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Faculdade Boa Viagem Mestrado em Administração Uma estética para um ritmo: construção da identidade de moda em movimentos culturais Eduardo Maciel RECIFE/PE 15 de junho de 2010

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Faculdade Boa Viagem Mestrado em Administração

Uma estética para um ritmo:

construção da identidade de moda em movimentos culturais

Eduardo Maciel

RECIFE/PE

15 de junho de 2010

Faculdade Boa Viagem Mestrado em Administração

Uma estética para um ritmo:

construção da identidade de moda em movimentos culturais

Eduardo Maciel

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Administração do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA da Faculdade Boa Viagem

Orientadora: Prof. Dra. Ana Paula de Miranda

Recife, 2010

DEDICATÓRIA

À cidade mais encantadora do mundo,

onde não me canso de cantar:

Sou do Recife

Com orgulho e com saudade

Sou do Recife

Com vontade de chorar

O rio passa

Levando barcaça

Pro alto do mar

E em mim não passa

Essa vontade de voltar...

Que sorte ter nascido aqui!

GRADECIMENTOS

Sou muito grato a:

Mau e Vivi, Tati e Águeda, Janete e Luísa, Catarina e Sérgio, minha mãe e Breno, Gabi e

Aninha, Dal, Adriana, Marquinhos, Chico e Marcinha, Larissa, Giovana e Pablo, Iranize e, ao

Sebrae, na pessoa de Gilson Monteiro, pelo grande apoio e incentivo que me fizeram chegar

até aqui.

Aos amigos, aqui não citados, que esperaram pacientemente a minha hibernação intelectual.

Caros, já estou de volta!

Não posso deixar de agradecer à minha orientadora AP Miranda que, mais uma vez, me

mostrou que é possível. Basta querer!

Em especial, agradeço à prima Fabíola, que me fez perceber o quanto bater o tambor pode vir

a mudar o rumo das nossas vidas.

A todos, o meu muito obrigado.

Eu vim com a Nação Zumbi Ao seu ouvido falar

Quero ver a poeira subir E muita fumaça no ar

Cheguei com meu universo e aterriso no seu pensamento

Trago a luzes dos postes nos olhos Rios e pontes no coração

Pernambuco embaixo dos pés E minha mente na imensidão.

Mateus Enter do álbum Afrociberdélia - 1996

Nação Zumbi

Resumo

Focados no consumo e no porquê de suas preferências, nosso trabalho buscou no

aprofundamento do estudo de um subgrupo cultural, encontrar possibilidades de resposta a

esta pergunta. Tendo como universo de pesquisa a cultura pernambucana, focamos no

subgrupo cultural dos tocadores de maracatu, sejam integrantes de escolas de percussão ou

membros dessas agremiações. Um mergulho em seu tempo e espaço na busca de revelar como

se constroi a sua identidade de consumo de moda e, como essa é elemento-chave de sua

distinção, perante os demais grupos. Fundamentados no paradigma interpretativista,

acreditamos que uma análise qualitativa foi o melhor caminho para compreender esses

desejos e como estes são reflexo de suas crenças e valores compartilhados. Decerto, que

vários autores já se debruçaram sobre este tema, mas o que aqui propomos é perceber como

um microcosmo de um sub-grupo classificado como alternativo, pode ser norteador de

tendências de consumo, e como estas podem ser inseridas em uma análise macro, buscando

colaborar tanto academicamente quanto no mundo dos negócios, para empresas ou

empreendedores da área. Trabalhando a cultura como pano de fundo, encontramos

peculiaridades neste grupo, tais como integração, liberdade, referência cultural e beleza,

associadas a um consumo que em muitos momentos se mostrou hedônico. Partindo de

categorias analíticas construídas da análise das narrativas de os entrevistados, descobrimos

que estas estão interligadas e são alicerce de si mesmas, numa dinâmica viva e em constante

retroalimentação. Diante desta análise, abrimos espaço para novas pesquisas, nas quais

possamos validar se, em outros grupos ditos alternativos, essas categorias se mantêm ou quais

seriam estes novos desejos e suas relações com o nosso trabalho.

Palavras-chave: consumo, moda, cultura e maracatu.

Abstract

Focused on consumption and because of their preferences, this study sought to deepen the

study of a cultural subgroup find possible answers to this question. Having to search the

universe of Pernambuco culture, focus on the cultural, subgroup of the Maracatu players,

wether members of schools of percussion or members of these associations, a dip in their own

time and space in search of revealing as it builds its identity consumer fashion and as such is a

key element of its distinction in relation to other groups. Based on the interpretive paradigm,

we believe that a qualitative analysis was the best way to understand these needs and how

these are a reflection of their beliefs and shared values.

In a number of authors who have already studied this subject, but what I suggest here is to see

how a micro-cosmos of a subgroup classified as alternative, can be a guide to consumer

trends, and how these can be inserted into a macro analysis seeking to collaborate both

academically and in business enterprises or entrepreneurs to the area.

Working culture as a backdrop, we find peculiarities in this group such as integration,

freedom, cultural reference and beauty associated with a consumer who have often proved

hedonic and in search of personal pleasure only. Starting from analytical categories

constructed from the narratives of our respondents, we found that these categories are

interlinked and foundation of them live in a dynamic and constant feedback.

Given this analysis, we make room for new research projects where we can validate it in other

groups said alternative, these categories remain or what are these new needs and their

relationship to our work.

Keywords: consumption, fashion, culture and maracatu.

LISTA DE FIGURAS E ÍCONES

Figura 01 – Movimento do Significado 22

Figura 02 - Modelo do efeito da comparação social e

a construção e desenvolvimento da aparência 33

Figura 03 - Fusão dos horizontes 38

Figura 04 – Movimento do significado – Cultura Pop 43

Figura 05 – Estilo estético mangueboy e manguegirl 45

Ícone 1 – Nobreza - A Rainha do Maracatu 85

Ícone 2 – Pertencimento – Umbrela 86

Ícone 3 – Liberdade – Batuqueiro 88

Ícone 4 – O Novo - Mangue boy 90

Ícone 5 – Hedonismo – Baiana 91

Ícone 6 – Referência Cultural - Caboclo de lança 93

Ícone 7 – Beleza - Mangue Girl 94

Ícone 8 – Raridade - O Rei 96

LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS

Quadro 01 - Síntese de comparação de perspectivas 25

Quadro 02 - Estrutura geral das teorias da moda 29

Quadro 03 – Resumo de características de subgrupos 39

Quadro 04 – Protocolo de análise 49

Quadro 05 - Decupagem e identificação

de categorias conceituais 55

Gráfico 1: categorias analíticas e suas relações 97

SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO 12

2.PROBLEMA DE PESQUISA 14

2.1 Justificativa 15

2.1.1 Justificativa Teórica 15

2.1.2 Justificativa Prática 16

3. REVISÃO LITERÁRIA 17

3.1 Cultura de Consumo 17

3.2 Consumo de Moda 26

3.3 Consumo e Identidade de Grupo 33

3.4 Subgrupo de Consumo 38

3.5 Consumo e mídia pop 41

3.6 Consumo e os movimentos culturais pernambucanos 44

4. MÉTODO DE PESQUISA 47

4.1 Orientação paradigmática 47

4.2 Método de análise 47

4.3 Coleta de dados 51

5.CONSTRUÇÃO DO CORPUS DE PESQUISA 53

6. ANÁLISE E CONCLUSÃO DOS DADOS 55

6.1 Categoria analítica 01 56

6.2 Categoria analítica 02 59

6.3 Categoria analítica 03 65

6.4 Categoria analítica 04 68

6..5 Categoria analítica 05 72

6.6 Categoria analítica 06 74

6.7 Categoria analítica 07 76

6.8 Categoria analítica 08 80

6.10 Iconografia do personagem do

maracatu x iconografia de moda 83

6.10.1 Nobreza – A Rainha do Maracatu 85

6.10.2 Pertencimento – Umbrela 86

6.10.3 Liberdade – Batuqueiro 88

6.10.4 O Novo – Mangue Boy 90

6.10.5 Hedonismo – Baiana 91

6.10.6 Referência Cultural – Caboclo de Lança 93

6.10.7 Beleza – Mangue Gilr 94

6.10.8 Raridade – O Rei 96

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 99

REFERÊNCIAS 105

12

1. Introdução

“Um curupira já tem o seu tênis importado” Enquanto o Mundo Explode - Chico Science

Com a chegada da idade moderna, período de grande transformação vivido pela

sociedade ocidental entre o séc. XVI e XVII toda a história social sofreu uma grande

mudança. Essa mudança terá como mola propulsora a nova forma de ver e viver o consumo.

McCracken (2003) conclui que, com a revolução industrial, as sociedades ocidentais orientam

mais que a possibilidade do acesso a produtos dantes destinados a poucos, mas uma nova

forma de ser a partir do que possuem. Essa alteração de valores e significados do consumo

será construída pelos grupos ou culturas que os validam e os mantêm presentes e vivos em seu

tempo e espaço.

Várias são as disciplinas que estudam o consumo, mas todas sempre buscaram, dentro

das suas especificidades, compreender e justificar o porquê deste hábito. Sob a ótica da

economia neoclássica, variamos entre custo e utilidade; já com olhares da sociologia, teremos

relações de distinção social até a visão antropológica da formação de padrões culturais

(Barbosa, 2006). Se o desejo de consumir é retroalimentado de desejos culturalmente

construídos, teremos no consumo de moda uma das mais fortes representações culturais, visto

sua dinâmica, acesso e massificação de valores e significados (McCRACKEN, 2003). Essa

integração serviu a princípio para a identificação de classes e castas. Posteriormente, fizeram

uso dos seus códigos de status outros grupos e subgrupos sociais e culturais construindo suas

mensagens por meio das cores, texturas e modelagem visualizadas nos seus trajes (BLUMER,

1969).

Para perceber essas mensagens, faz-se necessário um mergulho nas culturas que as

construíram; compreender seus valores, e só assim ter uma decodificação real de suas linhas e

entrelinhas (LURIE, 1997). Essa compreensão fica mais complexa se aprofundamos nosso

olhar nas questões dos grupos, nos quais novos valores e significados de uma cultura são

modelados aos desejos, construindo assim subgrupos culturais (SOLOMON & RABOLT,

2004). Este trabalho busca analisar como são construídos os processos simbólicos de

13

consumo na perspectiva cultural, e quais os elementos que podem explicar a formação da

identidade de moda em subculturas1.

Nosso estudo se deteve ao subgrupo dos participantes de escolas de percussão ou

maracatus da cidade de Recife e Olinda onde valores construídos e perpetuados pelos que

fazem parte deste subgrupo, apresentaram uma dinâmica própria de construção desta

identidade com a moda como principal ferramenta.

1 Entendemos subcultura como elemento que constrói uma cultura macro. As quais são responsáveis pela construção da socialização dos que nela vivem. Estas incluem: religiões, grupos raciais, regiões geográficas, associações etc. (KOTLER, 1998)

14

2 Problema de Pesquisa

“Uma cerveja antes do almoço, é muito bom pra ficar pensando melhor”

A Praieira – Chico Science

Decerto que a era moderna2 foi um marco divisor do comportamento das civilizações.

Mudanças na forma de pensar, que virão a refletir nos mais diversos mecanismos de interação

social, chegaram a fazer com que a identidade destes grupos sociais venha a perder sua

estabilidade e se reconstrua mediante desejos que essa sociedade lhe impôs (HALL, 2006).

Para Salter (2002), esta nova sociedade trouxe em seu bojo uma nova noção de cultura para o

mundo moderno, diretamente ligado ao consumo. Esta noção desprezou valores e dimensões

sociais até então validados, tais como: trabalho, cidadania, religião e desempenho militar; para

dar lugar ao que determinado indivíduo venha a possuir. Para o autor, “a cultura de consumo

não é a única maneira de reproduzir a vida cotidiana; mas é, com certeza, o modo dominante,

e tem um alcance prático e uma profundidade ideológica que lhe permite estruturar e

subordinar amplamente todas as outras.” (SALTER. p. 17).

Neste sentido, o consumo já não está associado ao funcional, e o simbólico agregará o

desejo de ter. Inserido neste universo, o homem socialmente constituído foi motivado pelo

meio a consumir, e este consumo associado ao simbolismo deu aos objetos de desejo valores e

significados reconhecidos (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2006). Focando do macro para o

micro, temos nos subgrupos ou subculturas, valores compartilhados transformados em um

consumo simbólico construidor da identidade dos seus membros (BAUDRILLARD, 2000).

Se consumir nos faz pertencer, o consumo e essa construção de identidade cultural

encontrarão na moda um dos seus mais fortes elementos de composição. Como afirma Davis

(1992), o significado da moda está nas suas imagens, pensamentos e sentimentos

comunicados. O que foi usado ano passado em nossos dias já não tem o mesmo significado,

mas não deixará de valer como instrumento de comunicação. Assim, grupos e subgrupos

culturais construirão verdadeiros códigos de pertencimento nos seus trajes ou bens de

consumo. Em muitos casos, estes bens e seus simbolismos ultrapassarão suas fronteiras,

criando novos consumidores de outros subgrupos e ou níveis sociais distintos, construindo o

que chamou McCracken (2003) de “movimento do significado”, que reconstruirá desejos e

2 Era moderna ou modernidade – período vivido a partir do séc. XVII, associada à revolução industrial, é entendida como uma visão de mundo, uma postura calcada na idéia do consumo (SILVA, 2003)

15

novos elementos para novas e velhas identidades de grupo. Sendo a moda comunicação

(GARCIA e MIRANDA, 2007), esta não está restrita ao traje; migrando para objetos, serviços

e até para nossa maneira de falar, reforçando nossa identidade em produtos e serviços

consumidos.

Quando essa relação consumo + moda + identidade + cultura se integram, questões

particulares vêm à tona, tornando essa análise ainda mais rica e prazerosa, no que diz respeito

à construção da identidade de subgrupos culturais. Pensando assim, propusemos aqui através

deste estudo a seguinte questão:

Como se constroi a identidade de moda em membros de um movimento cultural?

2.1 Justificativa

“Expressão exata pra confessar, o que nunca disse a ninguém”

A Expressão Exata – Fred Zero Quatro e Mundo Livre S/A

2.1.1 Teórica

Estudar o consumo com um tema de interesse acadêmico já é lugar comum entre

pensadores renomados como Baudrillard (2000), Solomon (2002) e McCraken (2003). Estes

como tantos outros, buscam elaborar teorias sobre como sociedades e indivíduos constroem

seus hábitos de consumo. No Brasil, autores como Barbosa e Campbell (2006), Brandini

(2007), Pereira e Ayrosa (2005) e Rocha (1995), também focam seus estudos no mesmo

interesse de encontrar justificativas do porquê escolhemos A e não B, mas com um foco onde

a cultura passa a ser elemento chave dessa análise.

Para Douglas e Isherwood (2006), a sociedade ou grupo é capaz de gerar desejos de

consumo no indivíduo. Este desejo é executado enquanto existir interesse desse indivíduo em

participar desse grupo. Pensando assim, focamos nosso trabalho nos ditos grupos alternativos

e suas relações de consumo, construção de identidade e interação social. Compreendemos

alternativos por subgrupos culturais que buscam uma identidade própria e exclusiva por meio

de suas preferências e crenças, traduzidas, neste estudo, em uma forma própria de vestir

16

(MIRANDA e UCHOA, 2008). Para que essas evidências culturais fiquem ainda mais claras,

nosso objeto de estudo será a chamada estética bumba3, devido ao seu alto grau de

envolvimento histórico e cultural e à valorização da cultura.

2.1.2 Prática

Levando nosso olhar para o mercado de moda, temos um dos maiores setores

industriais do mundo. Isso sem falar na empregabilidade que este seguimento tem, e o

impacto econômico nos seus pólos de produção. Em Pernambuco, ambiente de nosso estudo,

existe uma das maiores produções nacionais na área, chegando a ocupar o 3º lugar no país

(BEZERRA, 2004). Diante deste cenário, percebemos que este estudo pode colaborar para a

construção de estratégias para empreendedores e empresários do setor, focados no

desenvolvimento de marcas de moda que atendam a este ou outros públicos-alvo. É preciso

que fique claro que neste estudo compreenderemos marca em seu contexto na era pós-

moderna, na qual promessas da marca substituirão o discurso dos bens de consumo,

colocando seu consumidor no estado de sujeito desejante (SEPRINI, 2006). Em outras

palavras, a marca carregará consigo vários significados na construção da identidade de quem

a consome.

3 Gíria urbana na cidade do Recife e Olinda, dada a participantes ou simpatizantes de grupos de percussão ou de maracatus.

17

3 Revisão Literária

“É só uma cabeça pendurada em cima do corpo Procurando antenar boas vibrações”

Antene-se – Chico Science

3.1 Cultura de Consumo

Com a grande transformação do ocidente, em meados do séc. XVIII, que não está

fundada apenas na revolução industrial, como destaca McCracken (2003), uma nova forma de

perceber valores e, consequentemente, de consumir, será praticada. Este fato em muito trará

transformações que serão fonte de análise de vários pensadores, mas todos com a mesma

conclusão: “[...] tal revolução do consumo representa não somente uma mudança nos gostos,

preferências e hábitos de compra, como uma alteração fundamental da cultura no mundo da

primeira modernidade e da modernidade” (MCCRACKEN, 2003, p. 21). Toda essa

transformação do consumo terá início no séc. XVII, quando novas oportunidades de compra

passam a fazer parte da vida das pessoas comuns. Sob a ótica de Rocha:

o consumo [...] é um dos grandes inventores da ordem da cultura em nosso tempo, expressando princípios, categorias, ideais, estilos de vida, identidades sociais e processos coletivos. Talvez, nenhum outro fenômeno espelhe com tamanha adequação, o espírito do tempo (ROCHA, 1995, p. 226).

Em outras palavras, Baudrillard (1973) dirá o mesmo julgando que consumir é um

modo ativo de relação, ele também proporá que esse consumo se dá de forma coletiva num

modo de atividade sistemática e de resposta global, no qual se funda todo o sistema cultural.

Pensando assim, possuir nos faz pertencer. Para entender melhor essa posse, temos em Miller

(2002) alguns fundamentos dessa integração social a partir do consumo. Ele afirma que o ato

de comprar é visto como um meio de descobrir, mediante a observação minuciosa das práticas

de comprar dos indivíduos associada aos seus relacionamentos e papeis sociais.

Segundo o pensamento de Barbosa (2006), é impossível não consumirmos

simbolicamente. Seja nas mais simples ações do dia–a-dia, como comer ou escolher um meio

de transporte; até ações mais complexas como vestir. Vistos como representações práticas do

significado, os produtos construirão significados dentro de um determinado grupo. Estes,

dependendo o poder que esta cultura terá, poderão se expandir além de suas fronteiras,

18

podendo ser compreendidos de uma forma mais plena ou sofrer alterações e modulações do

seu novo espaço e tempo.

Mas, nem sempre comprar foi fator determinante para pertencer ou ser aceito em um

grupo, antes do que chamamos de modernidade, outra forma de se relacionar com os objetos e

com a sua posse estava associada ao tempo que esses objetos faziam parte da história dos que

o possuíam. Essa forma de consumo, com uma velocidade que tinha por obrigação ser lenta

para validar sua posse, foi chamada de consumo de pátina (McCRACKEN, 2003). O seu uso

consiste em elementos da idade que se acumulavam na superfície dos objetos; sua função não

é de reivindicar status, mas de autenticá-lo. A pátina nada mais é que uma prova visual de

pertencimento, uma forma de demonstrar a longevidade e a duração da família que os possui,

pois quanto mais longa a posse do objeto, maior foi o tempo que seus proprietários gozaram

de status; sua função maior estava em “...policiar e conformar a mobilidade social.”

(McCRACEN. 2003, p. 53).

Só com a chegada do séc. XVII e mais fortemente no séc. XVIII veremos o claro

declínio da pátina. Ainda hoje, segundo McCracken (2003), encontraremos consumidores que

fazem uso da pátina, mas seus objetivos já não serão os mesmos. Mas, a função de divisão de

classes com base nas posses e no consumo continuará fortemente na era moderna, como

afirma Solomon (2004) em seu pensamento da estratificação social. Nele, a criação de

divisões artificiais numa sociedade é fruto de processos do sistema social, que pelo qual os

recursos são distribuídos desigualmente de forma escassa e valiosa, gerando status de posses

aos seus detentores.

Toda essa euforia do consumo vivida com a era pós-moderna, que aparentemente pode

ser percebida como algo negativo, tem no pensamento de Belk (1982) alguns pontos que

justificam o porquê desta forma de consumir. Para o autor, o consumo é algo inerente ao

processo de socialização. Este não tem sua origem na era moderna, mas sua construção se dá

ainda nos primórdios da nossa história. O autor lembra o conceito maior sobre materialismo

que é a capacidade de sentir prazer em possuir, a capacidade de invejar e negar o desejo do

próximo. Para Arnould e Thompson (2005), o termo cultura de consumo contextualiza um

sistema integrado produzido comercialmente de imagens, textos, e objetos que utilizam

grupos - por meio da construção de práticas, identidades e significados –, criando um sentido

coletivo nos seus ambientes orientando os seus membros em experiências de vida. Esses

19

significados são incorporados e negociados pelos consumidores, em situações particulares de

relacionamento em papéis sociais.

Slater (2002) diz que todos nós temos nossos objetos de desejo. Existirá sempre algo

que podemos viver o resto de nossas vidas sem eles, mas, contrario a esta verdade, os

desejamos como se sem eles nossas vidas não tivessem sentido. Esse desejo passa neste

momento a ter uma associação direta com o pertencer. Ou seja: consumimos tal objeto e faço

parte desse grupo. Quando esse desejo toma formas incontroláveis, viveremos um grande

problema; pois o ter passa a fazer às vezes de felicidade, associando poder a valores de

estima, atenção e até amor (SLATER, 2002). Isso faz com que o consumo passe a ter um

caráter fundamentalmente simbólico e menos funcional.

Símbolos e seus significados, na cultura de consumo, serão percebidos nos objetos e

no ato de consumi-los de forma mais intensa com a chegada da era moderna. Neste contexto,

o símbolo conhecido a princípio como marca ou sinal que evoca outro elemento/objeto,

material ou conceitual, que se encontra em algum lugar (DONDIS, 1997); e passa a ter no

consumo, como descrevem Baudrillard (1968) e Belk (1982), questões diretamente ligadas a

valores do objeto que vão além do seu caráter utilitário e de seu valor comercial. Essa relação

está diretamente associada à sua capacidade de comunicar-se com a cultura em que está

inserido, construindo assim significados próprios. Bourdieu (2008) e Rocha (1995) descrevem

que as pessoas existem em ambientes simbólicos, onde a necessidade de consumo imposta

pela sociedade é tão forte que influencia o comportamento do indivíduo no desejo de ter ou

não ter. O que pode ser traduzido em pertencer ou não pertencer. percebemos que consumir

em nossos dias está associado a satisfazer desejos, temos em produtos e serviços valores que

vão além do funcional. Essa relação construirá o que Davis (1992) chama de identidade

social. Ou seja, uma grande teia de símbolos e significados compartilhados e valorizados por

seus membros.

Fournier (1991) lembra que os objetos são habitualmente associados a

comportamentos pessoais, e seus significados serão potencializados a partir de um contexto

social. Além disso, o significado também é altamente subjetivo e derivado da totalidade de

adereços presentes na situação e no seu ritual de usabilidade. Como exemplo, trazem a xícara

de café associada à leitura do jornal na primeira refeição do dia. Em separado, esses objetos

podem ter pouco significado; mas para seu usuário, o ritual do café da manhã e os objetos

20

xícara + jornal são altamente simbólicos e cheios de significados. Se levarmos para o universo

do consumo de moda e construção da identidade, que é o objetivo deste trabalho, podemos ter

como exemplo no terno negro do executivo que circula num ambiente de negócios de um

grande centro, e este mesmo traje sendo utilizado por um noivo à espera de sua futura esposa

no altar. Valores distintos onde o ambiente e seus elementos são construtores destes

significados.

Fazendo uso do exemplo acima, para Baudrillard (2000) é importante ressaltar que o

simbólico estará presente no consumo e na construção de papéis sociais. O autor afirma que o

simbólico será agregador de valor ao objeto. Construído do material e do imaterial, o objeto

transformado em um símbolo trará consigo uma representação tão complexa que dependendo

da forma como esse é apresentado, sua função/mensagem comunicacional será alterada.

Seguindo a regra básica de comunicação – emissor/código/receptor – analisar simbolicamente

um objeto e sua mensagem requer de seu analista um reconhecimento da

cultura/tempo/ambiente em que essa mensagem está inserida (BAUDRILLARD, 1973).

Ainda sob a ótica de Baudrillard (1973), identificamos alguns níveis dos símbolos.

Dentre eles, destacamos os “símbolos objetivos”, que têm na sua identificação uma

associação imediata tais como as letras de um alfabeto; ou os “símbolos educativos”, em que

a sua interpretação faz o seu receptor buscar na memória afetiva, a construção do seu

significado.

Palavras, números, sons, objetos, podem ser mais do que palavras, números, sons, e objetos dependendo da forma como um indivíduo decodifica os sinais por ele emitido. Um conjunto de notas musicais, por exemplo, pode representar num país (Hino Nacional) ou mesmo um uniforme representar mais do que uma peça de roupa. (MELLO; MIRANDA; PEPECE, 2001, p. 3).

Outra característica importante do consumo simbólico foi trabalhada por Thompson,

Pollio e Locander (1994). Esta característica diz respeito a questões afetivas transferidas

simbolicamente para os objetos. Em seus estudos, a capacidade de representar o passado que

o objeto pode vir a ter lhe dará um lugar simbolicamente mítico. Isso não significa dizer que o

transformamos em objetos clássicos com religiosa significância; estes servem de guia ou

ícones da nossa construção cultural.

21

Se consumir passa a ser uma forma de integração, temos na teoria do bem-estar de

Baudrillard (1973) uma apresentação de como esse processo se dá. Para o autor, a felicidade

está associada ao consumo e ao desejo de conforto, o que podemos entender também por

segurança social. Essa teoria do bem-estar, tendo o desejo como justificativa, propõe que

todos os homens são iguais perante suas necessidades básicas. Ou seja: eu necessito da

mesma forma que o outro, mas nossos valores de troca podem ser diferentes.

Perante as necessidades e o princípio da satisfação, todos os homens são iguais, porque todos eles são iguais diante do valor de uso dos objetos e dos bens. [...] Porque a necessidade se cataloga pelo valor de uso, obtém-se uma relação de utilidade objetiva ou de finalidade natural, em cuja presença deixa de haver desigualdade social ou história. (BAUDRILLARD, 1973, p. 48).

Mas, esse símbolo do consumo não se resumirá à posse do objeto. Segundo Miller

(2002), o ato de comprar também exerce forte simbolismo compartilhado pelo indivíduo e

pelo seu grupo. Para o autor, o ato de comprar é como um rito sacrifical dividido, no qual

num primeiro estágio temos a visão do excesso. Nesse momento o consumo é compreendido

como o ato de gastar/pagar tudo que foi poupado para aquela compra. Mesmo sendo

necessária ou desejada, surge a sensação de perda do tempo e valor construído. Ou seja, todo

o investimento para a construção de determinado valor financeiro, além da decisão da troca

pela mercadoria, ficará a sensação de perda do tempo de ocupação utilizado para construção

deste mesmo valor financeiro. Quando essa compra/consumo está diretamente ligada à

obrigação, a sensação de perda ainda será maior. Surge aqui a questão que esse valor poderia

ser gasto em um ato pessoal, independente do seu propósito. “(...) um arroubo absoluto de

estimulante liberdade transgressora” (MILLER, 2001, p. 109). Em seguida, temos o momento

de mitificar este ato. Ou seja, por meio do consumo conseguimos tocar o divino.

O crucial para sua definição é notar que esses atos adquirem sua lógica prática apenas ao passar por ritos sagrados que asseguram que, antes de atingir as metas práticas, eles são utilizados primeiramente para santificar e sustentar os objetos de devoção (MILLER, 2001, p. 112).

A própria sociedade será mantenedora e motivadora desta forma simbólica de

consumir. Espaços do mercado (feiras, lojas diversas e ambientes de serviços) são construídos

para proporcionar a sensação e o desejo de consumo. Estes, carregado de memória afetiva,

valores morais ou status, motivam o consumo simbólico. Esta forma de construção e

estratégia motivadora será mais percebida nos grandes centros urbanos, mas o consumo

22

simbólico existirá também em regiões menores ou até primitivas. Para nossa maior

compreensão de como se dá esse processo, podemos ver no esquema construído por

McCracken (2003) como a cultura será o principal ambiente de construção de valores dos

objetos. Neste espaço de localização do significado, valores serão dados e compartilhados

entre membros do grupo e subgrupos.

Figura 01 – Movimento do Significado

Fonte: McCracken Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, 2003, p. 100.

Sendo validado no ambiente culturalmente construído, McCracken (2003) mostra

como a publicidade e o sistema da moda darão significado aos bens de consumo. Neste

contexto, rituais que vão do desejo de posse ao despojamento levarão os objetos de desejo e

valor construídos no primeiro nível às mãos do consumidor final. A compreensão desta

construção do significado será de grande valia para nosso estudo, visto possibilitar identificar

como são transformados esses valores em bens, e como estes bens chegam ao consumidor

individual. Será interessante também perceber como e quais serão estes instrumentos de

transferência nesse processo de posse.

O consumo surge como sistema que assegura a ordenação dos signos e a integração do grupo; constitui simultaneamente uma moral (sistema de valores ideológicos) e um sistema de comunicação ou estrutura de permuta (BAUDRILLARD, 2000, p. 78).

23

McAlexader e Schouten (1995) comprovam esta verdade em seu estudo sobre usuários

de motocicleta Harley Davidson e a construção de valores compartilhados pelo grupo. Além

da própria motocicleta, outros objetos são constituídos como símbolos de integração. Entre

eles, destacam-se roupas de couro, botas e bonés. Tatuagens também farão parte da

construção da imagem dos seus membros. Como elemento intangível, teremos na ‘liberdade’

o desejo maior compartilhado por todos. Isto fica claro no depoimento que se segue.

Não sei se acredito em reencarnação, mas se for verdade, eu gostaria de voltar como uma águia. Quando lhe pergunto por que, ele responde: Para ter liberdade. Seria ótimo para ser capaz de decolar em qualquer tempo e lugar sobre a terra (MCALEXADER e SCHOUTEN, 1995, p. 51).

Esses grupos são regidos, segundo os autores, por ideologias de consumo, pelas quais

os rituais/eventos (encontros, viagens em grupo, festivais de música etc.) servem para

fortalecer o consumo destes objetos e reforçar seus significados no grupo.

No universo brasileiro teremos no trabalho de Mizrahi (2007). Um bom exemplo de

integração do grupo a partir do consumo Em seu estudo, a autora buscou, no universo do

funkeiros cariocas, justificativa para o consumo simbólico e integração social. “...o gosto funk

é apreendido no trânsito entre as esferas da festa e cotidiana, que envolve o ir e vir entre a

favela e outras áreas da cidade, como o próprio baile, a escola e o trabalho (MIZRAHI, 2007,

p 01). Neste contexto, o consumo de elementos do vestuário será a grande materialização de

símbolos de aceitação e reconhecimento.

Tanto o cabelo crespo dos meninos “funkeiros” como a malha de moletom stretch são tingidos e descoloridos de modo a formar uma base sobre a qual serão posteriormente feitos os desenhos e assim produzir a marca da localidade que resultará do encontro entre o local e o global: o “cabelo” – descolorido e posteriormente adornado com motivos que remetem tanto ao cotidiano violento quanto às cosmopolitas marcas esportivas e tatuagens tribais – e a “calça” – confeccionada em um tecido cuja materialidade atende às exigências da corporalidade feminina brasileira e atinge o elemento de moda global através da simulação do jeans (MIZRAHI, 2007, p. 255).

Diante da análise do estudo de Kaiser (1996), associado às nossas necessidades neste

estudo, temos na perspectiva cultural apresentada pela autora uma linha de condução que

fundamentará nossa análise. A cultura e suas relações sociais, sua construção e adaptações

naturais, seus novos códigos e novos significados, norteiam e materializam novos valores

transformados em objeto consumidos por seus membros.

24

Para a autora, existem três perspectivas de análise; são elas: interacionismo simbólico,

cognitiva e cultural. É importante estar atento ao conceito comum que cada objeto, aqui

compreendido como peça do vestuário, tem em seu espaço. Muitas vezes, este não tem uma

relação funcional (uso literal para a função que foi projetado. Como exemplo a garrafa que

serve para acondicionar o vinho), mas é de grande valia simbólica, e que por sua vez estará

associado às relações sociais, passando a fundir sua função simbólica á uma funcional dentro

da sociedade em que está inserido. O estudo dessas relações deve ser trabalhado em diversos

níveis sociais e seus contextos com o consumo, seja em nível macro (coletivo) ou micro

(individual).

Detalhamos agora cada uma dessas perspectivas:

Interacionismo simbólico - trabalhada na perspectiva do relacionamento social e estudando

os papéis e suas interações. Sua crença está na aparência única e real, fazendo uma ligação da

imagem com uma função social, papel e profissão. Como trabalha a integração ou exclusão

social, os símbolos são elementos construtores de mensagens da nossa análise. Esta análise

precisa levar em conta a forma como estes símbolos podem ser mutantes – tempo e espaço.

Sua função não é material, assim, o imaterial simbólico será seu maior valor. Significados

atribuídos ao vestuário e à aparência são manipulados e modificados por meio de processos de

interpretação, já que apesar de uma percepção e análise imediata, temos várias possibilidades

de uso de vários símbolos associados a contextos múltiplos.

Perspectiva cognitiva – tendo como regra a atenção ao nosso objeto de análise, esta

perspectiva prega que informações e valores são utilizados e apreendidos por grupos e

subgrupos nas suas qualidades e características. Assim, roupas são usadas simbolicamente

para causar interação social, e um esforço de “se parecer com” estará presente. Este desejo de

pertencimento estará associado a uma questão de tempo e espaço. É o que chamamos de vestir

a roupa certa, no local certo. Para uma análise nesta perspectiva, a autora recomenda o

cuidado com valores pessoais do analista, já que consiste no uso de métodos qualitativos e na

análise de códigos. Como exemplo, lembramos dos óculos associados ao saber.

Perspectiva Cultural - incluindo área como a antropologia, história, cultura, consumo,

semiótica e sociologia, esta perspectiva analisa os códigos simbólicos de cada sociedade, e

suas alterações quando valores são construídos, materializados em símbolos e transformados

25

em roupas. Seus pressupostos estão fundamentados em valores coletivos, na produção e

reprodução por meio de formas culturais – aspectos intangíveis da cultura. Assim,

representam as idéias abstratas, ingredientes da formação cultural. E essas se manifestam nas

formas de relacionamento desta sociedade. Seu povo revelará valores como gênero, classe

social, idade etc. Seus objetos do cotidiano refletem esses valores. Para Kaiser (1998), essa

perspectiva trata do quanto é forte a capacidade de dar valor aos objetos e, consequentemente,

às roupas que os membros de um grupo usam. Esse é extremamente mutante, diante das

reconstruções sociais. Seu estudo não se baseia unicamente no fenômeno, mas como por meio

do fenômeno devemos inserir nossa análise.

Interacionismo

Simbólico

Cognitiva Cultural

Significado

Para quem? Indivíduos

interagindo.

Pessoas que

percebem.

Indivíduos

compartilhando uma

cultura comum.

Como a

perspectiva é

produzida?

Construída

socialmente por

meio de ações

conjuntas dos

indivíduos.

As pessoas que

percebem usam suas

estruturas cognitivas

para interpretar.

Representação cultural

das relações sociais e

da ideologia.

Como a

perspectiva

muda?

Por meio dos

processos de

interpretação e

reinterpretação

por diferentes

indivíduos

Quando as estruturas

cognitivas das

pessoas que

percebem não

explicam

adequadamente as

realidades sociais

A Cultura e a moda

mudam, influenciadas

em parte por

ambivalência não

resolvida sobre a ordem

social (por exemplo:

jovem/velho;

masculino/feminino)

Metodologias Qualitativa,

foco na vida

cotidiana

Quantitativa;

experimental

Etnográfica; crítica a

formas culturais

Quadro 01 – Síntese de comparação de perspectivas Fonte: traduzido e adaptado de Kaiser (1998, p. 56)

Tomando a linha da perspectiva cultural como a mais adequada ao nosso estudo, como

já dito anteriormente, partimos do micro para o macro em nossa análise. Buscaremos em um

26

grupo alternativo específico – integrantes de escolas de percussão ou maracatu das cidades de

Recife e Olinda, compreender como a dinâmica da construção da sua identidade estará

associada ao seu consumo e em especial a consumo de moda.

Se o consumo é intrínseco ao homem, como visto anteriormente, numa forma de

integração social, veremos no tópico a seguir como a moda será a grande ferramenta para

construir e distinguir o indivíduo nas suas relações de grupo e sociedade.

3.2 Consumo de Moda

“ Essa moda é nova que vem de Sergipe,

Sapato americano e cabelo à pirulito”. Dança da Moda – DJ Dolores e Comadre Fulôzinha

Servindo em princípio para identificar castas e classes, a moda emprestará signos e

símbolos para construir suas mensagens de status (SIMMEL, 1957). Cores, formas e texturas

são a grafia dessa comunicação tão complexa e ao mesmo tempo de fácil decodificação para

os que fazem parte do seu contexto de construção (DONDIS, 1997). Na análise de Fluguel

(1966) a roupa nada mais é que um código de socialização, no qual suas funções básicas de

enfeite - função de destacar partes do corpo ou sua silhueta; pudor - ocultando ou disfarçando

partes ou o todo do corpo, tem a função inversa do enfeite; e proteção - numa linguagem mais

imediata abrigar o corpo quanto ao frio e elementos da natureza em geral; farão do nosso

corpo mera mídia das mensagens a serem transmitidas. Essa forma de ver a roupa faz com que

ela seja parte do nosso gestual. Quando unirmos o pensamento de Fluguel (1966) - que

descreve a roupa como uma linguagem social - ao de Tompakow e Weil (1986), com a moda

percebida como construção da interação social; teremos diálogos completos sem a emissão de

uma só palavra. O vestir, segundo Fluguel (1966), não se restringe unicamente ao uso das

roupas, principalmente se nosso foco de análise é a interação de subgrupos e subculturas,

como exemplo temos as tatuagens comuns no grupo dos motociclistas da Harley Davidson

visto anteriormente. Neste universo, outros sinais do vestir, carregados pelo corpo, serão

fortes elementos de integração e distinção.

É importante compreender como a moda será responsável pela integração do indivíduo

ou sua segregação social ou cultural. Como vimos na construção da sociedade de consumo, o

27

ato de consumir e da posse do objeto (MILLER, 2002) dará ao seu proprietário poderes de

pertencimento. Estes, transformados em códigos sociais, lhe darão a possibilidade de

integração e pertencimento. Já na moda, essa percepção sobre integração social tem a sua

origem com os estudos de Simmel (1957). Fundamentando sua teoria na dualidade entre o

individualismo e o social, o homem encontra na possibilidade de conviver com a

receptividade ou reciprocidade, com repouso ou movimento, de ser masculino ou do

feminino, etc. numa busca por equilíbrio que o levará a um incessante desejo de integração

social. Diante desta busca, teremos, na moda, uma ferramenta fundamental para esse

equilíbrio. Mesmo que venha a ser, paradoxalmente, mais uma das dualidades vividas por

esse homem: inclusão ou segregação social. Para Simmel (1957), a individualidade, tratada

em seu estudo como “alma”, vê na moda uma forma de segurança; pois quando compartilho

de códigos reconhecidos pelo meu grupo tenho a certeza de pertencer.

Mas, essa flexibilidade de pertencer ou não só será vivida na era moderna. A moda, no

caso, o traje, terá um papel tão forte na indicação de classes antes desse período, que teremos

nas leis suntuárias um exemplo extremo dessa segregação.

os romanos criaram as leis suntuárias para regulação da posse e utilização de determinados objetos como roupas e jóias. Essas leis ditavam quem e que classe social podia fazer uso de elementos suntuosos, perdurando até mesmo após a queda do Império Romano (BORN, 2007, p 06).

Pouco a pouco estes padrões rígidos do vestir foram alterados, onde antes para uma

casta inferior não era permitido fazer uso de trajes de castas superiores. Para Fluguel (1966) e

também para Blumer (1969), essa necessidade de ser diferente fará com que o novo venha a

ser perseguido constantemente. O desejo de pertencimento gerará a imitação, que em

princípio se movimentará dentro do seu grupo de origem e, com a era moderna, chegará às

escalas mais baixas da sociedade da época. Esse copiar fará com que a alta casta se veja na

constante vigília por novos códigos de diferenciação, pois não será interessante ter a falsa

idéia de pertencimento vivida pelas classes baixas. Blumer (1969) descreve que este desejo

de copiar a aristocracia vai se transformando pela busca do novo. Essa conclusão é

identificada em sua análise dos ateliês parisienses, quando um pequeno grupo detém a

capacidade de ditar a moda todo o resto do mundo os seguirá. Estes farão uso de referências à

interpretação de trajes antigos, à construção de novos códigos ou à interpretação do que o

mercado deseja.

28

A seleção social, que não mais se baseará na cor ou classe social, passa a ser

trabalhada pela roupa e, consequentemente, pela forma de consumir esse produto. Para

Solomon e Rabolt (2004), códigos serão construídos e disseminados pelo grupo de elite, que

os transformará em peças do vestuário. Esses, assim que percebidos e copiados por grupos

inferiores aos seus, serão descartados e a construção de novos símbolos se fará. Neste

contexto, Simmel (1957) será o primeiro estudioso a tratar deste fenômeno na sua teoria

Trickle-Down. Posteriormente, estudiosos como Garcia e Miranda (2007) fundamentaram

seus pensamentos neste fenômeno e como este pode ter movimento inversos ou paralelos ao

estudado por Simmel (1957). Apresentamos abaixo estes três fenômenos e sua forma de

atuação.

Trickle-Down – fenômeno da moda em que códigos construídos, disseminados e utilizados

pelas classes dominantes (seja essa a nobreza, intelectuais, celebridades ou artistas), servem

como modelo a ser seguido por classes inferiores;

Trickle-Across – fenômeno da moda que se baseia em códigos construídos na mesma classe

social, são copiados por membros desta classe num movimento horizontal de imitação;

Trickle-up – fenômeno da moda no qual códigos construídos e utilizados pelas classes

inferiores são apropriados pela classe dominante, validados em seu grupo e copiados pelas

classes que os criaram. Decerto que esse código apreendido e trabalhado pela classe

dominante ainda não tinha uma disseminação geral na classe inferior. O impacto dessa

validação trará um número muito superior de consumidores do produto/conceito/serviço antes

da sua movimentação.

Assim, a adoção de moda será um movimento contínuo, onde desejos de

pertencimento e da construção de uma identidade de grupo, serão a força motriz desse

movimento constate. Uma moda massificada vista por Simmel (1957) chega ao ponto de sua

saturação. Ai surgirá a constante necessidade de renovação, seja por seus ditadores -

indivíduo, preferencialmente jovem com a capacidade de criação de novos códigos - seja por

seus seguidores. Toda essa velocidade, já percebida e analisada por Simmel em não fará a

moda perder valor. Muito pelo contrário, sua renovação constate será compreendida como

referencial de status e de novos adotadores.

29

Por conta da sua complexidade, não podemos explicar a adoção de moda apenas com

um modelo. Garcia e Miranda (2007), com base no trabalho de Sproles, trazem também nos

seus estudos uma síntese de aproximações teóricas distintas, lembrando os vários modelos

existentes.

Estágios de adoção e do consumo de moda Modelos explicativos

Invenção e introdução Business – infraestrutura de comunicação;

Cultural – liderança sub-cultural;

Estético – movimentos de artes, idéias de

beleza; e

Histórico – ressurreição histórica,

continuidade histórica.

Liderança de moda Psicológico – individualidade;

Sociológico – difusão imperativa;

Comunicação – comunicação simbólica,

adoção e difusão;

Estético – movimentos de arte, ideais de

beleza, percepção estética;

Econômico – escassez, consumo conspícuo;

e

Cultural – conflito social.

Incremento da visibilidade social Comunicação – adoção e difusão;

Psicologia – motivação única;

Sociológico – comportamento coletivo;

Econômico – demanda; e

Geográfico – difusão espacial.

Saturação social Sociológico – comportamento coletivo;

Psicológico – individualidade;

Business – marketing de massa,

infraestrutura de marketing; e

Econômico – demanda.

Declínio e obsolescência Business – marketing de massa, infra-

estrutura de marketing;

Psicológico – individualidade;

Histórico – continuidade histórica;

Econômico – demanda; e

Comunicação – adoção e difusão,

30

comunicação simbólica.

Quadro 02 - Estrutura geral das teorias da moda Fonte: Garcia e Miranda (2007, p. 111)

Diante das estruturas apresentadas sobre adoção de moda, e focando no nosso objeto

de estudo que é a construção da identidade de moda de subgrupos culturais – participantes de

grupos de percussão ou maracatus na cidade de Recife e Olinda, percebemos no estágio de

inversão e introdução de moda e no modelo explicativo cultural de liderança sub-cultural,

uma diretriz a ser seguida. Neste estágio, o movimento de utilização de moda é uma

conseqüência da construção da cultura em que está inserido; onde o novo e a individualidade

humana serão percebidos nesta forma de consumo de moda. Por outro lado, a distinção social

não será percebida como uma regra fundamental neste consumo. Já para o modelo explicativo

de cultura e liderança cultural, modelos e códigos próprios serão utilizados na construção da

identidade deste grupo. Estes terão seu fundamento em valores de suas lideranças, onde a

mídia ou outros fatores externos não virá a alterar essa forma de adoção (GARCIA e

MIRANDA, 2007).

Na construção dessa identidade, compreendendo como traços que se repete sem nunca

serem iguais (GARCIA e MIRANDA, 2007), vimos anteriormente como a moda é a mídia

das mensagens construídas com o uso de roupas e acessórios. Mesmo quando estamos sem

roupa, como visto em Davis (1992), o ato de estar nu já carrega em si um simbólico da

ausência destas. Construir uma mensagem fazendo uso das roupas, mesmo que inconsciente,

pode ser comparado a um ato político, visto que assumimos uma postura perante nosso grupo.

Essa mensagem falará sobre nosso gênero, idade, preferências e outras questões que serão

decodificadas graças à capacidade do nosso receptor (LURIE, 1997). Afinal, estamos falando

de um ’idioma’ e ‘gramática’ de significados compartilhados. Fundamentado no pensamento

de Lurie (1997), certas construções ou até mesmo certas roupas carregam consigo um

significado tão forte para determinado grupo, que podem ser consideradas como um clichê,

com o qual seu receptor fará uma relação imediata, seja esta positiva ou negativa. Outro autor

que compartilha esse pensamento é Barnard (2003). Para ele, a roupa é fruto de uma

“gramática” própria. A forma como construímos nossas mensagens e como somos

interpretados estará sempre associada a uma regra e reconhecimento de uma determinada

cultura, dentro da qual viveremos uma busca incessante entre integração e individualismo. O

homem, por natureza, busca fazer parte; mas ao pertencer ao grupo de interesse, buscará,

31

dentro de sua construção de signos, elementos que o tornem distinto.

Alguns pensadores, como Solomon e Rabolt (2004), percebem a moda como um

reflexo da sua cultura e, consequentemente, do seu povo. Diante dessa afirmação, a moda

servirá como termômetro de percepção de uma cultura de grupo; não de forma precisa, mas de

forma interpretativa. Já para Barnard (2003), moda e indumentária são “(...) as formas mais

significativas pelas quais são construídas, experimentadas e compreendidas as relações sociais

entre as pessoas” (BARNARD, 2003, p. 24). Ele também afirma que as roupas e acessórios

que usamos nos dão distinção por meio de cores, formas, texturas e volume nos nossos grupos

sociais. Ainda no texto de Barnard vemos uma definição sobre moda, extraída do dicionário

da Oxford, que a define como: “ação ou processo de fazer; uma forma de corte específico;

maneira de conduta; ou até, uso convencional de vestimentas”. Se buscarmos em Freyre

(2002) uma relação com as definições de moda do dicionário da Oxford, essa verdade será

percebida ainda nos séculos XVI e XVII, na sociedade recifense, no estado de Pernambuco.

Nesta sociedade, modos masculinos e femininos são ditados por padrões sociais, nesse caso,

importados e aculturados da Europa, construindo assim regras de conduta à moda elegante

daquela época.

Temos na análise de Garcia e Miranda (2007) que “Como mídia secundária, a moda é um

instrumento poderoso de inserção humana no contexto cultural. Tornando-se também ela um

sujeito ativo, que detém o poder para agir de diferentes formas e processos comunicacionais”

(Garcia e Miranda, 2007 p. 103). Assim, as autoras propõem um modelo de consumo que vem

a justificar o pensamento acima. Vejamos a seguir.

• Moda como instrumento de comunicação – ser percebido por um grupo, positiva ou

negativamente, é o seu objetivo;

• Moda como instrumento de integração – além de percebido, o indivíduo precisa ser

aceito, vestindo-se para o outro, iniciando o processo de imitação;

• Moda como instrumento de individualidade – o fazer parte por meio de símbolos

comuns já não interessa, a aceitação existe, mas o indivíduo é visto como um inovador

no seu grupo;

• Moda como instrumento de autoestima – neste caso, o indivíduo verá na moda

ferramentas para satisfação de sua autoestima; e

32

• Moda como instrumento de transformação – suprindo vazios pessoais ou de grupos,

a moda passa a ter um caráter social, saciando desejos e transferindo para seus

usuários valores ‘mágicos’ compartilhados.

Como nos grupos amantes da Harley Davidson e Funkeiros cariocas, observaremos

que o consumo de símbolos compartilhados constroem a identidade do seu grupo. Seja por

meio da posse de objetos de valor e significado compartilhado, seja pelo uso de roupas que

constroem mensagens decodificadas dentro e fora do seu grupo, a identidade será construída

baseada na posse (BAUDRILLARD, 2000). No próximo tópico, teremos uma melhor

compreensão de como essa construção se dá.

33

3.3 Consumo e Identidade de Grupo

Se compararmos nossas preferências e gostos aos dos nossos avós, o que não nos dá

uma distância de tempo histórico tão relevante, veremos que a profissão, parentesco, grau de

instrução, já não são importantes na construção e percepção sobre outra pessoa. Essa relação

fica extremamente clara quando nos deparamos com classificados pessoais em redes de

relacionamento4. Em quase sua totalidade, não teremos mais informações sobre cor da pele,

sexo, ou aparência física. O que veremos constantemente são gostos e elementos do seu

consumo descrevendo seus participantes. Ou o que é ainda mais interessante: construindo uma

imagem de interesse fazendo uso do que o outro consome para os seus futuros

relacionamentos (BARBOSA e CAMPBELL, 2006). Na sociedade moderna, consumir faz

parte da construção da nossa identidade, e o que possuímos nos identificará no nosso

ambiente; o consumo terá a função de integração e/ou segregação social. Para melhor

compreender esse fenômeno, apresentamos o quadro a seguir. Nele, fica claro como a relação

sociedade x indivíduo é estruturante na formação da imagem e da identidade.

Figura 02 - Modelo do efeito da comparação social e a construção e

desenvolvimento da aparência Fonte: Solomon e Rabolt (2004, p.145)

4 Anúncios veiculados em classificados de relacionamento, seja através de meios impressos ou virtualmente em redes de relacionamento.

34

Hogg e Michell (1996) associam a identidade diretamente ao meio social e como o

indivíduo se vê e é visto pelo meio social. Para Barbosa e Campbell (2006) a construção da

identidade não está mais associada a clã ou paternidade, o indivíduo moderno vive a

possibilidade de ser quem é a partir do consumo. Ou seja, minha identidade está contida no

meu armário. Assim, a cultura do consumo é um meio privilegiado para negociar a identidade

e o status numa sociedade pós-industrial. Visto que a identidade social não é mais dada ou

atribuída, ela tem que ser construída pelos indivíduos (SLATER, 2002).

Se pararmos para analisar as preferências de consumo que constroem essas

identidades, certamente será intrigante perceber o porquê de suas razões. Como já visto por

Maciel e Miranda (2008), em seus estudos sobre cultura de consumo, muito desses desejos

tem sua construção na formação social dos grupos analisados. Aprofundando essa avaliação

sobre o pensamento de Bourdieu (2008), veremos que outras questões estarão intrinsecamente

associadas à construção e manutenção dos gostos e preferências. Principalmente, se essas

preferências e gostos, estiverem associadas a papeis e posições que o individuo ocupa em sua

sociedade e/ou grupo social.

Segundo análise de Bourdieu (2008), a construção dos gostos individuais tem sua

formação no que ele denomina de capital familiar e capital escolar. Essa junção de

conhecimento e de formação será capaz de construir o capital cultural, e este, por sua vez,

capacita o seu detentor com informações que o destacam, dentro de análises específicas e de

reconhecimento de significado num determinado grupo. Quando falamos em tempo e espaço,

nos detemos às questões de classes sociais; pois ainda sobre sua análise, a forma de consumir,

suas preferências, e seus significados nada mais são que distintivos sociais reconhecidos e

validados pelo grupo.

Das diferentes condições de existência, os grupos sociais produziram o que o autor

chamará de habitus; que nada mais são que transferências das práticas e propriedades

definindo as diferenças dos estilos de vida. Ou seja, o dia-a-dia, será um eterno construtor dos

modos e gostos, em sua grande parte diretamente associado ao capital cultural e econômico. É

importante destacar que, ainda sobre a análise do autor, nem sempre o capital econômico será

responsável por um gosto de qualidade. Essa afirmação se justifica, usando como exemplo a

burguesia, na tentativa dos que detêm o poder financeiro em comprar o conhecimento, seja

capital escolar ou cultural, sem a vivencia evolutiva necessária para esse domínio. Esse poder

35

econômico, diante do não reconhecimento do seu valor construirá uma estética paralela onde

um novo gosto será divulgado e validado por esse grupo. Já os detentores do capital cultural,

terão como valor a redescoberta históricas de bens e serviços. Esse reconhecimento do capital

cultural estará presente na forma que esse individuo se relaciona com o meio, nos seus

trejeitos, na sua forma de vestir, na sua forma de comer. Enfim, nas suas escolhas cotidianas.

Assim, chegamos à conclusão, sob a ótica de Bourdieu (2008), que a distinção será uma

equação de capitais – familiares, sociais, econômicos, escolares, etc. – em um determinado

tempo e espaço. Este tempo e espaços, validaram seus significados e valores, construído

assim uma hierarquia clara e construtora da identidade destes grupos.

Várias são as possibilidades de existências de grupos, segundo Solomon e Rabolt

(2004); mas todas terão ao menos duas possibilidades de serem formais ou informais. Nos

formais, teremos os clubes, associações, partidos etc. Estes possuem regras claras, tais como

horários e dias de encontro e são na maioria das vezes, físicos. Já os informais não possuem

regras claras, mas isso não faz com que elas não existam e sejam reconhecidas quando

acionadas. Podem ser informais como: amigos, grupo de pelada do final de semana, torcidas

momentâneas, etc. Ao pertencermos a estes grupos, podemos estar em dois lados. O primeiro,

como membro no qual nossa participação é passiva de adoração/imitação. No segundo,

desejamos ser o alvo dessa admiração. Este desejo pode não ser materializada em uma pessoa,

mas no reconhecimento de maior proximidade com o espírito do grupo. As influências do

grupo tanto podem ser positivas quanto negativas para o consumo, influenciando tanto o seu

excesso quanto a sua escassez. Quando estamos do lado ativo de participação de um grupo,

Solomon e Rabolt (2004) descrevem uma escala de referência que pode ser construída neste

espaço. Ela diz respeito à participação de membros e como esses ditam e são influenciados

pelas respostas que este grupo lhe dá. Descrevemos abaixo, como os autores percebem estas

referências e a sua escala (SOLOMON e RABOLT, 2004, p. 393).

• Poder social – capacidade de influenciar ou alterar ações do grupo, capacidade

também de conquistar novos componentes para estes;

• Poder da referência – capacidade que determinadas pessoas têm em influenciar

outras. Ou seja, capacidade de ser admirada e, consequentemente, copiada. Essa

estratégia é uma forte ferramenta do marketing, pois a associação de determinada

36

pessoa a determinado produto transfere para o produto o mesmo sentimento de

admiração e o desejo do seu consumo;

• Poder da informação – capacidade de ser reconhecido como fonte de informação. É

como se outras pessoas, saciando a necessidade de informação sobre determinado

tema, visem a esse formador de opinião como uma fonte para sanar sua necessidade;

• Poder da legitimação – capacidade, ou melhor, desejo de comunicar

poder/autoridade/pertencimento de valor, por meio das suas posses;

• Poder da expertise – esse se dá aos especialistas. Seja qual for sua profissão ou

assunto de domínio;

• Poder da recompensa – refere-se à necessidade de aceitação no grupo que, quando é

reconhecido como, sente-se recompensado. Ou, deseja ser recompensado por esse

reconhecimento; e

• Poder da repressão – capacidade de interferir nas decisões do grupo pela força ou

pressão psicológica.

Diante destas classificações, chegamos à conclusão que comunicar pertencimento será

um dos fatores mais importantes para os que fazem parte desses grupos. O valor de integração

pode ser de formação social, cultural, político, religioso ou, simplesmente, o de fã em

especial, no caso de cantores e atores famosos. No nosso subgrupo de estudo, fica claro como

a forma de vestir será uma digital dos seus participantes.

Compreendendo o homem como um ser social, este tanto produz a sociedade em que

habita quanto é por ela produzido (EMBACHER, 1999); esta o fará sempre estar sujeito aos

inúmeros papeis sociais exigidos por essa sociedade. Assim, concluímos nos textos de

Embacher (1999) que a identidade de grupo será constituída dos valores e crenças construída

por seus membros. Se, com a idade moderna, consumimos para construir o nosso ser social, a

identidade de grupo será construída por objetos com significado de integração por esse grupo

chancelado. Assim, os nossos bens são vistos como informadores de papeis e guias para uma

identidade social (McCRACKEN, 2003).

37

No padrão convencional da sociedade contemporânea, cada família escolhe seus bens

de consumo e isto é analisado como um ato de construção de identidade da família; os

subgrupos assim também o farão. Como exemplo, temos os grupos radicais, que quando usam

os bens para expressar sua insatisfação e sua identidade, convidando o código-objeto a criar

uma versão expandida de si mesmo. Quando assim o faz, estes grupos radicais são

assimilados no sistema. Ou seja, o valor simbólico dado por esse uso/consumo passa a ser

compartilhado além do seu grupo (BARBOSA e CAMPBELL, 2006) seja de forma negativa

ou positiva. No passado, punks e hippies possuíam distintivos marcadores sociais. No entanto,

nas últimas décadas, estilos como estes foram popularizados pelo sistema da moda com

sucesso e passaram a integrar outros grupos. Para que esse consumo possa vir a existir, faz-se

necessário uma abertura e adaptabilidade dos novos consumidores propostos (KATES, 2002).

Se nacionalizarmos esta transformação de subgrupos em bens de consumo, temos no funk

carioca um claro exemplo, como mostra a lógica apresentada por Mirzarahi. Onde “o gosto

funk é apreendido no trânsito entre as esferas da festa e cotidiana, que envolve o ir e vir entre

a favela e outras áreas da cidade, como o próprio baile, a escola e o trabalho” (MIRZARAHI,

2007, p.01):“.

Mello, Miranda e Pepece (2001) destacam que não existirá uma uniformidade de

compreensão/interpretação única de um estímulo/código por todas as pessoas. Sempre

teremos interpretações que irão buscar, na sua construção histórica, peculiaridades para sua

decodificação. Quando os autores referem-se a grupos sociais, chegam à análise de que haverá

uma maior compreensão de produtos/símbolos quando suas culturas são compartilhadas, seja

na exportação de significados e valores para outras culturas ou por serem subculturas desta.

Assim, para cada grupo, valores são atribuídos; mesmo que o objeto seja reconhecido,

teremos sempre outros significados. Para compreensão de como se processa essa

percepção/decodificação, apresentamos, na figura abaixo, um esquema dessa fusão de

interpretações cultuais.

38

Figura 03 – Fusão dos horizontes

Fonte: Thompson; Pollio; Locander (1994, p. 434)

Os autores concluem (MELLO, MIRANDA e PEPECE, 2001) que o consumo

simbólico tem a função maior de interagir com seu meio, fazendo com que seus usuários

sintam-se integrados no grupo de desejo. Este sentimento será construído a partir da

percepção da sua socialização junto ao seu grupo. Dentre esses grupos de influência, temos:

família, organizações religiosas, locais de trabalho, grupos de convivência (clubes) e até mídia

de massa.

3.4 Subgrupos de consumo “E dessa insustentável leveza de ser

Eu gosto mesmo é de vida real” Bossa Nostra – Jorge Du Peixe

Toda essa relação de consumo, seja coletivo, familiar ou hedônico, passará por uma

questão que vale ser destacada. Trata-se da relação dos subgrupos de uma cultura e sua

construção de significados e valores. Como concluímos que consumir é uma forma simbólica

de mostrarmos quem somos por meio do que possuímos, e como o que possuímos é percebido

por nosso grupo de convívio. Buscar a compreensão desses significados e valores em

subculturas servirá para perceber o objetivo maior deste estudo.

Vendo a cultura como a ambiente do conhecimento compartilhado e a reprodução de

hábitos vividos nas sociedades divididas em classe (DEBORD, 1997), compreender grupos e

suas formas de conviver/interagir na construção de subculturas perpassa por questões que vão

da faixa etária a etnias. Para facilitar nossa compreensão, construímos, com base no texto de

39

vários autores, um quadro-resumo que nos permite identificar características entre alguns

subgrupos. Decerto que alguns destes não fazem parte do contexto brasileiro, mas são

importantes para termos uma ideia de como valores são trabalhados.

Subgrupo Características Pensador

Minha geração Grupo constituído por membros de uma mesma

faixa etária. Seus gostos, valores e preferências

são compartilhados no consumo de seus bens.

Nostalgia e

mercado

Diferente do subgrupo acima, esta mostra

preferências por significados que não estão

necessariamente ligados à sua faixa etária.

Buscam em elementos do passado, a construção

de sua identidade.

Adolescentes

Para estes subgrupos, a decisão de consumo

estará ligada às ditaduras do pertencimento na

integração e aceitação. Como característica de

formação de valores deste grupo, temos os

seguintes pontos:

Liberdade x pertencimento familiar

Rebeldia x conformismo

Idealismo x pragmatísmo

Narcisismo x intimidade

Mercado

universitário5

Bem distante de uma realidade brasileira, mas

com grande força em culturas como a norte-

americana; identificamos este grupo como um

rito de passagem à entrada na universidade,

associada a uma séria de valores e significados.

Muito próximo dos adolescentes, este subgrupo

buscará valores de integração e de distinção na

escala mais elevada de significados.

A força jovem Construído no período de grande impacto na

mudança da cultura mundial, este grupo traz em

sua forma de consumir, informações

importantes no seu processo de decisão. Isso se

dará por conta da sua construção cultural e uma

Solomon e Rabolt

5 Este subgrupo possui uma identificação maior com a cultura norte americana, que, no caso, foi foco de trabalho do autor. Trazemos sua análise para este estudo, por julgar interessante uma relação com outros grupos similares existentes em outras culturas.

40

visão holística do seu subgrupo e de sua

cultura.

Boa idade A cada dia, este subgrupo se torna mais

numeroso em todo o mundo. Isso se dá por

conta da longa expectativa de vida. Com filhos

criados e vida estabilizada, esse grupo costuma

gastar em um ritmo maior que outros grupos

etários. Seu interesse não se finda a integração,

busca no consumo resgatar o tempo perdido e

aproveitar o que ainda lhe resta.

Raças e etnias Subgrupo formado por imigrantes ou pela

aculturação em membros de outras origens, este

apresenta-se de forma bastante peculiar

principalmente nas grande metrópoles. Com

características próprias, carregará sempre

valores de sua origem diretamente

representados na sua forma de consumir. Na

análise dos autores, são destacados os

subgrupos étnicos dos africanos, espanhóis e

asiáticos.

Os novos

gêneros

A denominação gênero, diretamente associada a

masculino ou feminino, tem suas regras

construídas em padrões sociais de

comportamento e símbolos onde este indivíduo

vive. Não devemos fazer uma associação ligada

diretamente à genitália (menino ou menina),

esta análise deve partir de onde este menino e

menina está e não de onde nós estamos.

Estes subgrupo, traz formas revolucionárias

para padrões de consumo já existentes, para

homens e mulheres, em seu grupo

social/cultura.

Kacen (2000)

Consumo gay Fazendo uso de produtos e marcas na

construção de sua identidade homossexual, esse

grupo utiliza-se de estratégias de negação,

camuflagem ou de reforço de sua identidade na

hora de consumir.

Ayrosa e Ojima

(2005)

41

Cyber Grupos Sendo um dos mais novos subgrupos de

consumidores, os cyber grupos têm como elo os

ambientes virtuais. Nestes espaços, da cyber

comunidade, teremos a reunião virtual de

pessoas numa conferência eletrônica onde

experiências são compartilhadas criando

valores de pertencimento. Assim, blogs, jogos

virtuais e chats, serão responsáveis pela

constituição deste e de novos subgrupos e dos

bens por este grupo desejados.

Primo (1997)

Quadro 03 – Resumo de características de subgrupos

Fontes: Solomon e Rabolt (2004); Kacen (2000); Pereira; Nunes; Ayrosa; Ojima (2005); Primo (1997).

Diante desse cenário, podemos observar o quanto o macro transformou as relações dos

grupos e subgrupos sociais. A geografia já não delimita ou nos induz a uma ideia de

preferências e valores, mas a compreensão de sua identidade será um norteador dos seus

atuais e futuros hábitos de consumo. Dentre estes hábitos e necessidades, teremos como forte

influência a mídia e as celebridades do universo pop. Seja pelo poder da mídia ou pela força

que as artes, em especial a música, exercem nos indivíduos, é incontestável a capacidade de

aglutinação de grupos que o poder do pop star possui. No nosso estudo, veremos que essa

imitação se dará com elementos de destaque do próprio grupo, ressaltando o quanto essa

dinâmica e particular.

Diante dessa constatação, teremos a seguir como essa análise será importante para

nosso estudo.

3.5 Consumo e mídia pop

“A nave quando desceu, desceu no morro

Ficou da meia-noite ao meio-dia Saiu, deixou uma gente

Tão igual e diferente Falava e todo mundo entendia”

O Dia Em Que Faremos Contato - Lenine / Bráulio Tavares

Complexos sistemas de significados culturais serão utilizados e decodificados por

consumidores e suas culturas, refletindo um legado histórico de valores compartilhados pelos

42

seus membros. Segundo Thompson e Haytko (1997), para a moda acontecer não basta apenas

o desejo do mercado, mas um ciclo onde valores temporais são propostos, aprovados,

validados, e consumidos; construindo espaços territoriais de sua expressão. Decerto que esses

territórios, vividos na contemporaneidade, são muito mais abrangentes, mas seus limites serão

sempre percebidos e reconhecidos, talvez de forma até inconsciente, como uma referência de

tempo e espaço. Nesta construção teremos uma ferramenta de estratégias do marketing que

influenciará, no mínimo, a forma como percebemos nossas referências de valor: a mídia. Seja

para a materialização do funk carioca ou dos hippies norte-americanos, símbolos e

significados serão compartilhados e consumidos por outros grupos. Certamente que não

carregaram mais a mesma força revolucionária ou valores de rebeldia, mas, sim, lembranças

comerciais das suas referências. Como pensa Baudrilard (2002), a comunicação de massa

constroi mecanismos de negação e manipulação da informação; esta se dá para atender

desejos constituídos pela sociedade de consumo.

No trabalho de Banister e Hogg (2000), temos uma análise comparativa do movimento

do significado construído por McCracken (2003), já visto anteriormente, e uma relação com

o universo do show business. Lembrando, para McCracken (2003) o movimento do

significado será percebido no mundo culturalmente construído. Por meio do sistema de moda

e da publicidade, passará para os bens de consumo, nos quais rituais de posse, troca,

arrumação e despojamento farão com que estes cheguem ao consumidor comum, saciando

seus desejos. No proposto por Banister e Hogg K (2000), além dos instrumentos de

transferência de significado apresentados por McCracken (2003), teremos catalisadores

específicos para este produto. Mas, o mais importante destes motivadores de consumo serão

os valores percebidos na construção da imagem do pop star que o representa.

Em seu estudo, Banister e Hogg (2000), construído com foco em adolescentes de 11 a

15 anos, os autores apresentam na sua construção analítica uma metodologia que pode ser

aplicada em outras faixas etárias; aplicável também a vários níveis de celebridades. Ou seja,

em subgrupos culturais podemos fazer uso deste modelo, para compreender como suas

celebridades influenciam gostos e o consumo dos seus integrantes. Em sua análise, Banister e

Hogg (2000) percebem que a música pop, em especial para os adolescentes que estão em fase

de construção de sua personalidade, será um referencial de valores reconhecidos e

compartilhados por um grupo. É como se a música fosse um tradutor de desejos e ansiedades,

ao mesmo tempo que um aglutinador de indivíduos com os mesmos objetivos. Neste

43

universo, o protagonista deste produto de consumo passa a ser uma referência de valor para

seus seguidores. A indústria fonográfica não se resume a venda de discos, pois uma gama de

outros produtos serão consumidos na intenção de pertencimento e posse do significado

transferido para estes. Dentre eles, a forma de vestir, penteados e uso de acessórios serão os

grandes referenciais de pertencimento. Na figura a seguir, apresentamos a adaptação dos

autores ao quadro de McCracken sobre o movimento do significado.

Figura 04 – Movimento do significado – Cultura Pop

Fonte: BANISTER; HOGG (2000).

Temos neste modelo um referencial a ser seguido, já que nosso lócus de análise são

maracatus e escolas de percussão das cidades do Recife e Olinda, em Pernambuco, que

também vem a sofre grande influência do Mangue Beat, movimento musical que fez despertar

um novo olhar sobre a cultura deste Estado. Cabe aqui traçar um pouco da história desse

movimento, e de como o estado de Pernambuco passou a fazer uso, em meados dos anos 80,

de novos símbolos de integração social, seja em nível macro, ou em nível de subgrupos

culturais, como é o nosso caso em análise.

44

3.6 Consumo e os movimentos culturais pernambucanos

Em meados de 1986, surge na cidade de Olinda uma banda de maracatu chamada

Nação Pernambuco6. Fundada por universitários de diversas áreas, profissionais liberais e

produtores musicais, o Maracatu Nação Pernambuco rapidamente torna-se popular nas esferas

dos ‘jovens intelectuais’. Vivendo o efeito trickle-up e trickle-down (GARCIA e MIRANDA,

2007) cultural, em pouco tempo outros grupos que tocam e cantam maracatu surgiram e, com

eles, todo um modismo de virar batuqueiro nos jovens das cidades do Recife e Olinda.

Coincidentemente, neste mesmo período, outro movimento cultural dá seus primeiros passos:

o Manguebeat. Este, tendo como seu porta-voz Chico Science, tem, antagonicamente, suas

inspirações musicais nos ritmos populares pernambucanos e no que há de mais

contemporâneo na música internacional. Buscando nesta mistura, formas de utilizar a alfaia7 e

outros instrumentos dos folguedos populares em sua banda chamada Nação Zumbi (TELES,

2000). Com um sucesso que se origina em primeiro lugar na periferia recifense, local de sua

construção e inspiração; o movimento Mangue, assim por diante denominado, inicia um

processo de identificação estética dos integrantes do seu grupo.

Para termos uma ideia de como é forte a estética trabalhada pelo maracatu

pernambucano, já que esse será o ponto primordial de partida para o movimento e da estética

bumba aqui estudada, trazemos um depoimento de Suassuna (apud RIBERIO e MONTES,

1999) em uma de suas experiências com o esse folguedo. Apesar da pobreza em que há tanto tempo abate o Nordeste, do ponto de vista da Cultura o nosso Povo tem uma força que me comove e alenta. Uma vez, em Tracunhaém, um dos municípios mais pobres da Zona da Mata pernambucana, eu estava numa praça, quando de repente saiu de um beco um grupo de Maracatu-Rural, o Leão de Ouro, que, tanto como na música quanto como na dança, era um esplendor e um exemplo para todos nós. Integrado em sua maioria por cortadores-de-cana, e por suas mulheres e filhos, estavam todos os dançarinos cobertos de golas e mantos decorados com lantejoulas, espelhos e pedraria. E eu fiquei ali, deslumbrado diante do milagre, sem saber nem poder explicar como é que esse Povo brasileiro cria tanta beleza no meio de tantas dificuldades (SUASSUNA, apud, RIBEIRO e MONTES, 1999, p. 5).

6 O Nação Pernambuco não tem sua formação como Nação de Maracatu. Ou seja, não estará ligado diretamente às questões religiosas. Sua preocupação será manter vivo este ritmo. 7 Instrumento de percussão, base da batida do maracatu de baque solto ou virado.

45

Mesmo com toda essa riqueza, não podemos deixar de lembrar que este folguedo vem

das classes mais populares e, com isso, toda uma marginalização estará associada. Além

disso, por ter sua fundamentação no sincretismo das religiões africana e católica, o estigma

negativo do candomblé também fará parte dessa marginalização. Assim, esse folguedo ficará

guardado em seus nichos, sendo apreciado apenas nos festejos de Momo.

Figura 05 – estilo estético mangueboy e manguegirl

Logo um estilo de vestir nascido da batida do mangue será traduzido em uma

produção de moda também nascida de estilistas, todos frutos do próprio movimento. Será o

caso de Eduardo Ferreira, que, em 1992, faz seu primeiro desfile solo, para o Salão da Moda

de Pernambuco, projetando seu nome e essa estética para todo o Brasil.

Hoje, a estética mangue sofreu uma evolução e renovação, que a colocam como uma

referência de comportamento e de valores na cidade de origem. Saindo das ruas, passa por

lojas alternativas, chegando até passarelas de eventos nacionais e internacionais. A estética

mangue instala-se no shopping Paço Alfândega (OVERMUNDO, 2010), local de referência

de estilo e sofisticação, numa loja que trabalha com prioridade a venda e promoção de

criadores locais. Essa evolução e integração, principalmente com o público jovem, criarão o

termo ‘estética bumba’ para os usuários deste padrão de vestir e se comportar. A construção

dessas novas estéticas propostas partirá do que os autores como Craig e Haytko (1997)

chamam de consumidores interpretativos. Estes constroem discursos e significados que

refletem seus diálogos recheados de personalidade, história de vida e interesses específicos

para cada contexto. Estas novas propostas serão pouco a pouco reconhecidas, interpretadas,

aprovadas e consumidas pelos grandes grupos.

46

É bem verdade que a moda estará mais associada ao universo feminino, que por

questões históricas e sociais terá uma mobilidade e alteração superior aos trajes masculinos;

mas não podemos negar o quanto os homens carregaram consigo uma série de significados

tão fortes que irão além do gênero; o que será especialmente percebido no universo Mangue.

A atmosfera da moda, construída pelas grifes, será responsável pela sua valorização e

‘glamourização’, que, em grande parte, não será percebida por classes mais baixas. Caberá ao

sistema de moda a construção de uma leitura adequada e adaptada de produtos traduzidos e

com o sotaque ideal para cada público-alvo.

Roupas e aparência podem ser exploradas diariamente. Assim, papeis são construídos

por padrões sociais da roupa. Em alguns casos, esses padrões são reconstruídos, criando

novos estilos, como é o caso do estilo Mangue e da estética bumba aqui percebido. Quando

construímos nossa forma de vestir do nosso dia-a-dia, estamos sempre sujeitos à análise do

outro. Essa análise, para ser composta, fará uso de significados e valores sociais para julgar e

decodificar o objeto analisado. Aparentemente simples essa análise tem variantes diversas que

agrupadas de uma determinada forma, lhe dará leituras distintas. Mas, basta um breve reajuste

nesta linha de composição, para termos outras mensagens construídas (KAISER, 1998). O

nosso decodificador também merece toda a atenção, pois a sua percepção do seu objeto de

análise pode, em avaliações leigas ou sem cunho acadêmico, criar falsas interpretações dos

signos e valores apreciados. Segundo Kaiser (1998), é no nosso everyday life onde se constroi

a relação roupa e grupo.

Mergulhado neste universo mangue, que serve de esteio para nosso objeto de estudo,

focamos na perspectiva de consumo trabalhada por Kaiser (1998), a linha do consumo

simbólico e sua perspectiva cultural. Resgatando o que foi analisado anteriormente, seus

pressupostos estão fundamentados em valores coletivos, na produção e reprodução por meio

de formas culturais – aspectos intangíveis da cultura. Tratando do quanto é forte a capacidade

de dar valor aos objetos e, consequentemente, às roupas que os membros de um grupo usam.

Moda foi nosso objeto de estudo para entender a forma como este grupo constroi sua

identidade. A partir dessa construção, buscamos identificar elementos contidos nesse

consumo, que nos mostrem caminhos de reconstrução de produtos focados neste público-alvo.

47

4. Método de pesquisa

“Antes dos mouros o som

O som de tudo que passou por lá O som de tudo que passou aqui

O som que vem quem viver verá” Antes Dos Mouros - Lirinha / Clayton Barros

Neste capítulo trataremos dos procedimentos escolhidos e sua justificativa para o

objeto de estudo deste trabalho. Nele, descrevemos a orientação paradigmática, tipo de

pesquisa, método de coleta de dados e construção do corpus trabalhado. O objetivo desta

pontuação de processos é deixar claro para o leitor que as escolhas aqui apresentadas buscou

ao máximo trilhar caminhos que nos conduzam o mais próximo possível da nossa pergunta de

pesquisa.

4.1 Orientação paradigmática

Com a definição de Grof (apud GODOI, 1978) de que paradigma é uma constelação

de crenças, valores e técnicas compartilhadas pelos membros de uma determinada

comunidade científica, e lembrando do nosso problema de pesquisa - em que temos como

análise o fenômeno ‘Como se constroi a identidade de moda em grupo alternativo?’ –,

buscamos nos texto de Richardson (1999) uma justificativa clara para a escolha do paradigma

interpretativista. Para o autor, a abordagem qualitativa de um problema é a mais indicada para

o estudo de um fenômeno social. Esta linha de paradigma possibilita a compreensão e

investigação que se volte para uma análise de objetos complexos ou estritamente particulares.

“Estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de

determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar

processos dinâmicos vividos por um grupo social” (RICHARDSON, 1999, p. 80).

Fundamentado nestes pensadores, acreditamos que o paradigma não-positivista ou

interpretativista foi o mais adequado para alcançar o resultado propostos pelo problema de

pesquisa.

4.2 Método de análise

Entendendo a sociedade do ponto de vista do participante em ação, em vez de

observador, para Silva e Neto (apud GODOY; BANDEIRA DE MELO; SILVA, 2007), o

48

interpretativismo tem como unidade básica de análise, neste campo de estudo, o encontro

entre os sujeitos, não percebendo as organizações como uma unidade concreta. Ou seja, o

meio será fruto das ações e interações dos indivíduos que o constrem. Diante desta máxima e

sob o paradigma trabalhado, escolhemos o estudo de caso como o mais adequado para

analisarmos o corpus e consequentemente o nosso problema de pesquisa.

Stake (1995) defende que o estudo de caso, tendo em sua natureza de envolvimento e

dos resultados encontrados a partir de uma análise do todo - indivíduo, ambiente e sociedade;

é a melhor forma de compreender um fenômeno culturalmente construído. Fenômeno no qual

disciplina, organização conceitual e uma estrutura cognitiva devem ser a base da análise dos

dados colhidos. O campo será um norteador dos caminhos e oportunidades do estudo, fazendo

com que seu pesquisador aprofunde-se; mas sempre atendo aos limites do bom-senso.

Seguindo a regra proposta por Stake (1995) sobre disciplina necessária neste método,

sentimos a necessidade do uso de um protocolo de análise. O autor afirma que o campo

apresentará categorias de baixa, média ou alta relevância no estudo, e o uso de um protocolo

agrupara e seleciona estas, de forma a facilitar o trabalho do pesquisador. Assim, buscamos no

protocolo trabalhado por Leão (2007) nortear nossos dados, principalmente pela ampla e

complexa possibilidade de análise destes. Encontramos aqui a segurança proposta por Stake

(1995), cuja classificação de aspectos não verbais e interacionais contribuíram para a

construção de uma complexa rede que nos levou às análises aqui apresentadas. Sua lógica de

construção consiste na possibilidade de ter uma variedade de perspectivas sobre a variação do

corpus (LEÃO, 2007); o que possibilita uma visão holística de significação, mediante os

diferentes níveis de análise apresentados. Estes níveis têm elementos como o tom de voz,

gestos ou expressões faciais; a possibilidade de o autor se debruçar sobre aspectos

paralinguísticos, julgados fundamentais para compreensão do objetivo final.

Apresento, abaixo, uma tabela resumo do protocolo de análise e o descritivo das suas

funções associado e os níveis trabalhados por Leão (2007).

A s p e c t o s “ n ã o v e r b a i s ” A s p e c t o s p a r a l i n g ü í s t i c o s

49

Acentuação Trata-se da intensidade dada a certos trechos silábicos e não necessariamente às sílabas tônicas próprias de cada palavra. Isto quer dizer que não nos atemos se a acentuação está correta ou não, do ponto de vista da norma culta.

Tom

Tom é uma inflexão da voz que se refere à maneira de se expressar. Toda elocução é acompanha de tons de voz, evidentemente. Mais uma vez em nossas investigações consideramos apenas os que contribuem na significação.

Variações ortoépicas

As variações ortoépicas se referem àquelas dialetais e fonéticas. O primeiro tipo refere-se ao impacto que diferentes sotaques têm sobre a pronúncia. A variação fonética, por sua vez, trata-se dos chamados “barbarismos fonéticos”, ou seja, palavras soletradas erradamente. Em ambos os casos, não nos atemos a um sotaque padrão nem à forma correta, do ponto de vista da norma culta, de se soletrar as palavras.

Contato visual

O contato visual a que nos referimos se trata da comunicação que as pessoas estabelecem entre si por meio do olhar, com o intuito de expressar alguma coisa ao outro.

Expressão facial

A noção de expressões faciais que assumimos se refere a variações no movimento muscular da face que, voluntariamente ou não, expressem um sentimento, comumente emotivo. Podem ser sorrisos – em suas diversas variedades (desde um “ar de riso” até uma “gargalhada”) – ou expressões com o rosto (tais como caretas, rubor da face etc.).

Gestos

O que chamamos de gestos aqui se refere àqueles cujo uso já é consagrado numa dada cultura, como, por exemplo, o polegar erguido com os demais dedos fechados para indicar um sinal positivo.

Movimento da

cabeça

Os movimentos da cabeça a que nos referimos aqui são posições ou movimentos horizontais ou verticais que as pessoas fazem com a cabeça e que assuma um significado para seu interagente.

Movimento

dêitico

Os movimentos dêiticos são tipos de gestos específicos. Diferentemente do que chamamos de gestos, estes são demonstrativos de algo, como, por exemplo, apontar para algo com o dedo ou inclinar a cabeça em direção de alguma coisa para evidenciá-la.

Postura

A postura corporal se refere à forma de se movimentar ou manter o corpo numa dada posição, como forma de criar mais ou menos interesse ou intimidade, dentre outros, em relação ao interagente.

Movimentos

corporais

Movimentos corporais são contatos físicos intrusivos – como empurrar, agarrar, segurar etc. – como forma de impedir ou incentivar uma ação do interagente.

Asp

ecto

s E

xtra

lingü

ístic

os

Interações

As interações corporais se referem ao contato pessoal

50

corporais afetuoso – por exemplo, um aperto de mão, um toque, um abraço, dentre outros – que indica a proximidade afetiva entre os interagentes.

Distância corporal

A distância corporal se refere ao espaço em que duas ou mais pessoas estabelecem entre si, indicando o grau de intimidade/formalidade entre os interagentes.

Alternância de

Código

São passagens do uso de uma variedade lingüística para outra, em que os participantes de uma interação, de alguma forma, percebam como distintas. Nisto podemos incluir mudanças de sotaque, de escolhas lexicais, de postura etc. Apesar de tais aspectos já terem sido considerados em outras oportunidades, aqui aparecem como pontos de articulação êmica, em que a alternância de um código para outro deve ser entendido como uma demarcação de grupo cultural.

Cenário

Por cenário temos o espaço delimitado do ambiente físico definido pelos participantes como socialmente distintos de outros aspectos, no qual se desenrolam os eventos e as atividades de fala, bem como o equipamento fixo de sinais ali presentes.

Conhecimento de mundo

Conhecimento de mundo se refere a um conhecimento tácito, baseado em crenças, hábitos e costumes compartilhados, teorias do senso comum, experiências vividas, fatos e dados sociais, econômicos, políticos e de outras naturezas, que os interagentes têm acerca dos mais variados aspectos e, por esperarem, conscientemente ou não, que os seus interlocutores também tenham, o dão por certo.

Asp

ecto

s de

visã

o êm

ica

Contexto

Por contexto aqui assumimos qualquer conhecimento – de um fato ou situação, uma informação, experiência etc. – alçado, direta ou indiretamente, voluntariamente ou não, ao ambiente interacional.

Face

Por face devemos entender o valor social positivo que um interagente almeja ter reconhecido pelo outro por meio do que este presuma ser sua linha (conduta) durante uma interação. Pode se mostrar como ameaça ou, por outro lado, salvação da face do interagente ou de si próprio numa interação.

Asp

ecto

s Int

erac

iona

is

A

spec

tos d

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ão d

o “e

u”

Footing

Se refere a uma mudança no alinhamento que alguém assume para si e para os outros. Em outras palavras, como, durante uma interação, as pessoas mudam sua conduta de acordo com o desenrolar da mesma.

Quadro 04 – Protocolo de análise Fonte: Leão, 2007.

Com a constante preocupação com a disciplina durante a toda a execução deste

trabalho, buscamos em Stake (1995) uma classificação do pesquisador quanto aos papéis

adotados no campus de pesquisa, relacionada ao objeto do nosso estudo. Sua classificação

51

está dividida em pesquisador como professor, pesquisador como advogado, pesquisador como

avaliador, pesquisador como biógrafo, e pesquisador como intérprete. Nesta classificação, que

vai da função de levantar dados ao trabalho entre as relações históricas, percebemos que o que

buscamos está diretamente classificado em nível do pesquisador interprete. Esta classificação

entende que o pesquisador tendo o domínio vai além do científico e apresenta uma

interpretação associada a resultados e relações dos dados analisados. Sua função é

literalmente de intérprete, de forma a facilitar a compreensão holística do caso (tempo, espaço

e inter-relações), apresentado a complexidade do estudo e o cenário rico de detalhes antes não

percebido pelo leitor.

Ainda sob a teoria de Stake (1995), buscamos a triangulação - verbal, não verbal e

interacional, dos dados trabalhada no protocolo de Leão (2007), num esforço para checar se o

que foi observado e relatado como um intérprete desse nosso corpus carrega o mesmo

significado quando encontrados em circunstâncias de análise diferentes. Descrevemos, a

seguir, a forma como trabalhamos a busca dos dados e a construção do corpus

4.3 Coleta de dados

Seguindo o pensamento de Godoy (in GODOY; BANDEIRA-DE-MELO; SILVA,

2007), a pesquisa qualitativa possibilita a escolha variada de fontes de informação. Focando

no nosso método que é o estudo de caso, esta pode ser feita principalmente por fontes de

evidências, tais como: documentos, registros em arquivos, entrevistas, observação direta,

observação participantes e artefatos físicos. No nosso estudo, diante do problema de pesquisa

e do corpus que descrevemos a seguir, optamos pela entrevista semi-estruturada, por

compreendê-la como a mais completa para alcance dos nossos resultados.

Neste tipo de coleta, “(...) a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na

linguagem do próprio sujeito, possibilitando ao investigador desenvolver uma ideia sobre a

maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (GODOY; BANDEIRA-DE-

MELO; SILVA, 2007, p. 134). Acreditando, como já dito, que o meio será sempre um

condutor de caminhos a pesquisar, não utilizemos um roteiro fechado de entrevista como

propõem Godoy (GODOY; BANDEIRA-DE-MELO; SILVA, 2007), e sim tópicos que

serviam de base das informações necessárias. Em alguns casos, o discurso dos nossos

entrevistados reconstruiu estes tópicos, de forma a nos revelar novas informações que vieram

52

a ser de grande valia neste estudo. Como guia , fizemos uso de tópicos seguidos nos encontros

que apresentamos abaixo.

• Identificação – nome, idade, profissão, constituição familiar e contato (e-mail e

telefone);

• Motivação para fazer parte das escolas de percussão/maracatus;

• Grau de envolvimento neste universo;

• Relação com o grupo;

• Importância de fazer parte desta escola/maracatu; e

• Qual a grande diferença entre o universo da escola de percussão/maracatu e seu

ambiente social (trabalho, escolha e família).

É importante informar que nessa relação entrevistador e entrevistados, fatores

levantados por Sierra e Valles (in GODOY, BANDEIRA-DE-MELHO e SILVA, 2007) tais

como: falta de interesse em participar voluntariamente da entrevistas ou questões

comportamentais e emocionais de narrar tais fatos, foram uma preocupação constante de

nossa parte. Buscamos nestes encontros sempre a melhor opção para o entrevistado, seja

quanto ao local ou horário; ou até na nossa postura amigável em permitir que a informação

fluísse de forma agradável. Por se tratar de um tema próximo a todos que entrevistamos,

notamos que os discursos transcorreram de forma prazerosa, sem causar incômodo. Muito

pelo contrário, ao final das conversas foi sempre relatada pelos entrevistados a satisfação em

colaborar com o trabalho. Para nossa surpresa e confirmação do que foi descrito por Godoy

(in GODOY; BANDEIRA-DE-MELO; SILVA, 2007), houve um desdobramento e

aprofundamento a partir dos tópicos descritos, nos levando a buscar dados além dos pensados.

53

5. Construção do corpus de pesquisa

Somos todos juntos uma miscigenação

E não podemos fugir da nossa etnia Índios, brancos, negros e mestiços Nada de errado em seus princípios

O seu e o meu são iguais Corre nas veias sem parar

Costumes, é folclore é tradição Etnia – Nação Zumbi

Do latim, como descrevem Bauer e Gaskell (2007), corpus significa a escolha

sistemática de algum racional alternativo que será explicado. Pensando assim na construção

do nosso corpus, delineamos nossos entrevistados dentro do universo das escolas de

percussão e maracatus nas cidades do Recife e Olinda. Com a grande questão - Como se

constrói a identidade de moda em membros de um movimento cultural? - encontramos neste

grupo uma representação do que podemos chamar de integrantes ativos de um movimento

cultural. Esta delimitação atende ao conceito dos pensadores acima, segundo o qual a

relevância, homogeneidade e sincronicidade são fundamentais para a construção deste corpus.

Traçando um paralelo, já que os autores se referem em seu texto a dados documentais,

buscamos nestes três aspectos focar no objeto do nosso estudo, cuja relevância deste grupo

delineado fosse justificada por serem elementos atuantes no universo a ser estudado. Da

mesma forma a homogeneidade, apesar de trabalharmos escolas e maracatus distintos e em

distintas cidades, se manteve visto os objetivos comuns destes grupos. Quanto à

sincronicidade, realizamos nossas entrevistas em um período muito próximo, e estivemos

atentos a questões externas, tais como movimentos sociais ou datas comemorativas, para que

estas não viessem a influir nos dados.

Assim, nosso corpus de pesquisa foi composto por:

• Homens e mulheres;

• Residentes nas cidades do Recife e Olinda;

• Praticantes de escolas de percussão e/ou maracatus de baque solto;

• Com entrevistas realizadas no período de março a abril de 2010;

Sendo Pernambuco um estado onde a musicalidade é um dos elementos mais fortes da

cultura, encontramos nas cidades de Olinda e Recife espaços que aglutinavam elementos que

vieram a compor o corpus de nossa pesquisa com certa facilidade. Decerto que este público

54

também pode ser encontrado em ambientes sociais destas duas cidades, mas o espaço de

vivência destes, no caso as escolas de percussão e/ou sedes de maracatus, nos deram a

segurança de uma escolha mais verdadeira, visto a vivência e histórico destes narrada por seus

pares.

Para garantir uma maior verdade dessa participação ativa, realizamos um corte mínimo

de três anos de permanência dos entrevistados; evitando assim entrevistados movidos pela

curiosidade ou modismos. Buscamos também, a partir de relato de professores de percussão,

mestres dos maracatus e alunos, identificar futuros entrevistados que demonstravam uma

maior vivência no ambiente. Destes, outros nomes foram indicados, construindo assim uma

rede de relevância para o nosso corpus.

Com a preocupação de não enveredarmos no ambiente do modismo, buscamos nas

diversas escolhas existentes na cidade8 trabalhar com as mais antigas e conceituadas, de certa

forma até referências neste universo. Da mesma forma que escolas de percussão e sedes de

maracatu são, em sua maioria, ambientes de muito fluxo e de barulho intenso. Temendo

interferências do meio, usamos estes espaços apenas para identificar nossos entrevistados,

realizando nossas entrevistas em locais mais tranqüilos, como restaurantes e cafés das mesmas

cidades.

Diante do exposto, deste corpus extraímos 16 entrevistas, com um ponto de saturação

apresentado a partir de 10. É curioso destacar que o ponto de saturação se deu quando durante

a narrativa percebemos uma repetição de informação; tais como: o que os motivou a fazer

parte deste grupo ou o quê mais lhes encantava em fazer parte deste universo. Vejamos a

seguir, como estes dados nos revelaram as conclusões que chegamos ao final deste estudo.

8 Por se tratar de um seguimento extremamente informal, estimamos com base nos dados fornecidos por nossos entrevistados, cerca de 30 a 40 escolas de percussão espalhadas nos mais diversos bairros destas cidades. Por sua caracteriza informal, o número de participantes flutua entre 30 a 60 alunos por turma, com uma média de 02 turmas por escolha (iniciantes e avançados).

55

6. Análise e conclusões dos dados

Daruê Malungo, Nação Zumbi

É o zum, zum, zum da capital Só tem carangueijo esperto

Saindo deste manguezal O cidadão do Mundo – Nação Zumbi

Fazendo uso dos conceitos, observações e precauções citadas pelos pensadores até

aqui trabalhados, a análise dos resultados propostas seguiu uma lógica fundamentada, como já

dito anteriormente, no protocolo de Leão (2007) como um meio para chegar ao nosso

objetivo. Assim, compartilhando a crença de que o significado do que é dito não está apenas

na decodificação gramatical do que foi narrado, mas sim no que foi expresso em gestos,

movimento e tom; propomos a construção de categorias analíticas criadas a partir da

importância percebida pela inferência durante nossa análise, e que passou a classificar e

fundamentar os resultados apresentados a seguir.

Tendo assumido o papel do pesquisador intérprete proposto por Stake (1995),

fundamentamos nossas escolhas de significado da categoria aqui proposta no sentimento e

análise do que nos foi dito e percebido, chegando a critérios de escolha fundamentados em

evidências da narrativa. Da mesma forma que, como prevê o paradigma escolhido, tivemos a

inclusão de uma nova bibliografia. Esta veio a dar suporte e fundamentar descobertas que o

campo nos apresentou. Veremos logo a seguir, um resumo dos aspectos trabalhados nesta

análise e a inserção da categoria analítica justificando sua função.

Aspectos verbais Transcrição das entrevistas em texto corrido com perguntas e respostas.

Aspectos não verbais Identificação de nuances que viessem a identificar significados no discurso.

Aspectos interacionais Identificação de referências vividas pelo entrevistado, não narradas nos aspectos verbais mais de relevância para a identificação de significados do discurso

Categorias analíticas Tradução das informações apresentadas no discurso, seja no aspecto verbal, não verbal, e interacionais; tratadas da em adjetivos classificatórios.

Quadro 05: Decupagem e identificação de categorias conceituais. Construído com base no protocolo de Leão (2007).

De posse deste cenário rico de informações e traduções que aqui apresentamos, a

construção de uma triangulação foi o caminho por nós trilhado na garantia, como já dito

56

acima, de uma maior veracidade dos resultados. O resultado desta triangulação, associado às

categorias analíticas apresentadas, serão detalhados a seguir em cada um dos seus níveis. A

intenção deste detalhamento é apresentar a integração entre os níveis verbal, não verbal,

interacional e os níveis da categoria propostas. Para que essa interação ficasse ainda mais

clara para nossos leitores, buscamos adjetivos que associado ao descritivo da análise,

pudessem sintetizar todo o seu conceito.

É importante ressaltar que as conclusões e classificações aqui propostas, não se findam

nos trechos abaixo trabalhados. Estes são unicamente exemplos do que foi visto e vivido

durante o campo.

6.1 Categoria Analítica – 01

Em momentos específicos desta análise, ficou claro para nós o quanto ser reconhecido,

não só como membro, mas como um personagem de destaque neste universo esteve presente.

Em alguns casos, as várias formas de discursos aqui analisados explicitaram que esta verdade

não se limitava ao universo das escolas de percussão ou grupos de maracatu. Ela transbordava

para meios como o ambiente de trabalho, escolas e/ou universidades, e até junto à família.

Como exemplos desta afirmação, destaco:

Entrevista 06 – linhas 26 a 27

“Já gostava de música popular

brasileira e tudo mais, então, foi

unir o útil ao agradável. Coisa de

família, né?!”

Não Verbal – tom explicativo na

tentativa de convencer o

entrevistador sobre o domínio do

tema, além da postura do corpo

relaxada sobre a cadeira e mesa.

Neste exemplo, ao explicar seu conhecimento o entrevistado apresenta no seu tom de

voz a intenção de passar domínio sobre o assunto, mostrando que sua integração com a

música é anterior a sua atuação nas escolas de percussão ou maracatu, o que lhe coloca num

nível, segundo sua percepção, superior aos demais. É como se este, por ter uma formação e

conhecimento musical requintado, descrita ao afirmar em seu discurso como um estudioso

amador da música popular brasileira, onde o jargão ‘música popular brasileira’ está associado

à qualidade desta produção e seu consumo por uma elite intelectual onde ele teve sua origem.

Temos aqui, uma visão clara o pensamento de Bourdieu (2008) e sua teoria de distinção

57

fundamentada no capital familiar e escolar. Para o autor, os gostos e preferências do indivíduo

estão fundamentados na sua formação familiar ou no que este venha a apreender no ambiente

acadêmico. Neste exemplo, a formação do entrevistado e a vivência que o ambiente familiar

lhe proporcionou junto a MPB, lhe conferem o sentimento de distinção perante o grupo.

Essa mensagem fica ainda mais clara quando sua postura apresenta um relaxamento

sobre o corpo com um ar de descaso e superioridade sobre o assunto discutido, o que vem a

significar, segundo Tompakow e Weil, (1986), uma postura de intimidade com um tema que

lhe leva a descontrair o corpo seguro do que está falando.

Já na entrevista 04 temos o verbal e o não verbal, unidos para enfatizar o quanto o

entrevistado é especial na sua avaliação, junto aos demais membros do grupo. No contexto, o

entrevistado descreve o desejo de que seu marido tem em sempre trabalhar para o crescimento

no que faz. Destaco a seguinte passagem:

Entrevista 04 – linhas 50 a 25

Chico, assim, a necessidade de, de

ser bom, de, de levar aquilo ali

não só como uma coisa pra

desopilar, mas de levar uma coisa

a sério mesmo.

Verbal – a narrativa afirma uma

qualidade positiva do seu marido.

O empenho e a preocupação em

levar a sua participação no grupo

como algo sério e que venha a lhe

dar qualidade perante os outros

integrantes.

Não Verbal – ênfase em falar o

texto tem uma conotação de

positivo.

Para o entrevistado 04 o “ser bom” dito para o seu marido mostra claramente seu

desejo de distinção. Esta distinção, como classifica Bourdieu (2008), tem aqui uma

construção do conhecimento a partir da formação escolar, neste caso não teremos uma

formação acadêmica tradicional, mas sim uma construção musical das escolas de percussão e

maracatus de onde já fez parte e construiu sua habilidade como músico. É interessante

perceber neste exemplo o que o difere do entrevistado anterior. O capital escolar, mesmo não

convencional, lhe dá uma distinção no grupo. Torna-lhe nobre perante os seus.

58

Assim como o entrevistado 04, entrevistado de número 08 que veremos a seguir, a

característica aqui analisada é percebida diante da sua atuação no seu trabalho que é levada

para o ambiente. Ele narra que trabalhar com produção cultural e educação, é o que o difere

dos demais.

Entrevista 08 – linhas 24 a 28

Hoje eu trabalho com educação.

Trabalho na Fundação Roberto

Marinho. Fundação Roberto

Marinho, trabalho com com

(corrige-se) é, educação e cultura.

É, eu sou jornalista de formação,

mas aí ..., é... Trabalho numa,

num, num, num, num, numa área

da Fundação Roberto Marinho

Verbal – a narrativa leva a crer

que sua atuação levada ao

ambiente do maracatu, é uma

forma de reconhecimento. Sua

formação e área de atuação, lhe

colocam numa função de

colaborador.

Não Verbal –tom de superioridade

ao relatar local de trabalho, dando

ênfase na sua formação acadêmica.

No trecho da entrevista 07, o reconhecimento narrado e ressaltado num aspecto não

verbal. A fala do entrevistado descreve sua distinção no grupo, reconhecido em especial pelo

mestre do maracatu9. Contextualizando a passagem, o entrevistado narra o depoimento do

mestre sobre seu desempenho e o apresenta como um exemplo a ser seguindo.

Entrevista 07 – linhas54 a 55

E a minha relação com ele sempre

é muito boa. E ele sempre, ele já

comentou, me disseram uma vez

que eu não fui no ensaio, eu não

fui, eu não tava, e alguém... tava

lá fazendo alguma coisa muito

errada assim, ele fez assim “Pô,

porque não faz feito Pablo?”

Verbal – a narrativa ressalta

qualidades e reconhecimento pelo

membro superior do grupo, lhe

transformando em uma referência

de qualidade.

Não Verbal – sorriso nos lábios de

reconhecimento do que foi dito,

transmite a alegria pelo

reconhecimento.

9 Personagem de maior valor junto a batucada do maracatu ou escola de percussão. Este funciona como um maestro deste grupo, repassando ensinamentos e mantém a identidade do grupo a que pertence.

59

Papéis sociais serão um forte indicador de distinção e diferenciação (BOURDIEU,

2008) e neste exemplo temos mais que um papel ou função no grupo, mas sim uma validação

hierárquica sobre sua qualidade. É importante ressaltar o quanto o Mestre do maracatu é

respeitado e o que ele fala é reconhecido pelos membros do seu grupo como lei. Diante disso,

ser lembrado e destacado como exemplo a ser seguido é uma forma de destinação no grupo.

Concluímos com a análise do material desta categoria que o adjetivo que a sintetizaria

seria NOBREZA. Esta não traz na sua tradução uma um sentido de distinção ou diferenciação

econômica ou social, justificamos esta nomenclatura na percepção que tivemos nos

depoimentos dos entrevistados em ser e pertencer a uma elite cultural que não lhe dá esta

distinção a partir da educação literária, mas sim, e também, do seu engajamento e participação

num movimento cultural e folclórico do seu Estado. É como se para fazer parte desta elite

cultural não bastasse apenas ter o conhecimento teórico sobre o assunto, mas sim uma atuação

perene que lhe faz um guardião e um elemento a ser preservado da sua cultura. Possivelmente,

este sentimento expressado e percebido durante o campus tenha seu fundamento também no

que descreve Maciel e Miranda (2008) em sua análise sobre a formação da cultura

pernambucana, na qual um histórico de riqueza e uma nobreza que faz parte do alicerce desta

cultura é introjetado num comportamento de consumo característico dos seus nativos. O mais

interessante de ser percebido é que essa preservação e nobreza aparecem também no nível da

cultura popular, e transforma o que em outros tempos era marginal em algo raro e de valor.

Esse valor percebido passa a ser copiado e adotado por seus pares, não só nesta

categoria mas e todas que veremos a seguir. Isso reconstrói um padrão a ser seguido, seja na

forma de se comportar e consumir. Quanto nosso foco é a moda, veremos claramente

elementos dos seus espelhos10 replicados de forma sutil em peças ou formas do vestir.

6.2 Categoria Analítica – 02

Sendo um homem um ser social por excelência, como podemos concluir no

pensamento de Baudrillard (1973), sua integração está associada ao consumo, e este consumo

por sua vez será mídia da felicidade e da certeza de pertencer ao grupo de desejo. Crendo

assim, ficou fácil perceber por que este desejo esteve presente em todas as entrevistas

10 Entendemos espelho aqui tratado como um exemplo a ser seguindo. Elemento do grupo que é percebido como uma referência.

60

trabalhadas. O desejo de fazer parte, de estar integrado, e de ser percebido como membros das

escolas de percussão, reforça o pensamento acima.

No depoimento do entrevistado número 06, apesar de se tratar de ser natural da cidade

de São Paulo, fica claro a sua escolha por Recife como sua nova cidade natal. Veremos nos

níveis verbal e não verbal o quanto esse desejo de integração com este novo ambiente será

fundamental para ele.

Entrevista 06 – linhas 17 a 18

Conhecia menos ainda a cultura

pernambucana e fui morar em

Boa Viagem. Não conhecia a

cidade, mas queria me inteirar...”

Verbal – a narrativa afirma que o

entrevistado tinha o interesse

explícito de fazer parte, de se sentir

integrado socialmente.

Não Verbal – ênfase na citação

valoriza o desejo percebido. Sua

entonação é positiva e funciona

como uma resposta afirmativa ao

seu esforço.

Seguindo o pensamento de Baudrillard (1973), hoje, consumir é um desejo social. A

oferta não está mais só no valor e sim na experiência e no prazer de consumir, na forma como

o meio e os objetos se comunicam e como nos relacionamos com eles. Conhecer a cultura

pernambucana é a forma que o nosso entrevistado propõe para pertencer a este novo universo.

Na narrativa da entrevista número 01, vemos o quanto o a vivência em um novo grupo

veio a alterar gostos de consumo deste entrevistado. A partir de sua entrada na Universidade o

acesso a uma nova forma de consumir passa a fazer parte do seu dia-a-dia. Neste acesso e

consumo, o maracatu aparecerá como uma chancela de pertencimento.

Entrevista 01 – linhas 16 a 19

Sério agora. Acho que meu

universo era outro. Eu não tinha

acesso a uma vida, vivência, mais

apurada. Eu era apenas um

espectador, que tava lá vendo.

Verbal – a narrativa já traz uma

afirmação da sua descoberta em

fazer parte destes novos grupos

como algo positivo.

61

Com os novos amigos,

possibilidade de chegar perto. Um

conhece o outro, que é amigo do

outro, e por aí se vai.

Nestes dois exemplos, o “fazer parte de algo”, mesmo que ainda não seja reconhecido

pelos entrevistados de forma explícita, demonstra o quanto essa integração é importante. A

chegada a uma nova cidade, ou a chegada a um novo grupo de amigos que lhes abre a

possibilidade de integração em novos grupos ou subgrupos sociais a partir do consumo de

produtos reconhecidos e validados por este grupo (BAUDRILLARD, 1973). Estas

possibilidades também não têm uma postura passiva, pois ambos irão à procura de caminhos e

contatos que trabalhem essa integração no decorrer das entrevistas.

Ao perceber nesta análise a narrativa “já faço parte” e “reforço minha identidade

pertencendo”, relembramos o pensamento de Mizrahi (2007) e os funkeiros cariocas. Para

esta autora, o consumo simbólico de objetos ou do ambiente onde o grupo de desejo se

encontra nada mais é que uma forma de também pertencer. Transferindo seu objeto de

pesquisa do funk para o maracatu, a apreensão do gosto de consumir este ritmo se dará no

trânsito entre a vida cotidiana a as aulas de percussão, ou o próprio desfile do cortejo durante

o carnaval. Neste contexto a roupa será o grande elemento de conexão, identificação e

pertencimento no grupo. Esse vestir não se resume ao carnaval. Veremos nas análises

seguintes como a adoção de moda será elemento fundamental da formação da identidade deste

grupo em espaços diversos.

O “ter” esteve sempre associado ao “pertencer”, como visto na perspectiva cultural

trabalhada por Kaiser (1998), onde valores coletivos construídos na cultura em análise

representam as ideias abstratas e ingredientes da formação desta cultura, manifestando-se na

forma como seus integrantes se relacionam socialmente ou com esses valores. Na entrevista

03, fica claro que “ter”, ou melhor, “vestir-se como os demais”, traz a sensação de fazer parte

do grupo.

No contexto de onde foi retirado e exemplo a seguir, o entrevistado descreve dois

momentos do vestir onde a roupa está sendo usada individualmente e em grupo.

62

Entrevista 03 – linhas 85 a 87

Perde até um pouco da questão do

espetáculo, ás vezes até quando a

gente vê uma roupa

individualmente falando, a roupa

do maracatu não é tão bonita, mas

quando junta o grupo, todos

usando a mesma roupa, fica,

visualmente falando, bastante

atraente, e vem a calhar.

Verbal – a narrativa afirma o

sentido de grupo a partir da posse

de elementos em comum.

Não verbal – a ênfase com euforia

denota um tom positivo no que é

dito.

Neste exemplo percebemos que a posse da roupa, assim como os cabelos dos

funkeiros ou as jaquetas de couro dos motoqueiros Harley Davidson, nada mais são que uma

forma simbólica de consumir elementos de integração. Garcia e Miranda (2007) defendem

que as pessoas compram produtos para ver refletidas neles a si mesmas, seus valores e seus

gostos pessoais. Valores representam as crenças dos consumidores sobre a vida e o que

julgam como um comportamento aceitável. Se crenças, ainda sob a ótica das autoras, nada

mais são que um pensamento descritivo que uma pessoa tem de algo. Partilhando a máxima

que moda é comunicação, peças do vestuário comunicarão sempre o que sou e no que

acredito. Desta forma o consumo será sempre simbólico, e quando temos a roupa como nosso

objeto de análise, teremos este simbolismo presente e em movimento no seu usuários. Isso lhe

dará a sensação de conforto e de carregar sua mensagem de identidade permanentemente nos

seus trajes.

Não tendo a roupa como exemplo, mas tão rico quanto, destaco mais uma passagem da

entrevista 06, na qual a integração é a grande tônica. Neste exemplo, a escolha de um novo

automóvel para o entrevistado passa por todo um processo de análise, diante da grande

preocupação de não vir a ferir a relação já construída com seu grupo.

Entrevista 06 – linhas 196 a 222

Eu comprei o meu carro pensando

em poder entrar na favela e não

agredi-los. E não chamar a

Verbal – o texto descreve a

preocupação do entrevistado em

não agredir seu grupo com um

objeto que ostentasse status

63

atenção, e não, e não... E não ser

um... Um elemento de

estranhamento e ao mesmo tempo

de que tu pudesse, quer dizer, eles

iam aceitar, evidente, mas é... Pra

não chamar atenção, eu me, me

mimetizar melhor.

Quer dizer eu comprei um bom

carro, gastei 43 mil naquela

época, só que era um carro

absolutamente comum, não

chamativo, nem... Entendeu?

Porque eu tinha medo de entrar

na comunidade e chamar a

atenção e ser agressivo e não ser

bem, assim, e o pouco que eu

tinha conquistado lá dentro, de

repente ser...

Ser perdido. Não ser perdido, mas

assim, o pessoal começar a me

olhar como... O, o, o cara de fora,

que além de tudo tem dinheiro, e

com isso de repente despertar...

Intenções não, não só ligadas ao

movimento cultural propriamente

dito, é... Era essa a minha... Então

esse é um exemplo. E foi uma

besteira que eu fiz na minha vida,

porque pensando no ponto de

vista, é... Econômico. Porque dois

anos depois o meu, o meu carro

tava valendo menos do que 50, é,

praticamente menos que 50% do,

financeiro superior. Por outro lado,

descreve também o seu grande

conflito por ter que fazer esta

escolha.

Não verbal – o tom durante a

narrativa deste texto variará entre o

espanto e de ironia em ter que

viver a situação narrada. Mas, em

momento algum, o tom passou a

ser de desaprovação pelo que foi

escolhido.

Interacionais – apesar de não

estarmos no tempo e espaço onde a

narrativa ocorreu, o entrevistado

deixa claro o seu reconhecimentos

do meio e as consequências de uma

ação bem planejada possa vir a

causar.

64

do preço que eu tinha, é...

investido nele. Então... É... Isso

pesou. Pesou fortemente. Escolher

um carro que fosse mais discreto,

embora ele seja um bom carro, e

tenha todos os, as condições

legais, mas eu não queria

finalizar... Olha só, isso é ao

contrário né, quer dizer,

normalmente você compraria um

carro, e, e, um, e aqui, tem muito

isso também, que você, com o

carro finalizar um, um

progresso... (palavra inaudível)

um status... Uma coisa do tipo, e

eu... Eu fiz o oposto, eu comprei

um carro que... Finalizou o

oposto. Né, então acho que isso foi

uma... Uma, Uma... Um exemplo

forte de como esse, esse meu

envolvimento com esse movimento

cultural influenciou a minha vida.

É interessante perceber como um bem que tem um reconhecimento positivo de status,

como é o automóvel para o meio em análise, leva o entrevistado a questionar e decidir sua

compra por algo que lhe traz desvantagem, mas não vem a desconstruir sua imagem de

integração com o grupo. Ter um veículo percebido como luxuoso para o meio, causaria uma

distância ou até uma imagem de arrogância ou de prepotência, onde sua identidade não

dialogaria no mesmo nível do grupo.

Assim, para esta categoria analítica passaremos a chamá-la de PERTENCIMENTO.

Lembrando que pertencer, como já visto acima, é inerente ao homem. Nesta categoria, o

universo alternativo das escolas de percussão e maracatus, deixa claro que esse desejo faz

parte de uma construção da sua identidade alternativa. Lembrando o pensamento de Solomon

65

e Rabout (2004), veremos que não importa se o grupo ou subgrupo de desejo é formal ou

informal, teremos sempre a possibilidade de uma participação passiva ou ativa neste espaço.

Os grupos alternativos das escolas de percussão e maracatus caracterizam-se por um desejo de

participação ativa. Mesmo quando sou apenas um membro da batucada (papel massificado

sem um destaque hierárquico na escola ou folguedo), estou colaborando ativamente. Não

existe admiração ou cópia isolada de participação.

Ainda sob a lógica dos pensadores acima, temos, na sua escala de referência de

participação em grupos formais, ou não, características distintas neste corpus. No nível

intragrupo existe a predominância na escala ‘recompensa’, na qual a integração é prazerosa

pelo reconhecimento do grupo de sua participação. Já no nível extragrupo, teremos três

escalas presentes: ‘Poder de Referência’, onde a relação com outros grupos está associada a

ser admirado e copiado; ‘Informação’, onde o membro é percebido como uma fonte positiva

de consulta sobre este universo; e, por fim, ‘Expertise’, onde a vivência lhe dá a chancela de

participante.

Neste sentido, assim como na categoria NOBREZA, o participante deste universo terá

a capacidade de influenciar o consumo dentro e fora do seu grupo. Essa forma de consumir

servirá como retroalimentação deste universo, já que viveremos aqui uma relação de produção

e consumo associados. A produção partirá dos nativos que reproduziram intuitivamente

hábitos e uma estética comum a eles. Consequentemente estes mesmos produtores serão

consumidores, assim como os não nativos que pelos motivos aqui apresentados em nossa

análise estão inseridos neste consumo. Fazendo uso da máxima Moda é comunicação (Garcia

e Miranda, 2007), vestir-se será uma das formas de reforçar este pertencimento, através da

adoção de uma nova estética na sua forma de vestir.

6.3 Categoria Analítica – 03

Na categoria 03 fica claro que o espaço alternativo das escolas de percussão e

maracatus é prazeroso e vem a servir como uma válvula de escape para padrões formais desta

sociedade. Outro ponto de destaque é a relação narrada pelos entrevistados com relação à

hierarquia e comando. Nestes grupos a voz de comando será seguida não por um papel social

ou por uma escala hierárquica de uma organização. Existirá sempre um reconhecimento de

66

valor associado à vivência e experiência no grupo. Um mestre de maracatu é mestre por fazer

parte deste universo e carregar com ele a história do maracatu em sua vida.

No ambiente onde aconteceu o encontro com o entrevistado 07, havia alguns objetos e

instrumentos do maracatu presentes. Quando indagado sobre o que representavam aquelas

alfaias11 em canto de destaque na decoração do ambiente de sua sala de estar, este respondeu

que:

Entrevista 07 – linhas 35 a 40

É... Sempre está a, uma, uma tá

furada que é a do Porto Rico que é

vermelha e verde, e a outra tá no

pono. Assim, qualquer hora que eu

quiser, que bate uma saudade eu pego

ela, boto no carro, e vou me embora

tocar. Eu gosto muito assim, tanto do,

da questão somente musical, como eu

acho muito bonita a questão da

religiosidade, né, das, das coisas que

envolvem o maracatu de nação.

Verbal – a narrativa descreve o quanto

é prazeroso para o entrevistado tocar.

Da mesma forma que a possibilidade

de fugir para o ambiente do maracatu é

um fato de liberdade acessível.

Não verbal – tom explicativo tenta

passar a alegria vivida em tocar e

participar deste universo.

A liberdade acessível é o grande mote neste exemplo. Para o entrevistado as alfaias

sempre à vista lhe dão a sensação de pertencimento. Estes objetos carregados de simbolismo

do universo do maracatu e escolas e percussão, como visto no pensamento de Baudrillard

(2000), nada mais são que representações simbólicas e que lhe dão a constante sensação da

possibilidade de transitar entre estes universos. O consumo tem no pensamento de Debord

(2006) um caráter negativo, onde a massificação faz do consumidor um alienado que busca

uma realidade construída e imposta pela mídia; mas na relação vivida neste grupo vemos

justamente o oposto. Existe uma constância com o reconhecimento do consumo relacionado a

este universo. Faz-se necessário a este consumidor uma compreensão e fundamentação no que

é proposto e consumido.

11 Tambor de fabricação artesanal, geralmente produzido nas comunidades onde os maracatus estão instalados, e que servem como base da marcação da batucada.

67

A mesma relação pode ser vista na entrevista de número 02. A entrevistada tem a

formação em advocacia e trabalha em um emprego federal em um fórum da cidade do Recife.

Descrevemos aqui um breve comentário sobre a formação e ocupação da entrevistada, para

ambientar e ressaltar as características percebidas nesta categoria. Durante a entrevista, este

trecho deixa claro como o “bater o tambor” é um momento de liberdade. Realmente uma fuga

dos problemas do cotidiano.

Entrevista 02 – linhas 18 a 22

E por fuga do estresse de trabalho, de

ter um momento de... Descanso de me

concentrar na música, de não pensar

em problemas, de aprender uma coisa

nova, de conhecer pessoas diferentes,

e que não tivesse nada a ver com meu

dia-a-dia.

Verbal – o texto descreve claramente

o desejo de fuga e a liberdade e

descontração do ambiente das escolas

de percussão e maracatus transmite

para o entrevistado.

Não verbal – ênfase no tom de voz

enfatizando o quanto é prazeroso este

ambiente.

Sobre o aspecto da hierarquia que citamos no início da análise desta categoria,

veremos no trecho a seguir como nosso entrevistado encara a liberdade e a obrigação

existentes neste universo. Contextualizando, nosso entrevistado é questionado sobre a

preparação para sair no carnaval.

Entrevista 08 – linha 112 a 120

É uma obrigação. Né, você tem essa

obrigação de sair dois dias no

carnaval com o grupo.

Mas... É prazeroso também.

Quando você tá lá com o pessoal,

tocando... E desfilando no meio da

rua, você vê o povo acompanhando

você... E... É um prazer.

Mas, tem uma obrigação. Você tem

que ensaiar.

Você não pode faltar os ensaios, você

Verbal – fica claro na narrativa um

contraponto entre compromisso e

liberdade vivido pelo entrevistado em

sua participação no grupo.

Não verbal – o tom enfático ao falar

“É uma obrigação” e “É prazeroso

também.”, mostrando a

responsabilidade e o compromisso

assumido com o grupo.

68

tem que se preparar pra isso, não

podia beber no dia da apresentação...

É... Normal em carnaval, né?

Diante desta indicação de liberdade e obrigação apresentada pelo corpus, sentimos a

necessidade de uma nova literatura de apoio e buscamos em Miller (2002) compreender

melhor como essa relação de consumo procede. Para este pensador, a compra, no nosso caso

pagar para fazer parte destes grupos de percussão ou maracatu, faz parte da construção da

interpretação de como desejo que o outro me perceba. Compramos para manter essa relação

viva e assim nos percebermos como parte. Mas, a grande diferença de pensadores até aqui

trabalhados e Miller (2002) está na relação que este trata entre o sacro e o profano, onde

comprar estará sempre associado ao divino e este as relações e papeis sociais. No ato da

compra, existe a sensação de sacrifício em trocar suas economias pela mercadoria desejada.

Este sacrifício será sentido ainda mais se esta despesa for voltada para necessidades básicas, e

atenuada se esta compra tiver uma relação com o consumo hedônico.

Assim, a dicotomia nesta categoria apresentada entre a liberdade e a obrigação em

fazer parte descrita na narrativa tem na relação com o sacro o reconhecimento de valor e

verdade vividos neste consumo. Ou seja: fazer parte de uma escola de percussão ou de um

maracatu me dará a liberdade de transitar entre o meu meio social e o mundo alternativo, onde

serei eu mesmo livre de obrigações convencionais. Mas, por outro lado, este mundo

alternativo também e possuidor de regras e condutas rígidas, mas existirá uma verdade sacra

neste consumo que, apesar das obrigações, será prazeroso fazer parte.

Não existe outro adjetivo para nossa associação nesta categoria que não seja

LIBERDADE. Esta liberdade de ir e vir, focando na construção da identidade de moda deste

integrante, fará com que elementos dos mundos vividos (intra e extra grupo) se misturem e

reconstruam sua forma de consumir moda, reforçados pela crença compartilhada pelo grupo e

integrada na sua nova forma de relação social.

6.4 Categoria Analítica - 04

Extraindo um breve momento da narrativa do último exemplo, onde a entrevistada 02

descreve: “Descanso de me concentrar na música, de não pensar em problemas, de aprender

69

uma coisa nova, de conhecer pessoas diferentes, e que não tivesse nada a ver com meu dia-a-

dia.”; teremos um indício de quanto a busca pelo novo também foi uma constante neste

corpus. Este “NOVO”, já o definindo como o nosso adjetivo para esta categoria, não terá a

mesma função descrita por McCracken (2003) ou Lipovetsky (2005), vivida com a idade

moderna e a revolução industrial apresentando o consumo de novos produtos como um ideal

de conduta social. Este “novo” a que nos referimos, que encantará os novos batuqueiros e

baianas dos maracatus pernambucanos, tem antagonicamente sua referência no passado. O

“novo” desejado tem suas origens na tradição e história desse folguedo. Ao mesmo tempo em

que bebe na contemporaneidade da produção alternativa da música, cinema e literatura

nacional e internacional. Outra característica deste “novo” consumido para nosso corpus é a

sua não massificação. Esse “novo” será construído por referências do passado e o que há de

mais novo no futuro.

Entrevista 04 – linhas 129 a 131

Quando a gente chegou lá no Porto

Rico, aí tem a grande diferença:

social e cultural.

Verbal – a narrativa associa o novo ao

diferente, como se o entrevistado

tivesse esse contato pela primeira vez.

Não verbal – tom de valorização ao

falar sobre a diferença encontrada.

De certo que o entrevistado já tenha vivido situações e relações com o meio social e

cultural a que se refere. Mas, vistos pelos olhos do praticante das escolas de percussão e

maracatu, o social e cultural aqui salientados agora fazem parte da minha história. Kaiser

(1996) descreve que as relações sociais com esse novo construirão ajustes e modelagens

necessárias para que este “novo” venha a si tornar um novo código e significado comuns ao

seu subgrupo.

Esta relação de tradição e consumo também foi trabalhada por Maciel e Miranda

(2007) no estado de Pernambuco. Para os autores, a formação cultural deste Estado tem raízes

tão bem fincadas, que até elementos que outrora foram símbolos negativos, como o

imperialismo dos senhores de engenho, passam a ser consumidos por meio de sua

materialização em roupas para ocasiões socioteatrais. O mesmo nos leva a crer acontece neste

estudo. Elementos da cultura do maracatu, até então visto como popularesco, pejorativo e

70

marginal, passam por uma nova construção de seus significados e consequentemente nossos

códigos compartilhadas por esse grupo.

Vejamos, no exemplo a seguir, como a nosso entrevistado descreve sua chegada ao

maracatu e todo o encantamento vivido em trabalhar este ritmo. Contextualizando esta

passagem, o nosso entrevistado narrava seu histórico na música como sambista, e sua

participação em uma escola de percussão por insistência de sua esposa.

Entrevista 08 – linhas 79 a 116

Lá no bairro do Recife. E ela que me

convenceu, eu –resmungo- no início

eu meio até que relutei “ah to com

preguiça, num sei que lá, não vale a

pena” não conhecia o ritmo... muito

bem, né, ? daria também outros

ritmos, ai eu fiquei... né? Lá...

Tipo, se propõe a, a, a ensinar outros

instrumentos, como pandeiro, que eu

tinha mais ou menos uma noção,

porque meu irmão também tocava

pandeiro

Mas eu não tinha... Molejo etc. Aí eu

fui. E quando eu cheguei lá, eu tive

muita sorte porque, era uma oficina...

Uma oficina fantástica porque... Ele

trabalhava, ele ia além dos

instrumentos, ele ia, o, o mestre, o

professor, ele trabalhava toda

musicalidade corporal então... A

gente fez durante um ano de oficina,

não sei mais ou menos, não sei quanto

tempo, um ano de, de, de, de trabalho,

ai aquilo, né, aí o maracatu entrou aí.

Verbal – a narrativa mostra o

encantamento do entrevistado na nova

experiência vivida. Sua empolgação é

tanta, que narra os sons do batuque na

tentativa de se fazer compreender

diante do seu entusiasmo.

Não verbal – na primeira fase da

narrativa o tom trabalhado tem a

função de explicar e afirmar o processo

vivido. Quando este se refere ao

maracatu, temos um tom de

entusiasmo e euforia na narrativa.

Outro aspecto não verbal percebido

são os movimentos com mãos e braços

simulando o tocar no maracatu. O

entrevistado fica tão entusiasmado com

a narração, que levanta e dança

batendo com os pés, enquanto que seu

tom de voz volta a ser explicativo

enquanto fala sobre os contratempos

musicais do ritmo.

71

Foi entrando devagar, entrando

devagar... E aí eu fui descobrindo o,

o, o ritmo. E foi uma coisa...

fantástica, quer dizer, a partir do

momento que eu tive contato com

maracatu, e que eu pude compará-lo

com, com, com o resto, eu via que eu

não sabia nada, quer dizer, que eu

não, o que eu sabia de samba, o que

eu conhecia, o que eu gostava de

samba era muita, muito pouco do que,

daquilo que eu tava descobrindo ali.

Né, porque... Tecnicamente samba e

maracatu são completamente

diferentes, né, são... São ritmos de

origens, é, da mesma origem africana,

mas de idéias, você assim, de

concepções técnicas diferentes, né,

assim, o... Enquanto que o samba é, é

um ritmo binário.

É , não querendo entrar na técnica

Do, da, da musicalidade, mas, falando

só pra sintetizar assim, enquanto que

o samba é um ritmo binário, que é

uma batida simples né, pá pá pá pá,o,

o, o, o...

O maracatu, é... Ele trabalha o tempo

quartenário, então pra você fechar o,

o, o, o ritmo do maracatu você tem

que fazer quatro tempos, pá, pá pá,pá

pá, pá pá pá pá pá, e isso é muito

complicado, isso é difícil, porque ele

trabalha no contratempo.

72

Este novo não carregará consigo o estigma ou fascínio do exótico. Os integrantes das

escolas de percussão não se sentiram como exploradores de novas culturas, nem tão pouco

arqueólogos em busca de costumes distantes. Sua vivência e participação na construção dessa

cultura lhe dão a chancela do que denominaremos de um consumidor do erudito cultural. Sua

tradução em consumo de moda estará atenta a tradições renovadas. Seus trajes serão

construídos de referências das suas novas experiências.

6.5 Categoria Analítica – 05

A princípio e durante a análise do nosso corpus, viemos a associar esta categoria ao

prazer. Com o aprofundamento e as descobertas feitas, ficou claro que esse prazer tinha uma

relação direta com o Eu, e o consumo aqui descoberto está diretamente ligado à satisfação

pessoal. O fazer aula de percussão ou participar de um maracatu não será dividido com mais

ninguém.

Diante da descoberta do um consumo pessoal que o corpus nos apresentou, buscamos

mais uma fundamentação teórica que viesse a nos apoiar nesta análise. No pensamento dos

pioneiros da área, temos em Hirschman e Holbrook (1982) as primeiras ideias de como e por

que se processa essa forma de consumo. Para os autores, o consumo não pode ser analisado

apenas por questões econômicas ou ligadas diretamente às necessidades básicas. Assim,

propõem uma análise com base na perspectiva que estes denominam de experiencial. Esta

nova perspectiva passa a explorar os significados simbólicos deste consumo em formas

subjetivas tais como: alegria, sociabilidade e elegância. Os autores buscam traçar uma relação

entre as respostas cognitivas e a reação de envolvimento na orientação de consumo. A

atenção, interesse e entusiasmos assumem diretamente uma ação sobre a experiência de

compra. Segundo Hirschman e Holbrook (1982), o consumo para si pode ser definido como as

facetas do comportamento do consumidor relativas aos aspectos multisensoriais, fantasiosos e

emotivos da experiência de alguém com produtos. A capacidade de despertar a emoção não

deve ser tratada simplesmente como uma variável de forma ou preferência, e sim como uma

característica funcional deste consumo.

Para o entrevistado número 06, ao responder sobre o que mais o fascina no maracatu,

sua narrativa apresenta uma relação direta com um prazer pessoal. Vejamos:

73

Entrevista 06 – linhas 84 a 99

Rapaz, essa é uma pergunta... Bem

colocada. Porque... A expressão da

alegria, não sei se é a alegria, se é a

musicalidade, se é um, se é só a

música, se é só a dança... Mas é uma,

uma... Uma síntese de coisas,

entendeu, que não dá muito pra você

parar. É ... A cultura dos caras, né. E

isso, é... É único. É uma coisa que não

tem, eu não conheço em nenhum lugar

do mundo, nunca tinha visto uma

coisa daquelas, entendeu?

Verbal – a narrativa tenta explicar a

alegria e o prazer de fazer parte do

maracatu.

Não verbal – tom de voz embargado

de emoção em narrar o texto.

A experiência vivida e narrada por nosso entrevistado 06 é muito pessoal. O não saber

explicar o que ele sente no momento de fazer parte deste universo traduz algo que está

intrínseco a sua vivência. Consumir a vivência aqui apresentada por nosso entrevistado mostra

claramente o pensamento de Hirschman e Holbrook (1982) com relação as diferenças

individuais, já que experiência hedônica surge de produtos que tendem fortemente a evocar níveis

acrescidos de fantasias, sentimentos e diversão. Relacionado com as artes, cinema ou música;

este consumo tem uma conexão direta com as escolas de percussão e os grupos de maracatu.

A emoção e o prazer de fazer parte, são as grandes forças motivadoras. Neste contexto, o

individual será um novo indicador de desejos, onde para o nosso corpus, percebemos que a

diferença será um fator de integração.

Sou diferente dos outros grupos, e dentro do meu próprio grupo a minha

individualidade será destacada como original. Diante desta conclusão, não teremos nesta

categoria um adjetivo, mas sim todo o significado que o HEDONISMO pode representar. O

consumo de moda aqui apresentado buscará a exclusividade, o único; mas que não o segrega e

sim o aglutina.

74

6.6 Categoria Analítica - 06

Nesta categoria, o desejo apresentado nas narrativas traduz valores culturais

compartilhados neste grupo transformados em consumo simbólico construtor de uma

identidade de seus membros, como já vimos no pensamento de Baudrillard (2000). Estas

referências, associadas ao real ou ao imaginário do maracatu, carregam em seu bojo muito da

tradição cultural de Pernambuco onde símbolos educativos, farão uso da memória afetiva na

construção do seu significado (BAUDRILLARD, 1973). Nos exemplos que a traduzem,

veremos o quanto o orgulho em fazer parte esteve presente.

Durante a fala do nosso entrevistado 07 foi perguntado sobre como ele havia

ingressado neste universo. Sua resposta foi imediatamente associada a esta categoria.

Vejamos:

Entrevista 07 – linhas 18 a 22

E aí quando... Eu sempre gostei

muito, muito da, da... Sou

pernambucano, sempre gostei muito

da nossa cultura, da dança popular,

comecei minha carreira fazendo

teatro... Eu sempre tive muito

envolvimento com as pessoas que

fazem... É... A, a cultura aqui no

estado. E assim, a música popular que

eu tive muito próximo, sempre gostei

muito, quando ia, de, de maracatu, de

caboclinho, de maracatu rural, de

maracatu de baque-virado.

Verbal – a narrativa deixa claro sua

atração pela cultura popular, e que esta

atração é anterior a sua participação

nas escolas de percussão e maracatus.

Não verbal – tom de voz

simbolizando prazer em revelar sua

história. Além disso, temos no

movimento de mãos e braços, em

movimentos ascendentes, a tentativa

de enfatizar o quanto o que foi narrado

é valorizado.

O ser pernambucano, dentro da classificação de categoria analítica 02, é reforçado

com seu histórico, o tornando uma fonte de informação sobre a cultura local para o seu grupo.

Da mesma forma quando afirma: “a música popular que eu tive muito próximo, sempre gostei

muito, quando ia, de, de maracatu, de caboclinho, de maracatu rural, de maracatu de baque-

virado”, revela sua paixão e admiração pelo grupo que agora é integrante. Sua admiração e

75

valorização deixam de ser contemplativas e passam a ser participativas. Ele agora é parte da

cultura.

Nesta participação ativa da cultura, é interessante lembrar o pensamento de Maciel e

Miranda (2008) sobre a transição do simbólico no tempo e espaço da cultura pernambucana.

Para os autores, personagens que no passado carregaram um estigma negativo, como é o caso

dos Senhores de Engenho, vêm a ter seus modos de vestir replicados em nossos dias. No

universo dos maracatus, questões de religiosidades africanas como o candomblé, que ainda

em dias atuais são vistas como marginais à sociedade, vem a ser valorizadas por seus novos

integrantes, como é o caso do nosso corpus de pesquisa. Cremos que esta alteração de valor se

dá por dois motivos. O primeiro por conta da vivência, desmistificação e reconhecimento da

estrutura e funcionamento desta religião. A segunda possibilidade seria por esta religião ser a

base do maracatu. Todo maracatu de raiz tem sua origem na formação das cortes africanas

diretamente ligadas ao candomblé. Assim, justificado na categoria analítica em questão, o que

antes poderia tem um caráter negativo, passa a ser valorizado como referência cultural

também.

Focando no consumo de moda, temos na entrevista 04 uma relação de alguns

elementos do vestuário ou de suas matérias-primas, reconhecidos pela sua referência cultural,

vindo a ser consumidos por conta da vivência no maracatu ou escolas de percussão. Quando

indagada sobre como é esse momento do desfile carnavalesco, a entrevistada descreve o seu

figurino, e como este está carregado de referências que para ela são culturais.

Entrevista 04 – linhas 183 a 187

E como, e como, e como, assim, dono,

vamo supor, da Cabra Alada. Que ele

utiliza muitos, é... É... Recursos,

muitas informações regionais na

confecção do figurino.

Então assim, presilhas... É... A chita

mesmo, a chita entrou na minha vida,

até a chita que sempre foi um tecido

pouco valorizado entrou na minha

Verbal – a narrativa descreve um novo

produto que até então era visto como

algo negativo ou de baixa qualidade.

Não verbal – tom de voz expressa,

num sorriso meio sem graça e um

volume mais baixo ao falar, a

vergonha em não ter reconhecido antes

o valor destas referências culturais.

76

vida, hoje eu uso faixa de cabelo de

chita, uso uma, uma, um... Sei lá, um

broxe de chita, uma fivela...

Assim como no exemplo anterior, vemos a migração de valores. Desta vez a chita,

matéria-prima acima citada, passa a ter um simbolismo cultural por conta do seu uso histórico

no universo popular e em especial do maracatu. Nos maracatus de tradição, também

chamados de Nações, a chita aparecerá no dia-a-dia dos seus membros. Nos desfiles, tecidos

nobres com referência à corte (cetins, brocados e lamês) serão os mais utilizados (MONTES e

RIBEIRO, 1998).

Como vivido na categoria 05 onde a sintetização não foi feita com a associação a um

adjetivo, se repetirá na categoria 06 a mesma lógica. Aqui, encontramos na frase

REFERÊNCIA CULTURAL, o uma síntese do que essa categoria representa. A construção

da identidade de moda estará carregada de materialidade regional. Seja na matéria-prima seja

nas formas. O vestir a minha identidade transporta, seja em referência simbólica ou na matéria

prima, a minha história

6.7 Categoria Analítica – 07

Muito próximo da categoria NOBREZA (aqui você já pode dizer qual), esta

classificação nos mostra um dos desejos do ser humano que é a busca pela beleza. Este desejo

está fundamentado na cresça de que este belo lhe servirá de ferramenta para sua aceitação e

pertencimento. Para dialogarmos entre a categoria analítica aqui trabalhada e o corpus do

nosso trabalho, uma nova bibliografia fez-se necessária. Indo bem distante na formação de um

conceito de beleza, veremos em Platão (SUASSUNA, 1996) uma associação direta do belo ao

bem, onde na verdade nossa atração ao belo nada mais será que a saudade que temos da nossa

passagem pelo mundo dos arquétipos, onde a perfeição estava ali representada como a pureza

verdadeira das formas. No pensamento de Eco (2004), o belo ainda carrega consigo essa

associação ao bom; e esse bom não é somente algo que me agrada, e sim algo que queremos

ter. Pensando assim, veremos como a beleza ou o se sentir belo, esteve presente como mais

um dos elementos da construção da identidade deste grupo.

77

Quando indagado sobre como era a sua participação no maracatu que fazia parte, o

entrevistado 01 descreve o quanto estar bem apresentado é importante. Vejamos:

Entrevista 01 – linhas 34 a 37

Num sou da batucada, como todo

mundo pensa que um cabra que faz

veterinária tem que ser super macho.

Gosto de tá no desfile. Ser vassalo ou

caboclo-de-lança. Gosto mesmo é de

me amostrar.

Verbal – a narrativa mostra o quanto

ser percebido como belo ultrapassa

padrões de comportamento do seu

meio além do maracatu.

Não verbal – tom de euforia em narrar

o texto. Além disso, mãos e braços

descrevem gestos da dança e dos

movimentos durante o desfile.

Para o entrevistado a beleza tem uma associação muito grande com sensualidade. Na

euforia do tom da narrativa, ficou claro uma valorização pessoal quanto a ser um homem

atraente e belo, e o quanto este fato é algo que lhe faz bem.

Essa associação com a sensualidade também é vista na narrativa da entrevista 04. A

entrevistada se refere a um dos componentes do grupo e ao seu marido. No seu depoimento

tratou de uma beleza associada à masculinidade e virilidade masculina.

Entrevista 04 – linhas 252 a 276

Assim, a forma de Jorge, por

exemplo, tocar, eu... É uma forma

assim... Encantadora. Eu digo olhe,

Chico, assim... Até hoje eu digo, Jorge

tocando é impressionante! Como ele

toca bem. Assim, eu digo, tem duas

pessoas que eu acho que tocam muito

bem, além de Chico né, claro.! Eu

digo é Jorge, e um menino lá da

Nação Porto Rico. Que eles, eles se

destacam assim, pelo charme, pela,

Verbal – a narrativa apresenta uma

sensualidade natural percebida nos

seus integrantes, através de alguns

gestos do maracatu durante o desfile.

Esta sensualidade está associada a uma

masculinidade e virilidade.

Não verbal – tom de empolgação em

relatar a sensualidade dos envolvidos

na narrativa. Mãos gesticulam tentando

demonstrar o volume dos ombros e

braços dos envolvidos nos movimentos

78

acho que assim até a virilidade.

A força... É realmente são, são

destacados, assim. Outras pessoas

tocam muito bonito, tocam, tem gente

que toca até se amostrando demais,

que eu acho que fica feio...

De certa forma. Mas eles tocam muito

bonito. Aí assim, isso, isso chamava a

atenção. No vestuário não muito,

porque... Era normal, pessoal normal.

Onde você encontra pessoas muito,

como a gente encontrava,

normalmente que vai pra grupo você

vê pessoas mais... é mais ligadas às

artes de uma forma geral. E todo

mundo que é ligado às artes

independente de ser música, mas a

cinema, a dança, às... artes plásticas,

teatro, artes plásticas mesmo, já tem

um diferencial de comportamento e de

vestimenta.

do maracatu.

No exemplo a seguir, veremos o belo ligado ao vestir e ao tocar no maracatu. A

entrevistada explica como nos instrumentos que já tocou, a roupa tem uma funcionalidade que

vai além da liberdade dos movimentos para essa função. Da mesma forma que descreve sua

finidade com o Abê12 e a sensualidade necessária no figurino para esse instrumento.

Entrevista 02 – linhas 87 a 21

Eu acho que as, as poucas vezes que

eu toquei alfaia, tem que ser uma

roupa confortável que não atrapalhe.

Verbal – a narrativa mostra a

sensualidade da execução de um dos

instrumentos do maracatu e a

preferência da entrevistada por esse

12 Espécie de chocalho feito com uma cabaça e uma trama de linha e contas amarradas em seu corpo

79

Pra... Por causa do tambor, do

instrumento. Mas Abê é divertido que

seja uma saia ... Porque Abê é um

instrumento mais feminino. Então que

seja uma saia, que você, que a pessoa

quando tenha que dançar, faça todo

aquele movimento de rodar, fica mais

bonito. Do quê... Normal... Você pode,

você pode tocar Abê com uma calça,

com um shortinho, alguma coisa

assim, só que mesmo assim, mas não é

tão bonito, e nem é tão divertido

quando você tá com um saião,

rodando...

O Abê é... Normalmente são as

meninas que tocam Abê, são poucos

os homens que tocam. Então fica

aquela ala mais feminina, fica mais

bonito visualmente a dança, (palavra

inaudível), a cor, sendo que a roupa

da gente normalmente é diferenciada

do pessoal da... Da, do, das alfaias na

hora do desfile ou coisa assim.

instrumento.

Não verbal – mãos e braços

movimentam-se descrevendo no ar o

movimento das saias no uso do abê.

Tom de voz remetendo a sensualidade

dos movimentos, dando graça e

feminilidade a narrativa.

A década de 90 na cidade do Recife foi um ambiente propício para despertar na

estética do maracatu uma beleza reconhecida por grupos que foram além de suas fronteiras

(VICENTE, 2005). A que valorização dessa estética surge com o Movimento Mangue Beat, e

esse fará uso de símbolos do universo do maracatu como elementos de referência. Assim, o

belo descrito por nossos entrevistados não tem o mesmo padrão reconhecido pela grande

massa. Numa ação trickle-up (SIMMEL, 1957), essa nova estética ganhará as ruas desta

cidade, mas não foi massificada, continuando a ser consumida por um grupo restrito, vivendo

o que o Simmel chamará de trickle-across. Essa não massificação da nova estética, fará com

que essa mesma forma de vestir e reconhecer o belo esteja restrita ao grupo construindo uma

digital na forma de vestir.

80

Assim, o nosso adjetivo de associação com a categoria passa a ser BELEZA. Mas esta

beleza aqui traduzida e sintetizadora da nossa análise, se dá ao fato de que o belo aqui

apresentado, apesar da associação a “sensualidade” e ao “ser atraente”, carrega consigo

também muito da referência e do saber cultural.

6.8 Categoria Analítica - 08

Nesta categoria, traço um paralelo com o consumo de pátina que apresentamos no

pensamento de McCracken (2003). Para o autor a pátina está diretamente ligada ao tempo. Só

existe um e ter esse raro me faz pertencer. Esta categoria que aqui nos referimos, bebe um

pouco nesta fonte da exclusividade, do único e do incomum; mas essa posse,

antagonicamente, é compartilhada. Participar de escolas de percussão ou fazer parte de um

maracatu trabalha um consumo compartilhado do raro.

Vejamos o quanto o exclusivo estará presente no consumo para os nossos

entrevistados. Quando questionado sobre qual a grande diferença dos outros grupos e o grupo

do maracatu, o nosso entrevistado 01 revela:

Entrevista 01 – linhas 48 a 52

Cara, é um outro mundo. Apesar de

trabalhar com animal, que é muito

bom. Arretado mermo! Não tem a

mesma energia. E olha meu veio, ver

bicho nascer é emocionante. Mas o

carnaval, as ladeiras o povo e o

batuque do maracatu é outra história.

Verbal – o discurso descreve um

paralelo entre dois universos do

entrevistado. O nascimento de um

animal o emociona, mas não tem a

raridade do desfile do maracatu.

Não verbal – tom de empolgação

positiva e única do que está narrando.

Vemos neste exemplo uma grande associação com a categoria 03. O entrevistado tem

dois espaços de convivência que o encanta, mas o maracatu lhe traz a sensação de consumir o

incomum. Nossa entrevistada de número 03 traz na fala - “É legitimamente brasileiro!” - o

quanto para ela essa exclusividade é importante. Já a entrevistada número 04, no decorrer de

sua narrativa, descreve a raridade existente no maracatu em que faz parte. Vejamos a seguir:

81

Entrevista 04 – linhas 380 a 385

Ela é a última rainha negra,

consagrada, pela Igreja Católica, na

época, no ano que se permitia ainda

a...O, o sincretismo. Entre o

candomblé, e a religião Católica, ela

foi a última rainha batizada na Igreja

do Rosário dos Pretos, dali do Pátio

do Terço

Ela foi a última, depois dela nenhuma

mais, nenhuma mais foi né. Que já

tem várias né, Dona Santa. E outras

tantas, mas ela foi a última, tá sendo.

É uma lenda viva!

Verbal – a narrativa traz uma

informação que transforma o seu

maracatu exclusivo e único.

Não verbal – tom explicativo ao

descrever o texto. Dedo indicador

erguido reforçando o quanto esta

informação é importante.

A chancela de ter a última Rainha de Maracatu viva no Estado dá à nossa entrevistada

a posse do raro. Em outro exemplo de sua fala, veremos como esse raro e exclusivo migra

para a moda. No exemplo a seguir, ela fala sobre de detalhes do traje das mulheres que fazem

parte do grupo.

Entrevista 04 – linhas 289 a 293

Por exemplo, uma vez que eu vi uma

menina que ela fez um bordado num

vestido todo de botão. Que eu nunca

tinha visto. Mas era todo colorido,

quando cheguei perto, poxa, botão!

Que interessante né’ você via de longe

assim, uma coisa que sabia que tinha,

e era bom coisa de formas, cores,

jeitos diferentes. Quando eu, ai eu

‘poxa que legal’ ai ela ‘ah, fui eu

quem fiz, eu gosto de mexer com

moda’, num sei o quê.

Verbal – a raridade aqui narrada está

na exclusividade da peça usada por um

membro do grupo.

Não verbal – tom de admiração pelo

resultado e criatividade com o uso do

inusitado.

82

A entrevistada número 04 também descreve que: “Assim, é engraçado. Porque no

trabalho eu vou mais formal, sempre igual. Vou... Quando eu vou tocar maracatu, eu vou

meio que vestida, tem aquela, aquele, ah ‘Vou me vestir pra ir pro maracatu’ diferente de

como eu me visto pra ir pra uma festa.”. Existe neste depoimento algo que reforça o exemplo

acima: o exclusivo no espaço raro. No seu ambiente de trabalho ela vem a usar o que todos

usam, decerto que comunicando e se integrando com o grupo, mas não existe a intenção de

possuir o exclusivo no seu ambiente de trabalho, mas sim no maracatu onde toca.

Como já visto por Craig e Haytko (1997), temos neste corpus analisado claramente a

presença de um consumidor interpretativo. O seu consumo está atrelado ao simbólico e uma

interpretação deste simbólico nas suas crenças e valores pessoais. Consumir passará

obrigatoriamente pelas histórias e referências da cultura que valorizo, traduzidas em objetos

ou serviços, o que chamaremos de RARIDADE. Essa raridade tem a função de integração,

onde elementos do vestuário são distitintivos de pertencimento. Seja na cor, ou em símbolos

exclusivos de cada Nação ou escola de percussão, o raro me faz parte e é compartilhado pelos

meus pares.

Diante desta análise, percebemos o quanto a adoção de moda está presente neste

subgrupo. No transcorrer das categorias analisadas, que vivemos uma dinâmica de produção e

consumo, que se retroalimenta mantendo um movimento Trickle-Across perpetuando sua

unidade hermética.

83

6.10 – Iconografia do personagem do maracatu x iconografia de moda.

Neste mergulho na cultura do maracatu e suas escolas de percussão, percebemos uma

relação entre personagens desse folguedo e características das categorias analíticas aqui

trabalhadas. Estas semelhanças estão fundamentadas em papéis desempenhados por estes

personagens e como, através dos tempos, estes papéis foram se fortalecendo ou criando outros

significados para a cultura em que estão inseridos. Focados em identificar o processo de

construção da identidade de moda de grupos alternativos, e fazendo uso da relação categorias

analíticas + personagens de maracatu, traçamos uma relação indicativa de elementos

norteadores de características que um produto de moda destinado a esse público deve ter na

formação da identidade deste grupo. Assim, o que deste ponto em diante chamaremos de

características de consumo do corpus analisado nada mais será que a integração da

informação construída neste trabalho e características folclóricas e históricas do universo

alternativo dos tocadores de tambor da cidade do Recife e Olinda. O objetivo desta integração

categoria analítica + personagens do maracatu + características do produto, é ressaltar o

quanto este universo tem uma relação integrada e como esta integração pode ser trabalhada

em produtos de moda.

Por outro lado, se buscarmos no pensamento de Barthes (2003) a mitificação que estes

personagens ganharam com o tempo, veremos que essa relação ficar ainda mais consistente.

Para o autor, o mito nada mais é que uma fala. Ou seja, um conceito construído por uma

sociedade dentro de um tempo e espaço, com funções reinventadas por essa mesma sociedade.

Da mesma forma que um mito não se define pelo objeto de sua mensagem, mas sim como

este é anunciado. O mito é uma fala escolhida pela história, uma mensagem que não pode ser

um objeto, conceito ou idéia, mais sim uma forma, um modo de significação.

Assim, se analisarmos os ícones aqui apresentados em nível de mito, veremos que sua

representação nada mais é que uma significação da fala reconhecida e valorizada pelos

integrantes do nosso corpus. Mais interessante se torna nossa análise, se observarmos também

as relações religiosas contidas neste ambiente. O sincretismo religioso e seus disfarces para

manter viva uma subcultura em períodos de repressão as manifestações africanas e nossas

terras, tem na mitologia de sua religião elementos que são transportados e comunicados nestas

falas de forma mítica. Como exemplo temos a percepção da rainha do maracatu ou do caboclo

84

de lança dentro e fora deste universo, onde existe todo um respeito e admiração pela carga

histórica que estes personagens carregam além do período carnavalesco.

O que buscamos com esse novo foco é apresentar como marcas também podem ser

mitificadas por estes grupos alternativos. Um caso bastante conhecido desta possibilidade são

as motocicletas Harley Davidson (McALEXADER e SCHOUTEN, 1995) e toda a fala de

liberdade e rebeldia que vai além do objeto motocicleta, migrando para tatuagens, roupas e

um comportamento que constroem uma identidade própria para seus componentes.

Para facilitar nossa análise fizemos uso, quando necessário, do modelo trabalhado por

Maciel e Miranda (2008) sobre identidade cultural e consumo de moda focado no estado de

Pernambuco. Neste, 05 critérios foram apresentados a partir de características percebidas nas

referências iconográficas do período que os autores classificam de tempo áureo da cana-de-

açúcar (período compreendido entre o séc. XVI e XVII) e seus reflexos na também

denominada pelos autores de Civilização do Açúcar, sociedade contemporânea constituída por

pernambucanos formados na cultura do seu Estado. São trabalhados nestes critérios aspectos

relativos a modelagem – comprimento e volume das peças; cor – pontos em comum das cores

e suas composições nos trajes; materiais – matérias utilizadas na construção das peças;

composição – forma como as peças do traje e pontos em comum no uso de acessórios; e

gestual – postura e comportamento durante o uso do traje.

85

6.10.1 Nobreza – A Rainha do Maracatu

Ícone 01 - Rainha do Maracatu

Eduardo Maciel tendo como base a fonte Mangue Bats, 2010

Descritivo do ícone - Personagem central do maracatu tem uma representação direta com as

mães de santo dos terreiros de onde fazem parte. Sempre vestida com luxo, ostenta a nobreza

da sua corte, sendo soberana e protetora dos seus súditos. No maracatu, apesar da presença do

rei, a rainha tem uma relação de conhecimento e domínio de sua côrte. Talvez por sua atuação

social na comunidade de origem, esse domínio da sua “côrte” tenha pouco a pouco migrado

para o personagem que representa. Tradicionalmente é o personagem de maior respeito e

admiração entre os seus seguidores.

Similaridades com categoria analítica – soberania e sabedoria reconhecida pelo grupo vem

a ser o elo deste personagem. Mesmo fazendo parte de um universo machista, a matriarca do

maracatu é sempre consultada para os mais diversos assuntos, sendo percebida como uma

referência cultural. Este reconhecimento e valor esteve presente como um desejo dos nossos

entrevistados.

Característica do produto de moda – nesta categoria a distinção será o elemento- chave,

trazendo ao grupo o reconhecimento de nobreza. Outra característica presente também será a

da referência extragrupo; os nossos entrevistados declaram de forma positiva o fato de serem

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reconhecidos como uma referência de consumo de moda. Essa moda não é algo comum ou

massificado, mas sim carregado de referências culturais.

Materiais – teremos aqui uma releitura de materiais considerados populares, como o

algodão. Para esse consumidor, a nobreza está na sua história, pois o algodão, a palha,

e a até a própria chita serão interpretados em peças com o valor da tradição e

referência. Essa transformação da matéria-prima simples em algo nobre fica clara na

narrativa da entrevista 04:

“A chita mesmo, a chita entrou na minha vida, até a chita que sempre foi um tecido pouco valorizado entrou na minha vida, hoje eu uso faixa de cabelo de chita, uso uma, uma, um... Sei lá, um broxe de chita, uma fivela.” (Entrevista 04, linhas 190 a 193)

6.10.2 Pertencimento - Umbrela

Ícone 02 - Umbrela

Eduardo Maciel tendo como base a fonte Mangue Bats, 2010

Descritivo do ícone – grande guarda-sol ou sombrinha, confeccionado em tecido

preferencialmente nobre, é ricamente adornado com plumas e pedrarias. Sua função é

proteger a corte, Rei e Rainha, durante o desfile do folguedo.

Similaridades com categoria analítica – como elemento de proteção, vemos na umbrela um

integrador dos que fazem parte do maracatu. Visto de qualquer parte durante o desfile, por ser

depois do estandarte o adereço mais alto do cortejo, transmite a sensação de núcleo ou

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coração do folguedo. Da mesma forma que fora deste universo, a umbrela, guarda-sol ou

sobrinha, são percebidos na linguagem corporativa como algo que engloba elementos afins,

com o objetivo de integração.

Característica do produto de moda – diante da conclusão que tivemos durante a análise do

nosso corpus, na qual a diferença será um dos fatores de integração para este grupo na relação

dentro e fora do grupo, esse pertencimento não estará associado a uma padronização rígida tal

como uma farda militar ou um uniforme escolar. Semelhanças na modelagem, na matéria-

prima e na cor serão os grandes elos de conexão. Assim, apresentamos abaixo, dentro dos

critérios de análise de Maciel e Miranda (2008), como estes elementos se apresentam.

Modelagem – veremos uma preferência por uma modelagem ampla nas saias. Esta

modelagem virá do movimento vivido durante os ensaios e apresentações do maracatu,

com a saia sendo uma extensão do corpo, dando maior movimento a evolução da

dança. Quando trazida para o seu dia-a-dia, esta peça sofrerá uma redução do seu

volume, chegamos ao que conhecemos como saia A13. Vejamos na narrativa da

entrevista 02 como essa preferência é citada.

“Mas Abê é divertido que seja uma saia ... Porque Abê é um instrumento mais feminino.” (Entrevista 02, linhas 72 a 74).

Cor – a cartela de cores irá de tons mais terrosos, tais como o bege, ocre e marrom

associadas às questões étnicas da cor da pele dos negros. Da mesma forma que o

colorido do carnaval e a relação do sincretismo apresentará uma cartela de cores

primárias e secundárias vibrantes. Abaixo temos um exemplo de como a cor será um

fator positivo.

“Por exemplo, uma vez que eu vi uma menina que ela fez um bordado num vestido todo de botão. Que eu nunca tinha visto. Mas era todo colorido, quando cheguei perto, poxa, botão!”(Entrevista 04, linhas 289 a 292).

Matéria-prima – apesar de não haver citação sobre a materialidade das roupas, fica

claro no discurso dos entrevistados a busca pelo natural no vestir. A chita, por

13 Modelagem onde da cintura até a barra da saia teremos a forma de um trapézio.

88

exemplo, citada em exemplos anteriores é 100% algodão. Para o nosso entrevistado

08, a busca por elementos naturais fica evidente quando este diz:

“Acho que tudo que vem da natureza. O som do tambor como diz Naná Vasconcelos é o som da terra. Se, se num é natural, não tem essa ligação.” (Entrevista 08, linhas 123 a 125).

6.10.3 Liberdade – Batuqueiro

Ícone 03 - Batuqueiro

Eduardo Maciel tendo como base a fonte Mangue Bats, 2010

Descritivo do ícone – Os batuqueiros do maracatu são responsáveis pela musicalidade do

folguedo. Sua percussão marcada carrega em sua batida a liberdade de expressão negra

reprimida e a liberdade festejada durante o carnaval em seus desfiles.

Em sua maioria formada por homens, os batuqueiros, comumente, têm seu figurino resumido

à parte inferior, deixando seu tronco e braços livres para os gestos necessários na execução do

batuque. Isso vem a ressaltar mais ainda a liberdade vivida e pregada por esse personagem.

Similaridades com categoria analítica – além da liberdade de expressão que este grupo tem

durante a sua exibição, os batuqueiros também buscam no comando respeitado a partir de uma

liderança reconhecida; neste caso o mestre do maracatu. Nossos entrevistados também

escolhem o seu líder, podendo migrar de grupo sempre que lhe convier. Mesmo quando existe

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a migração e o reconhecimento com os mestres e professores já vividos será mantido e

referenciado.

Característica do produto de moda – veremos aqui que a liberdade e o conforto serão

elementos primordiais. A liberdade aqui apresentada refere-se a uma fuga do cotidiano e a

percepção do “mundo alternativo” como um local despojamento de padrões sociais. O

conforto também terá essa relação com a liberdade dos movimentos e expressão. Dentro dos

critérios que estamos trabalhando temos:

Modelagem – a preferência por uma modelagem ampla tanto no masculino como no

feminino serão frequentes. Na entrevista 04, a entrevistada refere-se às roupas usadas

no desfiles e as dificuldades vividas.

“Porque a roupa nem sempre é confortável, pra quem toca o instrumento que eu toco. Pra quem toca alfaia, as roupas da gente são terríveis. Desse ano, elas são muito... Cheias de coisa, cheias de acessórios, roupa pesada.” (Entrevista 03, linhas 88 a 91)

Materiais – mais uma vez veremos a presença do algodão, mas neste caso focado no

conforto que esta matéria-prima proporciona em contato com a pele e a facilidade que

este material tem em ser refrescante no clima tropical. A entrevistada 02 narra sua

preferência ao vestir quando indagada sobre o que veste além do ambiente do

maracatu. Nas peças citadas, a presença do algodão é a base dessa produção.

“Sinceramente, é muito roupinha de domingo de tarde. Bermuda, camiseta. Bermuda, camiseta. É... sandália também.”(entrevista 02, linhas 178 a 180).

Composição – não veremos superposição de peças presentes neste grupo. A

simplicidade em peças únicas como saia e blusa para o feminino, ou calças e camisas

para os meninos, será uma constante. Vejamos na fala do entrevistado 04: “Às vezes eu ia sempre com a mesma bermuda, de chinela havaiana, e só mudava a blusa.” (Entrevista 08, linhas 152 a 154)

90

6.10.4 O Novo – Mangue Boy

Ícone 04 - Mangue Boy. Fonte Mangue Bats – Tipos do Acaso – Sebrae/PE - 2003

Descritivo do ícone – nome dado aos integrantes masculinos do movimento Mangue Beat, é

o grande consumidor dos frutos deste movimento. Criador e mídia de uma nova estética, tem

seu pensamento voltado para o futuro, mas com conceitos e referências históricas e culturais.

Antenado assim como as parabólicas14, busca sempre a inovação, seja musical ou tecnológica.

Nega o sexo virtual e revira constantemente o seu baú de memórias refazendo a cena cultural

ao seu redor.

Similaridades com categoria analítica – o desejo de experimentação é o grande elo entre

este ícone e a categoria proposta. A busca pelo novo seja em qual for o seguimento lhe dá um

caráter cosmopolita, que lhe faz reconhecer o novo e o traduzi-lo para seu tempo, espaço e

cultura. Essa é uma das características dos nossos entrevistados. Em muitos casos, a

curiosidade e a busca por este novo foram responsáveis pela chegada a te as escolas de

percussão e maracatus.

Como já vimos acima, este “novo” não tem a mesma lógica construída por McCraken

(2003) em uma nova forma de perceber valores e, consequentemente, de consumir que era

14 A antena parabólica é um dos símbolos do movimento Mangue Beat. Seu fundamento está na citação de Chico Science sobre uma antena parabólica fincada na lama.

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efetivamente novo. Mas sim, uma busca por algo que ainda não é comum, mesmo que este já

tenha um longo tempo de vida, como é o caso do maracatu.

Característica do produto de moda – como descrito também, o novo aqui materializado no

mangue boy terá uma referência do passado; onde novas tecnologias são mídias dessa relação.

Assim, referências vintage15 serão frequentes. Este grupo se alimentará de uma memória

afetiva.

6.10.5 Hedonismo – Baiana

Ícone 05 - Baiana

Eduardo Maciel tendo como base a fonte Mangue Bats, 2010

Descritivo do ícone – personagem de celebração da alegria no cortejo, está sempre adornada

com brilhos e balangandãs. Com uma postura altiva, tem o prazer de dançar em nome do rei e

rainha coroados do seu maracatu.

Similaridades com categoria analítica – buscando o prazer pessoal em fazer parte, seus

desejos de consumo são hedônicos, pois a vivência no grupo e a construção de sua história

não podem ser transferidas para um terceiro. Não existe sentimento de culpa ou de egoísmo

presente, apenas a certeza de um consumo por prazer.

15 Forma de consumo onde peças de roupa do passado, ou referências destas peças são utilizadas no presente ou servem de base para criadores.

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Característica do produto de moda – mais uma vez focados na diferença que integra, este

categoria carregará consigo a originalidade e customização no consumo de moda. O nosso

entrevistado tem a percepção que ele consome de forma diferenciada dos outros elementos do

seu grupo. Falando especificamente sobre as baianas, temos na entrevista 03 uma referência

que sintetiza essa forma de consumo. Na narrativa quanto perguntada sobre o figurino dos

batuqueiros no maracatu, temos a seguinte resposta:

“E usa umas roupas mais sisudas, as baianas que só fazem a parte que é uma coisa muito bonita, visualmente falando são muito melhores.” (Entrevista 03, linhas 78 a 80)

Quanto aos critérios de Maciel e Miranda (2008) aqui trabalhados, podemos

relacionar:

Composição – fica claro na narrativa da entrevista 02 o desejo de um consumo único e

exclusivo. Pois fará uso da customização para que sua camiseta lhe integre ao grupo e

ao mesmo tempo não seja massificada. Contextualizando o trecho, a entrevistada é

perguntada sobre como é o figurino das apresentações de sua escola de percussão.

“Então acho que de uns dois anos pra cá foi só camiseta. Que no caso eu, eu customizei, mandei de uma camiseta grande, ampla, uma T-shirt, eu fiz uma regatinha, até pra ficar mais bonitinha, com uma saia lisa, mas aí o adereço principal que fez, foi pra cabeça.” (Entrevista 02, linhas 212 a 216)

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6.10,6 Referência Cultural – Caboclo de Lança

Ícone 06 – Caboclo de Lança - Fonte Mangue Bats – Tipos do Acaso – Sebrae/PE - 2003

Descritivo do ícone – assim como um soldado, este personagem tem a função de abrir os

caminhos para o cortejo e guardar a sua corte. Característico do maracatu rural, não tão

comum na região metropolitana das cidades do Recife e Olinda, o caboclo de lança se tornou

nos últimos 10 anos uma referência da cultura pernambucana. Uma espécie de guardião desta

cultura.

Similaridades com categoria analítica – como o descritivo ícone apresenta, por ser

percebido como um guardião da cultura, sua similaridade será imediata. Mesmo este não

fazendo parte do maracatu de baque solto, espaço onde não realizamos nossa pesquisa de

campo, seu reconhecimento como guardião e percebido nos que compuseram o nosso corpus

de pesquisa.

Característica do produto de moda – elementos da cultura pernambucana estarão presentes

em estampas ou em acessórios para este grupo, em ambientes além do maracatu ou das

escolas de percussão. Com relação a materiais, vimos em categorias anteriores como a chita,

matéria-prima tão associada ao universo folclórico, passou a fazer parte da matéria prima

destas roupas. Da mesma forma que nomes de estilistas pernambucanos e grifes

especializadas em trabalhar a referência cultural foram citadas. Vejamos o que falou a

entrevistada 04:

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“Eu fiquei mais aberta às influências, a Cabra Alada que tem João Neto como estilista.”(Entrevista 04, linha 183)

Ou ainda na narrativa da entrevistada 02, quando perguntada sobre onde comprava

suas roupas. Esta se referiu em especial a suas saias e a relação que estas têm com os

movimentos para tocar abê.

“Mas lá mesmo tem umas diferentes, tem umas bonitas. Outras que eu vi, eu não comprei, mas eu vi que tinha uma, uma, uma padronagem interessante, que era bem grande, eu vi umas da... Madame Surtô.”(Entrevista 02, linhas 107 a 109)

6.10.7 Beleza – Mangue Girl

Ícone 07 – Mangue Girl - Fonte Mangue Bats – Tipos do Acaso – Sebrae/PE - 2003

Descritivo do ícone – assim como o Mangue Boy, este personagem também é fruto do

universo mangue. Antenado às questões culturais, faz uso desses elementos simples no seu

vestir, construindo uma sensualidade brejeira admirada e desejada que migrará para além

deste movimento.

Similaridades com categoria analítica – a busca pelo belo é a tônica desta similaridade.

Além disso, este belo não segue padrões impostos pela mídia, e busca na cultura valores que

possam ser expressados no seu vestir e na construção desse belo.

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Característica do produto de moda – o produto de moda com base nesta característica deve

prezar pela simplicidade. Isso não significara dizer o mesmo que uniformidade ou

pasteurização. Este simples, refletido em linhas e na ausência do exagero, será revelador de

uma sensualidade e de um desejo de ser percebido como atraente. Nunca a vulgaridade de

peças ajustadas ao corpo ou de comprimentos micro serão percebidas como algo positivo.

Modelagem – apesar de amplas, como já visto na nossa análise sobre liberdade, a

sensualidade estará presente em ombros a mostra das mulheres, com o constante uso

da saia reforçando a questão do gênero. Mesmo se referindo às aulas de percussão, a

entrevistada 02 nos dá um exemplo que ilustra esta análise.

Eu acho que as, as poucas vezes que eu toquei alfaia, tem que ser uma roupa confortável que não atrapalhe. Pra... Por causa do tambor, do instrumento. Mas Abê é divertido que seja uma saia ... Porque Abê é um instrumento mais feminino. Então que seja uma saia, que você, que a pessoa quando tenha que dançar, faça todo aquele movimento de rodar, fica mais bonito. (Entrevista 02, linhas 87 a 91)

Gestual – a expressão de prazer e alegria constante no subgrupo estudado, será um elo

com a beleza desejada nesta categoria. Como o corpo não será uma mídia direta desta

sensualidade, o conhecimento e história construídos no maracatu farão esse papel de

sedução. Outra característica estará presente na associação da virilidade masculina dos

batuqueiros, na qual a força será um elemento na construção desse belo. Vale lembrar

a narrativa da nossa entrevistada 04, quando se refere ao seu professor de percussão e

ao seu marido.

“Assim, a forma de Jorge, por exemplo, tocar, eu... É uma forma assim... Encantadora. Eu digo olhe, Chico, assim... Até hoje eu digo Jorge tocando, é impressionante! Como ele toca bem. Assim, eu digo, tem duas pessoas que eu acho que tocam muito bem, além de Chico né, claro.! Eu digo é Jorge, e um menino lá da Nação Porto Rico. Que eles, eles se destacam assim, pelo charme, pela, acho que assim até a virilidade.” (Entrevista 04, linhas 252 a 257)

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6.10.8 Raridade – O Rei

Ícone 08 – O Rei

Eduardo Maciel tendo como base a fonte Mangue Bats, 2010

Descritivo do ícone – representante da nobreza exilado em terras brasileiras, estes

personagem representa os reis trazidos durante o período da escravidão. Sua masculinidade e

força são vistos como um exemplo de perseverança e valentia.

Similaridades com categoria analítica – por ser um membro da nobreza, este ícone já é por

si só um elemento raro. Vem de uma linhagem nobre, e mesmo distante da sua corte, carrega

consigo esta realeza em lugares muito distantes de sua terra natal. Em nossa categoria

analítica essa relação se dará na não massificação deste consumo e em características de único

que estes ambientes venham a transmitir.

Característica do produto de moda – a raridade aqui tratada tem características que vão

além do exclusivo, pois esse raro é compartilhado com o grupo. Pensando assim, não

encontramos nos critérios criados por Maciel e Miranda (2008) uma relação com os itens

criados. Esta característica de consumo de moda estará presente no ambiente raro e inovador

da apresentação deste produto, na relação direta com a referência compartilhada pelos

membros deste grupo, na memória afetiva que este produto possa transportar.

Concluindo nossa análise, buscamos na construção de um gráfico sintetizarmos as

características aqui encontradas. Esta síntese tem a função de nos dar uma visão holística

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deste universo e de como as categorias de nobreza, pertencimento, liberdade, o novo,

hedonismo, referência cultural, beleza e raridade estão interligadas e servem de suporte e

apoio entre si.

Gráfico 01 – Gráfico de inter-relação das categorias analíticas Eduardo Maciel tendo como base a fonte Mangue Bats, 2010

Cada categoria aqui apresentada nada mais é que uma faceta da construção da

identidade do subrgrupo estudado. Cada uma delas nos revela nortes a seguir na construção de

produtos de moda focados para o nosso corpus. Estas expressam crenças vividas no espaço

das escolas de percussão e maracatus, transformadas em uma forma de consumir e

consequentemente de construção de identidade deste grupo.

Quando focamos no consumo de moda, percebemos que o espaço do “alternativo” é

um ambiente de liberdade. Um ambiente onde a fuga dos padrões formais da sociedade será a

base para este subgrupo; estar inserido neste trará a sensação de pleno de prazer de pertencer.

Afinal, sua permanência neste espaço é extremamente voluntária; num local onde regras não

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serão vistas como imposições e sim como necessárias para a manutenção deste universo. Uma

relação entre o sacro e o profano, numa construção onde o consumo + comportamento de

consumo + movimento cultural será a fórmula dessa moda alternativa.

A forma de vestir, nada mais será que um linguagem complexa para informar quem

somos ou acreditamos ser. Essa complexidade se tornará simples, se no memento em que

construímos cuidadosamente nossas mensagens tivermos o domínio dos códigos que

desejamos comunicar. Assim, a moda como instrumento de integração nos grupos alternativos

será mais que um cartão de visitas, mas sim uma mídia das verdades compartilhadas por este

grupo.

Nesta constante relação de integração entre as categorias analíticas aqui apresentadas,

relembramos o pensamento de Embacher (1999) e McCracken (2003), segundo o qual a

construção da identidade de moda de subgrupos não terá uma formação isolada. Sua realidade

estará fundamentada nas relações dos membros deste grupo com suas crenças e valores

construídos e compartilhados, codificados em objetos carregados de significados e chancelado

por esse grupo.

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7. Considerações Finais

Viajei, me liguei

fui ali e voltei sob o signo do som invocando os deuses ancestrais

dos pensamentos espirais, maiorais das almas analógicas

às auras digitais Voyager - O ouvido em outra dimensão

Nação Zumbi

Mergulhando neste subgrupo cultural descobrimos que bater tambor pode ser mais do

que uma forma de expressão, e sim uma forma de reconstrução cultural. Para os seus

integrantes, fazer parte do maracatu ou de uma escola de percussão implica em uma troca, não

consciente a princípio, entre o lazer descompromissado e o prazer de uma disciplina rígida.

Dias, horários, prazos, sem falar no esforço físico de tocas alguns destes instrumentos, que

literalmente farão a mão de seus batuqueiros sangrar. Como em uma das nossas conversas

com membros do grupo, espantou-nos o depoimento sobre os calos frutos do treino e da

dificuldade que este membro tinha após as aulas em usar o computador em seu ambiente de

trabalho por conta destes ferimentos. Mesmo assim, exibia suas cicatrizes como um troféu por

um trabalho bem feito e por se sentir parte dele.

Mas... que fascínio é esse? Que lazer é esse que vira uma obrigação? E como todo esse

universo responderá a nossa pergunta de pesquisa?

A resposta base dessa questão foi a nosso ver é a busca por uma verdade. Uma

verdade de crença e legitimidade mesmo dos que não são “filhos do Pernambuco”, como

assim falava o paulistano com seu sotaque de megalópole. Dessa verdade brotaram peças da

construção de valores e signos de uma identidade com um sotaque e ritmo próprios. Muito

mais sotaque do que ritmo, afinal com o que mais nos deparamos neste mergulho foram

diferentes sotaques. Cariocas, paulistas, alemães, cearenses, mineiros, entre outros cantos

deste mundo globalizado, foram fisgados pelo som de abês, chequerês, alfaias, caixas e

agogôs; que nos finais de semana povoam as tardes do bairro histórico do Recife e da cidade

alta de Olinda. Muitos são guiados por histórias bem contadas por amigos e conhecidos que já

fazem parte deste universo, ou simplesmente se encantaram pela plástica e sonoridade da

batucada.

100

Diferentes também foram as formações, profissões e desejos dos que fazem o som do

tambor. Nestas diferenças dois extremos estiveram presentes com uma certa constância: os

que trabalham com a arte e a diversão (atores, cantores, produtores culturais, arte educadores,

publicitários e designers); e num outro extremo os que trabalham com burocracia e números

(advogados, engenheiros, matemáticos, médicos e pesquisadores). Estes extremos, na hora de

bater tambor, não só falavam, como também tocavam a mesma língua. Uma língua que até

então para nossos ouvidos não treinados batia numa só pulsação. Depois de conviver e viver

momentos com estes batedores de tambor ficou claro como cada tambor tem a sua voz e o seu

texto. Numa batucada, seja num ensaio ou na rua, um verdadeiro diálogo é realizado entres

vozes saídas da força e graça desses músicos. Mas este diálogo tem uma voz própria quando

nos referimos às Nações de maracatu. Ouvidos apurado são capazes de identificar apenas pela

apresentação de um batuqueiro qual sua Nação de origem e/ou formação.

Tantas diferenças e tantas similaridades. Uma destas diferenças estava presente na

formação social destes grupos e da influência exercida nas comunidades simples onde os

maracatus de raiz estão. Nos relatos trabalhados, a preocupação em não agredir o espaço

sempre foi uma constante por conta dos nossos entrevistados que não são integrantes destas

comunidades; seja na compra de um automóvel ou na mesma bermuda surrada que se repetia

nos ensaios para não chamar a atenção. Na verdade, o que víamos era muito mais um respeito

e cuidado em não macular uma cultura rara, bela, nobre, de onde estes estrangeiros gostariam

de se tornar de alguma forma nativos.

Outro ponto curioso neste trabalho foi a disponibilidade que sempre tivemos na

construção do nosso corpus. Falar sobre o maracatu foi, em todos os casos, um prazer para

nossos entrevistados. Apesar das agendas apertadas, domingos à tarde foram trocados por

nossos encontros; intervalos entre o horário do almoço e o retorno para o trabalho estiveram

sempre possíveis, sem falar nas paradas no final do expediente ou até mesmo após as compras

de supermercado. Sempre houve um interesse e uma vontade de expressar sua história e o seu

pertencimento no batuque.

Expressar-se para este grupo não se resumia a oralidade e gestos simples de expressão.

Braços e mãos se moveram desinibidamente no espaço replicando movimentos da dança,

volumes de figurino e silhueta de corpos. Em uma das nossas entrevistas, após um dia de

trabalho, um dos nossos entrevistados, durante sua explicação sobre os tempos melódicos

101

deste ritmo, levantou-se em seu escritório e começou a dançar numa coreografia que imitava a

dança das mulheres africanas, com seus filhos atados em suas costas. Toda essa encenação

tinha apenas um propósito: se fazer compreender em sua plenitude.

Mais uma vez focando em nosso problema de pesquisa, observamos que as diferenças

seriam o grande elo e conexão destes grupos. A integração e formada pelas diferenças

existentes. Diante desta possibilidade, como seria capaz identificar a construção de suas

identidades?

Num universo pasteurizado da pós-globalização, encontrar algo raro nos transporta

para uma outra dimensão. Nesta dimensão distinta e exclusiva, somos diferentes da grande

massa e buscamos pares que compartilhem as mensagens que esse raro me transmite e

encanta. Este raro, por ser raro, já será possuidor de uma beleza única. Estar em contato com

esta beleza me transforma em belo, e todo belo sempre será desejado, afinal a saudade dos

arquétipos ainda está presente em nossos dias. Mas se sou um admirador do raro, esta minha

beleza não será massificada como uma flor de estufa presente nas grandes e pequenas

floriculturas. A beleza desta flor carece de um gosto apurado, de um conhecimento de origem,

de uma referência cultural para ser apreciada.

Se não faço parte deste universo, para compreender essa referência cultural preciso de

um mergulho profundo em buscar na origem de suas histórias e costumes para que estes nos

construam como novos nativos. Este conhecimento e experiência vivida pertencerão a mim

não de uma forma egoísta, mas sim como um prazer hedônico que não pode ser comprado

para alguém. Faz-se necessário um desejo deste conhecimento, um encantamento por este

novo que se apresenta. Só assim sua compreensão será plena e sua beleza reconhecida.

O novo traz com a sua chegada o desafio de enfrentá-lo. O desafio de não

compreendê-lo e por ele ser engolido. Mas, por outro lado, vivê-lo e experimentá-lo será

fascinante pelos mesmos desafios e medos descritos aqui. Seremos livres para aceitá-lo ou

não, buscar compreendê-lo ou fechar nossos ouvidos e olhos esperando que ele se vá e todo

volte a ser como antes. Mas essa liberdade de escolha pode ser um portal para outros

universos bem mais prazerosos dos que habitamos hoje. Simplesmente fugir do lugar comum.

102

Se tenho esta liberdade de escolhas e caminhos diferentes para seguir, o novo será

sempre algo que nos atrai e completa nossa identidade, nos integrando aos que pensam e

procuram por este novo. Nos fazendo pertencer a um novo grupo mesmo sendo diferente.

Pertencemos por compartilhar gostos e crenças comuns. Sermos membro de uma mesma sub-

cultura, e mais uma vez nossas diferenças nos integram.

Para o resto do mundo, reconheceremos nossa nobreza perante estes que não têm uma

integração consciente, que são consumidores sem conteúdo, que não sabem ao certo o porquê

de ser ou estar. A nobreza que nos referimos nada mais será do que nossa vivência cultural

nos tornando um erudito popular, onde o conhecimento não se resume a academia, mas sim a

vivência no ambiente onde essa cultura foi construída e é permanentemente recriada.

Diante da possibilidade poética aqui apresentada, percebemos que nosso corpus

descreve em toda a sua trajetória uma cadeia dinâmica e em constate movimento.

Características de consumo aqui apresentadas, estão interligadas e funcionam como um moto

contínuo onde cada uma se apóia e ao mesmo tempo será alicerce de uma outra. Assim como

no desfile do maracatu cada categoria analítica vista por nós, está em sintonia e em

justificativa de uma próxima e assim por diante. Esta dinâmica anuncia que a construção da

identidade deste grupo está repleta de vida.

A construção da identidade de membros do movimento cultural, no nosso caso

integrantes de escolas de percussão ou maracatus da cidade de Recife e Olinda, pode nos

apontar que o consumo será sempre voltado para uma crença no universo construído e vivido

por seus integrantes. Cores, formas e texturas da sua moda estarão repletas de verdades deste

grupo. Seu consumo será fundamentado na consciência. As escolhas de produtos de moda não

buscará o novo pelo novo, mas o novo com carga e emoção, numa história compartilhada e

admirada pelos seus pares.

Esta identidade tem na posse de produtos de moda frases de suas mensagens de

pertencimento e integração. Estas serão terão o grande desafio de serem diversas e únicas. É o

que aqui chamamos de unidade na diversidade. O meu será diferente do seu, mas o nosso será

próximo e bastante distante dos outros grupos. Distinguirei-me na minha unidade associada à

diversidade do meu grupo. Enquanto para muitos vestir será apenas copiar padrões

103

massificados do mercado. Para o nosso corpus será contar uma história de passado em

constante construção, de onde seus integrantes também fazem parte.

Materializando o que encontramos, podemos traduzir esta construção da identidade do

batedores de tambor, será composta por matéria-prima que preze pelo natural. As fibras

naturais como o algodão e a seda serão a materialidade preferida por esse grupo. Isso se dá

pelo desejo de ter uma peça confortável e ao mesmo tempo carregada de informações

culturais vividas na sua trajetória. Os volumes são fartos e cheios de sensualidade. Saias

rodadas e ombros a mostra, despertaram uma sensualidade que fugirá do vulgar em busca de

uma beleza que não é massificada, mas sim com uma experiência do ambiente transportada

para o belo que é a verdade.

Esta materialização caminhará ainda pelas cores que são em alguns momentos terrosas

como os terreiros desse maracatu, ou coloridas como os estandartes e as toalhas e cortinas de

chitas de mesmo ambiente. Nesta busca pela referência cultural, veremos a valorização de

matérias simples transformados em artigo de luxo, como é o caso da chita que migrará das

toalhas de mesa e cortinas, para peças do vestuário ou detalhes de acessórios.

Este “raro” fruto da vivência em uma corte cultural compartilhado entre seus súditos

buscará na exclusividade de peças uma distinção. A customização e forte interpretação da

personalidade de quem é mídia desses trajes fará com que a unidade seja percebida nas

diferenças. Assim como as Antenas parabólicas símbolo do movimento Mangue Beat e a sua

conexão com o mundo, nosso consumidor buscará, antagonicamente, uma convivência entre a

tecnologia em acabamentos e modelagens convivendo com natural preservado.

Trabalhando a dinâmica presente no paradigma escolhido para este trabalho, pelo qual

não são os fatores mas sim como estes interagem; trazemos para apreciação a possibilidade de

que futuras pesquisas venham a buscar, em outros grupo culturais alternativas, como se

constroem suas categorias analíticas e se estas apresentam similaridades com as aqui

trabalhadas.

Na cultura pernambucana ao nos depararmos com algo que não entendemos

costumamos perguntar em tom de estranhamento: Mas... Que danado é isso?! E a resposta

104

para nossa curiosidade cientifica que foi: entender esse universo do consumo de identidade de

moda que comunica pertencimento a um grupo alternativo baseado em movimento cultural.

Sabemos que tempos e espaços são fatores de condução de comportamento de

consumo, e por essa certeza acreditamos que essas novas possibilidade de análise aqui

propostas venham a contribuir para compreendermos a construção da identidade de outros

grupos culturais construídas por meio do consumo.

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