fadiga dos musculos eretores da espinha-um estudo eletromiografico

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6 Fadiga dos músculos eretores da espinha: um estudo eletromiográfico Erector spinae muscle fatigue: an electromyographic study Fernando Sérgio Silva Barbosa 1 , Mauro Gonçalves 2 1 Fisioterapeuta; mestrando em Ciências da Motricidade na UNESP (Universidade Estadual Paulista) campus de Rio Claro 2 Fisioterapeuta e Educador Físico; Prof. Dr. Coordenador do Laboratório de Biomecânica da UNESP campus de Rio Claro ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Fernando S. S. Barbosa Depto. de Educ. Física Lab. de Biomecânica Av. 24A, n.1515 Campus UNESP 13506-900 Rio Claro SP e-mail: [email protected]; [email protected] DESCRITORES Coluna vertebral. Contração isométrica. Fadiga muscular. Eletromiografia KEYWORDS Spine. Isometric contraction. Muscle fatigue. Electromyography. Trabalho apresentado ao III Congresso Internacional de Educação Física e Motricidade Humana e IX Simpósio Paulista de Educação Física, UNESP campus de Rio Claro, 30 de abril a 3 de maio de 2003. ACEITO PARA PUBLICAÇÃO ago. 2004 RESUMO: Os músculos eretores da espinha são importantes responsáveis pela integridade física e funcional da coluna vertebral. Justifica-se o estudo da fadiga desses músculos, associada à dor lombar, pelas constantes demandas advindas das atividades da vida diária. Este estudo visou verificar a ocorrência e o comportamento da fadiga muscular, analisando o sinal eletromiográfico dos músculos ileocostais e multífidos em um teste isométrico. Participaram do estudo nove voluntários do sexo masculino com média de idade de 20,4±1,3 anos, que foram submetidos a um teste de contração isométrica dos músculos eretores da espinha contra cargas de 5%, 10%, 15% e 20% da carga máxima. Para a captação dos sinais eletromiográficos foi utilizado um módulo de aquisição de sinais biológicos de quatro canais, aos quais foram conectados cabos e eletrodos, uma placa conversora analógica-digital e eletrodos de superfície posicionados bilateralmente sobre os músculos ileocostal e multífido. A fadiga muscular foi identificada pela verificação do aumento da amplitude do sinal eletromiográfico em função do tempo. O protocolo proposto revela-se eficaz para a verificação da ocorrência de fadiga em contrações isométricas mantidas até a exaustão. Os resultados demonstraram que o músculo ileocostal evidenciou em geral maior fadiga que o músculo multífido. A comparação bilateral evidenciou que os músculos eretores da espinha do lado direito sofreram predominantemente maior fadiga. ABSTRACT: The erector spinae muscles are important antigravity muscles, responsible for the physical and functional integrity of the spine. The study of these muscles fatigue is justified by its association to low-back pain. This study aimed at verifying the occurrence and behaviour of muscle fatigue by analysing electromyographic signs from the erector spinae muscles in an isometric test. Nine male volunteers aged in average 20,4±1,3 years old were submitted to a test of isometric contractions of the erector spinae muscles against loads of 5%, 10%, 15% and 20% of the maximum load. In order to record electromyographic signs a module was used for acquisition of biological signs with four channels, an analogic-digital circuit board and surface electrodes positioned bilaterally on the iliocostalis and multifidus muscles. Muscle fatigue was identified by the increase in electromyographic sign amplitude. The protocol here used proved effective in verifying the occurrence of fatigue in isometric contraction to exhaustion. Findings are that the iliocostalis showed predominantly more fatigue than the multifidus muscle. Bilateral comparison shows that right side erector spinae muscles evidenced predominantly more fatigue than the left side ones. FISIOTERAPIA E PESQUISA 2005; 12(2): 6-12

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6 FISIOTERAPIA E PESQUISA 2005; 12(2)

Fadiga dos músculos eretores da espinha: um estudo eletromiográficoErector spinae muscle fatigue: an electromyographic study

Fernando Sérgio Silva Barbosa1, Mauro Gonçalves2

1 Fisioterapeuta;mestrando em Ciênciasda Motricidade naUNESP (UniversidadeEstadual Paulista)campus de Rio Claro

2 Fisioterapeuta eEducador Físico; Prof.Dr. Coordenador doLaboratório deBiomecânica da UNESPcampus de Rio Claro

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIAFernando S. S. BarbosaDepto. de Educ. FísicaLab. de BiomecânicaAv. 24A, n.1515Campus UNESP13506-900 Rio Claro SPe-mail:[email protected];[email protected]

DESCRITORESColuna vertebral.Contração isométrica.Fadiga muscular.Eletromiografia

KEYWORDSSpine.Isometric contraction.Muscle fatigue.Electromyography.

Trabalho apresentado ao IIICongresso Internacional deEducação Física eMotricidade Humana e IXSimpósio Paulista deEducação Física, UNESPcampus de Rio Claro, 30 deabril a 3 de maio de 2003.

ACEITO PARA PUBLICAÇÃOago. 2004

RESUMO: Os músculos eretores da espinha são importantes responsáveispela integridade física e funcional da coluna vertebral. Justifica-se oestudo da fadiga desses músculos, associada à dor lombar, pelas constantesdemandas advindas das atividades da vida diária. Este estudo visouverificar a ocorrência e o comportamento da fadiga muscular, analisandoo sinal eletromiográfico dos músculos ileocostais e multífidos em umteste isométrico. Participaram do estudo nove voluntários do sexomasculino com média de idade de 20,4±1,3 anos, que foram submetidosa um teste de contração isométrica dos músculos eretores da espinhacontra cargas de 5%, 10%, 15% e 20% da carga máxima. Para a captaçãodos sinais eletromiográficos foi utilizado um módulo de aquisição desinais biológicos de quatro canais, aos quais foram conectados cabos eeletrodos, uma placa conversora analógica-digital e eletrodos desuperfície posicionados bilateralmente sobre os músculos ileocostal emultífido. A fadiga muscular foi identificada pela verificação do aumentoda amplitude do sinal eletromiográfico em função do tempo. O protocoloproposto revela-se eficaz para a verificação da ocorrência de fadiga emcontrações isométricas mantidas até a exaustão. Os resultadosdemonstraram que o músculo ileocostal evidenciou em geral maior fadigaque o músculo multífido. A comparação bilateral evidenciou que osmúsculos eretores da espinha do lado direito sofreram predominantementemaior fadiga.

ABSTRACT: The erector spinae muscles are important antigravity muscles,responsible for the physical and functional integrity of the spine. Thestudy of these muscles fatigue is justified by its association to low-backpain. This study aimed at verifying the occurrence and behaviour ofmuscle fatigue by analysing electromyographic signs from the erectorspinae muscles in an isometric test. Nine male volunteers aged in average20,4±1,3 years old were submitted to a test of isometric contractions ofthe erector spinae muscles against loads of 5%, 10%, 15% and 20% ofthe maximum load. In order to record electromyographic signs a modulewas used for acquisition of biological signs with four channels, ananalogic-digital circuit board and surface electrodes positioned bilaterallyon the iliocostalis and multifidus muscles. Muscle fatigue was identifiedby the increase in electromyographic sign amplitude. The protocol hereused proved effective in verifying the occurrence of fatigue in isometriccontraction to exhaustion. Findings are that the iliocostalis showedpredominantly more fatigue than the multifidus muscle. Bilateralcomparison shows that right side erector spinae muscles evidencedpredominantly more fatigue than the left side ones.

FISIOTERAPIA E PESQUISA 2005; 12(2): 6-12

7FISIOTERAPIA E PESQUISA 2005; 12(2)

INTRODUÇÃOOs músculos eretores da espi-

nha são importantes músculosantigravitacionários nos seres hu-manos, atuando predominante-mente de forma estática ou quaseestática durante a maior parte dodia1. Estudos prévios16 mencionamo importante papel desses múscu-los na manutenção da integrida-de física e funcional da coluna ver-tebral, bem como sua relação coma presença de dores na mesma.

Roy et al.7 e Seidel et al.8 pos-tularam que os tecidos passivos(cápsulas, ligamentos e discos) dacoluna vertebral passam a ser so-brecarregados depois que os ele-mentos ativos (músculos) tornam-se menos efetivos em decorrênciada fadiga muscular.

A fadiga muscular pode seridentificada por meio da análise daativação e do comportamento dasunidades motoras, componentes fun-cionais do sistema neuromuscular9.Uma das formas de avaliar a fadigaé analisar a amplitude do sinaleletromiográfico proveniente demúsculos submetidos a contraçõesisométricas10. Usualmente, a am-plitude do sinal eletromiográficodemonstra uma elevação em fun-ção do tempo de realização de umdeterminado exercício como con-seqüência da fadiga muscular11,12.

Com o objetivo de criar umametodologia que pudesse ser uti-lizada em programas de treina-mento e reabilitação, para a ava-liação da resistência isométricados músculos eretores da espinha,bem como o diagnóstico de dis-túrbios da coluna lombar, Biering-Sorensen2 propôs um teste conhe-cido como Teste de Sorensen. Aresistência isométrica dos eretoresda espinha é avaliada pela verifi-cação do tempo em que um vo-luntário em decúbito ventral é ca-paz de manter a parte superior dotronco (borda superior da cristailíaca ântero-superior até a cabeça)em uma posição horizontal, coma região glútea e os membros infe-riores fixos a uma mesa de testepor três cintos, e os membros su-periores cruzados em frente ao tó-

rax com as mãos tocando o ombrocontralateral. O teste é mantido atéque o voluntário não possa mais sus-tentar essa postura em função daexaustão ou até que o limite de to-lerância dos sintomas advindos dafadiga seja alcançado.

Contudo, a validade da análiseque recorre apenas a parâmetros

METODOLOGIA

VoluntáriosParticiparam do presente estudo

nove voluntários do sexo masculi-no com média de idade de20,4±1,3 anos, sem história de pa-tologias musculoesqueléticas na

mecânicos, como o tempo de sus-tentação da massa do tronco, nocaso do Teste de Sorensen, temsido questionada por ser altamen-te dependente da motivação dovoluntário4: o fato de este podercontrolar voluntariamente podeinfluenciar os resultados obtidos.Por outro lado, a análise de parâ-metros fisiológicos, como os obti-dos por meio da eletromiografia,permite uma análise mais objeti-va da função muscular e, princi-palmente, não é passível de con-trole voluntário.

Assim, este estudo propõe ava-liar a fadiga dos músculos eretoresda espinha mediante o Teste deSorensen2 modificado, usandocaptação do sinal eletromiográficodurante contração isométrica con-tínua desses músculos, em dife-rentes níveis de carga, no intuitode melhor compreender o compor-tamento mecânico e fisiológicodesses músculos frente às constan-tes demandas advindas das maisvariadas atividades da vida diária.

coluna vertebral e que não apre-sentaram episódio de dor lombarnas quatro semanas que antece-deram o estudo13.

As características antropométri-cas dos voluntários são apresen-tadas no Quadro 1.

Os voluntários assinaram umTermo de Consentimento Livre eEsclarecido concordando com aparticipação no estudo, o qual foiaprovado pela Comissão de Éticaem Pesquisa da UNESP.

Posicionamento dosvoluntários

Para a determinação da cargamáxima e para o teste de exaustão,os voluntários foram posicionadosem decúbito ventral sobre umamesa de teste. Em repouso, o tron-co era mantido com uma flexãode 35º. A pelve e os membros in-feriores foram fixados à mesa deteste por meio de três cintos decouro posicionados em torno dos

Figura 1 Postura e equipamentos utilizados para os testes de ContraçãoIsométrica Voluntária Máxima (CIVM) e de exaustão. a = mesa de teste;b = cintos de couro; c = célula de carga; d = colete; e = limitadores demovimento; f = indicador digital; g = eletrodos

Barbosa & Gonçalves Fadiga dos músculos eretores da espinha

Quadro 1 Média e desvio padrão dos valores antropométricos dos voluntários

Características antropométricas dos voluntários (n=9)

Massa (Kg) Altura (m)Média 68,7 1,75Desvio-padrão 9,4 0,06

8 FISIOTERAPIA E PESQUISA 2005; 12(2)

tornozelos, joelhos e quadris. Omovimento a ser realizado emambos os testes foi a extensão dacoluna vertebral contra uma cé-lula de carga fixa (Kratos Dinamô-metros Ltda. Modelo MM 100 Kgf)à base da mesa de teste e acopladaa um colete utilizado pelos volun-tários (Fig. 1). Limitadores demovimento evitaram a rotação ea inclinação lateral da coluna.

Teste de carga máximaPara a determinação da carga

máxima de cada voluntário, foiutilizado o teste de ContraçãoIsométrica Voluntária Máxima(CIVM), realizado em três diascom um intervalo mínimo de 24horas e máximo de 48 horas entrecada dia de teste; em cada um dostrês dias de teste, foram realiza-das três CIVM com cinco segun-dos de duração e com um interva-lo de cinco minutos entre cadacontração, com o objetivo de per-mitir a recuperação dos voluntáriose evitar a fadiga. Com base nosdados obtidos nesses três dias deteste, foi calculada, para cada vo-luntário separadamente, a médiados nove valores correspondentesà força de tração na célula de car-ga durante a CIVM, sendo o resul-tado definido como a carga máxi-ma. Desse modo, o teste permitiua identificação da carga máximade forma individualizada.

Teste de exaustãoO teste constou de uma contra-

ção isométrica contínua mantidaaté a exaustão contra cargas equi-valentes a aproximadamente 5%,10%, 15% e 20% da carga máxi-ma, distribuídas de forma aleatóriaem uma razão de duas cargas pordia. Para que o voluntário pudessecontrolar a intensidade da força detração exercida sobre a célula decarga durante o teste de exaustão,um indicador digital (Kratos CASBalanças Eletrônicas Ltda. Mode-lo IK-14A) foi posicionado no soloabaixo dos olhos do voluntário.

O abaixamento do tronco e aincapacidade dos voluntários demanter as porcentagens da cargamáxima dentro de um desvio pa-drão de 1 kg foram os critériosadotados para o encerramento doteste.

InstrumentosForam utilizados um módulo de

aquisição de sinais biológicos dequatro canais Lynx (Lynx TecnologiaElectrônica Ltda.*) aos quais fo-ram conectados os cabos e ele-trodos, e uma placa conversoraanalógica-digital (A/D) (CAD 1026– Lynx*), sendo o ganho calibra-do em 1000 vezes, o filtro passa-alta em 10 Hz, o filtro passa-bai-xa em 500 Hz; para a aquisiçãodos registros eletromiográficos, foiestabelecida a freqüência deamostragem de 1000 Hz. Para aaquisição e análise dos sinais foiutilizado um software específico(Aqdados-Lynx*).

Para a captação dos sinaiseletromiográficos foram utilizadoseletrodos de superfície monopo-lares passivos de Ag/AgCl (MEDITRACE) com 3 cm de diâmetro eárea efetiva de captação de 1 cm.Os eletrodos foram posicionadosbilateralmente segundo De Foa etal.14 e Tsuboi et al.6 sobre os mús-culos ileocostal, a 6c m do espa-ço interespinhal de L2-L3, emultífido, a 3 cm do espaçointerespinhal de L4-L5, com umadistância intereletrodos de 4 cm.

Um fio terra foi posicionado nopunho direito dos voluntários como objetivo de atuar como eletro-do de referência, bem como paragarantir a qualidade do sinal.

Para diminuir possíveis interfe-rências na captação do sinaleletromiográfico, realizou-se, pre-viamente à colocação dos eletro-dos, tricotomia, abrasão e limpe-za da pelo com álcool na regiãodos músculos que foram estuda-dos, assim como na região do pu-nho direito.

Determinação da fadigamuscular

A fadiga muscular foi identifica-da conforme metodologia propostainicialmente por De Vries et al.15 e,posteriormente, adaptada porMatsumoto et al.16 e Moritani etal.17, por meio da verificação daexistência de elevação da ativi-dade eletromiográfica em funçãodo tempo de sustentação da con-tração muscular, visto que, em si-tuação de fadiga, ocorre uma ele-vação da amplitude do sinaleletromiográfico. No presente es-tudo, a plotagem dos valores daraiz quadrática da média (RootMean Square – RMS), que repre-sentam a amplitude da atividadeeletromiográfica, em função doTempo de Resistência Isométrica(TRI), permitiu a verificação dafadiga. Particularmente no presen-te estudo, os valores de RMS fo-ram obtidos de coletas com cincosegundos de duração e realizadasde forma sucessiva (sem interva-lo) até a exaustão do voluntário.

Os valores de RMS de cadacoleta foram correlacionados emfunção do TRI (número de cole-tas) por meio da correlação linearde Pearson, resultando em umareta de regressão representativada disposição dos pontos (valoresde RMS) plotados em um gráfico.A análise do gráfico permite aobtenção de um coeficiente an-gular (q), valor representativo dograu de inclinação da reta; sendoesse valor positivo, isto é, retainclinada para cima, assume-se aocorrência da fadiga muscular.

RESULTADOSO valor médio e desvio padrão

da carga máxima dos nove volun-tários foi de 40,62 kg±9,63. A mé-dia e desvio padrão do TRI do testede exaustão foi de 134±42 segun-dos na carga de 5%; 82±27 se-gundos na carga de 10%; 72±27segundos na carga de 15%; e62±28 segundos na carga de 20%.

* Doado pela FundUnesp proc.076/90-DFP e 384/90-DPE ao Laboratório de Biomecânica do Departamento de EducaçãoFísica da UNESP – campus de Rio Claro.

9FISIOTERAPIA E PESQUISA 2005; 12(2)

A análise dos coeficientes angu-lares revelou uma relação inversaentre o nível de fadiga e a intensida-de da carga, tanto para o músculoileocostal direito (5%: 5,64; 10%:7,89; 15%: 8,88; 20%: 10,38) quantopara o músculo ileocostal esquerdo(5%: 6,79; 10%: 8,50; 15%: 9,81;20%: 13,72). Contudo, a análise devariância (ANOVA) não revelou di-ferenças estatisticamente signi-ficantes entre os níveis de fadiga in-duzidos pelas quatro cargas.

Já a análise dos coeficientes an-gulares dos músculos multífido direi-to (5%: 0,18; 10%: 2,28; 15%: 0,69;20%: -0,28) e multífido esquerdo (5%:-0,53; 10%: -0,05; 15%: -1,54; 20%:0,62) não revelou qualquer relaçãoentre o nível de fadiga e a intensida-de da carga; e, também nestes mús-culos, a ANOVA não revelou diferen-ças estatisticamente significantes en-tre os níveis de fadiga induzidos pe-las quatro cargas.

Pela análise dos valores assumidospelo coeficiente q, observou-se queos músculos ileocostal direito e esquer-do evidenciaram predominantementemaior fadiga que os músculos multífidodireito e esquerdo.

O teste “t” para amostras indepen-dentes evidenciou que o músculoileocostal direito mostrou maior fa-diga que o multífido direito nas qua-tro porcentagens de carga; contudo,diferenças estatisticamente signi-ficantes foram observadas somentenas cargas de 5% e 15%, sendo queo músculo ileocostal direito foi o queevidenciou maior fadiga (Gráfico 1).A comparação entre os músculosileocostal esquerdo e multífido es-querdo demonstrou que o ileocostalapresentou de forma estatisticamen-te significante maior fadiga nas qua-tro porcentagens de carga (Gráfico2). A utilização do mesmo teste “t”mostrou que o músculo ileocostalesquerdo evidenciou maior fadigaque o ileocostal direito nas quatro por-centagens de carga, mas essa dife-rença não foi estatisticamentesignificante (Gráfico 3), ocorrendo omesmo para o músculo multífido di-reito, que evidenciou predominante-mente maior fadiga que o multífidoesquerdo; contudo, também não fo-ram observadas diferenças estatisti-camente significantes (Gráfico 4).

Barbosa & Gonçalves Fadiga dos músculos eretores da espinha

a

b

c

ILEOCOSTAL DIREITO X MULTÍFIDO DIREITO

-2

0

2

4

6

8

10

12

5% 10% 15% 20%

% Carga máxima

Coe

fici

ente

ang

ular

ileocostal direito multífido direito

Gráfico 1 Comparação entre as médias dos coeficientes angulares (q)obtidos no teste de exaustão para os músculos ileocostaldireito e multífido direito (n=9)

*Valores significantes em p<0,05

ILEOCOSTAL ESQUERDO X MULTÍFIDO ESQUERDO

-3-113579111315

5% 10% 15% 20%

% Carga máxima

Coe

fici

ente

ang

ular

ileocostal esquerdo multífido esquerdo

Gráfico 2 Comparação entre as médias dos coeficientes angulares (q)obtidos no teste de exaustão para os músculos ileocostalesquerdo e multífido esquerdo (n=9)

*Valores significantes em p<0,05

ILEOCOSTAL DIREITO X ILEOCOSTAL ESQUERDO

-3

-1

1

3

5

7

9

11

13

15

5% 10% 15% 20%

% Carga máxima

Coe

fici

ente

ang

ular

ileocostal direito ileocostal esquerdo

Gráfico 3 Comparação entre as médias dos coeficientes angulares (q)obtidos no teste de exaustão para os músculos ileocostaisdireito e esquerdo (n=9)

MULTÍFIDO DIREITO X MULTÍFIDO ESQUERDO

-3

-2

-1

0

1

2

3

5% 10% 15% 20%

% Carga máxima

Coe

fici

ente

ang

ular

multífido direito multífido esquerdo

Gráfico 4 Comparação entre as médias dos coeficientes angulares (q)obtidos no teste de exaustão para os músculos multífidosdireito e esquerdo (n=9)

*

*

**

*

*

10 FISIOTERAPIA E PESQUISA 2005; 12(2)

Os coeficientes de determi-nação (r2) para as retas geradas apartir da correlação entre a ativi-dade eletromiográfica e o TRI fo-ram predominantemente mais for-tes bilateralmente para os múscu-los ileocostais do que para osmúsculos multífidos. Curvas comcomportamento decrescente daatividade eletromiográfica ocorre-ram bilateralmente e em sua mai-oria com o músculo multífido.

A análise qualitativa dos pon-tos correspondentes aos valores deRMS do músculo multífido de-monstrou predominantemente re-lações curvilineares entre a ativi-dade eletromiográfica e o tempo(Gráfico 5).

DISCUSSÃOO maior nível de fadiga de-

monstrado bilateralmente no mús-culo ileocostal pode ser explica-do pela predominância de fibrasdo tipo II nessa região da colunalombar18,19, que apresentam umabaixa resistência à fadiga em con-seqüência principalmente do me-tabolismo glicolítico ou anaeróbioresponsável pelo fornecimento deenergia para esse tipo de fibra porum tempo em média não superiora 30 segundos20,21.

Da mesma forma, o grande nú-mero de retas com comportamen-to negativo obtidas a partir domúsculo multífido podem ser

ocorra a fadiga dos músculos ana-lisados12.

Outra possível explicaçãopara o comportamento decres-cente da atividade eletromiográ-fica do músculo multífido é aexistência de um mecanismosinergista23, em função do qualhaveria uma transferência demomentos de força entre os mús-culos estudados, bem como en-tre outros músculos da coluna ou,ainda, para músculos dos mem-bros inferiores24, que atuariampara manter o nível de força ne-cessário à sustentação da postu-ra utilizada no teste. Os autoresBiering-Sorensen2, Kankaanpääet al.1, Mannion e Dolan4 já ob-servaram que a fadiga nos mem-bros inferiores pode interferir nostestes de resistência isométricados eretores da espinha.

As retas com comportamentonegativo estiveram presentes emapenas dois voluntários no mús-culo ileocostal direito. Esse com-portamento tem sido observadoapenas no grupo muscular con-tralateral à dominância do vo-luntário25. Uma possível explica-ção para esse achado talvez sejaa maior solicitação muscular du-rante a realização de tarefas comos membros superiores, em es-pecial com o membro dominan-te, o que permitiria inferir a idéiade músculos mais treinados.

Apesar do comportamento pre-dominantemente crescente daatividade elétrica em função dotempo, observado para o músculoileocostal no presente estudo,também já foi demonstrado quea atividade elétrica dos eretoresda espinha aumenta em algunsinstantes26 e decresce em outros8

durante contrações isométricasem diferentes níveis de esforço,resultado este reproduzido nesteestudo no músculo multífido.

Desse modo, um resultado par-ticularmente interessante, foi averificação do comportamentocurvilinear dos pontos correspon-dentes à atividade eletromiográ-fica do músculo multífido emfunção do tempo, resultando em

PADRÃO DE RECRUTAMENTO DO MÚSCULO MULTÍFIDO

100

120

140

160

180

200

220

240

0 20 40 60 80 100Tempo normalizado

RM

S (µ

V)

Gráfico 5 Curva representativa do padrão predominante derecrutamento do músculo multífido (nível L4-L5) analisadopelos valores de RMS durante contração isométrica contínua

Esse tipo de relação curvilinearesteve presente no músculo multí-fido direito em 5 voluntários na car-ga de 5%; em 6 voluntários nacarga de 10%; em 3 voluntáriosna carga de 15% e em 5voluntários na carga de 20%. Nomúsculo multífido esquerdo essarelação curvilinear estevepresente em 5 voluntários na cargade 5%; em 6 voluntários na cargade 10%; em 4 voluntários nacarga de 15% e em 3 voluntáriosna carga de 20%. Esse comporta-mento também foi observado nomúsculo ileocostal direito em 1 vo-luntário na carga de 5% e em 2voluntários na carga de 20%. Nomúsculo ileocostal esquerdo essecomportamento foi observadoapenas em um voluntário na cargade 10%.

expli-cadas pela predominânciade fibras do tipo I18,19 resistentesà fadiga e que, também por ca-racterísticas relacionadas ao sis-tema responsável pelo forneci-mento de energia (metabolismoaeróbio), permitiram a esse mús-culo suportar o trabalho a eleimposto20,21.

Sadoyama e Miyano22 justifi-caram o comportamento decres-cente das retas de regressão peladiminuição da velocidade decondução dos potenciais de açãoatravés das fibras recrutadas, le-vando a uma diminuição da ati-vidade eletromiográfica. Ao mes-mo tempo, essas retas podemainda expressar a necessidadede cargas de maior intensidadeou de um tempo maior para que

11FISIOTERAPIA E PESQUISA 2005; 12(2)

1 Kankaanpää M. Laaksonen D, Taimela S,Kokko SM, Airaksinen O, Hanninen O. Age,sex, and body mass index as determinants ofback and hip extensor fatigue in the isometricSorensen back endurance test. Arch Phys MedRehabil 1998; 79:1069-75.

2 Biering-Sorensen F. Physical measurements asrisk indicators for low-back trouble over aone-year period. Spine 1984; 9(2):106-19.

3 Alaranta H, Luoto S, Heliovaara M, Hurri H..Static back endurance and the risk of low-back pain. Clin Biomech (Bristol, Avon) 1995;10 (6):323-4.

4 Mannion AF, Dolan P. Electromyographicmedian frequency changes during isometriccontraction of the back extensors to fatigue.Spine 1994; 19(11):1223-9.

5 Sparto PJ, Parnianpour M, Reinsel TE, SimonS. Spectral and temporal responses of trunkextensor electromyography to an isometricendurance test. Spine 1997; 22(4):418-26.

6 Tsuboi T, Satou T, Egawa K, Izumi Y, MiyazakiM. Spectral analysis of electromyogram inlumbar muscles: fatigue induced endurancecontraction. Eur J Appl Physiol Occup Physiol1994; 69:361-6.

7 Roy SH, De Luca CJ, Casavant DA. Lumbarmuscle fatigue and chronic lower back pain.Spine 1989; 14(9):992-1001.

8 Seidel H, Beyer H, Bräuer D.Electromyographic evaluation of back musclefatigue with repeated sustained contractionsof different strengths. Eur J Appl PhysiolOccup Physiol 1987; 56:592-602.

9 Portney L. Eletromiografia e testes develocidade de condução nervosa. In: SullivanSB, Schimitz TJ (editores) Fisioterapia:avaliação e tratamento. São Paulo: Manole;1993. p.183-223.

um padrão de recrutamento coma forma de uma parábola comconcavidade para baixo5, o quepode prover uma explicaçãopara o modo como os músculoseretores da espinha localizadosem níveis mais baixos na colu-na lombar são recrutados. Assim,inicialmente ocorre um aumen-to da atividade eletromiográficapor uma combinação de váriosfatores, incluindo uma maior taxae sincronização dos disparos dasunidades motoras. Quando oslimites dessas estratégias paraa manutenção dos níveis de

força são extrapolados, a ativi-dade eletromiográfica decresce,novamente em decorrênciade processos multi fatoriais,como o decréscimo da taxade disparo dos neurôniosmotores27,28, a potencializaçãoda contração muscular paramanter o torque necessárioà manutenção da postura duran-te a realização do teste e, final-mente, outros músculos dotronco seriam solicitados, levan-do a um carregamento cíclicoentre grupos musculares siner-gistas29.

CONCLUSÃOCom base na análise dos parâ-

metros eletromiográficos, conclui-seque, nas condições experimentaisdo presente estudo, o protocolo pro-posto apresentou-se confiável comomodelo para verificação do surgimen-to da fadiga, permitindo a identifi-cação de uma relação predomi-nantemente crescente da atividadeelétrica dos músculos ileocostaisbilateralmente e a existência de umarelação funcional entre a atividadeeletromiográfica do músculo multífidocom o tempo de resistência isométrica.

10 Gonçalves M. Limiar de fadiga eletromiográfica.In: Denadai BS (ed) Avaliação aeróbia:determinação indireta da resposta do lactatosanguíneo. Rio Claro: Motriz; 2000. p.129-54.

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Barbosa & Gonçalves Fadiga dos músculos eretores da espinha

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Referências (cont.)