aquisições para o prédio construído em Brasília. Murtinho estava interessado em comprar seis gravuras de Fayga para compor as paredes de uma sala dedica-da a ela – àquela altura uma artista reconhecida inter-nacionalmente, contemplada em 1957 com o grande prêmio em gravura na Bienal de São Paulo e em 1958 na Bienal de Veneza. Diante da rara oportunidade de ter uma exposição exclusiva e permanente em lugar de circulação de intelectuais e personalidades interessados na cultura artística do Brasil, Fayga fez uma contraproposta: em vez de juntar seis gravuras diferentes, ela faria uma obra especialmente para a sala. Pensou em criar várias gravuras que se relacionassem visualmente por suas cores e formas, e que funcionassem como uma espé-cie de painel. Precisou de nove meses e meio, em regime de dedicação exclusiva, para concluí-lo. O resultado foi uma série de trinta painéis. Ao voltar para buscar as obras, Wladimir Murtinho surpreendeu-se ao ver uma pilha de gravuras coloca-das à parte, em um canto do ateliê da artista. Eram soluções abandonadas pela autora e que, por isso mesmo, podiam revelar como se dera aquele processo criativo. O embaixador propôs-lhe, então, realizar uma exposição didática, na qual ela pudesse apresentar o conjunto abandonado juntamente com o painel pronto. De junho a julho de 1968, a proposta concretizou-se em uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde o público pôde compreender de maneira mais concreta os interesses que conduziram Fayga na composição definitiva do Painel do Itamaraty.

    Obras incluídas na exposição:

    Sem título, 1961. Xilogravura;Políptico do Itamaraty. I, II, III, IV, V, VI e VII, 1968. Xilogravura;7103, 1971. Xilogravura;Sem título, 1973. Serigrafia;Álbum CAMINHO. I - Aurora; II Manhã; III- Dia; IV - Tarde; V - Crepúsculo; VI - Noite, 1974. Serigrafia;7413, 1974. Serigrafia;7415, 1974. Serigrafia;7801. Serigrafia, 1978;Sem título, 1980. Litografia;Sem título, 1980. Litografia;8002, 1980. Litografia;8003, 1980. Litografia;8004, 1980. Litografia;8024, 1980. Litografia;8103, 1981. Litografia;9208, 1992. Litografia;Sem título, 1993. Litografia.Série: Posse do presidente Fernando Henrique Cardoso, 1998. Xilogravura.

    revelação de um clima de poesia e de lirismo no qual se desdobram.

    Evocam o tempo vivo e original – perpetuamente se recriando. O espaço flui por

    Sua presença dentro do abstracionismo no Brasil é das maiores. Estruturando

    transparências e organizando magicamente o aparente caos, exerceu uma progressão de ordem musical, com

    suas memórias da paisagem interior. Walmir Ayala, 1989

  • Políptico do Itamaraty, 1968. Xilogravura

    Acesse o site do Instituto Fayga Ostrower

    o espectador talvez estranhe o longo tempo de elaboração para êste painel. acontece, porém, que no decorrer do trabalho, isto é, partindo de uma idéia inicial e procurando ampliar e definí-la, apresentaram-se tantas opções, e das mais fascinantes, que me senti obrigada a experimentá-las extensivamente antes de aceitar ou abandoná-las. de fato, diante desta multitude inesperada de possibilidades, a elaboração interna se prolongou por muito mais tempo do que, ao empreender o trabalho, eu tinha previsto.

    quando o itamaraty me pediu várias gravuras, com o dado adicional de que seriam colocadas como conjunto separado em uma de suas salas de recepção no novo palácio em brasília, imediatamente veio-me à mente a imagem uma série. seriam gravuras individuais, independentes, porém interligadas por côres e rítmos que, em conjunto, poderiam funcionar como uma espécie de políptico. tôda vez que pensava nela, esta idéia ganhava em lógica e ressonâncias emotivas. por fim, envolvia minha imaginação de modo tão total,

    como se estivesse esperando um filho meu. pode parecer exagêro, mas é verdade que durante mêses eu só comia, sonhava, dormia, ou não dormia, em função dêste painel e dos problemas que dia a dia se me apresentavam. pois, à medida que os dias se somavam, para finalmente acumular-se nos 7 mêses, o trabalho se tornava mais fascinante e mais tenso. sem me dar conta, eu tinha embarcado numa perfeita aventura, na busca de algo que ainda era desconhecido, me escapava, embora ao mesmo tempo seu alvo parecesse tão próximo, quase ao alcance de minha mão. quase. mas se muitos daquêles dias terminavam com um sentido de profunda frustração, é verdade também que, nessa tensão contínua e na emoção que apesar de tudo se renovava, vim a aprender muito. foi, sem dúvida, além de outras, uma experiência maravilhosa de aprendizado.

    a imagem que, embora vagamente, desde o início havia se formado dentro de mim e que me guiava em sua procura, foi a de um largo espaço constante, desdobrando-se através de transparências e côres luminosas. mas como articular uma área destas, monumental para a gravura, principalmente levando-se em conta seu caráter íntimo e seus meios técnicos restritos? parti para as primeiras opções: uma composição que deveria basear-se em diagonais e contra-diagonais, bem como numa escala colorística onde dominariam côres quentes, laranjas e vermelhos, que por fim poderiam contrapôr-se à côr de prata. e ainda, concomitantemente, uma tessitura gráfica servindo como espécie de fio melódico capaz de

    sustentar uma movimentação constante em variações ou inversões, afim de ligar o painel rítmicamente de ponta a ponta. procurei esta linha motriz, que talvez não poderia ter sido outra diante das decisões já tomadas, também dentro da diagonal.

    comecei então a elaborar os vários problemas, quer dizer comecei a trabalhar nas gravuras individuais, cortando as matrizes e tirando as primeiras provas, e aí me deparei com a tarefa mais grave : como terminar cada gravura em si e, no entanto, fazer com que elas crescessem entre si, pois queria que constituíssem soluções independentes e transições ao mesmo tempo. o que mais me custou foi exatamente êste ponto, foi manter diante de mim a visão do conjunto e não apenas considerar gravuras isoladas. as 60 versões aqui expostas representam uma parte das soluções que surgiam – só em provas de trabalho devo ter ultrapassado a tiragem final do painel.

    enquanto algumas partes do conjunto ràpidamente seencaminhavam para uma solução definitiva, outras me detiveram porque, por menores que fôssem as alterações necessárias para melhor ajustar sua forma ou côr, ou apenas a consistência da côr em opaci-dade ou transparência, exigiam uma série de alterações subseqüentes nas outras gravuras, afim de reestabelecer o equilíbrio total do conjunto, e principalmente a sua dinâmica. muitas versões excluí com uma pena imensa ; considero-as boas gravuras. porém, não levavam o conjunto adiante, ou porque não cresciam suficientemente, ou porque já formulavam um clímax antecipado, ou então ainda, porque de repente se tornavam demais autônomas para poder integrar-se num contexto, a esta altura já mais ou menos definido.

    o que eu almejava era alcanças unidade e diversidade ao mesmo tempo, como se estivesse tratando de um tema com variações, mas também queria que o começo, desenvolvimento e fim se sustentassem mùtuamente. nisto buscava chegar ao momento exato onde a expansão do espaço articulado pudesse plenamente identificar-se com o próprio formato do painel. não deveria ser maior, nem menor. prever êste momento me era impossível, só poderia reconhecê-lo quando porventura chegasse. surgiria então a minha última opção dentro do trabalho de composição. até aí, é claro, cada passo que dava, me propunha opções semelhantes procurei julgar os resultados com tôda minha capacidade emotiva e intelectual, pos me senti, e sinto-me, profundamente envolvida.

    se realizei êste momento final, só o espectador poderá dizer. eu mesma ainda não consegui desligar-me por completo de tantas outras possibilidades que também passaram a existir – necessitaria de um recuo temporal maior afim de poder julgar o trabalho feito, não como autor, mas como apreciador.

    Por causa dessa exposição, considerada pela crítica especializada a melhor daquele ano, a artista recebeu o prêmio Golfinho de Ouro, conferido pelo Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, e uma quantia em dinheiro. Em 1970, o painel feito para o Ministério das Relações Exteriores proporcionou à artista mais uma distinção, desta vez junto à Organização das Nações Unidas. Na comemoração dos 25 anos da instituição, cada país que integrava a entidade ofere-ceu-lhe uma obra de presente. O governo brasileiro escolheu o Painel do Itamaraty e encomendou a Fayga outra cópia da obra. O painel constitui uma síntese das preocupações de Fayga Ostrower. Ela estrutura o espaço a gravar com diáfanas camadas de cor e pesquisa ritmos em planos de transparência que se interpenetram e provocam um contínuo buscar de imagens – quese organizam, se desfazem, se movem, gerando outras formações. Há um dinamismo na evocação das imagens, resultando em um verdadeiro exercício para o olhar. Na abstração sensível valoriza-se a criação de formas imaginadas livremente pelo artista, que se serve de sua intuição para compor e estruturar o trabalho.

    de Artes, o Museu de Arte Moderna e a Escolinha de Arte do Brasil foram responsáveis por esse trabalho de divulgação e expansão da gravura, compreendida não só como uma técnica multiplicadora de imagens, mas também como um instrumento para a criação artística. Fayga desempenhou papel central nesse contexto, produzindo suas obras e escrevendo sobre os princí-pios da arte abstrata. Em seu livro Acasos e Criação Artística (1990), dedica-se a analisar e a dimensionar a questão do acaso, elemento fundamental para a abstração expressiva, cujas obras estruturam-se também a partir de certos achados propiciadores de sua criação. A uma prática intensa Fayga integrava uma profunda reflexão sobre a arte. Naqueles anos muitos artistas do Rio e de São Paulo exploraram a abstração, tanto a partir de soluções ligadas à geometria e à racionalização da composição quanto à abstração sensível, baseada na liberdade individual e na imaginação como princípios organiza-dores das formas. Ao optar pela segunda via, Fayga construiu em suas gravuras uma visão lírica do mundo.

    Até 1953, sua obra preocupara-se em desvelar o drama humano diário com uma temática voltada para a pobreza, maternidades sofridas e acolhedoras, crianças de morro, ambientes de subúrbio – conteúdo de caráter social, comum aos pintores e gravadores dos anos 40. O Painel do Itamaraty corresponde a um momento privilegiado da arte de Fayga na tendência da abstração. Através das finas camadas de cor, dos ritmos criados pelas formas, do tratamento do espaço gravado e da técnica da xilogravura, a artista vai além das aparências do mundo visível. Como singularidade de sua gravura, a composi-ção nasce colorida e uma leveza se afirma através da exploração de tramas delicadas e complexas das textu-ras que a impressão sobre a madeira possibilita. Com Fayga Ostrower, a xilogravura ganhava outra dimensão artística. Trabalhando com a matriz de madei-ra, ela criou uma verdadeira sinfonia das cores, o que era inusitado se considerarmos a tradição desta técnica entre nós, tendo como seu grande representante Goeldi (1895-1961), mestre dos contrastes do preto e branco. A gravura de Fayga, artista autodidata, resultou inicial-mente da admiração pela gravadora alemã Käthe Kolwitz (1867-1945) e seu entendimento do papel da arte inserido no plano existencial de transformações sociais; outra influência foi ado pintor francês Paul Cézanne (1839-1906). Fayga segue o legado deste artista, realizando composições ordenadas e estrutura-das pela cor, na compreensão de que a arte é uma linguagem específica, um campo próprio de investiga-ção do homem.

    Foi inédita a utilização da escala monumental para um trabalho em xilogravura. Incluindo as margens de cada uma das pranchas, o painel tem 1,04m de altura por 2,80m de largura. A obra de Fayga invade o ambiente do observador. A dominante vertical das sete pranchas, com o espaço gravado em transições suaves das cores em transparências, favorece a ideia de transcendência, de espiritualidade. O painel foi estruturado a partir do entrelaçamento de diagonais, numa audácia cromática de vermelhos e alaranjados. Mesmo utilizando cores quentes, a artista alcança uma leveza desconcertante. As formas criam um movimento no espaço gravado que provoca o espectador, sendo preciso atravessar com o olhar as múltiplas camadas de cor superpostas, o que gera o sentido de algo sempre em mutação, no ritmo do próprio observador. À sua maneira, Fayga cria um fluxo constante de imagens ao qual o espectador vai aderin-do, sendo levado a um mundo de poesia, a uma atmos-fera imaterial. A um lugar onde talvez estivesse aquilo que ela sempre perseguia: “uma beleza não sei qual, uma beleza, a beleza”.

    Texto de Fayga Ostrower para o catálogo da exposição de apresentação do Políptico do Itamaraty e dos estudos feitos para chegar ao conjunto definitivo. MAM, Rio de Janeiro, junho de 1968. Foi mantida a grafia original.

    absorvendo pensa-mentos, emoções, recordações de experiências artesa-nais e formais ainda recentemente feitas, que, por assim dizer, acabou crian-do vida própria. uma vida pela qual eu era responsável,

    Este jogo de formas livres foi levado a cabo por Fayga e outros artistas nos anos 60. Desde a década anterior, a gravura atraía interesse no Rio de Janeiro, onde foram criados vários ateliês para o ensino de suas técnicas. A Escola Nacional de Belas Artes, o Instituto Municipal

    [...] a obra dela tem organização sem

    perder o seu caráter lírico. A gravura de

    Fayga foi sempre um elemento de reflexão.

    Frederico Morais ,1989.

    [...] a importância do trabalho dela na linguagem abstrata é exatamente o de uma artista que, desde o começo, buscou no seu trabalho fundar significação da nova linguagem.

    Ferreira Gullar, 1989