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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO MESTRADO EM EVIDÊNCIA E DECISÃO EM SAÚDE AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DE UM PROGRAMA DE INTERVENÇÃO NA PROMOÇÃO DA ADESÃO TERAPÊUTICA EM DOENTES COM VIH Autora: Clarisse Ribeiro Orientação: Professora Doutora Lia Fernandes Co-orientação: Professor Doutor Rui Sarmento e Castro Professor Doutor Mário Dinis Ribeiro Julho 2010

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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO MESTRADO EM EVIDNCIA E DECISO EM SADE

AVALIAO DA EFICCIA DE UM PROGRAMA DE

INTERVENO NA PROMOO DA ADESO TERAPUTICA

EM DOENTES COM VIH

Autora: Clarisse Ribeiro

Orientao: Professora Doutora Lia Fernandes

Co-orientao: Professor Doutor Rui Sarmento e Castro

Professor Doutor Mrio Dinis Ribeiro

Julho 2010

1

0. Agradecimentos

Equipa de Sade do Hospital Joaquim Urbano (Servio de Infecciologia, Consulta

Externa e Farmcia) pela disponibilidade, colaborao e compreenso, em especial aos

enfermeiros Alexandra, ngela, Ftima, Juan, Leonor, Mariana, Patrcia, Rosa, Snia,

Tefilo e Vtor, aos mdicos Ana Paula, Eugnia, Jusefina, Ludgero e Olga e s

farmacuticas ngela e Sofia;

Virgnia e ao Miguel pela ateno, simpatia e cooperao;

Aos Professores Lia Fernandes e Rui Sarmento e Castro pela experincia e

conhecimento transmitidos;

Ao Professor Mrio Dinis Ribeiro pela sua interveno assertiva e amiga, e pela

presena assdua na minimizao das dificuldades e angstias sentidas prprias a este

processo de crescimento;

Ao Helder, pelo auxlio sempre presente, cordial e tranquilo, absolutamente essencial

neste processo to aventuroso;

Aos meus amigos, pelas palavras enrgicas em momentos de desiluso;

minha me pelo amor e compreenso incondicionais.

2

1. Enquadramento e Organizao da Tese

Enfermagem Comunitria pode ser entendida como uma rea especializada de

Enfermagem que pretende a promoo da sade, a manuteno da sade, a educao

para a sade; a coordenao e a continuidade dos cuidados so utilizados com enfoque

no grupo e na comunidade. A actuao do enfermeiro confirma a necessidade de uma

abordagem geral de sade, reconhece as influncias de tipo social e ecolgico, presta

ateno s populaes em risco e utiliza as foras dinmicas que influenciam a

mudana.(Associao Americana de Enfermeiras).

Como enfermeira especialista em Enfermagem Comunitria e a exercer funes num

hospital especializado em doenas infecciosas, e reconhecendo como problemtica

maior desta comunidade a no adeso teraputica antiretroviral (TARV) surgiu o

interesse em desenvolver um estudo que promovesse a sade destes doentes, usando

como estratgia principal a Educao para a Sade (EPS).

Este trabalho descreve um estudo realizado no mbito do Mestrado em Evidncia e

Deciso em Sade que consistiu na validao de uma escala para medio de adeso

TARV e na avaliao da eficcia de um programa de interveno psico-educacional na

promoo da adeso TARV.

Apresentam-se inicialmente os objectivos principais e secundrios do estudo, assim

como a pergunta de investigao que o motivou. De seguida explanada a reviso

bibliogrfica efectuada de forma a melhor enquadrar a problemtica em estudo. Desta

forma, abordada a imunopatologia do Vrus da Imunodeficincia Humana (VIH) e o

seu impacto epidemiolgico a nvel nacional e mundial, fazendo tambm referncia ao

impacto psicossocial da doena e teraputica medicamentosa para o tratamento desta

infeco.

Seguidamente aborda-se a questo da adeso teraputica, desde a evoluo do seu

conceito, at aos seus factores condicionantes e mtodos de avaliao. Apresenta-se a

reviso de literatura efectuada para seleccionar o instrumento de medicao de adeso

TARV e debatem-se as estratgias para promover a adeso, evidenciando a EPS e os

3

desafios que lhe so inerentes de modo a conseguir alcanar a motivao, a participao

da populao e consequentemente os to desejados ganhos em sade.

Expe-se posteriormente a metodologia utilizada na concretizao deste estudo,

iniciando com a validao do instrumento de medio da adeso TARV seleccionado,

a Escala Simplificada para deteco de Problemas de Adeso (ESPA), usando como

gold standard os valores da carga viral (CV), e com a explanao do programa de

interveno psico-educacional, desde o seu planeamento, implementao e avaliao.

De seguida realizada a discusso dos resultados, olhando sempre que possvel para a

sua comparao com outras realidades publicadas. Finalmente so explanadas as

principais dificuldades sentidas, expostas as concluses do estudo e as

sugestes/mudanas consideradas pertinentes.

4

NDICE

0. Agradecimentos .................................................................................................... 1

1. Enquadramento e Organizao da Tese ......................................................... 2

2. Resultados Cientficos ........................................................................................ 8

3. Abstract .................................................................................................................. 9

4. Introduo ............................................................................................................ 12 A. Objectivos Principais .......................................................................................... 15

B. Objectivos Secundrios ................................................................................... 15

C. Pergunta de Investigao ................................................................................. 15

5. A infeco por VIH/Sida ................................................................................. 16 A. Aspectos Epidemiolgicos da Infeco ..................................................... 16

B. Imunopatologia da infeco pelo VIH e histria natural da doena .......... 19 1. Infeco primria e sndrome de infeco aguda ........................................... 21

2. Infeco crnica perodo de latncia clinica................................................ 22

3. Complexo relacionado Sida ......................................................................... 22

4. Doena avanada SIDA ............................................................................... 22

C. Impacto psicossocial da doena ..................................................................... 23

D. Teraputica Antirretroviral ......................................................................... 25 1. Referncia histrica ........................................................................................ 25

2. Estratgias, Sucessos e Limitaes ................................................................. 27

6. Adeso Teraputica ........................................................................................... 31 A. Evoluo na definio de conceitos ........................................................... 31

B. Adeso no VIH/Sida e seus factores condicionantes ................................... 34

C. Mtodos para avaliar a adeso ........................................................................ 37 1. Mtodos directos ............................................................................................ 37

2. Mtodos indirectos ......................................................................................... 38

D. Instrumentos para medio da adeso teraputica no VIH ..................... 41 1. Escala Simplificada para deteco de Problemas de Adeso teraputica

(ESPA) .................................................................................................................... 43

7. Estratgias para melhorar a adeso ............................................................... 45 A. Interveno na promoo da adeso teraputica ...................................... 45

B. Educao para a Sade Um desafio na prtica diria ............................... 48

8. Material e Mtodos ............................................................................................ 54 A. Estudo I: Validao da ESPA ..................................................................... 54

B. Estudo II: Avaliao da eficcia do programa de interveno psico-

educacional ............................................................................................................... 55

C. Amostra e seleco de participantes .............................................................. 56

D. Instrumentos de colheita de dados ............................................................. 56 1. Questionrio para caracterizao da amostra. ................................................ 56

2. Escala de ansiedade e depresso hospitalar .................................................... 57

3. Escala de Satisfao com o Suporte Social .................................................... 57

4. Registo de dispensa de medicamentos na farmcia ........................................ 58

5. Processo clinico. ............................................................................................. 58

E. Procedimentos .................................................................................................. 59

F. Anlise Estatstica ............................................................................................ 59

9. Resultados ............................................................................................................ 62 A. Caracterizao da amostra .......................................................................... 62

5

1. Caracterizao socio-demogrfica .................................................................. 62

2. Caracterizao familiar ................................................................................... 63

3. Caracterizao relacionada com os Servios de Sade .................................. 64

4. Caracterizao relativa aos conhecimentos sobre o VIH/SIDA. .................... 65

5. Caracterizao clnica. .................................................................................... 66

10. Validao da ESPA ....................................................................................... 75 1. Anlise das dimenses da ESSS relativamente adeso (ESPA) .................. 76

2. Comparao entre a adeso (ESPA) e as variveis socio-demogrficas. ....... 77

3. Comparao entre a adeso (ESPA) e variveis relacionadas com a famlia . 78

4. Comparao entre a adeso (ESPA) e as variveis relacionadas com os

Servios de Sade. .................................................................................................. 79

5. Comparao entre a adeso (ESPA) e as variveis relacionadas com o

conhecimento sobre o VIH/SIDA........................................................................... 80

6. Comparao entre a adeso (ESPA) e as variveis clnicas ........................... 81

7. Comparao entre a adeso (ESPA) e as escalas de Depresso e Ansiedade

hospitalar ................................................................................................................ 83

11. Avaliao da eficcia do programa interveno psico-educacional . 85 A. Indicadores de Actividade .................................................................................. 85

B. Indicadores de Impacto ....................................................................................... 85

1. Anlise da adeso ao programa de interveno para promoo TARV ...... 86

2. Anlise da adeso ao programa de interveno psico-educacional e dos

motivos de no adeso ............................................................................................ 87

3. Comparao entre o valor dos linfcitos T CD 4 antes e aps o programa ... 88

4. Comparao entre o valor da carga vrica antes e aps o programa ............... 88

5. Anlise da adeso TARV antes e aps a implementao do programa de

interveno psico-educacional ................................................................................ 88

12. Discusso ......................................................................................................... 90

13. Concluses e Sugestes Futuras ................................................................ 96

14. Referncias bibliogrficas ........................................................................... 97

15. Anexos ............................................................................................................ 103

6

NDICE DE QUADROS

Quadro I: Distribuio da populao de acordo com as caractersticas socio-

demogrficas-------------------------------------------------------------------------------------

62

Quadro II: Distribuio da populao de acordo com as caractersticas familiares---- 64

Quadro III: Distribuio da populao de acordo com as caractersticas relacionadas

com os Servios de Sade----------------------------------------------------------------------

65

Quadro IV: Caractersticas relacionadas com o conhecimento sobre o VIH/SIDA---- 65

Quadro V: Distribuio da populao de acordo com as caractersticas relacionadas

com as variveis clnicas-----------------------------------------------------------------------

66

Quadro VI: Distribuio da populao de acordo com as caractersticas relacionadas

com as variveis clnicas (cont.)---------------------------------------------------------------

68

QuadroVII: Estatsticas descritivas (itens ordenados por ordem ascendente da

mdia), relativas escala de satisfao com o suporte social (ESSS)--------------------

69

QuadroVIII: Resultado da Anlise Factorial relativa interpretao dos itens

associados Escala de Satisfao com o Suporte Social (ESSS) (valores ordenados

em cada factor por ordem descendente dos pesos factoriais)------------------------------

71

Quadro IX: Comparao entre a consistncia interna da escala original (escala ESSS

na verso portuguesa) e a escala utilizada neste estudo------------------------------------

72

Quadro X: Valores do coeficiente de correlao de Pearson entre as dimenses da

satisfao com o suporte social----------------------------------------------------------------

73

Quadro XI: Valores do coeficiente de correlao de Pearson entre os itens e as

dimenses da satisfao com o suporte social (valores corrigidos para justa posio)

73

Quadro XII: Estatsticas descritivas (dimenses ordenadas por ordem decrescente da

mdia), relativas aos ndices da ESSS--------------------------------------------------------

74

Quadro XIII: Scores de adeso obtidos atravs da aplicao dos diferentes mtodos

e comparao entre a adeso medida atravs da ESPA, o estado imunolgico do

doente e a adeso da farmcia-----------------------------------------------------------------

76

Quadro XIV: Comparao dos valores da mdia (desvio padro) das quatro

dimenses ESSS de acordo com a adeso (ESPA)-----------------------------------------

76

Quadro XV: Comparao da adeso (ESPA) de acordo com as variveis socio-

demogrficas (teste do Qui-quadrado)--------------------------------------------------------

77

Quadro XVI: Comparao da adeso (ESPA) de acordo com as variveis

relacionadas com a famlia (teste do Qui-quadrado)---------------------------------------

78

Quadro XVII: Comparao da adeso (ESPA) de acordo com as variveis

relacionadas com os servios de sade (teste do Qui-quadrado)--------------------------

79

Quadro XVIII: Comparao da adeso (ESPA) de acordo com as variveis

relacionadas com o conhecimento sobre VIH/SIDA (teste do Qui-quadrado)----------

80

Quadro XIX: Comparao da adeso (ESPA) de acordo com as variveis clnicas

(teste do Qui-quadrado)------------------------------------------------------------------------

82

Quadro XX: Comparao da adeso (ESPA) de acordo com as escalas de Depresso

e Ansiedade hospitalar (teste do Qui-quadrado)--------------------------------------------

83

Quadro XXI: Coeficientes Logit do modelo de regresso logstica da varivel

Aderncia TARV em funo do Gnero, Ansiedade, Depresso,

Acompanhamento regular no C.S., Resposta s necessidades sentidas, Ter filhos,

Conhecimento da doena, Internamento e N. de tomas de medicao/dia-------------

84

Quadro XXII: Indicadores de actividade----------------------------------------------------- 85

Quadro XXIII: Indicadores de impacto------------------------------------------------------ 86

Quadro XXIV: Comparao da adeso ao programa de interveno para promoo

TARV---------------------------------------------------------------------------------------------

87

Quadro XXV: Adeso ao programa de interveno e motivos da no adeso---------- 87

7

Quadro XXVI: Valores mdios e desvios padro para a comparao entre os CD 4

antes e aps o programa------------------------------------------------------------------------

88

Quadro XXVII: Valores mdios e desvios padro para a comparao entre a carga

vrica inicial e final (antes e aps o programa)----------------------------------------------

88

Quadro XXVIII: Comparao da adeso TARV antes e aps a implementao do

programa de interveno psico-educacional-------------------------------------------------

89

INDICE DE TABELAS

Tabela 1: Resumo dos estudos publicados sobre a validao de instrumentos para

medio de adeso TARV-------------------------------------------------------------------

42

8

2. Resultados Cientficos

Foi apresentado no dia 6 de Maio de 2010 um pster com o ttulo Adeso Teraputica

em doentes com VIH nas Jornadas de Enfermagem Comunitria 2010, realizadas pela

Escola Superior de Enfermagem do Porto.

Foi apresentado no dia 17 de Junho de 2010 um pster com o ttulo Avaliao e

Interveno Psico-educacional em doentes com VIH no 4. Encontro Nacional da Clinica

de Ambulatrio VIH/Hospitais de dia, organizado pelo Servio de Doenas Infecciosas

do Hospital de S. Joo e pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Foi submetido para o Journal of Psychosomatic Research um artigo com titulo Effect

of a psycho-educational program on Adherence to Highly Active Antiretroviral

Therapy

Foi submetido um abstract sobre Interveno Psico-educacional em VIH, integrado num

workshop de Intervenes Psicoeducacionais na Doena Crnica, no XIX World

Congresso of IFTA - International Family Therapy Association, a realizar-se de 30 de

Maro a 2 de Abril de 2011, na Holanda.

9

3. Abstract

Introduction: Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS) in Portugal is the most

representative cause of death among 30 to 39 years old. The main prognostic factor

associated with disease progression and death is adherence to therapeutic. Achieving

high levels of adherence is essential for the well being of patients and community.

Despite the importance of therapeutic adherence, there isnt available a standard

instrument that help us to monitor it in clinical practice. Objectives: Validate to

Portuguese population the Simplified scale to detect problems of adherence to

antiretroviral treatment (ESPA) and implement an intervention project for the

promotion of adherence to antiretroviral treatment. Methods: A longitudinal study was

developed for a period of nine months in a population of 102 patients with HIV follow

up in specialized infectious diseases hospital in Porto. We applied the ESPA to measure

adherence, using for validation, viral load values. In noncompliant patients was

implemented an intervention program whose main strategy was the education to

health. Results: The population was majority of males (70%), with a mean age of 49

years and heterosexual (78%). More than of the population (31%) had secondary

education / higher and 35% worked in the tertiary sector. The HIV transmission was

mainly sexual (99%). Applied ESPA we found that 48% of participants do not adhere to

HAART (n = 49). Of these, 43% attended the first session to education to health and

14% at 2 session. 38% of reported missing because work. After program

implementation, the wrong answers about HIV and medication decreased from 21 to

3%, and non-adherence to HAART decreases to 22%, more than 50%, with a

consequent increase in CD4 T lymphocytes and decreased CV. Conclusions: The

implementation of a project of Community intervention in this population has proved

feasible and effective in promoting adherence to HAART. Developed intervention

projects in this area are a challenge of great persistence mainly for health professional

involved, because of the low rate of adherence to these patients. It is imperative that

health services are committed to encouragement innovative strategies in health

promotion, providing an ongoing support.

10

Resumo

Introduo: A Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (SIDA) em Portugal a mais

representativa causa de morte entre os 30 e os 39 anos de idade. O principal factor de

prognstico associado progresso da doena e morte a no adeso teraputica.

Alcanar nveis de adeso elevados torna-se fundamental para o bem estar destes

doentes e da comunidade. Apesar da importncia da adeso, no existe disponvel um

instrumento standard que nos permita na prtica clinica monitoriz-la. Objectivos:

validar para a populao portuguesa uma escala de medio de adeso teraputica

antiretroviral e implementar um projecto de interveno para a promoo da sua adeso.

Mtodos: Efectuado um estudo longitudinal por um perodo de nove meses numa

populao de 102 doentes com infeco pelo VIH no toxicodependentes em

acompanhamento no Hospital Joaquim Urbano (HJU). Aplicou-se a Escala

Simplificada para deteco de Problemas de Adeso (ESPA) para medir adeso

teraputica, usando para sua validao, valores de carga viral. Nos doentes no

aderentes foi implementado um programa de interveno cuja estratgia principal foi a

realizao de aces de educao para a sade (AEPS). Resultados: A amostra era

maioritariamente do gnero masculino (70%), com orientao heterossexual (78%) e

com mdia de idade de 49 anos. Mais de da amostra (31%) apresentava escolaridade

elevada (secundrio e superior) e 35% trabalhava no sector tercirio. A via de

transmisso do VIH foi maioritariamente sexual (99%). Aplicado a ESPA verificamos

que 48% dos participantes no aderia TARV. Destes, 43% compareceram 1. AEPS

e 14% 2. sesso. Aps implementao do programa, as respostas erradas sobre VIH e

medicao diminuram de 21 para 3%, e a no adeso TARV diminui para 22%. Isto

, em mais de 50% dos casos resultou no aumento nos linfocitos T CD4 e na diminuio

da CV. Concluses: A implementao de um projecto de interveno comunitria nesta

populao revelou-se possvel e eficaz, nomeadamente com resultados significativos na

melhoria da adeso TARV. O presente estudo, pelo seu caracter inovador, constitui

sem dvida um incentivo ao desenvolvimento de estratgias inovadoras de suporte

continuado com eficincia na promoo da sade.

11

Siglas

TARV - Teraputica Antiretroviral

EPS - Educao Para a Sade

VIH - Vrus Imunodeficincia Humana

ESPA - Escala Simplificada para deteco de Problemas de Adeso

SIDA Sndrome da Imunodeficincia Adquirida

HJU - Hospital Joaquim Urbano

CV - Carga viral

AEPS - Aces de Educao Para a Sade

ADN - cido DesoxirriboNucleico

ARN. - cido Ribonucleico

ARV - Antiretrovirais

AZT Zidovudina

CDC - Center for Disease Control and Prevention

ddC - Zalcitabina

ddl - Didanosina

d4T - Estavudina

EUA Estados Unidos da Amrica

HAART - - Highly Active Antiretroviral Therapy

IF - Inibidor da fuso

II . Inibidor da integrase

IP - Inibidor da protease

ITRN - Anlogo nucleosdeo inibidor da transcriptase reversa

ITRNN - Inibidor no nucleosdeo da transcriptase reversa

OMS Organizao Mundial de Sade

ONU Organizao das Naes Unidas

PNLCS - Plano National de Luta Contra a Sida

PNPCIVIH/Sida - Programa Nacional de Preveno e Controlo da Infeco por

VIH/Sida

QSDE Questionrio Sem Designao Especfica

ME Monitorizao electrnica

VAS Visual Analogue Scale

SHCS-AQ Swiss HIV Cohort Study Adherence Questionnaire

EHTQ European HIV treatment Questionnaire

CPCRA Community Programs for Clinical Research on AIDS Adherence Self-Report

questionnaire CMADST - Centro Municipal de atendimento as doenas Sexualmente Transmissveis SMAQ Simplified MedicationAadherence questionnaire

12

4. Introduo

A SIDA foi descrita pela primeira vez nos Estados Unidos da Amrica (EUA) no ano de

1981, identificada em cinco homossexuais do gnero masculino. Pouco tempo depois,

foi reportada na Europa, tendo sido diagnosticado em Portugal o primeiro caso, em

Outubro de 1983. Actualmente constitui-se como uma pandemia, estimando-se que

existam em todo o mundo mais de 33 milhes de pessoas infectadas pelo VIH (1)

.

Reconhecida a importncia do problema, mas sem noo verdadeira da sua magnitude,

foi criado em 1985 pelo Ministrio da Sade, o Grupo de Trabalho da Sida que tinha

como principais objectivos recolher informao sobre novos casos de infeco pelo

VIH/Sida e implementar estratgias a nvel nacional de preveno da infeco. Em

1990, devido ao avano da epidemia teve lugar a criao da Comisso Nacional de Luta

contra a Sida. Em 2004 foi integrada no Alto Comissariado da Sade, de forma a

promover uma melhor coordenao vertical das instituies envolvidas e uma

articulao horizontal com outros agentes e sectores mais eficaz, cujas aces

traduzissem melhores resultados em sade.(2)

Representa em todo o mundo uma causa de doena e de morte significativa, atingindo

preferencialmente adultos jovens. Em Portugal constitui a mais representativa causa de

morte entre os 30 e os 39 anos de idade, morrendo anualmente cerca de 1000 pessoas (1)

assumindo-se a infeco como um dos principais problemas de sade pblica da

actualidade.

O impacto negativo na sade dos indivduos e famlia, muitas vezes traduz-se pela

ruptura ou perda de suportes de insero, nomeadamente o emprego, o alojamento e o

prprio enquadramento afectivo-social, e as alteraes econmicas e demogrficas

consequentes morbilidade e mortalidade por patologias associadas, assim como pelos

gastos que do seu tratamento advm. Implicam pois, que o tratamento para esta infeco

seja entendido prioritrio e principalmente contextualizado numa viso holstica do

indivduo, da famlia e da comunidade.

Vinte e nove anos aps se terem identificado os primeiros casos da infeco, ainda no

se descobriu a cura. No entanto temos hoje disponveis medicamentos, highly active

13

antiretroviral therapy (HAART), altamente eficazes no controlo da doena. Porm, para

que se verifique uma supresso vrica estabilizada, e uma preservao da funo

imunolgica, essencial que o doente adira ao seu regime teraputico. De contrrio,

alm do insucesso da resposta ao tratamento, iro surgir rapidamente resistncias, que

no s comprometero futuros esquemas teraputicos do prprio, como de outros, pela

contaminao por estirpes j resistentes aos medicamentos.(3,4)

Como declara a OMS, um dos principais factores de prognstico associado progresso

da doena e morte a no adeso teraputica, tendo esta ainda um impacto negativo nos

custos dos cuidados de sade. Segundo a mesma organizao, para atingir um bom nvel

de adeso necessrio o compromisso de todos os envolvidos neste sistema, recorrendo

a estratgias inovadoras, que promovam um suporte continuado, e o envolvimento do

doente nas decises teraputicas.

Em Portugal, a incidncia de Sida e mortalidade associada permanecem estveis apesar

do acesso generalizado aos cuidados mdicos especializados e aos esquemas

teraputicos combinados, o que pe em causa a eficincia e efectividade dos

processos(2)

. Desta forma, exige-se das instituies de sade e seus profissionais,

intervenes cada vez mais dirigidas e modelos de prestao de cuidados inovadores,

com estratgias que definam o doente como proactivo em todo o processo teraputico.

S assim se poder cumprir o que prev o Programa Nacional de Preveno e Controlo

da Infeco por VIH/Sida (PNPCIVIH/Sida), ou seja que estejam assegurados os

melhores cuidados s pessoas e famlias que vivem com esta infeco (1)

.

De acordo com o mesmo programa, os servios de sade devem promover medidas

activas de adeso teraputica e qualidade de cuidados, atravs por exemplo de

programas de interveno psico-educacional, envolvendo sempre que possvel uma

equipa multidisciplinar, na Educao Para a Sade.

Importa porm ter presente que o estigma, o preconceito e a discriminao podem

constituir srias barreiras implementao de um programa de interveno e a mudana

positiva muitas vezes s ocorre depois de um trabalho de campo paciente e partilhado,

de preferncia e sempre que o indivduo o permita, no prprio meio em que vive e se

move.

14

Em todo este processo essencial que se atenda aos valores individuais, diminuindo

receios e promovendo auto-estima e empowerment. Deve ser um processo interactivo

reconhecido e aceite pelo indivduo, para que adquira uma postura de participao

activa e autnoma com responsabilidade na determinao da sua prpria sade e

qualidade de vida. Tambm poder revelar-se fundamental uma discusso planeada de

experincias de aprendizagem, de forma a capacitar e a reforar o comportamento

voluntrio que promove a sade (adeso teraputica)(5)

.

Estabelece o PNPCIVIH/Sida como objectivo, a promoo da investigao em infeco

VIH/Sida para diferentes domnios do conhecimento, nomeadamente a investigao em

servios de sade e a investigao clinica .(1)

Reconhecendo a dimenso desta problemtica e associando ainda a questo da

necessidade de uma rentabilizao dos recursos humanos e materiais, pareceu-nos

essencial no s ter disponvel um instrumento que permitisse medir de forma simples e

rpida a adeso dos doentes TARV instituda, como tambm implementar e avaliar

um programa de interveno psico-educacional para promover a adeso.

15

A. Objectivos Principais

Traduzir, adaptar e validar um instrumento de medio da adeso teraputica anti-

retroviral ESPA;

Avaliar a eficcia de um programa de interveno psico-educacional em doentes

com VIH no toxicodependentes.

B. Objectivos Secundrios

Determinar a frequncia de no adeso teraputica em doentes com VIH no

toxicodependentes;

Compreender a relao entre a no adeso teraputica e caractersticas socio-

demogrficas, variveis clinicas e psicolgicas, como percepo do suporte social,

ansiedade e depresso;

Avaliar a adeso a um programa de interveno psico-educacional.

C. Pergunta de Investigao

Ser que a implementao de um programa de interveno psico-educacional nos

doentes com VIH no toxicodependentes do HJU melhora a sua adeso teraputica?

16

5. A infeco por VIH/Sida

A. Aspectos Epidemiolgicos da Infeco

Em Janeiro de 2000 a ONU reconhece a SIDA como sendo uma ameaa segurana

mundial, expressando a premente necessidade de se criar estratgias que travassem a

expanso da pandemia.

Actualmente, com a informao obtida atravs dos sistemas de vigilncia

epidemiolgica, pode-se considerar que a pandemia VIH/Sida afecta todas as regies do

mundo, constituindo o maior problema de sade pblica em frica e na sia, limitando

em vastas regies, o desenvolvimento demogrfico e econmico. Embora se verifiquem

importantes progressos na preveno da infeco (manifestada por taxas de incidncia

menores s verificadas em 2000) e por taxas de mortalidade por VIH/Sida tambm

inferiores, o nmero de pessoas que vivem com VIH continua a aumentar (6)

.

De acordo com o relatrio de dados epidemiolgicos de sida 2009, das Naes Unidas,

estimou-se que em 2008, 33.4 milhes (31.1-35.8 milhes) de pessoas estavam

infectadas pelo VIH, dos quais, 2.1milhes (1.2-2.9 milhes) eram crianas com menos

de 15 anos de idade. Estimou-se ainda que no mesmo ano houve uma incidncia de 2.7

milhes (2.4-3.0 milhes), sendo que 430 000 (240000-610000) eram crianas com

menos de 15 anos de idade. As mortes relatadas em 2008 por Sida foram um total de 2

milhes (1.7-2.4 milhes) de pessoas, sendo que 280 000 (150 000-410 000) eram

crianas com menos de 15 anos de idade.

Cada continente, pas ou regio apresenta vrios padres epidemiolgicos, que se

caracterizam pela via de transmisso predominante e por subgrupos populacionais com

taxas de incidncia diferentes, que se devem fundamentalmente a:

Data em que ocorreu a introduo do VIH na comunidade;

Tipo e subtipos de VIH predominantes na populao e formas recombinantes

circulantes;

Principais formas de transmisso; diferenas na proporo de indivduos infectados

em vrios grupos populacionais;

Alteraes nos critrios de incluso ou de classificao epidemiolgica;

Profilaxia das infeces oportunistas e administrao da TARV;

17

Aspectos comportamentais e sociais;

A eficcia das intervenes de Sade Pblica (6).

Esta pandemia preocupante, dado que desde o reconhecimento dos primeiros casos at

a actualidade, mais de 65 milhes de pessoas foram infectadas pelo VIH, das quais 25

milhes j faleceram(7)

S no ano de 2008 estima-se que 2 milhes de pessoas tenham

morrido devido infeco VIH/Sida.

Os padres de infeco por VIH e doenas associadas encontram-se em modificao.

No entanto, verifica-se em todos os pases o surgimento de novos casos. A principal

caracterstica epidemiolgica refere-se a prevalncia e incidncia da infeco varivel

de local para local, consequncia de mltiplos factores como estilos de vida e

comportamentos, desenvolvimento econmico e social, acessibilidade aos cuidados de

sade e ao padro epidemiolgico local.(6)

Nos pases em desenvolvimento continuam a verificar-se elevadas taxas de incidncia e

prevalncia da infeco, assim como elevadas taxas de mortalidade, em consequncia

de uma grande diversidade vrica, da inexistncia ou escassez de recursos para

administrao de anti-retrovirais e profilaxia de infeces oportunistas, assim como da

dificuldade no acesso aos servios de sade e programas de preveno.(6)

Nos pases com maior desenvolvimento econmico verificaram-se alguns sucessos,

nomeadamente:

Diminuio da incidncia dos casos de Sida pela disponibilidade de HAART;

Reduo da incidncia de infeces oportunistas pela administrao de HAART e

de teraputica profiltica;

Aumento da sobrevida dos casos de infeco por VIH (consequentemente, uma

prevalncia mais elevada de casos assintomticos e de Sida).

A Unio Europeia apresenta um padro epidemiolgico com epidemias concentradas

em subgrupos populacionais, sendo caracterizadas trs reas geogrficas

individualmente (Europa Oriental, Central e Ocidental). Observam-se no entanto

semelhanas associadas a comportamentos e estilos de vida, como por exemplo o uso de

drogas injectveis com partilha de material infectado. Factores de ordem poltica

18

tambm contribuem para o padro epidemiolgico observado, uma vez que induzem a

mobilidade das populaes por motivos socio-econmicos e por conflitos locais ou

regionais.(6)

Em Portugal, a 31 de Dezembro de 2008 encontravam-se notificados 34888 casos de

infeco por VIH/Sida (casos acumulados) nos diferentes estadios da infeco (critrios

de classificao epidemiolgica OMS/CDC), sendo que os casos de Sida

corresponderam a 15020 (485 devidos a infeco por VIH 2 e 189 causados pela

associao VIH1 e VIH2).(8)

Verificou-se que o maior numero de casos notificados (acumulados), correspondeu a

infeco em indivduos que consumiam drogas via EV (42.5%), seguindo-se os casos de

infeco associados a transmisso heterossexual (40.0%), e posteriormente transmisso

homossexual masculina (12.3%). As restantes formas de transmisso correspondia a

5,2% do total.(8)

Durante o ano de 2008, foram notificados 2668 casos de infeco por VIH, nos vrios

estadios (829 casos em fase de Sida, 329 sintomticos no Sida e 1510 casos portadores

assintomticos). Do total de 2668, 1201 casos foram diagnosticados em 2008, tendo os

restantes sido diagnosticados no ano 2007, mas a notificao apenas chegou ao ncleo

de vigilncia laboratorial de doenas infecciosas em 2008(8).

Dos casos diagnosticados e notificados em 2008 (1201), verificou-se um aumento da

transmisso da infeco por via heterossexual (57.6%), seguida da transmisso

associada ao consumo de drogas via EV (21.9%) e por ltimo os casos de transmisso

homo/bissexual (16.8%).(8)

19

Grfico 1 - Casos de SIDA: tendncias temporais nas 3 principais

categorias de transmisso

(Fonte: Instituto Nacional de Sade Doutor Ricardo Jorge, Ncleo de vigilncia laboratorial de doenas infecciosas. Doc.140)

Em relao mortalidade em Portugal, verificamos que dos casos notificados (15020),

os bitos totalizam 7273 (48.4%), tendo sido a principal causa as infeces oportunistas,

e destas destacou-se a tuberculose (41,2%).(8)

B. Imunopatologia da infeco pelo VIH e histria natural da doena

O VIH um vrus do gnero Lentivirinae da famlia Retroviridae. um vrus com

invlucro e contm duas cpias idnticas de Acido Ribonucleico (ARN). O genoma est

rodeado por protenas estruturais formando a nucleocapside e a matriz viral, qual est

ligado o invlucro lipdico derivado da membrana da clula hospedeira(9)

.

A infeco por VIH pode ocorrer no indivduo pela entrada directa do vrus no sangue

circulante, atravs de transfuso de sangue, da injeco com seringas contaminadas e

pela transmisso maternofetal. Mas pode tambm ser contrada atravs da mucosa

genital e anal, por contactos heterossexuais e/ou homossexuais. Apesar dos mecanismos

envolvidos na infeco inicial poderem diferir, no existem diferenas obvias nas

manifestaes da doena nos indivduos infectados atravs do sangue ou do contacto

sexual.(9)

20

A entrada do VIH nas clulas requer trs passos que ocorrem superfcie das clulas e

que so mediados pelas glicoproteinas do invlucro viral: ligao ao receptor CD4,

ligao aos co-receptores e fuso do invlucro viral com a membrana citoplasmtica. A

interaco da glicoproteina do invlucro viral com o receptor CD4 leva a alteraes

conformacionais. Aps a ligao ao receptor CD4, aminocidos interagem com co-

receptores celulares, promovendo uma maior aproximao das glicoproteinas do

invlucro membrana citoplasmtica celular. Ocorre assim a fuso entre o invlucro e a

membrana citoplasmtica, dando-se a entrada do VIH nas clulas. Os dois co-receptores

fundamentais para a entrada do vrus so o CXCR4 e CCR5(9)

.

Uma vez no citoplasma, o vrus desprovido do invlucro sofre um processo de

descapsidao dando origem ao complexo de retrotranscrio, e depois ao complexo de

pr-integrao. D-se a transcrio reversa, converso do ARN viral em Acido

Desoxirribo-Nucleico (ADN) proviral em dupla cadeia, e o ADN proviral inserido no

complexo de pr-integrao transportado para o ncleo, onde a integrase catalisa a sua

integrao nos cromossomas celulares. Forma-se o ADN proviral integrado

(provrus)(9)

. A partir do provrus sintetizam-se os ARN virais que do origem s

protenas do vrus.

Este conjunto de etapas do ciclo de replicao vrica culmina com a produo e

replicao de vrus produzidos de novo. O VIH pode infectar precursores de linfcitos

durante a sua maturao intra-tmica, da que em linfocitos T naive, que nunca foram

activados, possa existir DNA provirico(10)

.

De uma forma simplificada pode-se considerar quatro fases na histria natural da

infeco pelo VIH(10)

:

Infeco primria- sndrome de infeco aguda,

Infeco crnica- perodo de latncia clinica,

Complexo relacionado sida

Doena avanada sndrome de imunodeficincia adquirida.

21

1. Infeco primria e sndrome de infeco aguda

Esta fase ocorre em cerca de 50 a 90% dos infectados, duas a seis semanas aps o

contgio. As suas manifestaes clinicas so inespecficas, podendo porm assemelhar-

se a um sndrome gripal ou uma mononucleose infecciosa, auto-limitada, geralmente

com durao de uma a trs semanas e resoluo habitualmente expontnea. Os sinais e

sintomas mais frequentemente relatados so febre, adenomegalias, faringite, exantema,

mialgias, diarreia, cefaleias, nuseas, vmitos, emagrecimento, candidose oral.

Nesta fase verifica-se uma viremia extremamente elevada, com descida transitria da

contagem do linfocitos T CD4+, podendo ocorrer logo nesta fase infeces oportunistas.

Atravs dos anticorpos neutralizantes e da imunidade celular mediada pelos linfocitos T

citotxicos e clulas natural killer, activadas por citocinas especificas produzidas pelos

linfocitos T CD4+, a viremia controlada, e ao mesmo tempo h uma recuperao dos

linfcitos T CD4+. Porm esta recuperao no completa, atingindo-se um ponto de

equilbrio entre o vrus e o hospedeiro cerca de quatro meses aps a infeco,

verificando-se viremia detectvel, mas baixa e com linfocitos T CD4+ estabilizados em

valores superiores a 500/mm3, mas inferiores aos valores do perodo pr-infeco.

Os nveis de viremia obtidos cerca de seis a doze meses aps a seroconverso tm um

valor prognstico importante, sugerindo que a viremia alcanada nesta fase

determinante na forma de evoluo da doena.

Apesar da resposta do sistema imunitrio ser capaz de eliminar eficazmente clulas

infectadas, persistem no organismo reservatrios vricos, que possuem o ADN

provirico, mas no expressam protenas vricas e por isso escapam ao sistema

imunitrio.

O diagnstico da infeco na fase aguda s possvel atravs de estudos virolgicos

(antigenemia gag ou quantificao do numero de copias de ARN), uma vez que os

anticorpos anti-VIH, que permitem o diagnstico serolgico da infeco s so

detectados, regra geral, algumas semanas aps o incio da sintomatologia.

22

2. Infeco crnica perodo de latncia clinica

Esta fase, apesar de clinicamente silenciosa, do ponto de vista virolgico

extremamente activa. Corresponde a um perodo mdio de oito a dez anos, mas apesar

de se verificar uma latncia clinica, a replicao vrica persiste e observa-se um

agravamento progressivo do estado imunolgico. A durao desta fase muito varivel,

podendo haver indivduos que desenvolvem em cerca de um ano linfopenias CD4+

extremas com infeces oportunistas graves e outros que permanecem com linfocitos T

CD4+ prximos dos nveis normais ao fim de quinze anos, sendo designados por long-

term nonprogressors.

A imunodeficincia associada ao VIH caracteriza-se por uma diminuio progressiva do

numero de linfocitos T CD4+, paralelamente com um aumento do numero de copias de

ARN vrico no sangue perifrico. So estes os principais marcadores (contagem

linfocitos T CD4, complementada pela viremia) para a definio prognostica para a

progresso da doena, e tambm para avaliao da resposta teraputica anti-

retroviral.Nesta fase os indivduos apresentam frequentemente adenopatias

generalizadas.

3. Complexo relacionado Sida

Pode ser definido como a infeco VIH sintomtica, na ausncia de infeces ou

tumores oportunistas. Comporta um diagnostico de excluso, dado que as suas

caractersticas clinicas e laboratoriais podem estar presentes aquando das infeces ou

tumores oportunistas.

Os critrios usados habitualmente para considerar esta fase so fadiga fcil (reduo da

actividade diria), fadiga debilitante (incomum), febrcula (temperatura inferior a 38C),

suores nocturnos (ocasional) e diarreia intermitente (ocasional).

4. Doena avanada SIDA

Esta fase definida como o aparecimento de infeces e tumores oportunistas, que

sejam indicadores de dfice da imunidade celular, na ausncia de outras causas de

dfice da imunidade celular. Deve-se depleco e s alteraes funcionais dos

linfcitos T CD4+, com consequente comprometimento da resposta adequada do

sistema imune. Desta forma, microorganismos ubquos de virulncia limitada, como por

23

exemplo Mycobacterium avium ou Pneumocystis jirovecii, podem provocar patologia

com ocorrncia de morte.

As situaes clinicas definidoras de sida so periodicamente revistas pelo Center for

Disease Control and Prevention EUA (CDC), e inclui vrias infeces, assim como

neoplasias. Inclui tambm contagens de linfocitos T CD4+ iguais ou inferiores a 200

cels/l, que como do conhecimento cientifico, traduzem um risco acrescido de

infeces oportunistas e a sndrome consumptiva crnica, que se pensam estar

relacionados com mltiplos distrbios imunoendcrinos, que se associam doena

avanada.

C. Impacto psicossocial da doena

Como conhecido, os primeiros casos de VIH/Sida foram diagnosticados em homens

homossexuais e posteriormente em consumidores de herona. O modo como se

processou a gnese do aparecimento desta infeco teve e ainda hoje tem conotaes

sociais severas, com consequentes discriminaes e estigmatizao associadas a

promiscuidade sexual e consumo de drogas. Assim, natural que este facto se traduza

na representao pessoal que cada indivduo tem do VIH/sida, e se gere uma

multiplicidade de emoes e sentimentos negativos e promotores de grande sofrimento,

perante o diagnostico de infeco(11)

.

Com a introduo de medicao altamente eficaz no controlo da doena, assiste-se a

uma reduo considervel da morbilidade e mortalidade associada ao VIH com

consequente aumento da esperana de vida. Porm, tal facto pode ter repercusses a

nvel psicossocial, psicopatolgico e fsico, que carecem de uma avaliao rigorosa e

minuciosa, envolvendo uma multidisciplinaridade de saberes. Cada indivduo reage

infeco de modo diferente raiva, depresso, medo, incerteza, culpa, esperana,

resignao, realismo, optimismo, que assumem diferentes intensidades de sentimentos e

permutam entre si ao longo dos diferentes estadios de evoluo da doena(11)

.

Embora hoje o doente no tenha a certeza de uma morte breve, continua a sentir o

preconceito que associa a doena a comportamentos socialmente condenveis. Muitas

24

vezes o sentimento de ameaa de vida substitudo por reavaliaes constantes do

sentido para a vida.

Estes doentes receiam a discriminao e a marginalizao, quer em termos pessoais

quer sociais. E porque estes receios no so infundados ou vazios, foi necessrio emitir

em 1997, parecer da Procuradoria-Geral da Republica Parecer n. 26/95, publicado em

Dirio da Repblica n. 96, II serie, de 24 de Abril, que considerou que o facto de ser

portador de VIH no impede por si s a emisso de atestado de robustez fsica e perfil

psquico previsto na alnea f) do artigo 22 do Decreto Lei n. 498/88, de 30 de

Dezembro. Procurou-se com esta medida cessar com discriminaes no mbito laboral,

o que permitiu aos portadores assintomticos entrar no mercado de trabalho. Ainda

assim, os indivduos abdicam muitas vezes de um investimento socio-profissional,

emocional e afectivo. Criam um sentimento de invisibilidade para defesa de possveis

adversidades, vivenciando muitas vezes sentimentos de vazio existencial e morte

psicolgica(12).

Cada indivduo desencadeia o seu modo prprio de reaco que naturalmente

influenciado pela sua personalidade, pelos mecanismos defensivos de auto-regulao e

ainda pelo contexto emocional, social e familiar.

Estudos recentes, em confirmao dos mais antigos (dcada de 80), revelam que

indivduos vitimas de infeco por VIH tm um grau de perturbao psicolgica

significativo, manifestado por nveis de ansiedade e depresso de prevalncia elevadas

(variaes entre 25 e 77% e 10 e 87%, respectivamente). Em termos de sintomatologia

psicolgica grave, dados da literatura revelam que cerca de 22% dos doentes

apresentam depresso major, com forte prevalncia de ideao suicida. Estudos que

abordam as perturbaes afectivas em doentes infectados pelo VIH revelam que estas

taxas de incidncia aumentam no caso do doente estar hospitalizado. A disfuno sexual

constitui tambm outra das perturbaes mais comuns na infeco por VIH. Verificam-

se ainda com alguma frequncia perturbaes psicticas em estadios avanados da

doena e perturbaes derivadas do uso de drogas ou lcool.(12)

Apesar dos doentes terem actualmente uma nova esperana de tempo de vida, o stresse

e o sofrimento emocional tornam-se uma constante, dado que a sua vida vai oscilando

25

entre perodos de sade e de doena, questionando muitas vezes a capacidade de

reintegrao e reequilibro.

A infeco pelo VIH pode levar o indivduo destruio dos seus objectivos de vida,

assim como anulao do sentimento de controlo e autonomia. Os sentimentos de perda

e de luto, a conscincia de suas novas responsabilidades, so importantes stressores e

ameaas ao bem estar psicolgico. Esta infeco acarreta pois enorme sofrimento e tem

consequncias sociais e econmicas avassaladoras. Por isso tornam-se essenciais

estratgias de interveno psicolgica e psicoteraputica, que se apoiem numa educao

eficaz conducentes preveno e/ou tratamento.

D. Teraputica Antirretroviral

1. Referncia histrica

Referenciados os primeiros casos de VIH/Sida, em 1981 e observada a elevada

mortalidade associada infeco, foi desenvolvida intensa investigao nesta rea que

culminou com a descoberta do retrovrus VIH, seu ciclo de replicao e potenciais alvos

teraputicos. Em 1986 foi criado pelo National Institutes of Health nos Estados Unidos

da Amrica o AIDS Clinical Trials Group com o objectivo de concentrar esforos no

desenvolvimento de frmacos capazes de combater a infeco(13)

.

Em 1987 surgiu o primeiro medicamento para o tratamento VIH, a zidovudina (AZT),

um anlogo nucleosdeo inibidor da transcriptase reversa (ITRN), o que trouxe muitas

esperanas para comunidade cientifica, doentes e profissionais de sade. No entanto

rapidamente essas esperanas cessaram, uma vez que tinha uma toxicidade associada

considervel e tambm sugiram estirpes resistentes. Enquanto isso, a transmisso do

VIH aumentava escala global.(13)

Findada a dcada de 80 verificaram-se avanos lentos no desenvolvimento de drogas

capazes de combater a infeco, porm notaram-se avanos relavantes na rea da

profilaxia e tratamento de infeces oportunistas. Surgiram muitas tenses entre a

comunidade tecnico-cientfica e os doentes relativamente ao acesso a novos frmacos

em investigao. Esta circunstncia pressionou as entidades reguladoras, nomeadamente

a FDA, a agilizar procedimentos para introduo de novas molculas no mercado.(13)

26

J no inicio da dcada de 90 surgiram novos frmacos, que vieram ajudar a contrariar a

progresso desta doena, que j se revelava pandmica, e a combater as resistncias que

se fizeram aparecer. Em 1991 foi autorizada a didanosina (ddl) e em 1992 a zalcitabina

(ddC) para serem utilizadas em associao com AZT. Recorreu-se ento a esquemas

teraputicos que associavam mais do que um frmaco. Nesta altura eram frmacos

pertencentes mesma classe (ITRN). Em 1994 foi aprovada a estavudina (d4T) e

paralelamente surgiram recomendaes sobre a utilizao da AZT na preveno da

transmisso vertical(13)

.

As esperanas no tratamento e cura desta infeco retomaram-se quando em 1995

surgiu o primeiro inibidor da protease (IP) (saquinavir) e em 1996 o primeiro inibidor

no nuclesido da transcriptase reversa (ITRNN) (nevirapina), que semelhana de

outros ITRN, interfere com a transcriptase reversa. Simultaneamente passa a ser

preconizada a associao de pelo menos trs frmacos com diferentes mecanismos de

aco, com a designao de teraputica tripla. Estas associaes revelaram-se muito

eficazes. Verificou-se uma reduo significativa na morbilidade e mortalidade, pela

supresso da replicao vrica durante longos perodos de tempo, acompanhada de

recuperao, embora lenta, do sistema imunolgico.(13)

Conseguiu-se tambm esquemas mais simplificados, com ganhos na adeso

teraputica e consequentemente diminuio das resistncias aos medicamentos.

Instituda a denominada teraputica de alta eficcia e associada s normas de preveno

e tratamento de infeces oportunistas, conseguiu-se uma melhoria considervel no

prognstico da doena, alcanando uma maior sobrevivncia e uma melhor qualidade de

vida. No entanto, face ao aparecimento de resistncias em doentes com teraputicas em

curso tornou-se fundamental o desenvolvimento de novos frmacos com novos

mecanismos de aco. Surgiu assim em 2003 o primeiro inibidor da fuso (IF)

(enfuvirtida T-20) e nos finais de 2007 o primeiro inibidor da integrase (II)

(raltegravir) e o primeiro antagonista dos co-receptores CCR5 (maraviroc).

Paralelamente surgiram no mercado os primeiros medicamentos genricos anti-

retroviricos, o que contribuiu para tentar controlar a doena a nvel mundial, pelo maior

acesso dos doentes aos tratamentos.

27

Apesar de um acelerado desenvolvimento destas substncias ainda no se descobriu

nenhum frmaco curativo. Actualmente a infeco por VIH/Sida assume-se assim como

uma infeco de curso crnico, com uma melhoria no aumento da esperana e qualidade

de vida.

Aguarda-se o surgimento de uma vacina, que seria primordial para controlo da infeco

e teria naturalmente grande impacto em termos de sade pblica. No entanto os esforos

desenvolvidos at data no tiveram qualquer sucesso.

2. Estratgias, Sucessos e Limitaes

Como j foi referido, o tratamento da infeco por VIH/Sida teve incio h mais de duas

dcadas com o surgimento do AZT. Constatou-se que a sua utilizao apresentava

benefcios clnicos nos indivduos com estado avanado de doena e com evidncia de

imunossupresso. (14)

Porm mais tarde verificou-se que a vantagem no era substancial

na evoluo para a fase de Sida, quando comparado o inicio imediato da teraputica

com AZT com o seu incio mais tardio.(15)

Com o surgimento de outros ITRN foi possvel tomar outras opes teraputicas,

substituindo assim uma prtica de monoterapia para uma terapia combinada. Alcanou-

se uma maior durabilidade da eficcia do tratamento.

Aps o surgimento dos IP, os resultados dos estudos demonstraram que estes anti-

retrovirais (ARV) quando associados com dois ITRN traziam benefcio clnico

adicional em doentes com avanado estado de infeco, comparando-se com a

combinao de apenas dois ITRN. (16)

A HAART tem contribudo grandemente para uma melhoria na sobrevivncia e para

uma diminuio da morbilidade e mortalidade dos indivduos infectados por VIH/Sida.

No entanto, coortes de investigao clinica demonstram que trs anos aps o incio do

tratamento, 3 a 50% dos doentes progridem para Sida ou morrem, dependendo das

caractersticas de baseline. (17)

Num contexto no investigacional as taxas de falncia

so ainda maiores. (18)

28

Tais taxas de falncia podem ser explicadas por aspectos relacionados com a

medicao. A TARV revela uma larga variabilidade nas concentraes plasmticas

atingidas, sendo os ITRNN e os IP os que detm maior variabilidade.(19).

Esta

variabilidade pode ser devida a factores vrios entre os quais a absoro, o

metabolismo, a depurao, a interaces medicamentosas, e a prpria adeso

teraputica, tornando-se assim difcil prever com exactido a efectiva concentrao que

os indivduos iro atingir.

Concentraes teraputicas abaixo do intervalo teraputico pode ter como consequncia

a falncia do tratamento e resistncia virologica. Cerca de 50% dos indivduos expostos

a IP podem apresentar concentraes sub-teraputicas. De contrrio, concentraes

plasmticas elevadas podem levar a toxicidade, resultando na diminuio da adeso

teraputica ou mesmo sua interrupo. (20,21)

A deciso em relao ao incio do tratamento com TARV controversa e difcil,

principalmente nos indivduos assintomticos e com valores linfocitos T CD4+

superiores a 200 cels/l, embora actualmente esteja disponvel uma grande variedade de

medicamentos melhor tolerados e mais eficazes, o que permite um inicio mais precoce

do tratamento.

consensual que todos os indivduos com Sida ou manifestaes clnicas graves

associadas infeco, independentemente da contagem de linfocitos T CD4+, ou nos

assintomticos com linfocitos T CD4+ inferiores a 200cels/l, devem iniciar de

imediato TARV.

Relativamente a outras situaes, estudos observacionais recentes (22,23)

demostraram ser

mais vantajoso o inicio da TARV nos seguintes casos:

Contagem linfcitos T CD4+ inferiores a 350cels/l;

Contagem linfcitos T CD4+ superiores a 350cels/l e carga vrica superior a 100

000;

Contagem linfcitos T CD4+ superiores a 350cels/l e carga vrica inferior a 100

000, desde que a contagem de linfocitos T CD4+ diminua mais do que 50 a 100 cels/ l

no ano, ou se o indivduo tem idade superior a 55 anos ou se tem co-infeco pelos

vrus da hepatite B ou C.

29

Alguns estudos demonstram benefcios na instituio da TARV no decorrer da infeco

primria, quer do ponto de vista de marcadores laboratoriais (imunolgicos e

virolgicos), quer da evoluo clinica. Porm no existem ainda dados relativos aos

benefcios clnicos a longo prazo (24,25)

Um incio imediato em indivduos assintomticos pode ter vantagens vrias como sejam

o controlo mais fcil e mantido da replicao vrica, e um atraso no compromisso do

sistema imune, minimizando o risco de resistncias pela supresso vrica completa,

diminuindo o potencial risco de transmisso do VIH, reduzindo a gravidade de doena

aguda e ainda aumentando o tempo de sobrevida at ao estado de Sida.

Naturalmente esta opo acarreta tambm riscos, como sejam o compromisso da

qualidade de vida pelos efeitos adversos da medicao, um potencial efeito cumulativo

de reaces adversas, o desenvolvimento precoce de resistncias, caso a supresso

vrica no seja completa, com risco de transmisso de vrus resistentes, e a limitao de

futuras opes teraputicas.

O incio tardio ou protelado tem as vantagens de preservar o nmero mximo de TARV

e opes teraputicas quando o risco de doena for maior. Permite assim um atraso no

surgimento de resistncias, e permiti ao indivduo uma vida livre de efeitos adversos em

consequncia da medicao. No entanto, existe o risco potencial de depleco

irreversvel do sistema imunitrio, de uma maior dificuldade em suprimir a replicao

vrica e um maior risco de transmitir o VIH.

Para dar incio TARV ou sua modificao, tem de se ter sempre em considerao a

monitorizao da contagem de linfocitos T CD4 e carga vrica ARN-VIH, assim como

da avaliao do estado clinico do indivduo. tambm mandatrio que se realize um

teste de genotipagem, uma vez que na Europa a resistncia primria aos ITRNN de

10%, assim como a determinao do subtipo vrico.

Do incio TARV recomenda-se a avaliao dos nveis de ARN-VIH imediatamente

antes e duas a oito semanas depois. Defende-se isto uma vez que com o uso da

medicao de esperar uma acentuada diminuio da carga vrica (aproximadamente 1

log10) naquele perodo de tempo, possibilitando assim uma avaliao da eficcia inicial

30

ao tratamento. D-se uma diminuio progressiva da carga vrica at que pelas 16-24

semanas se torne indetectvel.

Este decrscimo depende de vrios factores de entre os quais, o valor inicial de

linfocitos T CD4+, a carga vrica inicial, a potncia do regime teraputico, a adeso

teraputica, a prvia exposio TARV e a presena de infeces oportunistas.

Quando a resposta no a esperada, o doente deve ser reavaliado no que concerne

adeso e a aspectos que possam influenciar a absoro dos ARV e interaces

medicamentosas, com medies da carga vrica de modo a documentar o insucesso

teraputico e para considerar a modificao na medicao.

Outra questo essencial quando se pondera a TARV a preparao do doente.

fundamental evidenciar a importncia da adeso rigorosa teraputica e da necessidade

dela para toda a vida, assim como dar-lhe conhecimento das interaces

medicamentosas, da toxicidade dos frmacos e da possibilidade de surgir um sndrome

de reconstituio imunolgica.

31

6. Adeso Teraputica

A. Evoluo na definio de conceitos

A adeso teraputica um indicador essencial de avaliao da qualidade nos sistemas

de sade que pretendam uma prestao de cuidados segura e eficaz. Assume particular

importncia em doentes portadores de doena crnica, e uma deficiente adeso

teraputica constitui um srio problema de sade.

uma problemtica bastante discutida na actualidade pelas consequncias nefastas que

provoca, no s ao nvel da sade individual e colectiva, mas tambm pelos prejuzos

econmicos nos sistemas de sade. Por se revelar um problema de uma interveno

prioritria, a sua discusso remonta desde tempos mais distantes, embora a merecida

ateno s lhe tenha sido dada a partir da segunda metade do sculo XX.

Porm, j o tema era abordado na poca de Hipcrates, quando advertia para o facto de

os doentes nem sempre obedecerem aos tratamentos mdicos que lhes eram institudos,

No podemos ficar descansados com os relatos que os doentes fazem acerca da sua

obedincia aos tratamentos, porque, em geral, os doentes no dizem a verdade sobre

isso.(26)

Esta problemtica introduzida na literatura mdica no ano de 1976 com Sackett e

Haynes. Estes autores descrevem a adeso ao tratamento como sendo o ponto em que o

comportamento de uma pessoa que toma medicamentos, segue uma dieta recomendada

ou muda de estilo de vida, coincide com os conselhos mdicos ou de sade.(27)

Para estes autores o conceito centra-se no escrupuloso cumprimento da ordem do

mdico, sobressaindo uma relao paternalista entre este e o doente. Podemos assumir

neste contexto o termo cumprimento da teraputica e no ainda a expresso adeso

teraputica, uma vez que est patente uma relao de superioridade do mdico para com

o doente. Este tem de ser educado a cumprir escrupulosamente a indicao do mdico

pois era quem sabia sempre o que era melhor. O doente cumpre ou no a indicao

mdica, e se no se verificar sucesso no tratamento, a culpa entendida como sendo

sempre do doente.

32

Mais tarde foi desenvolvido o conceito de compliance, que descreve uma relao

mdico-doente mais interactiva, mas ainda centrada na deciso do profissional. Aqui o

doente escolhe comportamentos que coincidem com uma prescrio clnica.

Apesar deste termo ser muitas vezes associado difere da expresso adeso teraputica

uma vez que esta implica que haja entendimento e negociao entre mdico e doente no

sentido de juntos escolherem a melhor opo teraputica. A deciso no est assim

centrada no mdico, nem ao doente cabe apenas o papel de seguir inquestionveis

indicaes. A relao assim mais democrtica uma vez que o doente implicado no

planeamento e implementao do regime teraputico.

Kristteller e Rodin (1984, citado por Ribeiro) alertaram para a distino destes dois

termos, tendo sugerido um modelo desenvolvimental de adeso ao tratamento, que

inclui trs estdios no processo de participao do doente no seu plano teraputico:

I Estdio de concordncia (compliance): pode ser entendido como o grau em que o

doente concorda com o tratamento, seguindo as recomendaes mdicas. Implica uma

relao de confiana no profissional que diagnostica e institui tratamento e implica a

opo do doente no seguimento desse tratamento.

II Estdio de adeso (adherence): esta fase implica uma grande participao e controlo

por parte do doente. A superviso mdica mnima, e a deciso de manter o

compromisso do tratamento essencialmente do doente. O profissional tem no entanto

um papel importante no sentido de orientar e ajudar a anteceder alguns potenciais

problemas, permitindo assim traar algumas estratgias de coping.

III Estdio de manuteno (maintenance): aqui o doente incorpora o tratamento no seu

estilo de vida. A vigilncia pelo profissional de sade nula ou quase nula, e o doente

possui j um elevado nvel de auto-controlo, tentando que estes novos comportamentos

se transformem em hbitos.

O doente vai ao longo destes estadios adquirir o controlo que lhe permitir atingir e

manter o terceiro estadio. Apesar da vontade do doente ser importante, as caractersticas

do tratamento tambm assumem relevncias para a evoluo nestes trs estadios.

33

Nesta perspectiva, a adeso implica um papel activo do doente no planeamento e

implementao de todo o processo teraputico.(28)

Sheridan e Radmacher (1992) concluram que, no geral, cerca de 50% dos doentes no

tomam os frmacos de acordo com as prescries mdicas, 20% a 40% no efectuam as

vacinaes recomendadas e 20% a 50% faltam a consultas previamente marcadas.

Verificaram ainda, que nos casos em que a adeso implica alterar hbitos bem

estabelecidos (p. ex. deixar de fumar, diminuir ingesto de alimentos), os ndices so

ainda mais elevados.(29)

De acordo com DiMatteo (1994), cerca de 38% dos pacientes no seguiram os planos de

tratamento de curta durao e mais de 45% os de longa durao. Alm disso, mais de

trs quartos de todas as pessoas parecem no estar dispostas a aderir a estilos de vida

recomendados, tais como ingerir uma dieta pobre em gorduras, evitar o tabaco e fazer

exerccio fsico regularmente.(30)

Podemos assim verificar que as pessoas falham na implementao de regimes

teraputicos, desde os curativos at s medidas de preveno e reduo do risco(29,31)

Em 2003 a OMS definiu adeso como sendo a extenso em que o comportamento de

um indivduo com a utilizao de medicamentos e cuidados de sade, alimentao e

estilos de vida, est de acordo com as recomendaes de um profissional de sade e

com as quais concorda.

O conceito de adeso no se circunscreve apenas a desvios no plano de tratamento, mas

a comportamentos como faltar s consultas, omitir administraes, alterar a dose

prescrita, no respeitar a frequncia das administraes, no cumprir a relao com os

alimentos, no conhecer o nome dos frmacos a tomar, terminar o tratamento antes do

prazo recomendado, entre outros aspectos. Este conceito define-se ainda pela

manuteno de prticas saudveis recomendadas pelos profissionais de sade como

alimentar-se adequadamente, fazer exerccio fsico regularmente, no abusar de bebidas

alcolicas, no fumar e evitar o stresse.(32)

34

Considerando que cada prescrio representa a melhor interveno para o problema do

doente, a no adeso significa uma perda na oportunidade de sade, assim como um

potencial desperdcio de recursos de sade.(33)

B. Adeso no VIH/Sida e seus factores condicionantes

A adeso teraputica assume um papel preponderante nos doentes portadores de

doena crnica, nos quais se inclui actualmente os doentes vitimas de infeco por

VIH/Sida, sendo esta fundamental no sucesso do tratamento, e constituindo a sua

ausncia um problema de sade pblica. (3,4,34)

As causas de uma insuficiente adeso so multifactoriais e diferem entre doentes.

Diferentes estudos revelam diferentes factores que condicionam a adeso teraputica.

Factores socio-demogrficos no parecem estar relacionados com a adeso.(35-38)

No

entanto factores psicolgicos como a motivao, a depresso e factores relacionados

com o suporte social, suporte dos servios de sade e a informao revelam forte

associao com a adeso teraputica.(39-43)

No entanto existem estudos controversos

que relatam a no relao entre a adeso TARV com a depresso e apoio social.(38,40)

A deciso de iniciar TARV nem sempre pacfica. Muitas vezes a equipa (profissional

de sade-doente-famlia) adia esse momento uma vez que iniciada se torna imperativo o

cumprimento assertivo da medicao. De contrrio h srios riscos de surgimento de

resistncias com diminuio significativa das opes teraputicas com consequente

agravamento do estado imunitrio do indivduo.

A eficcia da HAART actualmente indiscutvel, porm tambm so conhecidos os

seus efeitos adversos e toxicidade, que se podem manifestar a curto ou longo prazo e

que impossibilita por vezes o doente de levar a cabo uma adeso rigorosa ao regime

indicado(20,21)

.

A toma inadequada de medicamentos anti-retrovirais leva a nveis sub-teraputicos

propiciando uma presso farmacolgica selectiva que favorece o aparecimento de

resistncias.

35

O primeiro regime teraputico considerado como a melhor oportunidade para controlo

a longo prazo da replicao vrica. Deste modo, a relao estabelecida entre a equipa de

sade e o doente assume crucial importncia e deve ter presente algumas estratgias de

modo a facilitar todo o processo de adeso.

Importa assim que o mdico seja capaz de negociar com o doente, e se necessrio com a

famlia, um regime teraputico, que este compreenda e aceite. Pela importncia da

problemtica, exige-se ao profissional de sade uma avaliao clara e rigorosa da

capacidade do seu doente em se manter apto no cumprimento do plano teraputico

estabelecido.

Revela-se fundamental uma interaco vlida entre o profissional e o doente de forma a

capacit-lo sempre no desenvolvimento de competncias com vista melhoria contnua

da sade.(44)

Elevar o nvel de sade e qualidade de vida da pessoa/famlia e

comunidade, promovendo e permitindo a sua participao activa e efectiva deve ser o

grande objectivo de uma equipa de sade que diariamente trabalha na luta contra esta

grave infeco.

muito importante que o profissional assuma uma presena capaz de observar,

comparar, decidir, intervir e avaliar. E que seja tambm capaz de educar para a sade de

uma forma crtica, reflexiva e efectivamente transformadora, atendendo sempre s

particularidades individuais e culturais.

S entendendo a educao que diariamente o profissional dispensa aos seus doentes,

numa perspectiva antropolgica, encarando o Homem como um ser capaz de reflectir

sobre a sua realidade, e intervir no sentido de (re)criar o seu prprio mundo, se poder

obter progressos num processo que queremos efectivo e rigoroso.(45,46)

Para maximizar o sucesso da adeso poder ser importante a escolha de um regime

teraputico simples, com reduzido nmero de comprimidos e de frequncia de doses.

Deste modo minimizam-se interaces medicamentosas e efeitos colaterais. Alm disso

torna-se igualmente importante a diminuio de constrangimentos associados

necessidade de diariamente tomar comprimidos (por exemplo no local de trabalho), ou

preocupao com a eventual conservao ou armazenamento desta medicao.

36

A famlia deve sempre que possvel ser envolvida em toda esta dinmica, insistindo o

profissional de sade na consciencializao para a importncia que a medicao assume

no bem-estar do seu familiar. Um familiar correctamente educado, atento e disponvel

pode ser fundamental em todo este processo teraputico. muitas vezes a motivao e o

cuidado/controlo que o familiar e/ou outra pessoa significativa dispensam ao doente que

o encaminham para um cumprimento escrupuloso do seu regime teraputico(44)

.

Se atendidas estas consideraes, ao avaliar/perceber que o doente no est de momento

preparado ou motivado para a toma sria dos frmacos, poder ser mais sensato o

adiamento do incio da instituio da medicao, pelo risco de uma adeso diminuta

com consequentes falncias teraputicas.

Muitas vezes, uma fraca adeso medicao conduz no s baixa resposta virolgica,

imunolgica e clinica, mas tambm a uma interpretao incorrecta da efectividade dos

medicamentos com a consequente alterao inapropriada do regime teraputico.

A diminuio da CV est directamente relacionada com a adeso teraputica e a

probabilidade de obter CV indetectveis aumenta com a mesma. E isto reflecte-se

naturalmente na mortalidade e morbilidade, verificando-se hoje uma diminuio do

nmero de doentes com Sida, do nmero de infeces oportunistas e do nmero de

internamentos hospitalares.(47)

Indirectamente, a adeso teraputica no VIH/Sida reflecte-se nos encargos financeiros

associados ao tratamento, uma vez que apesar do custo elevado dos ARV, a diminuio

da morbilidade e mortalidade associadas ao VIH implica uma diminuio na utilizao

de outros recursos de sade.

Em toda esta problemtica importa ainda atender s polticas de sade, uma vez que

quando o poder e o conhecimento seguem juntos, a poltica no s actua para posicionar

as diferentes comunidades relativamente ao acesso riqueza e ao poder, como tambm

para proporcionar condies para a produo e aquisio de conhecimento. Tal facto

particularmente importante nesta rea, no s pela investigao clinica a desenvolver,

mas tambm pelo investimento que cada instituio de sade pode e capaz de fazer na

procura de uma prestao de cuidados de excelncia(46)

.

37

C. Mtodos para avaliar a adeso

A problemtica da adeso teraputica tem sido exaustivamente discutida, e nas ltimas

dcadas foram vrios os trabalhos de investigao que se dedicaram ao seu estudo na

infeco VIH/Sida. Alguns estudos revelaram que era necessrio cumprir 90 a 95% da

medicao para que fosse alcanado o objectivo teraputico. Estudos mais recentes

verificam que necessrio cumprir 95% da teraputica para atingir eficcia.(48,49)

No fcil encontrar um mtodo com sensibilidade e especificidade perfeitas. Existem

no entanto alguns mtodos que pretendem auxiliar na deteco deste problema. Pode-se

considerar mtodos directos e indirectos.(50)

1. Mtodos directos

So os que, atravs dos resultados encontrados no organismo do doente, permitem

afirmar com alguma segurana que o doente est a cumprir regularmente a toma da

medicao. So os que consideram a monitorizao srica e os marcadores biolgicos.

a) Determinao das concentraes plasmticas

Este mtodo baseia-se na determinao analtica do medicamento ou seus metabolitos

no plasma. objectivo e especifico, porm dispendioso por ser tecnicamente

sofisticado. Alm disso sensvel ao chamado efeito de bata branca, ou seja, os

doentes por terem conhecimento prvio da anlise a realizar, cumprem na integra a

medicao instituda nos dias imediatamente anteriores ao dia da consulta.

Este mtodo no est indicado para na prtica clinica se proceder avaliao da adeso

teraputica, uma vez que no existem estudos que demonstrem que melhora a resposta

teraputica.(51)

No entanto existem recomendaes de grupos europeus que o

consideram til na prtica clinica inclusive na monitorizao da adeso teraputica.(52)

b) Marcadores biolgicos

So substncias no toxicas, estveis e facilmente detectveis que podem ser

adicionadas ao medicamento. A presena dessas substncias no sangue ou urina indica a

existncia de medicamento. Outro mtodo biolgico a medio de parmetros

analticos susceptveis de serem alterados pelos medicamentos.

38

Este um mtodo objectivo, no entanto estes parmetros podem ser alterados por

factores farmacocinticos, interaces farmacolgicas ou clnicas. A deficincia de

vitamina B12 e de folatos, o alcoolismo ou a doena heptica podem tambm enviesar

resultados.(53)

um mtodo restrito investigao.

c) Toma sob observao directa

Consiste na administrao do frmaco por um profissional de sade, normalmente um

enfermeiro, sob a sua observao. Assume uma adeso de quase 100%, no sendo de

descurar o facto de que o doente pode simular a deglutio dos medicamentos e logo

que esteja fora do alcance do enfermeiro, deit-los fora.

Apresenta m exequibilidade em doentes de ambulatrio, sendo praticado

essencialmente em doentes com VIH, tuberculose ou em programa de substituio com

metadona. um mtodo usado em ensaios clnicos ou determinadas instituies tais

como estabelecimentos prisionais e centros de teraputica combinada.

2. Mtodos indirectos

Avaliam a adeso atravs das informaes fornecidas pelos doentes, familiares ou

profissionais de sade. Normalmente esta informao tende a sobrestimar o

cumprimento da medicao e existem ainda potenciais erros nas avaliaes

consequentes da variabilidade do observador ou sujeito.

a) Auto-avaliao da adeso

Consiste na avaliao que tem por base a informao prestada pelo doente. Pode ser

colhida atravs de entrevista, questionrio e preenchimento de um dirio em suporte de

papel ou informtico.

O sucesso da entrevista est muito dependente da percia do entrevistador e na

influncia na construo das questes; no entanto um mtodo fcil de usar. Os dirios

tm a desvantagem da potencial sobrevalorizao da adeso, no s pelo receio do

incumprimento, como tambm pelo gosto em agradar ao profissional. Os questionrios,

apesar de fceis de usar e j disponveis validaes para diferentes populaes, so

muito subjectivos e a recolha da informao momentnea. Est tambm muito

dependente da preciso do questionrio.

39

Na rea da infeco por VIH/Sida aparenta ser consensual que as entrevistas e

questionrios centrados em perodos de tempo mais curtos permitem resultados mais

fidedignos.(54)

Uma forma de auto-avaliao da adeso pode ser a identificao dos

medicamentos.(55)

b) Avaliao clnica

um mtodo muito comum, uma vez que muito fcil de usar. Consiste na avaliao

subjectiva do clinico tendo como base a relao de empatia e o conhecimento que tem

sobre o doente e suas caractersticas pessoais. Obvia a sua subjectividade, o profissional

tenta apoiar sua avaliao em dados mais objectivos como sejam a adeso do doente s

consultas, os resultados clnicos e analticos conhecidos para a sua patologia (no caso da

infeco por VIH/Sida recorre-se a contagem de linfcitos T CD4+ e da CV) e/ou o

controlo da doena.

No entanto, Paterson e seus colaboradores verificaram que estes valores analticos

apresentavam sensibilidade e especificidade muito abaixo do desejvel para um teste de

diagnstico. Usaram como teste de referncia o registo electrnico e verificaram que a

sensibilidade e especificidade da carga vrica foi 72% e 78%, respectivamente, e a

sensibilidade e especificidade da contagem linfocitos T CD4 foi de 32% e 79%,

respectivamente.(49)

c) Contagem de formas farmacuticas slidas (FFS)

Consiste na contagem dos comprimidos que o doente possui antes e depois do perodo

de tempo em causa. O clculo da percentagem de cumprimento (PC) efectua-se atravs

da seguinte frmula:

PC=N. FFS dispensadas N. FFS devolvidas x 100

N. FFS prescritas

um mtodo simples e objectivo, porm passvel de sobreavaliao, uma vez que o

doente pode retirar comprimidos da embalagem quando vai consulta ou farmcia, sem

que por isso os tenha tomado. Alm disso a medicao pode ser partilhada por exemplo

pelo casal, sem o conhecimento dos profissionais.

40

Por ser um mtodo que consome muito tempo, normalmente usado apenas em ensaios

clnicos.(49)

d) Registo da dispensa de medicamentos nos servios farmacuticos

um mtodo de fcil execuo, normalmente realizado pelos farmacuticos

hospitalares e consiste na verificao dos levantamentos da medicao num

determinado perodo de tempo. Assim, o doente cumpridor, se levantar nos servios

farmacuticos, nos intervalos de tempo adequados, os medicamentos necessrios para o

tratamento.

Tem a grande limitao que se prende com o facto de o doente ao levantar a medicao

em tempo oportuno no significar que a tome. No entanto, um mtodo til no

acompanhamento de numerosos tratamentos crnicos.(49)

e) Sistemas de controlo electrnico

Consiste num frasco de plstico com uma tampa na qual est inserido um sistema

electrnico que regista o dia e a hora em que o frasco aberto e fechado. Estes dados

so tratados informaticamente obtendo-se grficos ou tabelas com o perfil de adeso do

doente.

Os inconvenientes deste mtodo prendem-se com o facto de se tornar dispendioso em

termos econmicos e esta infeco requerer muitas vezes inmeros medicamentos.

assim muito usado em ensaios clnicos, mas pouco exequvel na prtica diria. Existem

actualmente dois sistemas: Electronic Drug Exposure Monitor (EDEM) e o Medication

Event Monitoring System (MEMS).

41

D. Instrumentos para medio da adeso teraputica no VIH

Efectuou-se uma pesquisa bibliogrfica atravs da base de dados Pubmed, usando como

termos de pesquisa adherence therapeutic and questionnaire and HIV, com a

finalidade de obter diferentes instrumentos de medio de adeso teraputica no

VIH/Sida, publicados na corrente dcada. Foram encontrados 10 artigos tendo-se

realizado a sua anlise atendendo ao objectivo do estudo, tipo de estudo, resultados e

testes de contra comparao.(56-65)

Todos os estudos foram realizados em indivduos com

idade superior a 18 anos, com infeco por VIH e submetidos a tratamento com ARV

h pelo menos seis meses.

Dos artigos analisados, seis(56,57,59,61,64,65)

apresentavam como objectivo a validao de

um instrumento de medio de adeso TARV (questionrio ou escala), cuja anlise se

apresenta resumida na tabela 1, e os restantes(58,60,62,63)

a descrio e anlise das

propriedades psicomtricas de instrumentos de medio de adeso TARV. Apesar do

objectivo destes ltimos no ser a validao do instrumento, considerou-se importante a

sua anlise, dado que poderia revelar-se til a sua validao para a populao deste

estudo. Concluda a anlise, verificou-se porm que se tratava de instrumentos

demasiado extensos (30 a 61 questes), com preenchimento demorado, no usavam

testes de referencia e mediam a no adeso apenas por auto-relatos de doses omissas.

42

Tabela 1: Resumo dos estudos publicados sobre a validao de instrumentos para medio de adeso TARV

Instrumento Referncia Lngua(s) Tipo de estudo Amostra

(n) Testes de referncia

Medidas

Se (%) Esp. (%)

QSDE Godin G, 2003 Francs e Ingls Prospectivo 256 Carga vrica 71 72

ME Deschamps AE ,2007 Blga Prospectivo 119 Carga vrica 75 85.6

SHCS-AQ Deschamps AE ,2007 Blga Prospectivo 119 Carga vrica 88 79

EHTQ Deschamps AE ,2007 Blga

Prospectivo 119 Carga vrica

43

Concluda a anlise dos diferentes estudos, optou-se por validar a ESPA uma vez que

.foi o instrumento que apresentou melhor sensibilidade e especificidade. Apresenta-se

como um instrumento de utilizao simples, permitindo uma aplicao rpida, discreta e

contnua, podendo ser aplicado durante a realizao de uma consulta, sem que o doente

se aperceba de que est sendo avaliado.

1. Escala Simplificada para deteco de Problemas de Adeso teraputica (ESPA)

A ESPA foi construda por J. Ventura (2006). A verso em Portugus da ESPA

realizou-se mediante um processo de traduo e retrotraduo, efectuada por

especialistas bilingues espanhol-portugus de forma independente (Anexo 1).

Trata-se de uma escala dicotmica composta por seis itens. Cada item com resposta

positiva vale um ponto, e resposta negativa vale zero pontos. A pontuao total obtida

pela soma de todos os itens (valor mnimo possvel um e mximo seis). As questes 1 e

2 tm que ser ambas necessariamente positivas para considerar um doente como isento

de problemas relacionados com adeso. Se qualquer uma das duas for negativa, o grau

de adeso 1 independentemente do resto das pontuaes. A primeira questo foi

adaptada realidade da farmcia do Hospital Joaquim Urbano, ou seja, foi considerado

que o doente levanta medicao na data prevista se apresentar uma percentagem de

adeso da farmcia superior ou igual a 95%. Posteriormente ser descrito o mtodo

utilizado pelos farmacuticos do hospital Joaquim Urbano para avaliar no adeso

TARV.

Considera-se que um doente no tem problemas de adeso se tiver obtido a classificao

de 5 ou 6 pontos. Descrevemos de seguida as seis questes que constam da escala:

1. Questo: O doente levanta medicao na data prevista.

Resposta positiva, se o doente apresentar percentagem de cumprimento no levantamento

da medicao na farmcia igual ou superior a 95%;

2. Questo: O doente tem conhecimento da posologia da medicao.

Resposta positiva, se o doente sabe o horrio e a posologia dos medicamentos a tomar.

3. Questo: O doente conhece o nome comercial ou genrico do medicamento que

toma

44

Resposta positiva, se o doente sabe o nome comercial ou excipiente activo dos seus

medicamentos.

4. Questo: O doente toma adequadamente a medicao segundo prescrio mdica

(horrios, alimentos, interaces com lcool ou outras substncias).

Resposta positiva, se o doente cumpre as recomendaes de administrao dos seus

medicamentos (difere da questo 2, na medida em que ter conhecimento das

recomendaes no significa que estas sejam postas em prtica).

5. Questo: Evoluo clnica adequada (CV indetectvel e aumento do valor dos

CD4) e avaliao subjectiva satisfatria.

Resposta positiva, se o doente apresenta CV indetectvel ou a decrescer e valor de

Linfocitos T CD4 a aumentar ou mantidos e se o doente no apresenta alteraes

cognitivas.

6. Questo: A medicao que o doente tem no domiclio no superior

quantidade necessr