fausto, boris. 'história do brasil' (apenas alguns trechos)

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274 HISTORIA DO BRASIL A PRIMEIRA REPOBLIC1 275 ao setor cafeeiro ou se chocaram corn ele. Esse comportamento, na apa- réncia estranho, se deve principalmente ao fato de que o presidente da Repti- blica tinha de preocupar-se nao so corn o café mas com os interesses gerais do pals. Esses interesses passavam pela estabilizacâo das financas e pelo acordo corn os credores externos. 0 presidente Rodrigues Alves, por exem- pla, nos primeiros anos do s6culo, nao era contrasio a medidas para so- lucionar a crise existente na 6poca e melhorar a renda dos cafeicultores - classe a qual pertencia, coma declarava em seus pronunciamentos. Mas, por outro lado, nao se sentia em condicees de desagradar a Casa Rothschild, principal sustentâculo da politica de contencao das emissOes, equilibria or- camentirio e valorizacao da moeda. Os Rothschild - como principals agentes financeiros do Brasil no exte- rior - opuseram-se ao Convenio de Taubat6, que previa a adocao-Ele medidas tendentes a estabilizar o cambia brasileiro em niveis mais baixos. Eles temiam o surgimento de problemas no servico da divida. Rodrigues Alves aceitou o panto de vista dos Rothschild, convertendo-se no principal obsticulo ao apoio da Uniao as iniciativas de Sao Paulo. Esse apoio foi obtido no govern se- guinte, de Afonso Pena (1906-1909). Urn argumento muito comum para se demonstrar o controle do Estado pelos interesses cafeeiros e o da politica cambial, posta em pratica pelas governantes republicanos. Afirma-se que essa politica consistia - mente em desvalorizar o mil-rOis, para sustentar a [curia da rafeic_ultura-em. moeda naciortaL-A afirmativa vem acompanhada da nocao de que, por meio desse mecanismo, ocorreu o que o economista Celso Furtado chamou de "socializacao de perdas". Ou seja: desvalorizando a moeda nacional para favorecer a cafeicultura exportadora, o governo encarecia as importacOes que deveriam ser pagas pelo conjunto da populacao. Desse modo, as perdas do setor cafeeiro seriam socializadas, isto 6, divididas por toda a sociedade. A associacao entre desvalorizando da moeda brasileira e protecao aos interesses da cafeicultura tern lido recentemente bastante contestada. Nao vamos entrar na complexidade dos argumentos. Lembremos apenas que a tendencia, a longo prazo, de depreciacao cambial vem sendo encarada mais como resultado da precaria situacdo das financas brasileiras do que como uma deliberada opcao governamental para favorecer o setor exportador. 6.10. PRINCIPALS MUDANCAS SOCIOECONOMICAS - 1890 A _1241 Passemos agora a examinar algumas das principals mudancas socio- econOmicas ocorridas no Brasil, a partir das animas decadas do s6culo XIX ate 1930. 6.10.1. A IMMRACAO Comecemos pilla imigracao em massa. 0 Brasil foi um dos paises recep- tores dos 'talkies de europeus e asidticOs que vieram para as Am6ricas ern busca de oportunidade de trabalho e ascensao social. Ao lado dele figuram, entre outros, os Estados Unidos, a Argentina e o Canada. Cerca de 3,8 milhOes de estrangeiros entraram no Brasil entre 1887 e 1930. 0 period() 1887-1914 concentrou o maior mimero, corn a cifra apro- ximada de 2,74 milhOes, cerca de 72% do total. Essa concentracao se explica, entre outros fatores, pela forte demanda de fat-ca de trabalho para a lavoura de cafe, naqueles anos. A Primeira Guerra Mundial reduziu muito o fluxo de imigrantes, mas apiis o fim do conflito (1918) constatamos uma nova corrente imigrat6ria que se prolonga ate 1930. - Tabela 4. Imigracao Liquida: Brasil, 1881-1930 (em milhares) Chegadas Portugueses Italianos Espanh6is Alemaes Japoneses 1881-1885 133,4 32 47 8 8 1886-1890 391,6 19 59 8 3 1891-1895 659,7 20 57 14 1 1896-1900 470,3 15 64 13 1 1901-1905 279,7 26 48 16 1 1906-1910 391,6 37 21 22 4 1911-1915 611,4 40 17 21 3 2 1916-1920 186,4 42 15 22 3 7 1921-1925 386,6 32 16 12 13 5 1926-1930 453,6 36 9 7 6 13 3964,3 29 36 14 5 3 Foote: Leslie Bethel' (ed.), The Cambridge ilDrary of Latin America, vol. IV, p.

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FAUSTO, Boris. 'História do Brasil' (apenas alguns trechos)

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274 HISTORIA DO BRASIL A PRIMEIRA REPOBLIC1 275

ao setor cafeeiro ou se chocaram corn ele. Esse comportamento, na apa-réncia estranho, se deve principalmente ao fato de que o presidente da Repti-blica tinha de preocupar-se nao so corn o café mas com os interesses geraisdo pals. Esses interesses passavam pela estabilizacâo das financas e peloacordo corn os credores externos. 0 presidente Rodrigues Alves, por exem-pla, nos primeiros anos do s6culo, nao era contrasio a medidas para so-lucionar a crise existente na 6poca e melhorar a renda dos cafeicultores -classe a qual pertencia, coma declarava em seus pronunciamentos. Mas, poroutro lado, nao se sentia em condicees de desagradar a Casa Rothschild,principal sustentâculo da politica de contencao das emissOes, equilibria or-camentirio e valorizacao da moeda.

Os Rothschild - como principals agentes financeiros do Brasil no exte-rior - opuseram-se ao Convenio de Taubat6, que previa a adocao-Ele medidastendentes a estabilizar o cambia brasileiro em niveis mais baixos. Eles temiamo surgimento de problemas no servico da divida. Rodrigues Alves aceitou opanto de vista dos Rothschild, convertendo-se no principal obsticulo ao apoioda Uniao as iniciativas de Sao Paulo. Esse apoio foi obtido no govern se-guinte, de Afonso Pena (1906-1909).

Urn argumento muito comum para se demonstrar o controle do Estadopelos interesses cafeeiros e o da politica cambial, posta em pratica pelasgovernantes republicanos. Afirma-se que essa politica consistia-mente em desvalorizar o mil-rOis, para sustentar a [curia da rafeic_ultura-em.moeda naciortaL-A afirmativa vem acompanhada da nocao de que, por meiodesse mecanismo, ocorreu o que o economista Celso Furtado chamou de"socializacao de perdas". Ou seja: desvalorizando a moeda nacional parafavorecer a cafeicultura exportadora, o governo encarecia as importacOes quedeveriam ser pagas pelo conjunto da populacao. Desse modo, as perdas dosetor cafeeiro seriam socializadas, isto 6, divididas por toda a sociedade.

A associacao entre desvalorizando da moeda brasileira e protecao aosinteresses da cafeicultura tern lido recentemente bastante contestada. Naovamos entrar na complexidade dos argumentos. Lembremos apenas que atendencia, a longo prazo, de depreciacao cambial vem sendo encarada maiscomo resultado da precaria situacdo das financas brasileiras do que como umadeliberada opcao governamental para favorecer o setor exportador.

6.10. PRINCIPALS MUDANCAS SOCIOECONOMICAS - 1890 A _1241

Passemos agora a examinar algumas das principals mudancas socio-econOmicas ocorridas no Brasil, a partir das animas decadas do s6culo XIXate 1930.

6.10.1. A IMMRACAO

Comecemos pilla imigracao em massa. 0 Brasil foi um dos paises recep-tores dos 'talkies de europeus e asidticOs que vieram para as Am6ricas ernbusca de oportunidade de trabalho e ascensao social. Ao lado dele figuram,entre outros, os Estados Unidos, a Argentina e o Canada.

Cerca de 3,8 milhOes de estrangeiros entraram no Brasil entre 1887 e1930. 0 period() 1887-1914 concentrou o maior mimero, corn a cifra apro-ximada de 2,74 milhOes, cerca de 72% do total. Essa concentracao se explica,entre outros fatores, pela forte demanda de fat-ca de trabalho para a lavourade cafe, naqueles anos. A Primeira Guerra Mundial reduziu muito o fluxo deimigrantes, mas apiis o fim do conflito (1918) constatamos uma nova correnteimigrat6ria que se prolonga ate 1930. -

Tabela 4. Imigracao Liquida: Brasil, 1881-1930 (em milhares)

Chegadas Portugueses Italianos Espanh6is Alemaes Japoneses

1881-1885 133,4 32 47 8 81886-1890 391,6 19 59 8 31891-1895 659,7 20 57 14 11896-1900 470,3 15 64 13 11901-1905 279,7 26 48 16 11906-1910 391,6 37 21 22 41911-1915 611,4 40 17 21 3 21916-1920 186,4 42 15 22 3 71921-1925 386,6 32 16 12 13 51926-1930 453,6 36 9 7 6 13

3964,3 29 36 14 5 3

Foote: Leslie Bethel' (ed.), The Cambridge ilDrary of Latin America, vol. IV, p.

276 HISTORIA DO BRASH.

A partir de 1930, a crise mundial iniciada em 1929 e as mudancas poll-ticas no Brasil e na Europa fizeram corn que o ingresso de imigrantes comoforca de trabalho deixasse de ser significative. Os japoneses constituiram aOnica exceed°, pois, tomando-se periodos de tempo de dez anos, foi entre 1931e 1940 que des entraram no pals em maior niimero.

Nä° ha dados gerais precisos sobre o percentual de retorno de imigrantesa seus paises de origem. Considerando o mimero de estrangeiros que entraramno Brasil pelo porto de Santos e os que sairam pelo mesmo porto comopassageiros de terceira classe, constatamos o seguinte. Entre 1892 e 1930ingressaram 1,895 milhäo de pessoas e regressaram 1,017 milhao.

As regiOes Centro-Sul, Sul e Leste foram as que receberam imigrantesmacicamente. Um dado eloqiiente nesse sentido: ern 1920, 93,4% da popula-cdo estrangeira vivendo no Brasil estavam nessas regiOes. 0 Estado de SdoPaulo se destacou no conjunto, concentrando sozinho a maioria de todos osresidentes estrangeiros no pats (52,4%). Essa preferOncia se explica pelasfacilidades concedidas pelo Estado (passagens, alojamento) e pelas oportu-nidades de trabalho abertas por uma economia em expansdo.

Considerando-se o periodo 1887-1930, os italianos formaram o grupomais numeroso, corn 35,5% do total, vindo a seguir os portugueses (29%) eos espanhOis (14,6%). Mas antes de examinarmos as trds etnias majoritdrias,assinalemos que grupos relativamente pouco numerosos, em termos globaiS,foram qualitativamente importantes. 0 caso mais expressivo e o dos japoneses,os quais vieram sobretudo para o Estado de Sao Paulo. Em 1920, 87,3% dosjaponeses moravam nesse Estado. A primeira leva chegou a Santos em 1908,corn destino as fazendas de cafe. Apesar da dificuldade em fixar os japonesesnas fazendas, a administracdo paulista, ate 1925, concedeu em vdrios anossubsidios para a imigracdo japonesa. No curso da Primeira Guerra Mundial,corn a interrupcdo do fluxo europeu, havia o temor de que "faltassem bracospara a lavoura". A partir de 1925, o governo japonas passou a financiar as

viagens dos imigrantes. Os japoneses, por essa Opoca, ja ndo eram encami-nhados para as fazendas de cafe. Eles se fixaram no campo por mais tempodo que qualquer outra etnia, mas como pequenos proprietarios, tendo urn papelexpressivo na diversificacdo das atividades agricolas.

Outros grupos minoritarios importantes foram os sirio-libaneses e osjudeus, os quais tiveram algumas caracteristicas semelhantes. Ao contrdrio

A PFAU/ ILI REPUBLICA

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Imigrantes italianos de classe media. Foto de passe pone da familia de Arturo Brussi.

Familia de columns diante de uina porn lateral da Hospedaria dos Imigrantes.

278 IIISTORIA DO BRASIL A PRIMEIRA REPOBLICA 279

Passaporte de imigrante /ituano, trabalhador da fazenda Pitangueiras, Sao Pau-lo, 1926.

Passaporte de imigrante lituana, trabalhadora da colania Lettonia. Estado deSao Paulo, 1926.

dos japoneses, dos italianos e dos espanh6is, os dois grupos se concentraram,desde sua chegada, principalmente nas cidades. Ambos constituiram tambernuma imigracdo esponanea, não subsidiada, pois o auxilio governamentalbrasileiro so era fornecido a quem fosse encaminhado para as fazendas. Ossfrio-libaneses comecaram a chegar ao Brasil, em nameros significativos, nocomeco do sOculo; os judeus vieram depois, sobretudo a partir da clOcada de1920. Muitos sfrio-libaneses iniciaram a vida na nova terra como mascates,vendendo mercadorias de porta em porta, ou de porteira em porteira, naspequenas cidades do interior e nas fazendas. Depois, no coffer dos anos, variosdeles se tornaram comerciantes corn negacios instalados e industrials. EssatrajetOria foi semelhante a de muitos judeus, que partiram da condigdo demascate, substituindo os sirio-libaneses, corn mais tempo no pals e ja emascensão.

Os italianos vieram principalmente para Sao Paulo e para o Rio Grandedo Sul. Em 1920, 71,4% dos italianos existentes no Brasil viviam no Estadode SO° Paulo e representavam 9% de sua populacdo total. A origem regionalse alterou no curso dos anos. Enquanto os italianos do norte predominaramate a virada do sOculo, os do sul — sobretudo calabreses e napolitanos — passa-ram a chegar em major flamer°, a partir do sOculo XX.

Os italianos foram a principal etnia que forneceu mão-de-obra para alavoura de café. Entre 1887 e 1900, 73% dos imigrantes que entraram noEstado de sao Paulo eram italianos, embora nem todos tenham-se fixado naagricultura. A pobreza dessa gente se revela, entre outros dados, pelo fato deque os subsidios oferecidos pelo governo paulista representaram uma forteatracdo. Problemas nesse esquema repercutiram diretamente no volume dofluxo de imigrantes.

As ma's condicOes de recepcdo dos recOm-chegados levou o governoitaliano a tomar medidas contra o recrutamento de imigrantes. Isso aeon-teceu provisoriamente entre maw° de 1889 e julho de 1891. Em marco de1902, uma decisäo das autoridades italianas conhecida como DecretoPrinetti — nome do ministro das RelacOes Exteriores da Italia — proibiu aimigracdo subsidiada para o Brasil. Dal para a frente, quern quisesse emigrarpara o Brasil poderia continuar a faze-lo livremente, mas sem obter passa-gens e outras pequenas facilidades. A medida resultou de crescentes queixasdos italianos residentes no Brasil a seus cOnsules sobre a precariedade de

280 HISTORIA DO BRASIL A PRIMEIRA REPOBLICA 281

sua candied() de vida, agravada pelas periOdicas crises do cal& E possivelque a melhora do quadro socioeconOmico na Italia tenha tambOm concor-rido para eta

0 fluxo da imigragao italiana nao se interrompeu. Entretanto, o DecretoPrinetti, a crise do café e a situacao no pais de origem contribuiram parareduzi-lo. Considerando as entradas e saidas de imigrantes sem distincao denacionalidade pelo porto de Santos, verificamos que, em vat:jos anos, o ntimerodos que sairam foi major do que as entradas naquele porto. Por exemplo, emplena crise do café, em 1900, entraram 21 038 imigrantes e sairam 21 917.Logo apes o Decreto Prinetti, em 1903, entraram 16 553 imigrantes e sairam36410. 0 ano seguinte registrou tambem saldo negativo.

Durante o periodo 1901-1930, a provenirencia etnica dos imigrantes paraSao Paulo se tornou bem mais equilibrada. A proporcao de italianos caiu para26%, seguidos pelos portugueses (23%) e pelos espanhdis (22%).

A imigracao portuguesa concentrou-se nitidamente no Distrito Federal eem Sao Paulo. A capital da Reptiblica continha o major contingente de portu-gueses, mesmo quando a comparacao e feita com Estados inteiras. 0 censode 1920, por exemplo, contou 172 338 portugueses residentes no Distrito Fe-deral e 167 198 no Estado de Sao Paulo.

Comparativamente, uma caracteristica da imigracao portuguesa foi suamajor concentracdo nas cidades. Em 1920, havia 65 mil portugueses na cidadede Sao Paulo, representando 11% da populacao total; os n6meros subiam a172 mil no Rio de Janeiro, correspondendo a 15% da populacao. Esses dadosnao significam que imigrantes portugueses nao se tenham destinado para alavoura do café e a agricultura em geral. Mas eles ficaram mais conhecidospor seu papel no pequeno e grande com6rcio, assim como na inchistria, so-bretudo no Rio de Janeiro.

Como ocorreu corn os italianos, o major fluxo de imigrantes espanhdisconcentrou-se entre 1887 e 1914. Mas houve uma diferenca: enquanto ositalianos predominaram largamente sobre os espanhdis de 1887 a 1903, estesos superaram entre 1906 e 1920. ApOs os japoneses, foram os espanhdis osque proporcionalmente mais se concentraram no Estado de Sao Paulo. Assim,em 1920, 78,2% dos imigrantes espanhdis al residiam. Em alguns aspectos, aimigracao espanhola tem tracos semelhantes a japonesa. Como ocorreu comos japoneses, vinham familias inteiras e nao apenas homens solteiros. Os

espanhdis aproximaram-se tambem dos japoneses pelo longo tempo de perma-nencia nas atividades agricolas e pela preferéncia por viver nas pequenascidades do interior e nao na capital de Sao Paulo.

Os imigrantes mudaram a paisagem social do Centro-Sul do pals, cornsua presenca nas atividades econOmicas, seus costumes, seus habitos alimen-tares, contribuindo tambem para valorizar uma &flea do trabalho. Vamosreencontrd-los em outros momentos desta narrativa. Por ora, facamos umapergunta geral: os imigrantes, em sua grande maioria pobres, tiveram alto nanova terra? Quando pensamos no seu papel no desenvolvimento do comOrcioe da indtistria, em Estados como Sao Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarinae Parana:, a resposta afirmativa 6 quase es pontanea.

O caso do campo a mais complicado. No Estado de Sao Paulo, porexemplo, nos primeiros anos da imigracao em massa, os imigrantes foramsubmetidos a duras condicOes de existencia, resultantes das condiclies geraisde tratamento dos trabalhadores no pais, onde quase equivaliam aos escravos.Atestam esse quadro o grande ntimero dos que voltaram ao pais de origem, asqueixas dos cOnsules, as medidas tomadas pelo governo italiano.

Se tomarmos pothm a hist6ria da imigracao em period() mais longo detempo, verificaremos que tambOrn no campo muitos imigrantes subiram naescala social. Uns poucos, como Francisco Schmidt e Geremia Lunardelli,tornaram-se grandes fazendeiros. A maioria passou a condicao de pequenos emedios propriettios, abrindo caminho para que seus descendentes viessem aser figuras centrais da agroindOstria paulista. 0 censo agricola de Sao Paulo,realizado em 1934, revelou que 30,2% das terras estavam em mats de estran-geiros, cabendo aos italianos 12,2%, aos espanhdis 5,2%, aos japoneses 5,1%,aos portugueses 4,3% e o restante a outras nacionalidades. Esses ntimerosexprimem apenas parte da ascensao dos imigrantes, pois nao incluem seusdescendentes, que, é claro, tinharn nacionalidade brasileiras.

6.10.2. 0 PESO DAS ATIVIDADES AGRICOLAS

No curso das tiltimas decadas do sOculo XIX ate 1930, o Brasil continuoua ser urn pais predominantemente agricola. Segundo o censo de 1920, dos 9,1milhOes de pessoas em atividade, 6,3 milhOes (69,7%) se dedicavam a agri-

282 HISTORIA DO BRASH.

cultura, 1,2 milhdo (13,8%) a indtistria e 1,5 milhão (16,5%) aos servicos.Devemos notar que "servicos" englobam atividades urbanas de baixa produ-tividade, como os servicos domOsticos remunerados e "bicos" de värios tipos.0 dado mais revelador é o do crescimento do mimero de pessoas na Areaindustrial, que, pelo censo de 1872, não passava de 7% da populacdo ematividade, mas 8 born lembrar que muitas "indüstrias" nâo passavam de peque-nas oficinas. De qualquer modo, se 8 verdadeira a nocdo de predomfnio dasatividades agroexportadoras, corn o café em primeiro lugar, durante a Primei-ra Reptiblica, nao devemos pensd-la em termos absolutos. Nao s6 a producdoagricola para o mercado interno teve significacdo como a indtistria foi-seimplantando corn forca crescente.

Podemos entender melhor o crescimento econ8mico e as mudancas so-dais ocorridas sobretudo no Centro-Sul do pals, analisando urn pouco dahist6ria regional. 0 Estado de São Paulo esteve a frente de um processo dedesenvolvimento capitalista, caracterizado pela diversificacão agricola, aurbanizacdo e o surto industrial. 0 café continuou a ser o eixo da economia econstituiu a base inicial desse processot fa vimos que nem tudo eram florespara os negOcios cafeeiros, mas a renda da cafeicultura foi assegurada, nosanos crfticos de excesso de oferta e precos baixos, pelo apoio do governopaulista e, em menor medida, do governo federal aos pianos de valorizacdo.Urn ponto importante que assegurou a producdo cafeeira se encontra nasformulas encontradas para resolver os problemas do fluxo de rao-de-obra eda estruturano das relaceies de trabalho. 0 primeiro problema foi resolvidopela imigracio; o segundo, pelo colonato.

0 colonato veio substituir a experiéncia fracassada da parceria. Os co-lonos, ou seja, a familia de trabalhadores imigrantes, se responsabilizavampelo trato do cafezal e pela colheita, recebendo basicamente doi(pagamentos Iem dinheiro: urn anual, pelo trato de tantos mil pes de café, e odic porocastäo da colheita. Este ultimo pagamento variava de acordo corn o resultadoda tarefa, em termos de quantidade colhida. 0 fazendeiro fornecia-moradia ecedia pequenas parcelas de terra, onde os colonos podfam produzir geneios-alimenticios. 0 colonato era distinto da parceria porque, entre outras ca-racteristicas, não existia divisão de lucros da venda do café. NI) constituiatambOm uma forma pura de trabalho assalariado, pois envolvia outros tiposde retribuicão.

A PRIMEIRA REPUBLIC

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31. DepOsito de café no pono de Santos.

No 'Ambito desse sistema, devemos considerar a parte o caso das plan-tacOes novas que eram objeto dos chamados "contratos de formacao". Oscolonos plantavam o café a cuidavam da planta durante urn periodo de quatroa seis anos, pois era em geral no quarto ano que os cafeeiros comecavam aproduzir. Os "formadores" não recebiam praticamente saldrios, podendo po-rem dedicar-se A producao de g8neros alimenticios entre as filas dos cafezaisnovos. Como esse tipo de relacdo de trabalho tinha a preferencia dos colonos,8 razodvel inferir que a producdo de Oneros abrangia ado apenas o consumodos prOprios formadores, mas tambOm a venda para os mercados locals.

Quando afirmamos que o colonato estabilizou as relaches de trabalho,não pretendemos dizer que os problemas entre colonos e fazendeiros termi-naram. Ocorreram constantes atritos individuals e mesmo graves. AlOm disso,os colonos nab eram escravos e tinham intensa mobilidade geografica, des-

284 HISTORIA DO BRASIL

locando-se de uma fazenda para outra, ou para os centros urbanos, em buscade methores oportunidades. Mas, como urn todo, de urn lado a oferta de mao-de-obra imigrante e, de outro, as possibitidades relativas de ganho abertaspelo colonato garantiram a producao cafeeira e a relativa estabilidade dasrelagOes de trabalho na cafeicultura.

Ao mesmo tempo que a producao cafeeira tendeu a aumentar, ocorreuem Sao Paulo uma diversificacao agrfcola que se liga a ascensào dos imigrantes.Estimulada pela demanda das cidades em crescimento, a producao de arroz,feijao e milho expandiu-se. No comeco do seculo XX, Sao Paulo importavaparte desses produtos de outros Estados, destacando-se o arroz do Rio Grandedo SW. Por volta da Primeira Guerra Mundial, o Estado se tornara auto-suficiente nesses itens, comecando a exportar. Comparando-se as medias de1901-1906 com as de 1925-1930, constatamos que a producao de arroz cresceu6,89 vezes, a de feijao, 3,31 e a de milho, 2,15 vezes. 0 algodao tambem seimplantou. Por volta de 1919, Sao Paulo se tornou .0 major Estado produtor dopats, com aproximadamente um terco do total. Ficava assim assegurado ofomecimento de materia-prima para a indtistria textil. Alem disso, o plantiocombinado de café e algodào, com major enfase no café, chegou a ser provi-dencial para os fazendeiros. Quando em 1918 a geada devastou as plantacOesde café, mujtos deles se salvaram da rufna gracas a producao algodoeira.

6.10.3. A URBANIZACÁO

Outro fenOmeno importance foj a urbanizacao. Todas as cidades cres-ceram, mas o salto mais espetacular se deu na capital do Estado de Sao Paulo.A raid° principal desse salto se encontra no afluxo de imigrantes espontaneose de outros que trataram de sair das atividades agricolas. A cidade ofereciaum campo aberto ao artesanato, ao comercio de rua, As fabriquetas de fundode quintal, aos construtores autodenominados "mestres italianos", aos profis-sionais liberais. Como °Ka° mais precaria, era possfvel empregar-se nasfabricas nascentes ou no servico domestic°.

A capital paulista era tambern o grande centro distribuidor dos produtosimportados, o elo entre a producao cafeeira e o porto de Santos, e nela se en-contravam a sede dos maiores bancos e os principais empregos burocraticos.

A PRIMEIRA REPDBLICA

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Saida da (Arica. Now-se a presenea de mulheres e criancas. Sao Paulo. inicio do Menlo XX.

Rua 15 de Novembro. Sao Paulo.

A PRIMEIRA REPUBUCA 287286 HISTOR IA DO BRASIL

A partir de 1886, Sao Paulo comecou a crescer em ritmo acelerado. Agrande arrancada se deu entre 1890 e 1900, periodo em que a populagaopaulistana passou de 64 934 para 239 820 habitantes, registrando uma elevacaode 268% em dez anos, a uma taxa geometrica de 14% de crescimento anual.Em 1890, Sao Paulo era a quinta cidade brasileira, abaixo do Rio de Janeiro,Salvador, Recife e Belem. No inicio do seculo chegaria ao segundo lugar,embora ainda muito distante dos 688 mil habitantes da capital da Reptiblica.Em comparacao com o Rio de Janeiro, Silo Paulo continuava a ser apenas acapital de uma grande provincia.

6.10.4. A INDUSTRIALIZACAO

0 crescimento industrial deve ser visto em uma perspectiva geograficamais ampla, abrangendo vdrias regities. Aqui vamos nos deter sobretudo nascondicOes da industrializacao no Distrito Federal e em Sao Paulo.

As poucas fabricas que surgiram no Brasil, em meados do seculo XIX,destinavam-se principalmente a produzir tecidos de algodao de baixa qualida-de, consumidos pela populacao pobre e pelos escravos. A Bahia foi o primeironticleo das atividades do ramo, reunindo cinco das nove fabricas existentesno pals em 1866.

Em 1885, a producao industrial se deslocara para o Centro-Sul. Consi-derando-se o niimero de unidades fabris, Minas assumira o primeiromas o Distrito Federal concentrava as fabricas mais importantes. Excluindo-se a agroinddstria do acticar, por volta de 1889, a capital do pals detinha 57%do capital industrial brasileiro.

A instalacao de fabricas no Rio deveu-se a Winos fatores. -Al haviam-seacumulado capitais provenientes da empresa agricola ou dos neg6cios docomercio exterior porque, corn a decadencia do Yale do Paraiba, nao se faziamnovas inversOes no setor cafeeiro. Os grandes bancos, cujas sedes estavamlocalizadas na capital do pals, tinham, assim, condicaes de financiar outrasatividades. Alem disso, o mercado de consumo tinha proporcOes razodveis,abrangendo nä° se a cidade como a regiao a sua volta, servida pelas ferrovias.

No que diz respeito a mao-de-obra, havia problemas no suprimento detrabalhadores especializados, mas nao faltavam opera:nos de baixa qualifi-

cacao. Eles cram recrutados entre a populacao pobre, os imigrantes e osmigrantes internos, para quem o Rio de Janeiro era um pOlo de atracdo.

Por ultimo, devemos salientar, no desenvolvimento do Rio, o papel daenergia a vapor, antes da introducao da energia eletrica. Ela veio substituir asantigas fabricas movidas a Agua, cujo suprimento era irregular. 0 use docarvao importado para gerar a energia a vapor foi facilitado por nao dependerde um transporte adicional, como era o caso das cidades do interior.

O crescimento industrial paulista data do periodo posterior a abolicaoda escravatura, embora se,esboeasse desde a decada de 1870. Originou-se depelo menos duas fontes inter-relacionadas: o setor cafeeiro a os imigrantes.Os negdcios do café lancaram as bases para o primeiro surto da indastria porvärias razOes: em primeiro lugar, ao promover a imigracdo e os empregosurbanos vinculados ao complexo cafeeiro, criaram urn mercado para produtosmanufaturados; em segundo, ao promover o investimento em estradas de ferro,ampliaram e integraram esse mercado; em terceiro, ao desenvolver o comerciode exportacao e importacao, contribuiram para a criacao de um sistema dedistribuicao de produtos manufaturados. Por ultimo, lembremos que as maqui-nas industriais eram importadas e a exportacao do café fornecia os recursosem moeda estrangeira para paga-las.

Membros da burguesia do café tornaram-se investidores em uma serie deatividades. Um exemplo significativo e o do senador Lacerda Franco, fazendeiroe fundador de uma empresa corretora de café. Proclamada a Reptiblica, obtevea concessão para criar urn banco de emissao e iniciou uma grande fabrica detecidos em Sorocaba. Mais tarde, fundou outra menor em Sundial, uma com-panhia telefOnica e foi diretor da Companhia Paulista de Estradas de Ferro.

Os imigrantes surgem nas duas pontas da indtistria, como donos deempresas e como operarios. Alem disso, varios deles foram tecnicos especia-lizados. A histeria dos trabalhadores estrangeiros é parte da histOria dosimigrantes que vieram "fazer a America" e viram seus sonhos se desfazer nanova terra. Eles tiveram papel fundamental nas empresas manufatureiras dacapital de Sao Paulo, nas quail, em 1893, 70% de seus integrantes eramestrangeiros. Na indtistria do Rio de Janeiro a porcentagem era menor, mas,mesmo assim, muito expressiva: 39%, em 1890.

O caminho do imigrante para a condicao de industrial variou. Algunspartiram quase do nada, beneficiando-se das oportunidades abertas pelo capi-

288 HISTORIA DO BRASIL

talismo em formagao, em Sao Paulo e no Rio Grande do Sul. Outros vislum-braram oportunidades na inthistria, por serem importadores. Esta atividadefacilitava contatos para importar maquinaria e era uma fonte de conhecimentosobre onde se encontravam as possibilidades de investimento mais lucrativeno pais. Os dois maiores industriais italianos de Sao Paulo — Matarazzo eCrespi — comegaram como importadores.

Considerando-se o valor da producao industrial, em 1907 o DistritoFederal surgia na frente dos Estados corn 33,2% da produgao, seguido de SaoPaulo com 16,6% e o Rio Grande do Sul corn 14,9%. Em 1920, o Estado desae Paulo passara para o primeiro lugar corn 31,5% da produga r o, o DistritoFederal caira para 20,8%, vindo em terceiro o Rio Grande do Sul corn 11%.Estamos comparando Estados com uma cidade. Em termos de cidades, osdados sac) imprecisos: Sao Paulo (capital) superou o Rio de Janeiro em algummomento entre 1920 e 1938.

Os principais ramos industriais da epoca foram o textil em primeiro lugare a seguir a alimentagao, incluindo bebidas, e o vestuario. A indtistria Cant,sobretudo a de tecidos de algoddo, foi a verdadeiramente fabril pela concen-tragao do capital nela investido e pelo ntimero de operarios. Varias fibricaschegaram a ter mais de mil trabalhadores. 75 por volta da Primeira GuerraMundial, 80% dos tecidos consumidos no pais eram nacionais, indicando umamelhora de sua qualidade. Quando, nos dltimos anos da &nada de 1920, umacrise atingiu a indtistria textil, sua apacidade produtiva era consideravel.Veremos mais adiante os efeitos des fato, ao tratar do quadro econOmiconos anos 30.

Apesar desse relativo avango na producao industrial, havia profundacarencia de uma inddstria de base (cimento, ferro, ago, miquinas e equipamen-tos). Desse modo, grande parte do surto industrial dependia de importagOes.

E comum a referéncia a Primeira Guerra Mundial como urn period° deincentivo as indOstrias, dada a interrupcao da concorrencia de produtos im-portados. Mas a decada de 1920 foi pelo menos tao Significativa quanto osanos da guerra, pois nela comegaram a aparecer tentativas de superar os limitesde expansan industrial. Incentivadas pelo govern, surgiram dual empresasimportantes: em Minas Gerais, a Sidenirgica Belgo-Mineira, que comecou aproduzir em 1924; em Sao Paulo, a Companhia de Cimento Portland, cujaproducao foi iniciada em 1926. Ao mesmo tempo, a partir da experiancia e

A PRIMEIRA REPDBLIC4

282

34. Grupo de trabalhadoras tiandeiras, intact do sdculo XX.

dos lucros acumulados durante a Primeira Guerra, pequenas oficinas de con-sertos foram se transformando em inchistrias de mdquinas e equipamentos.

Teria o Estado facilitado ou dificultado o crescimento industrial?

A principal preocupagao do Estado nab estava voltada para a indOstria,mas para os interesses agroexportadores. Entretanto, nab se pode dizer que ogoverno tenha adotado um comportamento antiindustrialista. Houve protecdogovernamental em certos periodos a importagao de maquinaria, reduzindo-seas tarifas da allandega. Ern alguns casos, o Estado concedeu emprëstimos eisengao de impostos para a instalagao de inchistrias de base. Por outro lado, atendéncia de bongo prazo das financas brasileiras no sentido da queda da taxade tinha efeitos contraditdrios corn relagdo a indtistria.A desvalori-zagat da moeda encarecia a importagdo dos bens de consumo e, portanto,estimulava a inch-Istria nacional, mas, ao mesmo tempo, tornava mais cara aimportagdo de miquinas de que o parque industrial dependia.

Resumindo, se o Estado nao foi urn adversdrio da inclOstria, esteve longede promover uma politica deliberada de desenvolvimento industrial.

290 HIS7ORIA DO BRASILA PRIMEIRA REPUBLIC 291

6.10.5. A DIVERSIFICACAO ECONOMECA E 0 RIO GRANDE DO SUL 6.10.6. A BORRACHA AMAZONICAdi

Devemos fazer referencia ainda a duas areas regionais separadas porpontos geograficos extremos: o Rio Grande do Sul e a AmazOnia. No RioGrande do Sul, acentuou-se ao longo da Primeira Repiiblica a diversificacaoda atividade econOmica, destinada ao prdprio Estado e ao mercado internonational. Os protagonistas dessa diversificagao foram os imigrantes que seinstalaram como pequenos proprietarios na regiao serrana e, a partir dal,expandiram-se para outras regiOes. No setor agricola, destacou-se, em pri-meiro lugar por ordem de importancia, a produgao de arroz, em seguida asdo milho, do feijao e do fumo. 0 milho destinava-se ao mercado estadual,servindo de alimento para a criacao de porcos.

Tal como acontecia em outras partes do pals, em termos de capitalinvestido, a indlistria tOxtil ficava na frente na area industrial, vindo a seguira de bebidas. Nesta Ultima, salientava-se a produgao de vinho. Ela datava doperiodo colonial e ganhou impulso corn a chegada dos imigrantes italianos ealemaes.

A instalagao de frigorificos representou uma transformagao nos proces-sor precasios de conservagao de came e possibilitou a sua "estocagem". Em1917, as empresas norte-americanas Armour e Wilson estabeleceram-se, res-pectivamente, em Santana do Livramento e em Rio Grande. Uma tentativa demanter urn frigorifico por parte dos criadores gauchos fracassou por falta derecursos. A empresa foi vendida em 1921 ao Frigorffico Anglo. Todas essasiniciativas ocorreram no quadro de uma relativa decadencia da pecuaria, docharque e principalmente dos couros. Podemos ter uma ideia disso compa-rando dois momentos da pauta de exportagao do Estado. Em 1890, charque ecouros juntos representavam 54,7% do valor das exportagfies. Em 1927 ndopassavam de 24,5%, tendo os couros caido de 37,2% para apenas 6,8% dovalor das exportagOes. Naquele ano de 1927, individualmente, a banha ficouem primeiro lugar (19,7%), seguida do charque (17,7%) e do arroz (13%).

Embora tanto em S50 Paulo como no Rio Grande do Sul tenha havidouma diversificacao das atividades econOmicas, um ponto a ser ressaltado 6 oseguinte: enquanto Sao Paulo teve como centro de suas atividades a agriculturade exportagao, o Rio Grande desenvolveu-se quase inteiramente em fungal:,do mercado inferno.

A AmazOni a viveu urn sonho transitOrio de riqueza gracas a borracha. 0avango da produgao que vinha ocorrendo em d6cadas anteriores tomou grandeimpulso a partir de 1880. A verdadeira mania pela bicicleta, nos anos 1890, ea gradativa popularizacao do automOvel, a partir da virada do seculo, incen-tivaram ainda mais a produgao.

Em toda a epoca de seu apogeu, a borracha ocupou folgadamente osegundo Lugar entre os produtos brasileiros de exportagao, alcangando o pontomaxim° entre 1898 e 1910. Nesse period() correspondeu a 25,7% do valor dasexportageies, sendo superada apenas pelo café (52,7%). Ficou muito a frentedo item que vinha abaixo dela — os couros — corn apenas 4,2%, (Tabela 5)

A expansao da borracha foi responsavel por uma significativa migragiopara a AmazOnia. Calcula-se que entre 1890 e 1900 a migragao liquida para aregiao — ou seja, a diferenca entre os que entraram e safram — foi de cerca de110 mil pessoas. Elas provinham sobretudo do Ceara., urn Estado periodi-camente batido pela seca. A economia da borracha trouxe como conseqiiénciao crescimento da populagao urbana e a melhora das condicOes de vida de pelomenos uma parte dela, em Belem e Manaus. Entre 1890 e 1900, a populacaode Bel6m quase dobrou, passando de 50 mil para 96 mil pessoas. As duasmaiores cidades da AmazOnia contaram corn linhas eletricas de bonde, Set-

vicos de telefone, agua encanada, iluminagao eletrica nas ruas, quando tudoisso ern muitas cidades brasileiras era ainda urn luxo.

Essas mudancas nao conduziram, entretanto, a modificacao das mise-ravels condicOes de vida dos seringueiros que extraiam a borracha no interior.Ndo levaram tambem a uma diversificacao das atividades econOmicas, capazde sustentar o crescimento em uma situacao de crise da borracha. E a criseveio avassaladora, a partir de 1910, com uma forte queda de pregos, cuja razaobasica era a concortincia internacional. A borracha nativa do Brasil sempresofrera a concorrOncia da exportada pela America Central e pela Africa, que

eram, porem, de qualidade inferior. As plantagOes realizadas principalmentepor ingleses e holandeses em suas colOnias da Asia mudaram esse quadro. Aborracha produzida por eles era de boa qualidade, de baixo custo e seu cultivopodia estender-se por uma grande area. Enquanto isso, tornava-se cada vezmais dispendioso extrair borracha nativa nas regiOes distantes da AmazOnia.

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A PRIME! RA REPOBLICA 293

Para se ter uma ideia da reviravolta, lembremos que, em 1910, a borrachaasiätica reprcsentava pouco mais de 13% da producao mondial; em 1912,subira para 28% e em 1915 chegava a 68%.

As tentativas de substituicao da simples coleta na mata pelo plantio ndoforam para a frente, sendo as plantas atingidas corn freqUencia pelas pragas.Urn exemplo disso foi a experiencia realizada pela Ford - a Fordlandia - emfins da decada de 1920, que resultou em urn imenso fracasso. Da epoca deouro, ficaram como marcas mais expressivas os dois belos teatros de Belem eManaus.

6.10/. RELACOES FINANCEIRAS INTERNACIONAIS

Ao longo da Primeira Reptiblica ocorreram , algumas mudancas signi-ficati vas nas relaceies internacionais do Brasil no piano econemico-financeiro.A maioria dos emprestimos e investimentos continuou a se originar daBretanha; os Estados Unidos mantiveram tambem sua posicao de principalmercado para o mais importante produto brasileiro de exportacão - o café.Entretanto, no correr dos anos, houve uma tendencia a um maior relacio-namento corn os Estados Unidos que se tornou mais nitido na ddcada de 1920.Desde a Primeira Guerra Mundial, o valor das importacees provenientesdaquele pals ja superara o da Gra-Bretanha.

Podemos dividir o ingresso de capitais estrangeiros em dims formasbasicas: empréstimos e investimentos. Vimos como desde a Independencia oBrasil apelou para os emprestimos externos. Eles se destinaram na Reptiblicaa manutencão do Estado, ao financiamento da infra-estrutura de portos eferrovias, a valorizacdo do café ou simplesmente a cobrir a divida crescente.

Em 1928, o Brasil era o pals com a maior divida externa da AmericaLatina, corn 44,2% do total, vindo a seguir a Argentina corn 27,5% e o Chilecorn 11,8%. Calcula-se que em 1923 o servico da divida consumia 22% dareceita da exportacdo. A divida pesou sobre as fmancas brasileiras, levando opals a penosos acordos cujo exemplo mais evidente d °funding loan de 1898.

Nas tiltimas decadas do Imperio, os investimentos estrangeiros concen-travam-se nas ferrovias. Na Republica, asses investimentos tenderam a passarpara urn segundo piano, sendo superados pelo capital inicial das companhias

294 HISTORIA DO BRASIL A PRIMEIRA REPOBLICA 295

de seguros, empresas de navegacao, bancos e empresas geradoras e distribui-doras de energia eletrica.

Os servicos basicos das maiores cidades estavam em maos de compa-nhias estrangeiras. 0 caso mais notavel foi o da Light, uma empresa ca-nadense fundada em Toronto em 1899. Ela atuou a principio em Sao Paulo e,a partir de 1905, na capital da Rept%Bea. A Light desbancou, na cidade deSao Paulo, uma empresa local de transporte por bonder e assumiu tambem ocontrole do fornecimento e distribuicao tie energia dance. 0 surto de indus-trializacao da cidade esteve estreitamente associado a seus investimentos deinfra-estrutura.

No que diz respeito a economia exportadora, houve poucos investimentosestrangeiros na producao. Mas eles estiveram presentes de \ ferias formas:financiavam a comercializacao, controlavam parte do transporte ferroviario,praticamente toda a exportacao, o transporte madam° e o seguro das mer-cadorias.

Nao ha dados seguros sobre o lucro das empresas estrangeiras. Ao queparece, os maiores lucros foram realizados pelos bancos, que ganhavam es-peculando corn a instabilidade da moeda brasileira ou com a recessao. Apes ofunding loan de 1898 muitos bancos nacionais faliram e a posicao dos es-trangeiros se tomou mais forte. 0 maior banco ingles, o London and BrazilianBank, tinha muito mais recursos do que o Banco do Brasil. Ainda em 1929,os estabelecimentos bancatios estrangeiros eram responsaveis por metade dastransaceies.

Uma observacdo geral sobre o papel desempenhado pelo capital estran-geiro na Primeira Reptiblica, \Tali& de algum modo para periodos posteriores,consiste em dizer que ele nä.° 0ominou a economia, mas se localizou emsetores estrategicos.

Os investidores externos teriam apenas explorado o pats, remetendo seuslucros para o exterior, ou tenant contribuido de forma decisiva para seu de-senvolvimento?

A falta de dados impede urn juizo mais seguro, mas, sem thivida, umaresposta inteiramente em uma ou outra direcao seria falsa.

Os investidores estrangeiros tehderam a controlar as areas de sua atuacaoe a desalojar os capitals nacionais. Levaram vantagens derivadas do vulto dosinvestimentos, tiveram advogados poderosos e olharam corn desdem para urn

pals atrasado. Seus metodos min foram, porem, diferentes dos da elite local.De qualquer modo, o capital estrangeiro teve um papel importance na criacaode uma estrutura basica de services e transportes, contribuindo assim para amodernizacao do pals.

6.11. OS MOVIMENTOS SOCIAIS

Ao longo da Primeira Republica, a estrutura social se diversificou corno avanco da pequena propriedade produtiva no campo, a expansao da classemedia urbana e a ampliacao da base da sociedade. A grande novidade sobeste ultimo aspecto foi o surgimento do "colonata" na area rural e sobretudoda classe operaria nos centros urbanos.

6.11.1. MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO

Os primeiros movimentos sociais da classe operdria se situam na kepi-blica. Antes de falar deles, vamos fazer uma referenda aos movimentos sociaisno campo. Eles podem ser divididos em nes grandes grupos: I. os que combi-naram contend° religioso corn carencia social; 2. os que combinaram contetidoreligioso corn reivindicacdo social; 3. os que expressaram reivindicaceessociais sem contend° religioso.

Canudos, do qual ja falamos, é urn exemplo do primeiro grupo. Outro eo do movimento que se formou em torno do Padre Cicero Roma. ° Batista entre1872 e 1924, tendo como centro a cidade cearense de Juazeiro. 0 padrecomecou reunindo Bets para rezar e fazer promessas nos desastrosos periodosde seca. Logo ganhou fama de milagreiro e passou a reunir adeptos em ntimerocrescente. Estes passaram a residir em Juazeiro ou a visits-lo em grandesromarias.

O Padre Cicero chocou-se com as autoridades da Igreja CatOlica e, ao

mesmo tempo, integrou-se no sistema coronelista. Ele se transformou ern urnmisto de padre e coronel que se envolveu corn suas forcas militares, nas lutaspoliticas da regiao. Sua genre disciplinada foi posta a servico de atividadesdiversas. Na epoca da colheita do algodao, milhares de moradores de Juazeiro,

.

394 HISTORIA DO BRASIL

do sistema escolar produziu resultados, a partir de indices muito baixos defreqiiencia a escola em 1920. Estima-se que naquela epoca o indice de es-colarizacdo de meninos e meninas entre cinco a dezenove anos, queqiientavam a escola priméria ou media, era de cerca de 9%. Em 1940, o indicechegou a mais de 21%. No que diz respeito ao ensino superior, houve umincremento de 60% do ndmero total de alunos entre 1929 e 1939, passando de13 239 para 21 235.

8

0 PERIODO DEMOCRATICO

1945-1964

0 ESTADO GETULISTA 393392 1115T0R14 DO MASH.

produgdo industrial, veremos o nftido avanco da inchlstria. Em 1920, a agri-cultura detinha 79% do valor da producão total e a inchistria, 21%. Em 1940,as proporcities correspondiam a 57% e 43% respectivamente.

Isso foi o resultado de taxa anuais de crescimento da inchistria bemsuperiores as da agricultura (Tabela 7).

Tabela 7. Brasil — Taxas Anuais de Crescimento

Anos Agricultura Indtistria

1920-1929 4,4% 2,8%1933-1939 1,7% 11,2%1939-1945 l,7% 5,4%

Force: Eli Diniz, Empresdrio. Estado e Capitali.rmn no Brasil: 1930-1945, p. 67.

Examinemos agora as caracteristicas mais importantes do setor agricolae do setor industrial entre 1920 e 1940.

Mais uma vez, o period() que comega ern 1929-1930 aparece como muitorelevante. Naqueles anos, abriu-se a crise do cafe. , cujo papel na agriculturade exportagao comegou a declinar. A producio do algoddo cresceu, desti-nando-se tanto a exportagdo como a indtistria textil national. Entre 1929 e1940, a participagão do Brasil na area plantada de algoddo, em todo o mundo,aumentou de 2% para 8,7%. Nos anos 1925-1929, a participagdo dor café novalor total das exportagOes brasileiras era de 71,7%, e a do algodfto, de apenas2,1%. No periodo 1935-1939, a participagfto do café caiu para 41,7% e a doalgoddo aumentou para 18,6%.

Urn dado relevante indica a crescente significagdo das atividades ligadasao mercado interno. Trata-se do sensivel aumento na imporOncia relativa daprodugdo agricola para esse mercado. Arroz, feijfto, came, agticar, mandioca,milho e trigo passaram a representar, entre 1939 e 1943, 48,3% do valor daproducdo das lavouras. Em 1925-1929, nao iam alem de 36%.

As taxas de crescimento anual da inchlstria nos permitem entender me-Ihor o processo de industrializacfto posterior a 1930. Elas indicam um consi-deravel avango entre 1933 e 1939 e um fmpeto menor entre 1939 e 1945. Isso

significa que a indtistria se recuperou rapidamente dos anos de depressãoiniciados em 1929, apesar de não se poder falar de uma consistente polfticaindustrializante, por parte do governo. A nfto-renovagfto do equipamentoindustrial e as perturbagOes no comercio international, resultantes do infcioda Segunda Guerra Mundial, concorreram para que as taxas de crescimentocafssem entre 1939 e 1943. Lembremos porem que esse foi um periodoportante, do ponto de vista qualitativo, para a sustentagdo do processo deindustrializacão e sua expansfto no apOs-guerra.

E provavel que os investimentos miblicos de infra-estrutura tenhamcontribufdo para eliminar ou atenuar estrangulamentos serios. No setor dainchistria bisica, pela qual os capitais privados demonstraram pouco interessenos anos 30, a atuacdo do Estado em alguns casos (Volta Redonda, Cia. Valedo Rio Doce) foi decisiva. Gradativamente, a importüncia dos diferentes ramosindustriais foi se alterando entre 1919 e 1939. M indilstrias bisicas — meta-lurgia, mecanica, material eletrico e material de transporte — praticamentedobraram sua participacdo no total do valor adicionado da incistria. 0 valoradicionado representa a diferenga entre o valor da materia-prima e o valorfinal do produto, resultante do processamento industrial. As indtistrias tradi-cionais — principalmente textil, vestuftrios e calcados, alimentos, bebidas, fumoe mobilidrio apesar de constituirem ainda 60% do valor adicionado daindOstria, tiveram sua participacdo relativa diminuida, pois, em 1919, repre-sentavam 72% desse valor. 0 crescimento das indüsftias quimica e farmaceu-ilea — inclusive perfumaria, sabOes e velas — foi extraordinftrio, triplicandosua participacdo entre 1919 e 1939.

Esses dados indicam que a inch-Istria is se tornando mais diversificada ecom uma base capaz de sustentar avangos posteriores.

7.9.4. EoucAcAo

Vejamos, afinal, algumas indicagOes referentes ao setor educativo.Entre 1920 e 1940 houve algum declinio do indice de analfabetos, mas

esse indice continuou a ser muito elevado. Considerando-se a populagdo dequinze anos ou mais, o indice de analfabetos caiu de 69,9%, em 1920, para56,2% em 1940. Os ntimeros são indicativos de que o esforco pela expansfto

0 ESTADO GETUL1STA 391

Uma importante mudanca consistiu na reducao do significado da imi-gracao estrangeira e no crescente volume das migracOes internas. Os aconte-cimentos dos anos posteriores a 1929 tiveram bastante importencia na afir-mace.° dessa tendencia. A crise mundial e o dispositivo da Constituicao de1934, em que se estabeleciam quotas para o ingresso de imigrantes, concor-reram para a reduce.° do fluxo extemo, corn a excecao ja apontada dos ja-poneses.

Os deslocamentos internos da populace.° tiveram um sentido diferenteconforme a regiao. 0 Norte apresentou u ma elevada taxa negativa de migragaointerna (-13,72%), como resultado da crise da borracha. Foi, em grande me-dida, urn movimento de retorno de nordestinos para sua regiao de origem. 0Sul e o Centro-Sul como urn todo apresentaram, ao contrario, altas taxaspositivas (11,73%). E significativo lembrar que ate 1940 os migrantes para oSul provinham principalmente de Minas e nao do Nordeste. Considerando-seas unidades da federacao, o ndcleo de major atracao era o Distrito Federal. Amigragao para Sao Paulo se se tomou relevante a partir de 1933, contribuindopara ela a retomada do surto industrial e as restrigOes impostas a imigracaoestrangeira.

7.92. URBANIZACAO

Ate que ponto os deslocamentos de populacão e a entrada de imigrantesteriam afetado a taxa de urbanizacao, ou seja, o flamer° de habitantes queviviam em cidades?

Essa a uma questa() bastante controversa, a partir do pr6prio criteriorelativo do que se deva considerar cidade. Se considerarmos "cidade" asaglomeracOes com mais de 20 mil habitantes, constataremos que a proporcaoda populace.° total do pais vivendo em cidades diminuiu entre 1920 e 1940,apesar de seu Mild° crescimento em termos absolutos (Tabela 6).

E possivel que falhas do censo de 1920 tenham conduzido a esse resul-tado. De qualquer forma, podemos concluir que, se houve aumento da taxa deurbanizacao segundo o criterio apontado, eta foi reduzida. Parece assim queos migrantes nao se dirigiram em regra para as cidades, ou pelo menos paracidades de razoeveis proporcOes. Esta afirmativa pressuptie uma taxa de

Tabela 6. Brasil — Populacao Urbana das Cidades de 20 mil Habitantes e Mats1920 e 1940 (Populace() Total das RegiOes = 100)

Regido 1920 1940

Norte 15,6% 15,8%

Nordeste 10,1% 8,9%

Leste 14,5% 19,1%

Sao Paulo 29,2% 26,7%

Sul 14,6% 11,2%

Centro-Oeste 2,8% 1,8%

ram: Annibul Villanova Villela e Wilson Suzigan. Politico do Governo e Crescimento da Economia Brasileirm 1889-1945. p. 300.

crescimento vegetativo — ou seja, a diferenca entre nascimentos e mortes —equivalente, na cidade e no campo.

7.9.3. ECONOMIA

Costuma-se tomar a data de 1930 como marco inicial do processo desubstituicao de importacao de produtos manufaturados pela produce.° interna.Ha certo exagero nessa afirmativa, pois, como vimos, esse processo comecaranas decadas anteriores. Nao ha clOvida, porem, de que as dificuldades deimportacao decorrentes da crise mundial de 1929 e a existencia de uma in-

&Istria de base e de capacidade ociosa das indtistrias, principalmente no setortextil, impulsionarams o processo de substituicao.

Capacidade ociosa significa que as indtistrias tinham urn potencial deproduce.° acima daquilo que estavam produzindo. A palavra "processo" indicanao ter ocorrido uma brusca passagem de um Brasil essencialmente agrieola

para urn Brasil industrial.Tomando o indicador "ocupacao da populace.° economicamente ativa"

entre 1920 e 1940 chegamos mesmo a urn resultado surpreendente. Teriahavido uma reducao do 'Winer° relativo de pessoas empregadas na indtistria,de 13,8% para 10,3% do total. Esse a um exempto de como nao podemos nosfixar em um link° indicador. Se tomarmos o valor da producao agricola e da

390 HISTORIA DO BRASIL

388 HISTORIA DO BRASIL

0 ESTADO GETULISTA 389

Estado. Desse modo, o Estado encarnaria as aspiracOes de todo o povo e naoos interesses particulares desta ou daquela classe.

Ia-se definindo assim o populismo latino-americano, que teve raizes ematizes variados, de acordo corn o pais. Ern urn pais cuja estrutura de classesera bem mais articulada do que no Brasil, o peronismo foi levado a promovera organizacao sindical em maior profundidade; ao mesmo tempo, tratou decortar os interesses da classe dominante rural. No caso brasileiro, os apelossimbOlicos e as concessOes econOmicas as massas populares seriam a tOnicado getulismo, ou pelo menos do primeiro governo Vargas. 0 favorecimentoda burguesia industrial nao importaria tambem em choque aberto corn o setordominante no campo.

No curso de 1945, enquanto Gen"lio procurava se equilibrar no comandodo Estado, tentando uma politica populista, Perdn ensaiava os passos que oconduziriam a presidencia. Em outubro daquele ano, uma conspiracao militarlevou-o da vice-presidencia da Rept%lica a prisao. Uma enorme mobilizacaopopular, corn apoio em setores do Exercito, resultou, em apenas oito dias, nasua libertacao. Estava aberto o caminho para a vithria eleitoral peronista emfevereiro de 1946.

Temendo que o fenOmeno Per6n se repetisse no Brasil corn GettIli°, seusopositores trataram de apressar sua queda, contando corn a simpatia do go-verno americano. Nem o Gettilio dos meses mais recentes nem Per6n me-reciam a confianca dos Estados Unidos.

A DEPOSICAO DE VARGAS

A queda de Gettilio Vargas nao foi pore'm uma conspiracao externa, maso resultado de urn jogo politico complexo. Nao faltou tambem um fator de-sencadeante. A 25 de outubro, o chefe do governo realizou uma manobraerrada, ao afastar Joao Alberto do cargo estrategico de chefe de policia doDistrito Federal. Tanto mais que o substituto era urn irmao do presidente — otruculento Benjamin Vargas, mais conhecido como "Bejo".

A partir dal, o general Geis no Ministthio da Guerra mobilizou as tropasdo Distrito Federal. Dutra tentou inutilmente urn compromisso, pedindo aGettilio que revogasse a norneacao de seu irmao. 0 pedido foi recusado.

A final, a queda de Gettilio Vargas se fez a frio. Foreado a renunciar, elese retirou do poder fazendo uma declaracao ptiblica de que concordara cornsua saida. Nao chegou a ser exilado do pais, pois Ode retirar-se para SaoBorja, sua cidade natal. A transicao entre os dois regimes dependeu assim dainiciativa militar. Mais ainda, uma figura importante da Revolucao de 1930

que levara Gen-di° ao poder — o general G6is Monteiro tivera papel decisivona sua deposicao, quinze anos depths. Essas e outras circuntancias fizeramcorn que a transicao para o regime democratic° representasse nao uma rupturacorn o passado, mas uma mudanca de rumos, mantendo-se muitas conti-

nuidades.

7.9. AS MUDANCAS OCORRIDAS NO BRASIL ENTRE 1920 E 1940

Dois censos nacionais foram realizados em 1920 e em 1940. Eles nospermitem uma sintese das principals mudancas econOmicas e sociais ocorridas

no pais, nesses vinte abs.oExaminando o quadro socioecon8mico do Brasil em termos numericos

nesse espaco de tempo, constatamos a importancia dos anos 1929 e 1930 comodefinidores de uma nova conjuntura. Por outro lado, tendo em vista as defi-ciencias na coleta de informacties, a mudanca de criterios de urn censo paraoutro, lembremos que os mimeros adiante apresentados devem ser vistos comosimples indicagOes, e nao como espelho feel de uma realidade.

7.9.1. POPULACA.0

Entre 1920 e 1940, a populacäo brasileira passou de 30,6 milhOes dehabitantes a 41,1 milhOes. Os dois censos constataram quase urn equilibrio

entre populacao masculina e feminina.Tratava-se de uma populacao jovem, correspondendo os menores de vinte

anos a algo em torno de 54% do total, tanto ern 1920 como em 1940. Consi-derando-se as diferentes regiiies, em 1940 o Norte concentrava apenas 3,5% dapopulacao; o Nordeste, 32,1%; o Leste (Minas e Espirito Santo), 18,1%; oCentro-Sul, 26,2%; e o Sul (Santa Catarina e Rio Grande do Sul), 10,9%.

386

HISTORIA DO BRASIL

54. PCB. Prisioneiros politicos na Casa de C.orreedo, 1937.

partidos comunistas de todo o mundo deveriam apoiar os governs de seuspaises, integrantes da frente antifascista, fossem eles ditaduras ou demo-cracias. 0 Brasil näo so entrara na guerra contra o Eixo como, em abril de1945, estabeleceu relacOes diplomdticas corn a Unit) Sovietica, pela primeiravez em sua histOria.

Saindo da cadeia pouco apes o estabelecimento de relacOes com a UnidoSovietica e em consectilencia da decretacdo da anistia, Prestes confirmou oque o partido ji decidira sob sua influencii. Era precise estender a mao aoinimigo da vespera, em nome das "necessidades histOricas". Uma medida dogoverno no piano econOmico contribuiu tambern para aproximar os comunistasde GetOlio. A medida provocaria, ao mesmo tempo, uma serie de criticas daoposicio liberal e pressoes dos meios de negOcios americanos. Trata-se dodecreto-lei de junho de 1945, para ter vigéncia a partir de I s de agosto, emque se dispunha sobre os atos contrdrios A ordem econOrnica. Especialmentevisados cram os monopOlios e as priticas monopolistas com o objetivo deelevar os precos e impedir a concoreacia. Previa-se inclusive a desapro-

0 ESTADO GETULISTA 387

prindo pelo presidente da Reptiblica das empresas envolvidas em atos nocivosao interesse ptiblico.

Por outro lado, lembremos que as greves operdrias, reprimidas no EstadoNovo, comecaram a reaparecer em 1945. Os trabalhadores se mobilizavamgracas a gradativa restauracio das liberdades democraticas e pressionados peloagravamento da infiacdo, nos tiltimos anos da guerra. No curso do ano, oscomunistas trataram de (rear essas mobilizagOes. Segundo eles, a epoca näoera de greves, mas sim de "apertar os cintos", para nä° causar problemas aogoverno.

Em meados de 1945, uma iniciativa promovida pelos circulos trabalhistasligados a Gettilio, corn o apoio dos comunistas, mudou os rumos da sucessäopresidencial. Foi a campanha "queremista", assim chamada porque seu ob-jetivo se sintetizava na palavra de ordem "queremos Gettilio". Os "quere-mistas" sairam As ruas defendendo a instalacão de uma Assembleia NacionalConstituinte com Gettilio no poder. SO posteriormente deveriam ser realizadaseleicOes diretas para presidente, nas quaffs Gettilio deveria concorrer.

0 efeito causado pela campanha na oposicdo liberal e nos meios militaresfoi profundamente negativo. Parecia claro que Vargas pretendia manter-se nopoder como ditador ou presidente eleito, "fritando" no percurso os dois can-didatos ji lancados. 0 clima emocional da disputa se elevou quando, a 29 desetembro, o embaixador americano Adolph Berle, Jr. expressou sua confiancade que haveria eleicOes a 2 de dezembro de 1945. Embora aparentemente Berletenha lido antes sua fala ao pr6prio Gettilio, os "queremistas" denunciaram aintervened° americana e descreveram as eleicOes na forma prevista, como"manipulacdo dos reaciondrios".

0 POPULISMO

Por outro lado, acontecimentos ocorridos na vizinha Argentina reper-cutiram no Brasil. Desde a revolucdo de junho de 1943, crescia naquele pals ainfluéncia do coronet Juan Domingo Per6n. Peronismo e getulismo iriam seaproximar em muitos pontos. Ambos pretendiam promover no piano eco-nOmico urn capitalismo nacional, sustentado pela acão do Estado. Ambospretendiam no piano politico reduzir as rivalidades entre as classes, chamando

as massas populares e a burguesia nacional a uma colaboracão promovida pelo

0 ESTADO GETULISTA 385354 HIST0RIA DO BRASH-

Em torno de 1943, um grupo social importante emergiu na luta pelademocratizacao; ele era importante nao por seu nOmero, mas por seu prestigioe expressao simbOlica. Os estudantes universitatios comecaram a se mobilizarcontra a ditadura, organizando a Uniao Nacional dos Estudantes (UNE) e suassecOes estaduais. Em Sao Paulo, destacavam-se os academicos da Faculdadede Direito. Uma passeata realizada em dezembro de 1943, em que os estu-dantes caminhavam de bravos dados e com urn lengo na boca, simbolizando asupressao da palavra, foi dissolvida violentamente pela policia. Morreram duaspessoas e mais de vinte ficaram feridas, provocando uma onda de indignacdo.

0 governo procurou enfrentar as diferentes pressOes, justificando a con-tinuidade da ditadura pela existencia da guerra. Ao mesmo tempo, prometiarealizar eleigoes quando a paz voltasse. Uma jogada da oposicao liberalforcou, em fins de 1944, uma mudanca de atitude: o surgimento da candidaturado major-brigadeiro da Aeronautica Eduardo Gomes it presidencia da Repii-blica. 0 brigadeiro nao era uma figura qualquer. Militar da ativa, associavaseu nome ao tenentismo e aoisOdio emep_g,iladQsstItth

opscahana.Por sua vez, a imprensa cada vez mais burlava a censura, o que é um

indicador seguro da perda de forca dos regimes autoriterios. 0 Correio da

Manhei do Rio de Janeiro publicou a 22 de fevereiro de 1945 uma entrevistade Jose Americo, na qual o ex-ministro de Gettilio fazia criticas ao EstadoNovo e dizia que a oposicao ja tinha candidato. No dia seguinte, informavaao jornal 0 Globo aquilo que ninguem mais ignorava, ou seja, o nome docandidato.

A partir dense quadro, no dia 28 de fevereiro, Getulio baixou o chamadoAto Adicional a Carta de 1937, fixando, entre outros pontos, um prazo denoventa dias para a marcacao da data das eleicOes gerais. Exatamente noventa

dias depois, era decretado o novo Cddigo Eleitoral, que regulava o alistamentoeleitoral e as eleicetes. Estabelecia a data de 2 de dezembro de 1945 para aeleicao do presidente e de uma Assembleia Constituinte, e a de 6 de maio de1946 para a realizacdo dos pleitos estaduais.

A essa altura, Gettilio declarava que Liao se candidataria a presidenciada Reptiblica. Do interior do governo, nascia a candidatura do general Dutra,ainda ministro da Guerra, em oposicao a Eduardo Gomes.

FORMACZIO DOS PARTIDOS

No ano decisivo de 1945, surgiram tambem os nes principals partidosque iriam existir no period() 1945-1964. A antiga oposicio liberal, herdeira datradicao dos partidos democraticos estaduais, adversaria do Estado Novo,formou, em abril, a Uniao Democritica Nacional (UDN). A principio, a UDNreuniu tambem o Teduzido grupo dos socialistas democriticos e uns poucoscomunistas.

A partir da miquina do Estado, por iniciativa da burocracia, do preprioGettilio e dos interventores nos Estados, surgiu o Partido Social Democratic°(PSD), em junho de 1945.

Afinal, em setembro de 1945, foi fundado o Partido Traballtista Brasi-leiro (PTB), sob a inspiragao tambem de Getillio, do Ministerio do Trabalho eda burocracia sindical. Seu objetivo era o de reunir as massas trabalhadorasurbanas sob a bandeira getulista.

A UDN se organizou em torno da candidatura de Eduardo Gomes. 0PSD, em tomo da candidatura de Dutra. Marcando sua diferenca com mina°as duas outras agremiacOns, o PTB aparecia na cena politica sem grandesnomes e aparentemente sem candidato presidencial.

0 PCB E 0 "QUEREMISMO"

O calenderio de uma transichn pacifica sob o comando de Gettilio Vargasseria atropelado por uma seqiiencia de fatos e de diferentes percepcOes dosgrupos politicos envolvidos; tudo isso, no curso de alguns meses. A oposicdonao agradava a ideia de um processo de transicao para a democracia, enca-minhado pelo chefe de um governo autoriterio. De sua parte, Gettllio adotouum comportamento surpreendente aos olhos da oposicao liberal conservadorae das altas patentes militares. Percebendo a perda de sustentacao do regimena copula militar, tratou de se apoiar mais amplamente nas massas popularesurbanas. Isso foi tentado pela nä° do Ministerio do Trabalho, dos "pelegos"sindicais e pela iniciativa dos comunistas.

O apoio do PCB ao govemo Vargas consistiu em urn dos fatos maiscontrovertidos daqueles anos. Ele se explica por caracteristicas do PCB esobretudo pela orientacão vinda de Moscou. Ai se tratou a diretiva de que os

382 HISTORIA DO BRASIL 0 ESTADO GETULISTA 383

equipamento econettlico e militar do Brasil, como condicao de apoio aosEstados Unidos.

Em fins de 1941, tropas americanas estacionaram no Nordeste. 0 primei-ro semestre de 1942 foi marcado por urn clima ambfguo apesar da ocorrenciade duas decisOes de importancia: em janeiro daquele ano, nao obstante asreticencias de Geis Monteiro e de Dutra, o Brasil rompeu relacees corn o Eixo;em maio, Brasil e Estados Unidos assinaram um acordo politico-militar, decarater secreto.

Entretanto, os americanos demoravam a entregar encomendas de equi-pamento militar porque consideravam que boa parte da oficialidade brasileiraera simpatizante do Eixo. A indefinicao foi superada quando, entre 5 e 17 deagosto de 1942, cinco navios mercantes brasileiros foram afundados porsubmarinos alemaes. Sob pressao de grandes manifestacees populares, o Brasilentrou na guerra ainda naquele mes. 0 alinhamento brasileiro ao lado da frenteantifascista se completou com o envio de uma forca expedicionaria — a FEB —para lutar na Europa, a partir de 30 de junho de 1944. A FEB nao foi umainiciativa imposta pelos Aliados. Pelo contrail°, consistiu ern uma decisao dogoverno brasileiro, que teve de superar as restriciies dos americanos e a francaoposicio dos inglese y Alguns dirigentes desses dois parses consideravamproblematic° integrar tropas brasileiras, com sucesso, ao esforco de guerra.

Mais de 20 mil homens lutaram na Italia, sob o comando do generalMascarenhas de Morals, ate o fim do conflito naquele pats, a 2 de maio de1945, poucos dias antes do termino da guerra. Morreram ern combate 454brasileiros que foram enterrados no cemiterio de Pistoia. Em 1960, as cinzasdos soldados mortos foram tranladadas para o Monumento aos Mortos daSegunda Guerra Mundial, erguido no aterro da Gloria, no Rio de Janeiro. Avolta dos "pracinhas" da FEB ao Brasil, a partir de maio de 1945, provocouum grande entusiasmo popular, contribuindo para acelerar as pressees pelademocratizacao do pais.

0 FIM DO ESTADO NOVO

0 Estado Novo foi arquitetado como urn Estado autoritario e moderni-zador que deveria durar muitos anos. No entanto, seu tempo de vida acabousendo curto, pois nao chegou a oito anos.

0 que teria ocorrido?0 esultaram mais • o Brasil no quadro__ -

aiimtganulgitasionalutoskesIg condicOes politicas interns do pals.Essa insercao impulsionou as oposicifies e abriu caminho a divergéncias nointerior do governo. Apes a entrada do Brasil na guerra e os preparativos paraenviar a FEB a Italia, personalidades da oposicao comecaram a explorar acontradicio existente entre o apoio do Brasil as democracias e a ditadura deVargas. A primeira manifestacao ostensiva nesse sentido foi o Manifesto dosMineiros, datado de 24 de outubro de 1943. Nao por acaso a data comemoravaa vitOria da Revolucao de 1930. Com isso, os assinantes do manifesto queriamdemonstrar que nao pretendiam voltar as präticas politicas existentes na Pri-meira RepOblica, assinalando, ao mesmo tempo, sua percepeao de que aRevolugao de 1930 fora desviada de seus objetivos democraticos.

O manifesto era assinado por figural importantes da elite de Minas, comoAfonso Arinos e Virgilio de Melo Franco, o ex-presidente Bernardes, MiltonCampos, Pedro Aleixo, Odilon Braga. Em uma linha liberal, propunha ainstalacao no Brasil de um verdadeiro regime democratico, "capaz de darseguranca econOmica e bem-estar ao povo brasileiro".

No 'ambito do governo, pelo menos uma figura se mostrou francamentefavoravel a uma abertura democrätica. Era o ministro das RelacOes Exte-fiores, Osvaldo Aranha, urn intim° de Getelio Vargas. Em agosto de 1944,Aranha foi escolhido para ser vice-presidente da Sociedade dos Amigos daAmerica. A sociedade reunia civis e militares da oposicao, sendo presididapelo velho general positivista Manuel Rabelo, interventor em Sao Paulo nocomeco dos anos 30. 0 chefe de policia Coriolano de G6is mandou fechar aentidade antes que Aranha fosse empossado. Em resposta, ele pediu demissaodo ministerio.

Fato mais grave foi o gradativo afastamento do Estado Novo de um deseus idealizadores e sustentâculos militates. Convencido de que o regime naosobreviveria aos novos tempos, o general Geis Monteiro abandonou na mesmaepoca o cargo que ocupava em Montevideo como embaixador do Brasil, juntoao Comae de Emergencia e Defesa Politica da America, regressando ao Brasil.Geis iria para o Ministerio da Guerra, em agosto de 1945, muito mais paraencaminhar a saida de Gettllio do que para tentar garantir sua permanéncia nopoder.

380 HISTORIA DO BRASIL 0 ESTADO GETUL1STA 381

0 periodo 1934-1940 caracterizou-se pela crescente participacao daAlemanha no comercio exterior do Brasil. Ela se tornou a principal compra-dora do algodao brasileiro e o segundo mercado para o cafe. Foi sobretudo nosetor de importagOes que a influencia alema cresceu. Em 1929, 12,7% dasimportacees brasileiras vinham da Alemanha e 30,1% dos Estados Unidos;em 1938, os alemaes chegaram a superar ligeiramente os americanos, corn25% das importacees contra 24,2%. Naquele mesmo ano de 1938, lam paraos Estados Unidos 34,3% e para a Alemanha 19,1% das exportacaes bra-sileiras. As transacees corn a Alemanha cram atraentes nao s6 para certosgrupos exportadores como tambem para aqueles que defendiam a necessidadede modemizar e industrializar o pats. Os alemaes acenaram sempre com apossibilidade de romper a linha tradicional do comercio exterior das grandesnacties, oferecendo material ferrovidrio, bens de capital etc.

Alguns fatores, por outro lado, pesavam negativamente no comercio corna Alemanha: o Reich insistiu sempre no comercio em moeda nao-conversivel,os chamados "marcos de compensacao", procurando transformar as transactiescorn o Brasil em acordos bilaterais que afastassem outros concorrentes. Osrepresentantes alemaes buscavam controlar todo o comercio, impondo quotas,preso para os produtos e o valor de seus marcos de compensacao.

Os Estados Unidos adotaram uma politica combinada de pressao e cau-tela diante do avanco da Alemanha. Grupos econ8micos americanos — in-vestidores, banqueiros, importadores — desejavam a adocao de represaliascontra o Brasil. Roosevelt preferiu evitar medidas extremas que poderiamlevar o Brasil a aliar-sea Alemanha ou a seguir um caminho nacionalistaradical. Em circulos do governo e na area econOmica chegou a existir umaclara opcao pelo maior entendimento corn os Estados Unidos ou corn a Ale-manha. Osvaldo Aranha, embaixador em Washington a partir de 1934, eValentim Boucas, representante da IBM no Brasil, alinharam-se no campoamericano; elementos da copula militar, como Dutra e Geis Monteiro, revela-ram simpatia pela Alemanha. Olavo Sousa Aranha, urn empresdrio paulistacorn interesses em algodao, café, exportacao de minerio de ferro e carvao, erao "Boucas alemao".

Apes o golpe de 1937, saudado corn entusiasmo na Alemanha e na Italia,a linha pragmatica nao se modificou. Os mi ['tares pressionaram por urn enten-dimento corn os alemaes e obtiveram urn grande contrato para o fornecimento

de artilharia, com a Krupp, ern marco de 1938. Mas, pouco antes, Vargasmostrara sua disposicao de 'tar) promover alteracOes essenciais na politicaexterna, ao nomear Osvaldo Aranha para o Ministerio do Exterior.

Paradoxalmente, apesar de certa afinidade ideolOgica, que poderia faci-litar a maior aproximacao com os alemaes, as relacOes entre Brasil e Alemanhasofreram urn abalo em 1938. Nesse ano, o regime estabilizou-se, eliminandoda cena politica a tinica forca que ainda escapava ao seu controle: o inte-graksmo. Ao mesmo tempo que marcava sua distincia corn o fascismo na-cional, o Estado Novo investia contra os grupos nazistas existentes no Sul dopats. Urn agente alemao, lider do Partido Nazista no Rio Grande do Sul, foipreso. 0 embaixador da Alemanha foi declarado persona non grata e viu-seforgado a deixar o Brasil. Depois, superou-se o atrito, mas suas marcas fi-

caram.A eclosao da Segunda Guerra Mundial foi mais importance do que a

implantacao do Estado Novo para a definicao dos rumos da politica externabrasileira. 0 bloqueio ingles levou ao recuo comercial da Alemanha na Ame-rica Latina, mas a Inglaterra nao tinha condigOes de se aproveiror dense vazio.Emergiu entao corn mais forea a presenca americana. Antes mesmo de come-car a guerra, Roosevelt ja se convencera de que ela se daria em escala mondiale envolveria os Estados Unidos. Essa perspectiva levou os estrategistas ame-ricanos a ampliar o que consideravam o circulo de seguranca do pats, incluindoa America do Sul e em especial a "saliencia" do Nordeste brasileiro. Osamericanos se lancaram tambem ern uma ofensiva politico-ideolOgica, aopromover, entre outras iniciativas, as Conferencias Pan-americanas, em tornode urn objetivo comum: a defesa das Americas, independentemente do regimepolitico vigente ern cada pats, sob o comando dos Estados Unidos. No pianoeconamico, os americanos trataram de estabelecer uma politica bastante con-servadora. Seu interesse maior voltou-se para materiais estrategicos, como aborracha, o minerio de ferro, o manganes etc., tentando obter o controle decompra desses materials.

A resposta brasileira a esse conjunto de iniciativas consistiu em se apro-ximar cada vez mais do "colosso do norte", procurando extrair vantagens danova situacao. A entrada dos Estados Unidos na guerra, ern dezembro de 1941,forcou uma definicao. Gettilio Vargas comecou a falar mais claramente alinguagem do pan-americanismo, enquanto insistia ao mesmo tempo no re-

378 HISTORIA DO BRASIL0 ESTADO GETULISTA

379

0 SERVICO PUBLIC°

0 servico ptiblico na Primeira Reptiblica ajustou-se a politica clientelista.Salvo raras excecOes, ndo existia o concurso, e os quadros especializados serestringiam a uma pequena elite. 0 Estado Novo procurou reformular a admi-nistracdo ptiblica, transformando-a em urn agente de modernizacdo. Buscou-se criar uma elite burocratica, desvinculada da politica partiddria e que seidentificasse corn os princfpios do regime. Devotada apenas aos interessesnacionais, essa elite deveria introduzir criterios de eficienciao economia eracionalidade.

A principal instituicão responsive! pela reforma da administracdo pu-blica foi o Departamento Administrativo do Servico Ptiblico (DASP), previstona Carta de 1937 e criado por um decreto-lei de julho de 1938, como 6rgdoligado a presidencia da Reptiblica. 0 decreto-lei deu ao DASP poderes bastanteamplos, incluindo a instituiedo de um controle central sobre o pessoal e omaterial, assim como a responsabilidade de dar assistancia ao presidente nareview das propostas legislativas. Na realidade, pretendia o decreto que oDASP fosse um superministerio, com papel importante na distributed° dosgastos governamentais. Ndo chegou a tanto, porem, porque o ministro daFazenda sobretudo se op8s fortemente a uma diminuicao de seus poderes.

Do ponto de vista do recrutamento do pessoal, houve urn relativo esforcopara estabelecer uma carreira em que o merito fosse a qualificacdo basica parao ingresso. Esse criterio abriu oportunidades para profissionais de classemedia, mas a sua utilizacdo teve muitas restricOes. A prdpria legislagdo e arealidade se encarregaram de limitar a possibilidade de forma* de urn grandeestrato burocratico, submetido a regras formais de ingresso e promoedo, deacordo corn o merit°.

Na copula do aparelho burocritico, a maioria das indicacOes continuoua ser feita de acordo com as preferencias do presidente da Reptiblica ou deseus ministros, para os chamados cargos de confianca, cujos ocupantes podiamser demitidos a qualquer tempo. A escolha dependia de um minimo de habi-litagdo, porem ndo era feita necessariamente dentre os elementos da carreirado servico ptiblico.

Ao mesmo tempo, a par it de 1936, uma lei estabeleceu a separacfro dosservidores ptiblicos em duas categorias principais: funcionarios priblicos e

extranumerarios. Os primeiros deviam prestar concurso ptiblico de ingressona carreira e tinham assegurados varios direitos relativos ao salad°, aposen-tadoria etc. 0 pessoal extranumerdrio era admitido teoricamente por prazodeterminado, para a realizacdo de certos servicos, dependendo a admissdo deconexOes politicas ou pessoais. A criacao dessa categoria representava umcompromisso corn os criterios do passado e se destinava as posicOes inter-mediarias ou de menor importancia no servico mitotic°.

Com a criagio do pessoal extranumerario, o Estado manteve as relacOesclientelistas corn um grande setor da massa urbana. A esse respeito, lembremosque a taxa de crescimento da urbanizacao foi maior do que a da industria-Liza*, gerando o problema do emprego nas grandes cidades. 0 recrutamentode pessoal sem concurso serviu assim como urn canal para absorver fovea detrabalho nao-qualificada.

A POLITICA EXTERNA

Ao tratar da politica externa, devemos comecar fazendo uma ressalva:limits-la aos marcos do Estado Novo dificultaria bastante sua compreensdo.Ela pode ser mais bem entendida considerando-se globalmente o perfodo1930-1945. Os alinhamentos e realinhamentos resultaram da interacao deposicOes entre o Brasil e as grandes potencias, sendo o Estado Novo apenasurn dos elementos dessa interagao. A crise mundial acentuou o declinio dahegemonia inglesa e a emerencia dos Estados Unidos. Isso se deu, sobretudo,a partir do momento em que as medidas do presidente Roosevelt, de combatea crise, comecaram a surtir efeito. Ao mesmo tempo, surgiu outro competidorna cena internacional — a Alemanha nazista, a partir de 1933. A Alemanhainiciou uma politica de influencia ideolOgica e de competiedo corn seu rivaisna America Latina.

Diante desse quadro, o governo brasileiro adotou uma orientagao prag-

matica, isto 6, tratou de negociar .com quern the oferecesse melhores condicOese procurou tirar vantagem da rivalidade entre as grandes potancias. Por exem-plo, em 1935, assinou o acordo comercial corn os Estados Unidos a que jdfizemos referencia; no ano seguinte, assinou outro com a Alemanha, quevisava principalmente a exportacdo de algoddo, cafe, citricos, couros, tabaco

e carnes.

376 HISTORIA DO BRASIL

vinha desde seus primeiros tempos, quando em 1931 surgiu o DepartamentoOficial de Publicidade. Em 1934, foi criado no Ministerio da Iustica o Depar-tamento de Propaganda e Difusao Cultural, que funcionou ate dezembro de1939. Nessa data, o Estado Novo constituiu urn verdadeiro ministerio dapropaganda (o famoso DIP — Departamento de Imprensa e Propaganda), dire-tamente subordinado ao presidente da Repiiblica, que escolhia seus principalsdirigentes. 0 DIP exerceu funceies bastante extensas, incluindo cinema, radio,teatro, imprensa, "literatura social e politica", proibiu a entrada no pals de"publicacties nocivas aos interesses brasileiros"; agiu junto a Imprensa es-trangeira no sentido de se evitar que fossem divulgadas "informaciies nocivasao credit() e a cultura do pals"; dirigiu a transmissäo didria do programaradiofOnico "Flora do Brasil", que iria atravessar os anos como instrumentode propaganda e de divulgacao das obras do governo.

0 Estado Novo perseguiu, prendeu, torturou, forcou ao exilio intelectuaise politicos, sobretudo de esquerda e alguns liberais. Mas nao adotou umaatitude de perseguicties indiscriminadas. Seus dirigentes perceberam a im-portancia de atrair setores letrados a seu servico: cat6licos, integralistas,autoritarios, esquerdistas disfarcados ocuparam cargos e aceitaram as vanta-gens que o regime oferecia. Eram homens com histdrias diversas, como Azeve-do Amaral, jornalista e autor de urn livro significativo, 0 Estado Autoritarioe a Realidade Nacional; Almir de Andrade, advogado e jornalista, diretor darevista Cultura Politica; o poeta Cassiano Ricardo, ocupante de postos bu-rocraticos; Oliveira Viana, importante sociOlogo e consultor juridico do Mi-nisterio do Trabalho.

Nas varias manifestacOes dirigidas ao grande ptiblico ou nas paginas depublicacOes como Cultura Politica, destinadas a um circulo mais restrito, oEstado Novo procurou transmitir sua versa° da hist6ria do pals. No ambito dahist6ria mais recente, ele se apresentava como a conseqUencia lOgica daRevolt,* de 1930. Fazia um code radical entre o velho Brasil desunido,dominado pelo latiftindio e pelas oligarquias, e o Brasil que nasceu coin arevolucao. 0 Estado Novo feria realizado os objetivos revolucionlrios, pro-movendo atraves da busca de novas raizes, da integracao nacional, de umaordem ndo dilacerada pelas disputas partiddrias a entrada do Brasil nos temposmodernos.

0 ESTADO GETULISTA 377

53.7" de Maio. attar produzido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), durante o

Estado Novo.

374 litS70RIA DO BRASIL 0 ESTADO GETULISTA 375

meiras reuniam pelo menos cinco sindicatos em Ambito estadual; as filtimas,pelo menos tees federacOes, em Ambito nacional.

Em junho de 1940, foi criado o imposto sindical — instrumento basic°de financiamento do sindicato e de sua subordinacao ao Estado. IXimpostoconsiste em uma contribuicao anual obrigatdria, correspondente a um dia detrabalho, paga por todo empregado, sindicalizado ou nao. Caberia ao Bancodo Brasil efetuar a arrecadacao, destinando-se 60% ao sindicato, 15% a fe-deracao, 5% a confederacao e 20% ao Fundo Social Sindical. 0 dinheiro doFundo Social Sindical foi freqiientemente utilizado como uma "verba se-creta" para financiar ministerios e, mais adiante, campanhas eleitorais. 0imposto sindical deu suporte a figura do "pelego". A expressao deriva de umde seus significados. "Pelego" e uma cobertura de pano ou couro colocadasob a sela de urn animal de montaria para amortecer o choque produzido pelomovimento do animal no corpo do cavaleiro. A ideia de amortecedor se mos-trou bastante adequada. "Pelego" passou a ser o dirigente sindical que nadirecao do sindicato atua mais no interesse prdprio e do Estado do que nointeresse dos trabalhadores, agindo como amortecedor dos atritos. Sua exis-tencia foi facilitada na medida em que nao precisava atrair ao sindicato umagrande massa de trabalhadores. 0 imposto garantia a sobrevivencia da orga-nizacao, sendo o ntimero de sindicalizados, sob esse aspecto, urn fator deimportancia secundaria.

Para decidir as questries trabalhistas, o govern organizou, em maio de1939, a Justica do Trabalho, cuja origem eram as Juntas de Conciliacao eJulgamento. A sistematizacao e ampliacäo da legislacao trabalhista se deu corna Consolidacäo das Leis do Trabalho (CLT), em junho de 1943.

No campo da politica salarial, o Estado Novo introduziu uma importanteinovacao. Desde a Constituicao de 1934, previa-se que a lei estabeleceria urnsalario minima, capaz de satisfazer as necessidades do trabalhador, conformeas condicOes de cada regiao. Mas somente em maio de 1940 surgiu um de-creto-lei nesse sentido. 0 pais foi dividido ern varias regi6es e estabeleceu-seuma escala variavel de acordo corn as peculiaridades regionais. Na capitalfederal — onde o indice era mais elevado — o minimo foi fixado em 240 mitreis mensais. 0 safari° medio pago no pais, segundo o censo de 1940, era de205 mil-reis, o que indica a melhora salarial representada pelo estabelecimentode urn salad() minimo. Em urn primeiro momento, de fato, quando da fixacao

inicial, o salad° minima correspondia a seus objetivos expressos. Foi corn ocorrer dos anos que se deteriorou, ate converter-se em uma importancia irri-sOria, muito distante de suas finalidades ex pressas.

A construcao da imagem de Get('lio como protetor dos trabalhadoresganhou forma pelo recurso a varias cerimOnias e ao emprego intensivo dosmeios de comunicacao. Dentre as cerimOnias, destacam-se as comemoracOes

de I s de maio, realizadas a partir de 1939 no estadio do Vasco da Gama, emSao Januatio — o major estadio do Rio de Janeiro na epoca. Somente em 1944as comemoracOes se deslocaram para o Pacaembu, em Sao Paulo. Nessesencontros, que reuniam grande massa de operarios e o povo em geral, Getdlioiniciava seu discurso corn o famoso "Trabalhadores do Brasil" e anunciavaalguma medida muito aguardada de alcance social.

A partir de janeiro de 1942, o novo ministro do Trabalho, AlexandreMarcondes Filho — um advogado paulista que na decada de 1920 fora filiadoao PRE comecou a utilizar sistematicamente o radio como instrumento deaproximacao entre o governo e os trabalhadores. Ele fazia palestras semanaisna "flora do Brasil", ao que parece com boa audiencia. Netas contava ahistOria das leis sociais, apresentava casos concretos e se dirigia as vezes aaudiencias determinadas: os aposentados, as mulheres, os pais de menoresoperarios, os migrantes etc. Com estes e outros elementos se construiu a figurasimbOlica de GettRio Vargas como dirigente e guia dos brasileiros, em especialdos trabalhadores, como amigo e pai, semelhante na escala social ao chefe defamilia.

0 guia e pai doava beneficios a sua gente e dela tinha o direito de esperarfidelidade e apoio. Os beneficios nao eram fantasia. Mas sua grande ren-tabilidade politica se Cleve a fatores sociais e a eficacia da construcao simbOlicada figura de Gehllio Vargas, que ganhou forma e conteddo no curso do EstadoNovo.

0 CONTROLE DA OPINIAO POBLICA

0 regime de 1937 nao se dirigiu apenas aos trabalhadores na construcaode sua imagem. Tratou de formar uma ampla opinião pdblica a seu favor, pelacensura aos meios de comunicacao e pela elaboracao de sua prOpria versa() dafase histdrica que o pais vivia. A preocupacao do governo Vargas nesse sentido

372 HISIORIA DO BRASIL

parte uma resposta a atitude da United States Steel. Seja como for, nos pri-meiros meses de 1940, Gen.lio e o Departamento de Estado americano ten-taram ainda encontrar uma formula de entendimento corn a empresa, semalcancar exito. Depois, a solucan sob controle do Estado tornou-se vitoriosa.

Ao contrario do ago, o desenvolvimento de uma indastria petrolifera naoera uma questa° premente nos anos 30. As importagOes de petrOleo s6 seampliaram depois da Segunda Guerra Mundial e por muito tempo nao causa-ram maiores problemas ao balanco de pagamentos. Alem disso, ate meadosde 1939, quando se descobriu petrOleo no Estado da Bahia, a instalagao deuma inchlstria petrolifera parecia restrita as refinarias. Mesmo depois da des-coberta, a produgdo foi insignificante e as dividas quanto as reServas per-maneceram ate os anos 50. Por essas rathes, as divergencias a respeito dapolitica do petrOleo eram maiores do que no caso do ago, e o preprio Exercitoesteve bem mais dividido. De qualquer forma, partiram dale as principalsiniciativas nessa area.

A partir de 1935, alguns industrials brasileiros comegaram a se interessarpela instalagao de refinarias. Isso levou a Standard em 1936, a Texaco, aAtlantic e a Anglo-Mexican/cm 1938, a propor a instalagao de grandes refi-narias no pals. Iniciaram,se as discussOes em torno das °Kees possiveis e apolitica de intervengao do governo se assentou corn um decreto-lei, de abrilde 1938, que nacionalizava a inchistria de retina*, do petrOleo importado oude produgao nacional. A nacionalizacdo significava que o capital, a direcäo ea gerencia das empresas deveriam ficar nas moos de brasileiros. Nao cor-respondia portanto ao monopOlio estatal. 0 mesmo decreto criou o ConseihoNacional do PetrOleo (CNP), constituido de pessoas designadas pelo presidenteda Republica, representando os varios ministórios e os grupos de interesse.Os setores do Exercito favoraveis a uma orientagao que amptiasse o controledo Estado dominou o CNP, entre 1938 e meados de 1943. Esse foi o periodode gestäo do engenheiro militar general Horta Barbosa. Suas tentativas deestabelecer grandes refinarias estatais falharam. 0 CNP foi bloqueado pelosgrupos de interesse, por ministros como Sousa Costa e pelo prOprio GenIli°.No curso da guerra o organ foi obrigado a voltar sua atengao para a estocagem,racionamento e distribuicao, diante da ameaca de escassez.

A politica americana no setor do petrOleo foi diversa da seguida no setordo ago, pois defendeu os interesses das grandes empresas que tradicionalmente

0 ESTADO GETEILISTA 373

controlavam a area. Pressionado por vanes lados, Horta Barbosa demitiu-seem meados de 1943, quando se iniciou UM period() em que os interessesprivados foram dominantes. Na realidade, as realizagOes do Estado Novo nosetor petrolifero foram reduzidas. Nem por isso deixaram de ser importantes,sob dois aspectos. De um lado, a politica do CM' bloqueou as iniciativas dasgrandes empresas estrangeiras, ainda que nao conseguisse uma resposta al-ternativa as suas propostas. De outro, a agao do general Horta Barbosa repre-sentou um ponto de apoio e uma referenda para os grupos que nos anos 50pressionariam pela adogäo de uma linha semelhante a sua, vitoriosa corn a

oda*, da Petrobras, em outubro de 1953.No campo financeiro, o Estado Novo procurou fixar-se dentro de con-

cepgOes conservadoras, encamadas pelo ministro da Fazenda Sousa Costa,que Getiilio manteve no cargo praticamente durante todo o periodo. A neces-sidade levou porêm a algumas medidas drasticas, ainda que consideradassempre excepcionais. Para enfrentar a crise no balango de pagamentos, Getaliosuspendeu logo apes o golpe o servigo da divida externa, decretou o monope-1M da venda de divisas e imp6s um tributo sobre todas as operagOes cambiais.0 controle do comercio exterior permaneceu; quanto a divida externa, chegou-se a urn entendimento coin os credores e o pagamento foi reiniciado em 1940,apesar das resistencias dos militares, que temiam que o servico da dividaviesse a reduzir os investimentos pilblicos.

A POLITICA TRABALH1STA

A politica trabalhista do Estado Novo pode ser vista sob dois aspectos:o das iniciativas materiais e o da criagao da imagem de Gettilio Vargas comoprotetor dos trabalhadores. Quanto ao primeiro aspecto, o governo levouadiante e sistematizou präticas que vinham desde o inicio da decada de 1930.A legislagdo inspirou-se na Carta del Lavoro, vigente na Italia fascista. A Cartade 1937 voltou a adotar o principio da unidade sindical, que nunca tinha sidoabandonado na pratica. A greve e o lockout, ou seja, a greve patronal, foramproibidos. Em agosto de 1939, um decreto-lei estabeleceu as linhas da orga-nizae5o sindical, tornando o sindicato ainda mais dependente do Estado.Tambem se reforgou a estrutura sindical vertical, ja existente na lei de 1934.Estabeleceram-se assim as federadies e confederagiies de sindicatos: as pri-

370 DIATOM DO BRASIL

ricanos. Apesar das pressOes de Simonsen e Lodi no sentido de impedir aratificaceo do tratado, ou pelo menos conseguir sua modificacao, o Congressoo aprovou por inteiro. GehlIto interveio na disputa para facilitar a aprovaceo.Aparentemente, isso se deu porque o embaixador americano assinalou semrodeios que, caso o acordo nao fosse aprovado, a isenceo de direitos deimportacâo de café brasileiro nos Estados Unidos poderia ser revista.

&Tarter de novembro de 1937, o Estado embarcoucom major decisdoem uma politica de substituir importacees pela produce° interna e de es-tabelecer uma inthistria de , base. Os defensores dessa perspectiva ganharamforca, tanto pelos problemas criticos do balance de pagamentos, que vinhamdesde 1930, como pelos riscos crescentes de uma guerra mondial, que imporia,como realmente impOs, grandes restricees as importacees.

Ate 1942, a politica de substituicdo de importacOes se fez sem urn pla-nejamento geral, considerando-se cada setor como um caso especifico. Emagosto desse ano, corn a entrada do Brasil na guerra e o prosseguimento doconflito, o governo tomou a si a supervisao da economia. Coin esse fim, crioua Coordenacao de Mobilizacao EconOmica, dirigida pelo antigo tenente JoaoAlberto.

0 incentivo a industrializacao foi muitas vezes associado ao naciona-lismo, mas Gettilio evitou mobilizar a nage° ern uma cruzada nacionalista. ACarta de 1937 reservava aos brasileiros a exploracao das minas e quedas-d'agua. Determinava que a lei regularia a sua nacionalizacâo progressive,assim como a das indtistrias consideradas essenciais It defesa ecomemica oumilitar. Dispunha tambem que s6 poderiam funcionar no pais bancos e corn-panhias de seguros cujos acionistas fossem brasileiros. Concedia-se as empre-sas estrangeiras um prazo, a ser fixado por lei, para que se transformassemern nacionais.

Essas normas estiveram sujeitas a varies decretos-leis que expressarama pressão dos diferentes grupos e a ausencia de uma orientacão estrita porparte do governo. As empresas de energia eletrica, por exemplo, nee foramtocadas e em outubro de 1941 Gettilio negou-se a aceitar urn projeto de decretodeterminando que, ate agosto de 1946, os bancos e empresas de segurosdeveriam estar em mks de nacionais. A pr6pria solucão estatal para o casodo ago nä° resultou de cheques, mas de urn acordo corn o governo americano,como a seguir veremos.

0 ESTADO GETULISTA 371

Os cases do ago e do petreleo Sao particularmente significativos para secompreender a politica de investimentos estatais na indtistria de base. Cada

UM deles teve tratamento diverse por parte do governo. A histOria da im-plantacio inicial da grande indOstria sidertirgica se contem nos limites doEstado Novo; quanto ao petrtileo, a histOria se prolonga e encontra urn des-fecho na segunda presidencia Vargas.

A implantageo da Usina de Volta Redonda e a forma de sua constituicdoficaram definidas em julho de 1940. Ela foi financiada por crOditos ame-ricanos, concedidos pelo Export-Import Bank, e por recursos do governobrasileiro. Seu controle ficou nas maim de uma empresa de economia mista, aCompanhia Sidertirgica Nacional, organizada em janeiro de 1941. Essa solu-car) nä° resultou de uma clara definicao do governo, desde o inicio do EstadoNovo, nem houve na miquina governamental urn pensamento uniforme acercado assunto. Os diferentes grupos concordavam apenas em reconhecer a neces-sidade de ampliar e diversificar a produce° de ago. A expanse° dos servicesde transporte, a instalacao de uma inchistria pesada dependiam da solugeo doproblema; alem disso, as importacOes de ago representavam urn peso cadavez major para urn balanco de pagamentos continuamente desfavorivel.

Os grupos privados e o pr6prio Getliho inclinavam-se por uma associa-cao corn capitais estrangeiros, alemdes ou americanos. A major presser) nosentido de se instalar uma indilstria fora do controle externo vinha das ForcasArmadas. E importante observar porem que os militares tido tiveram condicOesde impor imediatamente a soluceo final alcancada. Pelo centred°, durante oano de 1939, os entendimentos do governo brasileiro com a United StatesSteel Corporation dominaram a cena, e urn piano chegou a ser estabelecidopara a instalacão de uma inthistria da qual participariam a empresa americana,grupos privados e o governo brasileiro.

A desistencia da United States Steel, em janeiro de 1940, a urn episedioainda nä° inteiramente esclarecido. A verse° oficial da empresa referiu-se "agrande incerteza nos assuntos brasileiros" e a possibilidade dos interessesestrangeiros serem alvo de ataques, tornando demasiado arriscada a operageo.Essa afirmativa parece revelar o previo conhecimento de estudos para urn novoCedigo de Minas, que entrou em vigor em 29 de janeiro de 1940, em que seproibia a participacdo de estrangeiros na mineracao e metalurgia. E dificildizer, entretanto, ate que ponto isso ocorreu, ou se o COdigo de Minas foi em

368 HISTORIA DO BRASIL 0 ESTADO GETULLSTA 369

7.8.3. 0 APARELHO DO ESTADO

No comando do Estado, o poder pessoal de Gettilio representava a ins-táncia decisiva nastessIncik.s..fundamentais. Para chegar a essas resolucOesele ouvia urn circulo formado por amigos intimos, elementos da Casa Civil eda Casa Militar e ministros de Estado. As relagOes de confianga entre opresidente e seus ministros eram muito grandes. Entre margo de 1938, quandoOsvaldo Aranha entrou no Minist6rio do Exterior, e junho de 1941, nao houveuma s6 mudanca no ministerio. Gettilio mantinha relaeOes prOximas nao como ministerio como um corpo coletivo, mas com cada urn de seus elementos.Seus contatos coin os ministros eram individuais e as reuniOes conjuntas sedavam no miximo uma vez por Wes.

Ja nos referimos ao grande papel desempenhado pelas Forgas Armadas.Sua influencia se exerceu atraves dos virios organismos tOcnicos que pro-liferaram no Estado Novo, atravOs dos estados-maiores e do Conselho deSeguranga Nacional (CSN). A atribuicio dada ao CSN de estudar todas asquestOes relativas a seguranga nacional foi tomada em sentido amplo. Cornisso, o conselho assumiu urn papel importante nas decisOes econOmicas.

As Forgas Armadas foram as responsaveis pela instalagao de uma in-ddstria estatal do ago, apesar de nem todas as recomendagOes de seus repre-sentantes terem sido acolhidas. No setor do petrdleo, o Conselho Nacional doPetrfileo, criado em julho de 1938, como Orgdo especial da presidancia daReptiblica, ficou nas maos do general Horta Barbosa. Mesmo assim, suasdecisoes estavam sujeitas a veto militar, alias nunca utilizado. Alain disso, ogoverno aprovou os pianos militares para a compra de armas, que incluiam aartilharia fornecida pela empresa alema Krupp, navios de guerra da Gra-Bre-tanha e da Italia, armas de infantaria da Tchecoslovaquia e aviOes dos Estados,Unidos.

. Embora o poder formal e informal das Forgas Armadas fosse muitoextenso, seria errOneo imaginar que ele fosse absoluto. Os militares naodesejavam e nem tinham condigOes para substituir simplesmente as elites civis.Isso ja ficara claro no moment() do golpe. 0 ponto de vista favoravel a can-didatura militar nao tivera maior expressao e mesmo o envolvimento ostensivodo ExOrcito no epis6dio foi evitado pelo ministro da Guerra, ao impedir quehomens do ExOrcito fossem empregados na operagão de fechar o Congresso.

No correr do Estado Novo, Gettilio nao foi um simples instrumento deurn poder de decisào que estaria em maos dos militares. Apesar de sua grandeinfluOncia, as Forgas Armadas Tao constituiam um grupo monolitico, corn urnprograma definido nos ;Tinos setores da politica estatal. Sua coesão era dadapelo acordo em torno de urn objetivo geral: a modernizacao do pais pela viaautoritaria. Mas os pontos de vista militares, no que diz respeito as relacOescorn as grandes poténeias e a urn projeto de desenvolvimento econOmico cornmaior ou menor autonomia, variavam de acordo corn os grupos e as incli-nagries pessoais.

0 presidente podia assim manipular as pretensOes do ExOrcito e coor-deni-las corn os interesses mais geniis do governo. Podia tambem enfrentar acdpula militar, quando necessario. Vejamos dois exemplos, em momentosdiversos. Quando, logo apds o golpe de 1937, Gettllio tomou a decisao deinterromper o pagamento do servico da divida, mobilizou o apoio dos mi-litares, colocando a decisào nos seguintes termos: ou pagamos a divida externaou reequipamos as Forgas Armadas e o sistema de transportes.

Anos mais tarde, no inicio de 1942, a decisdo de Getiilio de solidarizar-se corn os Estados Unidos, apes o ataque japones a Pearl Harbour, provocoureservas por parte dos generals Dutra e G6is Monteiro. Ambos apresentaramdemissio, recusada pelo presidente. Segundo o subsecretario de Estado ame-ricans Sumner Welles, Gettilio chegou a dizer aos dois militares que contavacorn o povo e nao precisava das Forgas Armadas para conter atividades sub-versivas.

A POUTICA ECONOMICO-FINANCEIRA

A politica e,conOmico-financeira do Estado Novo representou uma mu-danca de orientagdo relativamente aos anos 1930-1937. Nesse primeiro perio-do, nao houve uma linha clara de incentivo ao setor industrial. 0 governoequilibrou-se entre os diferentes interesses, inclusive agrarios, sendo tambeinbastante sensivel as presstaes extemas. Em setembro de 1935, por exemplo, oExecutivo assinou urn tratado de comOrcio corn os Estados Unidos, sujeito aratificagdo pelo Congresso. Apoiado pelo setor agrario de exportagao, o acordorecebeu fortes criticas dos empresarios industrials, Eles alegavam que a in-dOstria brasileira ficaria desprotegida, na concorrOncia corn os produtos ame-

plebiscite nem as eleigaes para o Partemente. Os governadores dos Estadosse transformaram em interventores, e na maioria dos casos foram substituides.0 estado de emergéncia nao foi revogado.

0 Estado Novo concentrou a major soma de poderes ate aquele momentoda histOria do Brasil independente. A inclinagao centralizadora, revelada desdeos primeiros meses apes a Revolagao de 1930, realizou-se plenamente. OsEstados passaram a ser governados por interventores, des pi-epees contro-lados, a partir de urn decreto-lei de abril de 1939, por urn departamentoadministrative. Esse departamento era uma especie de substitute das Assem-b18ias estaduais, pois o orgamento e todos os decretos-leis dos interventoresdependiam de sua aprovagao para serem expedidos.

A escolha dos interventores obedeceu a diferentes crit8ries. Parentes deGettIli° (seu genro Amaral Peixoto, no Estado do Rio), militates (o antigotenente Cordeiro de Farias, no Rio Grande do Sul) receberam a designagao.De urn modo geral, porem, nos maiores Estados algum setor da oligarquiaregional foi contemplado. Em Minas Gerais, Benedito Valadares permaneceuno poder; Agamenon Magalhaes foi durante certo tempo interventor em seuEstado (Pernambuco) e, em Sao Paulo, o estilo surpreendente dos primeirosanos da clacada de 1930 tamb8m lido se repetiu. Os trés interventores entre1937 e 1945 provieram da elite regional, e dois deles tinham sido membrosdo PRP.

7.8.2. ESTADO E SOCIEDADE

A centralizagao do Estado nao significa que ele se descolou da sociedade.A representagao dos diversos interesses sociais mudou de forma mas naodeixou de existir. Ate novembro de 1937, esses interesses se expressavam noCongresso atraves, principalmente, dos deputados classistas e, fora dele,atrav8s de alguns Orgaos governamentais.

A partir do Estado Novo, desaparecu a representagao via Congresso,reforgando-se a que se fazia nos Orgdos técnicos, no interior do aparelho doEstado. Urn exemplo expressivo 6 o do Conseiho Federal de Comercio Exte-rior (CFCE). 0 CFCE foi criado em 1934, com o objetivo de centralizar apolitica de comercio exterior. Corn o tempo, seu ambito de atuaglo seria

ampliado, tranformando-se em urn Orgdo de assessoria do governo, nas maisvariadas questaes de politica econamica; ele acabou se constituindo tambemem uma das principals vies de acesso ao poder por parte dos grupos privados,especialmente os industrais.

Podemos sintetizar o Estado Novo sob o asnectosocioeconamico do que representou uma alianca da burocracia civil e militar e da burguesiaindt.Sislsittjaalajesdiato era o de promover a industrializagaodopaissem grandes abalos sociais. A burocracia civil defendia o programade industrialize* por considerar que era o caminho para a verdadeira in-depend8ncia do pais; os militares porque acreditavam que a instalacao de umaindastria de base fortaleceria a economia — urn componente importante deseguranga nacional; os industriais porque acabaram se convencendo de que oincentivo a industrializagao dependia de uma ativa intervengao do Estado.

A aproximagat entre a burguesia industrial e o governo Vargas ocorreuprincipalmente a partir de 1933, ap6s a derrota da revolugao paulista. Ela sefez sobretudo atrav8s da Federagao das Indastrias do Estado de Sao Paulo(FIESP), dirigida por Roberto Simonsen, da Confederacao Nacional da In-ch-Istria, sob o comando de Euvaldo Lodi, e da Federagao Industrial de Minas,dirigida por Americo Giannetti. A alianga desses setores nao significa iden-tidade de °pinkies. Ao confide° dos tecnicos governamentais, a burguesiaindustrial era menos radical no apoio ao intervencionismo do Estado e naenfase contra o capital estrangeiro. Ela reivindicava principalmente medidasno setor de amble e das tarifas sobre as importagOes que resultassem emprotegao da indastria instalada no pais.

E significative observar que o crescente interesse do governo Vargas ernpromover a industrializagao do pals, a partir de 1937, refletiu-se no campoeducational. Embora o ministro Capanema tenha promovido uma reforma doensino secundirio, sua major preocupagao se concentrou em organizar oensino industrial. Urn decreto-lei de janeiro de 1942 instituiu a Lei Organicado Ensino Industrial, com o objetivo de preparar mao de obra fabril qua-lificada. Pouco antes, surgira o Service Nacional de Aprendizagem Industrial(Senai), destinado ao ensino profissional do menor operario. Subordinado aoMitasterio da Educagao, o Senai ficou sob a diregao da Confederagao Nacionalda Inchistria.

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HISTORIA 00 BRASIL

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O fato a que de obra de ficcao o documento foi trans formado em rea-lidade, passando das maos dos integralistas a Sputa do Exercito. A 30 desetembro, era transmitido pela "Flora do Brasil" e publicado em pane nosjornais.

Os efeitos da divulgacao do Plano Cohen foram imediatos. Por maioriade votos, o Congresso aprovou as pressas o estado de guerra e a suspensaodas garantias constitucionais por noventa dias. 0 comandante da I1I RegiaoMilitar, general Daltro Filho, decretou a federalizacao da Brigada Militar rio-grandense. Sem condiclies de resistir, Flores da Cunha abandonou o cargo eexilou-se no Uruguai (18 de outubro de 1937).

Em fins de outubro, o deputado Negrao de Lima percorreu os Estadosdo Norte e do Nordeste para garantir o apoio dos governadores ao golpe. Eleera portador de uma carts do govemador mineiro Benedito Valadares, emnome de Gen'lio, na qual se anunciava que a sauna° politica nao comportavaa realizacao de eleicOes, sendo ainda necessatio dissolver a Camara e o Se-nado. A proposta recebeu o apoio dos governadores corn excecao de JuraciMagalhaes, da Bahia, e Carlos de Lima Cavalcanti, de Pernambuco. Somentea 9 de novembro a oposicao se mobilizou. Armando de Salles Oliveira lancouum manifesto aos chefes militares, apelando para que impedissem a execucaodo golpe. 0 gesto so serviu para apressar o golpe. Sob a alegacao de que otexto estava sendo distribuido nos quartais, Gettilio e a copula militar deci-diram antecipar o golpe, marcado para o dia 15 de novembro.

7.8. 0 ESTADO NOVO

No dia 10 de novembro de 1937, tropas da policia militar cercaram oCongresso e impediram a entrada dos congressistas. 0 ministro da Guerra —general Dutra — se opusera a que a operacao fosse realizada por forcas doExercito. A noite, Gettilio anunciou uma nova fase politica e a entrada emvigor de uma Carta constitucional, elaborada por Francisco Campos. Era oinfcio do Estado Novo.

0 Estado Novo foi implantado no estilo autoritario, sem grandes mobi-lizacOes. 0 movimento popular e os comunistas tinham sido abatidos e naopoderiam reagir; a classe dominants aceitava o golpe como coisa inevitavel e

ate benefica. 0 Congresso dissolvido submeteu-se, a ponto de oitenta de seusmembros nem levar solidariedade a Gettilio, a 13 de novembro, quando varios

de seus colegas estavam presos.Restavam os integralistas, que haviam apoiado o golpe e esperavam ver

Plinio Salgado no Ministerio da Educacao — urn degrau importante na escala-da para o poder. Getalio cortou suas esperangas. Em maio de 1938, urn grupode integralistas assaltou o Palacio Guanabara, residencia do presidente, natentativa de depO-lo. Os assaltantes acabaram sendo cercados e no choquecom a guarda varios deles morreram, aparentemente fuzilados nos jardins do

palacio.

7.8.1. A CARTA DE 1937 E A CENTRALIZACAO

Seria engano pensar que o Estado Novo representou um torte radicalcom o passado. Muitas de suas instituiclies e priticas vinham tomando formano period° 1930-1937. Mas a partir de novembro de 1937 etas se integrarame ganharam coerencia no ambito do novo regime.

Uma leitura superficial da Carta de 1937 nao nos daria a chave do EstadoNovo. Seu corpo continha muitos dispositivos que nunca foram aplicados. 0segredo estava nas "disposicOes finais e transitOrias". 0 presidente da Repd-blica al recebia poderes para confirmar ou nao o mandato dos governadoreseleitos, nomeando interventores nos casos de nao-confirmagao. A Constituicaoentrava em vigor imediatamente e devia ser submetida a um plebiscito na-tional. 0 Parlamento, as Assembleias estaduais e as Camaras Municipais eramdissolvidas, deverao realizar-se eleigOes para o Parlamento somente depoisdo plebiscito. Enquanto isso, o presidente tinha o poder de expedir decretos-lei em todas as materias de responsabilidade do govern federal. 0 artigo 186das "disposicOes finais e transiterias" declarava em todo o pats o estado deemergencia, suspendendo assim as liberdades civis garantidas formalmentepela prdpria Carta constitucional. Outro preceito transitOrio, mais tarde pro-longado indefinidamente, autorizava o govern° a aposentar funcionarios civise militares, "no interesse do servico pablico ou por conveniencia do regime".

Na realidade, o presidente ficaria durante todo o Estado Novo com opoder de governar atraves dos decretos-leis, pois nao se realizaram nem o

362 111370RIA DO BRASIL

Ao mesmo tempo, criaram-se Orgdos especificos para a repressao. Emjaneiro de 1936, o ministro da Justica anunciou a formagâo da ComissaoNacional de Repressao ao Comunismo, encarregada de investigar a parti-cipagao de funciondrios pdblicos e outras pessoas em atos ou crimes contra asinstituiedes polfticas e sociais. 0 poder da policia da capital federal e de seuchefe — o antigo tenente Filinto Muller — aumentou bastante. Gettilio elogiouintimeras vezes o trabalho de seu colaborador que, apesar de subordinado aoMinisterio da Justica, se comunicava corn ele diretamente.

A criacão de urn Orgao judiciario especifico, estritamente subordinadoao governo, era uma medida necessaria para garantir a punicao dos presos,sem grande consideracao pelos princIpios juridicos vigentes. Corn esse ob-jetivo, o Congresso aprovou uma lei que institufa o Tribunal de SegurancaNacional, que comecou a funcionar em fins de outubro de 1936. A principio,esse tribunal se destinava apenas a julgar os comprometidos na insurreicao de1935, mas acabou se transformando em urn Orgao permanente, que existiudurante todo o Estado Novo, instituido em 1937.

AS CANDIDATURAS PARA AS ELE1C0ES DE /938

Em fins de 1936 e nos primeiros meses de 1937, definiram-se as can-didaturas a sucessão presidencial, nas eleickies previstas para janeiro de 1938.0 Partido Constitucionalista, formado pelo PD e alguns menores, lancou onome de Armando de Salles Oliveira. Flores da Cunha apoiou o candidato etentou sem 8xito unir a elite paulista, servindo como intermediario. 0 PRPfora reconstituido e se aproximava de Getillio.

Foi escolhido como candidato oficial o paraibano Jose Amdrico de Al-meida. Conhecido como "tenente civil", Josd Amdrico tinha sido ministro deViacao e Obras Priblicas do governo Vargas. 0 candidato oficial contava corno apoio da maioria dos Estados do Nordeste e de Minas Gerais, alem dossetores prd-Vargas em sao Paulo e no Rio Grande do Sul. Por Ultimo, surgiu acandidatura de Plinio Salgado, pelos integralistas.

A abertura da disputa politica facilitou urn afrouxamento das medidasrepressivas. Por ordem do ministro da Justica, Jose Carlos de Macedo Soares,cerca de trezentas pessoas foram soltas em junho de 1937. 0 novo pedido deprorrogagao do estado de guerra deixou de ser concedido pelo Congresso.

0 ESTADO GETULISTA 363

Entretanto, Gettilio e o circulo dos intimos tido se dispunham a abandonar opoder, tanto mais que nenhuma das fres candidaturas tinha sua confianga. Jos6Americo inclinara-se cada vez mais a realizar uma campanha populista, apre-sentando-se como "candidato do povo" e denunciando a exploracdo impe-rialista. Um observador prOximo ao governo chegou a dizer que a questa°social estava no centro da campanha presidencial, corn o risco de o Brasilconverter-se em uma Espanha. Ele se referia a Guerra Civil Espanhola entre

fascistas e republicans, em curso naqueles anos.Urn obstaculo a interrupgao do processo eleitoral vinha de uma parte

das elites regionais. Rio Grande do Sul, Sao Paulo e Bahia tinham ftrmadourn pacto para garantir a legalidade, mas isso nao representava muita coisa.Nao era possivel — como no passado — organizar os Estados como blocos atecerto ponto coesos, pois suas forcas internas estavam divididas. A disposicaoem oferecer resisténcia armada contra urn golpe, a respeito do qual se falavaaberiamente, restringia-se a Flores da Cunha, no Rio Grande do Sul.

Ao longo de 1937, para aparar possiveis dificuldades, o governo inter-veio em alguns Estados e no Distrito Federal. Na capital da Reptiblica, des-tituiu o prefeito Pedro Ernesto, que gozava de grande popularidade, acusando-o de estar associado a extinta ANL. No Exêrcito, varios oficiais legalistas

foram afastados dos comandos militares.

0 PLANO COHEN

Faltava pordm um pretexto para reacender o clima golpista. Ele surgiucorn o Plano Cohen, cuja verdadeira histdria tern ate hoje muitos aspectosobscuros. Urn oficial integralista — o capita() Olimpio Moult Filho — foisurpreendido, ou deixou-se surpreender, em setembro de 1937, datilogra-fando no MinistOrio da Guerra um piano de insurreicao comunista. 0 autordo documento seria urn certo Cohen — nome marcadamente judaico — quepoderia ser tambem uma corruptela de Bela Khun, bider comunista Iningaro.Aparentemente, o "piano" era uma fantasia a ser publicada em urn boletimda Agao Integralista Brasileira, mostrando como seria uma insurreigao co-munista e como reagiriam os integralistas diante dela. A insurreigao pro-vocaria massacres, saques e depredagdes, desrespeito aos tares, incendios de

igrejas etc.

360 HISTORIA DO BRASIL

combate aos socialistas, chamados de social-fascistas, contribuindo corn istopara a vitdria do nazismo na Alemanha, a Internacional Comunista comecaraa mudar de orientacan, em meados de 1934. A nova linha se tornou vitoriosano VII Congresso da organizaclio, iniciado em Moscou em fins de julho de1935. 0 congresso considerou que a crise mundial abalara o capitalismo emseus fundamentos, mas permitira, ao mesmo tempo, a consolidacdo do fas-cismo. Para defender a Unilo Sovietica diante da ameaca fascista, justificava-se a forma* de frentes populares, em cada pats capitalista. A ANL seria oexemplo de uma frente popular adaptada as caracteristicas do chamado mundosemicolonial, reunindo virios setores sociais dispostos a enfrentar o fascismoe o imperialismo. Ao mesmo tempo, a ulna.° da ANL foi facilitada pelatransformacdo que ocorreu no PCB, a partir do ingresso de Prestes no partido,em agosto de 1934. A organizacilo deixou de ser um pequeno agrupamentodirigido essencialmente a classe opertia para se converter em um organismomais forte do ponto de vista numeric° e corn uma composicäo social maisvariada. Entraram para o PCB os militares seguidores de Prestes e membrosda classe media. A tematica nacional passou a predominar sobre a tematica declasse, coincidindo com a orientacäo vinda da Internacional Comunista.

Em pouco meses, a ANL ganhou bastante projecio. Calculos conser-vadores indicam que em julho de 1935 ela contava com 70 mil a 100 milpessoas. Na conducao do movimento, seus dirigentes oscilaram entre a ten-tativa de consolidacdo de uma alianca de classes e a perspectiva de insurreicaopara a conquista do poder. Pelo menos nas palavras, esta Ultima se reveloumais forte. Na comemoracdo do 5 de julho de 1935, Carlos Lacerda leu urnmanifesto de Prestes que se encontrava clandestino no Brasil, o qual apelavapela derrubada do "governo odioso" de Vargas e a tomada do poder por umgoverno popular, nacional e revoluciondrio.

A TENTATIVA DE GOLPE COMUNISTA

0 governo que ja vinha reprimindo as atividades da ANL obteve umaexcelente raido para fechi-la. Isso ocorreu por urn decreto de 11 de julho de1935. Dal para a frente, enquanto se sucediam muitas pris6es, o PCB comecouos preparativos pan uma insurreicio. Eles resultaram na tentativa do golpemilitar de novembro de 1935.

0 ESTADO GETULISIA 361

Em si mesmo, o levante de 1935 — que lembra as revoltas tenentistas da&Cada de 1920 — foi um fracasso. Comecon a 23 de novembro no Rio Grandedo Norte, antecipando-se a uma iniciativa coordenada a partir do Rio deJaneiro. Uma junta de governo tomou o poder em Natal por quatro dias, ateser dominada. Seguiram-se rebeliOes no Recife e no Rio, esta Ultima de maio-res proporcOes. Houve al um confronto entre os rebeldes e as forcas legais do

qual resultaram varias mortes, ate a rendicao.0 que teria levado a Internacional Comunista, controlada pelas russos, a

embarcar na aventura de novembro de 1935, quando aparentemente a estrate-gia de frentes populates ja estava estabelecida?

Ao que tudo indica, a tentativa de golpe no Brasil representava o cantode cisne da linha politica anterior. Ela foi alentada pelas informacOes fanta-siosas dos comunistas brasileiros, dando conta da existencia de urn clima pre-revolucionfirio no pals. A influencia dos metodos tenentistas pesou tambern

na de'cis-ao.

A REPRESSA 0

0 episOdio de 1935 teve serias conseqiiencias, pois abriu caminho paraamplas medidas repressivas e para a escalada autoritäria. 0 fantas ma docomunismo internacional ganhou enormes proporcOes, tanto mais porqueMoscou havia enviado ao Brasil alguns quadros dirigentes estrangeiros — comoo alemäo Berger, o argentino Ghioldi — para ajudar nos preparativos da insur-reicio. Hoje se sabe que um desses enviados, supostamente um belga, co-nhecido como Leon Vallee, era na realidade um agente sovietico. Ele seinstalou no Rio e assumiu o controle dos recursos enviados por Moscou.

Durante o anode 1936, o Congresso aprovou todas as medidas excepcionaissolicitadas pelo Poder Executivo. Anteriormente, no curso da insurreicdo, a 25de novembro de 1935, o governo pedira a decretacdo do estado de sitio, porsessenta dias; um grupo de deputados procurou restringir o decreto as zonasconflagradas, mas foi derrotado. 0 estado de guerra, a que foi equiparado oestado de sitio, seria sucessivamente prorrogado, ate junho de 1937. Em marcode 1936, a policia invadiu o Congresso e prendeu cinco parlamentares, que ti-nham apoiado a ANL ou simplesmente demonstrado simpatia por ela. 0 Congres-so aceitou a justificacio para as prisOes e autorizou o processo contra os presos.

358 HISTORIA DO BRASIL0 ESTADO GETUUSTA 359

7.7.3. 0 FORTALECIMENTO DO EXERCITO

0 fortalecimento das Forcas Armadas, especialmente do Exercito, foiuma das caracteristicas mais importantes dos anos 1930-1945. Ele se deu tantoem ntimero de efetivos quanto em reequipamento e posigOes de prestigio.Comparativamente, as forcas pdblicas estaduais perderam terreno. Seria equi-vocado pensar porem que o Exercito surgiu nos primeiros meses apes a Re-voila° de 1930 como uma forca coesa. Nao s6 o tenentismo era um problemamas tambem a existencia na ativa de muitos integrantes da alta hierarquia,simpaticos a Reptiblica Velha. 0 prOprio chefe militar da revolucdo, GeisMonteiro, tinha apenas o posto de tenente-coronel. Foi necessdrio dar-lhe trespromocöes em pouco mais de urn ano para conduzi-lo ao generalato.

A Revolucdo de 1932 contribuiu para a depuragdo do Exercito. Naqueleano, 48 oficiais foram exilados, entre eles sete generals. No fim de 1933, 36dos quarenta generais na ativa tinham sido promovidos ao posto pelo novogoverno. Assim se consolidou um grupo leal a Gettilio Vargas, onde se des-tacaram duas figuras: G6is Monteiro e Eunice Gaspar Dutra. Geis era umformulador da politica do Exercito e Dutra, o principal executor. Os doismonopolizaram os principals cargos militares depois de 1937: G6is foi chefede estado-maior de 1937 a 1943; Dutra foi ministro da Guerra de 1937 a 1945,quando se afastou para concorrer A presidencia da Repiiblica, sendo substituidopor G6is Monteiro. G6is esteve tambern it frente do Ministerio da Guerra entre1934 e 1935. A lealdade do novo grupo no comando do Exercito ao govemoVargas, apesar de arranhada por alguns epis6dios, ndo se quebrou ate 1945.

7.7.4. 0 PROCESSO Po[Imo (1934-1937)

0 ano de 1934 foi marcado por reivindicacees operdrias e pela fermen-tacäo em areas de classe media. Uma set :le de greves explodiu no Rio, em SãoPaulo, em Belem e no Rio Grande do Norte, destacando-se as paralisacOes nosetor de services: transportes, comunicagOes, bancos. As campanhas contra ofascismo ganharam impeto, culminando corn urn violento choque entre anti-fascistas e integralistas em Sao Paulo, em outubro de 1934. 0 governo res-pondeu propondo ao Congresso, no inicio de 1935, uma Lei de Seguranca

Nacional (LSN). A proposta provocou manifestacOes de protesto de sindicatose alguns jornais. Urn grupo de oficiais do Exercito e da Marinha reuniu-se noClube Militar e condenou a medida, "que iria aumentar a repressdo As classespopulares". Significativamente, o grupo apelava para as tradicees e os mdrtiresdo tenentismo.

Com o apoio dos politicos liberais, o Congresso aprovou urn substitutivoao projeto da LSN que se converteu em lei, a 4 de abril de 1935. A lei definiuos crimes contra a ordem politica e social, incluindo entre eles: a greve defunciondrios ptiblicos; a provocacdo de animosidade nas classes armadas; aincitacão de Odio entre as classes socials; a propaganda subversiva; a orga-nizacdo de associacOes ou partidos com o objetivo de subverter a ordempolitica ou social, por meios ndo permitidos em lei.

A ALIANCA NACIONAL LIBERTADORA

Paralelamente a discussdo da LSN, os comunistas e os "tenentes" deesquerda muito prOximos a eles, aliados a grupos menores, preparavam olancamento da Alianca Nacional Libertadora (ANL), que veio a pdblico noRio de Janeiro, a 30 de marco de 1935. Nessa ocasido, um jovem estudante dedireito — Carlos Lacerda — leu o manifesto do movimento e indicou para serseu presidente de honra Luis Carlos Prestes, escolhido por aclamagdo. Napresidencia ostensiva da ANL ficou o capita° da Marinha Hercolino Cascardo,que em 1924 liderara a revolta do encouracado Seto Paulo. Depois da Revo-lucdo de 1930, Cascardo tinha sido interventor no Rio Grande do Norte e umdos alvos preferido das elites do Centro-Sul, que o acusavam, ja antes de 1932,de defender o "socialismo integral".

0 programa basic° da ANL tinha rented& nacionalista, sendo curiosoobservar que nenhum de seus cinco itens tratava especificamente dos problemasoperdrios. Eram eles a suspensdo definitiva do pagamento da divida externa; anacionalizacdo das empresas estrangeiras; a reforma agrdria; a garantia dasliberdades populares; e a constituicdo de um governo popular, do qual poderiaparticipar "qualquer pessoa na medida da eficiencia de sua colaboraclo".

A formacdo da ANL se ajustou A nova orientacdo dada ao PCB que vinhada Internacional Comunista (I.C.), organizacdo que em Moscou determinava

a linha do movimento comunista. Depois de sustentar uma orientacdo de

356 HISTORIA DO BRASIL

tornou meta colOnia da Casa Rothschild. Sinagoga Paulista, tambem de suaautoria, é urn exemplo tipico de ideologia nazista. Barroso arremete contra "aconspirack judaica ou judaizante da plutocracia paulista", denunciando gros-seiramente figuras da elite de Sho Paulo, como os Mesquita, Jose MariaWhitaker, Roberto Simonsen, as familias Lafer e Klabin.

O integralismo foi muito eficaz na utilizack de rituals e simbolos: oculto da personalidade do chefe nacional, as cerimanias de adesdo, os desfilesdos "camisas-verdes", ostentando bracadeiras corn a tetra grega sigma (E),utilizada na matematica como simbolo de somatetia.

O recrutamento dos dirigentes nacionais e regionais da AIB se fez prin-cipalmente entre profissionais urbanos de classe media e, em menor grau, entreos militares. 0 quadro a diverso quando analisamos as otigens sociais dedirigentes e militantes das organizacks menores, de Ambito local, nas quaispredominavam funcionarios pnblicos, corn cerca de 40% dos efetivos, equi-librando-se a seguir os profissionais e membros das camadas populares, erntorno de 20%.

O integralismo atraiu para suas fileiras urn mimero considerkel deaderentes. Estimativas moderadas, calculam esse miner° entre 100 mil a 200mil pessoas no periodo do auge (fins de 1937), o que nao é pouco, consi-derando-se o baixo grau de mobilizacdo politica existente no pats.

Integralistas e comunistas se enfrentaram mortalmente ao longo dos anos30. Os dois movimentos tinham entretanto pontos ern comum: a critica aoEstado liberal, a valorizacho do partido ilnico, o culto da personalidade dolider. NO° por acaso houve certa circulacio de militantes que passaram deuma organizacho para a outra. Seria erremeo, porem, pensar que a guerta entreos dois grupos resultou de urn mal-entendido. Na realidade, des mobilizaramsentimentos muito diversos. Os integralistas baseavam seu movimento emtemas conservadores, como a familia, a tradicho do pais, a Igreja Cat()Ilea. Oscomunistas apelavam para concepches a programas que eram revolucionarios,em sua origem: a luta de classes, a critica as religkies e aos preconceitos, aemancipacio nacional obtida atraves da luta contra o imperialism° e a reformaagraria. Essas diferekas cram mais do que suficientes para produzir o an-tagonismo entre os dois movimentos. Alóm disso, eles refletiam a oposicäoexistente na Europa entre seus inspiradores: o fascismo de urn lade e o comu-nismo soviêtico de outro.

0 ESTADO GET(IIJ5TA 357

7.7.2. 0 AUTORITARISMO E A MODERNIZACAO CONSERVADORA

Sem o mesmo colorido mas com maior efickia, ganhou forca, no Brasildos anos 30, a corrente autoritaria. 0 pachlo autoritario era e e uma marca dacultura politica do pats. A dificuldade de organizacio das classes, da formacãode associacOes representatives e de partidos fez das solucOes autoritärias umaatracao constante. Isso ocorria nao s6 entre os conservadores convictos comoentre os liberais e a esquerda. Esta tendia a associar liberalismo com o dominio

das , oligarquias; a partir dal, nao dava muito valor a chamada dernocraciaformal. Os liberais contribuiam para justificar essa visão. Temiam as reformassocials e aceitavam, ou ate mesmo incentivavam, a interrupcio do jogo demo-cratic° toda vez que ele parecesse ameacado pelas forcas subversivas.

Devemos distinguir porem entre o padrho autoritario geral e a correnteautoritaria, em sentido ideoldgico mais preciso. A corrente autoritaria assumiucorn toda conseqiihncia a perspectiva do que se denomina modernizagdo con-servadora, ou seja, o ponto de vista de que, em um pats desarticulado como oBrasil, cabia ao Estado organizar a nacào para promover dentro da ordem odesenvolvimento econOrnico e o bem-estar geral. 0 Estado autoritario poriafim aos conflitos sociais, as lutas partiddrias, aos excesses da liberdade deexpressdo que so serviam para enfraquecer o pats.

Havia tracos comuns entre a corrente autoritaria e o integralismo tota-

litario, mas eles nä° eram identicos. Qintegralismo _pretendia alcancar seus

objetivos atraves de urn partido que mobilizaria as massas descontentes e

tomaria de assalto o Estado. A corrente autoritaria nä.° apostava no partido e

sim no Estado; nao acreditava na mobilizaclo em grande escala da sociedade,mas na clarividencia de alguns homens. Para eta, no limite, urn partido fascistalevaria a crise do Estado; o estatismo autoritario, ao contrario, conduziria aoseu reforco. Pela prOpria natureza de suas concepches, podemos perceber queos autoritarios se localizavam no interior do Estado. Al tiveram sua expressaomaior na copula das Forgas Armadas. Falamos da "clipula" a nao dos "te-nentes" porque estes, apesar de autoritarios, quebravam urn principio bdsicoda organizack estatal — o principio da hierarquia no ambito das instituiches

militares.

354

HISTORIA DO BRASIL

51. Casal integralista.

0 ESTADO GETULISTA

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52. Capa da revista integralista Panorama.

352 HISTORIA DO BRASIL

0 ESTADO GETUIJSTA 353

seguranga nacional. 0 primeiro dales tinha intengees nacionalistas na partereferente a economia. Previa a nacionalizagan progressiva das minas, jazidasminerals e quedas-d'agua, julgadas bisicas ou essenciais a defesa econOmicaou militar do pals. Os dispositivos de carater social asseguravam a pluralidadee a autonomia dos sindicatos, dispondo tambern sobre a legislaglo trabalhista.Esta deveria prayer no mfnimo: proibigäo de diferenga de sallrios para urnmesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;salfirio minimo; regulamentagio do trabalho das mulheres e dos menores;descanso semanal; ferias remuneradas; indenizacao na despedida sem juntacausa.

No titulo referente a familia, educagao e cultura, a Constituicio estabe-lecia o principio do ensino primario gratuito e de freqüência obrigatOria. 0ensino religioso seria de freqUencia facultativa nas escolas pilblicas, sendoaberto a codas as confissoes e nâo apenas a catOlica.

Aparecia pela primeira vez o terra da seguranga nacional. Todas asquestOes referentes a ela seriam examinadas pelo Conselho Superior de Segu-ranga Nacional, presidido pelo presidente da Repiiblica e integrado pelosministros e os chafes dos estados maiores do Exercito e da Marinha. 0 servigomilitar foi considerado obrigatOrio, uma norma ja existence na Primeira Repti-blica mas que pouco funcionara na pratica.

A 15 de julho de 1934, pelo voto indireto da Assembleia Nacional Cons-tituinte, Gettilio Vargas foi eleito presidente da Reptiblica, devendo exercer omandato ate 3 de maio de 1938. Dal para a frente, haveria eleigOes diretaspara a presidencia.

7.7. A GESTACAO DO ESTADO NOVO

Parecia enfim que o pals iria viver sob um regime democratico. Entre-tanto, pouco mais de tres anos apOs ser promulgada a Constituicao, o golpedo Estado Novo frustrou essas esperancas. Concorreram para o desfecho gru-pos situados no interior do governo, em especial no Exercito, as vacilaciiesdos liberais e a irresponsabilidade da esquerda. Para entender essa conjuntura,devemos ampliar nosso foco de analise e recuar no tempo.

A partir do fim da Primeira Guerra Mundial, os movimentos e ideiastotalitirios e autoritirios comegaram a ganhar forga na Europa. Em 1922,Mussolini assumiu o poder na HAW.; Stalin foi construindo seu poder absolutona Unlit° Sovietica; o nazismo se tomou vitorioso na Alemanha, em 1933. Acrise mundial concorreu tambem para o desprestigio da democracia liberal.Esse regime estava associado no piano econOmico ao capitalismo. 0 capita-lismo que prometera igualdade de oportunidades e abundincia cafra em urnburaco negro, do qual parecia incapaz de livrar-se. Em vez de uma vidamelhor, trouxera empobrecimento, desemprego, desesperanga.

Os ideOlogos autoritarios ou totalithrios cOnsideravam a democracialiberal, corn seus partidos e suas lutas politicos aparentemente infiteis, urnregime incapaz de encontrar solucOes para a crise. A 6poca do capitalismo eda liberal-democracia parecia pertencer ao passado.

7.7.1. 0 INTEGRALISMO

No Brasil, surgiram algumas pequenas organizacOes fascistas na decadade 1920. Um movimento expressivo nasceu nos anos 30, quando em outubrode 1932, logo ap6s a Revolugáo Constitucionalista, Plinio Salgado e outrosintelectuais fundaram em Sao Paulo a Acio Integralista Brasileira (ALB).

0 integralismo se definiu como uma doutrina nacionalista cujo contetidoera mais cultural do que econOmico. Sem dtivida, combatia o capitalismofinanceiro e pretendia estabelecer o controle do Estado sobre a economia. Massua enfase maior se encontrava na tomada de consciéncia do valor espiritualda nagdo, assentadd em princfpios unificadores: "Deus, Patna e Familia" erao lema do movimento.

Do ponto de vista das relagOes entre a sociedade e o Estado, o integralismonegava a pluralidade dos partidos politicos e a representagáo individual doscidadãos. 0 Estado integral seria constituido pelo chefe da nagdo, abrigandoem seu interior Orgdos representativos das profiss6es e entidades culturais.

A A1113 identificava como seus inimigos o liberalismo, o socialismo, ocapitalismo financeiro internacional, ern mdos dos judeus. 0 ideOlogo tfpicodo anti-semitismo foi Gustavo Barroso, que escreveu livros como Brasil,

ColOnia de Banqueiros, onde procura demonstrar que apOs 1934 o Brasil se

350 H!STORIA DO BRASIL 0 ESTADO GETIILISTA 351

aos Estados Unidos, na tentativa de comprar armas e avibes. Para simular aposse de armas que nao existiam, inventou-se a "matraca" — uma geringoncaque imitava o ruido de uma metralhadora despejando balas.

Mas a superioridade militar dos governistas era evidente. No setor sul,as forcas do ExMelt° contavam com 18 mil homens, alêm da Brigada Gatichae outros contingentes menores. Os paulistas nab passavam de 8 500 homens.As foreas federais contavam tambem corn municao suficiente e artilhariapesada, contrastando corn a precariedade dos meios a disposicao dos revolu-ciondrios. No ar, os paulistas perdiam nitidamente para a aviagao do governofederal. A Revolucao de 1932 marcou alias o ingresso da aviaeao no Brasilcomo arma de combate, em proporcaes consideriveis.

Apesar do desequilibrio de forcas, a luta durou quase fits meses. 0ataque sobre o territOrio paulista foi lancado a partir do sul do Estado, dafronteira corn Minas Gerais e do Vale do Paraiba. De meados de setembro erndiante, a situacito dos revoluciondrios tornou-se cada vez mais precaria. Osmineiros ocuparam Jundiai e Itu e, no Vale do Paraiba, as tropas federaisganharam terreno, entre marchas e contramarchas. A ameaca de ocupacao dacidade de Salo Paulo tornara-se real. Por firn, representantes da Forea Ptiblicapaulista reuniram-se a 1 2 de outubro de 1932 corn o general G6is Monteiro,ern seu quartel-general de Cruzeiro, no Vale do Paraiba. A Forca Ptiblicadecidiu render-se, ern urn gesto que poupou vidas e pOs fim as tiltimas espe-rancas de resistência.

A "guerra paulista" teve urn lado voltado para o passado e outro para ofuturo. A bandeira da constitucionalizacao abrigou tanto os que esperaVamretroceder as formas oligarquicas de poder como os que pretendiam esta-belecer uma democracia liberal no pais. 0 movimento trouxe conseqiiènciasimportantes. Embora vitorioso, o govemo percebeu mais claramente a im-possibilidade de ignorar a elite paulista. Os derrotados, por sua vez, compre-enderam que teriam de estabelecer algum tipo de compromisso corn o podercentral.

Ern agosto de 1933, Gettilio nomeou afinal urn interventor civil e pau-lista, no pleno sentido da expressao: Armando de Salles Oliveira, corn vinculosno PD e cunhado de Mho de Mesquita Filho, diretor do jornal 0 Estado deSao Paulo. Naquele mesmo ano, ern agosto, baixou o decreto do chamadoRejustamento EconOmico, reduzindo o daft° dos agricultores atingidos pelo

crise. Por sua vez, a elite politica de Sao Paulo adotou uma atitude maiscautelosa dal para a frente.

7.6.3. A CONST/TUCIONALIZACAO

No curso de 1933, o tenentismo foi-se desagregando como movimento.Não conseguira transformar o Estado no seu partido, fracassara ou fora cortadonas tentativas de obter uma base social, perdera forcas no interior do Exercito,onde ameacava a hierarquia. Entre 1932 e 1933, värios interventores tenen-tistas do Nordeste se demitiram. 0 Clube 3 de Outubro — principal centro deorganizacao dos "tenentes" — tendeu a transformar-se em um "ergo dou-trindrio, livre de demagogia", como disse corn satisfacao o general G6isMonteiro. Uma parte dos "tenentes" subordinou-se ao governo Vargas, en-quanto outros foram engrossar os partidos de direita e de esquerda, como maisadiante veremos.

O governo provisOrio decidiu constitucionalizar o pais, realizando elei-cijes para a Assembl8ta Nacional Constituinte em maio de 1933. A campanhaeleitoral revelou urn impulso na participacao popular e na organizaeao path-ddria. Muitos partidos, das mais diferentes tenancias, surgiram nos Estados;alguns com bases reais e outros sem qualquer consistencia. Corn excecao doscomunistas na ilegalidade e da Acao Integralista, nao se chegou a formarpartidos nacionais.

O resultado das urnas mostrou a forea das elites regionais. No Rio Gran-de do Sul, os eleitos eram em sua maioria partidarios de Flores da Cunha; ernMinas, venceram os seguidores do velho governador Olegario Maciel; em SaoPaulo, a vitOria da Frente Unica foi esmagadora. Os "tenentes", em contra-partida, obtiveram magros resultados.

Apds meses de debates, a Constituinte promulgou a Constituicao, a 14de julho de 1934. Eta se assemelhava a de 1891 ao estabelecer uma Rep6blicafederativa, mas apresentava vatios aspectos novos, como reflexo das mudancasocorridas no pais. 0 model° inspirador era a Constituicao de Weimar, ou seja,da Repiiblica que existiu na Alemanha entre o fim da Primeira Guerra Mundiale a ascensao do nazismo. Trés tftulos inexistentes nas ConstituicOes anteriorestratavam da ordem econOmica e social; da famflia, educacao e cultura; e da

348

HISTORIA DO BRASIL

Rev°lucdo de /932. Estaedo de radio do comando de Pouso Alegre.

Revalue& de 1932. Grupo de voluntdrios da Cruz Vermelha.

0 ESTADO GETULISTA

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Revolugio de 1932. Foto de grupo de aviadores. 14.9.1972.

Revolucdo de 1932. Foto de integrante da tropa paulista em Pouso Alegre.

346 HISTORIA DO BRASIL

nentista, acendeu os inimos. Quatro rapazes (Miragaia, Marcondes, Draiusio

e Camargo) foram mortos a tiros, disparados da sede do jornal. Formou-se

assim, ao lado de outros agrupamentos, o MMDC.

Afinal, a 9 de julho de 1932, estourou em Sao Paulo a revolucao contra

o governo federal. 0 esperado apoio do Rio Grande do Sul e de Minas nalo

veio. 0 interventor gaucho, Flores da Cunha, que hesitava, decidiu apoiar

Getfilio e enviar tropas contra Sao Paulo. Houve apenas uma rebeliao no Sul,

logo derrotada. Em Mato Grosso, o general Bertoldo Klinger envolveu-se na

articulacao revolucionaria, prometendo uma significativa ajuda em homens e

municao. Mas chegou a Sao Paulo corn apenas algumas centenas de soldados,

assumindo o comando das operacees militares a partir de 12 de julho.0 plan dos revolucionerios era realizar urn ataque fulminante contra a

capital da Rept%lica, colocando o governo federal diante da necessidade de

negociar ou capitular. Mas o piano falhou. Embora a "guerra paulista" des-

pertasse muita simpatia na classe media carioca, ficou militarmente confinada

ao territerio de Sao Paulo. Por sua vez, a Marinha bloqueou o porto de Santos.

A verdade é que, apesar das divergencias com o poder central, as elites

regionais do Rio Grande do Sul e de Minas não se dispunham a correr o risco

de enfrentar, pelas armas, um governo que haviam ajudado a colocar no poder

ha menos de dois anos. Sao Paulo ficou piaticamente sozinho, contando so-

bretudo corn a Forca PUblica e uma intensa mobilizacdo popular para enfrentar

as forgas federais. 0 movimento de 1932 uniu diferentes setores sociais, da

cafeicultura a classe media, passando pelos industrials. SO a classe operaria

organizada, que se lancara em algumas graves importantes no primeiro se-

mestre de 1932, ficou a margem dos acontecimentos. A luta pela consti-

tucionalizacao do pals, os temas da autonomia e da superioridade de Sao Paulo

diante dos demais Estados eletrizaram boa parte da populagao paulista. Uma

imagem muito eficaz, na apoca, associava Sao Paulo a uma locomotiva que

puxava vinte vagOes vazios — os vinte demais Estados da federacao. 0 radio,

utilizado pela primeira vez em grande escala, contribuiu tambem para in-

centivar a presenca do povo nos comicios e o fluxo de voluntarios a frente de

combate. Muitas pessoas doaram jeias e outros bens de familia, atendendo ao

apelo da campanha "Ouro para o bem de Sao Paulo". Os revolucionerios

tentaram suprir suas notdrias deficiencias em armament° e municOes, uti-

lizando os recursos do parque industrial paulista. Enviaram tambem emissarios

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4245. Paginas do Didrio de Alfredo Feijd, membro da Cavalaria Rio Pardo, sobre a Revoluclo de 1932.

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bilidade do governo federal concorreu para a deflagragão de uma guerra civil,a Revolugdo Constitucionalista de 1932. Negando as pretensees do PD, Geuiliomarginalizou a elite paulista, nomeando interventor o tenente Jodo Alberto.Por essa epoca, cresceu o preconceito contra os nordestinos, de onde se ori-ginavam muitos tenentes e o prOpprio Joao Alberto, que era pernambucano. 0interventor ado resistiu as press6es de Sao Paulo e do interior do pr6priogoverno e demitiu-se em julho de 1931. Outros nes interventores se suce-deriam no cargo ate meados de 1932, em uma demonstragdo da gravidade dochamado caso de Sdo Paulo.

No comando do Estado, ou a partir de sua influencia, os "tenentes"procuraram estabelecer uma base de apoio para suas iniciativas. 0 alvo foramassociagOes sem muita expressdo da cafeicultura e os sindicatos °pelt-Ms.No que se refere a estes, destacou-se Miguel Costa, secretärio de Seguranga ecomandante da Forga Publics. Dele se dizia que "tinha o comunismo nocora* e os comunistas na cadeia". 0 antigo lider da Coluna promoveu oressurgimento de sindicatos, como o Centro dos Estivadores de Santos, cujadiretoria ficou sob sua influencia. A demissào de Joao Alberto coincidiu comuma grande greve dos texteis em Sao Paulo. Miguel Costa procurou utilizar omovimento para barrar a nomeaflo de Plinio Barreto confo interventor. 0jornalista Plinio Barreto, ligado ao PD, fora escolhido por Gettilio, mas acaboudesistindo da indicag5o.

Apesar de contar coin a simpatia de alguns inicleos do setor agrario, daclasse media e dos operarios, os "tenentes" tiveram contra si a grande maioriada populaglo de &do Paulo. Este 8 alias um born exemplo de como ndo po-demos falar do tenentismo como expressão da classe media: em Sao Paulo, omovimento militar foi para urn lado; a classe social foi para o outro.

A elite de Sao Paulo defendia a constitucionalizacio do pats, a partirdos principios da democracia liberal. Como medida transitdria, exigia a no-meagdo de urn interventor civil e paulista. A bandeira da constitucionalizacãoe da autonomia sensibilizou amplos setores da populagdo e facilitou a apro-ximagào do PRP e do PD. Isso ocorreu corn a formagäo da Frente Unicapaulista, em fevereiro de 1932. No mesmo mes, o governo provisdrio dispOs-se a atender as pressOes contra o prolongamento da ditadura que vinham, ndoso de Sao Paulo como do Rio Grande do Sul e de Minas, promulgando oC6digo Eleitoral. 0 cedigo trouxe algumas importantes inovagOes. Esta-

beleceu a obrigatoriedade do voto e seu caster secreto. Pela primeira vez,reconhecia-se o direito de voto das mulheres. A lei eleitoral do Rio Grande doNorte, de 1927, tinha sido pioneira, mas ficara restrita Agnate Estado.

A eleicAro para o Legislativo seria proporcional, garantindo-se assim arepresentacAo das minorias. Previu-se, ao lado da representagaio dos cidaddos,a representacdo profissional. Esta Ultima foi regulada por urn decreto de abrilde 1933 que determinou a eleigäo de quarenta congressistas, representandoempregadores e empregados, eleitos por seus sindicatos ou associagOes pro-fissionais. Embora a representacdo profissional se inspirasse nas idelas corpo-rativas e fascistas, seu objetivo era mais imediato. A bancada de quarentaconstituintes classistas — maior do que a de Minas Gerais — seria previsi-velmente mais controlivel pelo governo. Ela serviria para contrabalangar opeso dos maiores Estados, notadamente de Sao Paulo e do Rio Grande do Sul,que constitufam, naquela altura, os principais micleos de oposigdo.

Por ultimo, o COdigo Eleitoral contribuiu bastante para estabilizar oprocesso das eleigOes e pelo menos reduzir as fraudes. Isso ocorreu corn acriagdo da Justiga Eleitoral, incumbida de organizar e fiscalizar as eleigOes ede julgar recursos.

Em margo de 1932, Getillio deu aparentemente mais urn passo na tenta-tiva de pacificar Sao Paulo, nomeando urn interventor civil paulista — Pedrode Toledo. Toledo não era pothm urn nome de grande prestigio no Estado.Fizera parte, na d8cada de 1910, do grupo "hermista" do PRP e seguira maistarde a carreira diplomatica.

7.6.2. A REVOLUCÂO DE 1932

Na oposigdo, permaneciam as dilvidas acerca da convocagáo de eleigOese do controle dos "tenentes". 0 governo era muito criticado por contemporizarna punka. ° de urn grupo tenentista que empastelara no Rio de Janeiro o Didrio

Carioca, logo ap6s ser promulgado o COdigo Eleitoral. Em margo de 1932, aFrente Unica GatIcha — formada pelos partidos regionais — rompeu corn Ge-Mho. Este fato levou os grupos que ja conspiravam em Salo Paulo, em suamaioria ligados ao PD, a acelerar os preparativos para uma revolugdo. UrnepisOdio dramitico, ligado a tentativa de invasdo da sede de um jornal te-

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escola publica e gratuita, aberta a meninos e meninas de sete a quinze anos,onde todos teriam uma educacao igual e comum.

Os "pioneiros" defendiam a ampla autonomia tecnica, administrativa eeconemica do sistema escolar para livra-lo das pressOes de interesses transi-tdrios. Sustentando o principio da unidade do ensino, distinguiam entre aunidade e o centrismo -esteril e odioso", gerador da uniformidade. Lembravamque as condiciies geogreficas do pals e a necessidade de adapracao das escolasAs caracteristicas regionais impunham a realizacao de urn piano educativo quenab fosse uniforme para todo o pals, embora a partir de urn curriculo minimoCOMUM.

O governo Vargas nab assumiu por inteiro e explicitamente as posictiesde uma das correntes apontadas, mas mostrou inclinacao pela corrente ca-tOlica, sobretudo na medida em que o sistema politico se fechava. 0 maiorinspirador de Capanema no Ministerio da Educacao, alem de Francisco Cam-pos, foi o entao intelectual conservador catOlico Aiceu de Amoroso Lima,conhecido pelo pseudenimo de Tristao de Ataide. Penne os reformadoresliberais, apenas Lourenco Filho manteve pontos de mando, enquanto os demaisforam marginalizados ou ate mesmo perseguidos, como foi o caso de AnisioTeixeira.

7.6. 0 PROCESSO POLITICO. (1930-1934)

Dois pontos inter-relacionados sdo importantes na definicao do processopolitico entre 1930 e 1934: a questa() do tenentismo e a lutacentsakess_grapauggionajs.

7.6.1. 0 TENENTISMO E A LUTA CONTRA AS OLIGARQUIAS

Corn a vitdria da Revolucao de 1930, os "tenentes" passaram a fazerparte do governo e formularam um programa mais claro do que ate entaotinham expresso. Propunham o atendimento mais uniforme das necessidadesdas varias regiOes do pals, alguns pianos econOmicos, a instalacao de umaindtistria basica (especialmente a sidertirgica) e apresentavam um programa

de nacionalizacao que incluia as minas, os meios de transporte e de comu-nicacao, a navegacao de cabotagem. Para a realizacao dessas reformas -diziam os "tenentes" - era necessario contar coin urn govemo federal cen-tralizado e estdvel. Dissociando-se claramente dos pontos de vista liberals,defendiam o prolongamento da ditadura Vargas e a elaboracao de uma Cons&mica° que estabelecesse a representacao por classe, isto 6, a representacao deempregadores e empregados, ao lado da represents.* individual. Na Ultimahipritese, haveria o mesmo mimero de representantes para cada Estado.

Gettilio tratou de utilizar os quadros tenentistas como instrumento daluta contra o predominio das oligarquias estaduais, em duas regiOes muitodiferentes: o Nordeste e Sao Paulo. 0 Nordeste foi o campo de acao prediletodos "tenentes". Muitos deles provinham dessa area marcada pela extremapobreza, onde a violencia exercida pelo pequeno circulo dominante era fla-grante. VArios dos interventores nomeados para os Estados nordestinos erammilitares; em novembro de 1930, o governo criou uma delegacia regional doNorte, entregando-a a Juarez TAvora. 0 movimento tenentista tentou introduzircertas melhorias e atender a algumas reivindicaciaes populares, retomando,em outro contexto, a tradicao do "salvacionismo". Juraci Magalhaes - inter-ventor da Bahia - nomeou comissees para desenvolver a agricultura e pro-curou ampliar os servicos de sailde. Tavora pretendeu expropriar os bens dosoligarcas mais comprometidos corn a Repilblica Velha. Juraci e Lima Caval-canti, interventor de Pernambuco, decretaram uma reducAo compulsOria dosalugueis.

Entretanto, sem ter condicOes nem a intencao de realizar grandes trans-formacOes, os "tenentes" acabariam por chegar a urn entendimento corn setoresda classe dominante regional. As medidas de baixa de alugueis e de expro-priacao de bens foram por sua vez bloqueadas pelo govern federal e naotiveram seguimento. 0 prdprio Juarez esclareceu os objetivos de sua funcAode delegado regional do Norte. Quando em fins de 1931 pediu exoneracao doposto e a extinclo da prdpria delegacia, alegou que ela ji alcancara exit°,pois "as tendencias extremadas tinham amainado".

A acao tenentista no Nordeste - apesar de seus limiter - despertou a irados grupos dominantes nas areas mais desenvolvidas do pals. Juarez foichamado ironicamente de vice-rei do Norte e violentamente combatido porsua tentativa de criar urn bloco de pequenos Estados. Em Sao Paulo, a Ma-

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a Faculdade de Medicina e a Politecnica. Por decretos de abril de 1931, ogoverno baixou o Estatuto das Universidades Brasileiras e reorganizou aUniversidade do Rio de Janeiro, procurando estabelecer as bases do sistemauniversithrio.

Na esfera do ensino secutiddrio, tratava-se de comecar a implanth-lo,pois ate entio, na maior parte do pais, nho passava de cursos preparatOriospara ingresso nas escolas superiores. A reforma Campos estabeleceu defini-tivamente urn curriculo seriado, o ensino em dois ciclos, a freqiiencia obriga-tOria, a exigencia de diploma de nivel secunddrio para ingresso no ensinosuperior. A complexidade do curriculo, a duracho dos estudos, abrangendourn ciclo fundamental de cinco anos e outro complementar de dois anos,vincularam o ensino secunddrio ao objetivo de preparar novas elites. Mesmotendo-se o cuidado de ressalvar a distincia entre as intencOes e a pi-Rica, areforma teve bastante significado, sobretudo considerando-se o baixissimonivel institucional de que se partiu.

No terreno das realizagOes, as principals medidas de criacho de univer-sidades surgiram no Distrito Federal e em sa'o Paulo, neste Ultimo caso a margemda participacho federal. Assim, nasceram em 1934 a Universidade de Sh'o Paulo(USP) e, em 1935, a Universidade do Distrito Federal; esta, gracas a iniciativado secreterio da Educacio Anfsio Teixeira. A Universidade do Distrito Federalfoi institufda sem contar corn as escolas superiores que jd existiam e preocupou-se, sobretudo, com a formacho de educadores ern sua Faculdade de Educacho.Sens propOsitos inovadores nao resistiram ao regime autorithrio implantadoern 1937. Em 1939, foi extinta e incorporada a Universidade do Brasil, na qualse transformara a Universidade do Rio de Janeiro, desde 1937.

Mais abrigada das tempestades politicas e implantada com maior solidezpela elite paulista, a USP ndo so sobreviveu como se tornou o principal centrode ensino e pesquisa do pais. Sua criacho decorreu, por urn lado, da existénciana capital paulista, desde a Primeira Guerra Mundial, de um vivo debate dasprincipais questOes educacionais, com propOsitos reformadores; por outro, dofato de os principals participantes desses debates, corn Fernando de Azevedoa frente, terem firmado posiches no aparelho de ensino paulista ate o golpe de1937. •

Na prâtica, a USP so se transformou em uma verdadeira universidadecom o correr dos anos. A integracho das faculdades profissionalizantes tradi-

cionais oho se fez da noite para o dia. De fato, o impulso maior para sua cria-Cho vein de setores da elite cultural paulista preocupados corn a formacho deprofessores de nivel secundhrio e superior e com a formacho de uma faculdadede filosofia, ciéncias e letras não-utilithria, voltada essencialmente para apesquisa e a especulacho te6rica. Para ela foram contratados jovens profes-sores europeus que deram impulso a pesquisa nos vOrios campos do conhe-cimento, em moldes cientificos. Alguns se tornaram grander figuras das cién-cias, das artes e da literatura mundiais, como Claude Levy-Strauss, o criadorda antropologia estruturalista, e o historiador Fernand Braudel.

A acho do Estado no setor educativo relacionou-se intimamente cornmovimentos na sociedade, envolvendo educadores e a elite cultural, como afundacho da USP bem exemplifica. Esses movimentos vinham da decada de1920 e ganharam maior ressonancia ap6s a Revolucho de 1930. Podemos falarde duas correntes bAsicas opostas: a dos reformadores liberals e a dos pen-sadaes catOlicos.

A Igreja CatOlica enfatizava o papel da escola privada, defendia o en-sino religioso tanto na escola privada como na ptiblica — neste Ultimo casoem carater facultativo e diferenciado segundo o sexo. Sob esse aspecto, opressuposto era de que meninos e meninas deveriam receber educacho di-ferente, pois destinavam-se a cumprir tarefas diversas, na esfera do trabalhoe do lar.

Os educadores liberals sustentavam o papel primordial do ensino priblicoe gratuito, sem distincho de sexo. Propunham o corte de subvencho do EstadoAs escolas religiosas e a restricho do ensino religioso as entidades privadasmantidas pelas diferentes confissOes. 0 ponto de vista dos reformadoresliberals foi expresso no Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, ou sim-plesmente, Manifesto da Escola Nova, langado em marco de 1933. Seu prin-cipal redator foi Fernando de Azevedo, destacando-se tambem os nomes deAnfsio Teixeira e Lourence Filho, entre outros. 0 manifesto constatava ainexisténcia no Brasil de uma "cultura prOpria" ou mesmo de uma "culturageral". Marcava a dista-Ida entre os metodos atrasados de educacho no pais eas transformacOes profundas realizadas no aparelho educacional de outrospaises latino-americanos, como o Mexico, o Uruguai, a Argentina e o Chile.A partir de uma analise das finalidades da educacho, propunha a adocho doprincipio de "escola Unica", concretizado, ern uma primeira fase, em uma

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0 ESTADO GETULISTA 337

de mais de urn sindicato representativo de uma categoria professional. Mas apluralidade na pratica nao pegou, embora so viesse a desaparecer da legislacao

em 1939.A politica trabalhista do governo Vargas constitui urn nftido exempt° de

uma ampla iniciativa que nao derivou das pressees de uma classe social e sim

da nap do Estado. Os responsiveis pela nova legislacao eram os ministros doTrabalho, homens como os gauchos Lindolfo Collor e Salgado Filho, querepresentavam os industriais ou os comerciantes; cram antigos participantesde movimentos populares na Primeira Repdblica, como o advogado Evaristode Morais e o sindicalista Joaquim Pimenta; eram os tecnicos ministeriais,como Oliveira Viana e Waldir Niemeyer.

Embora as associacties de industriais e comerciantes acabassem poraceitar a legislacao trabalhista, elas a princfpio combateram as medidas gover-namentais, especialmente aquelas que concediam direitos aos trabalhadores.Um dos principais focos de resistencia se concentrou na extensão das feriasaos trabalhadores industriais.

As brganizacees operirias, sob connate das correntes de esquerda, ten-taram se opor a seu enquadramento pelo Estado, mas a tentativa fracassou.Mem do governo, a prOpria base dessas organizacties Pressionou pela lega-lizacao. Vérios beneficios, como as ferias, a possibilidade de postular direitosperante as Juntas de Conciliacao e Julgamento, dependiam da condicao de sermembro de sindicato reconhecido pelo governo. Ern fins de 1933, o velhosindicalismo autenomo desaparecera, e os sindicatos, bem ou mal, tinham-se

enquadrado na legislacao.

7.5. A EDUCACIS.0

Os vencedores de 1930 preocuparam-se desde cedo com o problema daeducacao. Seu objetivo principal era o de formar uma elite mais ampla, inte-lectualmente mais bem preparada. As tentativas de reforma do ensino vinhamda decada de 1920, caracterizando-se nesse periodo por iniciativas no niveldos Estados, o que correspondia ao figurino da Reptiblica federativa. Em SaoPaulo, o propesito de combater o analfabetismo e a preocupacao de integraros imigrantes geraram em 1920 a reforma promovida por Sampaio DOria, so

parcialmente executada. Iniciativas reformistas surgiram tambem no Ceara,pela Nilo de Lourenco Filho, a partir de 1922; na Bahia, corn destaque paraAnisio Teixeira (1924); em Minas e no Distrito Federal, promovidas respec-tivamente por Mario ('-assassanta e Fernando de Azevedo (1927).

A partir de 1930, as medidas tendentes a criar urn sistema educativo epromover a educacao tomaram outro sentido, partindo principalmente docentro para a periferia. Em resumo, a educacao entrou no compasso da visa°geral centralizadora. Urn marco inicial desse propOsito foi a criacao do Mi-nisterio da Educacao e Sande, em novembro de 1930.

E costume apontar a inspiracao fascista das iniciativas do governo Vargasna area educativa. Lembremos porem quo nessa area, como em outras, o gover-no adotou uma postura autoritaria e nao-fascista. Ou seja, o Estado tratou deorganizar a educacao de cima para baixo, mas sem envolver uma grandemobilizacao da sociedade; sem promover tambem uma formacdo escolartotalitaria que abrangesse todos os aspectos do universo cultural. Mesmo nocurso da ditadura do Estado Novo (1937-1945), a educacao esteve impregnadade uma mistura de valores hierarquicos, de conservadorismo nascido da in-fluencia catelica, sem tomar a forma de uma doutrinacao fascista.

A politica educacional ficou essencialmente nas maos de jovens politicosmineiros, cuja carreira se iniciara na velha oligarquia de seu Estado, a tomououtros rumos a partir de 1930. E o caso de Francisco Campos, ministro daEducacdo entre novembro de 1930 e setembro de 1932, e de Gustavo Capa-nema, que o substituiu, corn uma longa permanencia no ministerio, de 1934 a1945. Francisco Campos iria se tornar celebre por ser o principal redator deuma legislacao autoritäria. Como ministro da Justica, redigiu a Carta de 1937que instaurou o Estado Novo. Anos depois, colaborou ativamente na elabo-rack) das leis autoritirias, apes a derrubada do governo Joao Goulart, ern1964. Entre 1930 e 1932, Francisco Campos realizou uma intensa agao noMinisterio da Educacao, preocupando-se essencialmente corn o ensino supe-rior e secundärio.

No piano do ensino superior, o governo procurou criar condicees para osurgimento de verdadeiras universidades, dedicadas ao ensino e a pesquisa.Ate aquela data, elas eram apenas uma juncao de escolas superiores. A Uni-versidade do Rio de Janeiro, por exemplo, criada em setembro de 1920,consistia na verdade em uma agregacao de ties escolas: a Faculdade de Direito,

334 HISTORIA DO BRASIL

0 ESTADO GETULISTA 335

Muitas das medidas tomadas por Gehllio no piano econinico-financeirondo resultaram de novas concepedes, mas das circunstincias impostas pelacrise mondial. Na area dos negecios cafeeiros, urn decreto de fevereiro de1931 estabeleceu que o govern() federal compraria todos os estoques existentesno pais em 30 de junho de 1931, ao preco minimo de 60 mil-reis, corn exceed()dos cafés adquiridos por Sao Paulo por conta de urn emprestimo obtido ern1930. 0 preco foi conveniente apenas para os banqueiros que haviam finan-ciado parte dos estoques. 0 ministro da Fazenda, Jose Maria Whitaker, sofreuacusagees de ter atendido aos interesses dos bancos aos quais estava ligado,esquecendo-se dos produtores.

Mas o problema de fundo subsistia: que fazer corn a parte dos estoquesatuais e futuros que ndo encontravam colocacdo no mercado internacional?

A resposta surgiu ern julho de 1931: o governo compraria o café corn areceita derivada do imposto de exportagao, e do confisco cambial, ou seja, deuma parte da receita das exportaedes, e destruiria fisicamente uma parcela doproduto. Tratava assim de reduzir a oferta e sustentar os precos. Essa opedoera semelhante as ()Kees que levaraM a eliminacao da uva, na Argentina, oua morte de rebanhos de cameiros_ na Australia. 0 esquema brasileiro tevelonga (Wrack), embora alguns de seus aspectos tenham sido alterados no correrdos anos. A destruicao de café se terminou em julho de 1944. Em trezeinos,foram eliminados 78,2 mac-5es de sacas, ou seja, uma quantidade equivalenteao consumo mondial de teas anos.

Os problemas do café vinculavam-se estreitamente a situacdo financeirado pais. Esta tornou-se insustentavel em meados de 193L Ern setembro da-quele ano, os pagamentos relativos a divida priblica externa foram suspensore se reintroduziu o monopalio cambial do Banco do Brasil. A tiltima medidatinha sido decretada nos altimos meses da presidéncia de Washington Luis erevogada pelo governo revolucionfirio. 0 monopelio significava que os expor-tadores deveriam trocar a receita ern moeda estrangeira no Banco do Brasil.0 banco ofereceria tambem a moeda para pagar as importacees, estabelecendourn criterio de prioridade das consideradas essenciais.

7.4. A POLITICA TRABALHISTA

Um dos aspectos mais coerentes do governo Vargas foi a politica tra-balhista. Entre 1930 e 1945, Ola passou por varias fases, mas desde logo seapresentou como inovadora corn relacdo ao periodo anterior. Teve por obje-tivos principais reprimir os esforeos organizatOrios da classe trabalhadoraurbana fora do controle do Estado e atral-la para o apoio difuso ao governo.No que diz respeito ao primeiro objetivo, a repressdo se abateu sobre partidose organizaelies de esquerda, especialmente o PCB, logo ap6s 1930. Ela setornou mesmo mais sistematica do que a existente na Primeira Reptiblica. Asituacito de inquietagio social contribuiu tambem para isso.

Quanto ao segundo objetivo, lembremos que a esporadica atencdo aoproblema da classe trabalhadora urbana na acacia de 1920 deu lugar, noperiod() getulista, a uma politica govemamental especifica. Isso se anuncioudesde novembro de 1930, quando foi criado o Ministerio do Trabaiho, Indtis-tria e Comercio. Seguiram-se leis de protecdo ao trabalhador, de enquadra-mento dos sindicatos pelo Estado, e criavam-se Orgdos para arbitrar conflitosentre patrOes e operdrios — as Juntas de Conciliacäo e Julgamento. Entre asleis de proteedo ao trabalhador estavam as que regularam o trabalho dasmulheres e dos menores, a concessäo de ferias, o limite de oito horas dajornada normal de trabalho.

0 enquadramento dos sindicatos foi estabeleeido pelo Decreto n 2 19 770de 19 de mare° de 1931, que dispunha sobre a sindicalizacdo das classesoperdrias e patronais, mas cram as primeiras o foco de interesse. 0 sindicatofoi definido como Orgdo consultivo e de colaborano corn o poderAdotou-se o principio da unidade sindical, ou seja, do reconhecimento peloEstado de urn tInico sindicato por categoria profissional. A siiidicalizacdo naoseria obrigatdria. 0 governo se atribuiu urn papel de controle da vida sindical,determinando que funcionarios do ministerio assistiriam as assemblóias dossindicatos. A legalidade de um sindicato dependia do .reconhecimento mi-nisterial, e este poderia ser cassado quando se verificasse o não-cumprimentode uma strie de normas.

0 Decreto n2 19 770 vigorou ate 1934, quando foi substituido pelo.dene 24694, de 12 de julho de 1934. A principal alteraclo consistiu na adocdodo principio da pluralidade sindical, isto e, da possibilidade de reconhecimento

332 IIISTORIA DO BASIL

41. Chegada de Get('lio Vargas e sett Estado-major estaudo ferroviaria de Curitiba.

grandes cidades. As dificuldades financeiras cresciam: caia a receita dasexportacOes e a moeda conversivel se evaporara, No platio politico, as oli-garquias regionais vitoriosas em 1930 procuravam reconstruir o Estado nosvelhos moldes. Os "tenentes" se opunham a isso e apoiavam Gettilio em seupropdsito de reforcar o poder central. Ab mesmo tempo, porem, representavamuma corrente dificil de controlar que colocava em risco a hierarquia no interiordo Exercito.

7.1. A COLABORACÃO ENTRE 0 ESTADO E A IGREIA

Uma importante base de apoio do governo foi a fareia Cate;lira. A cola-boracao entre a Igreja e o Estado nao era nova, datando dos anos 20, espe-cialmente a partir da presidencia de Artur Bernardes. Agora ela se tornavamais estreita. Marco simbOlico da colaboracao foi a inauguracao da estatuado Cristo Redentor no Corcovado, a 12 de outubro de 1931 — data do desco-brimento da America. Gettilio e todo o ministerio concentraram-se na estreitaplataforma da estatua, pairando sobre o Rio de Janeiro. Ai o Cardeal Leme

0 ESTADO GETULISTA 333

consagrou a nag%) "ao Coragao Santissimo de Jesus, reconhecendo-o parasempre seu Rei e Senhor".

A Igreja levou a massa da populacao catdlica a apoiar o novo governo.Este, em troca, tomou medidas importantes em seu favor, destacando-se umdecreto, de abril de 1931, que permitiu o ensino da religiao nas escolas

7.2. A CENTRALIZACÄO

As medidas centralizadoras do govern provisdrio surgiram desde cedo.Em novembro de 1930, ele assumiu nao s6 o Poder Executivo como o Legis-lativo, ao dissolver o Congresso Nacional, os legislativos estaduais e muni-cipais. Todos os antigos governadores, corn excecao do novo govemador eleitode Minas Gerais, foram demitidos e, em seu lugar, nomeados interventoresfederais. Em agosto de 1931, o chamado C6digo dos Interventores estabeleceuas normas de subordinagao destes ao poder central. Limitava tambem a areade agao dos Estados, que ficaram proibidos de contrair emprestimos externossem a autorizacâo do governo federal; gastar mais de 10% da despesa ordingriacom os servicos da policia militar; dotar as polfcias estaduais de artilharia eaviacao ou arma-las em proporgao superior ao Exercito.

7.3. A POLITICA DO CAFE

A centraliza9ao estendeu-se tambern ao campo econOmico. 0 governoVargas nao abandonou e nem poderia abandonar o setor cafeeiro. Tratou poremde concentrar a politica do café em suas maxis. Em maio de 1931, o controledessa politica passara das moos do Institute do Café do Estado de Sao Paulopara um novo &go federal, o Conselho Nacional do Café (CNC), criado emmaio de 193L 0 CNC ficava porem sob a innuendo direta dos interessescafeeiros, pois era constituido por delegados dos Estados produtores. Emfevereiro de 1933, o Orgao foi extinto e substituido pelo Departamento Na-cional do Café (DNC), processando-se entao, efetivamente, a federalizacaoda politica cafeeira. Aos Estados nao foi atribuida innuendo direta no DNC,cujos diretores eram nomeados pelo ministro da Fazenda.

Subindo ao poder em outubro de 1930, Getulio Vargas nele permaneceupor quinze anos, sucessivamente, como chefe de urn governo provisOrio,presidente eleito pelo voto indireto e ditador. Deposto em 1945, voltariapresidencia pelo voto popular em 1950, ndo chegando a completar o mandatopor se suicidar em 1954.

A figura de major expressdo da histOria politica brasileira do seculo XXprovinha de uma familia de estancieiros de Sdo Borja, na região gaticha daCampanha. Seu pai — lider local do PRR — envolveu-se nas lutas contra osfederalistas. Getulio fez ate 1930 uma carreira tradicional, nos quadros doPRR, sob a protecdo de Borges de Medeiros. Foi promotor publico, deputadoestadual, lider da bancada gaticha na Camara Federal, ministro da Fazenda deWashington Luis e governador do Rio Grande do Sul. Em 1930:saltou pars apresidencia da RepOblica, personificando uma linha de acdo muito diversa dapolitica oligarquica.

bldo antecipemos porem a longa trajet6ria de Getulio Vargas. Comece-mos pelo inicio dos anos 30, quando o governo provisOrio tratava de se firmar,em meio a muitas incertezas. A crise mondial trazia como conseqiiencia umaproducâo agricola sem mercado, a ruina de fazendeiros, o desemprego nas

328 HISTORIA DO BRASIL

As transformacks apontadas nä° ocorreram da noite para o dia, nemcorresponderam a urn piano de conjunto do governo revolucionario. Elasforam sendo realizadas ao longo dos anos, com énfase maior neste ou naqueleaspecto. Desse modo, uma visao de conjunto s6 se tornou clara corn a perspec-tive dada pelo tempo. Para perceber melhor essa via() de conjunto, devemospercorrer o caminho da histOria dos anos 30 e das decades seguintes desdeseu inicio.

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0 ESTADO GETULISTA

1930-1945

Aleut da Camara Municipal, as ordens religiosas que permane-ceram em Sao Paulo — sobretudo os franciscanos — tambem expli-citaram os motivos que justificavam a expulsao dos inacianos. As-sim, dm 1649, em meio a urn acirrado litigio entre os franciscanose os jesuitas, a justiga colonial recebeu uma relagao de oito "cau-sas" da expulsdo, detalhadas pelos prOprios colonos: 1) Os jesuftasestavam ficando ricos e poderosos demais; 2) Os jesuitas forgaramos herdeiros de Afonso Sardinha, Gongalo Pires e Francisco deProenga a fazer enormes concessOes, provavelmente em terras e in-dios; 3) Arrancaram terras doslavradores pobres atraves de litigios;4) Perseguiram, tambem por meio da justiga, Antonio Raposo Ta-vares e Paulo do Amaral, provavelmente por causa das atividadessertanistas destes; 5) Ganhavam todas as suas causas litigiosas emdecorrencia de sua enorme base material; 6) "Que se servem dos In-dios melhor que os moradores em suas searas, engenhos, moinhos,e ate os carregam nas costas..."; 7) "Que se aproveitam das terrase datas dos Indios trocando-as e vendendo-as; e trazendo nelas seusgados"; 8) Os indios por des doutrinados mostraram-se rebeldes esediciosos em Cabo Frio, Espirito Santo, Rio de Janeiro e, sobretu-do, Pernambuco.'

Apesar dos ethos e recriminacOes desencadeadas pelo incidenteda expulsào, os jesuftas acabaram sendo readmitidos na capitaniatreze anos depois. No acordo negociado entre as principals !begetsdos colonos e um representante da justiga colonial, os primeiros tra-tavam de deixar claras as condigOes sob as quail os padres poderiamvoltar. Em primeiro lugar, os jesuitas teriam de abandonar o litigiocontra a expulsao e desistir de qualquer indenizagão pelos danos so-fridos. No tratamento da questa() indigena, os jesuitas deveriam ab-dicar do breve de 1639 ou de qualquer outro instrumento de defesada liberdade indigena. Ademais, os padres deveriam negar assisten-cia aos indios que fugissem de seus donos. Finalmente, adotando umtom mais conciliador, os colonos ofereciam como contrapartida aajuda aos' jesuftas na reconstrugao do CoMaio, o que de fato fize-ram em 1671."

A expulsào, bem como as condigOes estabelecidas para a voltados padres, desmontaram de forma decisiva o obstaculo jesuitico co-locado entre os colonos e seus indios. Os jesuitas, por sua vez, con-tinuaram como poderosos proprietarios de terras, uma vez que foimantida a posse de Embu e Carapicuiba, acrescentando-se posterior-

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mente as doagOes da Fazenda Santana e da extensa propriedade deAracariguama. Todavia, apesar das aparencias, os jesuitas tinhamperdido o controle dos aldeamentos, e sua voz de oposigdo ao cati-veiro indigena fora praticamente emudecida. De acordo com urn pa-dre, escrevendo no final do seculo, tal era a situacdo que os jesuitasjamais poderiam tocar no assunto da escravidao indfgena em ser-mOes ou em qualquer outra manifestagao ptiblica. Mesmo assim, ob-servou ele corn certo orgulho, sempre buscavam — ern conversas par-ticulares e langando mao de "industrioso disfarce" — mostrar aoscolonos seus erros. Contudo, "estavam tao firmes os moradores da-quela vila em que os Indios eram captivos que ainda que o PadreEterno viesse do cell corn um Christo crucificado nas mlos a pre-garlhes que eram livres os Indios, o nao haviam de creer"."

ESCRAVOS OU ADMINISTRADOS7

Na segunda metade do seculo xvit, no entanto, a disputa emtorno da condicdo juridica dos cativos indios passou para outra eta-pa. Apesar de suas convicgOes, os colonos ainda enfrentavam o pa-radoxo legal representado pelo sistema de administragao particular.O servigo particular dos indios era pouco diferente da escravidao,fato que nao deixou de escapar a atencao da Coroa ou de jesuitasque nao residiam em Sao Paulo. De acordo corn um relato histOricodo inicio do seculo xix, tratava-se apenas de uma questa() de termi-nologia: "Os Paulistas, posto que nao davam aos indios domestica-dos o nome de cativos, ou escravos, mas s6 o de administrados, con-tudo dispunham deles como tais, dando-os em dotes de casamentos,e a seus credores em pagamento de dividas". 0 De fato, virtualmentetodos os dotes concedidos durante o seculo xvii incluiam pelo me-nos urn "negro da terra". Quanto a alienagao de indios, cabe ressal-tar que as "pegas do gentio da terra" figuravam entre as garantiaspara emprestimos e hipotecas, alem de serem vendidos em diversasocasi5es para liquidar dividas ou por outros motivos. Em 1664, porexemplo, o inventariante dos bens de Antonio de Quadros vendeuuma moga indigena por dezoito mil-refs, colocando o valor recebi-do na praga a juror, "como 6 use e costume" .°'

Duas praticas corriqueiras revelam mais claramente a real con-died° dos Indios nesse regime tao ambfguo. Primeiramente, a venda

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E preciso lembrar que a adocao de medidas tao radicais nestecaso deveu-sejustamente a indefinicao juridica do aldeamento deBanteri. Eram semelhantes as condicees dos outros tees aldeamen-tos de Sao Paulo; corn certeza, outros 3 mil indios achavam-se sob ocontrole dos padres em Sao Miguel, Conceicao dos Guarulhos e Pi-nheiros. Contudo, todos os tres haviam lido estabelecidos pelos ina-cianos no s6culo xvi, e os colonos — na sua maioria, pelo menos —reconheciam os direitos da Companhia de Jesus sobre ester aldea-mentos. Barueri, porem, fundado na primeira d6cada do s6culo xvnpor d. Francisco de Sousa, torhou-se, posteriormente, o objeto deuma disputa na justica entre os herdeiros de d. Francisco, os jesuitase a Camara Municipal de Sao Paulo, todos reivindicando o direito desua administragao. Na decada de 1630, os jesuitas controlav am oaldeamento. Todavia, no entender dos colonos, os padres estavamali por detenninacao do provincial da ordem e nab da Coroa, e, por-tanto, seria justa a sua expulsao e a devolucao da administragao doaldeamento a Camara Municipal, uma vez que o pr6prio d. Francis-co ter-]he-ia outorgado semeihante autoridade. No fim das contas,apOs a agao violenta dos moradores, a Camara de fato tomou possedo aldeamento, estabelecendo um precedente para os acontecimen-tos de 1640, quando, na qualidade de representante legftima e realda Coroa em nivel local, a mesma Camara apropriou-se da adminis-tracao dos demais aldeamentos, denominando-os "aldeias reais"."

Com as tensees em aka, o conflito caminhou para seu desfechofinal quando os jesuitas espanhdis instauraram demandas contra ospaulistas, buscando pOr fim as expedicties de apresamento que asso-lavam as misseies. Contando corn o apoio de seus colegas inacianosdo Rio de Janeiro e de Salvador, os jesuitas Maceta, Mansilla e DiazTatio levaram seu pleito inicialmente ao governador do Brasil —queatendeu as reivindicacOes mediante uma proibicao do sertanismo —e, posteriormente, ao rei e ao papa. Conduziram anti° uma campa-nha impressionante contra os paulistas, divulgando a imagem destes— nem sempre exagerada —como de urn temivel bando de desordei-ros e foras-da-lei. 0 bispo do Rio da Pram tamb6m tomou o partidodos jesuitas e, utilizando-se de distorgOes prOprias desta campanha,em 1637 escreveu para o papa, afirmando: "No Brasil h as uma cidade(sujeita a urn prelado que nab 6 bispo) que se chama Sao Paulo, enesta se h5 juntado urn grande ntimero de homens de diferentes na-

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cOes, ingleses, holandeses, e judeus que em liga corn os da terra comolobos raivosos fazem grande estrago no novo rebanho de V.S.".32Tambem lancando mao de uma ret6rica religiosa, os jesuitas busca-vam garantir o seu acesso exclusivo aos indios do sena°, lamentan-do "que esteja o sertao que chamam dos Patos aberto para todo 0mouro, judeu, negro e branco, alto e baixo, que all quer it a salteare conquistar e cativar os indios para depois os vender onde e paraquem the parece...". Para os jesuitas, nao se podiam deixar os in-dios "na boca do demOnio e nas unhas do Brancos". 33 A Coroa,certamente distraida por Iowa dos iminentes conflitos que se iriamdesencadear em torno da Restauragao de 1640, respondeu de formaapenas lacOnica aos apelos dos jesuitas. 0 Vaticano, por sua vez,foi mais decisivo, pressionando os colonos corn a publicacao do brevede 3 de dezembro de 1639, o qual basicamente reforcava a hula de1537 proclamando a liberdade dos indios das Americas. Em rneadosde 1640, os jesuitas passaram a divulgar o conteddo do breve, pro-vocando tumultos em Sao Paulo, Santos e Rio de Janeiro. Aindaem junho desse mesmo ano, os representantes das camaras munici-pais da capitania de Sao Vicente reuniram-se para discutir o assuntoe, sob forte pressao dos principais moradores da vila de Sao Paulo,determinaram a expulsao incondicional dos padres, o confisco de suaspropriedades e a transferencia da administragao dos aldeamentos parao poder ptiblico.34

Ao justificar a expulsao, os colonos desenvolveram elabora-dos argumentos para legitimar essa acao tao radical. Neste sentido,escrevendo ao recern-restaurado Joao iv, a Camara Municipal deSao Paulo afirmava que, corn a publicacão do breve papal, os je-suitas buscavam "tirar, privar e esbulhar aos ditos moradores daposse imemorial, e antiquissirna, em que estao desde a fundacaodeste Estado ate o presente...".” A defesa de tais direitos histOri--cos assentava-se, evidentemente, em opinioes antijesulticas que for-mavam um consenso entre os colonos. Em Santos, por exemplo,circulava, na mesma epoca, um boato entre os colonos de que eraadmissive] invadir os aldeamentos e propriedades jesuiticas porqueos padres de Pernambuco supostamente haviam incentivado os in-dios a tomarem o partido dos holandeses. Tambem a boca pequenadava-se como certa a noticia de que o breve era tuna farsa dos je-suitas e que, pelo contrario, agora se podiam escravizar indios dequalquer "nacao" .36

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e Tape. As diferengas irreconciliaveis entre as partes ocasionaramdemonstragOes de forga de ambos os lados. Assim, diante das de-mandas dos jesuitas junto aos governs colonials e ao Vatican, queacarretaram novas medidas contra a escravidao indigena, os colo-nos nao tardaram em responder, langando mao da violencia e ex-pulsando os padres da capitania de Sao Vicente.

E preciso notar que, mesmo antes da expulsao de 1640, a di-mensdo local do conflito foi marcada pela ameaga de violencia empelo menos duas ocasiOes criticas. Em 1612; os colonos ameagaramexpulsar os jesuftas de Barueri: alegando que estes impediam o aces-so a mao-de-obra do aldeamento. Vinte anos mais tarde, os vizinhosmais exaltados do mesmo aldeamento, inclusive Antonio Raposo Ta-vares, invadiram Barueri, expulsando os padres. Ate certo ponto,este incidente pode ser considerado como uma expressao, em nivellocal, da busca intensificada pela mao-de-obra nativa: afinal de con-tas, se os paulistas podiam destruir as missees do Guaira, por quenao repetir esta mesma atividade mais perto de casa? Porem, outrosaspectos especificos devem ser levados em conta para o entendimen-to do fato em questa°, pois tratava-se igualmente de urn confrontoentre os colonos mais pr6speros dos bairros ocidentais de Sao Pauloe os jesuitas, que vinham acumulando um patrimethio e uma forgade trabalho cada vez mats expressivos. Ademais, a prOpria indefini-cao acerca da condigao juridica do aldeamento de Barueri propor-cionava munigao para a eclosao do conflito.

Realmente, Barueri situava-se em meio a uma das principals zo-nas de produgao de trigo, prOximo aos bairros de Cotta, Quitaimae Carapicufba, bem como a vila de Santana de Parnaiba. Por voltade 1630, os jesuitas ja se haviam estabelecido enquanto principaisproprietarios de terras no distrito, controlando uma proporgao des-medida da forga de trabalho indigena. Alain de seu acesso preferen-tial aos indios dos aldeamentos, que somavam em torno de 1500apenas em Barueri, o Colegio de Sao Paulo, tendo recebido comoheranga duas grandes propriedades na regido, contava tambem cornconcentragOes consideraveis de cativos indfgenas. 0 primeiro lega-do, datado de 1615, constava da cloaca°, feita por Afonso Sardinhae sua mulher Maria Gongalves, de sua Fazenda Nossa Senhora daGrata, que contava corn um ndmero elevado de indios guarulhos,"como de outras nagOes". No segundo, de 1624, Fernao Dias e Ca-tarina Camacho legaram sua propriedade Nossa Senhora do Rosa-

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rio e em torno de seiscentos Carij6 capturados no Sul. Estas doa-gees, embora funcionassem como fazendas no seculo xvn, tomaram-se, posteriormente, os respectivos aldeamentos de Embu e Carapi-cufba.'

Nesse sentido, os jesuitas representavam muito mais que ape-nas urn obstaculo A mao-de-obra dos aldeados, o que, de qualquerforma, constava como antiga reivindicacao dos paulistas. Aspectomais grave do ponto de vista dos colonos era o fato de que os padrestambem configuravam uma forga consider-Al/el na economia paulis-ta enquanto produtores e proprietarios. Alem disso, segundo os co-lonos, os jesuitas abusavam de seu controle sobre os aldeamentos,aproveitando e mesmo aforando terrenos indigenas para o benefi-do do Colegio. Vale ressaltar que conflitos semelhantes surgiram tam-bem em outras capitanias, onde os colonos observaram estarrecidosa tentativa por parte dos jesuitas de monopolizar as melhores terrasprodutivas e propriedades urbanas, muitas vezes adquiridas atravesde doagOes da Coroa.29

Diante dos avangos de tat) fonnidAvel adversario, os colonosde Sdo Paulo apelaram para o tinico Orgdo ptiblico capaz de tomaro seu partido: a Camara Municipal. Ap6s o incidente de 1632 emBarueri, os colonos comegaram a demandar corn insistancia a remo-00 dos jesuitas, langando acusagOes que visavam nao apenas des-moralizar os padres como tambem fornecer elementos substantivospara provar os abusos e atos ilegais dos jesuitas de Sao Paulo. Em1633, o colono Joao da Cunha, proprietario no bairro de Cotia, de-nunciava que os padres teriam roubadO 6s indios que o querelantetinha recebido em dote, levando-os para o aldeamento de Barueri.Aparentemente nab satisfeito apenas corn a restituigao dos indios deseu dote, Joao da Cunha, referindo-se aos padres, instava a Cama-ra a que "os mandassem tirar das aldeias e nao tivessem de ver cornindios mais que corn sua igreja...". Durante as semanas que se se-guiram, chegaram aos ouvidos do conselho novos protestos contraos padres, nos quaffs alegava-se que os jesuitas monopolizavam asterras de Cotia e Carapicufba, nao deixando os colonos cultivaremo solo. Finalmente, os principals residentes desses bairros reuniram-se diante da Camara e estabeleceram um ultimato: se a Camara naoretirasse os jesultas de Barueri, os moradores e seus indios expulsa-riam os padres a forga, o que de fato ocorreu.3°

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Nao obstante o peso de consciancia de alguns colonos, a insti-tucionalizacao da escravidao indigena desenvolveu-se rapidamenteem nivel local. Nos inventarios da primeira decada do sect& xwt,ja aparecem indios "forros" ao lado de escravos legitimos nos arro-lamentos de "pecas", inclusive entrando nas partilhas. Esta praticafoi stibmetida a prova juridica em algumas ocasi6es ao longo da vi-gencia da escravidao indigena. Em 1609, per exemplo, apes a publi-cacao da lei declarando a liberdade incondicional de todos os indios,Hilaria Luis enviou uma peticao ao govemador perguntando-]he seos Indies trazidos por seu recem-falecido marido podiam entrar naspartilhas. 0 parecer do governador foi curto e direto: os indios naopodiam entrar em inventarios por serem livres pelas leis do Reino.Instado igualmente a se pronunciar, o juiz dos Orr los de Sao Paulo,no entanto, afirmou que "6 use e costume darem partilhas de peasforras aos drfaos para seu sustento e service e nao para se vende-rem". Inconformado corn a resposta, o governador pediu o parecerdo procurador dos Indies e de urn ouvidor, ambos, cabe frisar, do-nos de cativos indios. 0 primeiro reafirmou que o case se enquadra-va no "use e costume" da terra e o segundo acrescentou — em cas-telhano — que, sem a heranca, os Orfaos "quedarin miserables pi-diendo limosna". No final do processo, o governador acabou porrecuar, autorizando a inclusao dos indios no inventario."

0 caso dos indios de Hilaria Luis certamente nao teve grandeimpacto em termos de jurisprudancia, embora demonstrasse a dis-posicao da justica colonial em confiar a guarda dos Indies a particu-lares, grida que esta pritica adquirisse caracteristicas de escravidao.Diante da incapacidade da Coroa em definir claramente os direitosdos natives, os colonos souberam integrar a seu discurso uma mani-festagao da responsabilidade que deviam exercer na administracaodos indios. Assim, Maria do Prado, grande proprietaria de indios,ditou em seu testamento: "Declare que nab possuo escravo algumcativo mas somente possuo como 6 use noventa almas do gentio daterra as quais tratei sempre como filhos e na mesma formalidade osdeixo a meus herdeiros"." Um outro exempla dessa postura esta notestamento de Ural-6CM Leme:

Declare que possuo neve pegas do gentle da terra, e uma crianca, asgnats tratei sempre como livres que do de sua natureza por serem in-capazes de se regerem pot si, as administrava com aquele cuidado cris-

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tact, valendo-me de seu service em ordem a alimente-los e nesta mesmaordem os poderfto reger os meus herdeiros nao como herangas, sena°como a menores necessitados de regencia, nao lhes faltando corn a dou-trina, e use comum ate el-rei dispor outra coisa.26

Menores necessitados, filhos: foi nesse sentido que o discursopaternalista dos colonos aproximava-se da politica indigenista da Co-roa, apesar de tantas outras contradigOes. Se os Indies necessitavamde um tutor, por que esse papel nab podia ser exercido pelos parti-culares? Confiantes em que a razao estava a seu lade, os colonospassaram a apropriar-se do papel de modo exclusivo, sobretudo apartir da derrota imposta aos jesuitas.

COLONOS E JESUITAS: A BATALHA DECISIVA

Na verdade, a mentalidade escravista dos colonos nay se cho-cava com as perspectival da Coroa e nem mesmo corn as dos jesui-tas, no que se referia a questa.) do trabalho no Brasil. Por6m, aoinsistir no cativeiro manifestamente ilegal dos indios, provocou, nocampo politico, a oposicao ferrenha dos padres inacianos. Afinal decontas, boa parte do poder e prestigio dos jesuitas no Brasil provi-nha justamente da sua energica defesa da liberdade indigena, o que,no context() imediato do s6culo xvil, nao significava tanto a liber-dade plena quanto a oposiclo especifica a situagOes de escravidaoilegitima." A alternativa apresentada pelos padres propunha a liber-dade restrita das missOes, que cads vez mais tiravam de circulacaoos indios disponiveis para o mercado de trabalho colonial. Os jesui-tas dispunham de bons motivos para criticar os paulistas, uma vezque estes adquiriam a maior parte de seus indios por Was reconheci-damente ilegais; ao mesmo tempo, porem, os colonos exerciam suaoposicao aos jesuitas alegando que os padres retardavam a desen-volvimento de suss atividades econennicas.

0 confronto fatal entre as panes foi alimentado em dois 'Ovalsdistintos. Em nivel local, os colonos opunham-se ao controle exerci-do pelos jesuitas sobre os quatro aldeamentos nas imediacOes da vi-la de Sao Paulo. Ji na esfera intercolonial, os paulistas passarama enfrentar os protestos e litigios dos jesuitas espanh6is decorrentesdos assaltos praticados contra as missOes das provincias do Guaira

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regime paralelo de administragao particular. Por seu turno, os pau-listas nao pouparam palavras na tentativa de justificar o direito deexplorar o trabalho dos indios que eles mesmos tinham "descido"do sertao. Para citar urn exemplo, Domingos Jorge Velho, na suaconhecida epistola ao rei d. Pedro It, escrita durante sua campanhacontra o quilombo dos Palmares, declarou:

1...] e se ao depois [de reducer os indios] nos servimos deles para as nossaslavouras; nenhuma injustica Ihes fazemos; pois tanto 6 para os susten-tarmos a eles e a seus filhos wino a nos e aos nossos; e isto bem longede os cativar, antes se Ihes far hum irremuneravel serviao em os ensi-nar a saberem lavrar, plantar, collier e trabalhar para seu sustento, coisaque antes que os brancos lho ensinem, eles nee sabem fazes.'

Mesmo longe dos ouvidos reais, os paulistas repetidamente rea-firmaram tal postura. Diogo Pires, por exemplo, desculpou da se-guinte forma o uso de escravos indios: "Declaro que o gentio quetenho da terra os traziam por forga se bem é que se fizeram depoiscristdos"." JA Ana TenOria, enfatizando o aspecto paternalista daachninistragao particular, declarou: "tenho algumas pelas do gen-tio da terra as quais pouco mais ou menos sao quatorze ou quinzeas quais sao forras e como tais as devem meus herdeiros estimar,dando-lhe todo o born tratamento como tais servindo-se delas co-mo a razao e ensinando-as todos os bons costumes" . 18 Cabe res-saltar que, em ambos os casos, os senhores moribundos pediramque estes indios "forros" fossem divididos eqiiitativamente entreos herdeiros, clausula presente em quase todos os testamentos pau-listas.

A relativa ineficacia da autoridade regia neste territhrio remotodo Imperio portugues pode explicar, pelo menos em parte, a apa-rente contradigat entre a ilegalidade explicita da escravidao indige-na e a pratica corriqueira de manter os indios cativos. Contudo, doponto de vista legal, a questa° mostrava-se mais complexa. Se, porum lado, a Coroa elaborava uma legislagao um tanto idealizada, poroutro, as autoridades delegadas na ColOnia — inclusive as camarasmunicipals — desenvolviam procedimentos legais e administrativosque refletiam de forma mais coerente tanto as necessidades praticasdos colonos quanto os conflitos emergentes na esfera local. Em muitasocasiOes, tais procedimentos chocavam-se corn a legislactio em vi-gor, como no caso da escravidao incligena. 19 Ademais, os prOprios

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colonos reconheciam abertamente o paradoxo. No seu testamentoconjunto de 1684, Antonio Domingues e Isabel Fernandes expressa-ram uma opiniao de consenso quando declararam que os dez indiossob seu dominio "sac) livres pelas leis do Reino e s6 pelo uso e cos-tume da terra sao de servigos obrigathrios". 2° Igualmente, outra se-nhora de escravos, Ines Pedroso, colocou no testamento que "o gen-tio que temos sac) livres por lei do Reino e como tais o Tao possoobrigar a servidao"; mesmo assim, "me servi deles forgosamente co-mo os mais moradores e assim os deixo"."

Esses dois exemplos, dentre muitos outros semelhantes, demons-tram como os colonos percebiam o direito de manter relagOes de con-trole particular sobre os indios. Este direito se fundamentava ideologi-camente na justificativa de que os colonos prestavam urn inestimavelservico a Deus, ao rei e aos pr6prios indios ao transferir estes tiltimosdo sertao para o povoado — ou, na linguagem de seculos subseqiien-tes, da barbärie para a civilizacao — e se firmava juridicamente no ape-lo ao "uso e costume". Ao longo do seculo, esta percepgao de direitocristalizou-se, tornando-se — por assim dizer — traditional.

Mesmo assim, a ambigiiidade da situagao dos indios nunca dei-xou de transparecer, sobretudo na redagao dos testamentos seiscen-tistas, sendo considerada pelos criticos dos paulistas uma especie defraqueza moral destes. Manuel Juan Morales, por exemplo, urn dospoucos defensores nao jesuiticos da liberdade indigena em Sao Pau-lo, observou o seguinte em missiva ao rei de Espanha e Portugal:"Aqui se faz muitos testamentos, e na hora dos desenganos se jul-gam por verdade o que ensinam os padres da Companhia, declaran-do o enfermo que seus indios sao livres [...] e deixando-os livres nopapel, os cativa na justiga, repartindo-os entre os parentes do de-funto, para que os sirvam do modo que na hora da morte se julgouinjusto". 22 Talvez estivesse se referindo ao testament() de Louren-go de Siqueira, alias redigido por urn jesuita:

Declaro que eu tenho algumas pelas do gentio do Brasil as quais porlei de Sua Magestade sao forms e livres e eu por tais as deixo e declaro,e lhes peso perdeo de alguma foraa ou injustiaa que Ihes haja feito,e de Ihes nal) ter pago seu servigo como era obrigado e Ihes peg° poramor de Deus e pelo que Ihes tenho queiram todos juntos ficar e servira minha mulher, a qua] Ihes pagan% led serJigo na maneira que se cos-tuma na terra nem poderd alienar nem vender pessoa 'alguma destasque digo, e peso as justicas de Sua Magestade que Masan para descar-go de minha consciencia guardar esta Ultima vontade e disposigeo."

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Aqui torna-se claro o nexo entre o trabalho indigena e a produ-cao colonial, tanto na mentalidade dos paulistas quanto aos olhosdo observador alheio. Sem os indios para abrir as rocas, plantar assearas e carregar os produtos, os portugueses de Sao Paulo =I conse-guiriam manter suas pr6prias familias, tamanho era o desddm pelotrabalho manual. Antecipando o comentArio de frei Gaspar, Carva-lho buscou na estrutura da sociedade colonial uma explicagao paraestepostura depreciativa do trabalho:

Se Vossa Magegrade mandar povoar aqueles terras corn a mais robustagente e rtstica que tern o seu rein, aos quatro dies se reduziam na mes-ma forma dos Paulistas, porque 6 certo que daquelas bandas se Triotern visto ate hoje criado que vi de Portugal corn seu amo que Rao as-pire logo a set mais que ele, e por todas as rallies comum a todo o Bra-sil haver nele muito negro da guin6 ou gentio da terra, que sem estagente se Rao poderil tirar nenhurn fruto do Brasil porque tudo la a umamera preguica como assim o acredita d. Francisco Manuel no livro quecomp8s Preguica do Brasil.'

Em suma, para o autor destas observagOes e para muitos de seus con-temporaneos, a necessidade absoluta da escravidao arraigava-se naconvergencia entre a mentalidade colonial referente ao trabalho e oanseio de prosperidade que dava sentido a ColOnia. Assim, sustenta-va Carvalho, os paulistas nao podiam abrir 'Tao do gentio, porqueisto, alem de eliminar os beneffcios proporcionados pela capitania,reduziria os pr6prios colonos a um estado selvagem, no qual se ve-riam obrigados a viver a moda gentflica, fato que ja se observava en-tre os estratos inferiores da sociedade colonial. Assim, a questa° daescravidao indfgena era muito mais complexa do que o mero debatemoral em tomo da legitimidade do cativeiro. De fato, a escravidaotocava no pr6prio centro nervoso do colonialismo portugues, ondeas politicas pablicas e os interesses privados conspiravam para pro-duzir beneficios mUtuos as custas dos povos amerindios e africanos.

0 C1SO E COSTUME DA TERRA

Certamente mais interessada no desenvolvimento da ColOnia doque na liberdade dos indios, a Coroa portuguesa acabou consentin-do tacitamente com a existencia da escravidao indigena em Sao Paulo.

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O cativeiro legitimo, contudo, existia apenas num sentido bastanterestrito. Afmal de contas, os anicos cativos tidos como legitimos eramaqueles tomados em guerras justas, o que, com a experiancia, se mos-trou uma forma pouco eficaz de produzir escravos. Mesmo assim,aparecem casos isolados nos inventarios. No final do seculo xvi einicio do xvn, escravos tamoio, tupiniquim, biobeba, pe-largo e gold— escravizados nos conflitos da segunda metade do skulo xvi —figuravam entre as posses dos paulistas." Na dCcada de 1670, algunscativos tomados nas campanhas da Bahia aparecem como escravosem inventarios, ao passo que, no infcio do saculo xvtt, aparece umatal de Ana de Pernambuco, tomada evidentemente na Guerra dosBirbaros, "a qual ainda que parda 6 escrava como tal custou 300e tantas oitavas de ouro"." Finalmente, em 1730, um paulista men-cionou em seu testamento a presenca de alguns escravos goid e ka-yap& frutos das guerras justas contra esses povos durante o povoa-mento de Goias." Mas esses poucos casos acabam se perdendoquando confrontados corn os ntimeros muito mais extensos de cati-vos ilegitimos arrolados nos mesmos inventarios. Tao raros eram osescravos legais que, por exemplo, o inventariante da propriedade deAntonio Pedroso de Barros repetiu obsessivamente o termo quandodeclarou o valor de um "escravo do gentio da Bahia escravo em cempatacas por ser escravo", para nao deixar qualquer chivida quantoa condicao da "peca" em questao.'4

A presenca insignificante de escravos legftimos nao impediu queos contornos ideolOgicos da escravidao indigena em Sao Paulo ga-nhassem corpo ao longo do sOculo xvit. De fato, a introducao demilhares de indios demandou a criagao de uma estrutura institucio-nal que ordenasse as relacOes entre senhores e escravos. Apesar dalegislagat contraria ao trabalho forcado dos povos nativos, os pau-listas conseguiram contornar os obstäculos juridicos e moldar umarranjo institucional que perrnitiu a manutengão e reproducão de re-lacOes escravistas. Assumindo o papal de administradores particula-res dos indios — considerados como incapazes de administrar a simesmos os colonos produziram urn artiffcio no qual se apropria-ram do direito de exercer pleno controle sobre a pessoa e proprieda-de dos mesmos sem que isso fosse caracterizado juridicamente co-mo escravidao.' s-

Em Sao Paulo, o cativeiro da vasta maioria da populacao indi-gena assumiu urn certo grau de legitimidade atravCs da evolugao deste

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fera extra-econ6mica. Dal a importäncia fundamental da justifica-gdo constante por parte dos colonos perante a Coroa quanto a ne-cessidade absoluta e aos beneficios positivos do servigo particulardos indios, atrelando este a pr6pria sobrevivencia da CoMina.

Exemplos da vise.° particular dos paulistas referente a questa()indigena transparecem de forma irregular na documentagdo do se-cuM xVll — sobretudo nos testamentos. Porem, para apreender deforma concisa e articulada a postura dos colonos, contamos corn ointeressante relat6rio compilado na decada de 1690 por BartolomeuLopes de Carvalho, representzinte da Coroa que visitou as capita-nias do Sul para tomar informagOes "especialmente sobre os Indiosconquistados e reduzidos a cativeiro pelos moradores de S. Paulo"?Apoiando-se em depoimentos colhidos entre os pr6prios paulistas,Carvalho acabou esbogando aquilo que certamente era a percepgdodominante dos colonos de Sio Paulo corn respeito a sua sociedade,economia e historia.

Em seu relatOrio, ap6s lembrar a Coroa que os paulistas tinhamexecutado "muitos grandes servigos a Deus e a Vossa Magestade queDeus guarde, na conquista dos Indios", Carvalho passa a explicaros direitos hist6ricos dos portugueses sobre as terras indigenas noBrasil. Assim, afirmava ele, os indios, na Opoca da viagem de Ca-bral, eram "os verdadeiros senhores e possuidores" do Estado doBrasil, mas, pouco apes o contato, "corn eles se pactou paz e ami-zade na qual nos deram o direito que hoje temos nas suas terras".Este direito, consolidado pelo fato de os europeus possuirem uma"politica racional" e uma religido superior, justificava-se pela pro-pagagdo da ft, considerada retribuigio suficiente a apropriagão daterra e do trabalho dos indios, nocdo que, cabe notar, era freqlien-temente repisada nos testamentos dos colonos. Esta mesma visa° daconquista foi igualmente utilizada para a justificagdo da ocupagioportuguesa de Sdo Vicente, onde os primeiros povoadores viviam"corn mansidio, amizade e sossego" com os indios "mansos" tra-zidos pelOs jesuitas.

Para os colonos, era precisamente no rompimento desta situa-gdo de amizade e sossego por parte de indios hostis que se localizavaa necessidade pnitica e a justificativa moral para a escraviddo. Se-gundo estes, os indios "bravos" haviam passado a atacar os portu-gueses, tanto pelo ddio que tinham dos indios "mansos" aliados aosprimeiros, quanto simplesmente "pelo exercicio de sua braveza por

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serem acostumados a contfnuas guerras para cativarem gentes e fa-zerem deles agouge para sua sustentagdo". Ja os brancos, encurra-lados e sentindo-se incapazes de reduzir estes povos a fe cristE emfungdo de "sua grande braveza e brutalidade", viam-se na necessi-dade de os dominar pela forga das armas, alem de "cativarem al-guns destes gentios que trouxeram a povoado e deles se serviram nassuas lavouras, instruindo-os como catolicos para se batizarem comosempre o fizeram".

Nesse sentido, a escravizagao era justificada pela pratica traditio-nal de dominagdo dos infieis que conscientemente haviam rejeitadoa a catOlica, fato-relevante na medida ern que aderia aos principiosda guerra junta, estabelecidos pelos papas e reis cat6licos. Assim,as "nagOes barbaras", Mikis e levantadas em armas contra os cris-taos, teriam de ser:submetidas a forga. Igualmente, porem, mesmoos indios "mansos", os que "por sua livre vontade procurarem ogremio da Igreja", teriam de trabalhar para os colonos, ndo comoescravos legitimos mas "por seus interesses".

No relato de Carvalho, a justificativa moral e hist6rica para osurgimento do trabalho forgado dos indios serve apenas de preambu-lo para a apresentagdo dos motivos mais profundos do cativeiro. Sa-lientando os servigos prestados pelos paulistas para o bem comum daColOnia, o autor observou "quenenhuma destas coisas poderam con-seguir sem o servigo deste gentio pois corn des cursavam os mesmossertlies e corn eles abriam os minerais e usavam do lavor com que sus-tentavam todo o Brasil de farinhas de trigo e de pau, carves, fees,algodOes e outras muitas mercancias de que pagavam a V. Magde.seus tributos e quintos". Em outras palavras, o autor concluf a que,sem o trabalho indigena, a existencia de SA° Paulo teria pouco senti-do no contexto colonial. Apresentando uma sintese interessante doponto nodal da questa() indigena em Silo Paulo, arrematava:

Senhor o que s6 digo 6 que carece muito aquelas Capitanias deste mes-mo gentio quer liberto quer cativo porque sem eles nem Vossa Mages-tade tern minas nem nenhum outro fruto daquelas terras por ser tala propriedade daquela gents, que o que nao tern gentio para o servirvive como gentio sem casa mais que de palha sem cama mais que umarede, sem officio nem filbrica mais que canoa, linhas, anthis e flechas,armas corn que vivem para se sustentarem e de tudo o mais sao esque-cidos, sem apetite de honras para a estimagao nem aumento de casaspara a conservagao dos filhos...

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cessem que, "por ser novamente vindo do reino e nao ter tornado bemo ser da terra e a necessidade dela", os colonos nab se furtaram emdemonstrar seu desgosto corn a postura do capitao-mor. Na mesmaocasião, apesar de admitirem que os jesuitas "doutrinem e ensinemda maneira que sempre o Ftzeram", os colonos faziam objegao a pers-pectiva do controle inflexivel e exclusivo dos padres sobre a popula-cao trabalhadora, "visto ser muito em prejuizo da reptiblica e naoser servigo de sua magestade...". De acordo corn os colonos, os pr6-prios indios "Tao sao contentes de que seja dada a posse doles aosditos padres nem outfit pessoi alguma se nao viverem da maneiraque ate agora estiveram...". Embora algumas vozes tenham se le-vantado a favor dos jesuitas, o resultado principal da reuniao foiuma clara adverténcia quanto ao fato de que qualquer intervengãojesuitica nas relagOes de trabalho encontraria seria oposigao.8

0 alvard regio de 26 de julho de 1596 procurou mediar este con-flito, deFmindo em termos mais ldcidos o papal dos jesuitas. Segun-do o mesmo, caberia aos padres a incumbencia de trazer grupos naocontatados do sena° para as proximidades dos povoados portugue-ses, onde executariam a tarefa de "domesticar" os indios em aldeiassegregadas. 0 Indio, por sua vez, "sera senhor da sua fazenda", po-dendo servir os colonos por periodos nao superiores a dois mesescontra o recebimento de uma remuneragao digna por seu trabalho.Ademais, instaurou-se a figura do juiz dos indios, corn foro no cri-minal e no cive1. 8 Neste sentido, o alvard de 1596 apenas formali-zava o projeto dos aldeamentos, alias buscando reforgar urn arran-jo que jd se encontrava em franca declinio, particularmente em SaoPaulo.

Apesar dos esforgos da Coroa em garantir o monop6lio dos je-suitas sobre o acesso a mao-de-obra indigena, foi atraves da CamaraMunicipal que os colonos conseguiram driblar as medidas legislati-vas. Realmente, os colonos souberam explorar conflitos de autoridadeexistentes na pr6pria estrutura administrativa da ColOnia, manifes-tos, por Urn lado, entre a burocracia da Coroa e os privilegios dosdonatdrios e, por outro, entre a autoridade regia e a autonomia mu-nicipal. Neste contexto, a Camara Municipal de Sao Paulo, poucoa pouco, conquistou uma posigao de major destaque na disputa pe-Ia mao-de-obra indigena. Em 1600, por exemplo, a Camara deter-minara que o juiz dos indios teria jurisdigio apenas sobre os indiostrazidos do sera° pelos jesuitas, uma vez que uma leitura alterna-

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tiva do alvard de 1596 permitia uma interpretagao que restringia to-do o seu efeito aos indios residentes nos aldeamentos de Sao Miguel,Pinheiros e Guarulhos, já em minoria na populagao indigena doplanalto. Ao mesmo tempo, a Camara reafirmou a autoridade so-bre os indios por parte dos juizes ordindrios — portanto, da prOpriaCamara — e dos capitaes nomeados polo mesmo conselho, reafir-mando os privildgios detalhados na carta de cloaca° de Martini Afon-so de Sousa, feita em 15342 Apenas dues semanas mais tarde, amesma Camara alocava alguns indios para Joao Fernandes, "porser homem pobre", assim contestando abertamente o alvard de1596.8

Ao mesmo tempo em que os colonos apropriavam-se do con-trole sobre os indios trazidos do sertao, procuraram legitimar, nopiano institucional, as relagOes de dominagao subjacentes a explo-raga° do trabalho indigena. Na verdade, no decorrer do seculoos colonos afirmaram, cada vez corn mais convicgao, a necessidadedo cativeiro indigena, reconhecendo explicitamente que, para viabi-lizar o desenvolvimento econemico, mesmo em escala modesta, se-ria necessdrio superar obstkulos mais fortes que a posigao jesufticaem prol da liberdade dos indios. Ora, praticamente sem capital e semmajor acesso a creditos, reconheciam a impossibilidade de importarescravos africanos em ntimero considerdvel. Ademais, esbarravamna serra do Mar, o que tornava o transporte dificil e taro, especial-mente para os produtos de valor relativamente baixo que salam doplanalto. Em suma, para os paulistas participarem da economia co-lonial seria necessdrio produzir e transportar algum excedente acusto irrisdrio, a fim de que o prego alcangado no litoral justificasseo empreendimento. A solugao, conforme ja vimos, residia na explo-raga° impiedosa de milhares de lavradores e carregadores indios, tra-zidos de outras rookies.

Realidade incontestavel, o fato de os indios formarem a basede toda a producao colonial em Sao Paulo foi sempre ponto pacifi-co. Em termos praticos, os colonos lutaram por isto ao longo dotempo, consolidando urn incontestdvel triunfo sobre seus adversd-rios e recriando, controlando e sustentando a forga de trabalho. To-davia, no piano ideolOgico e institucional, sua posigao permaneceubem menos estAvel diante da oposigao dos jesuitas e da Coroa. Amedida quo, persistiam oposigees morals ou legais ao cativeiro dosindios, a reproducao do sistema enfrentava continua ameaga da es-

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deixando-se de lado seu aspecto comum: a escravidde. 3 A partir des-ta perspectiva, as estruturas que marcaram a sociedade colonial pau-lista nab parecem tao distantes da sua contrapartida nas zonasacucareiras.

Durante o seculo xvn em Sao Paulo, conforme vimos nos Ca-pitulos anteriores, a escravidao indigena desenvolveu-se a partir dosmesmos principios de exploragao econOmica que a escravidao negrano literal. Entretanto, em vista das restrigOes morals e legais ao cati-veiro des indios, os paulistas desde cedo procuraram — com maiorinsistencia que sua contrapartid'a baiana ou pernambucana — racio-nalizar e justificar o dominio sobre seus cativos. Fundamentando-seem argumentos bastante elaborados, os paulistas passaram a reivin-dicar no direito aquilo que jr1 exerciam de fato: o controle absolutesobre o trabalho e a pessoa indigena. Porem o percurso ndo foi na-da Men, pois, alem de enfrentar a dura oposigdo dos jesuitas, clueacabaram expulsos da capitania, foi tambern necessdrio desenvolversucessivas campanhas diplomdticas junto a Coroa para garantir apreservacdo de uma forma muito particular de escraviddo.

A ELABORACAD DE UMA MENTALIDADE ESCRAVISTA

Desde os primOrdios da colonizagio portuguesa, o desenvolvi-mento da escravidao indigena enquanto instituicao minimamente es-tOvel foi limitado por diversos obstdculos. A resistencia obstinadados indios do planalto, a oposictio persistente dos jesuitas, a posi-gab ambigua da Coroa quanto a questa)) indigena: todos fatores quedificultavam o acesso dos colonos a mito-de-obra indigena. Aos pou-cos e de forma meticulosa, os colonos enfrentaram e superaram es-tes empecilhos, articulando paulatinamente urn elaborado sistemade producao calcado na servidao indigena. Ainda no seculoderrubou-se o primeiro obstdculo, com a dizimagao da populacaotupiniquini e o afastamento dos Guaiand e guarulhos. Ja a segundamuralha cairia na primeira metade do seculo xvn, quando os inte-resses escravistas acabaram prevalecendo sobre os dos jesuitas, cul-minando corn a tumultuada expulstio dos padres em 1640. Apenaso terceiro obstdculo nunca chegou a ser completamente vencido pe-los paulistas, uma vez que a Coroa manteve uma postura de certomodo inconstante na formulagdo e execucao de sua politica indige-

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nista. Todavia, mesmo neste campo, atraves de uma bem construi-da luta politica e juridica, os paulistas conseguiram esbocar os con-tornos institucionais capazes de fomentar e sustentar a escravidaoindigena.

Todos estes elementos de confine sempre estiveram presentesna sociedade paulista, ganhando corpo a partir dos Ultimos anos doseculo xvr, especialmente a medida que aumentava o fluxo de no-vas levas de cativos para o planalto. Disputava-se, fundamentalmente,o destino dos indios egressos do sendo. Para os jesuitas, todos osindios "descidos" deveriam ser integrados aos aldeamentos, sendoposteriormente repartidos entre os colonos para services periOdicos.Por entre lado, os colonos que, afinal de contas, introduziam a vas-ta maioria dos indios por conta prOpria, buscavam apropriar-se dodireito de administragdo direta desses indios, lancando mao do po-der da Camara Municipal de Sao Paulo para atingir seus objetivos.

Inicialmente, contudo, a Camara permaneceu indecisa sobre odestino dos indios trazidos do interior. Assim, por exemplo, em 1587,quando a expedigdo de Domingos Luis se apresentou na vila comum Telmer° consideravel de cativos tupind, a Camara achou melhorencaminhar os indios para urn aldeamento, apesar dos energicos pro-testos dos colonos. A decisao respaldava-se ndo nos argumentos dosinteressados, mas na questa° da defesa da Colonia, uma vez que avila se encontrava assediada por outros grupos resistentes a conquistae a escravizacão.4 Apenas a partir da decada de 1590 esta posturamudou, quando o conseiho passou a adotar uma posielo explicita-mente pre-colono na questa° indigena, colocando-se em oposicaoao projeto dos aldeamentos e, por extensào, aos prOprios jesuitas.

Um fator importante na radicalizacao da questa° indigena emSao Paulo foi a maior intromissdo da Coroa e de seus prepostos nacapitania. A chegada, em 1592, de um novo capitdo-mor para go-vernar a capitania acirrou os confines. A posicao assumida pelo ca-pita° Jorge Correia divergiu completamente da de seus antecesso-res, que, ads, incentivavam o use da guerra ofensiva e da escravidaoindigena, cabendo aqui lembrar as atividades do capitao-mor Jero-nimo Lend° na decada de 1580 (ver, a respeito, o capitulo 1). Defato, pouco apes colocar os pe's no Brasil, Jorge Correia determi-nou que os indios deveriam ser entregues aos padres da Companhia,o que provocou uma rend° imediata e violenta dos moradores, querealizaram um ato ptiblico perante a Camara. Neste, embora reconhe-

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Contudo, a comparagao da riqueza produzida pela economiaregional de Sao Vicente corn aquela produzida nas zonas acucarei-ras, sendo estas plenamente integradas ao circuito comercial do Atlan-tic°, revela apenas urn lado da histeria. Ao mesmo tempo, nos con-textos local e regional, a experiencia da agricultura comercial teveurn papel fundamental na formacao das estruturas que dermiram SaoPaulo colonial e o mundo que os paulistas criaram.

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A ADMINISTRAcii oPARTICULAR

"No Brasil", observou frei Gaspar da Madre de Deus, "onde atodos se dava de grata mais terra do que Ihes era neressario e quantaos moradores pediam, ningu6m teria necessidade de lavrar prediosalheios, obrigando-sea solucao dos foros annals." Por esse motivo,segundo o frei, "nesteStado vive [ern] suma indigEncia quem naonegocia ou carece de escravos; e o mais 6 que, para algue'm ser rico,nao basta possuir muita escravatura, a qual nenhuma conveniEnciafaz a seus senhores, se Estes sao pouco laboriosos e nao feitorizampessoalmente aos ditos seus escravos".'

Terras em abundancia, necessidade de escravos: esta formula,sem dtivida, muito tinha aver corn a formagao da sociedade colonialbrasileira. Contudo, na0 chega a explicar de modo satisfatOrio a evo-Inca°, dinimica e viabilidade econemica de uma sociedade escravis-ta. Afinal de contas, 6 importante lembrar que a genese da escravidaono Brasil — tanto indfgena quanta africana — encontrava-se na arti-culacao de um sistema colonial que buscava criar excedentes agrico-las e extrativistas, transformados em riqueza comercial, e apropriar-secieles. De qualquer modo, nao se pode menosprezar o comentar. io defrei Gaspar, pois, al6m de configurar uma relagao de producao, aescravidao refletia, tambem, uma mentalidade bastante disseminadaelaborada, em muitos sentidos, a revelia dos ditames da economia doAtlantic°. Com certeza, em todos os cantos do Brasil colonial, a escra-via.° tomou-se o marco principal pelo qual se media a sociedadecomo urn todo.2

Ao discutir-se a escravidao na sua versa() paulista, contudo,apresenta-se o problema adicional de explicar por que e como a es-cravidao indigena se desenvolveu como a forma de producao predo-minante. Tal problematica leva, inevitavelmente, a uma comparacaopelo menos implicita corn a escravidao negra no Brasil, alias melhordocumentada e estudada pelos especialistas. De maneira geral, teem-seenfocado as profundas diferengas culturais entre Indios e africanos,

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tropolagicos. Os demais indios, escravizados por outros meios, fo-ram declarados livres. Na verdade, a lei teve pouco efeito sobre asreais relaglies entre colones e indios, uma vez que a brecha ofereci-da pela instituicao da guerra justa abria caminho para abusos. Dequalquer modo, a lei claramente refletia o tom conciliatOrio adota-do por uma Coroa ambivalent; indecisa entre os interesses de colo-nos e jesuitas. A postura a favor da liberdade dos indios certamenteatendeu aos apelos dos padres Luis da Cra e Jose de Anchieta, queparticiparam da junta de 1566, organizada pela Coroa para definira politica indigena, a partir da qua! surgiu a lei de 1570. Ao mesmotempo, a clausula referente a guerra justa surgia como resposta ademanda dos colonos por escravos, sendo ainda aceitavel para osjesuitas. Este dispositivo, bem conhecido na peninsula Iberica, ha-via sido invocado no Brasil pela primeira vez pelo governador Memde Sd em 1562. Nesta (Nakao os Caete foram condenados ao cati-veiro coma castigo por terem, seis anos antes, trucidado e suposta-mente comido o primeiro bispo do Brasil, apetitosamente apelidadoSardinha.86

0 CONTRAPONTO JESUITICO

Se a legislacao do seculo xvi tratava explicita e detalhadamen-te das questlies da guerra e do cativeiro indigena, a regulamentacaoe distribuicao da mao-de-obra permaneceram bem mais vagas. 0 im-pacto destrutivo da guerra levou os portugueses a busca de caminhosalternativos de dominacao e transformacao dos povos nativos, sur-gindo neste contexto as primeiras experiencias missioneiras. Aoimplementer urn projeto de aldeamentos, os jesuitas procuraram ofe-recer, atraves da reestruturagao das sociedades indigenas, uma solu-cao articulada para as questlies da dominacao e do trabalho indigena.De fato, apesar de nunca atingir plenamente suas metas, o projetojesuitico logo tornou-se um dos sustentaculos da politica indigenistano Brasil colonial.8'

0 primeiro aldeamento da regiao, embora nao projetado ini-cialmente como tal, foi Piratininga, organizado em torno da aldeiade Tibirici em 1554. No entanto, ao que parece, a populacao do po-voado nao chegou a ser muito grande, mesmo nos termos da epoca.Em setembro de 1554, Anchieta relatava que apenas 36 indios tinham

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sido batizados, alguns in extremis. Nesse mesmo period°, os padresaceitaram apenas 130 indios para a catequese, "de toda a idade ede ambos os sexos".8°

A partir de 1560, corn a fundagao da vila de Sao Paulo, maistres aldeamentos foram instituidos: Sao Miguel, Nossa Senhora dosPinheiros e Itaquaquecetuba, todos no planalto nas imediacOes davila, abrigando sobretudo os Tupiniquim e Guaiand. Urn quarto al-deamento jesuitico, Nossa Senhora da Conceicao, acolheu um gru-po de "guarulhos" introduzidos, por volta de 1580, pelos padres.No decorrer do seculo xvt, o dnico aldeamento no litoral vicentinofoi o de Sao Joao, surgido junto a vila de Itanhaem na decada de1560, sendo fundado e habitado por indios carij6."

Estas novas aglomeraglies rapidamente comegaram a substituiras aldeias independentes, transferindo para a esfera portuguesa ocontrole sobre a terra e o trabalho indigena. Em principio institui-dos com a intencao de proteger as populagees indigenas, na verda-de os aldeamentos aceleraram o processo de desintegracao de suascomunidades. A medida que os jesuitas subordinaram novas gru-pos a sua administracao, os aldeamentos tornaram-se concentra-glies improvisadas e instiveis de indios provenientes de sociedadesdistintas. Mesmo assim, nos anos iniciais pelo menos, as missivasdos padres mostravam certo otimismo para com o potencial de cres-cimento dos aldeamentos. Em 1583, por exemplo, padre Gouveiaregistrou uma populagao superior a quinhentas almas nos daisaldeamentos de Sao Miguel e Pinheiros, assim igualando-se a po-pulagao europeia da regiao, calculada em 120 lares. 8° Dois anosdepois, outro padre escrevia entusiasmado ao provincial sobre umpopuloso grupo de maromini (guarulhos) recem-"reduzido" e inte-grado a um aldeamento ao lado de indios guaiani, ibirabaquiyara(provavelmente Kayap6 meridional) e carij6." Finalmente, relate-ries referentes a batismos, embora pouco especificos em termos nu-mericos, tambern apontavam para um crescimento dos aideamen-tos nas decadas de 1570 e 1580.62

No contexto do seculo xvi, a expectativa positiva que o proje-to jesuitico suscitava empolgava nao apenas os missionfirios comotambem a Coroa e ate os colones. Para urn defensor do sistema es-crevendo no inicio do seculo xvn, os aldeamentos seriam cruciaisna defesa das zonas agucareiras do Nordeste contra &neaps exter-nas — as visitas peri6dicas de corsitrios ingleses e holandeses — e

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periodo de transicao. 0 papal dos jesuitas, sobretudo N6brega e An-chieta, foi importante,mas nao no sentido que aparece na historio-grafia convencional. Estes, na verdade, conseguiram promover umacordo entre certos grupos belicosos, o que, no entanto, nao redun-dou propriamente na paz. De acordo com o relato de Anchieta, osTupinambd mostravam-se dispostos a negociar precisamente porquea configuracao das aliancas estava mudando no contexto da guerra.Cientes da rebeliao das faccOes tupiniquim contra os aliados portu-gueses, os Tupinambã enxergaram a oportunidade de estabelecer umaalianca corn os portugueses pica combater setts rivals tradicionais— os Tupiniquim. De fato, Anchieta confessou que o Unico motivopara a negociacao da parte dos Tamoio foi "o desejo grande quetern de guerrear corn seus inimigos tupis, que ate agora foram nos-sos amigos, e pouco ha se levantaram contra nds...".'

Em 1567, quando a Guerra dos Tamoios chegou a seu fim, de-vido a agressiva campanha militar comandada por Mem de SA, asAreas de ocupagao portuguesa na capitania de Sito Vicente achavam-semomentaneamente pacificadas. No entanto, a perspectiva de desen-volvimento econOmico que a paz prometia ressurgia corn toda a for-ca na luta pela mao-de-obra indigena, caracterizada sobremaneirapela competicao direta entre jesuitas e colons 81 Ate certo ponto,a questa° envolvia uma delicada discussao Otica em torn da liber-dade dos indios, discussao que, entretanto, tem lido descontextuali-zada na historiografia. 0 fato 6 que, mais especificamente, o quede fato se disputava eram as formas de controle e integragao na emer-gente sociedade luso-brasileira de grupos recem-contatados. Tantojesuitas quanto colonos questionavam a legitimidade e os metodosutilizados pelo rival para arrancar os indios de suas aldeias natais,que abrangiam desde a persuasao ou atracao pacifica ate os meiosmais violentos de coact Uma vez consumada a separagao, disputa-va-se o direito de administrar o trabalho dos indios ja deslocadospara a esfera colonial.

EmbOra uma abordagem simplificadora dos fatos permitisse de-limitar estes conflitos em termos de interesses bem definidos entreas partes, a situagao real manifestou maior complexidade, explican-do, outrossim, algumas das contradicties que passaram a povoar apolitica indigenista dos portugueses no Brasil. Realmente, ao passoque os colonos nao se mostravam univocos a favor da escravidaocomo forma singular do trabalho indigena, nem todos os jesuftas

se opunham ao cativeiro. Afinal de contas, todos — excluindo osindios, 6 claro — concordavarn que a dominacao nua e crua propor-cionaria a Unica maneira de garantir, de uma vez por todas, o con- ,trole social e a exploracao econ8mica dos indigenas. Um exemploilustrativo desta ambivalancia 6 o pensamento do padre Manuel da -NObrega, que, entre outros, defendia a escravidao indigena e africa-na como meio necessirio para o desenvolvimento da Cothnia, suge-rindo certa vez que a condicao escrava seria um avango para a "gen- -tilidade". Ao discutir o modo mais eficaz para executar os pianosjesufticos, NObrega insistiu que queria ver o gentio "sujeito e meti-do no jugo da obediencia dos cristaos, para se neles poder impritnirtudo quanto quisessemos, porque a ele de qualidade que domado seescrevera em seus entendimentos e vontade muito bem a fe de Cris- to, como se fez no Peru e Antilhas".° 2 De fato, juntamente corn _muitos contemporaneos seus — padres ou nao NObrega susten-tava a simples no*, de que o Brasil s6 prosperaria a partir da do-minagao dos indios e, no caso de grupos particularmente resisten-tes, seria necessaria a execucao de guerras justas nas quaffs o inimigoseria reduzido ao cativeiro.

Para NObrega, portanto, apesar de sua defesa da liberdade damaioria dos indios, a escravidao indigena devia ser permitida e rnes-mo desejada em determinados casos, Mk, apenas para efeitos de de-fesa ou de castigo, mas tambern porque a oferta de legitimos cativosatrairia novos colonos para o Novo Mundo. De fato, segundo No-brega, a receita certa para o desenvolvimento recomendava que "ogentio fosse senhoreado ou despejado...".° 3 Anchieta, por sua vez,demonstrando certa frustragao corn os resultados contraditOrios deseus esforcos entre os Tupiniquim de Piratininga, ecoava as postu-ras de seu mentor: "Nao se pode portanto esperar nem conseguirnada em toda esta terra na conversao dos gentios, sem virem paraea muitos cristaos, que conformando-se a si e a suas vidas corn avontade de Deus, sujeitem os indios ao jugo da escravidao e os obri-guem a acolher-sea bandeira de Cristo".°4

Tais consideraceies contribuiram diretarnente para a formula-cao da lei de 20 de marco de 1570, que buscava regulamentar — masnao proibir — o cativeiro indigena." 0 novo estatuto designava osmeios considerados legitimos para adquirir cativos, sendo estes res-tritos a "guerra justa" devidamente autorizada pelo rei ou governa-dor e ao resgate dos indios que enfrentavam a morte nos ritos an-

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O local da nova vila, situada no topo da serra prOxima a principaltrilha utilizada pelos Tupiniquim nas suas excursoes para o litoral,permitia acesso ao vasto interior ao sul e oeste da capitania, confer-me sugere o titulo Borda do Campo." Realmente, os portugueseslogo exploraram esta orientagdo, come ilustra a viagem de urn certoFrancisco Vidal, que, jd em 1553, foi para o Paraguai, regressandoem poucos meses corn vinte escravos guarani. Embora o comercioclandestine fosse pouco aceitavel para a Coroa, os documentos daCamara Municipal de Santo Andre confirniam este contato com osespanh6is do Paraguai." •

Ao mesmo tempo, os jesuitas de Sdo Vicente preparavam-se parasubir a serra, pois padre NObrega projetava a consolidagat de gasaldeias indigenas no local da aldeia de Tibirica, entre os rios Taman-

' duatef e Anhangabmi, hoje centre de Sdo Paulo. n Os jesuitas, NO-brega em particular, alimentavam uma grande expectativa quantoa expansao da influencia portuguesa em Sao Vicente, em parte consi-derando a experiencia fracassada em outras capitanias mas sobretudopor causa das noticias faveraveis obtidas sobre a populacdo indfgenado Brasil meridional. Em 1553, a maior concentracao de jesuftas noBrasil achava-se em Sao Vicente "por ser ela terra mais aparelhadapara a conversao do gentio que nenhuma das outras, porque nuncativeram guerra corn os cristaos, e 6 por aqui a porta e o caminhomais certo e seguro para entrar nas geragOes do sera°, de que temosboas informagOes"23

Seguindo o projeto de N6brega, treze padres e irmlos da Com-panhia, muitos deles recem-chegados na frota de 1553, escalaram aserra do Mar e fundaram, a 25 de janeiro de 1554, o Colegio de SaoPaulo de Piratininga. 0 colegio, alem de abrigar os padres que tra-balhariam junto a populagdo local, tambern serviria de base a partirda qual os jesuitas poderiam projetar a fe para os sertoes. Porem,ao orientarem suas energias para os Carij6 do interior, acabaramentrarido em conflito direto com os colones, que procuravam nestesmesmos Carij6 a base de seu sistema de trabalho.

Todavia, este conflito aro se materializou imediatzunente, umavez que antes se fazia necessdria, para a permanencia dos invasoresem solo indigena, a colaboracdo entre colones e jesuftas perante aresist8ncia dos Indies. Realmente, ao longo da decada de 1550, osTamoio mantiveram o literal em estado de sftio: lancavam ate mes-mo ataques ao planalto, ameagando continuamente a jovem e insta-

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vet vita de Santo Andre. 74 Esta situagdo chegou a agravar-se na me-dida ern que a ocupacdo permanente do planalto pelos portuguesesprovocava tambem cisOes entre os prOprios aliados tupiniquim. 0facciosismo interno, resultado deste processo, manifestava-se de for-ma aguda: em 1557, o jesuita Luis da Gra relatou que as principaisaldeias tupiniquim estavam sofrendo o processo de desagregacdo."

Foi neste contexto de inseguranca que o governador Mem deSA determinou a extincdo da vila de Santo Andre em 1558, mandan-do os moradores se deslocarem para as imediagOes do Colegio, localmais seguro, onde se estabeleceu a vita de sao Paulo em 1560. Tdologo foi consumada a fusdo, em 1562, os colones e os jesuitas entrin-cheiraram-se na expectativa de urn assalto dos Indies revoltados. Aolongo dos tees anos seguintes, os Tupiniquim, liderados por Pique-robi e Jaguaranho, respectivamente irmdo e sobrinho de Tibirica,fizeram cerco a nova vita, ameagando-a de extingdo. 76 A guerra cau-sou series danos para ambos os lades, afetando de forma mais agu-da os Indies que atacavam e os que defendiam Sao Paulo.

De fato, apesar da relativa igualdade em termos estrategicos etecnolOgicos, os europeus contavam com uma arma muito maistante que as armas de Pogo: as doencas contagiosas. Assim como emoutras partes do Novo Mundo no secule xVt, os contägios surtiramefeito devastador sobre as populagOes indigenas do litoral brasilei-ro. A primeira epidemia mais sena alastrou-se pelo interior da capi-tania em 1554. "Corn estes que fizemos cristfros saltou a morte demaneira que nos matou três Principals e muitos outros indies e in-dias", escreveu desoladamente urn jesuita na epoca." As vezes as-solando diversas capitanias de uma se vez, as epidemias mortaistornaram-se cada vez mais freqiientes na segunda metade do seculo.Em 1559, por exemplo, um jesuita relatou o surto de uma doencaque fazia vitimas em massa ao longo do literal e no interior, do Riode Janeiro ao Espirito Santo. 78 Surtos considerAveis de sarampo evarfola irromperam em. Sdo Vicente durante a guerra de 1560-3, di-zimando e desmoralfrando a populagdo nativa."

Entrementes, o conflito mais ample entre portugueses e Tupi-namba estava sendo dermido ao longo do literal, ja que o efeitocumulative da diplomacia, das gees militares e dos contagios haviareduzido os tiltimos Tamoio a aliados, escravos ou cadiveres. A con-cluslo da guerra, corn um saldo tie negative para os indios, tam-bem ilustra alguns conflites e contradigOes da guerra indigena neste

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ses de um governo colonial como tambem esbocou a primeira mani-festagito de uma politica indigenista, dando inicio a uma serie inter-minivel de leis, decretos, ordens e regimentos que fariam parte deuma legislaeao no mais das vezes ambigua e contraditeria.° A no-va postura expressa no Regimento admitia abertamente que o fra-casso da maioria das capitanias tinha raizes no cativeiro ilegitimoe violento praticado pelos colonos. Ao mesmo tempo, de forma maisvelada, o Regimento reconhecia que o Exit° da CoRaja dependia,em Ultima instancia, da subordinacao e explofacao da mesma popu-lacao indigena.°

JESUITAS E COLONOS NA OCUPACAO DO PLANALTO

A frota de Tome de Sousa trouxe entre seus passageiros algunsjesuitas que haviam de representar a pedra fundamental da politicaindigenista. Apesar de sua relativa autonomia, pois respondiam antesao general da ordem em Roma do que ao rei de Portugal, e apesardo enorme poder econemico que acumulariam subseqiientemente,nestes primeiros anos os jesuitas serviram aos interesses da Coroacomo instrumentos da politica de desenvolvimento da CoMelia. Ofe-recendo um contraponto a dizimagao deliberada praticada pela maio-ria dos colonos, os jesuitas buscaram controlar e preservar os indiosatraves de um processo de transformacão que visava regimentar oIndio enquanto trabalhador produtivo. Corn o estabelecimento dealdeamentos, os jesuitas acenavam corn urn matodo alternativo deconquista e assimilaclo dos povos nativos. Conforme verificaremosadiante, este projeto malogrou, tendo graves implicacees para a for-macao de tuna relagao amargamente conflituosa entre jesuitas e co-lonos na regiao.

No entanto, estes conflitos s6 se intensificariam anos depois.No contexto imediato da Guerra dos Tamoios, a despeito de sal-lasdiferengas em opiniao, jesuitas e colonos colaboraram na ocupagaoformal do planalto pelos portugueses na Okada de 1550. Os freqiien-tes ataques dos Tamoio contra as unidades colonials do litoral torna-ram as atividades produtivas praticamente inviaveis. 0 padre Manuelda NObrega, ao reconhecer a necessidade de nticleos complernenta-res no litoral e no interior, comentou que os habitantes da costa,"posto que tenham peixe em abastanca, nao tern terras para manti-

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mentos nem para criacties, e sobretudo vivem em grande desasosse-go porque nao cada dia perseguidos dos contrarios e o mantimentoque comem vem do Campo, dez, doze leguas do caminho...".° ACamara Municipal de Sao Paulo, por sua vez, tambem destacou es-ta complementaridade em requerimento feito ao capita° Estadode Si:

[...] lembramos a Vossa Senhoria em como esta vila de Sao Paulo sen-do ha tantos anos edificado doze leguas pela terra adentro e se fazercorn muito trabalho longe do mar e das vilas de Santos e Sao Vicenteporquanto se nao podiam sustentar assim ao presente como pelo tem-po adiante porquanto ao longo do mar se nao podiam dar os manti-mentos para sustentamento das ditas vitas e engenhos nem haviam pantosem que pudessem pastar o muito gado vacum que ha na dita vila e Ca-

Alan de criar tuna econornia subsidiaria, a ocupagao formal doplanalto igualmente visava buscar novas fontes de mao-de-obra ca-tiva. A revolta dos Tamoio tornou a escravizacao dos Tupinambe.urn negOcio cada vez mais arriscado e caro. Diante disto, os portu-gueses voltaram sua atencao a outro inimigo dos aliados tupiniquim,os Carij6, que ern muitos sentidos fomeciam o motivo principal pa-ra a presenca tanto de jesuitas quanto de colonos no Brasil meridio-nal. Cabe ressaltar que ja existia, antes mesmo da fundacao de SaoVicente, urn modesto trafico de escravos no litoral sul, encontrando-se, no meio do semi°, muitos escravos carij6 nos engenhos de San-tos e sao Vicente.°

De fato, a consolidagao da ocupagao europeia na regiao de saoPaulo a partir de 1553 estabeleceu uma espécie de porta de entradapara o vasto sertao, o qual proporcionavanma atraente fonte de ri-quezas, sobretudo na forma de indios. Acontecimentos quase simul-taneos, a criacao da vila de Santo Andre da Borda do Campo e afundaclio do Cole& de Sao Paulo representavam o embriao do con-flito entre colonos e jesuitas em torno dos indios. De um lado, corn aparticipacao ativa de Joao Ramalho, um grupo de colonos corn seusseguidores tupiniquim estabeleceram a vila de Santo Andre, oficial-mente sancionada pelo donatário em 1553, quando foi concedido umforal e instalado um conselho municipal para tratar de assuntos ad-ministrativos. Assim, Santo Andre foi a terceira vila da capitania,seguindo Sao Vicente (1532, possivelmente 1534) e Santos (1545).

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406 HISTORIA DO BRASIL

8.4. 0 NOVO GOVERNO VARGAS 0 9 511 .— /is to)

Gettilio Vargas tomou posse a 31 de janeiro de 1951. A UDN tentou semexit() impugnar sua eleicdo, alegando que se poderia ser considerado vencedoro candidato que obtivesse maioria absoluta, ou seja, metade mais urn dosvotos. Essa exigencia ndo existia na legislacdo da epoca. Desse modo, osliberais punham a nu suas contradicOes. Defensores, em princfpio, da legalida-de democratica, tido conseguiram atrair o voto da grande massa, nas eleicdesmais importantes. A partir dal, passaram a contestar os resultados eleitoraiscoin argumentos duvidosos ou, cada vez mais, a apelar para a intervened() dasForeas Armadas.

Gettilio iniciou seu governo tentando desempenhar, nas condicees de urnregime democrâtico, um papel que ja desempenhara: o de arbitro diante dasdiferentes forcas sociais. Tentou atrair a UDN e escolheu um ministerio bas-tante conservador, com ampla predominancia de figuras do PSD. Entretanto,para o cargo estrategico de ministro da Guerra, nomeou o general EstillacLeal, urn antigo tenente, presidente do Clube Militar, ligado a corrente nacio-nalista do Exercito.

55. Genilio Vargas recebe trabalhadores do Servico Nacional de Malaria. 19.9.1951.

0 PERIODO DEMOCRATICO 407

8.4.1. DIVISORS NO EXERCITO: NACIONALISTAS VERSUS "ENTREGUISTAS"

A referencia a uma corrente no interior do Exercito ja indica que asdiferencas de opinido entre membros das Foreas Armadas tinham, corn otempo, se cristalizado em perspectivas conflitantes. Essas perspectivas serelacionavam com as divisoes que ocorriam na sociedade e tinham umamensdo especifica, no 'Ambito da instituiclio militar. A divisdo basica se davaentre nacionalistas e seus adversarios, chamados depreciativamente de "entre-guistas". Ela alcangava tanto os temas da politica econemica interna como a

posigdo do Brasil no quadro das relacees internacionais. Esta Ultima se reveloualias extremamente explosiva no desencadeamento dos embates nas ForcasArmadas e na sociedade como urn todo.

Esquematicamente, os nacionalistas defendiam o desenvolvirnento baseadona industrializacdo, enfatizando a necessidade de se criar um sistema econemicoautemomo, independente do sistema capitalism internacional. Isso significava

dar ao Estado urn papel importante como regulador da economia e como investidorem areas estrategicas — petreleo, siderurgia, transportes, comunicaches. Semrecusar o capital estrangeiro, os nacionalistas o encaravam coin muitas restriedes,seja por razdes econtimicas, seja porque acreditavam que o investimento decapital estrangeiro em areas estrategicas poria em risco a soberania national.

Os adversarios dos nacionalistas defendiam uma menor intervened() doEstado na economia, ndo davam tanta prioridade a industrializacao e susten-tavam que o progresso do pats dependia de uma abertura controlada ao capitalestrangeiro. Sustentavam ainda uma postura de rigido combate a inflacdo,atraves do controle da emissdo de moeda e do equilibrio dos gastos do governo.

No quadro das relacdes internacionais, os nacionalistas eram favoraveis

a uma posted.° de distanciamento, ou mesmo de oposicdo, re lativamente aosEstados Unidos. Seus opositores defendiam a necessidade de o Brasil sealinhar irrestritamente corn os americanos, no combate mundial ao comu-nismo. Lembremos que, nos primeiros anon da decada de 1950, uma aerie deacontecimentos empurrou os paises do Terceiro Mundo a uma definiedo porurn dos campos em luta. No mesmo ano em que Getelio tomou posse, a Coreiado Norte invadiu a Coreia do Sul, levando os Estados Unidos a uma interven-ed° naquela area, sob a bandeira da ONU. Comecava assim a Guerra da Cordia,

que iria se prolongar ate 1953.

408 HISIORIA DO BRASIL

Gettilio tomou posse corn a concordacia das Forcas Armadas. Esse fatoindica que setts chefes a.° se inclinavam a interrupno do jogo democratico.Mas, ao mesmo tempo, mostrava como a democracia dependia precariamenteda fianca militar.

Podemos ter uma flock) do que ocorria no Exercito naqueles anos, acorn-panhando os acontecimentos no Clube Militar. A disputa eleitoral no ClubeMilitar era urn indicador significativo do grau de inquietaca no interior doExercito e do peso das correntes em confronto. No inlet° de 1950, portantodurante o governo Dutra, haviam sido eleitos respectivamente para a presi-dencia e vice-presidéncia do clube os generais nacionalistas Estillac Leal eHort Barbosa, este Ultimo Iigado desde os anos 30 it defesa do monopelioestatal do petreleo. Eles derrotaram a Fuca oposta, que apresentara comocandidato a presidencia o general Cordeiro de Farias, adversario militate docomunismo.

Em fins daquele ano, urn fato contribuiu para dividir ainda mais osoficiais do Exercito. A revista do Clube Militar, dirigida por urn major na-cionalista de esquerda, publicou urn artigo em que se sugeria que os EstadosUnidos eram responsaveis pela Guerra da Coreia e que o Brasil deveria teruma posica de estrita neutralidade diante do conflito. Em resposta, seiscentosoficiais lancaram um manifesto denunciando os pontos de vista "russOfilos"expressos na revista. Seus editores foram obrigados a suspender a publicaga"ate que um clima de unidade voltasse a ser assegurado".

Estillac Leal tratou de se dissociar dos oficiais mais identificados cornposigOes antiamericanas, mas seu prestigio ficou abalado entre a oficialidade.Sua nomeaca para o Ministerio da Guerra foi recebida com restricOes. Elepermaneceu no cargo ate marco de 1952, quando se demitiu, pressionado pelosadversärios no Exercito. Foi nesse clima que se realizaram as eleigOes para adiretoria do Clube Militar, em maio de 1952. A politizacao da entidade setornara evidence. Houve uma campanha nacional em que se defrontaram aschapas Estillac Leal-Horta Barbosa como candidatos t reeleica e AlcidesEtchegoyen-Nelson de Melo como opositores. Atos arbitrarios e violaciasfisicas mancharam a campanha. Dessa vez, os adversarios do nacionalismotiveram ex ito, obtendo 8 288 votos contra 4 489 conferidos a Estillac-Horta.Era um sintoma claro de que a tendencia favoravel ao alinhamento com osEstados Unidos is se tornando majoritaria no 'Ambito da oficialidade do Exer-

0 PERIOD() DEMOCRATICO 409

cito. Alern da coacäo, a identificaga entre nacionalismo extremado e comu-nismo se revelara fatal para os candidatos derrotados.

8.4.2. 0 QUADRO ECONOMICO-FINANCEIRO

No inicio da decada de 50, o governo promoveu varias medidas des-

tinadas a incentivar-o_desenvolvime nto econ8mico, corn enfase na indus-

trializacao. Foram feitos InvesttmentoS publicos no sistema de transportes ede energia, corn a abertura de urn credit° externo de 500 milhOes de Mares.Tratou-se de ampliar a °terra de energia para o Nordeste e equacionou-se oproblema do carva nacional. Ocorreu tambem o reequipamento partial damarinha mercante e do sistema portuirio. Em 1952, foi fundado o Banco

Nacional de Desenvolvimento EconOmico (BNDE), diretamente orientado para

o propOsito de acelerar o processo de diversificado industrial.Ao mesmo tempo que tratava de dinamizar a economia, o govemo Vargas

se via diante de um problema corn fortes repercussOes sociais — o avanco da

infiaggo. Ern 1947: a infiaca que vinha dos tiltimos anos da guerra mundialperdeu intensidade, mas logo depois tomou impeto. Passou de 2,7% em 1947a uma media anual de 13,8% entre 1948 e 1953, apresentando se neste ultimo

ano uma variaca de 20,8% (Tabela 8).

Tabela 8. Brasil — Variagào Anual da Inflaga, 1946- 1953

Ano InflacIoNariagio %

1946 22,6

1947 2,7

1948 8,3

1949 12,2

1950 12,4

1951 11,9

1952 12,9

1953 20,8

Foote: Wanderley Guilberme dos Santos, Que Brasil E Este? Manual de Indicadores Politicos e Socials Rio de Janeiro,

UPERI/Vertice, 1990, p. 40.

410 HISTORIA DO BRASIL

A pressao inflaciondria decorreu de varies fatores. A forte alta dos pregosinternacionais do café, em 1949, gerou urn aumento da receita em divisas.Convertidas em cruzeiros, essas divisas resultaram em aumento do volume demoeda em circulagao, estimulando a procura de bens e a elevagao de pregos.Por outro lado, ao eclodir a Guerra da Coreia, o governo se endividou noexterior, financiando importagOes adicionais, pois esperava-se urn acentuadoaumento de pregos e dificuldades para as importacees, em decorthicia doconflito. Outro dado importance se encontra no fato de que a expansão in-dustrial vinha sendo estimulada, apesar dos estrangulamentos nas areas detransporte e de energia, acarretando elevagOes de custos e do preco final dosprodutos. Dada a natureza dos investimentos de in fra-estrutura, as medidastomadas pelo governo s6 produziriam efeitos a médio e longo prazo. Aomesmo tempo, o desenvolvimento industrial era incentivado pela concessãode cr6dito idea ao setor privado por parte dos bancos oficiais, especialmenteo Banco do Brasil, presidido por Ricardo Jafet.

Gettilio se via obrigado a manobrar em urn mar de correntes contra-diterias. De urn lado, nao podia deixar de se preocupar com as reivindicagOesdos trabalhadores, atingidos pela alta do custo de vida; de outro, precisavatomar medidas impopulares no sentido de controlar a inflacao.

Entre junho e julho de 1953, Gettilio modificou seu ministaio. Para oMinisterio do Trabalho, nomeou um jovem politico e estancieiro gaucho —Joao Goulart, mais conhecido como Jango. Jango comegara sua ascensaopolitica favorecido pelas ligagOes entre sua familia e a de Gettilio, no mu-nicipio de Sao Borja. Ligara-se aos meios sindicais do Pit e surgia comouma figura capaz de conter a crescente influencia comunista nos sindicatos.Apesar do papel que poderia desempenhar, Jango foi transformado em umapersonagem odiosa pela UDN, cuja influencia em urn setor da classe mediaera ponderavel, e pelos militares antigetulistas. Nesses circulos, ele era vistocomo o defensor de uma "Reptiblica sindicalista" e como a personificacao doperonismo no Brasil.

Em substituicao a Horacio Lafer, Getulio nomeou para o Ministêrio daFazenda seu velho colaborador Osvaldo Aranha, que ja se destacara no cargono inicio dos anos 30. 0 programa do novo ministro, chamado de PlanoAranha, tinha por objetivo controlar a expansao do credito e o ambit), nastransacOes com o exterior. Sob o Ultimo aspecto, era uma continuacao de

0 PERIODO DEMOCRATICO

411

medidas tomadas a partir de janeiro de 1953. Essas medidas estabeleceramum cfimbio flexivel, de acordo com os bens a serem exportados ou importados.Nä° existia pois uma taxa Unica de conversao de cruzeiros em dOlares e vice-versa. A maior flexibilidade cambial destinava-se a restaurar a capacidade decompetir das mercadorias exportadas e a favorecer importagOes de bens con-siderados basicos para o desenvolvimento econOmico do pals.

Em outubro de 1953, a Instrugao n 2 70 da Superintenancia da Moeda edo Credit° (Sumoc) introduziu o chamado confisco cambial. A medida fixouum valor mais baixo para o Mar recebido pelos exportadores de café, ao serconvertido em cruzeiros. Isso significa que o governo ficava corn uma partedos Mares obtidos pela exportagao do café, com o objetivo de financiarprojetos considerados prioritarios.

0 confisco cambial foi uma medida do governo no sentido de deslocarreceitas obtidas corn a exportagao de café para outros setores econ8micos,especialmente a indtistria. Provocou seguidas reagiles do setor cafeeiro, quetentou realizar marchas de protesto corn contend() politico, impedidas peloExercito. Foram as chamadas marchas da produgao, ja no governo de JuscelinoKubitschek.

Seria exagero porem dizer que o governo Vargas abandonou simples-mente a cafeicultura. Embora corn maus resultados, ele realizou uma politicade sustentacao de pregos altos no exterior, provocando irritacao nos EstadosUnidos. Uma comissao do Senado americano chegou mesmo a investigar os"pregos exorbitantes" mantidos pelo B rasil.

Nesse quadro conflitivo, surgiram press6es internas contra o Plano Ara-nha, coincidindo corn uma mudanca de rumos da politica americana em re-laclo aos paises do terceiro Mundo. 0 presidente Truman (1945-1952) forcara

uma definigao desses p . es com relacao ao comunismo, sobretudo apes oinicio da Guerra da Co: . a. Mas mantivera uma politica de assisténcia asnacOes incluidas na Orbita americana.

_Fa ianeiro de 1953, ogeneral mandate assumiu o presiden-

cial, chamando para as Secretarias do Tesouro e do Estado respectivamenteGeorge Humphrey e John Foster Dulles. Alan de converter o anticomunismo em uma verdadeira cruzada o governo dos Estados Unidos adotou uma pos-tura rigida diante dos problemas financeiros dos paises em desenvolvimento.A linha dominante consistia em abandonar a assistOncia estatal dada a esses

412 HISTOR1A DO BRASIL

pafses e dar preferancia aos investimentos privados. As possibilidades de oBrasil obter creditos ptiblicos para obras de infra-estrutura e pam cobrir osdeficits do balango de pagamentos encolheram sensivelmente. Os trabalhosno nivel de Estado realizados pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidoschegaram praticamente ao firn, sendo substituidos por negociagOes de credit°corn os bancos privados.

8.4.3. A POLfTICA TRABALHISTA E AS GREVES

Desde o inicio de seu governo, quando tentara unir em torno de si todasas forgas conservadoras, Gen'llio nä° esquecera uma de suas principais basesde apoio — os trabalhadores urbanos. No comicio de 1 2 de maio de 1951,realizado evocativamente no velho esticlio do Vasco da Gama, deu um passona diregâo do estabelecimento de lagos mais sOlidos corn a classe operiria.Ndo se limitou a palavras genericas e incentivou a organizagio sindical dostrabalhadores para que o ajudassem na luta contra "os especuladores e osgananciosos". Ao mesmo tempo, aboliu a exig8ncia do "atestado de ideologia"para a participacdo na vida sindical. Cora isso, favoreceu o retorno dos co-munistas e dos exclufdos em geral durance o periodo Dutra. Mas o governonao conseguiria controlar inteiramente o mundo do trabalho. A liberalizacaodo movimento sindical e os problemas decorrentes da alta do custo de vidalevaram a uma serie de greves em 1953. Destacaram-se, dentre elas, a grevegeral de margo ern S5o Paulo e a greve dos marftimos, no Rio de Janeiro,Santos e Belem, no m8s de junho. Ambas tinham sentido muito diferente.

Comegando pelo setor textil, a greve paulista chegou a abranger 300 miltrabalhadores, corn a adesdo de marceneiros, carpinteiros, operdrios em calga-do, grificos e vidreiros. Tinha como reivindicagäo principal um aumentosalarial de 60%, mas assumiu tambem um contetido de desafio a aplicaedo doDecreto-lei 9 070. Os trabalhadores decidiram prosseguir a paralisagdo mes-mo depois de esta ser considerada ilegal, corn base no decreto. Entremeadade choques corn a policia, a greve se estendeu por 24 dial. Afinal, terminoucorn acordos ern separado feitos por cada setor.

A "greve dos 300 mil" representou uma derrota para o getulismo ernSdo Paulo. 0 presidente mantinha pessoalmente parte de seu prestigio, mas o

0 PERiODO DEMOCRATICO 413

56. Certifies Vargas visits Sindicato dos Metaldrgicos ens 2 de maio de 1953.

PTB e os "pelegos" sindicais tinham sido ultrapassados na condugdo do movi-mento. Os comunistas, que na epoca estavam em oposigäo ferrenha a Gettilio,acusando-o de "lacaio do imperialismo", desempenharam o papel principal

na articulagio da greve.A greve dos maritimos abrangeu cerca de 100 mil trabalhadores. Os

sindicatos envolvidos solicitavam aumento salatial, melhora das condigOesde trabalho e o afaitamento da diretoria da Federagäo dos Maritimos, acusadade vinculagOes corn o Ministerio do Trabalho. Esta Ultima reivindicagâo vinhaao encontro dos objetivos de Gehllio, no sentido da reforma ministerial.

Joio Goulart assumiu o ministerio corn a greve ern curso e atuou comointermediatio eficaz. Como a greve ocorria em urn setor de interessesubmetido a regulagio econOmica do Estado, ele Ode impor o atendimentoda maioria das reivindicacOes dos grevistas. Ao mesmo tempo, forgou a rentin-cia da diretoria da Federagdo dos Maritimos, abrindo caminho pam outra, mais

prOxima dos trabalhadores e dele preprio.

8.4.4. 0 JANISMO

No mesme Ines de marco de 1953, em que eclodiu a greve dos 300 mil,houve em She Paulo urn acontecimento politico visto na ocasido come im-portante, mas cujo real alcance s6 seria possivel perceber no correr de algunsanos. Um vereador e ex-professor secundtio venceu as eleicOes pare prefeitode Sao Paulo, pela legenda do Partido Democrata Cristdo e do mintisculoPartido Socialista Brasileiro, derrotando os candidatos dos outros partidospresumivelmente mais fortes. Fite Quadros baseou seu Oxito em uma cam-panha populism — a do testae contra o milhao associada a bandeira de lutacontra a corrupcdo. Percebeu que este ultimo tema teria grande rentabilidadepolitica se deixasse de ser vinculado a elite udenista e se expressasse atravtde imagens eficazes. 0 simbolo da vassoura foi o melhor exemplo dessasimagens.

0 desejo de inovar, derrotando as miquinas partiddrias, e a crenga nospoderes migicos de um homem no combate a corrupgdo uniram diferentessetores sociais — da massa trabalhadora a classe media — em torno do nome de

8.4.5. A OPOSICA0

Enquanto isso, no centio federal, Jango concentrava os ataques dasteas civis e militares antigetulistas. Seu nome era ligado aos supostos pianosde uma Reptiblica sindicalista e, imediatamente, a um possivel aumento de100% no nivel do saltio minimo.

Entre as adverstios civis do governo, estava a maioria dos integrantesda UDN e partidos menores e grande parte da imprensa. Feb seu radicalismoe poder verbal, destacava-se Carlos Lacerda. Muito jovem, Lacerda lancara onome de Luis Carlos Prestes a presidOncia da ANL em 1935. Corn o correrdos anos, ele tido se rompera corn os comunistas como se transformara emum de seus mais ferrenhos adverstios. 0 populismo e o comunismo eram osalvos preferenciais. A partir de seu jornal Tribuna da Imprensa, iniciou vio-lenta campanha antigetulista, pregando a rentincia do presidente. A reminciadeveria vir acompanhada da decretacdo do estado de emergencia, durante o

qual as instituicOes democriticas seriam reformadas para impedir o que La-cerda considerava ser sua perversho pelos politicos populistas.

Entre os militares adversities do governo, encontravam-se oficiais anti-comunistas, inimigos do populismo, alguns identificados corn a UDN, e outrosadversärios dos politicos em geral. Os nomes mais conhecidos eram generalscomo Cordeiro de Farias e Juarez Tivora e o brigadeiro Eduardo Gomes. Logoa forca da oficialidade jovem iria se revelar.

0 grau de efervescência nos meios militares pode ser medido pelo Ian-camento do chamado memorial dos coronOis, em fevereiro de 1954, com aassinatura de 42 coronas e 39 tenentes-coron8is do Exercito. 0 memorial eradirigido ao ministro da Guerra e outras autoridades de comando do Exercito.Insistia nas questOes militares mas tinha implicagOes politicas. Constatava umestado de inquietacäo no Exercito, decorrente da deterioract de seus padrOesmorais e materiais. Essa deterioracdo favorecia, segundo os redatores domemorial, "as manobras divisionistas dos eternos promotores da desordem"e, coin o comunismo sempre a espreita, corria-se "o risco de uma subversdoviolenta dos quadros institucionais da nacio". A partir dal, o documentodefendia a necessidade de se reequipar o Exercito, rever vencimentos e esta-belecer cribrios mais justos de promocio. Terminava criticando, de urn lade,propostas governamentais no sentido de se fixarem altos padrOes de vencimen-tos para os funciontios civis com diploma de nivel superior e, de outro, apretendida elevacho do saline minimo em nivel que, nos grander centros dopals, segundo o documento, quase alcancaria o dos vencimentos miximos deum graduado do Exercito.

8.4.6. A QUEDA DE GETOLIO VARGAS

Em fevereiro de 1954, Gettilio voltou a reformular o ministerio. Joh°Goulart foi substituido por urn nome sem expressão no Ministerio do Trabalho,ndo sem antes apresentar a proposta de aumento de 100% do saline minimo.Ele deixava a imagem de um ministro que saia por querer conceder beneficiosaos trabalhadores. Desgastado com o inesperado episOdio do manifesto doscoroneis, o general Espirito Santo Cardoso saiu do MinistOrio da Guerra. Naesperanca de acalmar as Forcas Armadas, Getilio nomeou para o cargo o

0 PERIODO DEA4OCRATICO 4(5414 HISTOR1A DO BRAWL

416 HISTORIA DO BRASIL 0 PERIOD° DEMOCRATICO 417

general ZenObio da Costa, urn homem de sua confianca mas tambem urnconhecido adversdrio do comunismo.

Apesar desses cuidados, o presidente optou cada vez mais por urn dis-curso e por medidas que se chocavam corn os interesses dos setores socialsconservadores. Adotou uma linha nacionalista na area econ6mica, responsa-bilizando o capital estrangeiro pelos problemas do balanco de pagamentos.Diante da hesitacdo das empresas canadenses e americanas produtoras deenergia eletrica em realizar novos investimentos, respondeu ern abril de 1954corn o projeto de lei que criava uma empresa estatal para o setor — a Eletrobras.Naquele mesmo ma's de abril, o ex-ministro das RelacOes Exteriores, JoaoNeves da Fontoura, concedeu uma entrevista em que dava maior consistenciaas criticas da oposicdo. Joao Neves acusou o presidente e Joao Goulart deterem assinado urn acordo secreto corn a Argentina e o Chile corn o objetivode barrar a presenca americana no chamado Cone Sul do continence. A supostaaliarica, especialmente corn a Argentina de Perrin, soava como mais urn passona instalacao da "ReptIblica sindicalista".

No terreno das relacOes de trabalho, o antIncio de aumento de 100% dosafari° minimo, feito por Gettilio a 1 2 de maio, provocou uma tempestade deprotestos. A medida resultava ern urn aumento real de salario e nesse sentidotendia a agravar a inflagao. SO que, como vimos, as causas basicas da inflagaocram outran e ndo tinham origem ern niveis salariais elevados. Pelo contract°,a remuneracao dos trabalhadores havia se deteriorado atraves de anos seguidosde inflagao.

Apesar das pressOes e da inexistència, a essa altura, de uma sOlida basede apoio a seu governo, Getrilio se equilibrava no poder. Faltava a oposicaourn acontecimento suficientemente traumatic° que levasse as Forcas Armadasa ultrapassar os limites da legalidade e depor o presidente. Esse acontecimentofoi proporcionado pelo circulo dos intimos de Gettllio. Al se instalara a con-viccdo de que era preciso remover Lacerda da cena politica para garantir apermanencia de Gettilio no poder. Segundo se apurou mais tarde, figurasprOximas a Vargas sugeriram ao chafe da guarda presidencial do Palacio doCatete — Greg6rio Fortunato — que ele deveria "dar um jeito" em Lacerda.GregOrio — urn negro gaucho, fiel servidor de Gettilio por mais de trinta anos— armou, corn a ajuda de outro membro da guarda, o assassinato da figuramais ostensiva da oposicao. Se a ideia era desastrada, mais desastrada foi sua

execucdo. Na madrugada de 5 de agosto de 1954, o pistoleiro Alcino doNascimento tentou matar Lacerda a tiros, quando ele se aproximava da portade entrada do predio onde residia, na Rua Toneleros, em Copacabana. Acabouassassinando o major da Aeronautica Rubens Vaz — o acompanhante de Lacer-da enquanto este ficou apenas levemente ferido. Gettllio tinha agora contrasi urn ato criminoso que provocou indignacdo geral, urn adversdrio corn maio-res trunfos para langar-se contra ele e a Aerondutica em estado de rebelido.

As investigagOes da policia e a que a Aerondutica realizou por sua prOpriaconta comecaram a revelar os lados sombrios do governo Vargas, embora fosseimpossivel comprometer pessoalmente o presidente corn o que ele pr6priochamou de "mar de lama". 0 movimento pela reniincia de Gettilio assumiugrandes proporcOes. 0 presidente resistia, apoiado pelo general Zen6bio daCosta, insistindo no fato de que ele representava o principio da legalidadeconstitucional.

A 23 de agosto, tomou-se clam que o governo perdera o apoio das ForcasArmadas. Urn manifesto a nacao, assinado por 27 generals do Exercito, foilancado nesse dia, exigindo a rentincia do presidente. Entre os signatariosestavam nao apenas conhecidos adversidos de Gettilio, mas generais distantesda oposicdo sisternitica, como Peri Bevilacqua, Machado Lopes e, HenriqueLott, que pouco mais de urn ano depois se converteria em porta-voz da lega-lidade. Quando o cerco se apertou ainda mais, Gettllio Vargas respondeu corn

UM Ultimo e tragic° ato. Na manha de 24 de agosto, suicidou-se em seusaposentos no Palacio do Catete, desfechando urn tiro no coragao.

0 suicidio de Getiilio exprimia desespero pessoal, mas tinha tambemurn profundo significado politico. 0 ato em si continha uma carga dramdticacapaz de eletrizar a, grande massa. AIOM disso, o presidente deixava comolegado uma mensagem aos brasileiros — a chamada carta-testamento — ondese apresentava como vitima e ao mesmo tempo acusador de inimigos impo-pulares. Apontava como responsiveis pelo impasse a que chegara os gruposintemacionais aliados aos inimigos internos. Afirmava que eles se opunhamas garantias socials aos trabalhadores, as propostas para limitar os lucrosexcessivos, a defesa das fontes fundamentals de energia, corporificadas naPetrobrds e na EletrobrAS. Afirmava ainda a carta que, enquanto o lucro dasempresas estrangeiras alcancava 500% ao ano, o Brasil era obrigado a recuar,sob violenta pressio, em medidas tomadas para sustentar o preco intemacional

4IR HISTORIA DO BRASIL

do cafe. Gettilio encerrava a mensagem corn urn parigrafo dramätico:contra a espoliacdo do Brasil. Lutei contra a espoliacdo do povo. Tenho lutadode peito aberto. 0 Odio, as infAmias, a caltinia näo abateram meu Anima Euvos dei a minha vida. Agora vos oferego a minha morte. Nada receio. Sere-namente dou o primeiro passo no caminho da etemidade e saio da vida paraentrar na Histdria".

De fato, Gettilio ficaria na memdria da massa trabalhadora como ohomem que ouvira a voz dos "humildes" e fora responsAvel pela implantacãoda legislacAo trabalhista. Essa imagem é sem diivida simplificadora e execs-sivamente concentrada em urn homem, mas assim ocorreu, e isso deu alentoaos herdeiros politicos do presidente.

0 suicidio de Gettilio teve efeito imediato. A massa saiu as ruas em todasas grandes cidades, atingindo os alvos mais expressivos de seu Odio: cami-nhaes que carregavam a edicAo do jornal antigetulista 0 Globo foram quei-mados e houve tentativas de tomar de assalto a representacäo diplomAtica dosEstados Unidos, no Rio de Janeiro. Nessas manifestacöes, estiveram presencesos comunistas. Depois de passar todo o governo Vargas na oposicão, a pontode se inclinar pela remlincia, deram uma reviravolta da noite para o dia. Dalpara a frente, abandonaram uma linha radical que freqiientemente resultavaem beneficiar seus maiores inimigos e passaram cada vez mais a apoiar oesquema do nacionalismo populista.

A preferência por uma saida legal para a crise na copula do Exercito e oimpacto provocado pelas manifestacOes populares impediram que a "Replibli-ca do Galedo" ganhasse espaco em direcAo ao poder. Essa expressão se refereaos quadros da Aeronantica responsAveis pela montagem de um esquemaparalelo de investigacão e disposto a servir de ponta-de-lanca na "purificacdo"da democracia, como propunha Lacerda

0 vice-presidente Café Filho assumiu a presidéncia. Ele era um politicodo Rio Grande do Norte, corn um passado de esquerda, que se aproximara deAdemar de Barros por raziies de polftica regional. Tinha lido escolhido comocandidato a vice-presidente no Ambito do acordo entre o getutismo e o PSP.Entretanto, nos meses de crise, ficara corn a oposicAo. Café Filho formou urnministerio corn maioria udenista; ao mesmo tempo, assegurou ao pais quegarantiria a realizacão das eleicties presidenciais marcadas para outubro de1955.

0 PERIOD° DEMOCRATIC° 419

57. Ap6s a morte de Gentlio, temples do Exercito ocupam o largo pr6ximo ao Didrio de Not flax, de-

pois de destrufdo seu predio. Agosto de 1954.

8 5 A ELEIcAO DE JUSCELINO KUBITSCHEK

0 primeiro partido a apresentar candidato foi o PSD. fevereiro da-

Q1Jeleanotft ptaida.lAncalkasarktirtsw de Juse4inaidjI3gba, um politico

que fizera carreira nos quadros do PSD de Minas e se elegera governador do

420 A rm. p H1STORIA DO BRASIL

Estado He enrarnava hem uma (lac verb-ars dosipagisrpo e tinha condigOesde obter o apoio do PTB, como de fato aconteceu. Restaurava-se assim a alian-ca. PSD-PTB que, em 1945, dera a Dutra uma extraordinaria votacao.

Em maio, Ademar decidiu concorrer, apesar de ter sido derrotado porFink) nas eleigOes para o governo de Sao Paulo, em outubro de 1954.

Urn mes depois, a UDN langou mais uma vez um candidato militar. Naoera possivel insistir no name do brigadeiro Eduardo Gomes, desgastado porduas derrotas. Outro antigo integrante do movimento tenentista - o generalJuarez 'Mora - surgiu como candidato do partido. Juarez se destacava comoadverszirio do getulismo e ocupava a chefia da Casa Militar de Café Filho.

,Em a sklade dr. avangacno Tumo do desenvolyimemosconOmico, corn apoio no. capital piihlicapriyarba.

5.,, )Juarez insistiu na moralizatlossostumenolitica Ao mesmo tempo,mostrou-se contrail° a uma excessiva intervengao do Estado na economia queestava levando o pats a urn desequilibrio ameagador para seu progresso.

NI° faltaram jogadas sujas na campanha. Os adversatios de Jango eJuscelino utilizaram urn recurso que lembrava, ern outro contexto, urn episddiodos anos 20 . - o das cartas falsas contra Artur Bemardes. Em setembro de1955, publicaram nos jomais a chamada carta Brandi, supostamente enviadaa Joao Goulart em 1953, quando era ministro do Trabalho de Get-alio, pelodeputado argentino Antonio Jesds Brandi. A carta se referia a articulagOesentre Jango e Perlin para deflagrar no Brasil um movimento armado, queinstalaria a Reptiblica sindicalista. Uma investigagao realizada pelo Exercitocomprovou logo ap6s as eleigOes ter sido a carta forjada por falsarios argen-tinos e vendida aos opositores de Jango.

„A 3 de outubro de 1955, as urnas der-am a vitgria a Juscelino, mas pormargem estreita. Ele obteve 36% dos votos, enquanto Juarez alcangou 30%,Ademar 26% e Plinio Salgado, pelos antigos integralistas, 8% dos votos. Erapossivel votar em nomes integrantes de chapas diferentes para a presidencia ea vice-presidência. Joao Goulart elegenzsesice-presidente,comligrarAMVagaliPC4PAS44.11 1Cr l i no 0 exit° de Jango mostrou o avangocrescente do PTB.

Os furos na alimica PSD-PTB se localizavam em duas unidades impor-tantes: Sao Paulo e a capital da Reptiblica - o Distrito Federal. Em Sao Paulo,revelava-se a forca das figuras de Ademar e Tani°, inimigos entre si. Cada um

0 PERIOD° DEMOCRATICO 421

por sua conta, barrariam a influencia do PSD e sobittudo do PTB no Estado.Ademar obteve a maior votagao em Sao Paulo, coda cerca de 867 mil votos;Juarez veio em segundo, corn 626 mil, enquanto Juscelino, vencedor no pals,não passou de 241 mil votos. No Distrito Federal, Ademar surpreendeu, colo-cando-se em primeiro lugar (266 mil votos), bem a frente de Juscelino, se-gundo colocado, corn 199 mil votos.

8.5.1. 0 GOLPE PREVENTIVO DO GENERAL LOTT

,Antic a vitArio rh. It)crelinn e tnao_Omilan,slesencadeou-se utuasae,,nha contra a posse. No inicio de novembro de 1955, faleceu o presidente doClube Militar - general Canrobert Pereira da Costa, um dos mais destacadosconspiradores contra Gettllio. gm uma °raga° hinebre, pronunciada no enterrode Canrobert, o coronet Bizarria Mamede, urn doi signatarios do memorial

, dos coronas, fez o elogio do morto. Atacou os interessados em defender uma"pseudolegalidade imoral e corrompida" charnoti de "mentira democratica"

, um regime presidential que concentrava nas Ma r os do Executive-uma_ vitOria

da minoria A referencia a deka° de Juscelino era Obvia,0 ministro da Guerra- general Lott - pretendia punir o coronel, tratando

de limitar a politizagao das Forgas Armadas. Entretanto, por ser membro dadiregao da Escola Superior de Guerra, Mamede submetia-se diretamenteautoridade do presidente da ReptIblica. 0 problema estava em suspenso quan-do Café Filho sofreu, a 3 de novembro, urn ataque cardiaco, que o obrigou aabandonar provisoriamente o poder. Em seu lugar, como determinava a Consti-Mica°, assumiu o presidente da Camara dos Deputados, Carlos Luz. Comoele se recusasse a punir o coronel Mamede, Lott demitiu-se do Ministerio da

Guerra.A partir dal, ocorreu o chamadoWipnwentivo", ou seja, uma

.yengaomilitar_para_garan_tir a posse do presidente eleito e nao para impedi-la.A principal personagem da agao ocorrida a 11 de novembro de 1955 foi ogeneral Lott, que mobilizou tropas do Exercito no Rio de Janeiro. As tropasocuparam edificios govemamentais, estagOes de radio e jornais. Os comandosdo Exercito se colocaram ao lado de Lott, enquanto os ministros da Marinha eda Aeronautica denunciavam a agar, como "ilegal e subversiva". As forgas do

422 HISTORIA DO BRASIL 0 PER/ODO DEMOCRATIC° 423

Ex&eh° cercaram as bases navais e da Aeronautica, impedindo urn confrontodas Forcas Armadas.

Deposto da presidOncia, Carlos Luz refugiou-se no cruzador Tamandare,

acompanhado por seas ministros e outran figuras political, entre elas CarlosLacerda. 0 Tamandare conseguiu escapar ao fogo das baterias na Baia deGuanabara, dirigindo-se a Santos, na esperanca twilit de organizar a resis-tencia.

Rapidamente, ainda a 11 de novembro, o Congresso Nacional reuniu-separa apreciar a situacdo. Contra os votes da UDN, os parlamentares decidiramconsiderar Carlos Luz impedido; a presidência da Repilblica passava ao pre-sidente do Senado — Nereu Ramos —, na linha da sucessão constitutional. 0presidente do Senado era o vice-presidente da Repilblica. 0 Congresso evitoujogar lenha na fogueira, permitindo, contraditoriamente, que Carlos Luz re-assumisse a presidência da Camara dos Deputados. Dez dias mais tarde,aparentemente recuperado, Café Filho pretendeu voltar a ser presidente daReptibLica. Ele foi considerado impedido pelo Congresso, que confirmouNereu Ramos na chefia do Executive. A pedido dos ministros militares, logodepois, o Congresso aprovou o estado de sitio por trinta dias, prorrogado porigual periodo. Essa sane de medidas excepcionais garantiu a posse de Jusceli-no e Jango, a 31 de janeiro de 1956.

8.6. 0 GOVERNO JK

Em comparacdo corn o governo Vargas e os meses quese igirammatsuicidio do presidente, os anos JK podem ser considerados de .estabilidaclapolitica. Mais do que isso, foram anos de otimismo, embala.89s por altosindices de crescimento econOmico, pelo sonho realizado da construed° de Brasilia. Os "cinqUenta anos em cinco" da propaganda oficial repercutiramem amplas camadas da populacao.

8.6.1. AS FORCAS ARMADAS E OS PARTIDOS

Para compreender esse periodo, devemos nos deter um pouco mais nasobservacOes sobre as Foreas Armadas e o jogo dos partidos politicos.

A alta oficialidade das Foreas Armadas — especialmente do Exercito —

es 11 a maioria a garantir o regime democratiesamlro_decertos limites. Esses limites diziam respeito a preservacdo da ordem interim e.„_ao combate ao comunismo. Os Bois temas estavam assaciadox_p_ois o

inotsmo representava a inversao extrema da ordem social. Lembremos que oepisOdio de 1935, quando foram assassinados oficiais do Exercito, calou fundona corporaflo. Ele foi habilmente explorado ao longo do tempo, como mos-tram as cerim8nias de homenagem as vitimas da "intentona", realizadas todosos anos a 27 de novembro. 0 getulismo so recebia restricaes dessa maioriaauando enveredava pelo terreno de um nacionalismo agressivo ou quaodo _

apelava Para os tatialharlams.,Mas a opcdo do govern Vargas por esses cami-nhos, em 1953-1954, ndo explica por si so as pressOes que levaram ao suicidiodo presidente. Somou-sea opcAo outro fator, muito sensivel na Optica militar.

Diante das demincias de corrupeão e do assassinate do major Vaz, afigura do presidente perdeu legitimidade. 0 clima de incerteza politica vinhaacompanhado de urn aprofundamento de divisOes nas Forgas Armadas. Dal aintervencao dos militares, destinada a evitar o que parecia ser para a altaoficialidade urn processo de desagregacAo da sociedade e da corporacdo mili-tar.laviaSms_datforcasAmiadas outmar o seguiam a maioria. De urn

tlado estavam os ,oficiais nacionalistas — alguns dales prOximos dos comunis-tas os quail ontavam per um nacionalismo radical, em confronto corn oimperalismo americano. Pe outro lado estavam os purificadores da democra-cia, convencidos de que so atravds de um golpe, a partir do qual as instituicOesserMm renovadas t seria possivel irripedir o avanco da Reptiblica sindicalistaaiSligo)°, •

Nem todos ns "golpigaesorp,:t..tgagolaias?

,a ideia do polpe coma defesa dos interesses nacionais, Por exemplo, osoficiais daAeronautica rebelados em Jacareacanga (janeiro de 1956) denuncia-

yarn, alem da infiltracão comunista nos postos militares de comando, supostosentendimentos entre o governo e grupos financeiros internacionais para aentrega do petrOleo a venda de minerais estrategicos.

No case do governo Vargas, a maioria dos oficiais do Exercito via nadeposicAo do presidente um mal transitOrio, embora necessido; os "golpistas"esperavam liquidar de uma vez por todas o populismo getulista, interrompendopor tempo indefinido o jogo democratic°.

424 HIST0RIA DO BRASIL

Ao iniciar-se o governo JK, a copula militar se acalmara. Os partidäriosdo golpe jogaram uma cartada alta na remincia de Gulllio e na tentativa deimpedir a posse de Juscelino, mas tinham perdido.

Juscelino comegou a governar enfatizando a necessidade de se promover"desenvolvimento e ordem", objetivos gerais compativeis corn os das For-gasArmadas. 0 presidente tratou de atender reivindicacees especificas da corpo-racdo militar, no piano dos vencimentos e de equipamento. Tratou tambem demanter, tanto quanto possivel, o movimento sindical sob controle. Alem disso,acentuou-se a tendencia de indicar militates para postos governamentais es-trategicos. Por exempla, na Petrobths, assim como no Conse tho Nacional doPetrOleo, as principals cargos ficaram em m5os de membros das Forgas Ar-madas.

Seria preciso uma dose muito grande de fantasia para deixar-se conven-cer de que Juscelino era urn instrumento da Reptiblica sindicalista ou docomunismo. Nab pot acaso, os candidatos governistas venceram todas aseleicees para a presidencia do Clube Militar, em 1956, 1958 e 1960.

Nä° devemos imaginar que nib existissem inquietagOes e atos de insu-bordinacio no period°. Mas o fato de que rebeliOes de oficiais da Aeronduticatenham-Se localizado em teas distantes dos centros vitais do pals — Jaca-reacanga e Aragargas — mostra como elas representavam mais a expressdosimbolica dos inconformados do que uma ameaca efetiva.

Urn dos principais expoentes do apoio militar ao governo .1K foi o generalLott — ministro da Guerra durante praticamente os cinco anos de mandatopresidencial. Sem ter no Ambito do Exercito uma lideranca do porte de ge-nerais como Juarez Mora, Cordeiro de Farias, Estillac Leal, ZenObio daCosta, Lott reunia duas qualidades importantes: tinha uma folha de servicosimpecavel e era um homem sem partido. Este Ultimo fator facilitava bastanteseu trabalho de amenizar as divisdes nas For-gas Armadas. Lott formou urntripe de seguranca com o general Odilio Denys, comandante do I Exercito, ecorn a chefia de policia do Distrito Federal.

No piano da politica partidäria, o acordo entre o PSD e o PTB garantiu oapoio aos principais projetos do governo no Congresso. Os partidos tinhamassentado suas feigOes no curso de dez anos. Eles não deixaram de set veiculosde disputa pessoal e uma forma de acomodacdo de grupos rivais em busca deprivilegios. Mas, ao mesmo tempo, cada um deles passou a representar aspi-

0 REALMS° DEMOCRATIC° 425

raciies e interesses mais gerais. Urn train comum aproximava o PSD e o PTB,apesar de suas divergencias: esse Ono era o getulismo. Havia porem urngetulismo do PSD e outro do PTB. 0 getulismo do PSD reunia uma parte dossetores dominantes no campo; a burocracia de governo que nascera corn oEstado Novo; uma burguesia industrial e comercial beneficitia do desen-volvimento e dos negdcios propiciados pela inflagio. 0 getulismo do PTBabrangia a burocracia sindical e do Ministerio do Trabalho, que controlava aestrutura vertical do sindicalismo e teas importantes como a PrevidenciaSocial; uma parte da burguesia industrial mais inclinada ao nacionalismo; e amaioria dos trabalhadores urbanos organizados.

Para que a alianga dos dois partidos funcionasse, era necesstio que tantoum como o outro nao radicalizassem suas caracteristicas. Era preciso, de umlado, que o PSD näo se tomasse täo conservador a ponto de se chocar corn aburocracia sindical e as reivindicacOes operarias; era preciso, de outro lado,que o PTB nä° fosse muito longe nessas reivindicagOes, no avarice' sobre ospostos mais disputados do Estado, e nib convertesse o nacionalismo em

bandeira de agitagdo social.Em boa parte de seu governo, Juscelino conseguiu sintetizar os limites

de acio dos dois partidos. 0 principio de "desenvolvimento e ordem" eraadequado aos quadros do PSD, de onde provinha. No piano social, nib se opasaos interesses da burocracia sindical e tratou de limitar as explosOes grevistas.Desse modo, rao cortou os passos do PTB e de Jango, embora filo se possa

dizer que fizesse o jogo desse partido.0 PSD representou a forma predominante da alianca partidaria. Ele pos-

sufa maioria no Congresso, fomecia o maior flamer() de ministros de Estado e

controlava a politica financeira do pals.

8.6.2. 0 PROGRAMA DE MEIAS

A politica econOmica de Juscelino foi definida no Programa de Metas.Ele abrangia 31 objetivos, distribuidas em seis grandes grupos: energia, trans-portes, alimentacdo, inddstrias de base, &Menlo e a construcão de Brasilia,

chamada de meta-sintese.Buscando veneer a rotina burocritica, o governo criou Orgaos paralelos a

administracio ptiblica existente ou novas entidades. Por exempla, paralelamente

426 H!STORIA DO BRASIL

ao intitil e corrompido Departamento Nacional de Obras contra as Secas(DNOCS), surgiu — cercada de esperangas em sua maioria nao concretizadas —a Superintendancia do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Destinado apromover o planejamento da expansao industrial ao Nordeste, o Orgao foi subor-dinado diretamente a presidancia da Repilblica. Em seu conselho deliberativoforam incluidos, entre outros, os governadores dos Estados interessados,representantes do DNOCS, ministros e membros do Estado-Major das ForgasArmadas. Para empreender a construgão de Brasilia, surgiu a Novacap.

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) ganhou importancia,pois o Poder Executivo procurou fazer corn que ele funcionasse como Orgaode assessoria e de apoio ao Programa de Metas. 0 ISEB tinha sido fundadoem 1955, diretamente subordinado ao MinistOrio da Educagao; de seus conse-Ihos participavam professores, intelectuais, representantes da copula militar,dos ministUrios e do Congresso.

Os pressupostos do Programa de Metas mostram que, no governo JK,ocorreu uma definicao nacional-desenvolvimentista de politica econOmica. 0que queremos dizer corn essa expressào? Como distinguir entre "naciona-lismo" e "nacional-desenvolvimentismo"?

Para responder a essa pergunta precisamos retroceder urn pouco notempo. Minos como o processo de substituicao de importagOes ocorreu nogovemo Dutra apes a mudanga de rumos da politica econOmica. De uma formadeliberada, Getillio Vargas acentuou esse processo. A ampliagao da receitadas exportagOes em conseqiiência da Guerra da CoMia permitiu ao govemo,atraves do mecanismo do confisco cambial, concentrar em suas naos recursosque foram destinados a incentivar a industrializagao.

Corn freqiiancia, a politica de substituicao de importagOes estava asso-ciada a uma postura nacionalista. Seus defensores viam nela um instrumentoessencial para que o Brasil superasse o subdesenvolvimento e se tomasse umapotancia autOnoma. Os nacionalistas sustentavam a necessidade de controlepelo Estado da infra-estrutura (transportes, comunicacOes, energia) e da in-dtistria basica, ficando as outras areas da atividade econOmica nas maos daempresa privada nacional. Sem chegar a recusar em principio o capital es-trangeiro, insistiam pa necessidade de so aceita-lo corn muitas restrigOes, sejaquanto a area dos investimentos, seja quanto aos limites a remessa de lucrospara o exterior.

0 PERIOD° DEMOCRATIC° 427

O govemo JK promoveu uma ampla atividade do Estado tanto no setorde infra-estrutura como no incentivo direto a industrializacao, mas assumiutambem abertamente a necessidade de atrair capitais estrangeiros, conce-dendo-Ihes inclusive grandes facilidades. Assim, o governo permitiu uma largautilizacao da Instrucao 113 da Sumoc, baixada no governo Café Filho Essainstrucao autorizava as empresas a importar equipamentos estrangeiros semcobertura cambial, ou seja, sem depositar moeda estrangeira para pagamentodessas importagOes. A condi* para gozar da regalia era possuir, no exterior,os equipamentos a serem transferidos para o Brasil ou recursos para paga-los.As empresas estrangeiras, que podiam preencher esses requisitos corn faci-lidade, ficaram em condicOes vantajosas para transferir equipamentos de suasmatrizes e integra-los a seu capital no Brasil. A Instrugao 113 facilitou osinvestimentos estrangeiros ern areas consideradas priontArias pelo governo:indtistria automobilistica, transportes aereos e estradas de ferro, eletricidadee ago.

A expressao nacional-desenvolvimentismo, em vez de nacionalismo,sintetiza pois uma politica econ6mica que tratava de combinar o Estado, aempresa privada nacional e o capital estrangeiro para promover o desenvol-vimento, com enfase na industrializacao. Sob esse aspecto, o governo JKprenunciou os rumos da politica econOmica realizada, em outro contexto, pelosgovernos militares ap6s 1964.

Os resultados do Programa de Metas foram impressionantes, sobretudono setor industrial. Entre 1955 e 1961, o valor da producao industrial, des-contada a inflagao, cresceu em 80%, com altas porcentagens nas inthistrias doago (100%), mecanicas (125%), de eletricidade e comunicagees (380%) e dematerial de transport.e (600%).

De 1957 a 1961, o NB cresceu a uma taxa anual de 7%, correspondendo

a uma taxa per capita, ou seja, por habitante, de quase 4%. Se considerarmostoda a d6cada de 1950, o crescimento do FIB brasileiro per capita foi aproxi-

madamente trés vezes major do que o do recto da America Latina.0 govern de Juscelino ficou associado a instalagao da inc:Istria automo-

bilistica. Isso nao quer dizer que antes dele nab tivessem existido montadorase fabricas de autopegas no Brasil. Suas proporeties exam por6m limitadas. Aempresa nacional mais importante era-a Fabrica Nacional de Motores (FNM),instalada em 1942 como sociedade de economia mista em que o Estado tinha 0

428

HISTORIA DO BRASIL

58. Juscelino em visita a Fibrica "Vemag" D.K.W. cm Sao Paulo.

controle acionario. A FNM foi criada corn o objetivo ndo-alcancado de fabricarmotores de altar). A partir de 1946 comecou a produzir tratores e em 1952,caminhOes, corn urn indice de nacionalizacdo de 35% do peso do veiculo.

As diretrizes para uma efetiva implantacdo da indtistria partiram doGrupo Executivo da Indtistria Automobilistica (GE1A), criado por um decretode Juscelino. 0 GE1A propOs que se incentivasse a producio de automOveis ecaminhoes, com capitals privados especialmente estrangeiros. Estes foramatrafdos para o Brasil gracas as facilidades concedidas pela Instrucão 113 eoutras, e gracas tambem as potencialidades do mercado brasileiro. As grandesempresas multinacionais, como a Willys Overland, a Ford, a Volkswagen e aGeneral Motors, concentraram-se no ABC paulista, mudando completamentea fisionomia daquela região. Entre outras conseqUencias, a inchistria automo-bilfstica passou a concentrar operarios em proporcOes ineditas no pals.

Ern 1960, Ultimo ano do governo Juscelino, s6 as qualm empresas acimamencionadas produziram em tomo de 78% do total de 133 mil veiculos, su-ficientes para abastecer a demanda brasileira. As empresas estrangeiras conti-nuaram se expandindo, enquanto a FNM perdeu cada vez mais importancia

0 PERIOD° DEMOCRATIC() 429

ate ser absorvida pela Alfa-Romeo em 1968. Naquele ano, a Volkswagen, aFord e a GM eram responsiveis por quase 90% dos veiculos produzidos.

Vista em termos nuntóricos e de organizacdo empresarial, a instalacdoda indtistria automobilistica representou urn inegävel exito. Lembremos poremque ela se enquadrou no propdsito de se criar uma "civilizacdo do automovel",ern detrimento da ampliacao de meios de transporte coletivo para a grandemassa. A partir de 1960, a tendancia a fabricar automOveis cresceu a ponto derepresentar quase 58% da producio de veiculos em 1968. Entre 1957 e 1968,a frota de automOveis aumentou cerca de 360% e a de Onibus e caminhOes,respectivamente, cerca de 194% e 167%. Por outro lado, como as ferroviasforam na pratica abandonadas, o Brasil se tornou cada vez mais dependenteda extensdo e conservacao das rodovias e do use dos derivados do petreleo na

area de transportes.Na memOria dos brasileiros, os cinco anos do governo Juscelino sat)

lentbrados como urn periodo de otimismo associado a grandes realizacOes,cujo major exemplo 6 a construcio de Brasilia. Na epoca, a fundacdo de uma

59.1useelino em visita a fabrica metalargica. 1957.

nova capital dividiu as opiniäes e foi considerada urn tormento pelo funcio-nalismo pUblico da antiga capital da Reptiblica, obrigado a transferir-se parao Planalto Central do pais,Sitapjawag, pois a primeira Constituicao republicana, de 189 L, atribuia ao Congresso competência para "mudar a capital da Uniao". Coube potent a Juscelino levar o projeto a pratica, corn enormeentusiasmo, mobilizando recursos e a mao-de-obra constituida principalmentepor migrantes nordestinos — os chamados "candangos". A frente do planeja-mento de Brasilia ficaram o arquiteto Oscar Niemeyer e o urbanista LiicioCosta, duas figuras de renome internacional.

0 projeto de lei encaminhado pelo Executivo ao Congresso para a cons-trugao de Brasilia foi aprovado em setembro de 1956, apesar da forte re-sisténcia da UDN. Alegavam os udenistas que a iniciativa era demag6gica,resultando em mais infiagao e no isolamento da sede do governo. No cursodos trabalhos, Carlos Lacerda encabegou o pedido de constituicao de umaComissao Parlamentar de Inquerito para apurar irregularidades na contratagAodas obras, sem conseguir exito. Afinal, na data simbOlica de 21 de abril, em1960, Juscelino Kubitschek inaugurou solenemente a nova capital.

8.6.3. 0 MOVIMENTO OPERA. R10 E A ORGANIZACAO SiNDICAL

Nao se fala muito sobre o movimento operdrio e a organizacao sindicaldurante o periodo de Juscelino. No entanto, naqueles anos, o sindicalismopassou por mudangas que iriam se revelar mais claramente nos primeiros anosda decada de 1960, durante o governo Joao Goulart.

Comecemos lembrando o surgimento de liderangas mais jovens, de umacorrente janista e a presenca ativa dos comunistas. Cada gnat a seu modo,essas liderangas perceberam a dificuldade de articular o movimento dos tra-balhadores, que ganhava amplitude, na apertada estrutura oficial. Nasceramassim organizacOes paralelas a estrutura oficial. Em Sao Paulo, foi fundadoem 1955 o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), que congregava sindicatosna sua maioria representantes de categorias profissionais vinculadas a eco-nomia de mercado, como metaltirgicos, texteis, graficos etc. 0 PUI teve papelsignificativo na dinamizagao das atividades sindicais, ate chegar a uma crisepor ocasiao de uma greve desfechada por seis categorias profissionais, em

outubro de 1957. As divergências entre as correntes internas e a pressaopatronal levaram a dissolucao do PUI.

Pouco antes desse fato, os comunistas criaram no Rio de Janeiro umafrente de ferroviarios, maritimos e portuarios que deu origem ao Pacto deUnidade e Acao (PUA). 0 PUA tinha sede no Rio de Janeiro e, ao contrario doPUI, atuava no setor ptiblico da economia ou em setores de utilidadecontrolados por empresas do Estado e concessionirias de servigo ptiblico. 0organismo preparou o caminho para a formagao do Comando Geral dos Tra-balhadores (CGT), que iria desempenhar urn papel relevante nas Breves doperiod() Goulart. A criagao do PUA acentuou uma tendencia ja existente emanos anteriores, dizendo respeito a area de atuagao dos sindicatos. Ela foi seconcentrando cada vez mais no setor ptiblico ou de utilidade pdblica. Alandisso, no setor de mercado, o relativo peso da organizacao sindical foi maiornos ramos tradicionais em declinio, caso tipico dos taxteis. Nessa epoca, osindicalismo teve dificuldades em penetrar em urn setor de ponta — a inchistriaautomobilistica. Esse fato parece explicar-se por doffs fatores basicos. De urnlado, pela tradigao de enraizamento do movimento sindical, sobretudo doscomunistas, na area das empresas ligadas ao Estado. De outro, pela deso-rientagao dos veihos dirigentes sindicais diante das novas tecnicas de relacaesde trabalho implantadas pelas empresas multinacionais, atraindo os trabalha-dores corn beneficios e a esperanga de promogOes.

Ao mesmo tempo que constituiram organizacOes paralelas, os dirigentessindicais trataram de politizar os sindicatos. Isso significava que eles deveriamapoiar a corrente nacionalista e as propostas de reformis sociais — as chamadasreformas de base —, entre as quais se incluia a reforma agrAria.

A greve pela paridade de vencimentos (novembro de 1960) revela al-gumas das tendencias apontadas. De certo modo, ela representou o reverso damedalha do memorial dos coronas, lancado em 1954. Em julho de 1960, osmilitares receberam urn aumento que nao foi estendido ao funcionalismo civile as empresas concessionarias de servigo ptiblico. Ap6s esgotarem nego-ciagOes, ferroviarios, maritimos e portuarios desfecharam uma greve nacionalpela paridade. Os velhos "pelegos" colocaram-se contra o movimento, reu-nindo-se corn o ministro do Trabalho para prestar solidariedade ao governo.0 pr6prio Jango nao obteve vantagens corn a paralisagdo e permaneceu emsiténcio no Rio Grande do Sul. A lideranga ficou nas maos dos comunistas e

0 PERTODO DEMOCRATICO 43I430 HISTORIA DO BRASIL