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0 Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP Curso de Graduação em Direito CARLOS FERNANDO CASTRO DE MORAIS DIVERGÊNCIAS ACERCA DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS João Pessoa 2009

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Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP

Curso de Graduação em Direito

CARLOS FERNANDO CASTRO DE MORAIS

DIVERGÊNCIAS ACERCA DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS

João Pessoa 2009

1

CARLOS FERNANDO CASTRO DE MORAIS

DIVERGÊNCIAS ACERCA DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Fesp Faculdades, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª. Ms. Luciane Gomes

João Pessoa 2009

2

CARLOS FERNANDO CASTRO DE MORAIS

DIVERGÊNCIAS ACERCA DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS

Aprovado em: ____ / _____ / _____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________ Profª. Ms. Luciane Gomes

(Orientadora)

________________________________ Prof. Felipe Ribeiro Coutinho

________________________________ Prof. Helio Luiz de Aquino

3

AGRADECIMENTOS

Ao Senhor Jesus Cristo, fonte de vida e dotado de sabedoria inigualável, único caminho a Deus e que se fez presente durante o percurso desse curso que me proporcionou grande aprendizado.

Aos meus pais, pelo grande incentivo aos estudos, constante apoio e conselhos de vida.

A minha orientadora, Luciane, pela forma sempre atenciosa que solucionou minhas

dúvidas surgidas ao longo deste trabalho, tendo contribuído para a definição do tema. A todos os meus colegas do Curso de Direito da Fesp, que enriqueceram o nosso

convívio ao longo dessa caminhada. Aos professores, que muito contribuíram para esta conquista, do título de Bacharel em

Direito, meu profundo respeito e admiração. A todos os que, de alguma forma, contribuíram para o alcance desta conquista.

4

“Algo só é impossível até que alguém duvide e acabe provando o contrário” Albert Einstein

5

RESUMO

O Ministério Público representa importantíssimo órgão destinado à defesa da sociedade brasileira. Para o desenvolvimento de suas novas atribuições, recebeu nova roupagem a partir da Constituição Federal de 1988, transformando-o, além do titular da Ação Penal, na marcante instituição responsável pela promoção e defesa dos interesses difusos e coletivos da sociedade. Contudo, no desenvolver de seu mister, apresenta-se o questionamento acerca de sua legitimidade ativa para a defesa dos direitos individuais homogêneos, que constituem espécie de direito coletivo em sentido lato, caracterizados pela determinação dos sujeitos e divisibilidade do seu objeto. Dedica-se este estudo à análise dos posicionamentos de juristas e doutrinadores conceituados, bem assim dos juízes e Tribunais pátrios, para o fim de apresentar os pontos positivos e negativos da tutela desses interesses, realizados de modo coletivo pelo parquet. Consoante afirmado, o diploma constitucional ampliou significativamente o campo de atuação do Ministério Público, incumbindo-o da defesa dos “interesses sociais e individuais indisponíveis”. Justamente em virtude de não citar expressamente o termo “direito individual homogêneo”, alguns doutrinadores e parte da jurisprudência entendem que o parquet não se deve ater a esses interesses, por se tratar de direito de cunho individual disponível e, por esta razão, não se revelar como atribuição do órgão ministerial. Por outro lado, há os que defendem sua legitimidade ativa, a partir de uma visão interpretação mais extensiva do que seriam direitos sociais, mormente nos casos em que haja relevante interesse social. A tutela pelo órgão ministerial, entre outras vantagens, diminuirá o número de ações individuais no já sobrecarregado sistema judiciário brasileiro, bem assim minimizará o numero de decisões contraditoras acerca do mesmo assunto. Outra justificativa para atuação encontra-se estampada no artigo 81, III, do Código de Defesa do Consumidor, que previu de modo expresso a tutela de direitos individuais homogêneos pelo Ministério Público. Dentro da corrente favorável à legitimidade ativa do parquet pode-se verificar a existência de duas vertentes: os que compreendem ser o MP legitimado ativo para a defesa desses interesses apenas na seara consumerista e outros que o consideram legitimado independentemente dos interesses envolvidos. Há, portanto, diferentes interpretações acerca dessa legitimidade, baseadas em hermenêutica, aliando-se a interpretação sistemática das normas constitucionais às infraconstitucionais, a fim de que se conclua acerca dos limites de atuação do Ministério Público no contexto da sociedade atual.

Palavras-chave: Ministério Público. Direito Coletivo. Direito Individual Homogêneo. Interesse Social. Legitimidade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................... 08 CAPÍTULO I ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DEFINIÇÃO DAS ESPÉCIES DE DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU........................................... 11 1.1 PRINCIPAIS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E SUA ATUAÇÃO NA DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.................................... 11 1.2 DELINEAMENTOS CONCEITUAIS ACERCA DOS DIREITOS COLETIVOS EM SENTIDO AMPLO: DIFUSOS, COLETIVOS STRICTO SENSU E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS................................................................................................................ 17

1.2.1 Direitos Difusos................................................................................................... 18 12.2 Direitos Coletivos Stricto Sensu.......................................................................... 20 1.2.3 Direitos Individuais homogêneos....................................................................... 21

CAPÍTULO II A LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS ............................................................... 27 2.1 HISTÓRICO DA DEFESA DOS INTERESSES COLETIVOS NO BRASIL.......... 27 2.2 ANÁLISE DAS DIVERGÊNCIAS ACERCA DA PARTICIPAÇÃO DO MP NAS AÇÕES COLETIVAS DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.................. 29

2.2.1 Legitimidade do Ministério Público para a defesa de direitos individuais homogêneos, sob a ótica da Constituição Federal............................. 32

2.2.2 Legitimidade do Ministério Público para a defesa de direitos individuais homogêneos, sob a ótica da Lei da Ação Civil Pública..................... 34

2.2.3 Legitimidade do Ministério Público para a defesa de direitos individuais homogêneos, sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor........ 36

2.3 ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS, APONTADOS PELA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA, ACERCA DA PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS AÇÕES ENVOLVENDO INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.......... 40

CAPÍTULO III PROCEDIMENTO DA LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS NAS AÇÕES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEAS............................ 45 3.1 O PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO NAS AÇÕES COLETIVAS.............................. 45

7

3.1.1 Liquidação Individual...................................................................................... 47 3.1.2 Liquidação Coletiva.......................................................................................... 49 3.1.3 Competência para Liquidação........................................................................ 49 3.1.4 Procedimento da Liquidação........................................................................... 50

3.2 O PROCEDIMENTO DA EXECUÇÃO DA SENTENÇA DE CONDENAÇÃO GENÉRICA....................................................................................................................... 50

CAPÍTULO IV ANÁLISE DE JULGADOS REFERENTES À PARTICIPAÇÃO

DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM AÇÕES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEAS......... 52

4.1 COLAÇÃO E ANÁLISE DE JULGADOS PROFERIDOS PELO STF E STJ VERSANDO SOBRE A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS AÇÕES ENVOLVENDO INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS................... 52

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 59

REFERÊNCIAS............................................................................................................... 62

8

INTRODUÇÃO

O presente estudo possui por escopo avaliar as divergências existentes acerca da

legitimidade do Ministério Público na defesa dos interesses individuais homogêneos,

mormente após a nova roupagem que lhe foi conferida pela Constituição Federal de 1988,

bem assim demonstrar a forma mediante a qual essa participação irá influenciar a vida dos

cidadãos, do Ministério Público e o do Poder Judiciário, ao se evitar a pulverização das ações

individuais.

Partindo-se da análise dos objetivos do parquet enquanto “advogado da sociedade”,

busca-se o questionamento acerca da legitimidade ativa na defesa de um direito individual,

porém com caráter homogêneo, verificando se essa atuação deve ser legitimada ou se deve

ficar adstrita aos interesses difusos e coletivos em sentido stricto.

Ainda que haja norma infraconstitucional, a exemplo da insculpida no art. 81, III, do

Código de Defesa do Consumidor, prevendo a legitimidade do Ministério Público nas ações

que versem sobre interesses e direitos individuais homogêneas, grande celeuma ainda se

verifica nas searas doutrinárias e judiciais.

Os direitos individuais homogêneos constituem uma das três espécies de direito

coletivo lato sensu. São entendidos como direitos de origem comum, divisíveis em sua

extensão, cujos titulares são pessoas determinadas ou determináveis, significando que o

decorrente de sua violação deve se operar em cotas, divisíveis para cada um dos titulares

prejudicados. No decorrer do presente, serão conceituadas e analisadas as diversas

modalidades de direito coletivo, com fulcro na legislação e na doutrina.

Cumpre assinalar que, em que pesem as previsões ofertadas pela Lei da Ação Civil

Pública e pela Constituição Federal, foi, portanto, após a entrada em vigor do Código de

Defesa do Consumidor que o ordenamento jurídico brasileiro passou disciplinar de maneira

mais completa a tutela dos interesses difusos e coletivos. Referido diploma previu

expressamente a categoria dos direitos ou interesses individuais homogêneos, individuais por

natureza, porém com caráter de homogeneidade, conduzíveis à Justiça Civil de modo

coletivizado, em função de sua origem comum, razão pela qual alguns doutrinadores o

reconhecem como espécie dos interesses coletivos em sentido lato.

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Portanto, a legitimidade ativa do Ministério Público na defesa dos interesses

individuais homogêneos é tema que gera grande celeuma, verificando-se importantes

divergências e marcantes diferenças no entendimento sobre o assunto dentre a grande maioria

dos operadores do Direito.

Os que negam a sua legitimidade, o fazem com base no texto constitucional, ao

afirmar que não estão incluídos expressamente nas atribuições do parquet.

Contudo, a Constituição Federal já havia deferido essa possibilidade, em seu art. 129,

inciso III, ao atribuir ao Ministério Público, dentre suas atribuições, a defesa de interesses

difusos e coletivos.

De outro lado, para os que defendem a atuação, a justificativa encontra-se na

abrangência da expressão direitos coletivos, para essa corrente empregada em sentido lato,

incluindo, portanto, os individuais homogêneos.

Um tanto mais pacificada é a questão atinente à legitimação do Ministério Público

para a defesa de interesses individuais homogêneos na seara consumeirista, ou seja, os que

tenham como origem relações de consumo, mormente porque o Código de Defesa do

Consumidor foi o diploma que conceituou as diversas modalidades de direito coletivo em

sentido lato e previu expressamente a aludida legitimidade ativa.

Na busca pela corrente mais consentânea com a realidade social, serão analisados os

posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, a fim de que sejam traçadas as diferenças e

justificativas apontadas em cada corrente adotada.

Nessa esteira, o objetivo geral desse trabalho é analisar as divergências acerca da

legitimidade do Ministério Público para a defesa de interesses individuais homogêneos,

mediante a análise da doutrina e jurisprudência, bem como avaliar as conseqüências práticas

dessa atuação.

Importante ressaltar que, no âmbito deste estudo, os termos “direitos e interesses

coletivos” serão utilizados como sinônimos, apesar de se verificar diferenças apontadas por

alguns doutrinadores.

Ademais, serão apresentadas as principais atribuições do Ministério Público, com base

na Carta Magna e nos diplomas infraconstitucionais, em especial na Lei 7.347/85 - Lei da

Ação Civil Pública - que ampliou consideravelmente o âmbito de abrangência da atuação do

parquet e na Lei 8.078/90, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, pioneira na

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busca da defesa dos direitos individuais homogêneos. Com isso, buscam-se subsídios para a

compreensão da extensão em que se deve entender a legitimação ativa do Ministério Público,

verificando se a defesa dos interesses individuais homogêneos está incluída nessa atuação.

O desenvolvimento desta pesquisa será realizada mediante a consulta à livros, revistas,

Internet, jornais, etc., com maior concentração nas obras que versem sobre a Lei Civil da

Ação Pública, Direito do Consumidor e acerca da instituição do Ministério Público brasileiro.

Também serão utilizados textos disponibilizados na Rede Mundial de Computadores – todos

devidamente citados- que tratem acerca dos temas já apontados.

O estudo apresenta-se, assim, dividido em quatro capítulos. No primeiro, serão

enumeradas as principais atribuições do Ministério Público e sua atuação na defesa dos

interesses individuais homogêneos, indicando as diversas modalidades de direito coletivo em

sentido amplo: difuso, coletivo stricto sensu e individuais homogêneos, explicitando suas

diferenças e semelhanças.

No segundo capítulo, será ilustrada a participação do Ministério Público nas Ações

que objetivem a tutela dos interesses individuais homogêneas sob a ótica da Constituição

Federal, da Lei da Ação Civil Pública (LACP) e do Código de Defesa do Consumidor (CDC),

além de outras normas infraconstitucionais. Nessa oportunidade, serão apontados os

doutrinadores que se manifestam favoráveis e contrários à legitimidade do parquet para a

dessa espécie de direitos coletivos.

No terceiro capítulo, será abordado o processo de liquidação e execução de ações

acerca de direitos individuais homogêneos, que possui algumas particularidades em relação ao

procedimento comum.

Por sua vez, o quarto capítulo consistirá na colação de alguns julgados do Supremo

Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, versando sobre a legitimidade ativa do

Ministério Público nas ações envolvendo direitos individuais homogêneos.

Por fim, serão apresentadas as considerações finais, obtidas a partir do entrelaçamento

da teoria e da práxis, verificando-se qual corrente revela-se mais apropriada e consentânea

com o novo papel do Ministério Público brasileiro, bem assim com as necessidades da

sociedade hodierna.

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CAPÍTULO I - ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E

DEFINIÇÃO DAS ESPÉCIES DE DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

1.1 PRINCIPAIS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E SUA ATUAÇÃO NA DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

O Ministério Público – MP - é órgão estatal, permanente, pelo qual o Estado manifesta

a sua soberania, por alguns considerado como integrante de um quarto Poder, já que não está

diretamente vinculado, tampouco se submete, a nenhum dos três poderes – Executivo,

Legislativo e Judiciário – vez que possui autonomia administrativa e financeira.1 É órgão

autônomo, regulado por um corpo de normas, com a finalidade principal de realizar a defesa

dos direitos da sociedade. Pode-se, assim, afirmar que o bem estar da sociedade é seu objetivo

e finalidade maior. Promove a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis.

Revela-se, portanto, em instituição fundamental ao bom andamento da sociedade

brasileira. Para tanto, atua na promoção e defesa dos interesses que atingem a coletividade, a

exemplo do meio ambiente, das relações de consumo, dos interesses de crianças, jovens e

idosos, do patrimônio público e social, dentre outros, buscando velar pela efetivação dos

direitos conferidos pela Constituição Federal de 1988, conferindo-lhe eficácia. No

desenvolver desses papéis, vale-se especialmente da Ação Civil Pública, importante

instrumento disponibilizado ao parquet por intermédio da Lei 7.347/85.

Ainda que o objeto desse estudo seja afeto à seara cível, não se pode olvidar que, a par

dessa atuação, mais recente, o Ministério Público continua a deter a titularidade ativa da ação

penal pública. De se salientar que, não raras vezes, na análise da violação a direitos coletivos,

pode se deparar com a prática de delitos criminais, demandando atuação nas duas áreas, ainda

que por membros distintos, conforme se achem distribuídas as funções em cada unidade.

Nas lições de Valter Foleto Santin:

O Ministério Público tem vasto campo de atuação na atualidade e atua na esfera criminal, civil, infância e juventude e extrajudicial. Na área civil atua em causas de interesses públicos, sociais, coletivos, difusos (principalmente em ações civis públicas para a defesa do meio ambiente, da saúde pública, do patrimônio público,

1 MAZZILLI, Hugo Nigro. O acesso à Justiça e o Ministério Público. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 39.

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histórico e cultural, do consumidor, individuais homogêneos e interesses individuais indisponíveis (especialmente nas causas do direito de família).2

O Ministério Público cresceu em importância com a promulgação da Constituição

Federal de 1988, que lhe concedeu papel de destaque, ao ampliar o âmbito de sua atuação,

abrindo espaço para o desenvolvimento da atuação cível, ainda tímida, ao lado da tradicional

titularidade penal. O diploma constitucional foi igualmente responsável pela guarida de

direitos relativos à cidadania social, o que impulsionou a busca de instrumentos para sua

concretização, papel fortemente abraçado pelo órgão ministerial.

Dessa feita, devido à maior abrangência dos direitos abarcados pela Constituição, o

constituinte ampliou as atribuições do Ministério Público, a fim de que bem desempenhasse

os novos papéis que lhe foram destinados, representando, assim, um dos mais fortes institutos

para a defesa da sociedade e construção de uma democracia mais forte.

Nesse sentido, a promulgação da Constituição de 1988 revela grande avanço para o

Ministério Público, que figura em titulo próprio, diferentemente das Cartas anteriores,

encontrando-se disciplinado no Capítulo “Das funções essenciais à justiça”, ao lado dos

advogados e defensores públicos, momento em são definidas suas funções institucionais,

garantias e as vedações impostas aos seus membros.

Ainda utilizando-se dos ensinamentos de Valter Foleto Santin:

A estrutura do Ministério Público foi definida pelos artigos 127 a 130 da Carta Magna de 1988. Sua autonomia administrativa é uma conquista, antes disso o Parquet apresentava uma dependência administrativa e financeira desde a nomeação e provimento de cargos ate a elaboração das folhas de pagamento. 3

Portanto, o Ministério Público adquiriu, pela ordem constitucional, independência

frente aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, possuindo autonomia funcional,

administrativa e financeira. Na área civil, passou a desempenhar papel de suma relevância,

defendendo os interesses difusos e coletivos da sociedade.

Oportunas as lições de Geisa de Assis Rodrigues:

O Ministério Público que emerge da nova ordem constitucional é uma instituição diferente, com novas atribuições, com importantes garantias institucionais e pessoais, aliando a sua histórica tradição de postulação em juízo, seja no âmbito

2 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na Investigação Criminal. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2007, p. 207. 3 Idem, p. 212-213.

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penal seja no âmbito cível na tutela de direitos transindividuais e individuais indisponíveis, com a possibilidade de uma ampla atuação de defesa extrajudicial da cidadania, e com poderes de investigação e de utilizar outras medidas extrajudiciais para a defesa do patrimônio público e social. 4

No mesmo sentido, Márcio Souza Guimarães:

O Ministério Público, nos termos da Constituição da República, assumiu feição sem paradigma internacional semelhante, razão pela qual tem como uma de suas principais funções a proteção dos interesses transindividuais, incluídos aí os consumidores coletivos, valendo-se de instrumentos de extrema eficácia – ação civil pública e inquérito civil[...].5

A estrutura do parquet está delineada no artigo 128 da Constituição Federal, do modo

a seguir elencado: no âmbito federal, Ministério Público da União - MPU, que abarca o

Ministério Público Federal, o do Trabalho e o Militar, além do Ministério Público do Distrito

Federal e Territórios, e por outro lado, o Ministério Público dos Estados. O Ministério Público

do Distrito Federal, apesar de fazer parte do MPU, possui atribuições limitadas ao próprio

Distrito Federal e aos territórios - se e quando houver.

De conformidade com o artigo 127 da Constituição Federal: “O Ministério Público é

instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa

da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis”.

Por sua vez, o artigo 129, com redação modificada pela Emenda Constitucional n.

45/2004, elenca as funções institucionais do Ministério Público:

I – Promover, privativamente, a ação penal Pública, na forma da lei; II – Zelar pelo efetivo respeito dos poderes Públicos e dos serviços de relevância publica aos direitos assegurados nesta constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III – Promover o inquérito civil e a Ação Civil Pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV – Promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta constituição; V – Defender Juridicamente os direitos e interesses das populações indígenas; VI – Expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

4 RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta. Teoria e Prática, p. 68. 5 GUIMARÃES, Márcio Souza. Aspectos Coletivos das Relações de Consumo: Interesses transindividuais e o Ministério Público. In: COSTA, Fábio (Org.). Acesso à Justiça: Segunda Série. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 287.

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VII - Exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII – Requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX – Exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com suas finalidades, sendo-lhe vedada à representação judicial e a consultoria jurídica de entidades publicas; & 1º A legitimidade do Ministério Público para ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei. & 2º As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição. & 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação. & 4 º Aplica-se ao Ministério Público, no que couberem, os dispositivos no art. 93. & 5º A distribuição de processos no Ministério Público será imediata.

O zelo pelo interesse público vem a ser a principal finalidade do parquet. Por interesse

público, deve-se entender o atinentes a um número razoável de pessoas, que tenha relevância

para a sociedade. Ao mesmo tempo, porém, consiste também em função do Ministério

Público zelar, em alguns casos, pela defesa dos direitos de uma só pessoa, quando se tratar de

interesses indisponíveis, a exemplo dos referentes a estado da pessoa, a crianças e

adolescentes, neste caso, especialmente em matérias relacionadas à saúde, educação e

proteção à integridade física e psicológica.

Ressalte-se, contudo, que a atuação individualizada do interesse de um só indivíduo

constitui excepcionalidade. De maneira geral, o Ministério Público defende os interesses

chamados transindividuais, ou seja, aqueles que transcendem a condição do indivíduo.

Incluem-se nessa categoria os interesses difusos e coletivos stricto sensu – e de acordo com a

posição adotada - os individuais homogêneos.

A defesa dos interesses difusos e coletivos em sentido estrito passou a ser fruto de

atribuição do Ministério Público após a edição da Lei da ação Civil Pública, Lei n. 7.347, de

1985. Foi, contudo, com o Código de Defesa do Consumidor que, dentre os direitos coletivos

em sentido lato, surgiu a denominação “direitos individuais homogêneos”, que se tratam de

direitos de origem comum, mas, como o nome indica, dotado de caráter homogêneo.

Com o surgimento da tutela dessa nova espécie de direito coletivo - na verdade o

direito obviamente já existia, apenas não havia previsão expressa de defesa no ordenamento

pátrio- surgiu também o questionamento acerca da titularidade para a defesa desses interesses,

se também constituiria uma das atribuições do MP, uma vez que a sociedade, como é de

15

conhecimento amplo, está em constante, e cada vez mais rápida, evolução e o Estado precisa

acompanhar essas mudanças, ofertando a proteção necessária e adequada.

Da mesma forma que o MP detém legitimidade para a defesa de uma só criança, pode

tutelar o interesse de um cidadão, quando se revelar benéfica a outros cidadãos que se

encontrem na mesma situação.

Devem-se, contudo, evitar os abusos, passíveis de acontecer. É preciso que o cidadão

tenha a consciência que o Ministério Público não é advogado de ninguém, em que pese o

popular título que ostenta, de advogado da sociedade. Seria, assim, a um só tempo, advogado

de todos e de ninguém individualizadamente, salvo raras exceções. Assim sendo, a defesa de

interesses que não revelem nenhuma utilidade para a coletividade, deve ser defendidos por

advogados particulares ou defensores públicos, se for o caso.

A defesa de direitos individuais com efeitos coletivos só deve ocorrer, portanto,

quando justificada a atuação do Ministério Público pela relevância social do interesse

envolvido.

Nesse sentido, assevera Valter Foleto Santin:

Os interesses individuais homogêneos, de caráter disponível, pela dimensão de consumidores ou pessoas vitimizadas e do direito afetado ganham relevância na sociedade, tornando-se questão de interesse social, a justificar a intervenção do Ministério Público em seu favor

.6

A atuação do parquet se intensificou ainda mais após a edição da Lei 8.078/90,

Código de Defesa do Consumidor, porquanto a população brasileira passou a ter um

conhecimento maior dos seus direitos, ainda que adstritos às relações de consumo. Os

consumidores passaram a ter consciência de que possuíam direitos e instrumentos legais para

combater os abusos dos produtores e fornecedores. Estes, por sua vez, modificaram seu modo

de agir, paulatinamente, adotando maiores cautelas na relação e no trato com seus clientes.

Além da concorrência crescente em todos os ramos de atividade, os consumidores estão mais

exigentes, não mais calam diante da violação dos seus direitos, em muito impulsionada pela

clara redação do Código de Defesa do Consumidor, bem assim pela atuação do Ministério

Público nesta seara.

6 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na Investigação Criminal. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2007, p. 201.

16

Transfigurado como direito fundamental ou como princípio, a defesa dos direitos do

consumidor passou a ser considerado um limite à iniciativa privada. O Código possibilitou a

existência de regras claras e objetivas para os limites da atividade empresarial aliada à maior

praticidade na aplicação de sanções em casos de abusos. Os direitos do consumidor passaram

a representar uma densificação dos princípios gerais da dignidade humana. Os princípios

estruturantes da relação empresarial estão, portanto, na atualidade, diretamente ligados aos

direitos do consumidor.

No que toca à ampliação do acesso à Justiça, o advento do Código de Defesa do

Consumidor trouxe uma séria de mecanismos para definir a atuação do consumidor em juízo,

trazendo dispositivo específico permissivo da atuação do Ministério Público na defesa de

interesses individuais homogêneos, de modo coletivizado.

Consoante opinião de Rodolfo de Camargo Mancuso:

Para que se tenha um Judiciário que se mostre socialmente eficiente deve-se evitar que conflito de natureza coletiva seja fracionado, pulverizando-se em múltiplas ações individuais, ao risco de decisões qualitativamente discrepantes, que assim promovem situações de injustiça, sobrecarregam o serviço judiciário, trazem lentidão aos processos e, enfim, desprestigiam a função judicante. 7

Assim sendo, as ações coletivas, titularizadas em grande parte pelo parquet,

facilitaram a defesa dos interesses transidividuais em juízo. A partir do momento em que a lei

legitima determinados entes, merecendo destaque o Ministério Público, alvo deste estudo,

passou a permitir que um número maior de causas sejam analisadas pelo Poder Judiciário, as

quais dificilmente seriam levadas a conhecimento da justiça pela via tradicional, eis que seus

titulares, por vezes, sequer possuem conhecimento da maneira como podem ser protegidos.

Ademais, caso recorressem a juízo individualmente, haveria sobrecarga ainda maior do já

assoberbado Judiciário, o que revela mais uma faceta da ação coletiva, qual seja, evitar a

pulverização de ações individuais e a consequente sobrecarga do sistema judicial.

7 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A projetada participação equânime dos co-legitimados à propositura da ação civil pública: da previsão normativa à realidade forense. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 796, p. 11-38, fev. 2002, p. 20.

17

1.2 DELINEAMENTOS CONCEITUAIS ACERCA DOS DIREITOS COLETIVOS EM SENTIDO AMPLO: DIFUSOS, COLETIVOS STRICTO SENSU E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Os interesses coletivos estão situados em uma posição intermediaria entre o interesse

público e o interesse privado. São chamados de transindividuais, porque ultrapassam os

limites do individuo, excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam a

representar um interesse público. Com exceção dos direitos difusos, que possuem

indeterminação dos sujeitos, as demais espécies de direito coletivos possuem sujeitos

determinados ou determináveis.8

Ao enquadrar os direitos coletivos em sentido amplo, Cavarielli Filho assevera que:

O Interesse público está ligado ao interesse da coletividade como um todo, uma vez que visa o bem geral, ao passo que o interesse privado diz respeito ao interesse individual, estritamente particular, de cada um. Para preencher o espaço entre o interesse estritamente individual e o interesse público (da coletividade como um todo) é que foi concebida uma categoria intermediaria, na qual se compreendem os interesses coletivos, ou seja, aqueles referentes a toda uma categoria ou grupo de pessoas que têm algo em comum.9

O termo direito coletivo – lato sensu – é o termo genérico, que abrande três espécies:

os direitos difusos, os direitos coletivos stricto sensu e os direitos individuais homogêneos.

Nesse sentido, Dinamarco afirma que todos os direitos coletivos podem ser objeto de

uma Ação Civil Pública - ACP:

São de três espécies os direitos ou interesses que podem ser tutelados por meio de uma Ação Civil Pública: os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. Essas espécies estariam compreendidas dentro do gênero que a doutrina costuma denominar indistintamente interesses coletivos

.10

O Código do Consumidor divide, assim, os interesses e direitos coletivos em três

categorias, conceituadas por Cavarielli Filho do seguinte modo: “1. difusos, que são aqueles,

que são os essencialmente coletivos; 2. direitos coletivos stricto sensu, que são os coletivos

8 LOUREIRO, Caio Márcio. Ação Civil Pública e o Acesso à Justiça. São Paulo: Método, 2004, p. 125. 9 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 306 10 DINAMARCO, Pedro da Silva apud Caio Márcio Loureiro. Ação Civil Pública e o Acesso a Justiça. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 129.

18

propriamente ditos; 3. direitos individuais homogêneos, que são de natureza coletiva apenas

na forma em que são tutelados” 11.

Assim sendo, no gênero direitos coletivos lato sensu, encontram-se três espécies, uma

das quais se refere aos direitos individuais homogêneos, individuais por natureza, porém, em

virtude de sua origem comum, podem ser levados a juízo de maneira coletiva, por intermédio

que única ação, que abarque diversos titulares, nos casos em que apresentar interesse social.

No sentir de Loureiro: “Interesses individuais homogêneos são, portanto, interesses

pertinentes a pessoas determinadas, mas que o ordenamento permite serem tratados

globalmente por resultar de origem comum”.12

Válidos, ademais, os ensinamentos de Almeida:

Interesse social, no sentido amplo que ora nos concerne é o interesse que consulta à maioria da sociedade civil: o interesse que reflete o que esta sociedade entende por ‘bem comum’; o anseio de proteção à rés publica; a tutela daqueles valores e bem mais elevados, os quais essa sociedade, espontaneamente, escolheu como sendo os mais relevantes. Tomando-se o adjetivo ‘coletivo’ num sentido amplo, poder-se-ia dizer que o interesse social equivale ao exercício coletivo de interesses coletivos. ”13

A seguir serão analisados os elementos que compõem cada espécie dos interesses

coletivos em sentido amplo, com a indicação de suas peculiaridades, que os diferenciam entre

si, com especial ênfase aos direitos individuais homogêneos, objeto do presente estudo.

1.2.1 Direitos Difusos

Os direitos difusos apresentam como características a transidividialidade;

indivisibilidade, indeterminação dos sujeitos e circunstância de fato.14

Tais características são extraídas da definição legal dos direitos difusos, prevista no 11 CAVALIERI FILHO, Sergio. op. cit., p.306. 12 LOUREIRO, Caio Márcio. Ação Civil Pública e o Acesso à Justiça. São Paulo: Método, 2004, p. 143. 13 ALMEIDA, Renato Franco de. O Parquet na defesa dos direitos individuais homogêneos. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 43, jul. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=275>. Acesso em:

05 fev. 2009. 14 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 50-51

19

CDC, em seu artigo 81, I, in verbis:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo:

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

A transindividualidade significa que é um direito que transcende o individuo, que

vai além, e importa à coletividade. Indivisibilidade significa que é um direito em que não é

possível determinar a “quantidade de direito” que cabe a cada pessoa, como, por exemplo,

determinar que parcela do ar atmosférico pertence a cada um dos habitantes do planeta,

divisão impossível de ser realizada. Por sua vez, a indeterminação dos sujeitos refere-se ao

não conhecimento dos sujeitos desse direito, vez que não é possível determinar um grupo de

pessoas ou muito menos um individuo como sujeito do direito. Por fim, a ligação entre os

sujeitos titulares do direito difuso se dá por circunstancias de fato, não apresentando vínculo

jurídico.

Não existe, portanto, nenhum vinculo jurídico entre os titulares dessa espécie de

direitos, consistindo em vínculo fático, decorrente da origem comum das lesões.

Rodolfo de Camargo Mancuso, ao apresentar as notas essenciais dos direitos difusos,

arremata da seguinte maneira: a indeterminação dos sujeitos, a indivisibilidade do objeto, a

intensa conflituosidade, a duração efêmera, contingencial. A conflituosidade intensa

corresponde à conflitos entre os titulares dos direitos, eis que não podem ser partilhados e

atribuídos a cada qual. Por sua vez, no que diz com a duração efêmera, corresponde à sua

modificação no tempo e no espaço, não possuindo grande estabilidade, exatamente por

derivarem de situações contingenciais e não de relações pré-definidas. 15

Pode-se citar como exemplos de violação a interesses difusos: a poluição do ar

atmosférico, a colocação no mercado de consumo de alimento estragado, circulação de

medicamento adulterado, entre outros.16

15 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: conceito e legitimação para agir. 6. ed. rev., atual. ampl. São Paulo: RT, 2004, p. 93-106. 16 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 311

20

1.2.2 Direitos Coletivos Stricto Sensu

A definição legal dos direitos ou interesses coletivos em sentido estrito, encontra-se

estampada no artigo 81, II, do CDC, in verbis:

Art, 81.[...]

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

A partir do conceito legal apresentado, verifica-se que os direitos coletivos stricto

sensu apresentam como características a transindividualidade, a indivisibilidade, ambas as

características já analisadas por ocasião da apresentação dos direitos difusos, portanto, comum

a ambas as espécies, diferindo, portanto, no que diz respeito à determinação dos sujeitos,

presente no direito coletivo, eis que os seus titulares são sujeitos determinados ou

determináveis. Ademais, ligam-se entre si por relação jurídica e não apenas fática, como

ocorre com os difusos.

Nesse viés, Vigliar conceitua os direitos coletivos em sentido estrito como:

Os interesses que compreendem uma categoria determinada, ou pelo menos determinável, de pessoas, dizendo respeito a um grupo, classe ou categoria de indivíduos, ligados por uma mesma relação jurídica base (ou básica, como preferem alguns autores), e não apenas por meras circunstancias fáticas, como acontecia nos interesses difusos. 17

Utilizando-se de outras palavras, as lições de Kazuo Watanabe18 esclarecem a

questão, razão pela qual serão transcritas:

Mesmo sem organização, os interesses ou direitos “coletivos” apresentam tal nível de homogeneidade que, independentemente de sua harmonização formal ou amalgamação pela reunião de seus titulares em torno de uma entidade representativa, passam a formar uma só unidade, tornando-se perfeitamente viável, e mesmo desejável, a sua proteção jurisdicional em forma molecular.

17 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Interesses Individuais Homogêneos e seus aspectos polêmicos. São Paulo, Saraiva,2003, p. 22. 18 WATANABE, Kazuo. Demandas coletivas e os problemas emergentes da práxis forense. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). As garantias do cidadão na Justiça. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 189.

21

Em que pesem as semelhanças entre os direitos difusos e os coletivos em sentido

estrito, consistentes na transidividualidade, ou meta-indvidualidade, bem como na

indivisibilidade do seu objeto, as diferenças são marcantes e se dão no campo da

determinação dos sujeitos e da relação que os une, jurídica e não apenas fática, como ocorre

nos direitos difusos.

Traçando-se, portanto, um paralelo entre os direitos difusos e os coletivos, resulta

que os traços diferenciadores das duas categorias de direitos transindividuais consistem na

determinabilidade dos sujeitos e na existência de relação básica a uni-los19, entre si ou com a

parte contrária, presentes apenas nos direitos coletivos.

Exemplo bastante ilustrativo da configuração de direitos coletivos em sentido estrito

ocorre na hipótese de um grupo de pais reclamando de abusos no reajuste das mensalidades

escolares.

São vários os sujeitos, configurando, desse modo, a transindividualidade; o direito em

si é indivisível; os sujeitos são determinados ou determináveis e existe a relação jurídica base,

que se dá entre os pais e o colégio.

1.2.3 Direitos Individuais homogêneos

Por fim, a espécie de direitos coletivos em sentido lato que mais interessa aos limites

deste estudo monográfico, consiste nos denominados direitos individuais homogêneos, que

apresentam como primeira característica, como o próprio nome indica, a individualidade.

A definição legal dos direitos ou interesses individuais homogêneos se encontra

prevista no CDC, em seu artigo 81, in verbis:

A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo:

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os de origem comum.

19 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. O acesso do consumidor à Justiça no Brasil. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 16, p. 22-28, out./dez. 1995, p. 24.

22

Importante trazer à baila definição doutrinária esposada por Dinamarco:

Os interesses individuais homogêneos são divisíveis, passiveis de ser atribuídos e proporcionalmente a cada um dos indivíduos interessados (que são identificáveis), sendo essa sua grande diferença com os interesses difusos e coletivos (estes sim indivisíveis). Como já dito, essa indivisibilidade é objeto do pedido e não da causa de pedir.20

Válidas as lições de Motauri Ciocchetti de Souza, pela sua completude:

Podemos definir interesses individuais homogêneos como aqueles que dizem respeito a um número determinável de pessoas, titulares de objetos divisíveis e que estão ligadas entre si por um vínculo fático, decorrente da origem comum das lesões [...] a divisibilidade implica poder saber perfeitamente qual lesão individualmente sofrida pela pessoa, de forma que a reparação do dano pode ser feita caso a caso, ao contrario do que ocorre nos interesses difusos ou coletivos, quando a solução do problema beneficiará indistintamente a todos. Mercê da divisibilidade do objeto, os interesses individuais homogêneos – ao reverso do que acontece com os difusos e coletivos - continuam a ser individuais, podendo, em conseqüência, ser tutelados em ações movidas pelos próprios interessados, sem embargo de também poderem ser defendidos coletivamente.21

Ao contrario das espécies retro-apontadas, o direito individual homogêneo situa-se,

portanto, na esfera individual da pessoa, porém possui origem comum, característica o inclui

na seara coletiva. Assim, nas ações coletivas envolvendo direito individual homogêneo, os

sujeitos são determináveis, representados pelo legitimado ativo.

Apesar se traduzir em direito que visa reparar danos causados a pessoas

individualmente consideradas, reveste-se de suma importância, pela dispersão generalizada do

dano, o que o torna de interesse público. É, pois, direito individual, mas homogêneo, uma vez

que atinge várias pessoas, tornando-se sua defesa coletivizada útil para grande número de

indivíduos.

A partir da relevância do direito individual homogêneo é que se vai aferir a

importância social de que se reveste e a consequente legitimidade ou não do Ministério

Público para defendê-los.

20 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p.60. 21 SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Ação Civil Pública e Inquérito Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 10-11.

23

Considera-se que os direitos individuais homogêneos terão relevância social quando,

considerados em sua projeção coletiva, segundo Cavarielli Filho “passam a ter significado de

ampliação transcendental”.22

Ademais, possui por característica a divisibilidade, que significa a possibilidade de

determinação de valores/quantias diferenciadas para os titulares do direito tutelado pela ação

coletiva, de acordo com o caso concreto, do mesmo modo que ocorreria se ingressassem com

ações individuais.

Assim, é marcado pela divisibilidade, inversamente do que ocorre com os interesses

difusos e coletivos em sentido estrito, indivisíveis. Portanto, é a divisibilidade é que o

diferencia do direito coletivo, onde os sujeitos também são determinados ou determináveis,

porém, no direito coletivo, o direito é indivisível. Disso decorre que, apesar de ser possível

sua defesa coletiva, a ação que o tutele terá aspectos estritamente individuais, daí a razão pela

qual a divisibilidade é das principais características do direito individual homogêneo,

distanciando-o do direito coletivo stricto sensu.

Mancuso aponta as dessemelhanças entre as três espécies de direitos coletivos:

Enquanto nos interesse difusos e coletivos em sentido estrito o caráter coletivo lhes integra a própria essência, diante da indivisibilidade e os sujeitos são, em principio, indetermináveis, do outro lado a essência dos interesses individuais homogêneos é individual (como o próprio nome diz). Por isso alias, os dois primeiros são tidos como essencialmente coletivos, enquanto que o ultimo é acidentalmente coletivo.23

Importante destacar ainda que, nos interesses coletivos stricto sensu, a relação jurídica

base entre os membros do grupo ou com a parte contrária é preexistente, ao passo que nos

interesses individuais homogêneos a relação surge em momento posterior à circunstância

fática e é estabelecida com a parte contrária.24

No tocante à defesa coletiva dos interesses individuais homogêneos, Cavalieri Filho

assim se pronuncia:

Na verdade, não são direitos coletivos; são individuais por natureza, tanto assim que seus titulares podem ser determinados (singularizados) e o seu objetivo é divisível. Recebem, no entanto, tratamento jurídico equivalente aos interesses e direitos coletivos em função da origem comum [....] A homogeneidade e a origem comum

22 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p.314. 23 MANCUSO, Rodolfo de Camargo apud DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p.69. 24 LOUREIRO, Caio Márcio. Ação Civil Pública e o Acesso à Justiça. São Paulo: Método, 2004, p. 149.

24

são, portanto, os requisitos para o tratamento coletivo dos direito dos direitos individuais. 25

Na mesma esteira, os ensinamentos de Nery Junior:

São direitos individuais cujo titular é perfeitamente identificável e cujo objeto é divisível e cindível. O que caracteriza um direito individual homogêneo é sua origem comum. A grande novidade trazida pelo CDC no particular foi permitir que esses direitos individuais pudessem ser defendidos coletivamente em juízo. Não se trata de pluralidade subjetiva de demandas (litisconsórcio), mas de uma única demanda, coletiva, objetivando a tutela dos direitos individuais homogêneos. A ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos é, grosso modo, a class action brasileira. 26

O interesse comum será, portanto, o grande sustentáculo para a atuação do Ministério

Público na defesa dos interesses individuais homogêneos, eis que caracterizará a relevância

social e conseqüente legitimidade do parquet para defendê-lo em juízo.

Apesar das diferenças outrora apontadas, ressalte-se que, na prática, não existe uma

fronteira bem definida entre as três espécies que compõem o gênero do direito coletivo,

podendo muitas vezes se confundir entre si. Como bem explica Loureiro: “Interessante notar

que algumas situações podem gerar simultaneamente interesses difusos, coletivos e

individuais homogêneos, de forma a justificar uma única ação civil pública com cumulação de

pedidos e de causa de pedir (remota ou próxima)”.27

Ao traçar as diferenças entre as espécies, Dinamarco aborda a dificuldade de

configuração:

Os interesses difusos e os coletivos têm em comum a circunstância de o objeto de ambos ser indivisível. Mas na primeira categoria de titulares são indetermináveis, ligados por circunstância de fato, enquanto os coletivos dizem respeito a grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, ligadas entre si ou à parte contrária pela mesma relação jurídica-base. [...] Os interesses difusos e os individuais homogêneos sempre têm origem em circunstâncias fáticas comum. Mas no primeiro caso os interesses dizem respeito a titulares indetermináveis e objeto indivisível, enquanto no segundo os titulares são determináveis e o objeto divisível. Essa é a distinção entre os interesses mais fácil de se fazer. [...] A maior divergência pratica existe na distinção entre individual homogêneo e coletivo em sentido estrito. Ambos reúnem pessoas determinadas ou determináveis. Mas enquanto o objeto daquele é divisível e tem origem comum, o interesse coletivo é indivisível e tem origem numa mesma relação jurídica-base. [...] Resumindo, eis um bom critério

25 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 309. 26 NERY JÚNIO apud CAVALIERI, S. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo:Atlas, 2008, p.309.. 27 LOUREIRO, Caio Márcio. op.cit., p.151.

25

didático para essa distinção. Se o objetivo for divisível, o interesse será sempre individual homogêneo. Já se for indivisível, poderá ser difuso ou coletivo em sentido estrito. Neste caso, deverá ser analisado sujeito, pois se ele for indeterminável, o interesse é difuso; sendo determinável, o interesse é coletivo... Às vezes o mesmo fato da origem a interesses meta individuais das três espécies. Em função do pedido postulado é que a distinção poderá ser identificada. 28

Exemplo bastante elucidativo, acerca da questão, encontra-se na obra de Cavalieri

Filho, dando conta de situação em que, um único caso, podem ser vislumbradas as três

espécies de direito coletivos.29

Trata-se de um contrato bancário que estabelece cláusula especial de foro – comum

em muitos contratos – porém que, nesse caso, configurava-se abusiva, por conter excessiva

onerosidade para o cliente do banco. O Ministério Público, ao tomar conhecimento do caso,

requer seja declarada a ilegalidade da referida cláusula, bem assim sua exclusão de todos os

contratos e não apenas daquele que o banco venha oferecer para o consumidor.

A cláusula ilegal não pode ser considerada apenas ilícita no contrato específico

firmado entre o banco e o cliente, mas em todos os contratos que a incluam. Dessa feita, com

fundamento na prevenção do ilícito, é possível pleitear em juízo que referida cláusula não seja

incluída em nenhum outro contrato ou que seja considerada não escrita, quando presente.

Neste aspecto, fica caracterizada a defesa de um direito difuso, que visa proteger o interesse

de todos, de forma geral, não sendo possível determinar a quem o direito aproveitará de forma

especifica.

Por sua vez, em relação aos que já tivessem assinado o contrato com o banco, o pedido

se daria no sentido de compelir o banco a realizar um aditamento, corrigindo a cláusula

considerada ilegal e o remetendo a cada cliente consumidor que assinou o contrato original.

Nesse caso, a providência caracteriza a defesa de um interesse coletivo, onde se faz possível

determinar o grupo de pessoas a quem esse direito será proveitoso, em virtude de

encontrarem-se ligadas entre si por uma relação jurídica, o contrato firmado com o banco. O

pedido do Ministério Público consistiria na condenação genérica em favor de todas as pessoas

que assinaram o contrato contento a cláusula abusiva referente à eleição de foro.

Uma vez procedente a aspiração do parquet, o consumidor lesado que, por exemplo,

ajuizou ação no foro eleito pelo banco e experimentou prejuízos desse fato, promoverá a

liquidação da sentença, caracterizando o direito individual homogêneo que, consoante dito

28 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 66-67. 29 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 310

26

anteriormente, possui com uma de suas características a divisibilidade, traço diferenciador do

direito coletivo stricto sensu.

Leciona, ainda, Cavalieri Filho que “[...] é o pedido que irá definir quando será um

interesse difuso, coletivo stricto sensu ou individual homogêneo”.30

Verifica-se, contudo que, em se tratando de violação que atinja, a um só tempo,

direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, mais fácil será

convencer os operadores do direito acerca da legitimidade do Ministério Público para a defesa

coletivizada, que importará em tutela, a um só tempo, das várias espécies de direitos coletivos

em sentido estrito.

Contudo, o que interessa ao âmbito deste trabalho é a verificação da legitimidade ativa

do parquet na defesa de interesses individuais homogêneos, quando configurados

isoladamente, assunto que será abordado no próximo capítulo, ao qual se remete o leitor.

30 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 310.

27

CAPÍTULO II - LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A

DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

2.1 HISTÓRICO DA DEFESA DOS INTERESSES COLETIVOS NO BRASIL

Com base nos apanhados históricos levantados no decorrer deste estudo, cumpre

informar que o primeiro diploma a versar acerca de direitos coletivos em sentido amplo foi a

Lei 4717/65, Lei da Ação Popular.

Na sequência, a Lei Federal n. 6.938, de 1981, referente à Política Nacional do Meio

Ambiente, marca o início da preocupação mais efetiva dos legisladores pátrios com a defesa

dos direitos coletivos em sentido lato. Representou, ainda que forma tímida, o início de

mudança de visão na tutela de direitos, de individual para coletivizada, atribuindo

legitimidade ativa ao MP para promover a responsabilização do causador de danos ao meio

ambiente. Consistiu, porém, apenas no começo da participação do Estado na defesa de

interesses transindividuais e demonstrou a necessidade de mecanismos processuais mais

eficientes para a efetiva proteção dos direitos coletivos.

Entretanto, profunda revolução pode ser sentida, no tratamento dos direitos

transindividuais, com a edição da Lei n. 7.347/85, denominada Lei da Ação Civil Pública,

seguida pela promulgação da Constituição Federal de 1988 e pela Lei n. 8.078/90, Código de

Defesa do Consumidor.

Consoante apontamentos de Ricardo Castilho:

A defesa judicial de interesses e direitos coletivos lato sensu se dá por meio de três ações principais: a ação popular, o mandado de segurança coletivo e a ação civil pública. As duas primeiras são remédios constitucionais assegurados pelo art. 5º da CF, constituindo, pois verdadeiras garantias do individuo e da sociedade. Já a ação civil pública esta prevista no art. 129, III, da CF, sendo, portanto, instrumento de atuação do Ministério Público para a defesa dos direitos transindividuais. Como decorrência do tratamento constitucional reservado a cada uma destas ações, a LACP mostra-se o instrumento processual mais apto à defesa dos referidos interesses, seja por legitimação de causa nativa, seja pelos bens jurídicos que tutela.31

31 CASTILHO, Ricardo. Acesso a Justiça. Tutela Coletiva de Direitos Pelo Ministério Público: Uma Nova Visão. São Paulo: Atlas, 2006, p. 103.

28

O ordenamento jurídico brasileiro deu um enorme passo no sentido de melhor tutelar

os interesses difusos em sentido estrito, a partir da edição da Lei da Ação Civil Pública,

vigente até o momento e que representa o grande instrumento de atuação dos legitimados

ativos, em especial do Ministério Público, no desenvolver do seu mister de proteção ao

interesse público.

Outro grande avanço foi a Constituição Federal de 1988, que trouxe em seu bojo

grandes inovações na tutela de direitos transindividuais, destacando-se a criação de novos

instrumentos processuais, a exemplo do mandado de segurança coletivo, previsto no artigo 5º,

LXX; do mandado de injunção – art. 5º, LXXI, bem como da ampliação do alcance da ação

popular, art. 5º, LXXIII e da consolidação, em seio constitucional, da ação civil pública,

contida no art. 129, III.

Antônio Rizatto Nunes afirma que:

A ampliação posta na carta de 1988 foi conseqüência natural da consolidação do Estado Democrático de Direito, que demanda a necessidade de existência de um órgão, como o Ministério Público, capaz de zelar pelo pleno exercício da cidadania, o que, claro, impõe amplo controle de todas as normas do sistema jurídico brasileiro.32

A utilização da Lei da Ação Civil Pública, paulatinamente, passou a ser ampliada, em

virtude da edição de novos diplomas legais disciplinadores de direitos transindividuais

específicos, a exemplo da lei que dispõe sobre a proteção à pessoa portadora de deficiência,

do diploma que trata da defesa coletiva dos investidores no mercado de valores imobiliários,

do Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre outros.

Avançando na tutela e proteção dos interesses transindividuais, o Código de Defesa do

Consumidor completou todo o trabalho legislativo, ampliando significativamente o âmbito de

incidência da LACP, de modo a abranger todas as espécies de direitos difusos e coletivos, ao

tempo em que disciplinou a terceira espécie de direito coletivo em sentido lato, o denominado

direito individual homogêneo, que, apesar de individual, importa sua defesa coletivizada por

se traduzir em interesse social.

De os diplomas legais apontados, o Código de Defesa do Consumidor se destaca, em

especial na medida em que incluem, expressamente, dentre os direitos coletivos, aqueles

denominados de individuais homogêneos, atuando, a partir dos instrumentos criados pela

32 NUNES, Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 739.

29

LACP, na defesa do interesses transindividuais e concedendo legitimação ativa ao parquet

para a desenvolvimento de seu mister de guardião do interesse público e dos direitos sociais.

Não se pode olvidar da contribuição ofertada pelo direito ambiental na formulação dos

diplomas legais protetivos dos direitos coletivos em sentido amplo. Foi a preocupação com o

meio ambiente – como o ar atmosférico, rios, florestas, etc. – que levou o legislador a elaborar

leis tendentes a tutelar esses patrimônios de maneira mais efetiva. A origem da tutela dos

direitos transindividuais, especialmente dos direitos difusos, está, portanto, fortemente

relacionada com o direito ambiental, que representa mais claramente o que vem a ser um

direito que pertence, ao mesmo tempo, a todos e a ninguém individualmente, razão pela qual

não se pode identificar seus titulares, tampouco proceder à divisibilidade.

Observa-se, portanto, que o caminho trilhado pelo constituinte e pelo legislador

ordinário aponta no sentido de se buscar, de maneira cada vez mais ampla, a tutela dos

direitos coletivos já reconhecidos e dos que ainda estão por vir, no decorrer da evolução da

sociedade.

2.2 ANÁLISE DAS DIVERGÊNCIAS ACERCA DA PARTICIPAÇÃO DO MP NAS

AÇÕES COLETIVAS DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

O Código de Defesa do Consumidor é considerado o primeiro diploma legal a

reconhecer expressamente a necessidade de tutela coletiva dos direitos individuais

homogêneos.

De se salientar, contudo, que, anteriormente, a Lei 7.913/89 havia tratado acerca do

tema apenas superficialmente.33

Portanto, antes do advento da Lei 8.078/90 - CDC, a lei brasileira conhecia a

possibilidade de defesa de interesses individuais homogêneos, referentes à Lei 7.913/89, que

se dedicava a tutela dos interesses dos investidores do mercado de valores imobiliários.

33 AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e sua execução. São Paulo: Dialética, 2002, p. 51. Nota Explicativa: A Lei 7913, de 7 de dezembro de 1989, já previa uma espécie de ação coletiva, com objeto mais limitado (dai a importância do CDC), voltada à tutela preventiva e ressarcitória dos investidores no mercado de valores imobiliários, por danos sofridos nessas operações (inegavelmente direitos individuais homogêneos).

30

Porém, esta lei teve aplicação pouco expressiva e foi somente com o diploma consumeirista

que a tutela dos direitos individuais homogêneos passou a receber maior significância no

ordenamento pátrio.

Portanto, no artigo 82, do CDC, houve atribuição expressa ao Ministério Público da

legitimidade para defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Apesar da previsão legal, grande celeuma cerca a questão da legitimidade do

Ministério Público para a tutela coletiva dos interesses individuais homogêneos.

As controvérsias devem-se, em grande parte, ao fato de que a Constituição Federal, ao

abordar as atribuições do Ministério Público, não ter incluído expressamente, no rol dos

direitos tutelados, os individuais homogêneos, aponta apenas os individuais indisponíveis.

Diante disso, não existe posicionamento pacífico na doutrina e jurisprudência

brasileira acerca do assunto.

Alguns doutrinadores entendem ser legitima a defesa pelo Ministério Público dos

interesses individuais homogêneos, em todos os casos em que se verifique relevância social,

ao passo que outros se posicionam pela ilegitimidade completa, ou seja, não deteria

legitimidade em nenhuma hipótese. Há, ainda, os que compreendem ser possível a

legitimação ativa do parquet apenas nos casos que envolvessem direitos consumeristas, em

razão da previsão específica do CDC.

A jurisprudência e a doutrina, de modo geral, têm recepcionado bem as ações

fundadas em interesses difusos ou coletivos (quanto a interesses difusos é pacifica a

legitimidade do Ministério Público para propor ações), no tocante a direitos individuais

homogêneos há ainda divergências. Principalmente na preocupação que desperta para que o

parquet atenha-se apenas aos interesses individuais homogêneos que tenham relevância para a

sociedade.

Além da problemática da ausência de previsão constitucional, já aludida, a LACP

também se restringe a mencionar “defesa de direitos difusos e coletivos”, não se referindo,

portanto, expressamente, aos direitos individuais homogêneos.

Foi apenas o CDC, conforme apontado anteriormente, que incluiu em seu corpo a

espécie interesses individuais homogêneos, previsão justificadora do posicionamento dos que

defendem a idéia de que os direitos individuais homogêneos são passiveis de tutela pelo

parquet, apenas na seara consumerista.

31

Em consonância com a Carta Magna, o legislador nacional editou a Lei Orgânica

Nacional do MP, Lei nº 8.625 de 12/102/93, que, em seu artigo 25, inciso IV, alínea a, afirma

que: é atribuição do Ministério Público a promoção do inquérito civil e da ação civil pública

para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.

Para melhor compreensão, vale a transcrição parcial do referido dispositivo:

Art. 25. Além das funções previstas nas constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

[...]

Para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.

Mesmo diante do diploma regulamentador das atribuições do Ministério Público, há

ainda os que sustentem que os dispositivos constitucionais referentes ao parquet não

autorizam a sua atuação na defesa de interesses individuais homogêneos, a não ser quando

indisponíveis, como afirma a Lei 8.625/93, e consideram inconstitucional toda a legislação

infraconstitucional que autoriza a defesa de direitos individuais disponíveis.34 Para essa

corrente, o MP, no âmbito civil, não tem a função de defender direitos individuais, apenas os

difusos e coletivos, sendo essa a delimitação de atribuições cometida pela Constituição de

1988.

Em sentido diametralmente oposto, Castilho, o qual entende que as atribuições

constitucionais devem ser interpretadas extensivamente, assim se posiciona:

Tachar de inconstitucionais leis que admitem a tutela coletiva de direitos individuais disponíveis por parte do MP significa jogar por terra toda uma evolução do ordenamento brasileiro no sentido de um acesso à justiça mais efetivo, sob o argumento infundado de que não há permissão constitucional explicita para essa atuação

.35

Adotando a corrente da necessidade da relevância social para atuação do órgão

ministerial na defesa dos interesses individuais homogêneos, Pedro Dinamarco se posiciona:

Assim como nos Estados Unidos, não é previamente determinado um número mínimo de pessoas que teriam de estar sendo tuteladas nesta ação civil pública. Precisa haver, apenas, uma relevante repercussão social que justifique a outorga de legitimidade extraordinária aos co-legitimados. Interessante critério utilizado na

34 CASTILHO, Ricardo. Acesso à Justiça. Tutela Coletiva de Direitos Pelo Ministério Público: Uma Nova Visão. São Paulo: Atlas, 2006, p.136. 35 Ibidem.

32

class actions impõe que seja demonstrado que a defesa coletiva mostra-se no caso concreto, mais vantajosa que a defesa individual por cada um dos interessados ou que a defesa individual seria inviável. 36

Nos casos em que se aceite a atuação do parquet nos interesses individuais

homogêneos, a legitimidade será extraordinária, sendo caso de substituição processual. Por

sua vez, versando a ação acerca de direitos coletivos stricto sensu e difusos não se trata de

substituição processual, eis que as entidades elencadas no artigo 82 do CDC, relevando-se o

parquet na mais atuante, recebem da lei legitimidade autônoma para agir, especialmente

devido à característica de indivisibilidade do objeto, atinente a esses direitos.37

O problema posto, portanto, está em saber se ação coletiva com vistas a proteger direitos

individuais homogêneos está incluída na expressão ‘outros interesses difusos e coletivos’, já

que direito individual homogêneos é uma das espécies de direito coletivo em sentido lato.38

Cabe aos operadores do direito buscar dirimir as dúvidas que cercam o assunto, a fim de

evitar decisões conflitantes, como as que se observa ao longo dos diferentes Estados.

2.2.1 Legitimidade do Ministério Público para a defesa de Direitos Individuais

Homogêneos, sob a ótica da Constituição Federal

Dispõe o artigo 127 da Constituição Federal, in verbis:

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica democrática e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Os direitos indisponíveis devem ser entendidos como aqueles em que seus titulares

não possuem qualquer poder de disposição, como por exemplo, o direito à vida. Abrangem

os direitos da personalidade, os referentes ao estado e à capacidade da pessoa. São

irrenunciáveis e em regra intransmissíveis. Isto quer dizer que é dever do MP zelar por todo

36 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 61. 37 NUNES, Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.735-336 38 Ibidem, p.738

33

interesse indisponível, quer relacionado à coletividade em geral, quer vinculado a um

indivíduo determinado.39

Por sua vez, na atribuição das diversas funções do Ministério Público, prescreve o

artigo 129, III:

Art. 129.

[...]

III. Promover o inquérito civil e a ação civil publica, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Ambos os dispositivos da Constituição Federal de 1988, portanto, conferem

legitimidade ao Ministério Público para se utilizar dos instrumentos legais disponíveis na

defesa dos direitos difusos e coletivos, porém não lhe confere exclusividade e também não

restringe o âmbito da Ação Civil Pública aos interesses difusos e coletivos, em exclusão aos

interesses individuais homogêneos.40

Cabe interpretação extensiva acerca da expressão “interesse coletivo”, buscando a

mens legis, ou seja, a intenção do legislador em incluir os direitos individuais homogêneos

com relevância social. Estes direitos constituem espécie do gênero direito coletivo.

No momento de elaboração da Constituição a expressão “direito individual

homogêneo” não era utilizada, praticamente não era conhecida na época, no ordenamento

jurídico pátrio, vindo a ser utilizada pela primeira vez no Código de Defesa do Consumidor.

Sendo assim, não teria como ser utilizada no diploma constitucional. 41

É cediço que é função do Ministério Público contribuir para a defesa da ordem social,

fiscalizando os três poderes, buscando defender a saúde, a educação, o meio ambiente, as

crianças e adolescentes, enfim, os direitos atinentes à sociedade como um todo. Assim, com

supedâneo nos preceitos constitucionais, deve ser reconhecida ao parquet a legitimidade para

tutelar questões envolvendo interesses individuais homogêneos – desde que possuam

relevância social – porque, na verdade, pouco se diferenciam dos direitos coletivos stricto

sensu, restrita ao caráter de divisibilidade.

39 BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria da República no Estado do Mato Grosso do Sul. Disponível em: <www.prms.mpf.gov.br/acessibilidade/inst/Definicao.ht>. Acesso em: 02 mar. 2009. 40 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p.70. 41 Ibidem p. 214

34

2.2.2 Legitimidade do Ministério Público para a defesa de Direitos Individuais

Homogêneos, sob a ótica da Lei da Ação Civil Pública

O mesmo exercício de hermenêutica se deve fazer ao analisar a questão da

legitimidade do Ministério Público na promoção e defesa dos interesses individuais

homogêneos, a partir dos dispositivos constantes da Lei da Ação Civil Pública – LACP. Esta

lei - muito importante no ordenamento jurídico brasileiro - ampliou consideravelmente o

campo de atuação do Ministério Público, mesmo antes da Constituição Federal, tendo sido

perfeitamente recepcionada.

Dispõe, em seu artigo 1º, IV:

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por anos morais e patrimoniais causados:

[...]

IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

Os que são favoráveis à legitimidade do Ministério Público, entendem que, na

expressão ”interesse coletivo”, cabe interpretação mais abrangente, extensiva, englobando

também os direitos individuais homogêneos.

Para os que se manifestam contrariamente a esse entendimento, a legitimidade não

deve ser atribuída, vez que entendem que a defesa de interesses individuais homogêneos não

faz parte do rol de suas atribuições do Ministério Público. Ademais, afirmam que esses

direitos não estão expressamente previstos na lei, sendo problema de cunho individual, não

configurando atribuição do parquet.

Entretanto, verifica-se que grande parte da doutrina entende legítima a participação do

Ministério Público na defesa dos direitos individuais homogêneos e, mais uma vez, a

fundamentação é encontrada pela via exegética, calcada na interpretação mais adequada e

consentânea dada ao texto da lei, buscando-se a intenção do legislador ao elaborar a LACP,

ocasião em que se encontra justificativa para o posicionamento favorável à interpretação mais

abrangente da expressão “direito coletivo”.

Dessa feita, à época da edição da LACP, bem como da promulgação da Constituição

Federal, não era recorrente, à época, a expressão “direito individual homogêneo”, razão pela

qual não constaram dos aludidos diplomas. Não havia, portanto, como o constituinte inserir

35

tal expressão na Constituição, muito menos o legislador da LACP, já que foi editada em

1985.

Portanto, salvo para alguns poucos profissionais, focados nas demandas coletivas, o

conceito de interesses individuais homogêneos não tinha nenhum significado para a maioria

dos operadores do Direito, justificando-se a ausência de previsão da expressão na LACP e na

Constituição Federal.

Os ordenamentos jurídicos de vários países estão em constante evolução e pode-se

afirmar que, via de regra, sofrem mudanças para melhor, com o seu aperfeiçoamento. O

reconhecimento da legitimidade do parquet para a defesa dos interesses ou direitos

individuais homogêneos deve ser considerado como uma dessas evoluções, pelo qual o

ordenamento brasileiro esta permanentemente se adaptando.

Destaca Dinamarco que:

A Constituição não influencia a ação civil pública apenas por meio daquela mera previsão contida no inciso III, do art. 129. Na verdade, a ação civil pública decorre da busca da efetividade de outros princípios e garantias constitucionais, como o da igualdade, do acesso à justiça e do devido processo legal. 42

Lembre-se, contudo, que, mesmo dentre os que entendem consistir o MP em ente

legítimo para a defesa dos interesses individuais homogêneos, a maioria não é favorável à

defesa de todo e qualquer tipo de direito individual, mas apenas aqueles dotados de

homogeneidade e relevância social – de difícil mensuração, devendo-se utilizar o bom senso

– atuação que reverterá em grande utilidade para vários segmentos da sociedade.

A LACP traz ainda dispositivo expresso de proibição de defesa atinentes à tributos,

contribuições, dentre outros, senão veja-se:

Art. 6º

VI Não será cabível ação civil publica para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o fundo de garantia do tempo de serviço – FGTS, ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.

Nesses casos, pela vedação legal expressa, o instrumento da Ação Civil Pública não

poderá ser utilizado.

42 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p.70.

36

Entendendo-se como válida a legitimação do parquet, deve-se ter em mente que,

devido ao caráter de divisibilidade do objeto, os direitos individuais homogêneos – ao

contrário dos coletivos stricto sensu e dos difusos - continuam a ser individuais, o que importa

possam ser buscados pela via individual, em ações movidas pelos próprios interessados, ao

mesmo tempo em que podem ser tutelados de modo coletivizado, mediante a proposição de

ação coletiva pelo órgão ministerial ou por outro legitimado ativo.

A esse respeito, Dinamarco ressalta que:

Quando proposta uma ação civil publica para a defesa dos direitos ora tratados, há a necessidade de ser publicado edital para que os interessados (substituídos) possam intervir no processo como litisconsortes (CDC, art. 94). Na prática essa exigência é pouco respeitada, até porque sua ausência não gera nulidade absoluta. Havendo processos literalmente individuais em curso para a defesa dos mesmos interesses, não haverá litispendência, e o autor individual terá o prazo de trinta dias, a contar da ciência, para requerer a suspensão do seu processo, se quiser beneficiar-se da demanda coletiva (CDC, art. 104). Jose Marcelo Menezez Vigliar afirmou que o juiz deve sobrestar a demanda individual independentemente do requerimento da parte. 43

Portanto, revela-se perfeitamente possível a atuação do parquet na defesa de interesses

individuais homogêneos, mormente quando revelem especial interesse social, ao mesmo

tempo em que se o titular do direito supostamente violado pode propor ação individual.

Contudo, para gozar dos efeitos da decisão proferida na ação coletiva, que terá efeito erga

omnes, quando julgada procedente, o autor deve renunciar à ação individual, no prazo de até

trinta dias, contados da ciência nos autos do ajuizamento da ação titularizada pelo Ministério

Público.

2.2.3 Legitimidade do Ministério Público para a defesa de Direitos Individuais

Homogêneos, sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor

Por derradeiro, será analisada a possibilidade de se reconhecer a legitimidade do

Ministério Público para a defesa dos direitos individuais homogêneos a partir dos

dispositivos constantes da Lei n. 8.078/90, mais conhecida como Código de Defesa do

Consumidor. Conforme citado anteriormente, foi o CDC que cunhou, no âmbito legal, a

expressão “direitos individuais homogêneos”.

43 Ibidem, p.61- 62.

37

Acerca da legitimação para a defesa dos interesses individuais homogêneos, dispõe o

art. 81 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vitimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a titulo coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I. Interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindiviuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstancias de fato;

II. Interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que sejam titular grupo, categorias ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contraria por uma relação jurídica base;

III. Interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (Grifou-se).

Por sua vez, estabelece o art. 82 do CDC que serão legitimados concorrentemente

entre outros entes, o Ministério Público, que na prática constitui o órgão mais atuante; a

União, Estados, Municípios e o Distrito Federal; as entidades legalmente constituídas há pelo

menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos direitos protegidos

pelo Código, dispensada a autorização assemblear. Contudo, tendo em vista os objetivos

deste estudo, será analisada apenas a legitimidade do Ministério Público.

Ainda no CDC, encontramos o art. 91, constante do capítulo II, inteiramente dedicado

ao assunto “das ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos”. O

dispositivo em comento determina que:

Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vitimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo o disposto nos artigos seguintes.

Destaca, portanto, expressamente, a possibilidade de atuação dos legitimados ativos,

entre os quais se destaca o Ministério Público, propondo ação coletivas com vistas a obter a

reparação dos danos sofridos pelos titulares dos direitos coletivos em sentido lato.

Ademais, prescreve o artigo 98:

Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovido pelos legitimados de trata o art. 82, abrangendo as vitimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.

38

Da leitura do dispositivo retro-transcrito, alguns podem concluir, pelo fato da

expressão “direito individual homogêneo” ter sido prevista pela primeira vez pela Lei n.

8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, que a legitimidade do MP para defender esses

direitos deveria se restringir apenas à seara consumerista.

Em que pesem os posicionamentos isolados no sentido de se restringir aos direitos

oriundos das relações de consumo, não é esse o entendimento esposado pela maioria da

doutrina, que acredita, portanto, que a interpretação mais adequada e consentânea com as

necessidades sociais é aquela que parta de interpretação conjunta entre a LACP, a

Constituição Federal e o CDC, de modo a permitir a atuação ministerial na defesa dos

interesses individuais homogêneos, quando se revele adequada ao interesse social.

Corroborando com esse pensamento, Pedro da Silva Dinamarco afirma:

Por fim, discute-se muito na doutrina e na jurisprudência se a defesa desses interesses poderia dar-se em qualquer ação civil pública, ainda que não diga respeito ao consumidor. Muito frequentemente é negada a utilização dessa, v.g., a defesa de contribuintes. Entretanto, não há motivos relevantes para não se admitir também a proteção a essas outras questões, diante da interação do Código de Defesa do Consumidor com a Lei da Ação Civil Pública (CDC, art. 114; LACP, art. 17). 44

Assim sendo, segundo o autor, esses estatutos legais em nenhum momento restringem

a utilização dessa espécie de ação civil pública apenas em favor de consumidores; ao

contrário, uma interpretação sistemática indica uma aplicação genérica que não se restringe à

matéria.45 Indica, ainda, três doutrinadores, Helly Lopes Meirelles, Arnold Wald e Humberto

Theodoro Junior, que se posicionam contrariamente ao entendimento majoritário. Humberto

Theodoro Júnior assim expõe seu pensamento:

Se a própria lei 8.078 cuidou de definir como situações distintas as dos direitos ou interesses coletivos, difusos e homogêneos (no art. 110) só arrolaram interesses difusos e coletivos, evidente se manifestou a vontade de não estender a proteção a todo e qualquer agrupamento de direitos individuais homogêneos no campo da ação regulada pela lei 7.347/8.46

Considera, assim, Theodoro Junior que a Ação Civil Pública não se destina à proteção

dos interesses homogêneos e que o “novo” art. 21 (da LACP) não importa em permitir que se

44 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p.62 45 Ibidem p.63 46 THEODORO JÚNIOR, Humberto apud DINAMARCO. Idem, p. 63.

39

cuide, dentro do âmbito dessa lei, de demandar tutela para pretensões desses interesses que

tem objeto diverso e bem especificado.47

Na mesma linha de raciocínio, Souza afirma que o dispositivo em comento

expressamente assevera que a Ação Civil Pública tem por objetivo a tutela de interesses

difusos e coletivos. Em outras palavras, os interesses individuais – ainda que homogêneos –

não podem, em principio, ser tutelados por intermédio de mencionada ação. 48 Porém, logo

em seguida reconhece que: “contudo, como diz a máxima popular, toda regra comporta

exceção. [...] E, na hipótese, ela existe: interesses individuais poderão ser diretamente

tutelados por meio de ação civil pública quando esta for a forma para que, indiretamente, se

possa defender um interesse difuso ou coletivo. 49

Dessa feita, mesmo se posicionando contrariamente à legitimidade do MP para a

defesa dos interesses individuais homogêneos, Motauri de Souza, destaca essa exceção. É

opinião particular desse doutrinador.

Trazendo, por outro lado, referências a outras normas que regulam a matéria, a

exemplo da Lei Complementar n. 75/93, que disciplina as atribuições do Ministério Público

Federal, entende Pedro Dinamarco:

A Lei complementar n. 75, de 20 de maio de 1993 - em seu texto, afirma que seria atribuição do Parquet a propositura de “ação coletiva para a defesa de interesses individuais homogêneos”. (art. 6º, inciso XII). Outras normas legais também poderiam ser citadas. Entretanto muito se tem discutido na doutrina e jurisprudência a respeito da constitucionalidade dessas disposições legais, não havendo ainda um consenso.50

No entender de Cavalieri Filho, quando se tratar de interesses difusos, “o MP sempre

terá legitimidade para a tutela desses direitos e nos casos dos direitos coletivos Stricto Sensu e

individuais homogêneos, terá legitimidade sempre que houver interesse público ou social”.51

47 Ibidem, p. 59. 48 SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Ação Civil Pública e Inquérito Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005,pág 25. 49 Ibidem, p. 25. 50 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 212. 51 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p.312.

40

Portanto, resta evidente que, apesar de posicionamentos divergentes, a atuação do

Ministério Público não se restringe aos direitos difusos e coletivos em sentido estrito,

abarcando, de igual sorte, os individuais homogêneos, exigindo-se, apenas, no último caso,

que se encontre presente o relevo social da tutela.

2.3 ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS, APONTADOS PELA DOUTRINA E

JURISPRUDÊNCIA, ACERCA DA PARTICIPAÇÃO DO MINISTERIO PÚBLICO NAS

AÇÕES ENVOLVENDO INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Destaca-se como principal aspecto positivo verificado na participação do Ministério

Público na defesa dos direitos individuais homogêneos, o fato de que, toda vez que o parquet

atuar como autor da demanda, representando vários cidadãos a um só tempo, evitará várias

ações individuais versando sobre o mesmo fato. Evita-se, assim, uma pluralidade de

processos, que ocorreria se os interessados entrassem individualmente, com ações autônomas.

Ademais, grande parte da população brasileira sequer tem noção dos seus mais básicos

direitos, evitando seu acesso à Justiça por intermédio de ações individuais, que,

possivelmente, jamais serão propostas.

Por outro lado, ao se evitar um sem número de ações individualizadas, a atuação do

parquet pela via coletiva, ajudará, sobremaneira, no desafogamento do sobrecarregado

sistema judiciário brasileiro.

Motauri Ciocchetti de Souza traz exemplo bastante interessante:

Determinada fábrica de automóvel coloca no mercado dez mil unidades de um Veiculo “X” que apresenta um defeito no botão do rádio. Se não existisse a possibilidade de tutela coletiva de interesses individuais homogêneos, seriam dez mil clientes que adquiriram o veículo, insatisfeitos com dez mil lesões individuais do mesmo tipo e origem que possivelmente haveriam de ser tuteladas em milhares de ações individuais. Com a legitimidade do Parquet, para figurar como sujeito ativo, apenas uma ação bastaria para resolver o caso. As dez mil ações individuais teriam a mesma causa de pedir e o mesmo sujeito passivo – a montadora do veiculo - podendo-se resolver a questão com apenas uma ação, caracterizando assim uma racionalização dos serviços judiciários.52

52 SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Ação Civil Pública e Inquérito Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.12.

41

Outro exemplo bastante ilustrativo, do mesmo autor, seria o caso de uma determinada

marca de feijão colocar no mercado seu produto, que deveria ter 1 quilo, apresentando 990

gramas. Determinado consumidor percebe que havia esse problema e, obviamente, não

ingressaria em juízo, pela pequenez do direito. No entanto, o caso pode atingir muitos

consumidores e a tutela coletiva representa a solução mais adequada ao caso.

Sendo, assim, possível a tutela coletiva, no exemplo citado, os consumidores lesados

teriam um maior acesso à justiça, permitindo-se, assim, que pequenas lesões, vistas sob o

aspecto individual do consumidor, possam ser reparadas, obrigando-se o produtor à correção

do peso do produto, em benefício de todos os consumidores. O que pode ser um pequeno

ganho analisado sob a ótica individual, pode envolver valores altíssimos, conseguidos de

forma fraudulenta pela empresa que vende o produto.

Dessa feita, verificam-se o aspecto positivo mais relevante da legitimidade do

Ministério Público para a defesa dos direitos individuais homogêneos: democratizar o acesso

à justiça. Em sendo admitida a legitimidade do parquet para a defesa desses interesses,

acarretará diretamente uma melhor utilização do sistema judiciário, que analisa, em apenas

uma ação, caso que será relevante para grande número de pessoas.

Importante destacar, também, a vantagem de uniformização dos julgados, outro fator

importante a ser considerado. Ao analisar e emitir a sentença em uma única ação, evitam-se

decisões diferentes e conflitantes envolvendo a mesma questão.

Disso decorre a diminuição da quantidade de recursos aos Tribunais, por pessoas

insatisfeitas em verem sua pretensão negada enquanto outras, em igual situação, tiveram sua

pretensão de mérito aceita.

Nesse sentido, Vigliar comenta que:

Se os eventos têm uma origem comum, se todos os conflitos nascem de uma mesma causa que os gera, porque contraria o direito, então a defesa coletiva deve ser viabilizada para que se evitem decisões contraditórias e por vezes antagônicas acerca do mesmo problema

.53

Considera-se que a defesa desses interesses pelo MP gera democratização do acesso à

justiça – principio previsto na Constituição de 1988 – tornando efetivamente mais real para

muitas pessoas, quando vêem seus interesses defendidos pelo parquet, como ocorre no saco 53 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Interesses Individuais Homogêneos e seus aspectos polêmicos. São Paulo, Saraiva,2003, p. 54..

42

de feijão que, em termos econômicos, não valeria recorrer ao judiciário, possibilitando a

atuação coletiva a correção do problema.

Nesse sentido, Cavalieri Filho afirma que: “não se trata, obviamente, da proteção

individual, pessoal, particular, deste ou daquele consumidor lesado, mas da proteção coletiva

dos consumidores, considerada em sua dimensão comunitária e impessoal”.54

Outro fator positivo, mencionado por Castro Neves e citado por Ricardo Castilho

consiste: “A possibilidade dos interesses e direitos lesados serem defendidos

concomitantemente faz com que a correlação de forças entre os litigantes seja redimensionada

em beneficio da parte individualmente fraca”. 55

Resta caracterizado, portanto, nos casos em que for possível se ajuizar ações coletivas,

que a parte geralmente mais fraca da relação aufere grande vantagem quando tem seus

interesses defendidos por órgão de grande importância, como o Ministério Público. Nota-se,

no caso, real observância do principio da isonomia e ao acesso à Justiça.

No mesmo sentido, Castilho comenta que: a expressão acesso a justiça não significa

tão-somente o acesso ao poder judiciário, mas, mais que isso, também ‘o acesso a um

processo justo, o acesso ao devido processo legal, aquele conjunto de garantias de que

depende a viabilização dos demais direitos [...] Assim, percebe-se que a idéia de acesso à

justiça, hoje, significa não mais simplesmente o acesso à tutela jurisdicional do Estado. Mais

que isso, traduz a exigência de que a ordem jurídica seja justa e que o acesso seja

generalizado efetivo e igualitário.56

O fator negativo apontado, portanto contrário à legitimidade do parquet para a defesa

dos interesses individuais homogêneos, seria o possível abuso por parte de algumas pessoas,

ao se utilizar do MP para a defesa de algum caso concreto que não constitua interesse para a

sociedade, sendo relevante apenas a um único indivíduo ou um grupo pequeno, e que não teria

proveito para os demais cidadãos. Para esses casos, de interesses particulares, sem o caráter da

homogeneidade e relevância social, é que existem os advogados e os defensores públicos. Não

configura atribuição do parquet se ater a casos sem importância social, não sendo salutar a

atuação do órgão ministerial.

54 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p.14. 55 NEVES, Castro apud CASTILHO, Ricardo. Acesso a Justiça. Tutela de Direitos Pelo Ministério Público: Uma Nova Visão. São Paulo: Atlas, 2006, p.12. 56 Idem, 2006.

43

Expõe-se, a seguir, posicionamento contrario à participação do MP na defesa de

interesses individuais homogêneos. Segundo Mancuso:

O Ministério Público é uma instituição naturalmente voltada à perseguição de delitos ‘tradicionais’, comuns, mostrando pouca vocação quando se trata de delito de natureza econômica ou coletiva; [...] O Ministério Público estrutural e funcionalmente esta demasiadamente conexo ou subjacente à estrutura do poder estatal, para que dele se pudesse esperar a necessária autonomia a combatividade quando se trata de tutela aos interesses supra-individuais; [...] ao Ministério Público falta aparelhamento e infra-estrutura indispensáveis à tutela desses interesses especiais.57

Contudo, após a promulgação de 1988, pode-se observar um Ministério Público

completamente redesenhado, tanto no que diz respeito às atribuições cíveis, quando no que

atine à estruturação, em especial no âmbito do Ministério Público Federal. Mesmo na esfera

estadual, verifica-se o emprenho de muitos promotores que, ainda que a partir de

malabarismos, atuam efetivamente na tutela dos interesses transindividuais.

De se salientar que o posicionamento majoritário é o que acredita que está certamente

seja uma visão ultrapassada e que não corresponde à atual realidade brasileira, onde a atuação

do parquet para a defesa dos interesses transindividuais se mostra evidente, destacando-se,

sobremaneira, em relação aos demais legitimados ativos.

A defesa dos direitos coletivos em sentido lato pode ser efetivada por diversos

legitimados ativos, além do Ministério Público, a exemplo das associações civis e entes da

administração direta e indireta, porém:

A maior parte das ações civis publicas é proposta pelo Ministério Público [...] significa que na prática, se não fosse a atuação do Parquet, seriam mínimos os casos de defesa coletiva de interesses transindividuais, já que os demais legitimados para a propositura da ação não exercem tão ativamente esse papel [...] nesse sentido, sendo o principal defensor dos interesses transindividuais, deveria o Ministério Público ser atuante na defesa de todas as espécies de direitos desse tipo. Isso, porém, infelizmente ainda não ocorre como deveria.58

Interessante o posicionamento de Ricardo Castilho:

Para a administração direita ou indireta, a sobrecarga e falta de organização, em muitos casos, torna na pratica inviável sua atuação na tutela de direitos disponíveis,

57 MANCUSO, Rodolfo de Camargo apud CASTILHO, Ricardo. Acesso a Justiça. Tutela Coletiva de Direitos Pelo Ministério Público: Uma Nova Visão. São Paulo: Atlas, 2006.p.126. 58 CASTILHO, Ricardo. Acesso a Justiça. Tutela Coletiva de Direitos Pelo Ministério Público: Uma Nova Visão. São Paulo: Atlas, 2006, p. 29.

44

como são os individuais homogêneos e no caso das associações, apesar de serem eficientes não são suficientes, pois só são legitimadas as associações cujo objeto social seja a defesa do direito a ser adquirido. Resta então a atuação do Ministério Público que apesar de muitos considerarem que haja uma sobrecarga de funções sobre este órgão, ocorre que já existe no mesmo, uma especialização para a tutela de direitos transindividuais, o que o torna não só competente, como também o principal atuante para a defesa desses direitos.59

Aponta, contudo, o aludido autor que o problema está no fato de que o parquet, por

intermédio de suas câmaras ou promotorias especializadas, defende majoritariamente direitos

difusos e coletivos, deixando a tutela dos direitos individuais homogêneos restritos ao âmbito

do direito do consumidor. Nesse aspecto, acaba por se configurar a limitação ao acesso à

justiça, que pode ser solucionada com a adoção de uma interpretação da norma legal que torne

admissível a tutela de direitos individuais homogêneos, mesmo fora do âmbito consumerista,

por parte do Ministério Público, que representa o mais isento dos entes legitimados, e que tem

como objetivo a busca por um efetivo acesso a uma ordem jurídica justa.60

Nas divergências existentes acerca da legitimidade do Ministério Público para a

defesa dos direitos ou interesses individuais homogêneos, verifica-se, portanto, a existência

de vários aspectos positivos e alguns poucos negativos. Diante disso, devem ser prestigiados

os pontos favoráveis a essa autuação, eis que se sobressaltam em relação aos negativos,

evidenciando-se, assim, o respeito aos princípios constitucionais da isonomia e do acesso à

justiça, ainda que restrita aos casos em que se revê o interesse social.

59 CASTILHO, Ricardo. Acesso a Justiça. Tutela Coletiva de Direitos Pelo Ministério Público: Uma Nova Visão. São Paulo: Atlas, 2006, p.30. 60 Ibidem.

45

CAPÍTULO III - PROCEDIMENTO DA LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO

DE SENTENÇAS NAS AÇÕES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEAS

3.1 O PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO NAS AÇÕES INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEAS

Partindo-se do pressuposto de que a legitimidade do Ministério Público na defesa dos

interesses individuais homogêneos é medida necessária, ainda que limitadas pelo interesse

social, cumpre analisar as especificidades da liquidação dos títulos judiciais obtidos no âmbito

das ações coletivas.

Assim sendo, nos casos de procedência do pedido nas ações coletivas para a defesa de

direitos individuais homogêneos, a condenação será realizada de forma genérica,

responsabilizando-se o réu pela reparação dos danos causados, nos termos do artigo 95 do

Código de Defesa do Consumidor. A esse provimento jurisdicional denomina-se sentença

(coletiva) de condenação genérica.

O Fato de a sentença ser genérica não implica incerteza. A sentença é genérica e certa.

Ocorre que o valor da indenização nos casos específicos de direitos individuais homogêneos

será atribuído pelo magistrado após a análise do caso em concreto no processo de liquidação.61

As lições de Leandro K. Aguiar são esclarecedoras:

Diferentemente do ocorrido no âmbito das ações coletivas para a tutela dos direitos transindividuias, nas quais se pretende que a sentença condenatória já imponha, para além da obrigação de reparar o dano, afixação efetiva do montante indenizatório que se destinara a um fundo para a recomposição do direito violado, a pretensão deduzida na ação coletiva que visa a tutelar direitos individuais homogêneos, quando condenatória, diz respeito somente à fixação do dever de ressarcir (an debauter). 62

61 NUNES, Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.805. 62 AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e sua execução. São Paulo: Dialética, 2002. p. 56.

46

Portanto, a ação condenatória genérica impõe ao réu a obrigação de reparação do dano

globalmente causado. É necessário que, posteriormente, cada titular ativo do direito comprove

a ligação entre a responsabilidade do réu e o dano que sofreu. Ressalte-se que este

procedimento será efetuado de forma individual.

As ações coletivas envolvendo interesses individuais homogêneos têm como uma de

suas principais características a divisibilidade, o que significa que se pode e se deve indenizar

cada titular do direito material da demanda, mediante cotas diferenciadas, de acordo com a

lesão sofrida. Entretanto, esse procedimento não é aplicável às ações que tendentes a tutelar

direitos coletivos stricto sensu, muito menos nas que envolvam interesses difusos.

No processo de liquidação de sentença nos direitos individuais homogêneos, portanto,

deverá ser realizada a mensuração dos danos sofridos, para posterior quantificação, de forma

individualizada, do montante a ser pago pelo réu a cada um dos titulares do direito material

tutelado na demanda.

Leciona Rizzatto Nunes:

Há a necessidade de prova do nexo de causalidade entre o acidente e o dano sofrido pela vitima, assim como do montante dos danos sofridos... Para que os legitimados do Art. 82 (CDC) liquidem e executem a sentença (conforme previsto no final da proposição do Art. 97), necessário se faz que tenham sido liquidados os danos das vitimas individualizadamente, pois, caso contrário, não há o que executar, já que a sentença é genérica e ilíquida.63

Consoante entendimento de Leandro Aguiar: “a liquidação da sentença de condenação

genérica, portanto, é sempre necessária para que esse título judicial tenha condições de

executoriedade, vale dizer, eficácia executiva”.64

Desse modo, nas ações que tutelem direitos individuais homogêneos, indispensável se

faz, no processo de liquidação, a demonstração do nexo causal entre os danos experimentados

e a responsabilização imposta na sentença. Com base na relação de responsabilidade do réu

sobre o dano sofrido pelo individuo é que será definido o valor da indenização (o quantum).

Essa demonstração do nexo causal deverá ser feita pela própria vitima ou sucessores, ou ainda

pelo legitimado coletivo (art. 82 CDC).

63 NUNES, Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.807. 64 AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e sua execução. São Paulo: Dialética, 2002. p. 57.

47

Preceitua o artigo 100, caput, do CDC: “Decorrido o prazo de um ano sem habilitação

de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do

art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida”.

Assim, havendo inação dos titulares do direito em liquidar e executar a sentença,

tocará aos legitimados ativos, exceto ao parquet.

Importante destacar que, ao contrário do que se dá nas ações referentes a interesses

individuais homogêneos, quando se tratar de direitos difusos e for condenada a parte ré a

alguma reparação pecuniária, os valores da condenação serão destinados ao “Fundo de Defesa

de Direitos Difusos”.

Nesse sentido, informa Dinamarco:

Assim, o pedido de proteção aos interesses difusos é essencialmente inibitório ou preventivo, ou seja, considera num fazer ou mais frequentemente num não- fazer[...] Já nas demandas versando sobre interesse individual homogêneo, a obrigação será necessariamente pecuniária, ainda que de forma indireta. Tanto assim que nessas hipóteses a condenação será genérica (CDC, art. 95) e dependera sempre de liquidação e execução a ser promovida individualmente pelas vitimas (Art. 97). Ora, se há necessidade de liquidação e sentença, é porque a condenação é pecuniária, uma vez tendo sido reconhecido o dever de indenizar (an debeatur) e deixando em aberto o quantum debeatur [...] o bem protegido é sempre dinheiro, ainda que se postule liminar para evitar o aumento (Obrigação de não-fazer.) 65

Percebe-se, pois, que, em se tratando de interesses individuais homogêneos, a regra é a

reparação em pecúnia, que será obtida a partir da análise da extensão da lesão experimentada

pelo titular do direito. Caso não aja no sentido de liquidá-la, muitas vezes por

desconhecimento, o legitimado ativo poderá fazê-lo, a exceção do Ministério Público, pelos

motivos a seguir especificados.

3.1.1 Liquidação Individual

A liquidação individual ocorre quando a própria vitima habilita-se individualmente ou

em litisconsórcio, ou ainda na hipótese dos entes coletivos promoverem a liquidação em nome

dos indivíduos que representaram. 66

65 DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p.59. 66 AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e sua execução. São Paulo: Dialética, 2002. p. 59.

48

Quando a habilitação é feita pela própria vitima ou por seus sucessores tem-se a

chamada legitimação ordinária, defendendo interesses próprios em nome próprio,

demonstrando a quantificação pecuniária dos danos sofridos.

Nos casos em que a habilitação é realizada por um ente coletivo que representa o

titular do direito, tem-se a legitimação extraordinária. Porém, em que pese ser possível a

legitimação extraordinária, o Ministério Público não possui legitimação para promover a

liquidação da sentença de condenação genérica, mesmo na modalidade de representação

processual. Porque, a partir da liquidação individual, os direitos individuais homogêneos

transformam-se em direitos puramente individuais, não se revestindo mais da relevância

social devida às ações coletivas para serem defendidas pelo parquet, cabendo, assim, a cada

individuo, liquidar os danos sofridos em sua esfera patrimonial.67

Aguiar comenta que é muito importante ressaltar que, em casos de direitos individuais

homogêneos, ocorre coisa julgada erga omnes apenas nos casos em os pedidos forem julgados

procedentes, para beneficiar as vítimas ou seus sucessores (CDC Art. 103, III).68

Porém, para gozar dos benefícios de uma ação julgada procedente nos casos de

direitos individuais homogêneos, faz-se necessário que o indivíduo, caso também tenha

entrado com a ação de forma individualizada, requeira a suspensão do seu pleito individual no

prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. A sentença

de condenação genérica beneficiará, além dos que se habilitaram como assistentes ou

litisconsortes na ação coletiva, os que não ajuizaram ações individuais e os que a ajuizaram e

requereram sua suspensão no prazo de trinta dias contados da ciência do ajuizamento da ação

coletiva.

Corrobora Rizzatto Nunes que: a lei determina, portanto, que os consumidores que

propuserem ações individuais podem se beneficiar dos efeitos da coisa julgada ultra partes e

erga omnes das ações coletivas de proteção ao direito coletivo lato sensu e direito individual

homogêneo, desde que requeiram a suspensão da ação individual. 69

Ademais, as ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos, quando

produzem efeito erga omnes, não possuirão restrição territorial. Disso decorre que, uma

67 AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e sua execução. São Paulo: Dialética, 2002. p. 62-63. 68 Ibidem. p. 59. 69 NUNES, Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.799.

49

decisão proferida, seja na Justiça Federal ou Estadual, constituindo-se em dano interestadual

ou até mesmo nacional, projetará seus efeitos sobre todas as pessoas lesadas,

independentemente do seu domicilio.70

Ressalte-se que, diante do contido no art. 16 da LACP, esse posicionamento não se

encontra pacificado, embora se revele o mais abalizado.

3.1.2 Liquidação Coletiva

A liquidação coletiva, prevista no art. 100, caput, do CDC, ocorre quando, decorrido o

prazo de um ano sem a habilitação dos interessados em número compatível com a gravidade

do dano, os entes do artigo 82 promovem a ação de liquidação, não para apurar os danos de

forma individual, como deveria ter sido feito, mas agora para obter o valor, o “quantum”, que

corresponde à indenização pelo dano global. A liquidação coletiva apenas ocorrerá quando

houver a omissão ou desinteresse dos lesados titulares do direito material. 71

O Código de Defesa do Consumidor não estabeleceu prazo prescricional para o

ajuizamento de liquidação da sentença de condenação genérica, não podendo, contudo,

ocorrer a liquidação coletiva antes de decorrido um ano, prazo no qual se espera pelas

liquidações individuais por partes dos titulares do direito lesado.

3.1.3 Competência para Liquidação

Apesar de não conter prescrição específica e, portanto, suscitar polêmicas, os autores

indicam o foro do domicilio do liquidante como competente pra a liquidação, recorrendo-se

por analogia, às disposições do artigo 101, I, do CDC.72. Segundo o autor Hugo Nigro

70 AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e sua execução. São Paulo: Dialética, 2002. p. 60-61. 71 Idem, p. 63.

72 Idem, p. 65 e

50

Mazzilli “nos casos de processo coletivo (direitos difusos e coletivos), a liquidação e a

execução serão feitas no juízo da ação condenatória nos mesmos autos”.73

3.1.4 Procedimento da Liquidação

O lesado deverá sempre demonstrar o nexo causal entre o seu dano e a

responsabilidade imposta na sentença, para, só assim, poder o juiz mensurar de forma

individualizada o valor da indenização pecuniária devida.

Aplica-se o rito ordinário ou o sumário, conforme tenha sido o rito da ação coletiva de

conhecimento. O processo de liquidação segue as regras dos arts. 608 e 609 do Código de

Processo Civil.74

3.2 O PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO DA SENTENÇA DE CONDENAÇÃO

GENÉRICA

Após o titular do direito material, que sofreu a lesão, comprovar o nexo causal entre a

responsabilidade do réu, proferida na sentença, e o seu dano específico e a consequente

mensuração desse prejuízo (quantum), o título adquire eficácia executiva, possuindo, a partir

de então, os atributos de certeza, liquidez e exigibilidade.75

A execução é o caminho jurídico para quando não há o cumprimento voluntário da

obrigação. No caso de interesses individuais homogêneos, poderá se dar pela via coletiva,

englobando todos os lesados que já tiveram o montante de suas indenizações fixado em

sentença de liquidação, sem prejuízo de outras execuções.

73 SILVA, Thais Helena Pinna da. Liquidação de sentença nas ações coletivas . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 531, 20 dez. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6078>. 74 AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e sua execução. São Paulo: Dialética, 2002. p. 66-67 75 Ibidem, p. 69

51

A execução será individual, quando promovida diretamente pela própria vitima – ou

sucessores- que são legitimados ordinários, ou coletiva, quando promovida por um dos entes

elencados no artigo 82 do CDC, na qualidade de representante processual, atuando como

legitimados ordinários supervenientes, excluído o Ministério Público, pela razão já exposta.

Do mesmo modo que ocorreu com a liquidação da sentença genérica, não foi previsto

pelo CDC prazo específico para o ajuizamento da execução de ações individuais homogêneas.

Dessa feita, no entender de Leandro Aguiar, “deve ser observado o mesmo prazo

prescricional estabelecido para o direito material em que se funda a pretensão condenatória.”76

Ademais, não existe procedimento especifico para a execução de sentenças de

condenação genérica. Ocorre, portanto, no ordenamento jurídico brasileiro um “autêntico

sistema brasileiro de tutela coletiva”, formado pela interação entre as regras do Código de

Defesa do Consumidor, da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Processo Civil.77 Dessa

forma, essas leis devem ser analisadas conjuntamente, para uma melhor interpretação da

defesa dos direitos ou interesses coletivos, desde seu início até o processo de execução

76 AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e sua execução. São Paulo: Dialética, 2002. p. 72. 77 Ibidem, p. 73

52

CAPÍTULO IV - ANÁLISE DE JULGADOS REFERENTES À

PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM AÇÕES

INDIVIDUAIS HOMOGÊNEAS

4.1 COLAÇÃO E ANÁLISE DE JULGADOS PROFERIDOS PELO STF E STJ

VERSANDO SOBRE A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS AÇÕES

ENVOLVENDO INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

O presente capítulo destina-se à análise dos posicionamentos abarcados pelo Superior

Tribunal de Justiça – STJ e pelo Supremo Tribunal Federal - STF acerca da legitimidade ativa

do Ministério Público na defesa dos interesses individuais homogêneos.

Abaixo serão apontados, especificamente, casos em que o Ministério Público figurou

como autor da ação coletiva proposta para a defesa de direito individual homogêneo, ocasiões

em que legitimação do Ministério Público dependeu, na maioria, da existência de relevante

interesse público ou social.

1. “O Ministério Público detém legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública com o fito de obter pronunciamento judicial acerca da legalidade de cláusulas constantes de contrato de plano de saúde. A legitimação extraordinária justifica-se pelo relevante interesse social e pela importância do bem Jurídico a ser tutelado“ (REsp 268.068/SC, 3ª Turma do STJ, Rel. Min. Nancy Andrighi);

2. “O Ministério Público tem legitimidade tem para promover a Ação Civil Pública acerca de fixação e cobrança de mensalidades escolares” (REsp 70.997/SP, 4ª turma do STJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar);

3. “O Ministério Público tem legitimidade para a propositura da ação civil Pública para tutelar interesses de consumidores envolvidos na celebração de contrato de adesão para a aquisição de bem imóvel” (Ag. Rg. No REsp 280.505/MG, 3ª Turma do STJ, Rel. Min. Nancy Andrighi);

4. “O Ministério Público é parte legitima para propor ação civil publica com o objetivo de declarar a nulidade ou alterar cláusulas de contratos bancários de adesão, a fim de adequá-los ao Código de Defesa do Consumidor” (REsp 175.645/RS, 4º Turma do STJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar).

Na sequência serão colacionados julgados que representam o entendimento acerca da

legitimação nas ações envolvendo direitos decorrentes de relações de consumo. Tendo em

vista que a defesa dos interesses individuais homogêneos passou a receber maior atenção no

ordenamento jurídico brasileiro a partir do advento do Código de Defesa do Consumidor, a

legitimação possui laços bastante estreitos com esse ramo do Direito. Porém, como já

53

mencionado, a legitimidade do Ministério Público para a defesa dessa espécie de interesses

coletivos não se restringe à seara consumeirista. Após, será trazido à baila julgados

relacionados a outras áreas, a exemplo da trabalhista.

Exemplo clássico de legitimação do Ministério Público para a defesa de direitos

individuais homogêneos foi o caso da explosão do Osasco Plaza Shopping, que vitimou

dezenas de pessoas e teve repercussão nacional, na época, por intermédio dos meios de

comunicação. Decidiu a 3º Turma do Superior Tribunal de Justiça:

Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos decorrentes de origem comum. (REsp 279.273/SP, relator para acórdão Min. Nancy Andrighi).

Outras decisões envolvendo a seara consumeirista:

EMENTA: Ministério Público: legitimidade para propor ação civil pública quando se trata de direitos individuais homogêneos em que seus titulares se encontram na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. É indiferente a espécie de contrato firmado, bastando que seja uma relação de consumo: precedentes.78

EMENTA: 1. Ministério Público: contrato de leasing: legitimidade para propor ação civil pública quando se trata de direitos individuais homogêneos em que seus titulares se encontram na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. É indiferente a espécie de contrato firmado, bastando que seja uma relação de consumo: precedentes. 2. Recurso extraordinário: descabimento: dispositivos constitucionais apontados no extraordinário não examinados no acórdão recorrido, ao qual não foram opostos embargos de declaração (Súmulas 282 e 356).79

Abordando a legitimidade para a atuação do MP na busca pela obtenção de certidões junto ao órgão previdenciário, o seguinte julgado:

E M E N T A: DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - SEGURADOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL - CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO - RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA - DIREITO DE PETIÇÃO E DIREITO DE OBTENÇÃO DE CERTIDÃO EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS - PRERROGATIVAS JURÍDICAS DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL - EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO "DEFENSOR DO POVO" (CF, ART, 129, II) - DOUTRINA - PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - O direito à certidão traduz prerrogativa

78 (RE 424048 AgR, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 25/10/2005, DJ 25-11-2005 PP-00011 EMENT VOL-02215-04 PP-00721). 79 (AI 491195 AgR, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 06/04/2004, DJ 07-05-2004 PP-00021 EMENT VOL-02150-13 PP-02734).

54

jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações. - A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública. - O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Doutrina. Precedentes.80

No julgado acima o STF confere legitimidade ao Ministério Público para a defesa de

um interesse individual homogêneo, não atinente a direito do consumidor, ao entender que, no

caso em análise, configura-se a “relevante natureza social”, que é o pré-requisito básico para a

atuação do parquet na defesa desses interesses.

Na ementa a seguir transcrita, a legitimação levou em consideração os direitos

envolvidos no Sistema Financeiro de Habitação, de visível interesse social:

Processo civil – Ação Civil Pública – Ministério Público – Legitimidade – SFH – Mutuários sujeitos à aplicação da lei 10.150/2000 – Direito individual homogêneo.

1. O Ministério Público está legitimado a defender direitos individuais homogêneos, quando esses direitos têm repercussão no interesse púbico.

2. O Parquet é legitimo para propor ação civil pública em face da União e do Banco Itaú S/A Crédito Imobiliário, objetivando a tutela do direito de mutuários vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação, para fazer prevalecer os ditames da Lei 10.150/2000.81 2ª Turma, Resp 613480/PR, Rel. Min Eliana Calmon, j. 8.3.05.

A seguir dois acórdãos referentes à legitimidade do parquet para atuação na seara

trabalhista:

Recurso Especial. Ação Civil Pública. Legitimidade Ativa do Ministério Público. Danos causados aos trabalhadores nas minas de Morro Velho. Interesse social relevante. Direitos individuais homogêneos.

A situação dos trabalhadores submetidos a condições insalubres, acarretando danos à saúde, configura direito individual homogêneo revestido de interesse social relevante a justificar o ajuizamento da ação civil pública pelo Ministério Público. Recurso especial conhecido e provido.82

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS NA ESFERA TRABALHISTA. 1.

80 (RE 472489 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 29/04/2008, DJe-162 DIVULG 28-08-2008 PUBLIC 29-08-2008 EMENT VOL-02330-04 PP-00811).

81 CASTILHO, Ricardo. Acesso a Justiça. Tutela Coletiva de Direitos Pelo Ministério Público: Uma Nova Visão. São Paulo: Atlas, 2006, p. 162-163. 82 (REsp. 56.682/MG, 3ª Turma do STJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

55

Assentada a premissa de que a lide em apreço versa sobre direitos individuais homogêneos, para dela divergir é necessário o reexame das circunstâncias fáticas que envolvem o ato impugnado por meio da presente ação civil pública, providência vedada em sede de recurso extraordinário pela Súmula STF nº 279. 2. Os precedentes mencionados na decisão agravada (RREE 213.015 e 163.231) revelam-se perfeitamente aplicáveis ao caso, pois neles, independentemente da questão de fato apreciada, fixou-se tese jurídica no sentido da legitimidade do Ministério Público ajuizar ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos na esfera trabalhista, contrária à orientação adotada pelo TST acerca da matéria em debate. 3. Agravo regimental improvido. 83

Portanto, em que pese a prevalência na seara consumeirista, em outras áreas vem

sendo reconhecida a legitimidade da atuação do Ministério Público nas ações envolvendo

interesses individuais homogêneos, em especial quando revelado o interesse social.

Por sua vez, contrários à legitimidade ativa do parquet, as seguintes decisões:

1. “O Ministério Público não tem legitimidade para aforar ação civil pública a

fim de impugnar e pleitear a restituição de imposto – no caso o IPTU.” (REsp. 195.

056-1/PR, STF, Rel. Min. Carlos Velloso);

2. “O Ministério Público não tem legitimidade para propor Ação Civil Pública

visando a impedir a cobrança de tributos, não somente por se tratarem de direitos

individuais homogêneos, identificáveis e divisíveis, mas porque o contribuinte não

se equipara a consumidor, consoante firme orientação jurisprudencial desta Colenda

Corte” (Ag. Reg. No REsp 333.016/PR, 2ª Turma do STJ, Rel. Min. Paulo Medina).

Veja-se que os dois julgados colacionados, que negam a legitimação ao Ministério

Público, referem-se a tributos, vedada a atuação pela própria LACP.

Portanto, no tocante à questão de direitos individuais homogêneos relacionados a

questões tributárias, como, por exemplo, o pagamento do IPTU, existe posicionamento

específico, de que não é possível a legitimação do Ministério Público para a defesa desses

interesses.

A seguir colaciona-se julgado em que o STF negou a legitimidade ao Ministério

Público para defesa de direito individual homogêneo, porque considerou que, no caso, que se

tratava de contrato de compromisso de compra e venda, não ficou caracterizado o relevante

interesse social. Senão veja-se:

83 (RE 394180 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 23/11/2004, DJ 10-12-2004 PP-00047 EMENT VOL-02176-03 PP-00531) .

56

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA: MINISTÉRIO PÚBLICO: DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. Lei 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625/93, art. 25. C.F., artigos 127 e 129, III. I. - Ação civil pública que tem por objeto direitos individuais homogêneos: legitimidade ativa do Ministério Público: questão que se situa no campo infraconstitucional: Lei 7.374/85, art. 1º, II, art. 21, redação do art. 117 e arts. 81 e 82 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625/93, art. 25. II. - Questão constitucional do art. 129, III, não invocada. III. - Direitos individuais homogêneos, decorrentes de contratos de compromisso de compra e venda que não se identificam com "interesses sociais e individuais indisponíveis" (C.F., art. 127). IV. - Agravo regimental não provido. 84

Outro julgado negando legitimação em virtude de se tratar de tributos:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA: MINISTÉRIO PÚBLICO: TRIBUTOS: LEGITIMIDADE. Lei 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625/93, art. 25. C.F., artigos 127 e 129, III. I. - O Ministério Público não tem legitimidade para aforar ação civil pública para o fim de impugnar a cobrança de tributos ou para pleitear a sua restituição. É que, tratando-se de tributos, não há, entre o sujeito ativo (poder público) e o sujeito passivo (contribuinte) relação de consumo, nem seria possível identificar o direito do contribuinte com "interesses sociais e individuais indisponíveis". (C.F., art. 127). II. - Precedentes do STF: RE 195.056-PR, Ministro Carlos Velloso, Plenário, 09.12.99; RE 213.631-MG, Ministro Ilmar Galvão, Plenário, 09.12.99, RTJ 173/288. III. - RE conhecido e provido. Agravo não provido. 85

A seguir têm-se dois julgados do STJ, retirados da obra de Ricardo Castilho, em que

se entende não ser possível ao parquet defender um interesse individual homogêneo:

Agravo regimental. Recurso especial. Ação civil Pública. Revisão de beneficio previdenciário. Interesses individuais disponíveis. Ausência de relação de consumo entre a instituição previdenciária e o beneficiário. Ministério Público. Ilegitimidade.

I - Evidencia-se a ilegitimidade ad causam para propor ação civil pública visando à revisão da renda mensal inicial de beneficio previdenciário, por se tratar de direito individual disponível.

II - Ademais, as relações jurídicas entre a instituição previdenciária e os beneficiários do regime da Previdência Social não são relações de consumo, sendo, portanto, impossível cogitar-se da hipótese do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, que trata dos direitos individuais homogêneos. Precedentes.

III - Agravo regimental improvido.86

84 (RE 204200 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 08/10/2002, DJ 08-11-2002 PP-00055 EMENT VOL-02090-03 PP-00624). 85 (RE 248191 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 01/10/2002, DJ 25-10-2002 PP-00064 EMENT VOL-02088-03 PP-00567). 86 CASTILHO, Ricardo. Acesso a Justiça. Tutela Coletiva de Direitos Pelo Ministério Público: Uma Nova Visão. São Paulo: Atlas, 2006, p. 144.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REVISAO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIARIO. INTERESSES INDIVIDUAIS DISPONIVEIS. AUSENCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO ENTRE A INSTITUIÇÃO PREVIDENCIARIA E O BENEFICIARIO, QUE NÃO PODE SER CONSIDERADO CONSUMIDOR. MINISTERIO PÚBLICO ILEGITIMIDADE.

I - O MP Federal não possui legitimidade para propor ação pública visando à revisão da renda mensal inicial de beneficio previdenciário. Tratando-se de direitos individuais disponíveis, os titulares podem deles dispor.

II - Por outro lado, as relações jurídicas entre a instituição previdenciária e os beneficiários do regime de Previdência Social não são relações de consumo e estes últimos não se acham na condição de consumidores. Precedentes.87

Ambos os casos acima refutam a legitimidade do MP para a defesa dos direitos

individuais homogêneos, com supedâneo, novamente, na impossibilidade de se tutelar

hipótese proscrita pelo parágrafo único, do art. 1º, da LACP, bem assim por considerar que

apenas casos relacionados à seara consumerista conferem legitimidade ad causam ao MP.

A questão da defesa dos interesses individuais homogêneos pelo órgão ministerial

está, como se pode observar, longe de um posicionamento pacífico nos Tribunais Superiores,

mormente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que vem negando ao parquet a

legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública que possua por escopo a defesa dessa

espécie de interesse coletivo, a exemplo dos julgados retro-transcritos.

O posicionamento dos tribunais que proferem decisões contrárias à legitimidade do

Ministério Público possui por fundamentação, em compêndio, o seguinte:

1. O Ministério Público não pode aviar ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, identificáveis e divisíveis, pois suas atribuições institucionais lhe deferem o poder de litigar tão somente sobre a defesa de interesses difusos ou coletivos stricto sensu;

2. A ação civil pública não pode ser substituto da ação direta de inconstitucionalidade para obter reconhecimento de inconstitucionalidade de lei municipal posto que a decisão proferida neste sentido tem efeito erga omnes;

3. No caso de taxa de iluminação Pública, a Ação Civil Pública não é a via adequada tendo em vista que a relação jurídica ali estabelecida é tributaria – entre a Fazenda Pública municipal e o contribuinte – e não relação de consumo. Já que não se confundem os conceitos de contribuinte e consumidor.

Resumidamente, são esses os argumentos utilizados na maioria dos julgados

desfavoráveis à legitimação do parquet para o manejo de ação civil pública objetivando a

defesa de direitos individuais homogêneos.

87 CASTILHO, Ricardo. Acesso a Justiça. Tutela Coletiva de Direitos Pelo Ministério Público: Uma Nova Visão. São Paulo: Atlas, 2006, p. 145.

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Todavia, vale ressaltar que, no site do Supremo Tribunal Federal, que representa a

mais alta instância do ordenamento pátrio, os julgados encontrados são em maioria,

favoráveis à atuação do Ministério Público, à exceção dos casos que envolvam tributos.

Exatamente nesse sentido devem se dar as decisões, a fim de que esses direitos sejam

efetivamente tutelados, sob pena de ineficácia dos direitos conferidos aos titulares.

Arrematando a questão da legitimação, leciona Cavalieri:

Assim, se a defesa de um interesse, ainda que apenas coletivo ou individual homogêneo, convier diretamente ou indiretamente à coletividade como um todo, não se há de recusar o Ministério Público de assumir sua tutela. Quando, porém, se tratar de defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos, de pequenos grupos, sem características de indisponibilidade nem suficiente abrangência social, pode não se justificar a iniciativa do Ministério Público. 88

Na busca pela facilitação do acesso à justiça, o legislador permitiu a legitimação ad

causam ativa, ao Ministério Público, a fim de propor ações coletivas, consoante preceitua o

art. 82 do Código de Defesa do Consumidor. A partir dos estudos realizados, verifica-se que

esta atuação encontra fundamento na própria Constituição Federal, seja em seu art. 129, inciso

III, seja no cumprimento dos princípios da isonomia e do acesso à justiça, que dela emanam.89

88 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 314 (grifo nosso). 89 Ibidem, p. 311

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na análise do entendimento doutrinário e jurisprudencial, muitos pontos

positivos se revelaram no que diz com a legitimação do Ministério Público para defesa de

direitos individuais homogêneos. Esse posicionamento, pelo que se pode perceber majoritário,

fundamenta-se na importância desses interesses para a sociedade, especialmente em países

como o Brasil, em que grande parte das pessoas não possui o mínimo conhecimento acerca

dos direito que são titulares, o que impedindo o verdadeiro acesso à justiça.

Os doutrinadores e julgadores conferem interpretação extensiva ao artigo 127 da

Constituição Federal, que estabelece, dentre as atribuições do parquet, a defesa dos

“interesses sociais e individuais indisponíveis”, ao entender estar incluídos também os direitos

individuais homogêneos, na qualidade de direito social, bem assim na expressão “direitos

coletivos”, igualmente constante do texto constitucional. Afigura-se entendimento mais

atualizado e consentâneo com as necessidades da sociedade.

De outro lado, verificou-se que há os que negam a legitimidade ao Ministério Público

para a defesa de interesses individuais homogêneos, sob o fundamento de que essa espécie de

direitos coletivos não consta expressamente das atribuições conferidas pelo diploma

constitucional.

Por fim, existe uma corrente intermediária, que entende que a legitimação do

Ministério Público para a defesa dos direitos individuais homogêneos restringe-se à seara

consumeirista, eis que foi o Código de Defesa do Consumidor que previu essa espécie, do

gênero “direitos coletivos”.

O Código do Consumidor, na verdade, não se aplica apenas às relações de consumo,

mas a todos os direitos coletivos em sentido lato. É diploma que se reveste de enorme

relevância social e deve ser analisada em conjunto com a Lei da Ação Civil Pública, sempre

observando os ditames constitucionais.

Traçando-se essa análise conjunta, resta configurado, indubitavelmente,

posicionamento favorável a legitimidade do Ministério Público para a defesa desses direitos,

atuação que mostra salutar e, não raras vezes, imprescindível à sociedade como um todo.

Os direitos individuais homogêneos, quando envolvidos de relevância social,

constituem um interesse que merece atenção e tutela pelo órgão ministerial, em conformidade,

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aliás, com a própria Constituição, que permite a atribuição de outras funções ao Ministério

Público, desde que compatíveis com sua finalidade, consoante previsão do art. 129, IX.

Ademais, a dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja seu

objeto, insere-as, sem dúvida, na tutela dos interesses sociais, referidos no art. 127 da

Constituição Federal.

Há casos, contudo, em que a legitimidade ativa do Parquet é negada, não em face de

eventual inconstitucionalidade, mas por referir-se na realidade a número inexpressivo de

pessoas lesadas, não configurando assim interesse social.

Certamente é necessário que a atuação seja pautada sempre pelo interesse público e

social, não podendo o membro se desviar dos princípios que norteiam o seu mister, a fim de

que não haja abusos no sentido de o Ministério Público defender causas referentes à direito

puramente individual, sem o caráter da homogeneidade e relevância social, que constituem

requisitos indispensáveis para legitimidade ad causam do parquet. Nestes casos, em que não

se verifica a presença desses requisitos, estaria ocorrendo, portanto, o desvirtuando de seu

objetivo de resguardar o interesse da sociedade e fiscalizar os poderes do Estado.

A avaliação dos casos em que é indicada a participação do órgão ministerial e

daqueles em que não se revela adequado, é subjetiva, dependendo do caso concreto, eis que o

termo “relevância social” permite, obviamente, diferentes interpretações, variáveis, portanto.

Não existe critério objetivo acerca do número exato de pessoas a quem esse direito

possa afetar para que ele seja considerável de interesse e relevância para a sociedade. O

Direito, como se sabe, não é ciência exata, cabendo a aplicação do bom-senso, a fim de se

chegar às conclusões adequadas.

A tutela conjunta desses direitos pelo Ministério Público possui o condão, ainda, de,

ao representar diversos titulares, contribuir para a diminuição do número de ações individuais,

que sufocam o já sobrecarregado sistema judiciário brasileiro. No entanto, para que um direito

individual seja defendido pelo parquet, é preciso que se revista das características de

homogeneidade, origem comum e possuam relevância social.

Na verdade, verificou-se que a fronteira entre o direito coletivo stricto sensu e o

direito individual homogêneo é bastante tênue, confundindo-se, muitas vezes, ou, até mesmo,

ocorrendo concomitantemente, o mesmo ocorrendo entre direitos puramente individuais e os

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homogêneos. No entanto, verificada a relevância social do interesse a se tutelar, a atuação do

Ministério Público se revela salutar na proteção dos interesses individuais homogêneos.

Destaca-se, portanto, como principal razão de se conferir legitimidade ao parquet para

a defesa dos interesses individuais homogêneos, a facilitação do acesso à justiça, daqueles

que, não fosse a tutela coletiva, jamais recorreriam a juízo, no mais das vezes pelo completo

desconhecimento dos seus direitos, gerando, via de conseqüência, maior efetividade do

processo. O princípio do acesso à justiça, previsto na Constituição Federal de 1988, representa

um dos mais fundamentais direitos de todos, devendo importar na busca, pelo Estado, de

mecanismos eficientes para a sua promoção, a exemplo da atuação coletiva, instrumentalizada

pela Ação Civil Pública.

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