fato gerador itbi

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UNIVERSIDADE GAMA FILHO Centro de Atualização em Direito Liana Sepe Saraiva MOMENTO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DO ITBI: Imposto sobre transmissão de bens imóveis por ato oneroso inter vivos Belo Horizonte 2009

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Monografia sobre o direito

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Page 1: Fato Gerador Itbi

UNIVERSIDADE GAMA FILHO

Centro de Atualização em Direito

Liana Sepe Saraiva

MOMENTO DA OCORRÊNCIA

DO FATO GERADOR DO ITBI:

Imposto sobre transmissão de bens imóveis

por ato oneroso inter vivos

Belo Horizonte

2009

Page 2: Fato Gerador Itbi

LIANA SEPE SARAIVA

MOMENTO DA OCORRÊNCIA

DO FATO GERADOR DO ITBI:

Imposto sobre transmissão de bens imóveis

por ato oneroso inter vivos

Monografia apresentada ao Centro de Atualização em Direito - CAD e à Universidade Gama Filho como requisito para a conclusão do curso de Pós-graduação lato sensu, com especialização em Auditoria de Tributos Municipais.

Orientadora: Profa. Maria do Carmo do Nascimento.

Belo Horizonte

2009

Page 3: Fato Gerador Itbi

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Professora Maria do Carmo do Nascimento, pelo apoio,

dedicação e encorajamento na pesquisa.

A Magda Barbosa Roquette Taranto, pela paciência e revisão do texto.

À minha família, pelo apoio e incentivo.

Page 4: Fato Gerador Itbi

RESUMO

O momento da ocorrência do fato gerador do imposto sobre transmissão

de bens imóveis por ato oneroso inter vivos (ITBI) é assunto de muitas

divergências doutrinárias e de conflito entre a lei civil e a lei tributária. Mesmo com

a decisão do Superior Tribunal de Justiça proferindo que o registro imobiliário é

que determina o momento do recolhimento desse imposto, os municípios

continuam recebendo-o no ato em que a escritura pública é lavrada. Deste modo,

o tema continua a desafiar a argúcia dos nossos juristas, que se dividem em duas

correntes. A primeira corrobora o entendimento da Suprema Corte. A segunda

considera que o fato gerador do imposto em questão ocorre no momento da

concretização do ato negocial, concordantemente com os municípios. O objetivo

deste trabalho é analisar as duas vertentes em relação à lei e, com base nesta,

definir o momento da ocorrência do fato gerador do imposto sobre transmissão de

bens imóveis por ato oneroso inter vivos.

Palavras-chave: Imposto sobre transmissão de bens imóveis por ato oneroso inter

vivos ITBI. Registro imobiliário. Escritura pública.

Page 5: Fato Gerador Itbi

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC Ato Constitucional

ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade

art. Artigo

CAD Centro de Atualização em Direito

CC Código Civil

CF Constituição Federal

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

CTN Código Tributário Nacional

EC Emenda Constitucional

ICMS Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e

sobre Prestações de serviços de Transporte Interestadual e

Intermunicipal e de Comunicação

IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano

ITBI Imposto sobre transmissão de bens imóveis por ato oneroso inter vivos

ITCD Imposto de transmissão, causa mortis e doação de quaisquer bens ou

direitos

LC Lei Complementar

RGI Registro Geral de Imóveis

Page 6: Fato Gerador Itbi

SUMÁRIO1

1 INTRODUÇÃO............................................................................................ 7

2 CONTEXTO HISTÓRICO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS

IMÓVEIS INTER VIVOS.................................................................................

9

3 A LEGISLAÇÃO E A REGULAMENTAÇÃO DO IMPOSTO....................... 11

3.1 Legislação do ITBI.................................................................................... 11

3.1.1 A Constituição da República Federativa do Brasil................................ 11

3.1.2 O Código Tributário Nacional................................................................ 13

3.1.3 Lei municipal......................................................................................... 15

4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DEFINIÇÃO DO ITBI............................ 16

4.1 Definição do ITBI...................................................................................... 16

4.2 Transmissão onerosa de bens imóveis.................................................... 17

4.3 A qualquer título....................................................................................... 17

4.4 Bens imóveis............................................................................................ 19

4.4.1 Propriedade e posse............................................................................. 19

4.4.1.1 Aquisição e perda da posse............................................................... 20

4.4.1.2 Aquisição e perda de propriedade..................................................... 21

4.4.1.3 Domínio útil de bens imóveis............................................................. 21

4.5 Direitos reais............................................................................................ 22

4.5.1 Cessão onerosa de direitos................................................................... 23

5 O FATO GERADOR DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS

IMÓVEIS........................................................................................................

23

5.1 Conceito de fato gerador.......................................................................... 24

5.2 Momento da ocorrência do fato gerador.................................................. 26

1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas.

Page 7: Fato Gerador Itbi

6 A INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA.. 29

6.1 O art. 109 do Código Tributário Nacional................................................. 30

6.2 O art. 110 do Código Tributário Nacional................................................. 30

6.3 Parágrafo único do art. 116, Código Tributário Nacional......................... 31

7 O PARÁGRAFO 7º DO ART. 150 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL........... 33

8 DECISÕES DOS TRIBUNAIS SOBRE O MOMENTO DE OCORRÊNCIA

DO FATO GERADOR DO ITBI......................................................................

36

9 A DOUTRINA SOBRE O ASPECTO TEMPORAL DA HIPÓTESE DE

INCIDÊNCIA DO ITBI.....................................................................................

40

10 CONCLUSÃO............................................................................................ 45

REFERÊNCIAS.............................................................................................. 47

Page 8: Fato Gerador Itbi

7

1 INTRODUÇÃO

O momento da ocorrência do fato gerador do imposto sobre transmissão de

bens imóveis por ato oneroso inter vivos (ITBI) é assunto de muitas divergências

doutrinárias e de conflito entre a lei civil e a lei tributária.

O Superior Tribunal de Justiça e os municípios têm entendimento

divergente a respeito de quando recolher esse imposto. O primeiro determina que

ele seja cobrado no ato do registro imobiliário; e os municípios acreditam que isso

deve ser feito quando a escritura pública é lavrada.

Este trabalho tem como objetivo definir esse momento, com base na lei.

Com este intuito, realizou-se pesquisa bibliográfica e documental em publicações

em formato de livros, revistas, periódicos e sites, priorizando a busca em autores

renomados, análise histórica e fundamentação teórica e legal sobre o momento

da ocorrência do fato gerador do ITBI. Nas obras investigadas teve-se acesso a

diferentes posições doutrinárias expostas em análises e reflexões feitas por

pessoas de vasto conhecimento jurídico que, eventualmente, ao discordarem

entre si, demonstram a riqueza e a robustez do Direito.

Como auditora de tributos, entendo ser minha função contribuir para o

aperfeiçoamento do sistema fiscal, a prevenção e o combate à fraude e à evasão

fiscal e para a promoção da justiça e da equidade fiscal. Essas são as bases

deste trabalho.

O tributo exerce função de alta relevância como instrumento garantidor da

autonomia municipal. É fundamental que os municípios se adaptem ao regime de

autossustentabilidade, minimizando sua dependência financeira aos repasses

constitucionais das esferas governamentais superiores, e invistam no incremento

de sua própria área tributária. Entre os tributos de competência dos municípios

está o ITBI, que tem função arrecadatória.

Após esta breve introdução, o capítulo dois apresenta o contexto histórico

do ITBI.

No capítulo três, aborda-se a legislação pertinente a esse imposto, bem

como as normas constitucionais, as normas gerais e a legislação específica sobre

o assunto.

Page 9: Fato Gerador Itbi

8

A Lei Municipal 5.492/1988, de 28 de dezembro de 1988, institui o ITBI em

Belo Horizonte:

“Art. 2º - O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis por Ato Oneroso “Inter Vivos” - ITBI - tem como fato gerador: I - A transmissão onerosa, a qualquer título, da propriedade ou domínio útil de bens imóveis, por natureza ou acessão física, situados no território do município. II - A transmissão onerosa, a qualquer título, de direitos reais, exceto os de garantia, sobre imóveis situados no território do município. III - A cessão onerosa de direitos relativos à aquisição dos bens referidos nos incisos anteriores” (BELO HORIZONTE, 1988).

O capítulo quatro trata dos conceitos de termos presentes nesse art. 2º,

definidor do fato gerador do ITBI, de acordo com a legislação tributária e civil.

O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis no sistema

brasileiro e o momento de sua ocorrência são comentados no capítulo cinco.

Como será visto, doutrina e jurisprudência divergem sobre o momento em que se

considera ocorrido o fato gerador do ITBI.

A interpretação e integração da legislação tributária estão presentes no

capítulo seis, analisando os arts. 109, 110 e o parágrafo único do art. 116 do

Código Tributário Nacional (CTN).

O parágrafo 7º do art. 150 da Constituição Federal é o tema do capítulo

sete. Esse item é de muita importância no sentido de autorizar o ente tributante a

adotar política fiscal que impeça fraudes, elisões e facilite a fiscalização de

tributos. Ao determinar que a lei pode instituir a obrigação do recolhimento do

imposto devido em operações que presumivelmente irão ocorrer no futuro, este

preceito constitucional vem ao encontro do problema-tema deste trabalho.

Comenta-se, no capítulo oito, sobre precedente do Supremo Tribunal

Federal que destaca que somente o registro de compra e venda constitui fato

gerador do ITBI.

No capítulo nove descreve-se o pensamento doutrinário a respeito do tema

em estudo, relatando as opiniões a favor e contra o momento da incidência do

fato gerador do ITBI por ocasião da escritura pública.

Por fim, são expostas as conclusões no capítulo 10 e a seguir as

referências bibliográficas utilizadas neste trabalho.

Page 10: Fato Gerador Itbi

9

2 CONTEXTO HISTÓRICO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE

BENS IMÓVEIS INTER VIVOS

Neste capítulo discorre-se sobre as origens e conceitos do ITBI a fim de

que se possa ter mais conhecimentos acerca do tema proposto.

No Brasil, a tributação da transmissão de bens imóveis teve sua primeira

referência em 03 de junho de 1809, a partir da publicação do Alvará de nº 03 que

instituía o “imposto do sisa” da compra e venda dos bens de raiz”, cobrando 10%

de todas as compras e vendas, arrematações e trocas de bens imóveis.

A primeira previsão constitucional do tributo, classificando-o como imposto

sobre a transmissão da propriedade, surgiu com a Carta de 1891, art. 9º, III,

destinando sua competência tributária aos estados.

Em 1934, com a promulgação da Constituição, nascem dois impostos,

ambos destinados aos estados, originados da cisão do antigo imposto sobre

transmissão de propriedade: a) imposto sobre a transmissão da propriedade

imobiliária inter vivos, art. 8º, I, alínea c; b) imposto sobre a transmissão da

propriedade imobiliária causa mortis, art. 8º, I, alínea b.

Os textos constitucionais de 1937, art. 23, I, alíneas b e c, e os de 1946, art.

19, II e III, trouxeram mesmo teor apresentado na Constituição de 1934,

mantendo os impostos de transmissão de propriedade causa mortis e imobiliária

inter vivos na competência dos estados.

Nas décadas de 50 e 60, verificou-se no Brasil considerável aumento de

novos municípios que, para fazerem frente à necessidade de custear os serviços

públicos de sua competência e para garantirem a autonomia administrativa,

passaram a pressionar a União, para auferir recursos tributários.

Com efeito, a Emenda Constitucional (EC) nº 05/1961 outorgou, então, aos

municípios a competência tributária do imposto de transmissão de bens inter vivos,

art. 29, III. O imposto de transmissão causa mortis, art. 19, I e §§1º e 2º, ficou a

cargo dos estados.

Não teve longa duração a competência dos municípios sobre esse imposto.

A EC nº 18/1965 retornou aos estados a competência tributária plena sobre o

Page 11: Fato Gerador Itbi

10

imposto de transmissão de bens imóveis, promovendo a fusão dos impostos de

transmissão causa mortis e inter vivos, art. 9º, caput e §§ de 1º a 4º.

A Constituição de 1967 (art. 24, I e § 2º), o Ato Constitucional - AC nº

40/1968 (com pequenas alterações no § 2º) e a EC nº 01/1969 (art. 23, I e §§ 2º e

3º) não alteraram a essência normativa prevista no texto da EC nº 18/1965.

A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988, de

acordo com os arts. 1º e 18, integrou o município como ente federado,

possibilitando a ampliação da autonomia municipal, outorgando-lhe o poder de

elaborar sua própria Lei Orgânica. No novo pacto federativo houve

descentralização do poder que estava concentrado nas mãos da União. Imperou

entre as pessoas políticas, União, estados, Distrito Federal e municípios, absoluta

igualdade, cada qual com suas competências exercidas em total independência.

Os arts. 29 e 30 da CRFB/1988 atribuíram autonomia ao município, com

capacidade de organização, governo, administração e autonomia financeira.

A descentralização tributária, entre outros objetivos, visou a dotar de mais

recursos os municípios. Por essa razão, foram introduzidas profundas alterações

na distribuição da competência tributária. Entre elas, destaca-se a divisão do

imposto sobre transmissão de bens imóveis em dois novos, formalmente distintos,

cabendo um para os estados e Distrito Federal, “transmissão, causa mortis e

doação de quaisquer bens ou direitos”- ITCD (art. 155, I, da Constituição Federal -

CF/1988), e outro para os municípios, o imposto sobre “transmissão inter vivos, a

qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física,

e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de

direitos à sua aquisição - ITBI” (art. 156, II, da CF/1988) (CARRAZA, 1997).

A reforma promovida pela EC nº 03/1993 instituiu a figura do fato gerador

presumido, trazendo nova interpretação do elemento temporal da hipótese de

incidência do ITBI, conforme será visto mais à frente.

Page 12: Fato Gerador Itbi

11

3 A LEGISLAÇÃO E A REGULAMENTAÇÃO DO IMPOSTO

Para que se possa aprofundar mais sobre o tema, faz-se necessário um

estudo sobre a legislação pertinente ao imposto. Neste capítulo, apresentam-se

as normas constitucionais, as normas gerais e a legislação específica do ITBI.

3.1 Legislação do ITBI

No Brasil, a legislação tributária está sujeita a um sistema constitucional, ou

seja, a Constituição Federal determina as normas sobre tributação, delimitando as

normas maiores do Direito Tributário Nacional.

A Constituição, por sua vez, delega à lei complementar estabelecer normas

gerais em matéria tributária. E cabem a cada ente da Federação instituir, por lei

ordinária, os tributos de sua competência.

3.1.1 A Constituição da República Federativa do Brasil

A norma padrão de incidência dos tributos no Brasil está contida na

Constituição Federal. É ela que estabelece a regra matriz da competência

tributária, as hipóteses de incidência possível e outros elementos como o sujeito

ativo, o sujeito passivo, a base de cálculo e a alíquota das várias espécies de

tributos.

A Constituição Federal não institui os tributos, mas estabelece a sua

previsão e designa os entes públicos competentes para exercer a competência

tributária sobre eles.

O Título VI da Constituição da República Federal do Brasil, da Tributação e

do Orçamento, Capítulo I, dividido em seções, dispõe sobre o Sistema Tributário

Nacional e trata das normas maiores do Direito Tributário. Estabelece os

princípios gerais, a limitação do poder de tributar, discrimina as competências

Page 13: Fato Gerador Itbi

12

tributárias, determinando as espécies tributárias que cabem a cada ente federal e

dá as linhas gerais da repartição das receitas tributárias.

A Constituição dispõe, no seu art. 146, que cabe à lei complementar federal

estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente

sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como em relação aos

impostos e aos respectivos fatos geradores, bases de cálculo, contribuintes,

obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência. No caso do ITBI, é o

CTN a referida lei complementar.

A respeito do ITBI, a Constituição Federal determina:

“Art. 156 - Compete aos municípios instituir impostos sobre: [...] II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; § 2º - O imposto previsto no inciso II: I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;” [...]

3.1.2 O Código Tributário Nacional

O Código Tributário Nacional foi originalmente promulgado como lei

ordinária, Lei nº 5.172/1966, sob a égide da Constituição de 18/09/1946, visto que

não existia a figura da lei complementar no texto constitucional (BRASIL, 1966).

A figura da lei complementar foi criada na Constituição de 1967, com a

competência para estabelecer normas gerais de Direito Tributário. Determina o art.

18, §1º, transcrito:

“§1º Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre conflitos de competência tributária entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios e regulará as limitações constitucionais do poder tributário.”

Como a Lei nº 5.172/1966 já disciplinava normas gerais em matéria

tributária, foi recepcionada pela Constituição de 1967 como lei complementar. O

Page 14: Fato Gerador Itbi

13

Ato Complementar nº 36, de 13/03/1967, confere-lhe status de lei complementar

em seu art. 7º, denominando-a Código Tributário Nacional.

As Constituições Federais de 1969 e 1988 também destinam à lei

complementar matéria sobre normas gerais tributárias. O Código Tributário

Nacional, recepcionado como lei complementar pela Carta Constitucional de 1967,

mantém-se assim também nas Constituições de 1969 e 1988.

A Constituição confere à lei complementar a tarefa de “complementar” as

disposições constitucionais sobre Direito Tributário (é o que ocorre quando dispõe

sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os estados, o

Distrito Federal e os municípios - CF, art. 146, I) ou regular as limitações

constitucionais ao poder de tributar (CF, art. 146, II), desdobrando as exigências

do princípio da legalidade, regulando as imunidades tributárias, etc.

É, ainda, função típica da lei complementar estabelecer normas gerais de

Direito Tributário (art. 146, III). A disciplina geral do sistema tributário já está na

Constituição; o que faz a lei complementar é aumentar o grau de detalhamento

dos modelos de tributação criados pela Constituição Federal.

O CTN foi novamente tratado pela Constituição Federal de 1988 como lei

complementar, porém os dispositivos nele previstos que não estavam em

consonância com o novo texto constitucional não foram recepcionados.

O Código Tributário Nacional regula o ITBI nos arts. 35 a 42, conforme

dispõe o art. 146, III, a. Deve-se, porém, lembrar que na época da sua edição o

ITBI estava unificado ao imposto de transmissão causa mortis e ambos eram de

competência dos estados. Assim, o texto do CTN faz referência aos dois tributos

simultaneamente.

Encontram-se no CTN, relativamente ao ITBI, os seguintes artigos:

“Art. 35 - O imposto, de competência dos estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador: I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

Art. 36 - Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior: I - quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;

Page 15: Fato Gerador Itbi

14

II - quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra. Parágrafo único - O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.

Art. 37 - O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição. § 1º - Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrerem de transações mencionadas neste artigo. § 2º - Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição. § 3º - Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data. § 4º - O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.

Art. 38 - A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

Art. 39 - A alíquota do imposto não excederá os limites fixados em resolução do Senado Federal, que distinguirá, para efeito de aplicação de alíquota mais baixa, as transmissões que atendam à política nacional de habitação.

Art. 40 - O montante do imposto é dedutível do devido à União, a título do imposto de que trata o art. 43, sobre o provento decorrente da mesma transmissão.

Art. 41 - O imposto compete ao estado da situação do imóvel transmitido ou sobre que versarem os direitos cedidos, mesmo que a. mutação patrimonial decorra de sucessão aberta no estrangeiro.

Art. 42 - Contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei.”

3.1.3 Lei municipal

A lei ordinária exerce a tarefa de criar, in abstrato, o tributo que, in

concreto, nascerá com a ocorrência do fato gerador nela previsto.

Com a competência tributária determinada pela CRFB/1988 para instituir o

imposto em estudo, cabe a cada município editar lei ordinária específica.

Em Belo Horizonte, o tributo foi criado por intermédio da Lei nº 5.492/1988,

de 28 de dezembro de 1988. Entrou em vigor em 1º de março de 1989,

Page 16: Fato Gerador Itbi

15

obedecendo à disposição constitucional, sendo regulamentada pelo Decreto

Municipal nº 6.240 de 1989.

“Art. 2º - O imposto sobre transmissão de bens imóveis por ato oneroso “Inter Vivos” - ITBI - tem como fato gerador: I - A transmissão onerosa, a qualquer título, da propriedade ou domínio útil de bens imóveis, por natureza ou acessão física, situados no território do município. II - A transmissão onerosa, a qualquer título, de direitos reais, exceto os de garantia, sobre imóveis situados no território do município. III - A cessão onerosa de direitos relativos à aquisição dos bens referidos nos incisos anteriores.”

Page 17: Fato Gerador Itbi

16

4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DEFINIÇÃO DO ITBI

Neste capítulo, apresentam-se alguns conceitos, assim como a definição

de alguns termos que envolvem o ITBI, considerando-se as determinações

constitucionais e do CTN.

4.1 Definição do ITBI

O texto da Constituição traz a definição do imposto de transmissão de bens

imóveis com os seguintes dizeres:

“Art. 156 - Compete aos municípios instituir impostos sobre: II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição”.

Basicamente, o CTN e a Lei Municipal nº 5.492/1988 preservam a

definição do ITBI tal como está na CF/1988. Estabelecem como fato gerador a

transmissão onerosa, a qualquer título, da propriedade ou domínio útil de bens

imóveis, por natureza ou acessão física, situados no território do município, de

direitos reais, exceto os de garantia sobre imóveis situados no território do

município e a cessão onerosa de direitos relativos à aquisição desses bens.

Inicialmente, atente-se para a definição dos termos empregados no inciso

I, do art. 2º da lei municipal instituidora da exação.

“Art. 2º - o imposto sobre transmissão de bens imóveis por ato oneroso “inter vivos” - ITBI - tem como fato gerador: I - A transmissão onerosa, a qualquer título, da propriedade ou domínio útil de bens imóveis, por natureza ou acessão física, situados no território do município.” (grifo nosso).

Page 18: Fato Gerador Itbi

17

4.2 Transmissão onerosa de bens imóveis

A transmissão onerosa ocorre quando uma pessoa transmite imóvel a outra

com dispêndio patrimonial deste, como a compra e venda ou a permuta. No

primeiro caso, há a entrega de dinheiro, no segundo a entrega de outra coisa.

Conclui-se que a transmissão é um ato cujo verbo principal é transmitir,

transferir um bem a outra pessoa.

A transmissão pode ser da propriedade plena, quando o transmitente tem

todos os direitos sobre o imóvel, ou limitada, quando ele possui apenas o domínio

útil.

A propriedade de bens imóveis é transmitida após o registro do instrumento

público ou particular por meio do qual se deu a venda no Registro de Imóveis do

lugar em que está situado o imóvel. Assim determina o art. 1.245 do Código Civil

(CC): “Art. 1.245 - Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do

título translativo no Registro de Imóveis.”

Para que seja consumada a transmissão do bem imóvel, o título translativo

da propriedade deve ser registrado no ofício competente. Esses títulos, em

resumo, são:

� Escritura pública de compra e venda;

� escritura pública de doação;

� decisão judicial (arrematação, adjudicação, etc.);

� escritura de compra e venda formalizada com agentes financeiros.

As escrituras particulares não são passíveis de registro para transmissão.

O registro da escritura compõe o conjunto dos atos necessários à transmissão da

propriedade dos bens imóveis, tornando-o público e com efeitos erga omnes.

4.3 A qualquer título

Alcides da Fonseca Sampaio (1997), em seu detalhado artigo na Revista

Dialética, ensina que o termo “a qualquer título” presente nas normas que definem

o ITBI (Constituição, CTN e lei municipal) “só pode estar associado aos diversos

Page 19: Fato Gerador Itbi

18

atos jurídicos que originam transferência de imóveis (contratos de compra e

venda ou permuta, arrematações em hasta pública, etc.)”.

O fato gerador do ITBI é instantâneo, ocorrendo no momento da realização

do negócio jurídico, no caso a venda do imóvel, consumando-se não no registro

imobiliário, mas na realização do negócio jurídico venda: institutos de direitos

compra e venda; dação em pagamento; permuta; mandato em causa própria;

arrematação, adjudicação e remissão; valor acima da meação ou quinhão na

divisão de patrimônio comum ou partilha de imóveis atribuídos a um dos cônjuges

separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro; uso,

usufruto e enfiteuse, cessão de direitos do arrematante ou adjudicatário depois de

assinado o auto de arrematação ou adjudicação; cessão de direitos decorrentes

de compromisso de compra e venda; cessão de direitos à sucessão; cessão de

benfeitorias e construções em terreno compromissado à venda ou alheio; e todos

os demais atos onerosos translativos de imóveis, por natureza ou acessão física,

e de direitos reais sobre imóveis.

4.4 Bens imóveis

O Novo Código Civil Brasileiro define em seu art. 79 os bens imóveis: “Art.

79 - São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou

artificialmente.”

Portanto, bens imóveis são aqueles que, por sua natureza de imobilidade

ou fixação ao solo, seja natural ou artificial, não podem ser removidos no todo ou

em parte sem se desfazerem ou se destruírem. Na categoria de bens imóveis

estão compreendidos o solo com a sua superfície, os seus acessórios e

adjacências naturais (como as árvores e frutos), o espaço aéreo e o subsolo, com

exceção feita às minas, aos produtos derivados do subsolo e às quedas d’água,

que são considerados, para fins de exploração e uso, bens distintos do solo.

Os direitos mais importantes referentes aos bens imóveis são a posse e a

propriedade.

Page 20: Fato Gerador Itbi

19

4.4.1 Propriedade e posse

Posse é o poder de dispor fisicamente da coisa, com ânimo de considerá-la

sua e defendê-la contra a intervenção de outrem.

O Novo Código Civil, no art. 1.196, define a posse: “Art. 1.196 - Considera-

se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos

poderes inerentes à propriedade.”

A posse é o direito pessoal de exercer os poderes inerentes ao domínio ou

à propriedade, como o direito de reclamar, manter ou ser restituído da posse, de

perceber os frutos do bem, de ser reembolsado pelas benfeitorias necessárias

realizadas no bem e de reter o bem em sua posse.

A propriedade é o mais relevante de todos os direitos referentes aos bens e

o Código Civil Brasileiro a define como o direito do indivíduo de usar, gozar e

dispor de seus bens e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os

detenha. Assim dispõe o Código Civil, em seu art. 1228: “Art. 1.228 - O

proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavê-

la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”

É um direito absoluto e exclusivo, que pode ser exercido, ao mesmo tempo,

por várias pessoas em relação a um mesmo bem, como no caso do condomínio,

em que cada proprietário tem direito de propriedade sobre a fração ideal de um

bem.

4.4.1.1 Aquisição e perda da posse

Segundo o art. 1.204 do CC: “Adquire-se a posse desde o momento em

que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes

inerentes à propriedade”.

A posse da coisa se extingue pelo abandono, pela sua transmissão, pela

perda ou destruição do bem, por ter sido o bem posto fora do comércio, pela

posse de outrem, se a posse não for mantida ou reintegrada no tempo previsto

em lei, e ainda pelo constituto possessório.

Page 21: Fato Gerador Itbi

20

4.4.1.2 Aquisição e perda de propriedade

Adquire-se a propriedade de forma originária e derivada.

Originária, quando desvinculada de qualquer relação com titular anterior, não

existindo relação jurídica de transmissão. A maioria da doutrina entende também

como originária a aquisição por usucapião e acessão natural.

Acessão natural é o aumento do volume ou do valor da coisa principal, em

virtude de um elemento externo; é o aumento do terreno decorrente, por exemplo,

de deslocamento de uma faixa de terra causada por forças naturais. A acessão

pode dar-se por formação de ilhas, aluvião, avulsão, abandono de álveo ou por

plantações ou construções.

A forma derivada de aquisição da propriedade ocorre quando há relação

jurídica com o antecessor. Existe transmissão da propriedade de um sujeito a

outro. Existe transmissão derivada tanto por inter vivos como mortis causa. Nesta

última, o fato da morte faz com que o patrimônio do falecido transfira-se a

herdeiros (Princípio da Saisine).

A propriedade será adquirida inter vivos mediante um negócio jurídico

realizado entre pessoas vivas. Já por ato causa mortis o pressuposto é a morte do

antigo proprietário, que deixa a propriedade da coisa para outrem, ocorrendo a

sucessão hereditária ou testamentária.

O proprietário detém o domínio pleno do imóvel: domínio direto e domínio

útil. O domínio direto diz respeito à prerrogativa de dispor do imóvel e o domínio

útil refere-se à faculdade de utilizar ou usufruir do imóvel.

4.4.1.3 Domínio útil de bens imóveis

Domínio útil é o direito de usufruir um imóvel da forma mais ampla possível,

podendo transmiti-lo a outrem, a título oneroso ou gratuito. É o direito de usar e

usufruir o bem

O detentor do domínio útil ao se beneficiar das utilidades do bem é quem

revela a capacidade econômica.

Enfiteuta ou foreiro – é a pessoa que possui o domínio útil do imóvel, por

meio de constituição de um título de domínio, caracterizado como “Carta de

Page 22: Fato Gerador Itbi

21

Aforamento ou Enfiteuse”, pagando ao dono uma pensão ou foro.

Usufrutuário – é o titular do direito de usufruto de um bem imóvel, pela

cessão ou reserva de usufruto, possuindo, usando, administrando e percebendo

seus frutos, não podendo, entretanto, dispor do imóvel. O direito ao usufruto pode

ser alienado, mas somente ao proprietário do imóvel.

Nu-proprietário – é a pessoa que detém o direito de dispor do imóvel

(domínio direto), não podendo, entretanto, utilizá-lo ou usufruí-lo, visto que este

direito ficou reservado ao usufrutuário (domínio útil).

Nesta etapa, apresenta-se breve conceito dos termos encontrados no inciso

II do art. 2º da Lei 5.492/1988: “II- A transmissão onerosa, a qualquer título, de

direitos reais, exceto os de garantia, sobre imóveis situados no território do

município.”

4.5 Direitos reais

O direito real é exercido sobre a propriedade. Quando uma pessoa tem

direito sobre bens que não são de sua propriedade, são alheios.

Dispõe o art. 1225 do Código Civil:

“Art. 1.225 - São direitos reais: I - a propriedade; II - a superfície; III - as servidões; IV - o usufruto; V - o uso; VI - a habitação; VII - o direito do promitente comprador do imóvel; VIII - o penhor; IX - a hipoteca; X - a anticrese. XI - a concessão de uso especial para fins de moradia (incluído pela Lei nº 11.481, de 2007); XII - a concessão de direito real de uso (incluído pela Lei nº 11.481, de 2007).”

Os direitos reais de garantia são o penhor, a hipoteca e a anticrese. Já se

discorreu sobre a enfiteuse, o usufruto e a propriedade. Segue um breve aparato

sobre os demais termos.

Page 23: Fato Gerador Itbi

22

Servidão: ocorre quando um proprietário fica obrigado a permitir o

exercício de alguns direitos em favor do dono de outro imóvel sobre o seu imóvel.

Como exemplo, tem-se a passagem de água pluvial, passagem de terreno vizinho

para via pública.

Uso e habitação: são direitos reais sobre coisa alheia em que não há

transmissão.

Superfície: o proprietário concede o direito de construir ou de plantar em

seu terreno por tempo determinado.

Direito do promitente comprador: definido no art. 1.417 do CC:

“Art. 1.417 - Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.”

Penhor: é a garantia de pagamento do débito ao credor pela tradição

efetiva do bem, suscetível de alienação.

Hipoteca: de natureza civil, é um direito de garantia que grava bem do

devedor, sem transmissão de posse ao credor, conferido ao credor o direito de

promover a venda judicial do bem para quitar a dívida.

Anticrese: garantia de crédito mediante a qual o credor percebe os frutos

do bem para conseguir a soma do valor emprestado.

Já o inciso III, art. 2ª da lei estatui: “III - A cessão onerosa de direitos

relativos à aquisição dos bens referidos nos incisos anteriores.”

4.5.1 Cessão onerosa de direitos

A cessão onerosa de direitos é a transferência negocial de um direito em

troca de valor monetário; não se transfere a propriedade do imóvel para o

comprador, mas apenas direitos, seja de uso, gozo ou fruição.

Page 24: Fato Gerador Itbi

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5 O FATO GERADOR DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE

BENS IMÓVEIS

Tem-se como objeto deste estudo descrever o momento da ocorrência do

fato gerador do ITBI. Como este é um ponto de interesse para o desenvolvimento

do tema, torna-se necessário destacar os conceitos e a definição do fato gerador,

apresentando opiniões de doutrinadores como Luiz Ricardo Gomes Aranha, Hugo

de Brito Machado e Rogério Leite Lobo, para clarear o momento de sua

ocorrência.

5.1 Conceito de fato gerador

Ao se tratar de fato gerador do ITBI, é indispensável lembrar seu conceito.

Primeiramente, é mister verificar o que determina o CTN. No seu art. 114

encontra-se a definição: “Art. 114 - Fato gerador da obrigação principal é a

situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.”

Daí se conclui que fato gerador é a descrição, pela lei, de um fato abstrato

que, uma vez acontecido na realidade, constitui a obrigação tributária.

Da interpretação dos textos dos autores estudados sobre o tema, pode-se

inferir sinteticamente que a hipótese de incidência tributária encontra-se no campo

abstrato, sendo necessária e suficiente a descrição legal da situação em que o

tributo é devido; e a expressão fato gerador representa a ocorrência dessa

situação descrita na lei, no mundo concreto.

A respeito da ocorrência do fato gerador, o CTN, em seu art. 116,

estabelece:

“Art. 116 - Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.”

Page 25: Fato Gerador Itbi

24

Mais à frente, no tópico sobre o momento da ocorrência do fato gerador,

discorrer-se-á a respeito do art. 116.

O CTN, em seu art. 118, inciso I, preconiza que para a definição do fato

gerador, abstraem-se os efeitos do ato praticado pelo contribuinte,

independentemente da validade jurídica do ato.

“Art. 118 - A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.”

Praticado o ato jurídico ou celebrado o negócio que a lei erigiu em fato

gerador, nasce a obrigação para com o Fisco, que subsiste independentemente

da validade ou invalidade do ato.

Luiz Ricardo Gomes Aranha, em seu livro “Direito Tributário-Apreendendo”,

comenta o art. 118:

Traduzindo-se a norma legal para o que interessa à percepção, ela determina, em consonância com outros dispositivos do mesmo código, que a natureza das coisas segundo sua realidade civilista não devem impressionar o intérprete quando pesquisar, no Direito Tributário, o fato gerador. Assim, por exemplo, uma transmissão imobiliária pode não ter ocorrido ou produzido efeitos, segundo os parâmetros do Direito Civil, mas isso não impede que o Direito Tributário defina o fato gerador de um tributo sobre a mesma transmissão, ocorrendo a incidência, ainda que a transmissão não tenha ocorrido segundo a ótica civilista (ARANHA, 2001, p. 156).

Para o Direito Tributário, o que importa é a realidade dos fatos econômicos.

O fato gerador é jurídico no sentido estrito, mas só o fato jurídico revestido de

caráter econômico é que tem relevância para o Direito Tributário. O fato gerador

será expresso num valor que represente a capacidade econômica do contribuinte.

Nesse sentido, reproduz-se o acórdão da Apelação Cível nº

1.0024.05.814401-5/001 - Comarca de Belo Horizonte, referente à ação ordinária

de declaração de nulidade de fato gerador de ITBI, cumulado com o de repetição

de indébito, ajuizada por contribuinte contra a Fazenda Pública de Belo Horizonte.

A ação é fundamentada no sentido de que o fato gerador do ITBI da compra de

um imóvel no bairro Belvedere deixou de existir, uma vez que houve anulação do

negócio jurídico que originou o pagamento da exação.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.05.814401-5/001 - Comarca de Belo Horizonte DIREITO IMOBILIÁRIO - COMPRA E VENDA - BEM IMÓVEL - FATO GERADOR - ITBI - QUITAÇÃO - NEGÓCIO JURÍDICO - NULIDADE - OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA - EXISTÊNCIA - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS – MEF8539 - Praticado o ato jurídico ou celebrado o negócio que a lei erigiu em fato gerador, nasce a obrigação para com o Fisco, que subsiste independentemente da validade ou invalidade do ato. Por isso, se nulo ou anulável, não desaparece a obrigação fiscal ou surge para o contribuinte o direito de pedir repetição do tributo pago sob a invocação de que o ato era nulo ou foi anulado. Apelo improvido.2

O ato jurídico foi praticado, houve o nascimento da obrigação tributária de

pagar o imposto. Independentemente de ter sido anulado posteriormente esse

ato, a obrigação tributária principal subsiste.

5.2 Momento da ocorrência do fato gerador

Considera-se momento da ocorrência do fato gerador o preciso instante em

que ele acontece descrito na norma, quando passa a existir um liame jurídico que

obriga o devedor ao pagamento da prestação pecuniária.

Este é o tópico de suma importância neste trabalho. O momento da

ocorrência do fato gerador do Imposto sobre Transmissão de bens imóveis vem

ocasionando controvérsias doutrinária e jurisprudencial.

O art. 118, inciso I do CTN, determina que para a definição do fato gerador

abstraem-se os efeitos do ato praticado pelo contribuinte, independemente da sua

validade jurídica. Desde que a situação material corresponda ao tipo descrito na

norma de incidência, o tributo incide, independentemente da licitude do ato.

O art. 116 dispõe sobre o momento em que se considera ocorrido o fato

gerador. Sobre isso, Hugo de Brito Machado, em seu livro “Curso de Direito

Tributário”, discorre:

2 Disponível em: www.etecnico.com.br/paginas/mef8539.htm acesso 04/05/09. Acesso:junho/2009.

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Não dispondo a lei de modo diferente, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos, (a) em se tratando de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que se produzam os efeitos geralmente, ou ordinariamente, delas decorrentes, e (b) em se tratando de situação jurídica, desde o momento em que tal situação jurídica esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável (MACHADO, 2004, p. 300).

Conclui-se que, tratando-se de situação de fato, ocorre o fato gerador

desde o momento em que as circunstâncias materiais produziram seus efeitos.

Praticada a ação determinada no fato gerador do tributo, este já existe e impõe o

pagamento de um tributo.

Tratando-se o fato gerador de uma situação jurídica, considera-se ocorrido

quando estiverem presentes os requisitos legais definidos naquela situação

jurídica.

Na situação jurídica condicional, o fato gerador considera-se ocorrido

dependendo da condição; se a condição for suspensiva, desde o momento em

que a condição for implementada, produzindo os efeitos do ato ou negócio; se a

condição for resolutiva, desde o momento da prática do ato ou celebração

negócio.

Este é o pensamento de Hugo de Brito Machado ao fazer considerações

gerais sobre o ITBI:

O imposto de transmissão, cobrado antes da lavratura da escritura de compra e venda do imóvel, é pago por vontade das partes interessadas na formalização de um negócio jurídico já efetuado. Não se pode confundir o negócio jurídico com a sua formalização, o ato com o seu instrumento. [...] É certo que, no Direito Civil, a transmissão da propriedade imóvel no caso da compra e venda, por exemplo, somente se verifica pela inscrição, no competente Registro de Imóveis, do título respectivo. Entretanto, desde o momento em que comprador e vendedor convencionaram a compra e venda, já se admite que produza efeitos, mesmo antes de convenientemente formalizada (MACHADO, 2004, p. 379).

O tema em questão, momento da ocorrência do fato gerador do imposto

sobre a transmissão de bens imóveis inter vivos, tem gerado divergências devido

ao entendimento de alguns, que consideram como fato gerador da exação a

transmissão da propriedade imóvel como a definida no Código Civil, ou seja, o

respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis. Outros entendem que

Page 28: Fato Gerador Itbi

27

desde que convencionada a compra e venda, efetivados o pagamento e a

escritura pública, a tributação já é passível de ocorrência, pois os efeitos

econômicos já foram produzidos (MONTEIRO, 2002)

Como visto, pelas regras do Direito Civil, a propriedade de imóveis

transmite-se com o respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Preocupados com a insegurança jurídica e considerando que o CTN remete ao

direito privado para definição de conceitos, os doutrinadores seguidores da

“tipicidade fechada” consideram o momento do registro como aquele de

ocorrência do fato gerador do ITBI. Antecipar essa ocorrência seria, para eles, um

desrespeito ao princípio da legalidade.

Os seguidores da tipicidade fechada defendem que os arts. 109 e 110 do

CTN confirmam que o fato gerador do ITBI ocorre com a transcrição do título no

Registro Imobiliário, pois remetem ao direito privado a definição de conceitos.

Rogério Leite Lobo, em seu artigo na Revista Dialética, expõe seu

pensamento sobre a “tipicidade fechada” na interpretação do fato gerador do ITBI:

Sob outro enfoque é inescapável constatar que a ótica da “tipicidade fechada”, pelo menos neste caso concreto, percebe o conceito jurídico plasmado na norma de incidência do ITBI-inter vivos completamente esvaziado da manifestação de capacidade contributiva que na verdade já emergira no ato da aquisição do bem, e evidentemente não “re-emerge” no ato da transcrição do título no Registro Geral de Imóveis (RGI). [...] E não é só ao fazer subsumir o caso concreto à norma legal (ou ao “conceito jurídico plasmado na norma legal”), interpretando-o como o fizeram os Tribunais Superiores, além de privilegiar o princípio da segurança jurídica em detrimento do princípio da capacidade contributiva, terão, na prática da atividade da fiscalização fazendária, chancelado a dificuldade dos municípios de atingirem aquela manifestação de riqueza no exato momento em que efetivamente exsurge, obrigando-os a buscar meios alternativos de atuação para obviar a dificuldade, em específico no plano da produção legislativa (LOBO, 2002. p. 111).

Por outro lado, os doutrinadores que defendem a interpretação econômica

acreditam que no Direito Tributário o importante é a realidade dos fatos

econômicos. Entendem como o momento da ocorrência do fato gerador do ITBI o

da escritura de compra e venda, uma vez que nesse momento se verifica o

reflexo econômico do ato e revela-se a capacidade contributiva. Invocam a

interpretação econômica, defendendo o tributo como captação de riqueza e

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28

elegendo como momento da ocorrência do fato gerador aquele que expressa a

manifestação de riqueza.

A função do ITBI é a captação de recursos e, como tributo do tipo

captação de riqueza, assenta seu fato gerador em realidades econômicas que

refletem a capacidade de suportar o encargo tributário.

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29

6 A INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEGISLAÇÃO

TRIBUTÁRIA

A divergência quanto ao momento da ocorrência do fato gerador do ITBI,

se por ocasião da escritura do contrato de compra e venda ou se no registro, leva

à necessidade da interpretação de dois dispositivos do CTN, os arts. 109 e 110,

em conjunto com os demais artigos que tratam do fato gerador do ITBI.

6.1 O art. 109 do Código Tributário Nacional

“Art. 109 - Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.”

As definições, conteúdos e alcances nos institutos do direito privado devem

sempre ser respeitados pelo legislador tributário, pois a integridade do direito é

única. Isto quer dizer que tais conceitos e formas devem ser utilizados quando

sejam referidos pela lei tributária na definição de fatos de aplicação da norma

tributária, porém as consequências tributárias são determinadas pelos princípios

gerais do Direito Tributário.

Se o Direito Tributário quiser ou necessitar de alguma alteração na

identidade do instituto, deverá expressá-lo formal e textualmente.

6.2 O art. 110 do Código Tributário Nacional

“Art. 110 - A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos municípios, para definir ou limitar competências tributárias."

O art. 110 do CTN determina que, se uma lei não-tributária já define o

conteúdo e alcance de determinado instituto, a lei tributária não pode alterá-lo.

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Por exemplo, se a lei já define o conteúdo e alcance do termo "transmissão", não

pode a lei tributária dizer que a transmissão corresponde a mais do que a

legislação comercial já definiu. Os efeitos dessa transmissão serão determinados

pelo Direito Tributário e suas consequências, mas a definição pertence ao Direito

Civil.

O que o art. 110 do CTN proíbe normativamente ao legislador ordinário é

que receba como tipos abertos os "institutos, conceitos e formas de direito

privado" utilizados na linguagem constitucional, não lhe permitindo que altere a

definição, o conteúdo e o alcance. É uma norma tributária que fixa uma

delimitação infraconstitucional, negando ao legislador o poder de expandir o

campo de competência tributária, utilizando-se do artifício de ampliar a “definição,

o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado” ao

instituir seus tributos.

Competência tributária é a atribuição dada pela Constituição Federal aos

entes políticos do Estado (União, governos estaduais, municípios) da prerrogativa

de instituir os tributos.

Se, por exemplo, ao definir a competência dos estados para exigir o

imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre

prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação (ICMS) a Constituição fala de mercadoria, o conceito de mercadoria

há de ser o existente no Direito Comercial, não pode o legislador modificá-lo.

Evoluindo na interpretação sistemática dos dispositivos do CTN, para a

definição do momento do fato gerador do ITBI importa mencionar a Lei

Complementar n° 104/2001, que acrescentou o parágrafo único ao art. 116,

admitindo a desconsideração de atos ou negócios jurídicos pelo Fisco, praticados

com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a

natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.

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6.3 Parágrafo Único do art. 116, Código Tributário

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária (parágrafo incluído pela Lei Complementar - LC nº 104, de 10.1.2001).

A elisão fiscal é lícita quando tem o objetivo de reduzir a carga tributária,

almejando negócios menos onerosos – é o chamado planejamento tributário. A

elisão não fere a legalidade (CASTRO, 2002; CRUZ, 2002; ULHOA, 2003). É uma

ofensa à isonomia e à capacidade contributiva.

Já no caso de simulação ou dissimulação de negócios jurídicos, em que

existe divergência entre a vontade real e a vontade manifestada no negócio, há

ilicitude, há o intuito de enganar terceiros (no caso, o Fisco). Portanto, não são

negócios lícitos, há antijuridicidade.

Dissimulação é a prática de um negócio, ilícito, para ocultar outro, com o

intuito de lesar o Fisco, dissimulando um negócio em outro. Por exemplo, o

contribuinte simula uma doação de bens, quando na verdade, está ocultando uma

compra e venda.

O negócio simulado carrega em seu cerne o propósito de iludir ou fraudar

terceiros alheios a esse ato.

Encontra-se frequentemente a dissimulação do ITBI no negócio de compra

e venda de imóvel com o objetivo de não pagar a exação, ocultada pela

celebração de um contrato de sociedade no qual a integralização de capital social

por um dos sócios se dá com a entrega do imóvel. Num pequeno lapso de tempo

a sociedade se extingue e há a transmissão do imóvel ao outro sócio, o que

integralizou o capital social sob a forma de dinheiro. Pela regra da imunidade

prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição da República de 1988, a integralização

de capital não é tributada pelo ITBI, nem a desincorporação.

A inclusão do parágrafo único ao art. 116, denominada norma antielisiva no

Direito Tributário brasileiro, beneficia a aplicação de justiça tributária, dando

condições ao Fisco de impedir a benesse de quem intenta a dissimulação.

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32

Essa norma não representa um fator de insegurança jurídica, como querem

alguns doutrinadores como Sacha Calmon. Deve ser utilizada pelo Fisco somente

em condições definidas em lei e de acordo com procedimentos legalmente

previstos. Nas palavras de Luciano Amaro (2006, p. 238):

O que se permite à autoridade fiscal nada mais é do que, ao identificar a desconformidade entre os atos ou negócios efetivamente praticados (situação jurídica real) e os atos ou negócios retratados formalmente ( situação jurídica aparente), desconsiderar a aparência em prol da realidade.

Continuando com a interpretação sistemática, com vistas a buscar uma

proposta para a definição do momento do fato gerador do ITBI, evitando-se a

prática de elisão ou evasão fiscal no pagamento desse tributo, acrescenta-se o

dispositivo constitucional que prevê a hipótese de antecipação do recolhimento do

imposto por substituição tributária fiscal.

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33

7 O PARÁGRAFO 7º DO ART. 150 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

§ 7º - A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido (Acrescentado pela EC-000.003-1993 de 17/03/1993).

Depreende-se do parágrafo anterior que o preceito constitucional autoriza o

ente tributante a editar lei no sentido de adotar uma política fiscal para impedir

fraudes, elisões e facilitar a fiscalização de tributos, elegendo um responsável

pelo pagamento da exação de um fato gerador que ainda acontecerá. O

responsável pela antecipação do pagamento tanto pode ser o próprio contribuinte

como um terceiro que não o contribuinte, sendo que neste último caso haveria

substituição tributária.

A lei pode instituir a obrigação do recolhimento do imposto devido em

operações que presumivelmente ainda irão ocorrer, sendo que a única hipótese

de restituição do imposto pago é aquela em que não se realize o fato gerador. Se

ocorrer, o fato presumido convalida o pagamento feito antecipadamente. Caso

não ocorra, não houve fato gerador de tributos, devendo o valor pago

antecipadamente ser devolvido ao sujeito que comportou a exação.

Ao atribuir a outro, que não ao contribuinte, a responsabilidade do

pagamento antecipado do tributo, tem-se a chamada substituição tributária para

frente, que atribui a responsabilidade a terceiro vinculado à ocorrência do fato

gerador de recolher o tributo que seria devido numa etapa posterior, com a efetiva

ocorrência do fato. Com base na responsabilidade tributária prevista nos arts.

121, II, e 128 do CTN, as leis ordinárias da União, dos estados, do DF e dos

municípios atribuem à terceira pessoa vinculada à ocorrência do fato gerador,

sem ser o contribuinte, a obrigação de recolher o tributo.

Com razoável frequência os entes tributantes passaram a instituir a

responsabilidade mesmo antes da efetiva ocorrência do fato gerador, como no

caso do ICMS dos fabricantes de bebidas ou de produtos farmacêuticos.

O instituto da responsabilidade tributária é um forte instrumento para o

Fisco, pois atua na conveniência e no interesse da máquina fazendária. Se,

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hipoteticamente, o ente tributante municipal estabelece que os Bancos são

responsáveis tributários pelo imposto sobre serviços de qualquer natureza

(ISSQN) devido por aqueles que a eles prestem serviços, torna-se muito mais

fácil e viável para a fiscalização detectar a ocorrência dos fatos geradores

fiscalizando aquelas instituições financeiras do que pulverizar seu corpo fiscal em

diversos e pequenos prestadores de serviços. Concentra-se a atuação do Fisco

num número mais baixo de sujeitos passivos e que dispõem de uma escrituração

contábil melhor e mais confiável.

Contudo, para que se possa recolher antecipadamente o imposto sobre

um fato tributável ainda não ocorrido, é sempre necessário que se presuma um

valor sobre o qual se fará a cobrança do imposto. A base imponível escolhida pelo

legislador não é o valor real da operação, mas sim aquela estabelecida quando da

presunção da ocorrência do fato gerador.

A substituição tributária para frente tem sido adotada e aplicada, entre

outros casos, aos relativos à cobrança do ICMS, com inclusão do seu valor no

preço devido pelos revendedores nas suas futuras operações de revenda.

Entretanto, o preceito constitucional está aberto para ser utilizado em qualquer

imposto ou contribuição e não determina a alteração do polo passivo, alcançando

o próprio contribuinte.

A Confederação Nacional do Comércio ajuizou a Ação Direta de

Inconstitucionalidade - ADIN 1.851 visando à declaração de inconstitucionalidade

da cláusula segunda do Convênio ICMS 13/97 do estado de Alagoas. No caso,

solicitava-se a restituição do imposto pago a maior por ocasião da presunção da

base de cálculo. O Supremo Tribunal Federal julgou, quanto ao mérito,

improcedente. O relator, Ministro Ilmar Galvão, argumentou que:

Não havia interesse jurídico em verificar posteriormente o tributo pago a maior ou a menor porque a finalidade do instituto da substituição tributária, por meio da presunção de valores, é justamente tornar viável o sistema de arrecadação do ICMS... Seria uma dificuldade enorme calcular o valor de cada operação realizada pelos inúmeros contribuintes.

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35

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ICMS. REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CLÁSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO ICMS Nº 13/97, DE 21.03.97, E PARÁGRAFOS 6º E 7º DO ART. 498 DO DECRETO Nº 35.245/91, COM A REDAÇÃO DO ART. 1º DO DECRETO Nº 37.406/98 DO ESTADO DE ALAGOAS. PRETENDIDA AFRONTA AO PARÁGRAFO 7º DO ART. 150 DA CONSTITUIÇÃO. REGULAMENTO ESTADUAL QUE ESTARIA, AINDA, EM CHOQUE COM OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DE PETIÇÃO E DO LIVRE ACESSO AO JUDICIÁRIO. Plausibilidade da alegação de ofensa, pelo primeiro dispositivo impugnado, à norma do parágrafo 7º do art. 150 da Constituição Federal, o mesmo efeito não se verificando relativamente aos dispositivos do Regulamento alagoano, que se limitaram a instituir benefício fiscal condicionado, que o STF não pode transformar em incondicionado, como pretendido pelo Autor, sob pena de agir indevidamente como legislador positivo. Cautelar deferida apenas em parte.3

Assim, o tema viu-se pacificado com a constitucionalidade do regime de

antecipação do fato gerador, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal.

Apesar dessa decisão na ADIN 1.851, o tema ainda se encontra em

polêmica nos nossos tribunais. Problemas como a definição da base de cálculo e

a restituição do imposto quando o negócio for realizado com base de cálculo

inferior ao que foi previsto em legislação ordinária são as principais questões.

Essas questões vêm sendo suscitadas principalmente quanto à

substituição tributária para frente no ICMS. Várias ações são impetradas pelos

contribuintes do ICMS inconformados com a recusa da restituição do imposto

pago a maior quando a base de cálculo presumida se realizava por valor inferior.

3 Op. Cit.

Page 37: Fato Gerador Itbi

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8 DECISÕES DOS TRIBUNAIS SOBRE O MOMENTO DE

OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DO ITBI

Os tribunais já têm pacificado que a propriedade imobiliária transmite-se

com o respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis competente,

conforme determina o Código Civil.

Existem decisões mais antigas, por exemplo, o Recurso Extraordinário nº

75.124-DF, de 1981, no qual o entendimento à época definia o negócio jurídico

como fato gerador da transmissão do imóvel. Antes da Constituição de 1988,

considerava-se legítima a exigência do imposto de transmissão desde a

realização do negócio jurídico, antes da inscrição no Registro Geral de Imóveis.

No voto do recurso a seguir, o Relator cita Eliomar Baleeiro em sua 9ª

edição do “Direito Tributário Nacional”, descrevendo o fato gerador do imposto de

transmissão de bens imóveis:

Juridicamente, tem por fato imponível, ou “fato gerador” da obrigação fiscal, a transferência de domínio, isto é, o contrato de compra e venda, a doação, o ato da arrematação etc., a transmissão por óbito - e não a transcrição do instrumento no registro público (BALEEIRO, apud RE 751244).

Deve-se lembrar que nessa ocasião o imposto estava sob a competência

do estado e incidia sobre bens transmitidos causa mortis e por ato oneroso.

RE 75124 – DF- Distrito Federal RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. ANTONIO NÉDER Julgamento: 07/04/1981 Órgão julgador: PRIMEIRA TURMA Emenda: 1. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL FIRMOU O ENTENDIMENTO DE QUE O IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL DEVE SER PAGO NA CONSIDERAÇÃO DO VALOR QUE TENHA O IMÓVEL NO MOMENTO DO NEGÓCIO JURÍDICO PELO QUAL FOI ELE TRANSFERIDO. 2. SÚMULA, VERBETE 108 PRECEDENTE DA CORTE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DO FISCO LOCAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO5.

4 Op. Cit. 5 Op. Cit.

Page 38: Fato Gerador Itbi

37

No voto desse Recurso, o Relator identifica o fato gerador como o negócio

jurídico, citando ensinamentos de Aliomar Baleeiro, que determina o momento da

ocorrência do fato gerador como o do contrato de compra e venda.

A Súmula 108, de 13/12/1963, veio pacificar divergência quanto ao

elemento quantitativo do fato gerador: se o valor do imóvel à época da promessa

de compra e venda ou se no momento da lavratura da escritura definitiva.

Transcreve-se a Ementa:

STF Súmula nº 108 - 13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 69. Legitimidade - Incidência - Imposto de Transmissão "Inter Vivos" - Tempo da Avaliação do Imóvel - Base de Cálculo – Legalidade É legítima a incidência do imposto de transmissão "inter vivos" sobre o valor do imóvel ao tempo da alienação, e não da promessa, na conformidade da legislação local6.

Se a base de cálculo do ITBI deve ser o valor do imóvel ao tempo da

alienação, depreende-se da Súmula 108 que o fato gerador do ITBI considera-se

consumado pela celebração do contrato de compra e venda. Se o fato gerador só

ocorresse no registro do imóvel, a base de cálculo seria o valor do imóvel naquele

momento. (NOGUEIRA, 2001)

Apesar dos Tribunais não demonstrarem divergência quanto ao momento

da ocorrência do fato gerador do imposto sobre transmissão, a Súmula 108

continua sendo utilizada.

O Recurso Especial a seguir teve seu acórdão produzido sob a égide da

Constituição atual. Diversos são os acórdãos dos Tribunais no mesmo sentido.

Eles não têm entendimento contrário à ocorrência do fato gerador do ITBI no

momento do registro imobiliário, o único que transfere a propriedade do imóvel.

6 Op. Cit.

Page 39: Fato Gerador Itbi

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RE no RESP 253364 Relator Ministro EDSON VIDIGAL Data da Publicação 31/05/2002 Decisão RE no RECURSO ESPECIAL Nº 253.364 - DF (2000/0029954-5) RECORRENTE: DISTRITO FEDERAL PROCURADOR: EVALDO DE SOUZA DA SILVA RECORRIDO: FLÁVIA MARIA RIBEIRO CANTAL ADVOGADO: MARISA SCHUTZER DEL NERO POLETTI E OUTROS DECISÃO Foi provido o Recurso Especial interposto por Flávia Maria Ribeiro Cantal pela e. Primeira Turma, em acórdão que teve por ementa: TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS - FATO GERADOR - REGISTRO IMOBILIÁRIO - (C. CIVIL, ART. 530). A propriedade imobiliária apenas se transfere com o registro respectivo título (C. Civil, art. 530). O registro imobiliário é o fato gerador do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Assim, a pretensão de cobrar o ITBI antes do registro imobiliário contraria o Ordenamento Jurídico." (REsp. 12.546/HUMBERTO). Opostos Embargos de Declaração pelo Distrito Federal, foram rejeitados à consideração de que ausente qualquer argumento novo capaz de infirmar o decisório impugnado e não se prestarem os declaratórios para fins de 'pós questionamento', com o fito de reabrir questões surgidas nas instâncias ordinárias. Apresenta, então, o Distrito Federal, Recurso Extraordinário, fundado na CF, art. 102, III, "a", apontando ofensa ao art. 93, IX. Aduz prequestionadas as questões constantes da CF, arts. 150, § 3º e 156, II, em face da interpretação dada ao CTN, art. 35, III, destoante do texto constitucional e implicando ofensa direta, uma vez que a cessão de promessa de compra e venda, como direito obrigacional que é, traduz fato gerador da hipótese de incidência do ITBI, nos moldes em que definida na CF/88, independentemente do registro imobiliário. STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: ROMS - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 10650 Processo: 199900186060 UF: DF Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data da decisão: 16/06/2000 Documento: STJ000134021 Relator FRANCISCO PEÇANHA MARTINS TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITBI. FATO GERADOR. CTN, ART. 35 E CÓDIGO CIVIL, ARTS. 530, I, E 860, PARÁGRAFO ÚNICO. REGISTRO IMOBILIÁRIO. 1. O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade da lei civil, com o registro no cartório imobiliário. 2. A cobrança do ITBI sem obediência dessa formalidade ofende o ordenamento jurídico em vigor. 3. Recurso ordinário conhecido e provido.7

No mesmo sentido, o Recurso Especial nº 12.546-0:

7 Op. Cit.

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Processo

REsp 12546 / RJ

RECURSO ESPECIAL

1991/0014078-3

Relator(a)

Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS (1096)

Órgão Julgador

T1 - PRIMEIRA TURMA

Data do Julgamento

21/10/1992

Data da Publicação/Fonte

DJ 30/11/1992 p. 22559

Ementa

TRIBUTARIO - IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMOVEIS - FATO GERADOR - REGISTRO IMOBILIARIO - (C. CIVIL, ART. 530). A PROPRIEDADE IMOBILIARIA APENAS SE TRANSFERE COM O REGISTRO DO RESPECTIVO TITULO (C.CIVIL, ART. 530). O REGISTRO IMOBILIARIO E O FATO GERADOR DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMOVEIS. ASSIM, A PRETENSÃO DE COBRAR O ITBI ANTES DO REGISTRO IMOBILIARIO CONTRARIA O ORDENAMENTO JURIDICO.

Acórdão

POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Referência Legislativa

LEG:EST DEL:000005 ANO:1975 ART:00089 INC:00001 CODIGO TRIBUTARIO (RJ) LEG:FED DEL:000413 ANO:1979 LEG:FED LEI:005172 ANO:1966 ***** CTN-66 CODIGO TRIBUTARIO NACIONAL ART:00035 INC:00001 ART:00110 LEG:FED LEI:003071 ANO:1916 ***** CC-16 CODIGO CIVIL ART:00530

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9 A DOUTRINA SOBRE O ASPECTO TEMPORAL DA HIPÓTESE

DE INCIDÊNCIA DO ITBI

Neste capítulo, apresenta-se o pensamento doutrinário acerca do tema em

estudo, ressaltando as opiniões a favor e contra o momento da incidência do fato

gerador do ITBI por ocasião da escritura pública.

Kiyoshi Harada (2000), em seu texto “O imposto sobre transmissão inter

vivos", expõe sua opinião quanto ao momento da ocorrência do fato gerador do

ITBI:

Outra questão que tem sido suscitada na doutrina é a exigência desse imposto antes da transmissão, isto é, antes da ocorrência de fato gerador. Trata-se de discussão meramente acadêmica. Ninguém vai a juízo para reclamar contra esse fato. Se é verdade que a transmissão só ocorre com o registro do título de transferência, não menos verdade é que pela assinatura das partes no instrumento de transmissão ocorre a transferência econômica do bem, tornando certo a ulterior ocorrência do fato gerador, isto é, o registro desse instrumento no Registro de Imóveis competente. Daí a inquestionabilidade desse recolhimento antecipado, que ocorre, também, na área do ICMS, relativamente à entrada de mercadorias importadas em que o imposto, por razões práticas, é cobrado no desembaraço aduaneiro e não no momento da entrada dessa mercadoria no estabelecimento do importador, quando ocorreria o fato gerador desse imposto.

No entanto, o mesmo autor (2006), no texto intitulado “ITBI - Aspecto

temporal de seu fato gerador”, difere do conteúdo do seu parecer anterior:

Não há dúvida, pois que os municípios, no exercício de sua competência impositiva, devem respeitar, não só o conceito de bem imóvel que resulta do exame dos arts. 79 a 81 do Código Civil, como também, o conteúdo da “transmissão de bens imóveis” que, ao teor do art. 1.245 do estatuto substantivo, somente se opera com o registro do título de transferência no Registro de Imóveis competente.

Os doutrinadores defensores da “tipicidade fechada” não admitem a

exigência do tributo antes do registro do título aquisitivo, pela defesa do princípio

da legalidade e da segurança jurídica. Entendem que os arts. 109 e 110 do CTN

remetem aos conceitos do Código Civil para definição dos institutos, confirmando

o fato gerador do ITBI no registro imobiliário da transcrição do título. A cobrança

antecipadamente ao registro ofende o ordenamento jurídico em vigor.

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Em “Breves apontamentos sobre a incidência do ITBI e IPTU”, Marcelo

Colombelli Mezzomo (2008) expõe que, se a norma tributária não determinou o

termo transmissão, então o intérprete só pode socorrer-se dos conceitos de

Direito Civil:

Se o Direito Civil determina que é o registro que formaliza a transferência tolitur quaestio, o isolamento a que se refere, segundo o tributarista, não deve forrar, nem mesmo o civilista não tem sentido. Ora, é claro que o registro do contrato no Registro de Imóveis tem um antecedente que é a celebração do contrato. No mundo dos fatos isto é indubitável, pois as lei naturais determinam que toda consequência tem uma causa. Mas o que nos interessa não são os antecedentes causais naturais. Se o Direito Civil determina que é a transcrição que perfectibiliza a compra e venda de imóveis, ou melhor dizendo, a sua transmissão (exceto por usucapião e sucessão hereditária onde se opera ope legis), então é somente nesse momento que se há falar em transmissão. Se a legislação tributária não definiu o que seja a transmissão e quando ela se opera, o intérprete e aplicador do direito há que se valer dos conceitos de Direito Civil e nestes está expresso que só há transmissão quando houver o registro. Somente quando efetuado é que se pode falar em evento econômico translativo de propriedade. O que aqui se disse acerca da compra e venda serve, mutatis mutandis, para a constituição de direitos reais. A posse é a única exceção que não carece de registro na medida em que está fundamentada no utilização do imóvel, o que lhe confere a publicidade que o registro visa a conferir. Mesmo os direitos reais criados via testamento só operarão seus efeitos plenos perante terceiros com a devida publicização, ainda que não necessariamente por via do registro, mas sim no bojo do processo. Assim sendo, andou bem, a nosso ver, o Superior Tribunal de Justiça ao esposar a tese de que só se pode falar em incidência do ITBI quando houver o registro, e não antes dele, o que resulta de uma praxe viciosa e subvertedora dos conceitos jurídicos e da unidade do sistema.

Moacyr Pinto Jr. (2006), em seu artigo “O fato gerador do ITBI”, estabelece

o mesmo entendimento:

Consequentemente, o tributo somente pode ser exigido após o tal registro. Tendo em vista a matriz constitucional do ITBI, pode-se afirmar que o seu fato gerador é a transmissão onerosa de bens imóveis, de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, e de cessão de direitos à sua aquisição, efetuada entre pessoas vivas. [...] Nem promessa ou contrato de compra e venda, nem cessão de direito nem mesmo escritura de compra e venda, ainda que quitados, irretratáveis e irrevogáveis, constituem, per se, fato gerador do ITBI. Apenas o registro no Cartório Imobiliário de instrumento hábil à transmissão da propriedade de bem imóvel, de direitos reais sobre imóveis ou de cessão à sua aquisição constitui fatos geradores do ITBI.

A Juíza de Direito do Rio de Janeiro, Cristina Gutierrez, conclui seu

trabalho pela inconstitucionalidade duvidosa das normas que apontem como fato

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42

gerador do ITBI a quitação do preço na promessa de compra e venda

(GUTIERREZ, 2008).

Marcelo Colombelli Mezzomo (2008) é objetivo ao concluir:

Deve incidir o ITBI após o registro e não antes, como tem urdido a viciosa praxe de nossos Cartórios e Tribunais. Só a transmissão após o registro que constitui o direito frente ao sujeito passivo total. O direito real só se cria per se stante quando seu exercício é a fonte da publicidade indispensável.

Outros doutrinadores, aqueles a favor da antecipação do fato gerador do

ITBI para o momento da manifestação de riqueza do ato, sendo o imposto

cobrado na escritura da compra e venda, manifestam-se de múltiplas maneiras.

Diversos são os argumentos expendidos por parte desses abalizados

autores. A seguir, faz-se uma síntese daquilo que sustentam.

Edgar Neves da Silva (1996, p. 98), em seu artigo na Revista Dialética,

“Aspecto temporal do fato gerador do ITBI: aspecto tributário e civil do tema”,

conclui que “é legal a eleição por parte do legislador municipal o ato da lavratura

do respectivo instrumento contratual como aspecto temporal do imposto municipal

sobre transmissão”.

Ricardo lobo Torres expõe seu entendimento quanto ao tema em estudo,

no seu livro “Curso de Direito Financeiro e Tributário”:

Incide, pois, sobre as transmissões inter vivos, que são os negócios jurídicos – e não a sua transmissão no registro – que envolvem a transferência da propriedade, conceito no qual não se subsume o usucapião, segundo a jurisprudência formalista e privatista do Supremo Tribunal Federal, que seria modo originário de aquisição (RE 94.580, RTJ 117/652) (TORRES, 2000, p. 344).

Hugo Brito Machado defende a antecipação do imposto, ainda que

verifique que a transmissão só ocorre com o registro transcrito:

É certo que, no Direito Civil, a transmissão da propriedade imóvel no caso da compra e venda, por exemplo, somente se verifica pela inscrição, no competente Registro de Imóveis, do título respectivo. Entretanto, desde o momento em que comprador e vendedor convencionaram a compra e venda, já se admite que produza efeitos, mesmo antes de convenientemente formalizada. [...]

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43

Aliás, mesmo no âmbito do Direito Civil não se pode considerar a transcrição do título no Registro Imobiliário como ato isolado. Essa transcrição não é mais do que um ato final de uma série, que se iniciou e se desenvolveu, como acontece com os contratos em geral, consumando-se, a final, com o registro. [...] E claro que a lei civil havia de definir o instante em que se deve considerar a transmissão consumada. Este momento é o da transcrição do título no Registro de Imóveis. Todavia, desde que as partes convencionaram a compra e venda, o tributo já pode ser recolhido, tendo em vista que os atos restantes constituem mera formalização, para efeitos civis (MACHADO, 2004, p. 378).

Alcides da Fonseca Sampaio se posiciona no sentido de que o momento

da ocorrência do ato gerador é aquele em que se verifica a circulação de riqueza:

Sendo certo que o “fato gerador é a exteriorização de uma realidade econômica”, já se antevê que o fato gerador do ITBI não pode ser a transcrição no Registro Geral de Imóveis, a qual, no plano civil, visa a conferir oponibilidade de erga omnes ao direito real adquirido, restando examinar a situação jurídica que serve de causa á transferência do imóvel, isto é, o contrato de compra e venda ou de permuta, arrematação etc., para se precisar o momento em que ocorre a circulação de riqueza (fato econômico) apta a dar nascimento à obrigação tributária. [...] Por último, o Direito leva em conta a realidade em que se situa, sendo notório que o registro no RGI será feito pelo adquirente se, ou quando, quiser. Ora, sendo o tributo, por definição, uma prestação compulsória (CTN - art. 3°) e se caracterizando a obrigação tributária por ser uma obrigação ex lege, exatamente pelo fato de a vontade do sujeito passivo não exercer qualquer influência sobre o vínculo que o prende ao sujeito ativo, é desarrazoado supor que o legislador constituinte elegesse esse momento para fazer incidir a regra de tributação (SAMPAIO, 1997, p. 14).

Zelmo Denari, procurador do estado de São Paulo, preceitua:

[...] O fato gerador in concreto, como categoria de fato jurídico, não é propriamente um fato econômico, mas, sobretudo, um fato de significado econômico. A particularidade é o seu significado econômico, ou seja, a sua aptidão para revelar capacidade contributiva (DENARI, 1996, p. 168).

Rogério Leite Lobo, no artigo da Revista Dialética “A antecipação do fato

gerador do ITBI-inter vivos e o § 7º do art. 150 da Constituição Federal”, salienta

com exímia clareza seu entendimento sobre a matéria. Reproduz várias teses

para justificar a cobrança do imposto sobre transmissão de bens imóveis

antecipadamente ao registro do título, concluindo que:

Page 45: Fato Gerador Itbi

44

O advento do § 7º do art. 150 da CF/88, abriu-se a possibilidade de se afastar a contradição conceitual e viabilizar a fiscalização do tributo, através da formulação, pelo legislador ordinário, de presunções na norma impositiva do tributo, as quais, partindo dos flagrantes elementos indiciários exsurgentes quando da realização dos atos negociais de alienação do bem imóvel, tenham por efeito a “antecipação” do fato gerador do ITBI–inter vivos para exigir o gravame desde a realização desses atos negociais (LOBO, 2002, p. 106).

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45

10 CONCLUSÃO

O princípio da capacidade contributiva exige que se busque a justiça da

incidência em cada situação isoladamente considerada. Atendo-se a este

princípio, é de fundamental importância perseguir a justiça tributária e uma das

formas é o combate efetivo à evasão fiscal.

Entende-se que a antecipação da exigência do ITBI para o momento da

concretização do negócio jurídico, ou seja, o momento em que efetivamente

ocorre a circulação de riqueza, viabiliza ao Fisco mais controle sobre a

fiscalização do imposto. Desta forma, impede-se o efeito cascata de evasão em

que um mesmo imóvel passa por várias alienações sem um único título sequer ir

a registro. Obviamente, também, nenhum tributo é pago.

Os Tribunais decidiram que o fato gerador do ITBI ocorre com o registro do

título no Registro Geral de Imóveis. Todas as suas decisões são neste sentido.

Os doutrinadores não adeptos desse entendimento apresentam diversas

teses, tentando justificar o posicionamento contrário à jurisprudência. Em sua

maioria buscam justificativas na interpretação da norma para balizar a

arrecadação antecipada do ITBI. As justificativas apresentadas neste trabalho não

são plausíveis e estruturadas o suficiente para irem de encontro às decisões dos

Tribunais.

Não se quer aqui escamotear a interpretação da lei no intuito de alcançar o

que, na vivência da tarefa fiscal de executar a legislação, representa a melhor

diretriz para perseguir a busca da tributação justa.

Não obstante a decisão da Egrégia Corte e os preceitos claramente

determinados nos arts. 109 e 110 do CTN, conclui-se, ao final deste trabalho, que

o procedimento mais acertado para o tema aqui estudado está na cobrança do

imposto no momento em que ocorre o negócio jurídico, momento da manifesta

circulação de riqueza e capacidade contributiva. O registro do documento firmado

no negócio jurídico constitui formalidade imposta pela lei civil para que esse ato

gere efeitos contra terceiros. Não há dúvidas de que a propriedade do imóvel só

se transmite com a inscrição no Registro Geral de imóveis, mas esse momento

Page 47: Fato Gerador Itbi

46

não apresenta qualquer manifestação de riqueza. A transmissão física e o ato

econômico são operacionalizados com a escritura pública.

Com o advento do § 7º do art. 150 da CF, entende-se poder instituir a

antecipação do fato gerador do ITBI, uma vez que o Supremo Tribunal Federal

decidiu pela constitucionalidade do artigo, sendo sua aplicação destinada a

qualquer imposto ou contribuição.

Esse dispositivo é aplicável ao imposto de transmissão de bens imóveis,

permitindo que o legislador municipal formule a exigência antecipada do fato

gerador do ITBI desde a conclusão dos atos negociais devidamente quitados.

Entende-se, portanto, que a ação do Fisco estará baseada em lei.

Conforme a Súmula 108, o ITBI deve incidir sobre o valor do bem ao tempo

da alienação; não há, portanto, que se falar em presunção da base de cálculo,

pois o ato negocial da alienação do bem (pagamento e posse do bem) se

justapõe ao momento da exigibilidade do imposto.

Com a convicção de que a aplicação das discussões aqui propostas

poderá atender à persecução da justiça fiscal, este estudo elaborou esta proposta

de aplicação tributária para seu tema-problema: o momento da ocorrência do fato

gerador do ITBI.

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REFERÊNCIAS

Utilizadas:

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Consultadas:

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