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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA – FESP CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO YURE ALVES FIGUEREDO CRUZ O CONCEITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO JOÃO PESSOA 2015

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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA – FESPCURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

YURE ALVES FIGUEREDO CRUZ

O CONCEITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO ORDENAMENTOJURÍDICO BRASILEIRO

JOÃO PESSOA2015

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YURE ALVES FIGUEREDO CRUZ

O CONCEITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO ORDENAMENTOJURÍDICO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso em forma deArtigo Científico apresentado à Coordenação doCurso de Bacharelado em Direito, pela Faculdadede Ensino Superior da Paraíba – FESP, comorequisito parcial para a obtenção do título deBacharel em Direito.

Área: Direito de Família

Orientadora: Profª Msc. Luciane Gomes

JOÃO PESSOA

2015

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C955o Cruz, Yure Alves Figueredo.

O conceito de família e sua evolução histórica no ordenamento jurídico brasileiro. /Yure Alves Figueredo Cruz. – Joao Pessoa, 2015.

26f.

Orientadora: Profª. Ms. Luciane Gomes.

Artigo Científico (Graduação em Direito).Faculdades de Ensino Superiorda Paraíba – FESP

1. Direito de Família. 2. Conceito. 3. Evolução. 4. Entidades Familiares. 5.Afetividade I. Título

BC/Fesp CDU: 347.61 (043)

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YURE ALVES FIGUEREDO CRUZ

O CONCEITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO ORDENAMENTOJURÍDICO BRASILEIRO

Artigo Científico apresentado à BancaExaminadora de Artigos Científicos da Faculdadede Ensino Superior da Paraíba – FESP, comoexigência para a obtenção do grau de Bacharel emDireito.

APROVADO EM 30/06/2015

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________Profª Msc. Luciane GomesORIENTADORA – FESP

__________________________________________________

Profª Esp. Luciana de Albuquerque Cavalcanti BritoMEMBRO – FESP

__________________________________________________

Profª Msc. Francisca Luciana de Andrade Borges RodriguesMEMBRO – FESP

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À minha mãe e a minha avó materna,exemplos de mulheres e de vida, pelo apoioe por nunca terem desistido do meu sonho.

Dedico.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, primeiramente, pois sem ele eu não sou nada e pela sabedoria a mim

concedida.

A minha mãe Seliane (Lili), por sempre estar presente em todos os momentos da

minha vida, pelo seu exemplo de vida, por sempre ter tido a força e coragem, não medindo

esforços para que eu chegasse até esta etapa da minha vida.

Ao meu pai Francisco (Ailton) por todo o suporte me dado durante essa longa jornada

de estudos, pois sem ele eu não teria conseguido.

Aos meus avós, e, em especial, minha avó materna Antônia Marcolino, que sempre me

ensinou o caminho da bondade, e por ter me ajudado desde quando eu era um bebê.

A toda a minha família, que mesmo estando a centenas de quilômetros de distância,

sempre torceram para o meu sucesso e aprendizado.

A todos os professores do curso, pelo convívio e pela paciência nestes anos tão

importantes da minha vida acadêmica.

A Professora Luciane Gomes, por todo o acompanhamento durante o desenvolvimento

deste trabalho.

Aos meus amigos Thayná, André, Vinícius, Anderson, Chico e Robson, pelas alegrias,

tristezas e dores compartilhadas ao longo destes anos de faculdade. Com vocês, as pausas

entre um estudo e outro foram o verdadeiro significado da palavra amizade.

A todos os meus outros amigos e colegas, não citarei nomes para não cometer o

pecado do esquecimento, que de alguma forma estiveram e estão próximos a mim, fazendo

esta vida valer cada vez mais a pena.

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Lembre-se desta noite, pois ela é o início daeternidade.

(ALIGHIERI, Dante)

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------- 07

2 EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA --------------------------------------------- 08

2.1 O CONCEITO DE FAMÍLIA APÓS PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 –------------------------------- 13

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA --------------- 16

3.1 DO RESPEITO DA DIGNIDADE DA PESSOA------------------------------------------ 17

3.2 DA LIBERDADE ------------------------------------------------------------------------------ 19

3.3 DO PLURALISMO DAS ENTIDADES FAMILIARES --------------------------------- 20

3.4 DA AFETIVIDADE --------------------------------------------------------------------------- 20

4 PLURALIDADE DE ENTIDADES FAMILIARES ----------------------------------- 21

4.1 FAMÍLIA MATRIMONIAL------------------------------------------------------------------ 22

4.2 UNIÃO ESTÁVEL ---------------------------------------------------------------------------- 23

4.3 FAMÍLIA MONOPARENTAL --------------------------------------------------------------- 24

4.4 FAMILIA HOMOAFETIVA ----------------------------------------------------------------- 25

4.5 FAMÍLIA MOSAICO, COMPOSTA OU PLURIPARENTAL -------------------------- 26

4.6 FAMILIA PARENTAL OU ANAPARENTAL --------------------------------------------- 27

4.7 FAMÍLIA PARALELA OU SIMULTÂNEA ----------------------------------------------- 29

4.8 FAMÍLIA POLIAFETIVA -------------------------------------------------------------------- 30

4.9 FAMILIA UNIPESSOAL --------------------------------------------------------------------- 30

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS --------------------------------------------------------------- 32

ABSTRACT ------------------------------------------------------------------------------------------- 33

REFERÊNCIAS-------------------------------------------------------------------------------------- 33

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O CONCEITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO ORDENAMENTOJURÍDICO BRASILEIRO

YURE ALVES FIGUEREDO CRUZLUCIANE GOMES*

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo contribuir para o mundo acadêmico, ao examinar oproblema colocado em tela, na construção do conceito de família que melhor se adeque aoordenamento pátrio vigente, levando em consideração todos os aspectos sociais, econômicos ehistóricos necessários para o desenvolvimento deste conceito. Neste alamiré, diante daausência de uma definição jurídica para o que seja família e da pluralidade de entidadesfamiliares, tornou-se imperioso valer-se do arcabouço jurídico existente, dentre eles a própriaConstituição da República, como também a vasta jurisprudência e doutrina sobre o tema, paradiscutir os aspectos relevantes das diversas entidades familiares existentes na realidadebrasileira. Para tanto, serão analisadas as entidades familiares previstas na Constituição, sejamaquelas reconhecidas pela doutrina e jurisprudência, traçando as peculiaridades históricas,iniciando desde a antiguidade e evoluindo ao longo das Constituições Brasileiras, até chegarna atual Constituição e legislação infraconstitucional vigentes, abordando, dentre outrostemas, os princípios que regem o Direito de Família e, em especial, as relações familiares.

PALAVRAS-CHAVE: Direito de Família. Conceito. Evolução. Entidades Familiares.Afetividade.

1 INTRODUÇÃO

Ao longo da história, o homem, em sua convivência social, sentiu o imperativo de

satisfazer as suas necessidades através da reunião de indivíduos em grupo, e, em especial, pela

família. Por muitos séculos, a família foi vista como um instituto patriarcal, patrimonialista,

onde o homem (no caso, o marido) exercia pleno poder, chamado de pátrio poder, sobre a

esposa e filhos, perdurando no direito brasileiro até o final da década de 80. Além disso, a

família sempre foi sinônimo de matrimônio. Ocorre que, apesar de somente o matrimônio por

muito tempo ter sido a única entidade familiar regulada e reconhecida, existia paralelamente a

figura de outros modelos, tais como o concubinato e a união estável.

Mesmo os elementos inovadores constantes em toda a legislação constitucional e

infraconstitucional, o legislador brasileiro nunca se deu ao trabalho de conceituar família,

limitando-se a prever expressamente apenas três tipos de entidades familiares, no bojo da

* Aluno concluinte do Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba(Fesp), semestre 2015.1, e-mail: [email protected].

**Mestre em Direito Econômico, Especialista em Direito Constitucional, Coordenadora Jurídica daProcuradoria da República na Paraíba, Professora da Fesp Faculdades, atuou como orientadora desteTCC, e-mail: [email protected]

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Constituição Federal, quais sejam aquelas decorrentes do matrimônio, da união estável e da

monoparentalidade.

Diante tal situação, urge a árdua tarefa aos doutrinadores e magistrados de definir o

que seja família, uma vez que a Constituição estabeleceu que a família, conquanto base da

sociedade, goza de especial proteção do Estado. Logo, o principal objetivo deste trabalho é

expor de forma clara e concisa as mais diversas formas de entidades familiares existentes,

destacando que todas merecem proteção do Estado, tendo em vista a aplicação do próprio

mandamento constitucional acima mencionado. Sendo assim, o presente artigo foi realizado

com pesquisas bibliográficas, tendo como fundamentos a Constituição Federal e a legislação

pertinente, a jurisprudência e a doutrina, com base em livros e artigos das mais diversas

correntes.

Posto isto, o trabalho dividiu-se em três sessões. Inicialmente, é feita uma abordagem

histórica sobre o Direito de Família, analisando os principais pontos de destaque de cada

época, começando pelas civilizações antigas (Babilônia, Hebreus, Índia, Roma), passando

pela Idade Média e Moderna, até chegar na evolução do Direito de Família brasileiro, a qual

foi analisada, além do período colonial e imperial, as Constituições daí decorrentes,

principalmente as modificações ocorridas com o advento da Constituição da República de

1988. Assim como em todo ramo do Direito, necessário se faz desenvolver uma análise acerca

dos princípios que regulam tal instituto. Desta forma, os princípios que informam o

reconhecimento das diversas entidades familiares foram abordados na segunda sessão deste

trabalho. E, posteriormente, fez-se ainda uma análise detalhada acerca de cada entidade

familiar reconhecidas hodierna, expressamente previstas ou não na atual Constituição.

2 EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA

O homem é um ser gregário por excelência, concebido naturalmente para viver em

sociedade. Desde os primórdios da humanidade, o homem sente necessidade de agrupar-se em

pequenos núcleos de pessoas, o que posteriormente, passou a se denominar de família. É

também com o surgimento das sociedades antigas que se tem a noção de família,

caracterizada substancialmente pelo patriarcalismo, que o sistema familiar passar a ser visto

somente na visão patrimonialista.

Na antiguidade, surgem os primeiros registros de leis escritas, dentre elas o Código de

Hammurabi, que, ao tratar do sistema familiar dos babilônios, prevê como características um

sistema patriarcal, casamento monogâmico, embora admita-se o concubinato, contudo a

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concubina jamais teria o mesmo status da esposa ou os mesmos direitos desta. O divórcio foi

previsto para ambos, tanto o homem quanto a mulher poderiam requerê-lo, desde que

motivado (CASTRO, 2010).

Por sua vez, “no direito hebraico não havia uma palavra que correspondesse ao

matrimônio, sendo este um assunto particular entre duas famílias” (CASTRO, 2010, p. 36).

Como os povos hebraicos mantinham em sua tradição forte influência religiosa decorrente do

Antigo Testamento, o adultério poderia ser cometido por qualquer do casal, apesar de o peso

maior cair sobre a mulher casada. Diferentemente da Babilônia, o divórcio, apesar de ser

previsto, somente poderia ser dado a iniciativa pelo homem, não cabendo, em hipótese

alguma, ser requerido pela esposa. O instituto do concubinato também era admitido.

O Código de Manu, vigorado na Índia, trazia em seu escopo o matrimônio e divórcio,

este último só admitido por motivos que a sociedade considerava importantes e a separação só

podia ser decidida pelo marido. Em consonância com as outras civilizações, mas em especial

na civilização da Índia Antiga, a mulher tinha um papel de subordinação ao marido. Em

contrapartida, e diferentemente das demais, o Código de Manu punia severamente o adultério,

logo, o concubinato era tido como crime (CASTRO, 2010).

Ainda segundo a referida autora, no direito romano, a família era caracterizada por um

direito essencialmente patrimonial, exercido por intermédio do Pátrio Poder (exclusivo dos

pater famílias), isto é, o poder familiar era exercido pela figura de um homem, que mantinha

um poder absoluto sobre todos sob sua chefia.

Conforme preceitua Castro (2010, p. 98) “o poder do pater famílias englobava vários

poderes: a pater potestas – sobre os filhos, a manus – sobre a esposa, a dominica potestas –

sobre os escravos e o mancipium – sobre pessoas livres alien iuris que passaram de um pater

famílias a outro pela venda, por exemplo”. Historicamente, no período romano o Direito de

Família, neste caso representado através do instituto do poder familiar, detinha um maior

poder em detrimento ao Estado, ou seja, “quanto maior o poder do pater famílias, menor era o

poder do Estado”.

Importante salientar que a figura da afetividade1 encontrava-se presente no matrimônio

daquela época, já que o casamento era, antes de tudo, “um ato consensual de contínua

convivência”. Neste diapasão, Castro (2010, p. 101) elenca afirmações dos juristas romanos:

Coitus matrimonium non facit, sed maritalis affectio– Não é a cópula em si, mas oafeto marital que constitui o matrimônio.

1 Princípio tratado no subitem 3.4 deste trabalho

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Matrimonium inter invictos non contrahitur. – Não se contrai matrimônio entrequem não deu consenso.

Além do matrimônio, outros institutos também foram previstos no direito romano, tais

como: o concubinato, divórcio, dote, adoção, tutela, curatela, sucessão, testamento, herança.

Durante a Idade Média, a família passou a ser regulada pelo Direito Canônico, em

virtude da grande influência e ascensão da Igreja Católica sobre o Estado. O casamento,

conforme cita Rendwanski (2012, p.8):

“passou a ser considerado um sacramento, sendo indissolúvel e voltado à finalidadede procriação. Mesmo após a Revolução Francesa, em 1789, que defendia aigualdade entre homens e mulheres, o Código de Napoleão reforçou o poderpatriarcal, uma vez que, além de outorgar ao pai maiores direitos sobre os filhos,ressaltou que este poder se estende sobre a esposa, que fica sob seu jugo. ”

Ressalta-se que, desde as civilizações primitivas até a Idade Moderna (meados do

século XVIII), as famílias eram organizadas de forma patriarcal, sob o comando do pater

famílias. Esse modelo perdurou por séculos, influenciando a vida em sociedade, inclusive no

Brasil, durante o período colonial, sob a vigência das Ordenações Filipinas.

Conforme destaca Oliveira (2002)2, a realidade é que durante o período colonial e a

partir das codificações de leis brasileiras, a família nunca ganhou papel de discussão,

principalmente com a edição das duas primeiras Constituições: a Constituição Imperial de

1824, outorgada por D. Pedro I, e a Constituição da República promulgada em 1891.

Na primeira, tendo em vista a natureza jurídica da Carta Constitucional e em virtude

do período político da época e a forte influência do liberalismo clássico, a família passou

invisível aos olhos dos governantes, assim como todos os outros grupos sociais. Como a

Constituição de 1824 foi outorgada pelo Imperador D. Pedro I, esta manteve em sua essência

o caráter meramente político, não se preocupando com questões relativas ao direito privado e,

claro, com o Direito de Família. Todavia, a influência patriarcal e religiosa que remontam

séculos manteve-se durante o período de vigência desta Constituição, ressaltando a

prevalência do homem e a subordinação da mulher, não detentora de direitos exclusivos do

homem, como a cidadania. Além deste, a indissolubilidade do casamento persistiu.

No tocante à Constituição de 1891, esta inovou no sentido de pôr em xeque os

preceitos religiosos que vinham influenciando até então, aceitando somente como válido o

2 Apesar da obra do autor José Sebastião de Oliveira reportar-se a sua edição ao ano de 2002,necessária se fez ao desenvolvimento do presente trabalho, pois, as informações contidas naquela nãosão ultrapassadas.

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casamento realizado no civil.3 Tal posicionamento constitucional foi uma forma de manter

uma posição firme e definitiva diante do Direito Canônico, retirando da Igreja Católica o

direito ao controle do ato jurídico válido do casamento e continuando a dar clara conotação de

ilegalidade à cerimônia religiosa do casamento celebrada perante o clero religioso, até então

considerado como religião oficial pelo direito constitucional imperial (OLIVEIRA, 2002).

O que se observa da leitura da Constituição Republicana de 1891 é que o modelo

patriarcal e institucional da família prevaleceu, enquanto, em contrapartida, houve uma

ruptura de laços do Estado versus Igreja, caracterizado pela primeira manifestação de

casamento laico.

O Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, instituiu o casamento civil, regulando em

especial todos os detalhes inerentes a este instituto jurídico, merecendo destaque a

relativização da indissolubilidade do casamento, que, mesmo não permitindo a dissolução do

vínculo conjugal, previu a separação de corpos.4

Sob a égide da Constituição da República de 1891, que assegurava a democracia, a

liberdade e a igualdade de todos perante a lei, numa sociedade basicamente rural, em que a

família se caracterizava como entidade patriarcal, hierarquizada, matrimonializada e

patrimonializada, o primeiro Código Civil brasileiro, instituído pela Lei nº 3.071, de 01 de

janeiro de 1916, constituiu a família sob o princípio da unidade de direção (COMEL, 2003)5. O

princípio da unidade da direção nada mais é do que um reforço infraconstitucional ao poder

familiar que, assim como nas civilizações antigas e medievais, era exercido pelo marido6,

chefe do núcleo familiar.

A bem da verdade é que o Código Civil de 1916 defendeu a mesma ideia das outras

codificações, inclusive estabelecendo hipóteses de subordinação da mulher casada7, inclusive

caracterizando-a como relativamente incapaz8. Ainda nestas hipóteses de inferioridade3CF/1891. Art. 72. § 4º. A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração é gratuita.

4Decreto nº 181 de 1890. Art. 88. O divórcio não dissolve o vínculo conjugal, mas autoriza a separaçãoindefinida dos corpos e faz cassar o regime de bens, como se o casamento fosse dissolvido.

5 Apesar da obra da autora Denise Damo Comel reportar-se a sua edição ao ano de 2003, necessária sefez ao desenvolvimento do presente trabalho, pois, as informações contidas naquela não sãoultrapassadas.

6CC/1916. Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal.

7A mulher ao contrair o casamento perdia o direito à livre administração de seus bens, o direito deexercer profissão sem autorização do marido (Art. 233, II e IV, do Código Civil de 1916), colocando-anuma posição de inferioridade como também de dependência para com o cônjuge diante a sociedade.

8CC/1916. São incapazes, relativamente a certos atos ou a maneira de os exercer: (...) II – as mulherescasadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.

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feminina adequam-se as relações extraconjugais do marido, que se denominam de

concubinato, que, por força do mandamento legal, não era reconhecido, mesmo que da relação

houvesse gerado um filho, adquirindo este o status de filho ilegítimo. No tocante à

indissolubilidade do casamento, mais uma vez veio prevista, contudo o art. 315 trouxe a

possibilidade do desquite da sociedade conjugal.9

A Constituição de 1934 emergiu diante um contexto histórico conturbado decorrido

nas três primeiras décadas do século XX (Constituição Mexicana de 1917, Primeira Guerra

Mundial, Depressão econômica dos EUA, consolidação do fascismo na Itália e nazismo na

Alemanha), “representando uma transição do liberalismo clássico capitalista para

intervencionismo do Estado, onde pela primeira vez normas relativas a alguns direitos sociais

debutaram no corpo de uma Constituição Nacional” (OLIVEIRA, 2002, p. 43). Foram previstos

pela primeira vez os chamados direitos humanos de segunda geração, ou, direitos sociais, tais

como educação, saúde, lazer, trabalho, alimentação.

Em se tratando de Direito de Família, esta Constituição tratou do tema no Título V,

denominado “Da Família, da Educação e da Cultura”, inseridos no Capítulo I, “Da Família”.

Aparece pela primeira vez a menção expressa a “proteção especial do Estado” à família. Com

espeque, em virtude da Assembleia Constituinte de 1934 ter em sua maioria membros

católicos, houve uma reaproximação do Estado com a Igreja Católica, reestabelecendo os

efeitos civis ao casamento religioso.

Indispensável relatar que a Constituição de 1937, decorrente de um golpe de Estado,

não alterou substancialmente as previsões da Constituição anterior no tocante à família,

realizando apenas alguns ajustes neste instituto, visto que a mesma pessoa que outorgou a

Constituição de 1937, era a que chefiava o governo provisório, quando da promulgação da

Constituição de 1934.

As Constituições de 1946 e de 1967 e a Emenda Constitucional nº 01 de 1969,

praticamente em nada evoluíram, comparada com a anterior, ou seja:

“em termos de conceito de família, não obstante já haver naquela épocapensamentos inovadores, mantendo in totum o pensamento conservador de quefamília só era a legítima, ou seja, a constituída pelo casamento, impondo-se que elefosse contraído com vínculo indissolúvel, de tal sorte que o posicionamento daConstituição de 1946 era exatamente igual ao posicionamento de 12 anos atrás, ouseja, o mesmo inserto na Constituição de 1934” (OLIVEIRA, 2002, p. 61).

9CC/1916. Art. 315. A sociedade conjugal termina: I – pela morte de um dos cônjuges; II – pelanulidade ou anulação do casamento; III – pelo desquite, amigável ou judicial. Parágrafo único. Ocasamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges, não lhe aplicando a preempçãoestabelecida neste Código, art. 10, segunda parte.

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Insta mencionar que, em 1962, com a edição da Lei nº 4.121 (Estatuto da Mulher

Casada), que, apesar de ter mantido o marido na chefia conjugal, estabeleceu que o pátrio

poder seria exercido pelo marido com a colaboração da mulher. Outra alteração que, ao

inovar, gerou muita polêmica, foi a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/1977), rompendo com a

indissolubilidade do casamento que perdurou décadas. Todavia, o principal objetivo desta lei

foi regular a guarda dos filhos diante a situação de dissolução da sociedade conjugal.

O Estado, após mais de 50 anos sem alterar significativamente os dispositivos de que

tratam o Direito de Família, ao promulgar a Constituição de 1988, trouxe algumas regras que

inovaram o Direito de Família, ao prever não somente o matrimônio como a única forma de

entidade familiar, mas também a união estável e a família monoparental. Além dessas

entidades familiares, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido a existência de outros

modelos de família, tais como família homoafetiva, família mosaico, família parental, família

paralela, família poliafetiva, família unipessoal.

Em sintonia com a Constituição de 1988, a legislação brasileira infraconstitucional

passou a regular alguns temas do Direito de Família, inclusive do conceito de família.

Podemos citar o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), o Código Civil de

2002 (Lei nº 10.406/02), a Lei Maria da Penha, dentre outras.

2.1 O CONCEITO DE FAMÍLIA APÓS PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

A família é vista como o primeiro grupo social pelo qual um cidadão se socializa. É

dela que saem as primeiras lições de vida, de moral, de ensinamentos. Indo além, Bittar

(2006, p. 01) caracteriza a família nos seguintes termos:

como célula base do tecido social, o centro irradiador da vida, de cultura e deexperiência, em que o homem nasce, forma a sua personalidade e se mantém,perpetuando a espécie, dentro de uma comunidade duradoura de sentimentos e deinteresses vários que unem seus integrantes.

Assim, a família, vista como instituição social, é uma entidade anterior ao Estado,

anterior à própria religião e também anterior ao Direito que hoje a regulamenta (OLIVEIRA,

2002, p. 22). Ademais, são das relações familiares que a espécie humana é perpetuada, sendo

uma instituição importante para o alcance deste objetivo.

É importante ainda enfatizar o seguinte:

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a família é a mais antiga das grandes instituições e, embora não se saiba com certezaqual a sua origem, pode-se afirmar que sua formação é cultural, resultando decomportamentos, hábitos e valores próprios da sociedade em determinados tempo eespaço (RENDWANSKI, 2012, p.35).

É notório que o Direito de Família passou por uma longa evolução, e continua

passando, de local para local, de época para época, em função do próprio desenvolvimento da

vida humana em sociedade e das diferentes mudanças de costumes e ideias verificadas através

dos tempos (BITTAR, 2006)10.

Como já corroborado anteriormente, até a Promulgação da Constituição de 1988, o

Direito de Família era caracterizado como um direito patrimonial, de tal forma que apenas o

casamento era reconhecido como entidade de família, ficando à margem da jurisprudência dos

tribunais estabelecer alguns ‘direitos’ aos filhos e mulheres decorrentes de outros tipos de

relação familiar que não fosse o casamento.

O Direito de Família deixa de lado a natureza institucional e passa a dar atenção à

função social do núcleo familiar, estabelecendo direitos para todas as pessoas que o compõem

(marido, esposa, filhos).

A esse respeito, Dias (2013, p. 39) afirma que “raras vezes uma constituição consegue

produzir tão significativas transformações na sociedade e na própria vida das pessoas como

fez a atual Constituição Federal.”

De fato, a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art. 226, que a família é a

base da sociedade e possui especial proteção do Estado, constituindo essa proteção um direito

subjetivo público oponível ao próprio Estado e à sociedade11. Nesse contexto, os parágrafos

terceiro e quarto do art. 226 inovam ao assentar que a família plural não se constitui apenas do

casamento civil, superando o padrão estabelecido no Código Civil de 1916 (FACHIN, 2001)12.

Pela primeira vez, o ordenamento jurídico brasileiro prevê no seu texto constitucional

uma pluralidade de entidades familiares: matrimonial, união estável e a família monoparental.

É perceptível que, ao estabelecer esse alargamento conceitual de família, o legislador

10Apesar da obra do autor Carlos Alberto Bittar reportar-se a sua edição ao ano de 2006, necessária sefez ao desenvolvimento do presente trabalho, pois, as informações contidas naquela não sãoultrapassadas.

11 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. In: RENDWANSKI, Marina Rodrigues.O conceito jurídico de família a partir da pluralidade de figuras existentes no ordenamento brasileiroatual. Porto Alegre: 2012.12 Apesar da obra da autora Rosana Amara Girardi Fachin reportar-se a sua edição ao ano de 2001, necessária se fez ao desenvolvimento do presente trabalho, pois, as informações contidas naquela não são ultrapassadas.

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constituinte, como bem ressalta Gomes (2002)13, adotou uma tendência de tornar o grupo

familiar cada vez menos organizado e hierarquizado, fundando-se cada vez mais na afeição

mútua.

Ademais, os princípios da dignidade humana e da igualdade da família foram alguns

dos inúmeros princípios elencados no dispositivo Constitucional. O art. 5º, I, consagrou a

igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres como princípio fundamental.

Especificamente, o art. 226, § 5º preceitua a igualdade na sociedade conjugal, ao estabelecer

que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão exercidos igualmente pelo

homem e pela mulher. Verifica-se, portanto, que o pátrio poder deixou de existir, dando lugar

ao poder familiar, exercido, em conjunto, pelo marido e pela esposa (BRASIL, 1988).

Ora, a família passou a ser valorizada de tal forma que a todos os seus componentes

familiares são reconhecidos direitos protetivos, na defesa de seus interesses sociais e

individuais decorrentes desta relação. A nova família, prevista na carta constitucional,

reconhece os indivíduos de um núcleo familiar como aptos a reclamarem a devida atenção e

proteção. Há uma necessidade constante de estudar e proteger as mais diversas concepções de

relacionamento.

Na análise de Fachin (2001, p. 4), “a função procriacional da família e o seu papel

econômico perdem terreno para dar lugar a uma comunhão de interesses e de vida, em que

laços de afeto marcam a estabilidade da família”. Nesta perspectiva continua expondo que:

a família contemporânea não corresponde àquela formatada pelo Código Civil de1916, constituída por pai e mãe, unidos por um casamento regulado pelo Estado, aquem se conferia filhos legítimos. O grande número de famílias nãomatrimonializadas oriundas de uniões estáveis, ao lado de famílias monoparentais,denota a abertura de possibilidades às pessoas, para além de um único modelo defamília.

Apesar de inovadora e revolucionária, a Constituição da República de 1988 limitou-se

a estabelecer expressamente como entidade familiar apenas as três já mencionadas

anteriormente, deixando de lado algumas outras entidades familiares que já eram da realidade

social brasileira. Neste mesmo diapasão, o novel Diploma Civil (Lei nº 10.406/02) foi tímido

quando da oportunidade de dar reconhecimento e importância às demais entidades familiares,

reproduzindo em seu texto legal apenas as entidades que foram previstas na Constituição.

A primeira lei, no âmbito infraconstitucional, que se preocupou em conceituar família

de acordo com o perfil contemporâneo foi a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), ao

13 Apesar da obra do autor Orlando Gomes reportar-se a sua edição ao ano de 2002, necessária se fezao desenvolvimento do presente trabalho, pois, as informações contidas naquela não são ultrapassadas.

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estabelecer em seu art. 5º, inciso II, que família, para os fins daquela lei, era compreendida

como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos

por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.

Dessa forma, destaca-se que o referido dispositivo, consagra, pela primeira vez, a ideia

de que família não é constituída por imposição da lei, mas sim por vontade dos seus próprios

membros. Diante da mutabilidade constante do Direito de Família e pela atual situação que se

encontram as entidades familiares no direito brasileiro, vale transcrever um trecho da obra da

Desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná, Rosana Fachin, que, apesar ter sido escrito

há mais de uma década, retrata o real sentimento que se vivencia hodiernamente e continuará

atual quando for lido nas décadas futuras.

a doutrina contemporânea aponta para um presente plural, que se abre para a ideiade reforma, numa incessante construção e reconstrução, cuja ausência de modeloúnico para as relações familiares se coaduna com o respeito à adversidade, e desafiao direito e a sociedade a conviverem com esses paradoxos e inquietações,simultaneamente abrindo novas perspectivas (FACHIN, 2001).

Logo, o que se vê é que tanto a jurisprudência, a doutrina e o legislador, caminham em

uma mesma direção, que, apesar de ainda terem alguns impasses decorrentes de uma visão

patrimonialista da família, buscam alargar o conceito de família, não protegendo tão somente

aquelas previstas na Constituição, mas todas as entidades familiares que se baseiem na relação

de afetividade.

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS MAIS RELEVANTES DO DIREITO DE

FAMÍLIA

O ordenamento jurídico brasileiro é composto de regras legais e princípios

norteadores, sendo estes últimos elevados ao patamar de uma exigência maior, tendo em vista

que se caracterizam como o alicerce axiológico do qual se sobrepõe todas as normas jurídicas

existentes em um determinado sistema.

Com o advento da constitucionalização do Direito Civil, isto é, cada vez mais percebe-

se a influência do Direito Constitucional sobre o Direito Civil (relações privadas),

principalmente com a promulgação da Constituição da República de 1988, os princípios

passaram a ter uma maior eficácia normativa, deixando apenas de servir como fonte

interpretativa e orientadora do direito.

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Das lições de Nucci (2006, p.77) extrai-se o seguinte ensinamento: “os princípios são

postulados que irradiam por todo o sistema de normas, fornecendo um padrão de

interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo, estabelecendo uma

meta maior a seguir”. Verifica-se, portanto, que os princípios possuem uma maior

aplicabilidade e eficácia em todo o ordenamento jurídico.

Seguindo na mesma linha de raciocínio exposto no parágrafo anterior, tem-se que:

“enquanto as regras se esgotam em si mesmas, descrevendo o que se deve e o quenão se deve, o que se pode e o que não se pode, os princípios são mandamentos deotimização, normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possível,dentro das possibilidades jurídicas e fáticas de cada caso concreto” (DONIZETTI,2012, p.82).

Como o direito está em constante evolução e adaptando-se às mudanças sociais e

históricas, daí temos o porquê de os princípios apresentarem maior eficácia normativa, visto

que a sua volatilidade acompanha paralelamente o desenvolvimento das sociedades, na

medida em que algumas regras, apesar de ainda estarem vigentes, tornaram-se obsoletas para

a realidade jurídica atual.

É sabido que o constituinte, objetivando construir uma sociedade livre, justa e

solidária14 elencou, na Carta Constitucional de 1988, uma série de princípios, elevando-os à

qualidade de princípios constitucionais, embora não quer dizer que estes princípios estejam

expressamente positivados no texto, já que estes emanam do espírito da Constituição.15

A dignidade humana é um destes princípios, estando prevista em seu primeiro artigo,

sendo considerada, portanto, um fundamento do Estado Democrático de Direito16. Ao lado da

dignidade humana verificam-se a presença de outros princípios constitucionais aplicáveis ao

Direito de Família. Dentre os mais importantes para o estudo deste trabalho destacam-se a

14CF/88. Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construiruma sociedade livre, justa e solidária. [...]

15Donizetti; Quintella estabelecem uma distinção entre princípios constitucionais e princípios gerais doDireito, corroborando que estes últimos são peculiares aos diversos ramos jurídicos, e emanam daconstrução doutrinária e jurisprudencial da disciplina, enquanto que no primeiro são extraídosdiretamente da Constituição (2013p. 907).

16 CF/88. Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados eMunicípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem comofundamentos: I – soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valoressociais do trabalho e da livre-iniciativa; V – pluralismo político (BRASIL, 1988)

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liberdade, o pluralismo das entidades familiares e a afetividade, os quais serão cuidados com

mais detalhes abaixo.17

3.1 DO RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA

A dignidade humana, considerada princípio basilar e orientador de todo o ordenamento

jurídico, inclusive de todos os outros princípios constitucionais e princípios gerais do direito,

está previsto no inciso III do Artigo 1º da Constituição Federal de 1988. A justificativa para

dar tamanha importância a um princípio constitucional18 se dá ao fato do momento histórico

da promulgação da atual Constituição, vez que esta sucedeu um período de pós-ditadura, isto

é, de grave violação aos direitos humanos, além de que, também no Direito de Família, devido

à constante mutação, as divergências doutrinárias e jurisprudenciais persistem, sendo

necessário, portanto, a aplicação do direito que melhor objetive a dignidade do ser humano.

É deste princípio que derivam todos os outros princípios, sendo considerado princípio

universal. Para Dias (2013), a dignidade da pessoa é um macroprincípio, representando o

epicentro axiológico da ordem constitucional. Cumpre, entretanto, destacar que conceituar

dignidade não é tarefa fácil, gerando discussões doutrinárias acerca do que é ser digno,

requerendo a análise dos seus mais variados aspectos.

Para Donizetti e Quintella (2013), a dignidade relaciona-se com a existência livre, ao

acesso aos bens essenciais à manutenção da vida, tais como o direito à própria vida, à

moradia, à saúde, à educação, ao lazer, à segurança etc. Nesse sentido, verifica-se que os bens

protegidos pela dignidade da pessoa não encontram limitação no texto constitucional ou

infraconstitucional, destarte esse rol mencionado seja meramente exemplificativo.

Cumpre ressaltar a importância deste princípio na aplicação ao Direito de Família, já

que a ordem constitucional, ao tratar da família, em seu Capítulo VII, corrobora com a

aplicação deste princípio ao prever expressamente “a dignidade no âmbito do livre

17Além destes princípios Dias elenca como princípios constitucionais da família: da igualdade erespeito à diferença; da solidariedade familiar; da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens eidosos; da proibição de retrocesso social (DIAS, 2013, p. 65-74).

18Para alguns doutrinadores, a dignidade da pessoa humana é o único direito constitucionalconsiderado em sua forma absoluta.

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planejamento familiar19, a dignidade em relação a proteção à criança e ao adolescente20, a

dignidade da proteção aos filhos menores e aos pais pelos filhos maiores21 e a dignidade no

amparo ao idoso”22 (RENDWANSKI, 2012).

Destaque-se que a aplicação da dignidade humana visa uma proteção integral do

indivíduo no âmbito familiar, englobando desde a liberdade de elaborar o seu planejamento

familiar, que é feito de forma igualitária entre o homem e a mulher, até os indivíduos, na sua

forma isolada, quando o Estado, através de políticas públicas, promove a dignidade da

criança, do adolescente e do idoso. Isto posto, é de mencionar que a dignidade humana,

significa, também, dignidade para as entidades familiares em todas as suas formas. Logo,

tratar de forma diferenciada as entidades familiares é violar a ordem constitucional.

3.2 DA LIBERDADE

O princípio da liberdade não deve ser analisado de forma isolada, tornando-se

imprescindível o seu reconhecimento concomitante com o princípio da igualdade. É

necessária não somente a previsão da igualdade no texto constitucional, mas que a igualdade

seja aplicada a todos, para que assim a liberdade, no sentido amplo da palavra, seja

efetivamente exercida.

Igualmente, os princípios da liberdade e igualdade adquiriram o status de direitos

fundamentais, de modo a garantir o respeito à dignidade humana (DIAS, 2013). Ambos os

princípios se entrelaçam, sendo um necessário ao cumprimento do outro, pois somente haverá

19CF/88. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [....] § 7º. Fundadonos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar élivre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para oexercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas(BRASIL, 1988)

20CF/88. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente eao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, àprofissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar ecomunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988)

21CF/88. Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiorestêm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (BRASIL, 1988)

22CF/88. Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lheso direito à vida (BRASIL, 1988).

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liberdade quando esta for prevista de forma igual a todos os indivíduos. Nesse sentido,

necessário trazer à baila os ensinamentos de Dias (2013, p. 66), ao argumentar que:

a Constituição, ao instaurar o regime democrático, revelou enorme preocupação embanir discriminações de qualquer ordem, deferindo à igualdade e à liberdadeespecial atenção no âmbito familiar. Todos têm a liberdade de escolher o seu par,seja do sexo que for, bem como o tipo de entidade que quiser constituir sua família

E continua, enfatizando o seguinte:

em face do primado da liberdade, é assegurado o direito de constituir uma relaçãoconjugal, uma união estável hétero ou homossexual. Há a liberdade de dissolver ocasamento e extinguir a união estável, bem como o direito de recompor novasestruturas de convívio (DIAS, 2013, p. 67).

Diniz (2014, p. 23) exemplifica algumas previsões legais que retratam a figura do

princípio da liberdade, o qual:

funda-se no livre poder de constituir uma comunhão de vida familiar por meio decasamento ou união estável, sem qualquer imposição ou restrição de pessoa jurídicade direito público ou privado (CC, art. 1.513); na decisão livre do casal, unido pelocasamento ou pela união estável, no planejamento familiar (CF, art. 226, § 7º; CC,art. 1.565, § 2º), intervindo o Estado apenas em sua competência de propiciarrecursos educacionais e científicos ao exercício desse direito; na convivênciaconjugal; na livre aquisição e administração do patrimônio familiar (CC, arts. 1.642e 1.643) e opção pelo regime matrimonial mais conveniente (CC, art. 1.639); naliberdade de escolha pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa daprole (CC, art. 1.634); e na livre conduta, respeitando-se a integridade físico-psíquica e moral dos componentes da família.

Impende ressaltar que, o princípio da igualdade concomitante com o princípio da

liberdade, não vieram apenas previstos no texto da Constituição Federal de 1988, mas tais

mandamentos fundamentais foram reforçados no âmbito infraconstitucional, como nos

exemplos acima.

3.3 DO PLURALISMO DAS ENTIDADES FAMILIARES

Oportuno destacar que o ordenamento pátrio brasileiro, até a promulgação da

Constituição de 1988, previa como núcleo familiar tão somente o vínculo matrimonial,

condenando os demais vínculos familiares à invisibilidade23, não sendo aceitáveis outros

vínculos em virtude de forte influência de valores patrimoniais.

23A esse respeito, consultar Dias (2013, p. 70).

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Todavia, com o advento da atual Constituição, o matrimônio não foi o único vínculo

familiar a ter reconhecimento constitucional, de forma que a união estável ganhou atenção

especial em seu artigo 226, § 3º. Além disso, o novel Diploma Civil de 2002 trouxe no seu

corpo legal alguns dispositivos destinados a outorgar alguns direitos às relações de união

estável. Com efeito, diante dos contornos e da atual conjectura do sistema familiar, inclui-se

como entidades familiares, pela maioria dos doutrinadores, além do matrimônio, da união

estável, e das famílias monoparentais, as uniões extramatrimoniais, parentais e pluriparentais.

Em face da proteção especial do Estado que tem a família24, considerada base da

sociedade, não se pode excluir do berço protecional aquelas entidades familiares que, embora

não estejam expressamente previstas, foram constituídas a partir de um vínculo de afetividade

e com o objetivo de constituir família, gerando comprometimento recíproco entre todos os

envolvidos. Essas entidades familiares não serão detalhadas neste subitem visto que ganhou

um capítulo25 exclusivo neste trabalho para melhor serem compreendidas e detalhadas.

3.4 DA AFETIVIDADE

O princípio da afetividade, apesar de não estar expresso no texto constitucional, é

corolário da dignidade humana. É sabido que o afeto familiar é de responsabilidade de todos

os indivíduos que integram a família. Contudo, tal responsabilidade não se esgota no seu

âmbito privado, sendo também função do Estado de assegurar o afeto aos seus cidadãos.

A palavra ‘afeto’ apenas foi mencionada em um artigo do Código Civil de 2002, ao

tratar da guarda unilateral26, a qual será atribuída ao genitor que melhor ofereça condições

para propiciar aos seus filhos o afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar. Outra

previsão infraconstitucional da afetividade foi da edição da Lei Maria da Penha27 ao

estabelecer hipóteses de configuração de violência doméstica e familiar contra a mulher que

ocorra em qualquer relação íntima de afeto.

Como bem pondera Dias (2013, p. 73), deve-se ter em conta que:

24CF/88. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

25Esse aspecto é tratado na sessão 4, p. 21 deste estudo

26CC/02. Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. [...]§ 2º. A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar.

27Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006.

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o afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam daconvivência familiar, não do sangue. Assim, a posse de estado de filho nada mais édo que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir afelicidade, como um direito a ser alcançado.

A ideia de família traduz, - a cada um de seus membros -, a idealização de estar

naquele lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças e valores, permitindo, a cada

um, se sentir a caminho da realização de seu projeto pessoal de felicidade (Oliveira; Hironaka,

2002).

Além do mais, percebe-se cada vez mais a valorização das funções afetivas da família,

isto é, a concepção de relação familiar se insere em um âmbito de proteção de todos os seus

membros, de forma que estes membros estejam ligados pela afetividade. Logo, a afetividade é

um dos requisitos essenciais para configuração da família moderna, que perdeu o lugar do

patriarcalismo, e deu lugar ao afeto familiar.

4 PLURALIDADE DE ENTIDADES FAMILIARES

Com o advento da Constituição da República de 1988 e a constitucionalização do

princípio da pluralidade de entidades familiares, muitos modelos de famílias passaram a ser

estudados pelos doutrinadores contemporâneos. Ocorre que, ao considerar a aplicação desse

princípio, surgiu a divergência acerca se as hipóteses previstas na Constituição se tratam de

um rol numerus clausus, isto é, taxativo, ou se o rol é meramente exemplificativo, admitindo,

portanto, outras formas de entidades familiares diferentes daquelas previstas no texto

constitucional.

De um lado, um grupo de doutrinadores e juristas defende a ideia de que as entidades

familiares são, somente, aquelas previstas no artigo 226 da Constituição: casamento, união

estável e monoparental. Em contrapartida, outro defende que as entidades familiares vão além

daquelas previstas no texto constitucional, em decorrência de uma interpretação extensiva, à

luz do princípio da igualdade de proteção às entidades familiares, aduzindo que os tipos de

entidades familiares mencionados nos parágrafos do art. 226 da Constituição Federal são

meramente exemplificativos, recebendo referência expressa apenas por serem os mais comuns

(RENDWANSKI, 2012).

Assim, serão tratados a seguir os modelos de famílias que mais têm sido estudados

pelos juristas e reconhecidos diante o Poder Judiciário, sem prejuízo de outras entidades

familiares que se configure na prática e acabem por receber guarida da doutrina e

jurisprudência.

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4.1 FAMÍLIA MATRIMONIAL

A família matrimonial é a que se forma pelo casamento, segundo o qual, comentam

Donizetti e Quintella (2013, p.895), duas pessoas, através de um ato jurídico, “resolvem viver

em comunhão, adotando regime de bens para disciplinar seus patrimônios e submetendo-se

aos diversos efeitos atribuídos pela lei ao ato, entre os quais a imposição de certos deveres,

como os de fidelidade e de mútua assistência.”

É sabido que, desde os primórdios da antiguidade, o instituto do matrimônio esteve

presente nas sociedades. Não obstante, no Brasil, com a forte influência do cristianismo sobre

o Estado, o matrimônio foi regulamentado de forma exaustiva por mais de 4 séculos,

caracterizando a família legítima como resultado da celebração daquele.

O Código Civil de 1916 reproduziu o sentimento vivido por centenas de anos: o

matrimônio entendido como a única forma legítima de família, caracterizado pela sua

indissolubilidade, herdada da Igreja Católica, hierarquização, patriarcalidade e

patrimonialidade.

Com o advento da Constituição de 1988 e, posteriormente, com a edição do Código

Civil de 2002, o matrimônio, enquanto instituição familiar de maior número, foi ratificado

novamente, todavia com algumas particularidades, como por exemplo, a previsão do divórcio.

Para Rendwanski (2012, p.12) “a relação conjugal encontra seu fundamento na

manutenção da vontade dos cônjuges em permanecerem juntos e dar continuidade ao projeto

de vida comum, de forma que a quebra do afeto mútuo retira o significado da união, a qual

pode ser dissolvida pelo divórcio.”

Desta feita, por ser a entidade familiar mais presente na sociedade moderna e, por

remontar séculos de surgimento, os doutrinadores conservadores adotam a teoria de que o

casamento é o principal vínculo familiar existente, dando-lhe privilegio em detrimento às

demais entidades familiares reconhecidas. Ademais, o Constituinte ao estabelecer em seu

artigo 226, § 3º que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento, deixa a

entender, de certa maneira, a preferência por esse modelo familiar.

4.2 UNIÃO ESTÁVEL

A união estável ou, como também é conhecida, a família informal, por muito tempo

padeceu de juridicidade aos olhos do legislador e até mesmo de reconhecimento por parte da

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sociedade. As relações concubinárias não eram reconhecidas pelo Estado e tampouco

assegurava qualquer direito em decorrência desta, até mesmo para os filhos havidos durante

esta relação extramatrimonial. Dentre as mudanças surgidas com a Constituição de 1988 está

o reconhecimento da união estável, anteriormente concubinato, entre homem e mulher, como

entidade familiar. A nominação concubinos fora substituído pelos termos companheiro e

companheira.

Ab initio, o intuito do legislador ao deixar claro os termos ‘entre homem e mulher’

traduziu uma ideia de preconceito contra as pessoas do mesmo sexo que mantém relação

estável. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, rompeu com qualquer resquício de

intolerância à diversidade sexual ao estender o reconhecimento da união estável aos casais do

mesmo sexo, com o julgamento da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental) 132.

Conforme prevê o texto Constitucional em seu artigo 226, § 3º, a união estável decorre

da relação entre duas pessoas que decidem assumir o status familiae, sendo caracterizado pela

convivência pública, contínua e duradoura. Insta salientar que não há prazo fixo de

convivência para o reconhecimento da união estável.

Além disso, não basta apenas a convivência contínua e duradoura, a jurisprudência

majoritária entende que deve haver o afeto entre os membros do núcleo familiar. Esse foi o

entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais ao não reconhecer uma união estável em

virtude da falta de envolvimento afetivo e amoroso. 28

Isto posto, desde o seu reconhecimento pela primeira vez em 1988, a união estável

passou a ser considerada entidade familiar, não sendo inferior ao casamento. Contudo, os

dispositivos legais advindos do Código Civil de 2002 trazem algumas peculiaridades diversas

em comparação ao casamento (a exemplo dos direitos sucessórios).

4.3 FAMÍLIA MONOPARENTAL

28UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE AFETO, AMOR E RESPEITOENTRE AS PARTES. RECURSO NÃO PROVIDO. Reconhecer união estável, sem comprovaçãode que tenha ocorrido afeto, carinho e amor entre o casal, apenas com apoio em documentosesparsos que indicam envio de cartas para um mesmo endereço, ou com base em uma conta conjunta,é desprezar o valor mais importante para a união de um homem e uma mulher, que é o amor.Não há, nos autos, nenhuma prova de que apelante e apelada, após a separação consensual, tenhamtido envolvimento afetivo e amoroso. Sem tal prova, que é fundamental para o reconhecimento deuma convivência entre um casal, não há como reconhecer uma união estável. Amor não seconfunde com negócio, apesar de – lamentavelmente – alguns insistirem em misturar afeto comdinheiro, carinho com interesse financeiro. (TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.03.074138-3/001, 5ªCâmara Cível, relatora: Des. Maria Elza, data do julgamento: 25/08/2005)

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Conforme exposto anteriormente, a Constituição de 1988 previu a ampliação do

conceito de família, estendendo a mais dois núcleos de pessoas, além do matrimônio, como

sendo entidade familiar, dentre elas as famílias monoparentais. A família monoparental é

aquela composta por qualquer dos pais e seus descendentes, e recebe essa denominação

devido a titularidade do poder familiar ser exercida somente por um dos pais. Embora haja

reconhecimento deste núcleo familiar, o texto constitucional, assim como o Código Civil

mantiveram-se omissos em relação aos direitos (seja eles patrimoniais, sucessórios, etc.) daí

decorrentes.

O fenômeno da monoparentalidade, embora previsto apenas na Carta de 1988, não é

recente, tratando-se de uma situação frequente ao longo de toda história, visto que os fatores

determinantes da monoparentalidade podem ser, em sua maioria, o divórcio, a separação e a

viuvez. No que tange à ausência de regulação específica sobre o assunto, faz surgir para o

Estado a obrigação que este efetive de forma mais intensa a proteção da família, pois “uma

única pessoa é responsável psíquica e financeiramente por outra (s), de forma que sempre

terão estrutura mais frágil e necessitarão de uma maior proteção estatal” (RENDWANSKI, 2012,

p. 16).

Além do albergue Constitucional em que se assenta a família monoparental, prevista

no artigo 226, § 4º, caracterizando-a como a relação protegida pelo vínculo de parentesco de

ascendência e descendência, há, também, previsão em trâmite legislativo da disciplina no

Projeto de Lei Nº. 2285/2007 (Estatuto das Famílias), ampliando a formação do núcleo

familiar prevista constitucionalmente, asseverando em seu artigo 69, § 1º que a família

monoparental é a entidade formada por um ascendente e seus descendentes, qualquer que seja

a natureza da filiação ou do parentesco.

4.4 FAMILIA HOMOAFETIVA

Este tipo de família que durante muitos anos sofreu discriminação pelo Direito, e ainda

hoje sofre por parte sociedade, não encontra guarida na legislação pátria, tendo em vista que,

até o presente momento, não há no ordenamento jurídico pátrio nenhum dispositivo legal que

faça menção expressa sobre a família homoafetiva. A esse respeito faz-se oportuno também

ressaltar o posicionamento de Dias (2010, p.30), ao fazer uma crítica à atual Constituição:

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Quando se aborda as questões referentes às uniões homoafetivas, além dasdificuldades de ordem dogmática e cultural, se esbarra no silêncio da CartaConstitucional, na ausência de previsão legislativa e no conservadorismo judicial.Mas as barreiras do preconceito são ainda mais desafiantes: esmaecem a razão,quando não produzem rejeição sistemática e violência.

Todavia, apesar da inexistência de expressa disposição legal, a existência da família

homoafetiva encontra fundamento basicamente na jurisprudência e doutrina, que são pacíficas

em admitir a sua existência. Com as mudanças sociais ocorridas em nossa sociedade no século

XXI, e com a Constituição de 1988, tornou-se um dever jurídico para os juristas o

reconhecimento nas uniões homoafetivas, sobretudo para lhe concederem tratamento

isonômico em relação aos demais tipos de famílias já existentes. Ademais, seria inadmissível

a continuação da discriminação existente, de forma a tolher o reconhecimento de direitos

extensível a todas as entidades familiares. Como bem se sabe, a atual Carta Magna acolheu

como um de seus princípios a igualdade, assim, não podem tais famílias sofrer consequências

danosas em razão de omissão ou até mesmo discriminação legislativa.

O guardião da Constituição, o STF, em decisão memorável, veio a garantir

jurisprudencialmente o reconhecimento de um direito tão almejado pelos casais homoafetivos,

ao julgar a ADPF 132/RJ reconhecendo a união estável entre pessoas do mesmo sexo para

todos os efeitos legais, deixando de lado o conservadorismo judicial predominante nos

tribunais pátrios para dar um enorme passo no sentido de consolidar o reconhecimento de

famílias homoafetivas.

Outro grande marco se deu com a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça

– STJ, ao julgar o Resp 1183378/RS que veio a reconhecer a legalidade do casamento

homoafetivo. Segue abaixo a Ementa do julgado:

DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMOSEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523,1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃOEXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DOMESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTEINACEITÁVEL. ORIENTAÇÃOPRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STFNO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ EDA ADI N. 4.277/DF. (STJ – Resp:1183378 RS 2010/0036663-8, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Data dejulgamento: 25/10/2011, Quarta turma, Data de publicação: DJe 01/02/2012)

Portanto, resta-se inaceitável qualquer tipo de vedação ao casamento homoafetivo,

devendo ser este reconhecido por expressa disposição jurisprudencial. Contudo, apesar de

todas as conquistas no âmbito dos tribunais, o legislador continua omisso em relação à

situação aqui exposta, não se podendo contentar com os avanços até agora conquistados.

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Ressalta-se que muito ainda falta para se conseguir a igualdade almejada, não se podendo

fechar os olhos para as desigualdades ainda existentes, mas se reconhecendo os avanços no

sentido de se conseguir consolidar e combater a discriminação oriunda de orientação sexual.

4.5 FAMÍLIA MOSAICO, COMPOSTA OU PLURIPARENTAL

É muito comum, na contemporaneidade, a busca pela formação de novas relações

afetivas, quando aquelas relações pretéritas resultaram em divórcio e/ou separação do casal.

Não há consenso acerca da denominação dada pela doutrina brasileira diante esta nova

configuração familiar.

Inúmeras expressões são utilizadas para designar os núcleos familiares resultantes da

pluralidade de relações parentais, formadas principalmente por pessoas divorciadas e

separadas, que casaram ou estabeleceram união estável novamente, seguidos dos seus novos

companheiros e os filhos de um ou de ambos, dentre as quais podemos listar: família

composta, mosaico, pluriparental, binuclear, recomposta ou reconstituída.

Nesta mesma linha de pensamento, Dias (2013, p. 46) ressalta que:

A especificidade decorre da peculiar organização do núcleo, reconstruído por casaisonde um ou ambos são egressos de casamentos ou uniões anteriores. Eles trazempara a nova família seus filhos e, muitas vezes, têm filhos em comum. É a clássicaexpressão: os meus, os teus, os nossos...

As possibilidades para caracterização deste arranjo familiar reconhecido pela doutrina

e por alguns julgados dos Tribunais brasileiros são múltiplas. Para facilitar a compreensão da

forma como este núcleo familiar é formado, Donizetti e Quintella (2013, p.901) trazem alguns

exemplos em seu trabalho conjunto ao expor como exemplificação:

um dos companheiros era casado, e, o outro solteiro; ambos eram casados; um eracasado e o outro vivia em união estável; ambos viviam em união estável; um viviaem união estável e o outro era solteiro; ambos têm filhos de relacionamento anterior,ou apenas um tem; há ou não filhos comuns.

As famílias provenientes de um casamento ou relação pretérita são caracterizadas pela

“complexidade decorrente da multiplicidade de vínculos, ambiguidade das funções dos novos

casais e forte grau de interdependência” (GROSSMAN; ALCORTA, apud, DIAS, 2013, p.

56). Todavia, a família mosaico carece de disciplina e estudo por parte dos legisladores, visto

que o silêncio normativo existente abre ala para as dúvidas que brotam a partir do

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reconhecimento deste núcleo de pessoas como uma entidade familiar, principalmente no

tocante as questões sucessórias e de alimentos.

No Brasil, as principais normas que incidem sobre a família mosaico são o Estatuto da

Criança e do Adolescente (Lei Nº 8.069/1990), ao prever no seu art. 41, § 1º, a possibilidade

de adoção unilateral pelo companheiro (a) do cônjuge do genitor29 e a Lei Nº 11.924/90 ao

admitir a possibilidade de o enteado adotar o nome de família do padrasto ou madrasta.

Cumpre mencionar que ao agregar o nome do padrasto, não gera a exclusão do poder familiar

do genitor.

4.6 FAMILIA PARENTAL OU ANAPARENTAL

A Constituição de 1988, apesar de ter estendido o conceito de família a outras

entidades familiares até então passadas despercebidas aos olhos do legislador, não enumerou

todas os vínculos familiares existentes. As famílias parentais ou anaparentais, além de não

estarem disciplinadas legislativamente, sequer foram discutidas com minúcias pela doutrina,

uma vez que estes só se preocuparam em estudar aquelas entidades familiares cujo vinculo

amoroso existe.

No entanto, Dias (2013, p. 55) é adepta da corrente que reconhece o status de entidade

familiar à família parental. Nesse sentido, ela destaca que “a convivência entre parentes ou

entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de

propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome

de família parental ou anaparental”. Logo, a família parental pode ser composta por membros

cuja ligação se dá através do parentesco, consanguíneo ou afim, e a família anaparental, por

membros cuja relação vinculatória inexista, mas persiste, neste caso, a relação de afetividade

e a união de esforços para que cada um alcance a realização pessoal, como também a

convivência comum.

Dias (2010) apud Rendwanski (2012, p.21) “entende que devem ser aplicadas às

famílias anaparentais, por analogia, as regras concernentes ao casamento e à união estável,

conferindo, inclusive, direitos sucessórios privilegiados àqueles que constituem tal forma

familiar”. Entretanto, em outro estudo, Dias (2013, p.55), aduz que:

A convivência sob o mesmo teto, durante longos anos, por exemplo, de duas irmãsque conjugam esforços para formação do acervo matrimonial, constitui uma

29ECA. Art. 41. § 1º Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculosde filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes.

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entidade familiar. Na hipótese do falecimento de uma delas, descabe dividir os bensigualitariamente entre todos os irmãos, como herdeiros colaterais, em nome daordem de vocação hereditária. Também reconhecer mera sociedade de fato e invocara Súmula 380, para conceder somente a metade dos bens à sobrevivente geraflagrante injustiça com quem ajudou a amealhar dito patrimônio. A solução que sepróxima ao resultado justo é conceder à irmã, com quem a falecida convivia aintegralidade do patrimônio, pois ela, em razão da parceria de vidas, antecede aosdemais irmãos na ordem de vocação hereditária. Ainda que inexista qualquerconotação de ordem sexual, a convivência identifica comunhão de esforços, cabendoaplicar por analogia, as disposições que tratam do casamento e da união estável.

Apesar da mora do legislativo em efetivar o princípio da pluralidade de entidades

familiares, o Poder Judiciário, por sua vez, mesmo que de forma tímida, tem se mostrado

inovador, logrando êxito certas demandas impostas aos tribunais brasileiros, vez que nestas

instituições os grupos familiares estão sendo reconhecidos de forma igualitária.30

4.7 FAMÍLIA PARALELA OU SIMULTÂNEA

Família paralela ou família simultânea consubstancia-se no núcleo conjugal formado

por uma pessoa casada ou que vive em união estável com uma terceira pessoa. Esse tipo de

entidade familiar é conhecido por concubinato adulterino, impróprio ou ilegítimo. Até pouco

tempo atrás, os filhos advindos deste tipo de relação eram tidos como ilegítimos ou bastardos,

não lhes sendo assegurados grande parte dos direitos patrimoniais e sucessórios. A propósito,

até o ano de 2005, o art. 240 do Código Penal tipificava como crime o adultério, revogado

pela Lei 11.106/2005.

Em virtude do conservadorismo e do moralismo existente, as famílias paralelas são

vistas com maus olhos, principalmente a família da qual faz parte a concubina, alvo de

reprovação por parte da sociedade. Em contraposição aos direitos assegurados à companheira

30CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO PÓSTUMA. VALIDADE. ADOÇÃOCONJUNTA. PRESSUPOSTOS. FAMILIA ANAPARENTAL. POSSIBILIDADE.(…) O fim expressamenteassentado pelo texto legal – colocação do adotando em família estável – foi plenamente cumprido, pois osirmãos, que viveram sob o mesmo teto, até o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si,como para o então infante, e naquele grupo familiar o adotado se deparou com relações de afeto, construiu – noslimites de suas possibilidades – seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e emocionais,em suma, encontrou naqueles que o adotaram, a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se nogrupo social que hoje faz parte. Nessa senda, a chamada família anaparental – sem a presença de umascendente -, quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento eigual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, §2, do ECA. Recurso não provido. (STJ. REsp1.217.415-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/6/2012)

EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEI 8009/90. IMPENHORABILIDADE. MORADIADA FAMILIA. IRMÃOS SOLTEIROS. OS IRMÃOS SOLTEIROS QUE RESIDEM NO IMOVELCOMUM CONSTITUEM UMA ENTIDADE FAMILIAR E POR ISSO O APARTAMENTO ONDEMORAM GOZA DA PROTEÇÃO DE IMPENHORABILIDADE, PREVISTA NA LEI8009/90, NÃOPODENDO SER PENHORADO NA EXECUÇÃO DE DIVIDA ASSUMIDA POR UM DELES. RECURSOCONHECIDO E PROVIDO. ” (STJ. REsp 159851/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTATURMA, julgado em 19/03/1998, DJ 22/06/1998 p. 100)

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da união estável, o legislador de certa forma puniu a “concubina”, denegando-lhe os direitos

assegurados à companheira.

Não obstante esse tipo de relacionamento é repudiado pela sociedade, visto que trata-

se uma verdadeira afronta àqueles pensamentos conservadores que defendem a monogamia.

Em contraposição, deve-se destacar que

Os relacionamentos paralelos, além de receberem denominações pejorativas, sãocondenados à invisibilidade. Simplesmente a tendência é não reconhecer sequer suaexistência. Somente na hipótese de a mulher alegar desconhecimento da duplicidadedas vidas do varão é que tais vínculos são alocados no direito obrigacional e látratados como sociedades de fato. (...) Uniões que persistem por toda uma existência,muitas vezes com extensa prole e reconhecimento social, são simplesmente expulsasda tutela jurídica. (...) Negar a existência de famílias paralelas – quer um casamentoe uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis – é simplesmente não ver arealidade. (DIAS, 2013, p. 48)

Para Donizetti e Quintella (2013, p. 903), deve ser observado que:

A jurisprudência tem se inclinado para a defesa de direitos da convivente apenasquando esta demonstra que não sabia do vínculo conjugal do convivente com outrapessoa. A ideia é proteger a convivente de boa-fé. Ocorre que, em se tratando dedireito de família, e não de direito das obrigações ou das coisas, a ótica muda. Aqui,não se pode renegar certos direitos a uma pessoa em razão de sua má-fé, sob pena deferir sua dignidade.

Além disso, a jurisprudência tem reconhecido a família paralela, mesmo que em

poucos julgados, não deixando de considerar a existência simultânea de duas entidades

familiares formadas por pelo menos um cônjuge/companheiro ao mesmo tempo presente

nestas duas entidades.31

4.8 FAMÍLIA POLIAFETIVA

Nas lições de Donizetti e Quintella (2013), entende-se como família poliafetiva ou

união poliafetiva aquela cujo núcleo conjugal se forme por mais de dois conviventes, como,

por exemplo, um homem e duas mulheres ou duas mulheres e um homem. A questão ganhou

debate entre os juristas a partir da lavratura de uma escritura pública de união poliafetiva na

cidade de Tupã – SP. Nela, um homem e duas mulheres, declararam viver juntos, tornando a

convivência pública para a garantia de seus direitos.

31DIREITO DAS FAMÍLIAS. UNIÃO ESTÁVEL CONTEMPORÂNEA A CASAMENTO.UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO FACE ÀSPECULIARIDADES DO CASO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJMG, ApelaçãoCível nº 1.0017.05.016882-6/003, 5ª Câmara Cível, relatora: Des. Maria Elza, data do julgamento:20/11/2008)

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Vale trazer trecho da escritura lavrada:

Os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de uniãoafetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para garantia de seusdireitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômicae juridicamente, em caso de questionamentos ou litígios surgidos entre si ou comterceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade eigualdade. (Trecho retirado de escritura pública lavrada no Cartório de Notas eProtestos da cidade de Tupã – SP)32

Muito se discutiu acerca da validade deste documento e, consideradas por muitos, nulo

de pleno direito, para outros, inexistente. Deixando de lado esse viés, para o Instituto

Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM que adota o critério da afetividade para definir

como entidade familiar, reconhece como “transparente e honesta a instrumentalização levada

a feito, que traz a livre manifestação de vontade de todos, quanto aos efeitos da relação

mantida a três” (DIAS, 2013, p. 54).

Embora o princípio da monogamia reja o Direito de Família, este não deve ser posto

de forma absoluta, até porque o Constituinte originário traçou como objetivos da República a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária (Art. 3º, I) e a promoção do bem de todos,

sem qualquer discriminação (Art. 3º, IV) fundando-se na dignidade da pessoa humana.

4.9 FAMILIA UNIPESSOAL

Diante da evolução social, o conceito de família tende cada vez mais a flexibilizar em

direção a um conceito contemporâneo e aberto, aceitando novos modelos familiares, ainda

que ausentes elementos antes considerados essenciais. O modelo da família unipessoal vem,

neste ensejo, se incorporando às ordens jurídicas nacionais e internacionais, com dispensa do

requisito da pluralidade subjetiva, refletindo a organização social e o reconhecimento da

existência de um verdadeiro direito a constituir família, ligado à personalidade do sujeito

(CARVALHO, 2011).

No que tange à família unipessoal, esta se caracteriza pela viuvez, separação, divórcio,

ou até mesmo pessoas solteiras que se constituem o único membro do seu núcleo familiar. A

família unipessoal rompe até mesmo com o caráter dominante para a caracterização das

famílias modernas, qual seja, os laços afetivos e de cuidados recíprocos no campo familiar,

inovando no sentido de compor esta unidade familiar apenas pela busca do ideal de felicidade.

A jurisprudência pátria reconheceu a figura da unipessoalidade como sendo uma

entidade familiar ao estender a impenhorabilidade do bem de família àquelas pessoas

32Notícia disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/4862/novosite> Acesso em 18 Abr 2015

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solteiras, ou que moram sozinhas, cujo entendimento foi sumulado através da Súmula 364 do

STJ33. Senão, veja-se o entendimento jurisprudencial majoritário.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. BEMDE FAMÍLIA. PESSOA SOLTEIRA. ENTIDADE FAMILIAR. NÃO-COMPROVAÇÃO DO BEM COMO ÚNICO IMÓVEL NO PATRIMÔNIO DAPARTE. São impenhoráveis os bens de família, na forma do art. 1º daLei 8009/90, entendendo-se como bem de família o único imóvel adquirido pelocasal ou entidade familiar para fins de residência permanente.A jurisprudênciadominante no ordenamento jurídico, consubstanciada na Súmula 364/STJ,entende que a pessoa solteira, ou a que mora sozinha, constitui unidadefamiliar, para fins de caracterização do imóvel como bem de família .Constituindo-se a pessoa solteira ou que mora sozinha como entidade familiar, ilegalse torna a execução que recai sobre seu imóvel residencial. Nesse sentido, entende-se por imóvel residencial a única propriedade utilizada pelo casal ou pela entidadefamiliar para moradia permanente (art. 5ºda Lei 8009/90). Portanto, a pessoasolteira, considerada pela jurisprudência como entidade familiar, possui aprerrogativa da impenhorabilidade de seu imóvel residencial, desde que areferida residência seja comprovadamente o único imóvel destinado à moradia emseu patrimônio. Consignando o Tribunal Regional, contudo, que não há nos autos acomprovação de que a residência sobre a qual recai a execução seja utilizada comomoradia permanente, não se há falar em impenhorabilidade do bem, nem emviolação do direito à moradia insculpido no art. 6º da CF. Assim, ainda que porfundamento diverso do utilizado pelo Tribunal Regional, não mereceprosseguimento o recurso de revista. Agravo de instrumento desprovido. (TST -AIRR: 2054 2054/1998-050-01-40.8, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data deJulgamento: 25/11/2009, 6ª Turma, Data de Publicação: 04/12/2009)

Nesse processo evolutivo, a família unipessoal vem ganhando espaço na sociedade,

sendo cada vez mais comum e frequente, representando em 2010, de acordo com os dados

estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 12,1% (6,98 milhões) do

total de residências no Brasil como sendo unipessoais.34

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto atual, vê-se que o direito está em constante evolução e processo de

transformação, adaptando-se às realidades sociais, econômicas e históricas de um

determinado momento e uma determinada localidade. Nesse mesmo diapasão, a família,

tratada neste trabalho sob o ponto de vista do vínculo afetivo, vem mudando bastante,

33Súmula 364 do STJ: O conceito de impenhorabilidade do bem de família abrange também o imóvelpertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.

34IBGE. Tipos de família – Família Unipessoal. Disponível em:<http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=6&op=0&vcodigo=FED304&t=tipos-familia>Acesso em 08 Abr 2015

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adquirindo novos contornos, e, em contraponto, carecendo de proteção e estudo mais

aprofundados por parte dos legisladores e juristas.

A Constituição de 1988 surge com o intuito de conferir à família, considerando-a

como base da sociedade, ampla proteção do Estado. Todavia, diante da ausência de uma

determinação legal para o conceito de família, surge a divergência para quais grupos de

pessoas essa proteção deve se destinar.

Por conseguinte, a atual Constituição, ao abolir a expressão ‘constituída pelo

casamento’, prevista anteriormente no artigo 175 da Constituição de 1967 e Emenda

Constitucional Nº. 01, deu ensejo a proteção constitucional da ‘família’, isto é, todos os

núcleos familiares, seja qual for a sua formação, deve ser tutelado pelo direito e garantido o

seu amparo integral.

Depreende-se da análise das entidades familiares expostas no capítulo anterior, que os

vínculos afetivos não são meros contratos regidos pela vontade, os relacionamentos

ultrapassam o caráter patrimonialista, tendo o afeto como causa de sua constituição. Como se

viu, diante da noção aberta do conceito de família, somente cabe reconhecer qualquer que seja

o modelo de entidade familiar, pois o que se busca, afinal, é o mútuo afeto e a plena

felicidade.

Ademais, como já bem exposto no presente artigo, diante da omissão legislativa em se

reconhecer novos tipos de famílias, se faz de suma importância a atividade jurisdicional

suprindo lacunas e alargando a interpretação, com o escopo de se reconhecer juridicamente

novas composições familiares. Temos como maior exemplo o reconhecimento da família

homoafetiva, em que tanto o STF, como o STJ, tiveram papéis primordiais na extensão de

direitos a estas famílias. Entretanto, a maior dificuldade resulta na discriminação social que

ainda é veemente existente em nossa sociedade, e não somente no caso de famílias

homoafetivas, o que também influi na omissão do legislador em positivar os novos tipos de

famílias que surgem em nossa sociedade.

Desta forma, diante tudo o que se discorreu neste trabalho, pode-se concluir que as

famílias contemporâneas devem ser reconhecidas sob a perspectiva de três pontos: a

afetividade, estabilidade e ostensibilidade. Além disso, é preciso que o legislador empreste

uma maior juridicidade às novas entidades familiares, definindo novas terminologias para

melhor compreendê-las, pois o imperativo da busca pela proteção integral da dignidade da

pessoa só será efetivado quando houver o reconhecimento destes grupos de pessoas, enquanto

entidades familiares.

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THE CONCEPT OF FAMILY AND ITS HISTORICAL EVOLUTION IN THEBRAZILIAN LAW

ABSTRACT

This article aims to contribute to the academic world, by examining the problematic raised inquestion, the construction of the concept of family that suits best to the current parentalplanning, taking into account all the social, economical and historical aspects that arenecessary for the development of this concept. In this article, the absence of a legal definitionof what is family and the plurality of the family entities, has become imperative to avail of theexisting of legal framework, including the Constitution of the Republic, as well as the vastjurisprudence and doctrine to the discuss of the relevant aspects of all existing family entitiesin the Brazilian reality. For this, we will analyze the family entities provided in theConstitution, those who are recognized by the doctrine and jurisprudence, tracing thehistorical peculiarities, starting from antiquity and evolved over the Brazilian Constitutions,until you reach the current Constitution and existing out of constitution legislation, addressingto the principles governing the Family Law and in particular, family relationships, betweenother subjects. KEYWORDS: Family Law. Concept. Evolution. Family entities. Affectivity.

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