fala da posse na presidênciado stf 12/9/2016 · resposta: de qual ordem tudo está fora... nosso...

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Fala da Posse na Presidência do STF 12/9/2016 Inicio quebrando um pouco o protocolo ou, pelo menos, interpretando a norma protocolar diferente de como vem sendo interpretada e aplicada: determina se comecem os cumprimentos pela mais elevada autoridade presente. E e justo que assim seJa. Principio, P01S, meus cumprimentos dirigindo-me ao cidadão brasileiro, princípio e fim do Estado, senhor do Poder .da sociedade democrática, autoridade suprema sobre nós, servidores públicos, em função do qual se há de labutar cada um dos ocupantes dos cargos estatais. Cidadão muito insatisfeito hoje, como, estou convencida, todos nós estamos, por não termos o Brasil 'que queremos, o mundo que achamos que merecemos, mas que é nossa responsabilidade direta colaborar, em nossos desempenhos, para construir. Cumprimento, P01S, inicialmente, Sua Excelêncía, o povo, querendo que cada cidadão brasileiro se sinta individualmente saudado por m1m e pelo Supremo Tribunal neste momento. Especialmente o jurisdicionado, aquele que procurou ou anda à procura do Judiciário na luta pelos seus 1 5T F 102.002

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Fala da Posse na Presidência do STF12/9/2016

Inicio quebrando um pouco o protocoloou, pelo menos, interpretando a normaprotocolar diferente de como vem sendointerpretada e aplicada: determina secomecem os cumprimentos pela mais elevadaautoridade presente. E e justo que assimseJa.

Principio, P01S, meus cumprimentosdirigindo-me ao cidadão brasileiro,princípio e fim do Estado, senhor do Poder.da sociedade democrática, autoridade supremasobre nós, servidores públicos, em função doqual se há de labutar cada um dos ocupantesdos cargos estatais. Cidadão muitoinsatisfeito hoje, como, estou convencida,todos nós estamos, por não termos o Brasil'que queremos, o mundo que achamos quemerecemos, mas que é nossa responsabilidadedireta colaborar, em nossos desempenhos,para construir.

Cumprimento, P01S, inicialmente, SuaExcelêncía, o povo, querendo que cadacidadão brasileiro se sinta individualmentesaudado por m1m e pelo Supremo Tribunalneste momento. Especialmente ojurisdicionado, aquele que procurou ou andaà procura do Judiciário na luta pelos seus

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direi tos. Com ele me comprometo - como é ocompromisso de todos nós, membros desteSupremo Tribunal , firme e fielmente atrabalhar até o limite de nossas forças e denossa capacidade para que a jurisdição sejadevidamente prestada, e prestada para todos.

Passo aos cumprimentos, cumprindo o que éa forma regulamentar.

[Cumprimen tos]

Quase quarenta anos de minha vidaprofissional, de peleja constante no Direito,instrumento de pacificação social, pergunto-me hoje se será a Justiça, ela mesma, umdireito. Direito é o produto de valoresculturais. Mas não tenho notícia de um serhumano que não aspira à Justiça. Ou uma ideiade Justiça. Como se ela fosse não um valorcultural, que pode acontecer ou não numasociedade, mas um sentimento. Se, no verso deCecília Meireles, a liberdade é um sonho queo mundo inteiro alimenta, parece-me ser aJustiça um sentimento que a humanidadeinteira acalenta. Isso explica cedermos nós,

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humanos, espaços de liberdade para sermos evivermos com o outro na crença sentida, atéao mais incréu dos homens, de que com osoutros, se alcança relação de Justiça. Não háprévia nem permanente definição do justo paratodos os povos, em todos os tempos e em todolugar. Mas há o credo da Justiça , sem prédefinição, necessária apenas por acreditarmosnão ser possível vivermos sem Justiça. É elaque permi te supor que a dor de v~ver ésuperável pela suavidade do justo conviver.

É o juiz o depositário desta fé, garantidorda satisfação desse sentimento. Com homenslidamos nós, os juízes. O homem e a nossamatéria, sua vida, sua morte, seus sonhos,suas dores, suas alegrias e dissabores. A estedever nunca faltará o verdadeiro juiz, muitomenos o juiz brasileiro, menos ainda esteSupremo Tribunal Federal, que atuará comrigor e respeito à Constituição e a todos osvalores que predominam e que forjaram esteordenamento hoje em vigor.

Não entendi, dez anos atrás, aqui chegando,fala a mim dirigida de que, juíza, iria sofrero cargo, não fruir a função. Tinha razão JoséAparecido de Oliveira quando me lançou essealerta.

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Guardar e fazer garantir a satisfação dosentimento de Justiça de cada um e de todosos brasileiros como juíza constitucional étarefa tão grata quanto difícil. Ecompromisso que não tem fim. Compromisso,reconheça-se, nem sempre bem sucedido. Quase

,nunca bem entendido. E apenas compromissoimprescindível como forma única de superaçãoda barbárie.

E há de se reconhecer que o cidadão nãohá de estar satisfeito, hoje, com o PoderJudiciário. O juiz também não está. Para queo Judiciário nacional atenda como há deatender a legítima expectativa dobrasileiro não basta mais uma vez reforma-lo. Faz-se urgente transformá-lo. Tarefaingente e necessária, para ser levada aefeito com o esforço de toda a comunidadejurídica e com a compreensão de toda asociedade do que se está a propor e apraticar.

Talvez estejamos vivendo tempos maisdifíceis que experiências históricasanteriores. Talvez porque também talvez cadageração tenha a ilusão e um pouco de soberbade achar que o seu é o maior desafio. Apenaspor ser o seu e ter de ser resolvido com oempenho que cada situação impõe. Mas é certoque se modificaram, na raiz, os paradigmasantes adotados. Exauriram-se os modelosestatais e soc~a~s antes aproveitados. Osonho de ser feliz e de viver numa sociedade

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justa é o mesmo, oser feliz e qualjusta, não é o mesmo

de sempre:o modelode sempre.

o que e comode sociedade

Caetanos e não caetanos deste Brasil tãoplural concluem em uníssono: alguma coisaestá fora de ordem, fora da nova ordemmundial. O que nos cumpre, a nós servidorespúblicos em especial, é questionar e acharresposta: de qual ordem tudo está fora ...

Nossoinéditas.ao outro

olharE até

não

recai hoje sobre realidadesa capacidade de ver a si eé mais tão fácil. Olhos

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vidrados, virtuais, nem sempre virtuosos emver o igual em sua diferença piscam semreter o antes visto.

Os conflitos multiplicam-se e não hásoluções fáceis ou conhecidas para seremaproveitadas. Vivemos momentos tormentosos.Há que se fazer a travessia para tempospacificados. Travessia em águas em revolto ecidadãos em revolta. A busca pela Justiçacomo seja o ideal consensualizado - põe-secomo bússola a impor que se persista natentativa de se alcançar alguma calmaria.

Porque a busca pela Justiça é atemporal,mas o pensar o que e como a Justiça éengajada. Cada povo tem o seu ideal dojusto. O que todos os povos de todos ostempos têm em comum é a inaceitação doinjusto. Nosso tempo é de maior cuidado,prudência para saber ouv~r e entender e

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o que precisa serinteresses superados

as demandas soc~a~s

coragem para enfrentarmudado, a despei to deou desconexos comlegítimas.

Há uma boa nova a chamar a atenção dojuiz. A luta pela Justiça hoje é mais firme,fruto, no caso brasileiro, talvez daexper~encia democrática que experimentamosdesde a década de 80. Mais especificamentedesde o início de vigência da Constituiçãode 1988.

Mas, em parte, por isso mesmo, é deinegável gravidade e de difícil soluçãorápida o julgamento, em prazo razoável, deprocessos multiplicados, chegantes, noBrasil, à centena de milhões. Costurados emmodelos artesanais, conflitos produzidos emescala industrial e de solução cada vez maisurgente não têm julgamento fácil de serproduzido em tempo curto, como ex~ge ocidadão e há de aprender a fazer oJudiciário.

Justiça é sentimento de que tem fome oser humano porque sem ela a dignidade humanaé retórica. Sem Justiça sobra a força de umapessoa sobre a outra; a violência pessoal,que não respeita o que de humano distingue ohomem de outras espécies. E como repitotanto, fome dói. Nosso encargo e compromissoé supri-la.

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d1r'0remo ~tttnal ~cleral

Riobaldo afirmava que "natureza da gentenão cabe em nenhuma certeza". Mas parece-meque natureza da gente não se aguenta emtantas incertezas. Especialmente quando oincerto é a Justiça que se pede e que seespera do Estado. Esse só existe e sejustifica para garantir a efetividade dojusto, como concebido e plasmado noordenamento jurídico.

Sei que este Supremo Tribunal Federal,de história proba e republicana, há de serhonrado pelos que ocupam, hoje, as cadeirasdeste Colegiado, não se deixando ser refémde especiais dificuldades momentâneas quevão de conceitos a serem recriados atémodelos e práticas inovadoras. Atransformação há de ser concebida embenefício exclusivamente do jurisdicionado,que não tem porque suportar ou tolerar o quenão estamos sendo capazes de garantir.

Em tempos cujo nome é tumulto escrito empedra, como diria Drummond, os desafios sãomaiores. Ser difícil não significa serimpossível. De resto, não acho que para oser humano exista, na vida, o impossível.Impossível é apenas o caminho novo que, porcovardia ou indolência, não se é capaz debuscar para se realizar o que precisa serfeito. Para o juiz, impossível é não pensarque ele existe só e só para ojurisdicionado, o qual acredita, espera etem direito seja julgado o que acredita ser

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seu direito.essencial,Justiça noprosperar.

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A jurisdição é serviço públicosem o que a ideia mesma doEstado de Direito não tem como

Entregar ao cidadão brasileiro o seudireito não é gesto automático de umaAdministração que não sente nem sabe o homemcuja vida e seus interesses escrevem-se nosautos do processo. Entregar ao cidadãobrasileiro o seu direito é compromisso com oato de justiça, nossa obrigação e nossaresponsabilidade.

o que o Judiciário não deu certo e,reconheça-se, em muito ainda não deu háque se mudar para fazer acontecer na formaconstitucionalmente prevista e socialmentejusta. Não procuro discutir problemas. Minharesponsabilidade é fazer acontecer assoluções necessárias.

o Judiciário brasileiro reclama mudançase a cidadania exige satisfação de seusdireitos. É tempo de promover as mudanças,diminuindo o tempo de duração dos processossem perda das garantias do devido processolegal, do amplo direito de defesa, degarantia do contraditório, mas com processosque tenham começo, me~o e fim e não seeternizem em prateleiras emboloradas queempoeiram as esperanças de convivênciajusta.

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ci?yItre:mo c;;fl;,"buna! çJJ:;dera!

Insisto: o momento parece-me detravessia, quando atravessamos nós mesmos,refazendo nossas velhas formasdescompassadas com este tempo mudado, enossas próprias trilhas, gastas pelos mesmospassos, que caminham sobre si mesmos, paraque nossos pés palmilhem veredas novas embusca dos gostos atuais para os cidadãos dehoje.

Justiça é sentimento a ser respeitado emespecial pelo juiz, cujo oficio é garantirque a confiança do ser humano se fortaleçapara que a vida com os outros seja ma~samena, com respeito a todas as diferenças ea identidade humana que é garantia daigualdade na dignidade. E quem tem a tarefaformal de satisfazer esse sentimento há delevar sua tarefa com o cuidado de quemcarrega o sacrário no qual se guarda a fé naJustiça e, mais que tudo, a esperança nojusto v~ver com o outro. E sem esperança,viver é mais que per~goso, é aflitivo.

Dificuldades do atual momento ex~ge maiscoragem, que passa a ser não uma qualidade,mas uma imposição. Comprometer-se com o novoainda não claro, mas que precisa ser vistopara dar ao cidadão o de que ele precisa - eàs vezes de forma que nem ele mesmo sabe sero melhor e mais necessário - é que conduz aum Judiciário coerente com o que a sociedadeexige do Estado-juiz. Há muito e proficuotrabalho a ser feito, em sequência ao que

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Q1f0remo ef%:titt7'lal~deral

vem sendo realizado pelas gestões que meantecederam. O Supremo Tribunal constrói-sea cada tempo e em sequência que não sealtera em seus compromissos republicanos.

Muito foi feito, muito mais há a fazer.Tenho certeza que há empenho, seriedade ehonradez que o cargo de juiz exige parasermos capazes de dar cobro à exigência quenos impõe o jurisdicionado.

Esquece-se muito o que dizem as pessoas,especialmente em momentos como este. Masnunca se deslembra do que se faz.especialmente quando o feito desdobra-se emexperiências que melhoram a vida daspessoas. E não digo melhoria da vidasonhada, mas do todo dia, da labuta e daalegria ou agonia diária, num Estado cujaConstituição garante direitos que têm de serassegurados jurídica e socialmente.

Cumpre-nos dedicar de formaintransigente e integral a dar cobro ao quenos é determinado pela Constituição daRepública e que de nós é esperado pelocidadão brasileiro, o qual quer saúde,educação, trabalho, sossego para andar empaz por ruas, estradas do país e trilhaslivres para poder sonhar além do mais. Que,como na fala do poeta da mus~ca popularbrasileiro, ninguém quer só comida, quertambém diversão e arte.

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Cumpre a nós, servidores do povo,devotarmos à causa da Justiça como agentesde transformação das instituições queenvelheceram, pois na esteira das mudançassócio-economicas e tecnológicas que dominamo cenário atual, as estruturas não ma1Satendem aos fins estabelecidos no art. 3° daConstituição, os quais se mantématualíssimos, mas que serão honrados comnovos instrumentos a serem criados eaplicados.

o tempo é também de esperança. Homens emulheres estão nas praças pelos seusdireitos e pelo seus interesses. Quer-se umBrasil mais justo e é imprescindível que oconstruamos. Cansamos de sermos País de umfuturo que não chega nunca. O futuro é hojee há de ser construído pela união de todos,com direito às diferenças e respeito àidentidade de cada um, garantindo-se semprea igualdade em direitos de todos e paratodos.

A ética não está em questão: é dever detodos e de cada, não se transigindo com asua inobservância. A lei não é aviso, peloque há de ser cumprida por todos. O Estado éde direito e a democracia é uma construçãopermanente, responsabilidade de todos, emespecial de cada um de nós, servidorespúblicos. O Brasil é o nosso compromisso: oBrasil de hoje, a Justiça que se quer e sepede hoje, o Brasil que merecemos e pelo

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qual é nosso dever lutar e fazer acontecer.Afinal, a história de cada povo ele mesmo aconstrói.

Este Supremo Tribunal Federal tem suahistória feita a partir dos mandamentosconstitucionais. Continuará a ser assim. Oque se propora a transformar diz com oaperfeiçoamento dos instrumentos de atuaçãojurisdicional. E cada proposta serátransparente e imediatamente explicitada àsociedade.

Justiça não é milagre,mistério. De tudo setransparência.

nem jurisdição édará ciência e

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Sossegue-se o cidadão: o trabalho deentregar a Justiça a quem busque oJudiciário será levado a efeito com aintransigente garantia dos princípiosconstitucionais, firmados com o objetivoexpresso de construirmos uma sociedadelivre, justa e solidária. E a garantia deque trabalhamos para termos uma prestaçãoma1S rápida, mais eficiente e menos custosaao cidadão. Os projetos neste sentido serãoexpostos, breve e pormenorizadamente, aoscidadãos.

Constituição não é utopia, Justiça não ésonho, 'Cidadania não é aspiração. OJudiciário brasileiro sabe dos seuscompromissos e de suas responsabilidades. Emtempo de dores multiplicadas, há que se

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dti'twenw c;f7-;lIJttna! c;fl4dera!

multiplicarem também as esperanças, àmaneJ.ra da lição de Paulo Mendes Campos.Afinal, gente só não é capaz de fazer emelhorar o que não tenta. Temos sorte desabermos que o Brasil que merecemos pode ehá de ser construído.

o Judiciário brasileiro não desertarádesse seu encargo. A tarefa é dificul tosa,sei-o bem. Mas não deixaremos em desalentodireito e ética que a Constituição impõe queresguardemos. Porque esse é nosso papel. Eporque o Brasil é cada um e todos nós. OBrasil que queremos seJa mesmo pátria mãegentil para todos os brasileiros.

Muito obrigada.

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