família sertaneja vive da criação de animais sem degradar a caatinga

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Mirandiba Ano 8 nº 1714 Novembro/2014 Família sertaneja vive da criação de animais sem degradar a Caatinga 20 Anos Em Umburana D'Água, comunidade que fica a 18 quilômetros de Mirandiba, no Sertão Central, vive uma família de agricultores que é exemplo de participação comunitária, convivência com o Semiárido e respeito à natureza. João Joaquim do Nascimento, de 67 anos e Maria do Carmo Gomes Pereira, de 63 anos, se casaram em 1981, e tiveram dois filhos: Thiago Joaquim Júnior, de 31 anos, que vive com os pais, e Tony João, de 29 anos, que é casado e mora em São Paulo. Seu João e Dona Carminha contam que tudo na comunidade é coletivo, e foi através da associação de Umburana D'Água que as comunidades vizinhas se organizaram. Dona Carminha conta que na juventude estudou e tornou-se professora de primário, exercendo a profissão até 2001, quando se aposentou por tempo de serviço. Ela ensinava às crianças da própria comunidade e após a aposentadoria trabalhou por seis anos na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), de Mirandiba. Uma experiência, segundo ela, muito boa, pois aprendeu a valorizar ainda mais as pessoas e, principalmente, a família. Agricultor desde muito cedo, seu João Izidório, ou João de Mirandiba, como é conhecido, tem também uma história de luta muito importante junto ao movimento social no Sertão Central. Em 1985 entrou para o Conselho Fiscal do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mirandiba, depois assumiu a função de tesoureiro, até ser eleito cinco vezes presidente, função que desempenhou por 26 anos, na defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do município. Ele é ainda um dos sócios fundadores do Centro de Educação Comunitária Rural (Cecor), ONG localizada em Serra Talhada. Além da criação de animais, seu João e Dona Carminha também comemoram o fato do filho Thiago ter concluído recentemente o curso técnico em agropecuária e já está se preparando para entrar na faculdade de zootecnia, em Serra Talhada. Uma conquista muito grande para o jovem, que sempre morou na roça e desde criança tem uma paixão pela criação de animais, atividade que sustenta sua família há muito anos. Fotos: Juliana Lima Cisternas garantem água de beber e produzir no Semiárido

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Em Umburana D'água, a 18 quilômetros de Mirandiba, vive uma família de agricultores que é exemplo de participação comunitária, convivência com o Semiárido e respeito à natureza. Seu Joaquim, Dona Carminha e o filho Thiago criam caprinos, ovinos, bovinos e galinhas sem degradar a vegetação nativa, através do manejo correto da terra.

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Page 1: Família sertaneja vive da criação de animais sem degradar a Caatinga

Mirandiba

Ano 8 nº 1714Novembro/2014

Família sertaneja vive da criaçãode animais sem degradar a Caatinga

20 Anos

Em Umburana D'Água, comunidade que fica a 18 quilômetros de Mirandiba, no Sertão Central, vive uma

família de agricultores que é exemplo de participação comunitária, convivência com o Semiárido e respeito à

natureza. João Joaquim do Nascimento, de 67 anos e Maria do Carmo Gomes Pereira, de 63 anos, se casaram em

1981, e tiveram dois filhos: Thiago Joaquim Júnior, de 31 anos, que vive com os pais, e Tony João, de 29 anos, que é

casado e mora em São Paulo.

Seu João e Dona Carminha contam que tudo na comunidade é coletivo, e foi atravésda associação de Umburana D'Água que as comunidades vizinhas se organizaram.

Dona Carminha conta que na juventude estudou e tornou-se professora de primário, exercendo a profissão

até 2001, quando se aposentou por tempo de serviço. Ela ensinava às crianças da própria comunidade e após a

aposentadoria trabalhou por seis anos na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), de Mirandiba.

Uma experiência, segundo ela, muito boa, pois aprendeu a valorizar ainda mais as pessoas e, principalmente, a

família. Agricultor desde muito cedo, seu João Izidório, ou João de Mirandiba, como é conhecido, tem também uma

história de luta muito importante junto ao movimento social no Sertão Central. Em 1985 entrou para o Conselho

Fiscal do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mirandiba, depois assumiu a função de tesoureiro, até ser eleito

cinco vezes presidente, função que desempenhou por 26 anos, na defesa dos direitos dos trabalhadores e

trabalhadoras rurais do município. Ele é ainda um dos sócios fundadores do Centro de Educação Comunitária Rural

(Cecor), ONG localizada em Serra Talhada.

Além da criação de animais, seu João e Dona Carminha também comemoram o fato do filho Thiago ter concluído

recentemente o curso técnico em agropecuária e já está se preparando para entrar na faculdade de zootecnia, em

Serra Talhada. Uma conquista muito grande para o jovem, que sempre morou na roça e desde criança tem uma

paixão pela criação de animais, atividade que sustenta sua família há muito anos.

Foto

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Cisternas garantem água de beber e produzir no Semiárido

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O casal conta que em 1995 foi criada a Associação Organizativa de Umburana D'Água e Adjacências, que hoje tem cerca de 28 sócios/as e é a associação mãe da região, pois, através dela foram surgindo outras associações nas redondezas. E, foi a partir da organização comunitária que as famílias locais tiveram acesso à capacitações e projetos importantes, voltados principalmente para a criação de pequenos animais, atividade muito praticada até hoje na região, onde predomina a vegetação da Caatinga. Nas capacitações as famílias aprendiam a trabalhar a terra, cuidar bem das plantas e não usar agrotóxicos. Através da associação, a comunidade ainda conseguiu transporte escolar para os/as jovens, que na época tinham que andar a pé, pegar carona ou ficar na casa de parentes para poder estudar na cidade. Um sacrifício muitas vezes perigoso, que fazia com que muitos/as jovens desistissem dos estudos. Além da associação comunitária, dona Carminha ainda faz parte do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Sertão Central (MMTR-SC), que tem quatro mulheres de Mirandiba na coordenação, e junto com o marido participa do Movimento Mãe Rainha e do Encontro de Casais com Cristo (ECC), ligados à Igreja Católica.

Há muitos anos a família de Dona Carminha e seu João trabalha com a criação de animais. Hoje, têm cerca de cem caprinos, vinte ovelhas, vinte vacas e algumas galinhas. Porém, o carro chefe é mesmo a criação de cabras e ovelhas. Como o clima é seco e as chuvas nem sempre chegam, os animais são mantidos com a água de um poço artesiano, que é comunitário. A família tem ainda uma pequena barragem, que não dura o ano todo, porém tem um poço amazonas e algumas cacimbas em seu leito, e quando a barraginha seca, a água mina no poço e nas cacimbas. Para o consumo doméstico, usam a água da chuva armazenada em uma cisterna de placas de 16 mil litros, construída ao lado de casa. Durante os meses de inverno, a família também trabalha na roça. Planta milho, feijão, abóbora, fava, macaxeira, batata, etc. O trabalho é coletivo, todos contribuem, inclusive Dona Carminha, que mesmo

No cercado de descanso, além da vegetação original, a família cultiva palma, capim, sorgo, leucena e mandacaru, que servem de ração para complementar a alimentação dos rebanhos, principalmente os animais paridos, que precisam de vegetação verde para produzir leite e sustentar as crias. “É de grande importância saber lidar com a Caatinga, sem explorar demais, não desmatar sem necessidade, não descobrir a terra, deixar os basculhos, deixar as árvores nativas pra fazer sombra, senão a gente mata tudo, morre tudo”, explica o agricultor, que tem uma grande quant idade de mandacarus em sua propriedade. “Diziam que eu era doido, que eu plantava espinhos, mas eu sei que o

Além de aumentar os cercados, a família está pensando em melhorar a criação de galinhas e fazer uma pequena horta a partir da cisterna de placas de 52 mil litros que foi construída recentemente nos arredores de casa, atividades mais fáceis para Dona Carminha, devido aos problemas de saúde. Dona Carminha conta que em Mirandiba tinha uma feira agroecológica, mas por causa dos últimos anos de estiagem, deixou de funcionar. “A feirinha acabou por causa da seca, mas já houve uma discussão para reativar, pois a chegada das cisternas nas comunidades pode melhorar a produção de hortaliças e manter a feira”, diz a agricultora que vendia cascas de pau e remédios caseiros quando a feira funcionava.

enfrentando problemas de saúde, não desiste de lutar. “Eu trabalho em tudo na roça, cuido dos animais, participo das reuniões e da organização da comunidade. Só não faço mais

porque tenho problema nas pernas e sinto muitas dores, então tem dia que não consigo trabalhar”, diz ela. Para sustentar essa quantidade de animais, a família sabe que precisa manter uma convivência harmoniosa com o meio ambiente e, por isso, usa o que aprendera ao longo da vida e nas capacitações - o casal é, inclusive, convidado para fazer palestras sobre preservação ambiental na APAE. Os animais menores (caprinos e ovinos) são criados em cercados, e para não desgastar demais a terra, cada cercado passa por um período de descanso, o chamado pousio, que é o tempo suficiente para a vegetação se recuperar e a terra não ficar descoberta, dessa forma, os animais tem sempre uma reserva de alimentos.

mandacaru ajuda muito no sustento dos bichos, e sempre que vejo um galho caído, ajeito na terra e ele pega, depois quando volto no local tem um pé já grande, todo mundo tinha que fazer isso”, acrescenta seu João.

Na preparação dos cercados, as árvores nativas como umbuzeiros, juazeiros, angicos, aroeiras, etc., são preservadas, pois servem de sombra para os animais nos dias mais quentes, varas para as cercas e lenha para o fogão quando morrem naturalmente.

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Criação de cabras e ovelhas é o maior investimento da família

Cercado descansa por três ou quatro anos para a vegetação se recuperar