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A CONSTRUÇÃO DE UM ETHOS DISCURSIVO POR MEIO DE RECURSOS INTERTEXTUAIS FÁBIO GUSMÃO DA SILVA Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa. Rio de Janeiro Fevereiro de 2016

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A CONSTRUÇÃO DE UM ETHOS DISCURSIVO POR MEIO DE RECURSOS

INTERTEXTUAIS

FÁBIO GUSMÃO DA SILVA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa.

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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A CONSTRUÇÃO DE UM ETHOS POR MEIO DE RECURSOS

INTERTEXTUAIS

Fábio Gusmão da Silva Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Aprovada por:

_______________________________________________________________

Presidente, Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa (UFRJ – Letras

Vernáculas)

_______________________________________________________________

Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis (UFRJ – Letras

Vernáculas)

_______________________________________________________________

Professora Doutora Rosane Santos Mauro Monnerat (UFF)

_______________________________________________________________

Prof. Doutor Mauro José Rocha do Nascimento (UFRJ – Letras Vernáculas)

_______________________________________________________________

Professora Doutora Tânia Reis Cunha (UFRJ – Neolatinas)

_______________________________________________________________

Professora Doutora Patricia Ferreira Neves Ribeiro (UFF) suplente

_______________________________________________________________

Professora Doutora Monica Tavares Orsini (UFRJ – Letras Vernáculas), suplente

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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Gusmão da Silva, Fábio. A construção de um ethos por meio de recursos intertextuais/ Fábio Gusmão da Silva. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2016. xi, 162 f.: il.; 31 cm. Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa Tese (doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2016. Referências Bibliográficas: f. 158 - 162 1. Ethos discursivo. 2. Semiolinguística do Discurso. 3. Intertextualidade. 4. Diogo Mainardi I. Gouvêa, Lúcia Helena Martins. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. III. A construção de um ethos por meio de recursos intertextuais.

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Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito de um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,

se erguendo tenda, onde entrem todos,

se entretendendo para todos, no toldo

(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo

que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto

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AGRADECIMENTOS

À professora Lúcia Helena Martins Gouvêa, minha orientadora, pela confiança,

apoio, paciência, amizade, pelo seu olhar atento a cada detalhe deste trabalho

e, principalmente, pela sua orientação sempre competente.

Às professoras Maria Aparecida Lino Pauliukonis e Rosane Santos Mauro

Monnerat, pelas valiosas sugestões oferecidas na ocasião da qualificação desta

pesquisa.

Aos meus professores do Curso de Doutorado, Leonor Werneck dos Santos,

Maria Aparecida Lino Pauliukonis e Regina Gomes, por terem contribuído para

a minha formação.

À minha família, especialmente à minha mãe, Maria Aparecida Gusmão da Silva,

que sempre me apoiou em todas as minhas escolhas.

Aos amigos que fiz durante o doutorado, Amanda Marchon, Claudia Sousa,

Mário Acrisio, Vivian Quandt e Luana Machado, pela amizade e

companheirismo.

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RESUMO

A CONSTRUÇÃO DE UM ETHOS POR MEIO DE RECURSOS

INTERTEXTUAIS

Fábio Gusmão da Silva

Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-

Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras

Vernáculas (Língua Portuguesa).

Esta pesquisa tem como objetivo estudar a construção de um ethos, por

meio de recursos intertextuais, em crônicas produzidas pelo colunista Diogo

Mainardi. O corpus é composto de 213 textos escritos, entre os anos de 2006 e

2010, e publicados na revista semanal Veja. O recorte teórico da pesquisa

baseia-se em preceitos da Semiolinguística do Discurso, de Patrick Charaudeau,

em pressupostos da Linguística Textual, de Ingedore Koch e de postulados da

Análise do Discurso desenvolvidos por Dominique Maingueneau. O que se

pretende evidenciar é a construção de uma determinada imagem expressa por

Mainardi a partir da intertextualidade, considerando o intertexto uma marca

explícita desse articulista na construção de seu estilo, que é analisado em sua

relação enunciativa com o ethos discursivo. O conceito de ethos está em

consonância com o da Análise do Discurso, especificamente com as pesquisas

de Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau, em que se leva em

consideração a posição enunciativa do enunciador, ou seja, uma das imagens

de si que o enunciador Mainardi projeta em seu discurso. As análises, de

natureza qualitativa e quantitativa, revelam a imagem de um enunciador com um

repertório cultural bastante vasto que contribui para a formação de um ethos de

inteligência. A construção desse ethos resulta do emprego de intertextos

presentes em seus escritos, de seus dizeres, que são recorrentes em seu modo

singular de enunciar.

Palavras-chave: Semiolinguística do discurso; Intertextualidade; ethos

discursivo.

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ABSTRACT

THE CONSTRUCTION OF AN ETHOS THROUGH INTERTEXTUAL

RESOURCES

Fábio Gusmão da Silva

Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa

Abstract of the PhD Dissertation submitted to Programa de Pós‐

Graduação em Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, Universidade Federal

do Rio de Janeiro – UFRJ, as part of requirements for obtaining the title of Doctor

in Vernacular Letters (Portuguese Language).

The purpose of this research is to study the construction of an ethos,

through intertextual resources in chronicles written by columnist Diogo Mainardi.

The corpus is made up of 213 texts written between the years of 2006 and 2010

which were published in weekly magazine Veja. The theoretical framework of this

research is based on Patrick Charaudeau’s Semiolinguistics of discourse

precepts, on Ingedore Koch’s Textual Linguistics assumptions and on Discourse

analysis premises developed by Dominique Maingueneau’s. It is our goal to bring

to light the construction of a certain image expressed by Mainardi stemming from

intertextuality, considering the intertext as a trademark of this columnist in the

construction of his style, which is analyzed in an enunciative relationship with the

discursive ethos. The concept of ethos is in compliance with that of Discourse

analysis, specifically with Patrick Charaudeau’s and Dominique Maingueneau’s

research work, in which the enunciative position of the enunciator is taken into

consideration, that is, one of the self images projected by Mainardi in his

discourse. The analyzes, which is qualitative as well as quantitative, show the

image of an enunciator with a vast cultural repertoire which contributes to the

construction of an ethos of intelligence. The construction of this ethos results in

the application of intertexts present in his discourse, his speeches, which are

recurrent in his particular way of enunciating.

Keywords: Semiolinguistics of discourse; Intertextuality; Discursive ethos.

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RESUMEN

LA CONSTRUCCIÓN DE UN ETHOS POR MEDIO DE RECURSOS

INTERTEXTUALES

Fábio Gusmão da Silva

Orientadora: Profesora Doctora Lúcia Helena Martins Gouvêa

Resumen de la Tesis de Doctorado sometida al Programa de Pós-

graduação em Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal

do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte de los requisitos necesarios a la obtención

del título de Doctora en Letras Vernáculas (Lengua Portuguesa).

Este trabajo tiene como objetivo estudiar la construcción de un ethos, por

medio de recursos intertextuales, en crónicas hechas por el periodista Diogo

Mainardi. El corpus es compuesto de 213 textos escritos, entre los años de 2006

y 2010, y publicados en la revista semanal Veja. El recorte teórico de la

investigación se basa en preceptos de la Semiolingüística del Discurso, de

Patrick Charaudeau, en postulados de la Lingüística Textual, de Ingedore Koch

y en preceptos del Análisis del Discurso desarrollados por Dominique

Maingueneau. Se pretende evidenciar la construcción de una determinada

imagen expresada por Mainardi a partir de la intertextualidad, considerando el

intertexto una marca explícita de ese articulista en la construcción de su estilo,

que es analizado en su relación enunciativa con el ethos discursivo. El concepto

de ethos está en consonancia con el de Análisis del Discurso, específicamente

con investigaciones de Patrick Charaudeau y Dominique Mainguenau, en que se

pone en consideración la posición enunciativa del enunciador, es decir, una de

las imágenes de uno mismo que el enunciador Mainardi proyecta en su discurso.

Los análisis, de naturaleza cualitativa y cuantitativa, revelan la imagen de un

enunciador con un repertorio cultural bastante grande que contribuye para la

formación de un ethos de inteligencia. La construcción de ese ethos resulta del

empleo de intertextos presentes en sus escrituras, de sus dichos, que son

recurrentes en su modo singular de enunciar.

Palabras-llave: Semiolingüística del Discurso; Intertextualidad; Ethos

Discursivo.

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RÉSUMÉ

A CONSTRUÇÃO DE UM ETHOS POR MEIO DE RECURSOS

INTERTEXTUAIS

Fábio Gusmão da Silva

Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa

Résumé de la thèse de doctorat présent au Programa de Pós-Graduação

em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comme partie

des exigences pour l’obtention de la titulation de docteur en Lettres Vernacules

(Langue Portugaise)

Cette recherche vise à étudier la construction d'un ethos, par des

ressources intertextuelles, dans chroniques produites par le chroniqueur Diogo

Mainardi. Le corpus est composé de 213 textes écrits entre les années 2006 et

2010 et publiés dans le magazine hebdomadaire Veja. L'extrait théorique de la

reherche est basé sur des préceptes de la Sémiolinguistique du Discours, de

Patrick Charaudeau, sur des hypothèses de Linguistique Textuelle d’ Ingedore

Koch et l'Analyse du Discours des hypothèses élaborées par Dominique

Maingueneau. L'objectif est de mettre en valeur la constrution d’une image

spécifique exprimée par Mainardi de l'intertextualité, compte tenu de l'intertexte

une marque explicite de cet écrivain dans la construction de son style, qui est

analysée par rapport l'énonciation avec l’ethos discursif. Le concept de l'ethos

est en ligne avec l'Analyse du Discours, en particulier avec la recherche Patrick

Charaudeau et Dominique Maingueneau, qu'on tient compte de la position

déclarée de l'énonciateur, à savoir l'une des images elles-mêmes que les projets

énonciateurs Mainardi dans son discours. Les analyses, de façon qualitative et

quantitative, révèlent l'image d'un énonciateur avec un très large répertoire

culturel qui contribue à la formation d'un ethos d 'intelligence. La construction de

cet ethos résulte de l'utilisation des intertextes présents dans leurs écrits, leurs

paroles, qui sont récurrents dans sa façon unique d'exprimer.

Mots-Clés : Sémiolinguistique du Discours ; Intertextualité ; Ethos Discursif.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...............................................................................................11

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS .....................................................................16

2.1 A teoria Semiolinguística do Discurso.....................................................16

2.1.1 O contrato de comunicação.......................................................................25

2.1.2 Os modos de organização do discurso......................................................29

2.2 Intertextualidade .......................................................................................35

2.2.1 A intertextualidade intergenérica .............................................................41

2.2.2 A intertextualidade tipológica ...................................................................46

2.2.3 A intertextualidade temática .....................................................................53

2.2.4 A intertextualidade estilística ...................................................................56

2.2.5 A intertextualidade explícita .....................................................................57

2.2.6 A intertextualidade implícita .....................................................................58

2.2.7 A autotextualidade....................................................................................60

2.3 Ethos...........................................................................................................61

2.3.1 O ethos na concepção de alguns autores................................................64

2.3.2 O ethos para Charaudeau.........................................................................81

3. METODOLOGIA............................................................................................85

4. ANÁLISE DOS DADOS.................................................................................88

4.1 Análise qualitativa......................................................................................88

4.2 Análise quantitativa..................................................................................101

4.2.1 Dados do ano de 2006.............................................................................102

4.2.2 Dados do ano de 2007.............................................................................105

4.2.3 Dados do ano de 2008.............................................................................107

4.2.4 Dados do ano de 2009.............................................................................109

4.2.5 Dados do ano de 2010.............................................................................111

4.2.6 Dados gerais da análise..........................................................................113

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................155

REFERÊNCIAS...............................................................................................158

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como proposta estudar a construção de um ethos

discursivo, uma das imagens de si que o cronista Diego Mainardi projeta em seu

discurso, nas crônicas publicadas na revista Veja entre os anos de 2006 e 2010.

Sabemos que a crônica é o único gênero literário produzido

essencialmente para ser veiculado no âmbito midiático. Esse gênero é escrito

com uma finalidade utilitária e predeterminada: agradar aos enunciatários, no

caso os leitores, sempre dentro de um espaço e com a mesma localização,

criando-se, desse modo, uma familiaridade entre o escritor e aqueles que o leem

em dias específicos da semana.

Além disso, compreendemos também que a classificação da crônica

como gênero textual é bastante complexa por possuir um teor opinativo muito

acentuado. Com comentários, muitas vezes, críticos e polêmicos, com marcas

de subjetividade que são mais explícitas, caracterizadas pela liberdade de

expressão, esse gênero privilegia, assim, o efeito de aproximação do escritor em

relação ao leitor.

Justamente por ser um gênero textual de composição mais livre, o cronista

escreve sobre temas variados de diversas áreas, bem como emprega diferentes

estratagemas para abordar um assunto ou transmitir o seu ponto de vista acerca

de um determinado fato.

O cronista Mainardi é reconhecido por tecer críticas ácidas à sociedade

brasileira e às tendências políticas, principalmente, ao governo de Luiz Inácio

Lula da Silva. Assim, é comum identificarmos em seus escritos o sarcasmo, a

ironia e a polêmica como características de seu estilo. Diante disso, poderíamos

escrever sobre diferentes imagens identificadas nos textos desse articulista, isto

é, sobre vários 1ethé reconhecíveis na construção de seu discurso.

A inquietude, entretanto, para desenvolvermos esta pesquisa não está

atrelada a essas características perceptíveis nos textos desse cronista. Ela

nasceu no momento em que nos deparamos com a leitura de suas crônicas e

identificamos o emprego de um recurso linguístico-discursivo muito recorrente:

o uso da intertextualidade, que ocorre quando, em um texto, está inserido outro

1 Plural de ethos.

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texto (intertexto) anteriormente produzido, que faz parte da memória social de

uma coletividade ou da memória discursiva. Desse modo, enunciados tais como:

“Machado de Assis é Bentinho. Nós somos Capitu. A analogia é simples:

nós abastardamos a obra de Machado de Assis. No centenário da morte do

escritor, Dom Casmurro e seus outros romances perderam qualquer sinal de

paternidade machadiana”., que dialogam com o romance Dom Casmurro,

escrito por Machado de Assis, em 1899, ou de passagens como:

“Os jornais americanos passaram a evocar imagens daquele tempo. Filas

de desemprego. Mendigos nas ruas. Bancos falidos. Por alguns dias, os Estados

Unidos sentiram-se num melodrama de Frank Capra, à espera do galante Mr.

Deeds. Enquanto isso, Lula, o nosso Mr. Deeds, o Gary Cooper de Caetés, fazia

chacota dos americanos, passando um pito no presidente George W. Bush e

garantindo que o Brasil estava imunizado contra a crise financeira”., que

retomam o filme norte-americano Mr. Deeds Goes to Town, de 1936, dirigido

por Frank Capra, e tantos outros intertextos constituem uma marca explícita na

construção de suas crônicas, publicadas na revista Veja. Por esse motivo, nossa

curiosidade foi despertada e levou-nos a querer investigar sobre os diferentes

fenômenos intertextuais presentes nos textos do cronista.

Dessa forma, uma das hipóteses norteadoras da tese é a de que, por meio

dos elementos intertextuais utilizados em suas crônicas, Mainardi revelaria um

ethos de inteligência, evidenciando a imagem de alguém cujo repertório cultural

é bastante vasto em relação a diferentes áreas do conhecimento.

O conceito de ethos, empregado neste trabalho, está em consonância

com o da Análise do Discurso, especificamente com as pesquisas de Patrick

Charaudeau e Dominique Maingueneau, em que se leva em consideração a

posição enunciativa do enunciador, quer dizer, a imagem de si que Mainardi

projeta em seu discurso por meio dos recursos intertextuais.

Os preceitos inerentes ao ethos de Inteligência estão centrados nos

estudos de Charaudeau, mais especificamente na obra Discurso Político. Para

esse pesquisador (2011, p. 145), o ethos de Inteligência – conceito esse

concebido para identificar a imagem do político, mas que o empregaremos, neste

trabalho, para caracterizar a imagem construída por Mainardi a partir dos

elementos intertextuais em seus textos – “faz parte dos ethé de identificação na

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medida em que pode provocar a admiração e o respeito dos indivíduos por

aquele que demostra tê-lo e assim os faz aderir a ele.”

Charaudeau assevera que a inteligência é um aspecto muito difícil de ser

definido, todavia, neste caso, trata-se de considerá-la um imaginário coletivo que

testemunha o modo como os membros de um grupo social a concebem e a

valorizam. Nesse âmbito, dois pilares devem estar presentes na construção

dessa imagem: o nível cultural e a associação entre a astúcia e a malícia.

O primeiro está atrelado ao capital cultural acumulado ao longo de sua

formação que contribui para a figura de um intelectual. O segundo relaciona-se

à combinação de astúcia e malícia, que estaria relacionado a um saber jogar. No

caso desta pesquisa, podemos associar esse saber ao modo de como Mainardi

constrói suas crônicas, com intuito de atingir os seus fins, isto é, persuadir o seu

interlocutor. Assim, para comprovarmos o pressuposto de que os recursos

intertextuais explicitam um ethos de inteligência, levantamos as seguintes

hipóteses:

1. uma hipótese inicial, segundo a qual o emprego de recursos intertextuais

explícitos e implícitos, nas crônicas de Mainardi, revelaria um ethos de

inteligência. A confirmação dessa hipótese mais ampla se dará em

consequência da confirmação das demais hipóteses de caráter mais

específico;

2. um segunda hipótese, de acordo com a qual Mainardi utilizaria mais

intertextos explícitos, isto é, elementos intertextuais cujas fontes são

mencionadas, em relação aos intertextos implícitos, aqueles cujas fontes

não são mencionadas;

3. uma terceira hipótese, consoante a qual, dentre os recursos intertextuais

empregados por Mainardi, a referência a intertextos da área política seria

o recurso mais recorrente em seus textos, evidenciando, desse modo, a

imagem de alguém com um repertório cultural bastante amplo nessa área

do conhecimento;

4. uma quarta hipótese, de acordo com a qual o cronista revelaria um grande

conhecimento de informações veiculadas nas mídias (jornais, revistas e

outros meios de comunicação);

5. uma quinta hipótese, segundo a qual Mainardi evidenciaria um vasto

saber no campo literário, tendo em vista o número de diálogos

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intertextuais com obras, escritores e personagens da literatura nacional e

universal;

6. uma sexta hipótese, de acordo com a qual o cronista demonstraria

conhecimento em relação à cultura e à arte (música, cinema, arte visual);

7. uma sétima hipótese, consoante a qual, dentre os recursos intertextuais

implícitos, o emprego de intertextos que dialogam com a música seria o

recurso mais recorrente em suas crônicas.

Para comprovarmos nossas hipóteses, iniciaremos este trabalho com a

apresentação, no capítulo 2, dos pressupostos teóricos.

O primeiro pressuposto baseia-se nos preceitos da Semiolinguística do

Discurso, de Patrick Charaudeau (1999, 2004, 2007, 2008, 2009, 2015) – mais

especificamente sobre o Contrato de Comunicação e os Modos de Organização

do Discurso –, uma das vertentes teóricas da Análise do Discurso, de linha

francesa, que privilegia o fenômeno da linguagem e entende o discurso como

um “jogo comunicativo”, cujas peças são a sociedade e suas produções

linguageiras. Essa teoria analisa o significado do texto “em função do projeto de

influência e da ação persuasiva do sujeito enunciador sobre o sujeito

receptor/destinatário em determinados contextos e em situação interativa.”

(BARBISAN. et. al., 2010, p. 172).

O segundo pressuposto está relacionado à Linguística Textual, com

ênfase no fenômeno da intertextualidade – pelo viés de Koch, Bentes e

Cavalcante (2008) – que consiste na presença de um determinado texto em

outro, chamado também de intertexto, previamente produzido e que faz parte da

memória social de uma coletividade ou da memória discursiva.

Neste ponto do trabalho, trataremos do surgimento desse conceito, com

a crítica Julia Kristeva (1969), que fundamenta essa noção com a incorporação

do postulado dialógico de Bakhtin de que um texto (enunciado) está sempre em

diálogo com outros textos.

Mostraremos, ainda, a intertextualidade em sentido restrito (stricto

sensu), ou seja, quando um texto remete a outros textos efetivamente

produzidos, sendo necessária, portanto, a presença de um intertexto, um já-dito

que faz parte da memória discursiva dos leitores/ouvintes, ainda que alguns

destes não o reconheçam. É a partir dessa definição de intertextualidade que

tomaremos como base para a análise do corpus deste trabalho.

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Ainda, na parte destinada aos pressupostos teóricos, discorreremos

sobre os postulados da Análise do Discurso desenvolvidos por Patrick

Charaudeau e Dominique Maingueneau inerentes ao ethos discursivo.

A terminologia ethos, na perspectiva da Análise do Discurso, diz respeito

tanto aos textos orais quanto aos escritos, nos quais os enunciadores oferecem

uma imagem de si por meio do discurso. Essa noção refere-se às modalidades

verbais da apresentação de si na interação verbal, entendida como a imagem de

si, evidenciada nas marcas de subjetividade, elaboradas pelo enunciador para a

construção dos efeitos de sentido, bem como levar o enunciatário aos propósitos

de persuasão pretendidos pelo enunciador. Para explanarmos tais concepções,

revisitaremos, principalmente, textos de autores como Charaudeau (2011)

Aristóteles (2012), Maingueneau (2001, 2005, 2008a, 2008b), Fiorin (2004a,

2004b, 2007, 2008, 2015), Eggs (2005) e Amossy (2005).

Em seguida, no capítulo 3, mostraremos a metodologia empregada para

a feitura desta investigação, o procedimento de análise, bem como a explicação

do tratamento dado ao corpus e aos dados, levando em consideração os

pressupostos teóricos apresentados nesta pesquisa.

No capítulo 4, operam-se as análises qualitativa e quantitativa do corpus.

Na qualitativa, evidenciaremos a estreita relação entre os pressupostos teóricos

da Semiolinguística do Discurso, da Linguística Textual e da Análise do Discurso,

utilizados como referência para este trabalho, a partir da análise da crônica Vou

embora, publicada em 28 de junho de 2010. Na quantitativa, apresentaremos a

análise efetiva do corpus, por meio de gráficos. Além disso, mostraremos os

resultados obtidos, por meio de exemplos retirados das crônicas, bem como

confirmaremos ou infirmaremos as hipóteses levantadas, com base nas

conclusões extraídas do material investigado.

No último capítulo, teceremos as considerações finais inerentes ao

percurso traçado neste trabalho, à imbricação entre o transcurso teórico

percorrido, à metodologia empregada e às análises realizadas, além de

discorrermos sobre as contribuições desta pesquisa para os estudos que têm

como objeto de investigação a intertextualidade e o ethos discursivo. Por fim,

apresentaremos as fontes de referência que constituíram a fundamentação

teórica deste trabalho.

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2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Neste capítulo, apresentaremos o aporte teórico que utilizamos para

desenvolver a nossa pesquisa. Revisitaremos, respectivamente, alguns

preceitos da Semiolinguística do Discurso, como Os Modos de Organização do

Discurso e O Contrato de Comunicação, os pressupostos da Linguística Textual,

especificamente, a Intertextualidade e os postulados da Análise do Discurso,

mais precisamente o conceito de Ethos Discursivo, que serão relevantes para o

nosso trabalho.

2.1 A teoria Semiolinguística do Discurso

A teoria Semiolinguística do Discurso, uma das vertentes da Análise do

Discurso, considera todo ato de linguagem como resultado da combinação de

dois componentes – “o verbal e o situacional –, bem como privilegia a análise

que o sujeito enunciador projeta de si mesmo em seu discurso, num emprego de

restrições e de manobras.” (PAULIUKONIS e GOUVÊA 2012, p. 55)

Com intuito de explicar os pressupostos norteadores da Semiolinguística,

Charaudeau (2007, p. 13) vale-se do próprio nome dessa teoria, fundada por ele,

e segmenta a partícula sémio da palavra linguística. O primeiro termo, do grego

semeiois, evoca o fato de que a construção do sentido e sua configuração

constroem-se por meio de uma relação forma-sentido, sob responsabilidade de

um sujeito intencional, com um projeto de influência social, num determinado

quadro de ação. A segunda parte, linguística, significa, para o autor, o principal

material da forma em questão – a das línguas naturais. Estas, por sua dupla

articulação, pela particularidade combinatória de suas unidades, impõem um

procedimento de semiotização do mundo, diferentemente das outras linguagens.

Assim, a constituição de uma determinada imagem, pelo viés da

Semiolinguística, pode ser visualizada por meio de um duplo recorte: o da

enunciação ampliada – em que se leva em consideração a análise do contexto,

incluindo os protagonistas e os parceiros, bem como as circunstâncias de

produção do ato comunicativo – e o da enunciação restrita – com o enfoque nos

procedimentos linguísticos que se constituem como pistas na construção de uma

imagem de um enunciador ou de um ethos legitimador da fala enunciada. No

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tocante a esse aspecto, Charaudeau (1999, p. 27) defende em sua teorização

que o sentido do discurso depende das circunstâncias da enunciação e dos

destinatários aos quais o discurso é dirigido.

No espaço enunciativo, ganham importância dois princípios básicos que

fundamentam todo ato comunicativo: o princípio da alteridade e o princípio da

identidade. O primeiro postula que todo ato de linguagem ocorre a partir da troca

entre parceiros, que devem se reconhecer como semelhantes, uma vez que

partilham saberes e finalidades comuns. Mas, além disso, devem-se reconhecer

também como diferentes, pois cada um dos parceiros desempenha um papel,

como o de sujeito emissor, aquele produtor do ato de comunicação (sujeito

comunicante) e de sujeito receptor desse mesmo ato (sujeito interpretante).

(CHARAUDEAU, 2007, p. 15)

Já o princípio da identidade está centrado no próprio indivíduo. É por meio

dele que se permite dizer: quem sou realmente e que imagem de mim projeto

para o outro. Segundo Pauliukonis e Gouvêa (2012, p. 56), a identidade desse

sujeito é muito complexa, uma vez que se articulam dados biológicos e

psicossociais que são atribuídos pelos outros e pelo próprio comportamento do

sujeito. Todos esses comportamentos caminham para a construção de duas

identidades: a social e a discursiva.

Para Charaudeau (2009, p. 309), existem três razões que o levam a

considerar essa temática inerente à identidade social e à discursiva como

relevantes. A primeira, porque no domínio das ciências humanas e sociais não

há sociologia, nem psicologia social, tampouco antropologia que não considerem

relevantes os mecanismos linguageiros.

A segunda refere-se às ciências da linguagem propriamente ditas, já que

o tema das identidades sociais mostra a necessidade de diferenciar a língua do

discurso, “num sentido inverso ao de uma certa representação que pretende que

o discurso seja secundário em relação à língua: na realidade, o discurso é que é

fundador da língua.” (CHARAUDEAU, 2009, p. 309)

A terceira e última razão é a da existência de um sujeito que se constrói

por meio de sua identidade discursiva, que, no entanto, nada seria sem uma

identidade social a partir da qual ele pudesse se definir.

A filosofia contemporânea tem tratado essa questão como o fundamento

do ser: a identidade é que propicia ao sujeito tomar consciência de sua

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existência, de seu saber, de suas ações e de seus julgamentos. Então, a

identidade implica a tomada de consciência de si mesmo.

Para que haja, no entanto, a tomada de consciência, de acordo com

Charaudeau (2015, p. 18), é relevante que exista a tomada de consciência

identitária, que se perceba uma diferença e que se estabeleça uma certa relação

com o outro.

Assim, a consciência de si mesmo existe na mesma proporção da

consciência que se tem da existência do outro. A percepção da diferença do

outro constitui a prova da própria identidade e, quanto mais forte é a consciência

do outro, mais forte se constrói a sua própria consciência identitária. Diante

dessa relação, temos o princípio de alteridade que se institui por meio de trocas

entre os parceiros, permitindo que cada um deles se reconheça como

semelhante e diferente do outro. É essa diferença do outro que faz com que eu

olhe para mim mesmo, comparando-me a ele e procurando identificar os

aspectos semelhantes e diferentes. (CHARAUDEAU, 2015, p. 18)

O reconhecimento da semelhança ocorre na medida em que, para que

haja uma relação entre os seres humanos, os parceiros compartilhem as

mesmas motivações, as mesmas finalidades e as mesmas intenções.

Já o reconhecimento da diferença surge na medida em que cada um dos

parceiros desempenha papéis que lhe são próprios, pois cada um tem

finalidades e intenções que são diferentes das do outro. Dessa forma, cada um

dos parceiros da troca linguageira está engajado num processo recíproco – mas

não simétrico – de reconhecimento do outro e de diferenciação. Nessa

perspectiva, Charaudeau assevera que, segundo este princípio, “cada um se

legitimando e legitimando o outro através de uma espécie de ‘olhar avaliador’ –

o que permite dizer que a identidade se constrói através do cruzamento de

olhares – ‘existe o outro e existo eu, e é do outro que recebo o eu’”

(CHARAUDEAU, 2009, p. 309)

Levando em consideração essa proposição, Charaudeau afirma que, se

tomarmos o ponto de vista da comunicação linguageira, segundo Émile

Benveniste, não há eu sem tu, nem tu sem eu, o tu constitui o eu:

É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de “ego”.

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A “subjetividade” de que tratamos aqui é a capacidade do locutor para se propor como “sujeito”. Define-se não pelo sentimento que cada um experimenta de ser ele mesmo (esse sentimento, na medida em que podemos considerá-lo, não é mais que um reflexo) mas como a unidade psíquica que transcende a totalidade das experiências vividas que reúne, e que assegura a permanência da consciência. Ora, essa “subjetividade”, quer a apresentaremos em fenomenologia ou em psicologia, como quisermos, não é mais que a emergência no ser de uma propriedade fundamental da linguagem. É “ego” que diz ego. Encontramos aí o fundamento da “subjetividade” que se determina pelo status linguístico da pessoa. A consciência de si mesmo só é possível se experimentada por contraste. Eu não emprego eu a não ser dirigindo-me a alguém, que será na minha alocução um tu. Essa condição de diálogo é que é constitutiva da pessoa, pois implica em reciprocidade – que eu me torne tu na alocução daquele que por sua vez designa por eu. Vemos aí um princípio cujas consequências é preciso desenvolver em todas as direções. A linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito remetendo a ele mesmo como eu no seu discurso. Por isso, eu propõe outra pessoa, aquela que, sendo embora exterior a “mim”, torna-se o meu eco – ao qual digo tu e que me diz tu. A polaridade das pessoas é na linguagem a condição fundamental, cujo processo de comunicação, de que partimos, é apenas uma consequência totalmente pragmática. (BENVENISTE, 2005, p. 286)

Segundo Charaudeau (2009, p. 309), uma vez que se perceba essa

diferença, desencadeia-se no sujeito um duplo processo: o de atração e o de

rejeição em relação ao outro. De atração, porque há um enigma a resolver, o

enigma do Persa a que se referia Montesquieu, que equivale a perguntar-se:

“Como é possível alguém ser diferente de mim?” Descobrir que existe alguém

diferente de si mesmo é descobrir-se incompleto, inacabado e imperfeito. Surge,

então, uma força subterrânea que nos move para compreender o outro; não no

sentido moral, de aceitação do outro, porém na acepção etimológica de

apreensão do outro, de seu controle, que pode chegar a sua absorção, sua

“predação” na acepção dos etólogos. Trata-se de um movimento de apreensão

do outro para, numa última instância a estabelecer uma partilha, chegar a dividir

algo comum, com intuito de resolver esse problema da diferença.

Paralelamente ao movimento de atração, ocorre o de rejeição. Isso

acontece porque, mesmo sendo necessária, a diferença representa uma ameaça

para o sujeito. Isso despertaria questionamentos como: “Essa diferença faria

com que o outro fosse superior a mim? Que fosse mais perfeito? Que tivesse

mais razão de ser do que eu mesmo?" Nessas indagações, percebemos que a

percepção da diferença em relação ao outro estaria presente e também que essa

percepção é acompanhada, geralmente, de um julgamento negativo.

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Tudo isso ocorre por se tratar da sobrevivência do sujeito. “É como se não

fosse suportável aceitar que outros valores, outras normas, outros hábitos –

senão os próprios – fossem melhores ou que simplesmente existissem.”

(CHARAUDEAU, 2015, p. 19)

Nesse sentido, quando esse julgamento se generaliza, bem como se

consolida, torna-se o que tradicionalmente nomeamos como estereótipo, clichê

e preconceito. Os estereótipos são uma necessidade, já que constituem

primeiramente uma proteção, uma arma de defesa que nos defende da ameaça

representada pelo outro na sua diferença, além de serem úteis para o estudo

dos imaginários dos grupos sociais.

É claro que esses julgamentos negativos mostram um inconveniente:

quando julgamos o outro de forma negativa, protegemos nossa identidade,

entretanto caricaturamos a do outro e, portanto, a nossa própria, persuadindo-

nos de que temos razão em face do outro.

Nessas condições, a avaliação estereotipada é como o fenômeno da

refração/reflexão de um raio luminoso sobre uma superfície líquida: o julgamento

que eu faço do outro diz algo sobre o outro, deformando-o (refração);

reciprocamente, esse julgamento diz algo sobre mim mesmo (reflexão).

CHARAUDEAU (2015, p. 19)

Paradoxalmente, cada um necessita do outro em sua diferença para

tomar consciência de sua existência, contudo, precisa também desconfiar do

outro e sentir necessidade ou de rejeitá-lo, ou de torná-lo semelhante para

acabar com a diferença. Em vista disso, esse pesquisador afirma que não é

simples sermos nós mesmos, visto que isso implica a existência e a conquista

do outro.

A identidade do sujeito, portanto, resulta de um mecanismo bastante

complexo, uma vez que nele articulam-se dados biológicos (somos o que nosso

corpo é), dados psicossociais atribuídos ao sujeito (somos o que dizem que

somos) e dados construídos por nosso próprio comportamento (somos o que

pretendemos ser).

Como os dados biológicos, entretanto, adquirem as significações que os

grupos sociais lhe atribuem, do ponto de vista da significação, todos esses

componentes conduzem para a construção de duas identidades: a identidade

social e a identidade discursiva.

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A identidade social precisa ser concebida por meio do comportamento

linguageiro do sujeito falante, assim, ela pode ser reconstruída ou mascarada.

Essa identidade necessita ser reiterada, reforçada, recriada, ou, contrariamente,

ocultada pelo comportamento linguageiro do falante. Para construirmos a

identidade discursiva, necessitamos de uma base de identidade social. A esse

propósito, Charaudeau (2009, p. 311) postula que existe uma diferença entre

esses dois tipos de identidade, bem como salienta que é pela sua combinação

que se constrói o poder de influência do sujeito falante.

A identidade social tem como característica a necessidade de o sujeito ser

reconhecido pelos outros, além de conferir ao sujeito seu “direito de palavra”, o

que funda a sua legitimidade. Por legitimidade, entende-se que esse termo

designa o estado ou a qualidade de quem é autorizado a agir da maneira pela

qual age. Como exemplo disso, podemos pensar no domínio jurídico, que é

regido por uma lógica de lei e sanção, em que os atores são legitimados pela

obtenção de um diploma, e o estatuto institucional é adquirido por meio de um

sistema de ingresso por concurso, aliado a um sistema de nomeação feito pelos

pares ou pelos superiores hierárquicos.

No caso desta pesquisa, podemos pensar que a legitimidade do articulista

Mainardi ocorre pelo fato de ele escrever semanalmente para a revista Veja e

ser legitimado a produzir textos em que aborda fatos do cotidiano, de política, de

arte, de cultura e de personalidades.

Charaudeau (2009, p. 312) alude, no entanto, que no domínio midiático,

que é “regido por uma lógica ao mesmo tempo de informação cidadã e de

concorrência comercial, é mais difícil pôr em questão a legitimidade de seus

atores, já que a ‘máquina midiática’ tem o poder de recuperar-se de seus próprios

desvios” (CHARAUDEAU, 2009, p. 312)

Para que ocorra legitimidade, portanto, é necessário que haja o

reconhecimento de um sujeito ou de outros sujeitos em nome de um valor aceito

por todos. Além disso, ela também depende de normas institucionais, regidas

por cada domínio da prática social, que atribuem funções, lugares e papéis aos

que são investidos por meio de tais normas.

Há, porém, uma outra legitimidade, aquela que é atribuída, de fato, pela

força do reconhecimento pelos integrantes de uma sociedade. Essa legitimidade

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é atribuída levando em consideração um prêmio (como o dos festivais) ou de um

título honorífico, ou a entronização numa sociedade cultural (a Academia).

Pode ocorrer um deslocamento entre esta legitimidade, atribuída em

nome de um certo “saber fazer” e uma “legitimidade da palavra”, como, por

exemplo, os antigos desportistas que se tornam jornalistas ou de um diretor de

cinema que se torna um crítico de cinema. Essa legitimidade da palavra provém

de um “saber fazer”. Nesse caso, podemos atribuir essa legitimidade a Mainardi

se levarmos em consideração o prêmio Jaboti que ele ganhou no ano de 1990

pela publicação de seu livro Malthus.

Dessa maneira, a identidade social é algo atribuído-reconhecido em nome

de um saber reconhecido institucionalmente de um “saber-fazer” revelado pela

performance de um indivíduo. Ela é em parte determinada pela situação de

comunicação, uma vez que essa identidade deve responder à questão que o

sujeito falante pensa quando toma a palavra: “Estou aqui para dizer o quê,

considerando o status e o papel que me é conferido por esta situação?”

(CHARAUDEAU, 2009, p. 312) Essa identidade social, no entanto, pode ser

disfarçada, reconstruída ou deslocada.

Já a identidade discursiva tem como singularidade o fato de ser construída

pelo sujeito falante com intuito de responder à seguinte pergunta: “Estou aqui

para falar como?” Para isso, ela depende de um duplo espaço de estratégias: o

de “credibilidade” e de “captação”.

A credibilidade está atrelada à necessidade de que acreditemos no sujeito

falante, tanto no valor de verdade de suas asserções quanto no que ele pensa

verdadeiramente, ou seja, na sua sinceridade. Ele deve defender uma imagem

de si mesmo, um ethos que lhe permita responder à seguinte questão: “como

fazer para ser levado a sério?” Nessa perspectiva, ele pode adotar diferentes

atitudes discursivas, tais como: de neutralidade, de distanciamento e de

engajamento.

A atitude de neutralidade leva o sujeito, em seu discurso, a apagar

qualquer marca de julgamento ou parecer pessoal. A de distanciamento leva o

sujeito a adotar uma atitude controlada e fria que raciocina e analisa sem paixão,

tanto para explicar as causas de um fato, comentar os resultados quanto para

demonstrar a sua tese. A última, de engajamento, leva o sujeito, diferentemente

do caso de neutralidade, a escolher por uma tomada de posição na seleção de

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argumentos ou de vocábulos, ou por uma modalização avaliativa trazida em seu

discurso. Essa atitude tem como objetivo construir uma imagem de um sujeito

falante como “ser de convicção”. A verdade, nesse caso, é confundida com a

força de convicção de quem fala, e espera-se que esta influencie o interlocutor.

(CHARAUDEAU, 2009, p. 313)

Nessa perspectiva, as atitudes discursivas estão a serviço de uma atitude

demonstrativa que impõe argumentos e uma certa maneira de raciocinar que o

outro deveria aceitar sem discussão, uma vez que a verdade é mostrada como

incontornável, independente dos sujeitos que a defendam, à qual cada um deve

submeter-se. Logo, persuadir o outro equivale a colocá-lo num universo de

evidências que exclui a possibilidade de discussão.

Para Charaudeau (2009, p. 313), as estratégias de captação acontecem

quando o Eu-falante não está em uma relação de autoridade para o seu

interlocutor. A captação surge da necessidade do sujeito de assegurar-se de que

o seu interlocutor, isto é, o seu parceiro perceba a sua intencionalidade, suas

ideias, suas opiniões ou se esse parceiro está “impressionado” no momento em

que ocorre a troca comunicativa. Assim, o propósito do sujeito falante passa a

ser o de “fazer crer” para que o seu interlocutor se coloque em uma posição de

“dever crer”.

Nesse âmbito, para tentar persuadir, fazer o outro pensar recorrendo à

razão, ou seduzir, fazer o outro sentir recorrendo à emoção, o sujeito pode

escolher entre diferentes atitudes discursivas, como, por exemplo, a atitude

polêmica, a de sedução ou a de dramatização. O sujeito empregará uma atitude

polêmica no momento em que ele tenta antecipar as possíveis objeções que os

outros poderiam apresentar. Isso levaria o sujeito a questionar certos valores

defendidos pelo interlocutor com intuito de eliminá-las.

Ele usa uma atitude de sedução quando propõe ao interlocutor um

imaginário no qual este desempenharia o papel de herói beneficiário. Por fim, o

sujeito emprega uma atitude de dramatização assim que ele descreve fatos

relacionados aos dramas da vida, em histórias cheias de analogias,

comparações e metáforas. Essa forma de contar está apoiada em valores

afetivos que são compartilhados socialmente, uma vez que se trata de “fazer

sentir” certas emoções.

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Dessa forma, a identidade discursiva é construída com base nos modos

de tomada da palavra, na organização enunciativa do discurso, bem como na

manipulação dos imaginários sócio-discursivos. Contrariamente à identidade

social, a identidade discursiva é sempre algo “a construir – em construção”. Ela

resulta de escolhas do sujeito, todavia é evidente que essa identidade leva em

consideração os fatores constituintes da identidade social.

É nesse jogo, portanto, entre identidade social e discursiva, que é

realizada a influência discursiva.

Segundo as intenções do sujeito comunicante ou do sujeito interpretante, a identidade discursiva adere à identidade social formando uma identidade única “essencializada” (“eu sou o que eu digo”/”ele é o que ele diz””), ou se diferencia formando uma identidade dupla de “ser “ e de “dizer” (“eu” não sou o que eu digo”/”ele não é o que ele diz”). No último caso, ou se pensa é o “dizer” que mascara o “ser” (mentira, ironia, provocação), ou se pensa que o “dizer” revela um “ser” que ignora a si mesmo (denegação, revelação involuntária: “sua voz o traiu”). (CHARAUDEAU, 2009, p. 313)

Assim, o jogo entre identidade social e discursiva, bem como a influência

que resulta disso, não podem ser desvinculados de uma situação de

comunicação, já que é ela que determina de forma antecipada a identidade social

dos parceiros do ato de troca verbal. É essa situação também que lhes fornece

instruções em relação à maneira de como comportar-se discursivamente,

definindo, assim, certos traços da identidade discursiva. Para além disso, restará

ao sujeito a escolha entre mostrar-se conforme as instruções, respeitando-as ou

mascará-las, subvertê-las ou transgredi-las.

De acordo com Pauliukonis e Gouvêa (2012, p. 56), “todo ato de

comunicação constitui-se num problema, porque comunicar é também arriscar-

se à incompreensão ou à negação, o que faz Charaudeau afirmar que comunicar

é sempre lançar-se em uma ‘aventura’.” Para essas pesquisadoras, a ameaça

constitui o próprio ato de comunicação em si e o reconhecimento recíproco que

deve ser constituído socialmente pelos parceiros que estão envolvidos no ato de

comunicação. Como todo sujeito se situa no centro de uma situação de

comunicação e está em relação com um parceiro, é essa relação que define as

características identitárias e contratuais do ato comunicativo: presença ou

ausência (física) dos parceiros, o canal empregado para a transmissão, a

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diversidade de códigos, os comportamentos discursivos esperados na troca e os

inúmeros elementos que compõem e caracterizam uma situação interativa.

No ato de linguagem, além do princípio de alteridade e de identidade,

outros dois princípios estão presentes: o da influência e o da regulação que

fundamentam esse ato. Esses dois contribuem para completar o quadro

enunciativo: o primeiro procura envolver e afetar emocionalmente o parceiro, que

é alvo de sua influência, enquanto o segundo, o da regulação, torna possível e

necessário recorrer-se a estratégias que regulam a intercompreensão.

Se é necessário um outro, para que haja comunicação, o modelo

comunicacional da Semiolinguística do Discurso compreende um ato de troca

entre dois parceiros, ligados pelo princípio da intencionalidade e da regulação,

realizado em uma determinada situação de influência comunicativa e regulado

por um contrato comunicativo.

2.1.1 O Contrato de Comunicação

É comum pensarmos que a teoria da comunicação do linguista russo

Roman Jakobson (1992), concebida para demonstrar que a comunicação

humana se estrutura a partir dos elementos emissor, receptor, mensagem,

código, canal e referente, seja suficiente para explicar o ato comunicativo. Com

base, entretanto, nos recentes estudos no campo da linguagem, especificamente

com pesquisas inerentes à Semiolinguística do Discurso, de Patrick

Charaudeau, o ato de comunicação não pode ser analisado somente como

resultado da simples produção de uma mensagem que um emissor envia a um

receptor.

De acordo com Charaudeau (2008, p. 67), podemos representar o ato de

comunicação por meio de um dispositivo cujo centro é ocupado pelo sujeito

falante – o locutor (ao falar ou escrever), em relação ao outro parceiro – o

interlocutor. O linguista ressalta também que o texto, oriundo de escolhas

conscientes (ou inconscientes) feitas pelo sujeito falante dentre as categorias de

língua e os Modos de Organização do Discurso, em função das restrições

impostas pela situação, representa o resultado material desse ato.

Segundo o recorte teórico da Semiolinguística, o ato de linguagem é uma

mise-en-scène (encenação) em que os participantes interagem condicionados

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por um contrato de comunicação, que pressupõe a obediência a princípios

implícitos construídos socialmente e partilhados pelos interlocutores.

É o contrato que rege as expectativas mútuas dos sujeitos do ato da

linguagem. Esse ato pressupõe uma intencionalidade dos sujeitos, depende da

identidade dos parceiros e realiza-se em um tempo e em um espaço

determinados. O contrato de comunicação impõe a obediência a dois princípios

básicos: a exigência de um saber comum partilhado – que pode ser de ordem

linguística, experiencial ou interdiscursiva, presente na troca linguageira – e o

direito à palavra – que um parceiro deve conceder ao outro para que se processe

o jogo comunicativo.

Toda situação de comunicação depende, portanto, de um contrato

(normalmente implícito) que prevê um espaço de restrições – condições mínimas

que devem ser respeitadas para que se efetue a comunicação – e um espaço de

estratégias – uma margem de manobra de que os sujeitos comunicantes

dispõem para executar seu projeto de fala.

Ainda, levando em conta os preceitos dessa teoria, todo ato é o resultado

de operações linguístico-discursivas realizadas por instâncias subjetivas, a partir

de situações bem definidas. Esse modelo busca articular o discurso com uma

rede interdisciplinar de acontecimentos textuais e sociais, realizado por duas

atividades complementares: a da produção e a da interpretação, regidas por

espaços de estratégias e restrições.

Ambas se processam em uma mise-en-scène discursiva de que participam

entidades subjetivas: o Eu Comunicante (EUc), o Eu Enunciador (EUe), o Tu

Interpretante (TUi) e o Tu Destinatário (TUd). O primeiro (EUc), sujeito

responsável pela produção, tem uma intenção e um projeto de fala, quando se

engaja numa interação com um outro parceiro, o Tu Interpretante. Ambos, seres

sociais, atuam no circuito externo da linguagem, lugar das condições de

produção e de interpretação, da ação, ou do fazer do discurso. A esses dois

sujeitos, associam-se o Sujeito Enunciador e o Sujeito Destinatário, seres

discursivos, pertencentes ao circuito interno da linguagem, ao local do dizer,

produzido por operações e/ou manobras linguístico-discursivas realizadas

durante a coenunciação, conforme podemos visualizar no quadro que se segue:

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QUADRO 1

(CHARAUDEAU, 2008, p. 52)

Esse conceito de contrato de comunicação significa que há um princípio

básico regendo o ato comunicativo: o direito à fala, o qual compreende as

condições do saber, do poder e do saber poder. Para que esse contrato aconteça

efetivamente, um dos interlocutores deve entrever a capacidade de saber

(legitimidade) do outro, além de reconhecer a condição de poder (legitimidade)

desse outro e, por fim, reconhecer nele o saber fazer ou competência

comunicativa em diferentes circunstâncias, levando em consideração o seu

projeto de fala.

Assim, o contrato de comunicação, segundo Pauliukonis e Gouvêa (2012,

p. 57), “permite aos parceiros se reconhecerem um ao outro por meios dos traços

identitários e reúne as necessárias condições para conceber um ato de

comunicação”: o objetivo do ato, o objeto temático de troca e as coerções

materiais que as circunstâncias determinam. Levando em consideração os

preceitos da Teoria da Semiolinguística, o ato de comunicação é um fenômeno

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que combina o dizer e o fazer, articulados num duplo circuito comunicativo –

(circuito interno – dizer) e (circuito externo – fazer) – indissociáveis um do outro.

O fazer é o lugar da instância situacional em que atuam os sujeitos

comunicante e interpretante, que são seres sociais da troca. Já o dizer é o lugar

da instância discursiva, em que o sujeito enunciador e o sujeito destinatário, que

são seres da palavra, atuam como protagonistas.

Desta forma, o ato de comunicação não pode ser considerado

simplesmente como uma mera produção de uma mensagem enviada por um

emissor a um receptor. Esse ato deve ser visto como um encontro dialético de

quatro instâncias subjetivas que determinará os dois processos: o primeiro é o de

produção – um EU-comunicante que se dirige a um TU-destinatário; o segundo é

o de interpretação – um TU-interpretante que idealiza uma imagem do EU-

comunicante pelo que ele apresenta como sujeito enunciador.

Tanto o EU-comunicante quanto o TU-interpretante são sujeitos de ação,

na concepção do autor, que participam de uma encenação ou mise-en-scène

discursiva no ato de comunicação no momento em que atuam como parceiros.

Juntamente a esses dois sujeitos, ligam-se mais dois que são de “ordem

discursiva”: o sujeito comunicante se anuncia como sujeito enunciador (EUe) e

constrói uma imagem de si enquanto se dirige a um destinatário (TUd) que

também é idealizado.

Assim, por meio desse processo interlocutivo, acontece um desdobramento

dos lugares enunciativos, que são realizados por quatro enunciadores. Logo, a

Semiolinguística considera o ato de comunicação como um “jogo”, já que esse ato

se mantém em uma constante manobra de equilíbrio e de ajustamento entre as

normas (restrições) de um determinado discurso e entre a margem de manobras

permitida pelo mesmo discurso.

Por conseguinte, todos os atos são vistos como “encenações”, com a

mesma acepção empregada no teatro, resultadas da combinação de uma

determinada situação de comunicação com uma determinada organização

discursiva, bem como com um determinado emprego de marcas linguísticas.

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2.1.2 Os Modos de Organização do Discurso

O projeto de fala do sujeito encerra uma condição essencial ao ato

comunicativo: os modos de organização do discurso. Charaudeau advoga que,

dependendo da finalidade comunicativa, o sujeito organizará a matéria linguageira

numa estrutura específica, com vistas à enunciação, à narração, à descrição ou à

argumentação.

Para Charaudeau (2008, p. 68), os modos de organização do discurso

constituem os princípios de organização da matéria linguística, os quais

dependem da finalidade comunicativa do sujeito falante e podem ser agrupados

em quatro modos de organização: o enunciativo, o descritivo, o narrativo e o

argumentativo.

De acordo com o Charaudeau e Maingueneau, essa noção é definida por

Charaudeau como:

(...) o conjunto dos procedimentos de colocação em cena do ato de comunicação, que correspondem a algumas finalidades (descrever, narrar, argumentar...) (1992, p. 635). Trata-se, para esse autor, de distinguir as operações linguageiras que são postas em funcionamento em cada um dos níveis de competência: o nível situacional de reconhecimento das coerções psico-sócio-discursivas da situação de comunicação; o nível discursivo dos modos de organização do discurso; o nível semiolinguístico da composição textual. Assim sendo, o gênero de um texto não deverá ser confundido com seu modo de organização. Um texto publicitário, científico, administrativo pode resultar da combinação de vários desses modos de organização, o que não impede que, às vezes, um texto se caracterize pela predominância de um desses modos (“narrativo”, como um conto; “argumentativo”, como uma tarefa de matemática; “descritivo”, como um inventário). (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008, p. 337 - 338)

Cada um desses modos de organização possui uma função de base e um

princípio de organização.

O modo será enunciativo quando estabelece papéis enunciativos, quer

dizer, a posição do locutor na configuração verbal. Esse modo tem uma função

particular na organização do discurso. Por um lado, sua vocação é a de dar conta

da posição do locutor em relação ao interlocutor, a si mesmo e aos outros; por

outro lado, e em nome dessa mesma vocação, esse modo intervém na

encenação de cada um dos três Modos de organização. Por esse motivo,

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podemos dizer que esse modo comanda os demais: o descritivo, o narrativo e o

argumentativo.

Ao se referir ao modo de organização enunciativo, Charaudeau (2008, p.

82) chama atenção para a acepção do verbo “enunciar”, no âmbito da Análise

de Discurso, que se refere ao fenômeno que consiste em organizar as categorias

da língua, ordenando-as de forma a que deem conta da posição que o sujeito

falante ocupa em relação ao interlocutor, ao que ele diz e ao que o outro diz. Isso

permite distinguir três funções do modo enunciativo: alocutiva, elocutiva e

delocutiva.

No comportamento alocutivo, é estabelecida uma relação de influência do

locutor sobre o interlocutor, o sujeito falante enuncia sua posição em relação ao

interlocutor no momento em que, com o seu dizer, o implica e lhe impõe um

comportamento. Podemos visualizar esse comportamento, na passagem da

crônica Caetes é aqui, não lá, publicada em 22 de outubro de 2008, em que o

locutor exerce uma relação de influência ao empregar o verbo no modo

imperativo:

Caetés. Os Estados Unidos se transformaram numa Caetés. Olhe o

mandacaru em Columbus, Ohio. Olhe o retirante em St. Louis, Missouri.

Olhe o menino morto de fome no estacionamento do Wal-Mart em Pueblo,

Colorado.

No elocutivo, o locutor enuncia seu ponto de vista sobre o mundo, sem

que o interlocutor esteja implicado nessa tomada de posição, como aparece

neste exemplo, retirado da crônica Uma reforma mais radical, publicada em 8 de

outubro de 2008:

Eu sou um ardoroso defensor da reforma ortográfica. A perspectiva de ser

lido em Bafatá, no interior da Guiné-Bissau, da mesma maneira que sou

lido em Carinhanha, no interior da Bahia, me enche de entusiasmo. Eu

sempre soube que a maior barreira para o meu sucesso em Bafatá era o

C mudo. Aguarde-me, Bafatá!

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No delocutivo, o locutor se apaga de seu ato de enunciação e não implica

o interlocutor, uma vez que as marcas de primeira e segunda pessoas não estão

explícitas no enunciado, entretanto, o locutor faz-se presente e coloca-se como

testemunha da maneira pela qual os discursos do mundo se impõem a ele.

Podemos identificar esse comportamento na passagem da crônica A guerra

acabou, publicada em 6 de agosto de 2008:

A guerra no Iraque acabou. Só que ninguém parece ter notado. O Iraque

se tornou O Deserto dos Tártaros dos americanos. Isso mesmo: Dino

Buzzati. No romance, os soldados italianos, entrincheirados num forte,

preparam-se para o ataque do inimigo. O ataque nunca acontece.

Passam-se décadas e mais décadas. Aos 54 anos, o protagonista

finalmente adoece e morre. Sem jamais ter abandonado o forte. Sem

jamais ter combatido os tártaros.

O modo de organização enunciativo, portanto, caracteriza-se por

estabelecer papéis enunciativos, ou melhor, a posição do locutor na

configuração verbal. Vale salientar que, ao tomar a palavra, o sujeito

comunicante constrói uma imagem de si próprio e de seu interlocutor e, diante

disso, não podemos negar que “toda ‘maneira de dizer’ induz a uma imagem que

pode facilitar ou condicionar a boa realização de um projeto. Em outras palavras,

por meio da enunciação, revela-se a personalidade, o caráter dos enunciadores.”

(PAULIUKONIS e GOUVÊA, 2012, p. 57)

O modo de organização descritivo consiste em fazer existirem os seres

do mundo, ao nomeá-los, ao determinar o lugar que ocupam no espaço e no

tempo, e ao qualificá-los. De acordo com Barbisan et. al. (2010, p. 186), “se o

descritivo organiza o mundo de maneira taxionômica, descontínua e aberta, o

narrativo organiza-o de maneira sucessiva e contínua, numa lógica cuja

coerência é marcada por seu próprio fechamento (princípio/fim).” Dessa forma,

o modo será descritivo se o objetivo for qualificar e identificar um elemento do

processo de comunicação, como encontramos no fragmento do texto Gugu e o

galo amarelo, publicado em 18 de agosto de 2008, em que verificamos

características desse modo:

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Um galo amarelo. Um galo amarelo e imenso. Do tamanho de uma

pessoa. Ele encara Peter Griffin. Peter Griffin o encara. De um instante

para o outro, Peter Griffin pula pela janela e passa a estrangulá-lo.

O modo de organização narrativo é caracterizado por uma dupla

articulação: a organização da lógica narrativa, ou melhor, a construção de uma

sequência de ações segundo uma lógica acional que vai constituir a trama da

história; e a organização da encenação narrativa, que é a realização de uma

representação narrativa. Esse modo leva em conta as ações humanas,

confronta-se com uma forma de realidade visível e tangível, enquanto o modo

de organização argumentativo está em contato somente com um saber que tenta

considerar a experiência humana (BARBISAN et. al., 2010, p. 186). Como

exemplo, podemos identificar características desse modo narrativo no fragmento

da crônica Franklin, o “conceituado”, publicada em 26 de abril de 2006:

No último dia 18, o presidente Lula encaminhou aos senadores a

mensagem número 115/06, prorrogando por quatro anos o mandato do

irmão de Franklin Martins na ANP. No mesmo dia 18, Franklin Martins

anunciou que me processaria por causa da coluna da semana passada,

em que citei seu caso para demonstrar a promiscuidade entre jornalistas

e políticos.

Por último, o modo de organização argumentativo autoriza a construção

de explicações sobre asserções acerca do mundo em uma dupla perspectiva de

razão demonstrativa e de razão persuasiva. Esse modo de organização está em

contato apenas com um saber que tenta levar em conta a experiência humana

por meio de certas operações do pensamento. Esse saber se dá por meio de

certas operações do raciocínio e pode ser refutado ou não pelo interlocutor.

O modo será argumentativo se permitir organizar, numa visada

racionalizante para influenciar o interlocutor, as relações de causalidade que se

instauram entre essas ações, com auxílio de vários procedimentos que incidem

sobre o encadeamento e o valor dos argumentos. Como ilustração, podemos

identificar características desse modo argumentativo na passagem da crônica O

gosto azedo da mesmice, publicada em 2 de setembro de 2009:

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Há um aspecto desolador na obra de Ali Kamel: em 669 páginas de

discursos e pronunciamentos, Lula mostra-se incapaz de articular uma

única ideia minimamente elaborada sobre o Brasil e os brasileiros. Ao

analisar o país, ele sempre recorre às imagens mais ordinárias com as

quais somos caracterizados. “Deus fez duas coisas com o Brasil: deu uma

natureza de beleza incomparável e um povo maravilhoso, ordeiro e

generoso.” Ou: “A beleza do Brasil está na nossa mistura, que produziu

este povo de múltipla cor, alegre”. As banalidades proferidas por Lula

refletem os métodos primários e grosseiros empregados por ele para

conduzir o governo. Pior ainda: elas refletem a mesquinhez de seu projeto

político.

Para Charaudeau (2008, p. 201), a argumentação é um setor da atividade

humana que sempre exerceu fascínio, desde a retórica dos antigos, que dela

fizeram o próprio fundamento das relações sociais (a arte de persuadir), até hoje,

quando voltou à moda. Por esse motivo, o termo argumentação tem sido objeto

de um grande número de definições, o que não torna fácil o estudo e a

apresentação desse fenômeno da linguagem. A tradição escolar, por exemplo,

nunca esteve muito à vontade para trabalhar com essa atividade da linguagem,

em contraste com o forte desenvolvimento da atividade de narrar e descrever.

Os documentos oficiais, entretanto, recomendam que se desenvolvam as

capacidades de raciocínio dos alunos, mas nada é dito sobre o modo de se

chegar a isso.

Conforme postula Charaudeau (2008, p. 205), há algumas condições para

que a argumentação exista: uma proposta sobre o mundo que provoque um

questionamento, em alguém, quanto à sua legitimidade; um sujeito que se

engaje em relação a esse questionamento (argumento) para estabelecer uma

verdade (tese) sobre essa proposta e, ainda, um outro sujeito que, relacionado

à mesma proposta, questionamento e verdade, seja o alvo da argumentação.

Desse modo, o linguista apresenta uma relação de três vértices – sujeito

argumentante, uma proposta sobre o mundo e um sujeito-alvo – que pode ser

representada da seguinte forma:

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QUADRO 2

(CHARAUDEAU, 2008, p. 205)

Argumentar é, portanto, uma atividade dupla que depende tanto daquele

que argumenta quanto daquele que recebe essa argumentação e enuncia uma

reposta a partir dela. Esse modo de organização do discurso possibilita a

construção das explicações sobre asserções que tratam do mundo, partindo de

uma perspectiva racional de demonstração e persuasão.

A racionalidade refere-se aos fenômenos do universo que são percebidos

pelas experiências individuais e sociais do ser humano, o qual está inserido num

quadro espacial e temporal determinado e efetua as operações de pensamento

que constroem as explicações. Esse procedimento tem por objetivo a busca pelo

verossímil.

Por conseguinte, a atividade discursiva de argumentar, do ponto de vista

do sujeito argumentante, participa da busca da racionalidade que tende a um

ideal de verdade inerente às explicações dos fenômenos do universo. Não se

trata, porém, apenas de um ideal, pois mesmo que esses fenômenos tenham

uma explicação, ou melhor, uma razão de ser no universo, eles são percebidos

por meio de uma filtragem dupla: a da experiência individual e social do indivíduo

e as das operações de pensamento que constroem um universo discursivo de

explicação, que depende de esquematizações coletivas. O quadro que segue

permite a visualização desse processo de filtragem:

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QUADRO 3

(CHARAUDEAU, 2008, p. 206)

A busca do verossímil, em lugar do verdadeiro, é uma questão

fundamental do processo argumentativo, uma vez que o verossímil depende das

representações socioculturais compartilhadas pelos membros de um

determinado grupo, em nome da experiência ou do conhecimento. Assim, para

haver argumentação, não é necessário apenas emitir propostas sobre o mundo.

Toda asserção pode ser argumentativa desde que se inscreva em um dispositivo

argumentativo composto de proposta, proposição e persuasão.

Muitas vezes, para persuadirmos o outro, recorremos a outros textos já

produzidos anteriormente, caracterizados como intertextos. É possível que o

diálogo e a retomada desses outros textos sejam capazes de ressignificar o já

dito, abrindo, assim, perspectivas para outras significações. Além disso, esse

intertexto pode também opor-se ou acrescentar novos sentidos e direções na

argumentação. Vejamos, a seguir, o conceito inerente a esse fenômeno

intertextual.

2.2 A Intertextualidade

A intertextualidade é considerada um dos grandes temas a que se têm

dedicado tanto os linguistas das áreas da Linguística Textual e da Análise do

Discurso de linha francesa quanto os estudiosos da Teoria e da Crítica Literária.

Esse recurso linguístico constitui um importante fenômeno no que se refere à

construção de novos textos e de novos sentidos a textos que já foram

construídos anteriormente, incorporados a outras produções já escritas ou que

ainda serão concebidas.

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Nessa perspectiva, não há um texto autônomo e livre das interferências

dos aspectos intertextuais. Segundo Valente (2002, p. 177), o fenômeno da

intertextualidade pode ser considerado hoje um recurso linguístico de largo

emprego nas mais variadas linguagens. Quem o desconhece certamente

encontrará dificuldades na leitura de textos – da linguagem literária quanto da

não-literária – que o incorporam.

É relevante destacar também que o domínio desse recurso propicia a

compreensão ampla da mensagem e, como consequência, a sua verdadeira

fruição. Além disso, o uso criativo e o conhecimento de intertextos tornam mais

competente linguisticamente o produtor de textos.

O conceito de intertextualidade, conforme Koch, Bentes e Cavalcante

(2008, p. 9), surge na década de 60, com a crítica literária Julia Kristeva, que

fundamenta essa noção com base nos postulados do dialogismo bakhtiniano, de

que um texto (enunciado) não existe nem pode ser avaliado ou compreendido

de forma isolada.

Para Bakhtin (2003, p. 272), “cada enunciado é um elo na corrente

complexamente organizada de outros enunciados.” Ele ainda afirma que não

existem textos puros, uma vez que todo texto parte de outro já existente. Authier-

Revuz (1990, p. 25), parafraseando Bakhtin, alude que “somente Adão mítico,

abordando com sua primeira fala um mundo ainda não posto em questão, estaria

em condições de ser ele próprio o produtor de um discurso isento do já dito na

fala do outro.” Nenhuma palavra, portanto, é neutra, mas carregada, habitada,

atravessada e ocupada pelos discursos alheios.

Desse modo, o texto está em constante diálogo com outros, além de

revelar uma relação radical de seu interior com o seu exterior, visto que, nele,

outros textos estão contidos, que o predeterminam, com os quais dialoga, que

ele retoma, a que faz alusão ou aos quais se opõe.

Nesse mesmo sentido, Charaudeau & Maingueneau (2008, p. 288) aludem

que a intertextualidade designa ao mesmo tempo uma propriedade constitutiva de

qualquer texto e o conjunto das relações explícitas ou implícitas que um texto ou

um grupo de textos determinado mantém com outros. Trask (2006, p. 147), na

abordagem do conceito inerente à intertextualidade introduzido por Kristeva,

ressalta que:

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Num sentido mais explícito, o termo pode ser aplicado aos casos célebres em que uma obra literária faz alusão à outra: por exemplo, o Ulisses de James Joyce e a Odisséia de Homero, entre outros; o romance Lord of the Flies de Willian Golding e o livro The Coral Island [...] mas a intenção de Kristeva tem uma aplicação muito mais ampla: ela considera cada texto como constituindo um intertexto numa sucessão de textos já escritos ou que ainda serão escritos. A ideia geral é que um texto não existe nem pode ser avaliado de maneira adequada isoladamente; ao contrário, o pleno conhecimento de suas origens, de seus objetivos e de sua forma pode depender de maneiras importantes do conhecimento de outros textos. Um soneto pode depender da familiaridade do poeta com a tradição de escrever poesia na forma de sonetos; uma notícia de jornal pode depender de notícias de jornal anteriores; um discurso político pode invocar discursos e declarações políticas prévios; mesmo uma receita culinária pode depender da convivência de quem a escreve com outras receitas culinárias. (TRASK, 2006, p. 147 - 148)

Assim, de acordo com Kristeva, qualquer texto é constituído e pode ser

construído como um mosaico de citações, bem como é a absorção e a

transformação de um outro texto. Por isso, uma vez que há sempre, em um texto,

a presença do outro naquilo que dizemos (escrevemos) ou ouvimos (lemos) é que

Koch, Bentes e Cavalcante (2008, p. 9 - 10) postularam a existência de uma

intertextualidade ampla, constitutiva de todo e qualquer discurso, a par de uma

intertextualidade stricto sensu, esta última atestada, necessariamente, pela

presença de um intertexto.

Esse fenômeno ocorre quando, em um determinado texto, inserimos outro

texto, chamado de intertexto, previamente produzido e que faz parte da memória

social de uma coletividade ou da memória discursiva. “Em se tratando de

intertextualidade stricto sensu, é necessário que o texto remeta a outros textos

ou fragmentos de textos efetivamente produzidos, com os quais estabelece

algum tipo de relação.” (KOCH; BENTES; CAVALCANTE, 2008, p. 17)

Cavalcante e Brito (2011, p. 260) esclarecem que, enquanto as noções de

dialogismo e de heterogeneidade enunciativa são constitutivas da linguagem, a

concepção estrita de intertextualidade não é. Essas pesquisadoras aludem que

“toda a intertextualidade supõe o caráter dialógico de todo discurso e o

atravessamento de vozes que representam diferentes lugares sociais que se

estabilizam e se desestabilizam durante as interações.” (CAVALCANTE e

BRITO, 2011, p. 260 - 261).

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A recíproca, entretanto, não é verdadeira, pois nem tudo o que é dialógico

e heterogêneo constitui um intertexto com suas marcas que são reconhecíveis

para uns e para outros não.

A propósito do conceito de heterogeneidade enunciativa, cunhado por

Authier-Revuz (1990), no âmbito da Linguística da Enunciação, vale ressaltar

que, para essa autora, o discurso é quase nunca homogêneo, já que “sempre

sob as palavras, ‘outras palavras’ são ditas: é a estrutura material da língua que

permite, na linearidade de uma cadeia (discursiva), se faça escutar a polifonia

não intencional de todo discurso.” (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 28)

Por conseguinte, a reelaboração dos dizeres é responsável pela

heterogeneidade dos discursos e, assim que se revela de forma explícita na

materialidade textual, é chamada de heterogeneidade mostrada. Diferentemente

da heterogeneidade constitutiva, aquela que não aparece marcada

linguisticamente no fio do discurso e não é diretamente observável. Nesse caso,

o outro não aparece de forma explícita, mas a sua presença está diluída no

discurso.

Para a autora, a heterogeneidade mostrada ainda seria marcada e não-

marcada. Nesse sentido também Charaudeau & Maingueneau (2008, p. 261)

aludem que a “heterogeneidade mostrada” corresponde à presença localizável

de um discurso outro no fio do discurso.

Distinguem-se as formas não-marcadas dessa heterogeneidade e suas

formas marcadas (ou explícitas). Quando marcada, seria visível na

materialidade linguística, como, por exemplo, nas palavras entre aspas, no

discurso direto, na citação e no uso de itálicos, conforme podemos identificar no

fragmento da crônica Pergunte ao pó, publicada em 6 de dezembro de 2006:

Euclides da Cunha sentenciou: "Ou progredimos, ou desaparecemos". O

Brasil o desmentiu: nem progrediu, nem desapareceu. Ficou parado numa

"fase remota da evolução". Eu parei. Nós paramos. Lula parou. Para

sempre.

A heterogeneidade mostrada não-marcada, por sua vez, não estaria

presente no texto, isto é, não seria visualizada, mas apareceria de forma implícita

em ocorrências que apresentem, por exemplo, a intertextualidade, a ironia, o

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discurso indireto livre, o pastiche e a alusão. Nesse caso, “o co-enunciador

identifica as formas não-marcadas combinando em proporções variáveis a

seleção de índices textuais ou para-textuais diversos e a ativação de sua cultura

pessoal.” (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008, p. 261)

Um exemplo da heterogeneidade mostrada não-marcada pode ser

identificado na passagem da crônica A omertà brasileira, publicada em 8 de

março de 2006 –

Lula é meu Moby Dick. Lula é minha Lolita. Lula é meu rato Ignatz. –

em que o interlocutor necessita ativar do texto-fonte os conhecimentos inerentes

ao romance Moby Dick, escrito por Herman Melville, em 1851, ao romance Lolita,

do escritor russo Vladimir Nabokov, publicado em 1955, e recuperar os seus

conhecimentos inerentes ao personagem rato Ignatz, criado por George

Herriman, que ilustrava a tira The Dingbat Family do New York Journal, na

década de 1910.

Destarte, mesmo que haja uma relação entre essas noções elucidadas, é

necessário evidenciar que elas são caracterizadas a partir de metodologias e

quadros teóricos de análise bem distintos.

Como o recorte teórico desse trabalho está atrelado aos elementos

intertextuais, é necessário recorrer à literatura sobre essa temática com intuito

de conhecermos os modos de manifestação da intertextualidade que serão

empregados na análise dos textos que compõem o corpus desta pesquisa.

O estudo da intertextualidade é um tema que tem ocupado o interesse de

muitos pesquisadores, de distintas perspectivas teóricas, que buscam investigar

as relações estabelecidas entre textos nas diferentes atividades de leitura e

produção de sentido.

É sabido que todo texto mantém uma relação de diálogo com outros

textos, constituindo-se como uma resposta ao que foi dito ou ao que ainda será

dito, considerando que a intertextualidade se encontra na base de constituição

de todo e qualquer dizer.

Diante disso, falar de intertextualidade pressupõe partir de uma

concepção de texto que, de acordo com Koch, Bentes e Cavalcante (2008, p.

11) não é de consenso nem entre as disciplinas teóricas que o tomam como

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objeto, nem no interior da própria Linguística Textual, que, pelas várias etapas

de seu desenvolvimento, vem-se transformando desde a segunda metade dos

anos 1960, período em que essa disciplina tomou corpo nos estudos linguísticos.

Neste trabalho, adotaremos o conceito de texto levando em consideração

a abordagem da Linguística Textual, a partir dos anos 1990, momento da adoção

do sociocognitivismo e do interacionismo bakhtiniano.

Diante dessa perspectiva, o texto é um evento comunicativo, que ganha

existência dentro do processo interacional. Cada texto é resultado de uma

coprodução entre os interlocutores, constituído pela presença do outro, naquilo

que dizemos/escrevemos, ou ouvimos/lemos.

Nessa concepção interacional (dialógica) da língua, segundo Koch (2008,

p. 19), na qual os sujeitos são considerados atores/ construtores sociais, o texto

passa a ser o próprio lugar da interação, e os interlocutores, sujeitos ativos que

dialogicamente são construídos pelo texto e nele se constroem. Sobre esse

aspecto, Koch (2008, p. 19) alude que:

A produção da linguagem constitui atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer não apenas a mobilização de um vasto conjunto de saberes, mas também a sua reconstrução – bem como a dos próprios sujeitos – no momento da interação verbal. É nesse contexto, e com base nesses pressupostos teóricos, que têm surgido (ou ressurgido) uma série de questões pertinentes para a “agenda de estudos da L.T.”, entre as quais se destacam a referenciação, as diversas formas de progressão textual (progressão referencial, articulação textual, progressão temática, progressão tópica), a dêixis textual, o processo sociocognitivo do texto, os gêneros, inclusive os da mídia eletrônica, questões ligadas ao hipertexto, à intertextualidade, entre várias outras, para cujo estudo uma gramática, funcional ou não, seria insuficiente, visto que se exige um embasamento teórico-analítico consoante com a perspectiva teórica adotada. (KOCH, 2008, p. 19)

É nesse contexto que estudos, inerentes ao fenômeno da

intertextualidade, vêm-se desenvolvendo, constituindo, dessa modo, um dos

grandes temas abarcados em pesquisas sob diferentes pontos de vista.

Pelo viés de Koch, Bentes e Cavalcante (2008), tomaremos as reflexões

que postulam a existência de uma intertextualidade em sentido amplo (lato

sensu), constitutiva de todo e qualquer discurso, e uma intertextualidade em

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sentido restrito (stricto sensu), atestada pela presença, necessariamente, de um

intertexto, recategorizadas como: temática, estilística, explícita, implícita e

autotextualidade.

A intertextualidade em sentido lato sensu revela-se pela existência da

presença do outro naquilo que dizemos ou ouvimos em seu sentido amplo.

Nessa perspectiva, “as ligações que podem ser estabelecidas entre textos e

outro(s) texto(s) ocorrem não apenas com enunciados isolados, mas com

modelos gerais e/ou abstratos de produção e recepção de textos/ discursos.”

(KOCH, BENTES E CAVALCANTE, 2008, p. 85).

Essas pesquisadoras aludem que a intertextualidade em sentido amplo é

a condição para a existência do próprio discurso e que essa intertextualidade

aproxima-se muito ao que a Análise do Discurso concebe como

interdiscursividade ou do conceito de heterogeneidade ou ainda do dialogismo

Bakhtiniano.

Então, para falar desse princípio de intertextualidade, diversos

pesquisadores, sob distintas perspectivas teóricas, recorrem a denominações

específicas, mas que, no fundo, remetem a um mesmo fenômeno: mosaico de

citações (KRISTEVA, 1974), intertexto (GREIMAS, 1966), dialogismo (BAKHTIN,

[1979] 1997), resposta direta ou indireta (PÊCHEUX, 1969), já-dito

(MAINGUENEAU, 1976), diferença (VERÓN, 1980) e heterogeneidade

(AUTHIER-REVUZ, 2004).

Na fronteira entre a intertextualidade em sentido amplo e a

intertextualidade em sentido restrito, estão, segundo as referidas autoras, a

intertextualidade intergenérica e a intertextualidade tipológica.

2.2.1 Intertextualidade intergenérica

A intertextualidade intergenérica está estreitamente relacionada às

práticas sociais das quais participamos, pois são essas práticas que determinam

a existência dos gêneros do discurso que, para Bakhtin (2003, p. 262), “são tipos

relativamente estáveis de enunciados”, marcados historicamente, visto que

estão diretamente relacionados às diferentes situações sociais. Eles são

caracterizados pelo conteúdo temático, pelo estilo, pela construção

composicional e apresentam grande heterogeneidade, compreendendo desde o

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diálogo cotidiano à tese científica conforme é apresentado na obra Estética da

criação verbal:

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão uniformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 261)

Em relação a esse conceito bakhtiniano, podemos inferir que cada esfera

da comunicação apresenta especificidades que lhe são inerentes e que

imprimem, no enunciado, três elementos que se coadunam indissoluvelmente:

conteúdo temático, estilo e construção composicional.

Os exemplares de cada gênero evidentemente mantêm entre si relações

intertextuais no que diz respeito a esses elementos que permitem ao falante

construir na memória um modelo cognitivo de contexto que lhe faculte

reconhecê-los.

É bastante comum, entretanto, que, no lugar próprio de determinada

prática social ou cena enunciativa – conceito esse que será tratado nos

pressupostos teóricos inerentes ao ethos discursivo –, apresentem-se gêneros

pertencentes a outras molduras comunicativas, certamente com o propósito de

produzir determinados efeitos de sentido.

Para isso, o enunciador do texto deve contar com o conhecimento prévio

de seu enunciatário a respeito do gênero em questão. Quando ocorre esse

processo, temos a intertextualidade intergenérica ou intergenericidade,

denominada por Marcuschi (2008, p. 165) como hibridização ou mescla de

gêneros em que um gênero assume a função de outro.

Isso ocorre, por exemplo, com o uso de fábulas, contos de fada, cartas

etc. em colunas de jornais, funcionando como artigos de opinião, ou como

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gêneros irônicos ou argumentativos tais como as charges políticas. Isso revela

a possibilidade de operação e maleabilidade que dá aos gêneros enorme

capacidade de adaptação e ausência de rigidez.

Além disso, os gêneros textuais permitem o reconhecimento, por parte do

falante, de relações intertextuais inerentes à composição, ao conteúdo temático

e ao estilo.

Esse reconhecimento leva o falante a construir, na memória, um modelo

cognitivo de contexto, responsável pela competência metagenérica, que lhe

permite reconhecer as características de cada gênero, bem como saber quando

recorrer a cada um deles, empregando-os da maneira mais adequada.

Cabe ressaltar que a mobilização desses modelos cognitivos de contexto

é essencial para a detecção da ironia, da crítica, do humor e, portanto, para a

construção de um sentido consentâneo com a proposta de dizer do produtor do

texto. De acordo com Koch, Bentes e Cavalcante (2008, p. 66), caberá ao leitor

fazer um exercício para descobrir todos os intertextos neles presentes e checar

a extensão de seu repertório.

Desse modo, construir um gênero textual com a forma de outro é um

fenômeno que passou a chamar a atenção dos estudiosos do texto nas recentes

pesquisas realizadas sobre os gêneros textuais. Koch e Elias (2009, p. 120)

abordam que esse fenômeno é muito comum na produção textual,

especialmente no domínio da publicidade em que há um espaço privilegiado para

a expressão da criatividade do produtor do texto.

Essa configuração híbrida costuma causar um efeito muito maior se

comparado ao que causaria o convencionalmente aceito ou esperado em igual

situação, devido ao fato de evidenciar o traço da inventividade, da criatividade e

do ineditismo.

Essas referidas autoras mencionam ainda que a produção da

intertextualidade intergenérica ressalta o conhecimento metagenérico do autor a

ponto de emprestar a um gênero textual (crônica) a roupagem de um outro

gênero (oração), sem a transferência das funções que lhes são reservadas.

Um exemplo que ilustra esse tipo de intertextualidade é a crônica

Entrevista com Dantas, em que Mainardi emprega a construção composicional

do gênero entrevista, no entanto, o propósito comunicativo do texto não tem

como intuito entrevistar alguém, mas descrever um fato: o pedido de dinheiro,

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por parte do PT (Partido dos trabalhadores), para um dos diretores do Banco

Opportunity, Daniel Dantas.

No final do texto, Mainardi sugere que o seu enunciatário releia a

entrevista, mas sabendo que Dantas e tantos outros cederam às intimidações do

PT. Logo, fica claro que o cronista tem por objetivo levar o seu interlocutor a

refletir sobre o episódio entre o partido dos trabalhadores e o Banco Opportunity.

De acordo com Costa (2014, p. 114), o gênero entrevista, no discurso

jornalístico, refere-se à coleta de declarações, informações, opiniões tomadas

por jornalistas para divulgação através dos meios de comunicação (imprensa

falada, escrita, televisa, internética). Trata-se de uma apuração de fatos que

virarão notícias públicas, buscada nas fontes com as quais o repórter faz contato

em busca de informações.

Por isso, além de Mainardi expor a apuração dos fatos, que valem como

registro histórico conforme ele menciona na crônica, vemos que o texto

Entrevista com Dantas leva-nos a pensar sobre os episódios que ocorreram e

ocorrem até hoje, entre os partidos políticos e as instituições privadas, inerentes

ao recebimento de vantagens econômicas. Vejamos a crônica Entrevista com

Dantas, publicada em 17 de maio de 2006:

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Vejamos, a seguir, um outro tipo de intertextualidade, a tipológica.

2.2.2 A intertextualidade tipológica

A intertextualidade tipológica decorre do fato de se poder depreender,

entre determinadas sequências ou tipos textuais (narrativos, expositivos,

argumentativos, descritivos etc.) um conjunto de características comuns, em

termos de estruturação, seleção lexical, uso de tempos verbais, advérbios (de

tempo, modo, lugar etc.) e outros elementos dêiticos, que permitem reconhecê-

las como pertencentes a determinada classe.

Koch, Bentes e Cavalcante (2008, p. 76) esclarecem que, segundo

Beaugrande e Dressler (1981), é pela comparação de textos a que se acham

expostos os falantes, no meio em que vivem e pela subsequente representação

na memória de tais características, que esses falantes constroem modelos

mentais tipológicos específicos, denominados por Van Dijk (1983) como

superestruturas que lhes permitirão construir e reconhecer as sequências de

diversos tipos. As superestruturas mais frequentemente estudadas são a

narrativa, a descritiva, a injuntiva, a expositiva e a argumentativa.

Segundo Adam (2008, p. 204), as sequências são unidades textuais

complexas, compostas de um número limitado de conjuntos de proposições-

enunciados, denominados macroproposições. A macroproposição é uma

espécie de período cuja propriedade principal é a de ser uma unidade ligada a

outras, ocupando posições precisas dentro do todo ordenado da sequência.

Cada macroproposição adquire seu sentido em relação às outras na

estrutura hierárquica complexa da sequência. Nessa perspectiva, uma

sequência é uma estrutura:

• uma rede relacional hierárquica: uma grandeza analisável em partes

ligadas entre si e ligadas ao todo que elas constituem;

• uma entidade relativamente autônoma, dotada de uma

organização interna que lhe é própria, e, portanto, numa relação de dependência-independência com o conjunto mais amplo do qual faz parte (o texto). (ADAM, 2008, p. 204)

Em vista disso, as macroproposições que entram na composição de uma

sequência dependem de combinações – narrativa, argumentativa, explicativa,

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dialogal e descritiva – pré-formatadas de proposições. De acordo com Koch

(2008, p. 63), as superestruturas mais frequentemente estudadas são a

narrativa, a descritiva, a injuntiva, a expositiva e a argumentativa.

As sequências narrativas apresentam uma sucessão temporal/ causal

de eventos, há sempre um antes e um depois, uma situação inicial e outra final,

entre os quais acontece algum tipo de modificação de um estado de coisas.

Nessas sequências, há predominância dos verbos de ação do mundo narrado,

bem como de orações adverbiais temporais, causais, além de locativas.

A presença do discurso relatado (direto, indireto e indireto livre) é

também frequente. Para Adam (2008, p. 224), no sentido amplo, toda narrativa

pode ser considerada como uma exposição de “fatos” reais ou imaginários,

sendo que essa designação geral de “fatos” abrange duas realidades distintas:

evento e ações. A ação se caracteriza pela presença de um agente – ator

humano ou antropomórfico – que provoca ou tenta evitar uma mudança. O

evento acontece sob o efeito de causas, sem intervenção intencional de um

agente.

Como exemplo de características dessa sequência narrativa,

apresentamos um fragmento da crônica A última sobre Dantas, publicada em 14

de junho de 2006, em que é possível identificá-las:

Meu primeiro contato com Daniel Dantas e seus homens ocorreu em

setembro do ano passado, depois que publiquei duas colunas acusando-

o de ter financiado o mensalão. De lá para cá, foram muitos outros

encontros, que me permitiram reconstruir suas idas e vindas com o

governo. O que Daniel Dantas e seus homens me contaram

confidencialmente foi o seguinte:

Em meados de 2002, Naji Nahas informou a Daniel Dantas que o

presidente da Telemar, Carlos Jereissati, tinha assinado um acordo com

o PT, em troca de dinheiro para a campanha eleitoral. Pelo acordo, o

governo tomaria a Brasil Telecom de Daniel Dantas e a entregaria à

Telemar.

No fragmento anterior, encontramos características das sequências

narrativas, como, por exemplo, as marcas de temporalidade, identificadas nas

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passagens: Meu primeiro contato com Daniel Dantas e seus homens ocorreu em

setembro do ano passado (...) e Em meados de 2002, Naji Nahas informou a

Daniel Dantas (...). Essas sequências são responsáveis pelo desenvolvimento

de fatos e de ações numa linha e num determinado espaço.

Nesse mesmo excerto, encontramos os verbos e as locuções verbais

ocorreu, publiquei, contaram, informou, tinha assinado, tomaria, entregaria, que

expressam ação e revelam a interação de personagens para a realização de

fatos. Identificamos também, como característica dessa sequência, o discurso

indireto, marcado pelo registro da fala de personagens sob a influência de um

narrador, neste caso, o cronista Mainardi.

As sequências descritivas são caracterizadas pela apresentação de

propriedades, qualidades, elementos componentes de uma entidade, sua

situação no espaço etc. Nessas sequências, predominam os verbos de estado e

situação, ou aqueles que indicam propriedades, qualidades, atitudes, que

aparecem no presente, quando se trata de comentário, e, no imperfeito, no

interior de um relato.

Um exemplo, que ilustra as características dessa sequência descritiva,

pode ser identificado na crônica Planeta dos macacos, publicada em 29 de

outubro de 2009. No excerto que segue, os elementos que atribuem qualidades

foram sublinhados, e os verbos que indicam estado, negritados, conforme

podemos observar:

A quebra da economia global tem sido tratada como um fato incomum,

anormal, imprevisto. Mas o que ocorreu foi o contrário: incomum, anormal

e imprevisto é o período que está terminando agora. Nos últimos anos,

todas as regras do mercado foram achincalhadas. E ninguém pagou por

isso. Como ocorreu com Dorothy na Terra de Oz, homens de lata e

macacos alados passaram a ocupar nosso cotidiano empresarial e

financeiro. A quebra da economia global é apenas um retorno de Dorothy

à sua fazenda no Kansas. É um retorno à realidade, trilhando a estrada

de tijolos amarelos.

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Já nas sequências expositivas, por sua vez, tem-se a análise ou síntese

de representações conceituais numa ordem lógica. Nessas sequências, os

tempos verbais são os do mundo comentado, negritados no excerto abaixo,

conforme podemos observar no fragmento do texto A fada Sininho, de 27 de

junho de 2007, que apresenta características dessa sequência:

Peter Pan tem a fada Sininho. Lula tem Elio Gaspari. Elio Gaspari é a

fada Sininho de Lula. Quando a bomba dos piratas está para estourar no

colo de Lula, providencialmente aparece Elio Gaspari, batendo as

asinhas. Ele carrega a bomba para longe e – bum! – estoura junto com

ela, sempre pronto a se sacrificar pela Terra do Nunca.

As sequências injuntivas denotam instruções de ações ou

comportamentos ordenados sequencialmente. As principais marcas da

sequência injuntiva são verbos no imperativo, no infinitivo ou no futuro do

presente, além de articuladores adequados ao encadeamento sequencial das

ações prescritas. Um exemplo, que revela particularidades inerentes a essa

sequência, aparece na passagem da crônica Portas escancaradas, publicada

em 11 de junho de 2008, em que é possível identificar os verbos no modo

imperativo, negritados na passagem que segue:

Olhe Lula. Ele comemora a compra da Varig pela Gol. Olhe os donos da

Gol. Eles também comemoram. Olhe essa figura de terno cinza. Quem é

ele?

Por último, as sequências argumentativas são aquelas que apresentam

uma ordenação ideológica de argumentos e/ou contra-argumentos. Nelas, há o

predomínio de elementos modalizadores, verbos introdutores de opinião, de

operadores argumentativos e de outros elementos linguísticos com o propósito

de aceitar ou recusar o enunciado do outro.

No fragmento da crônica Em guerra com o lulismo, publicada em 1º de

fevereiro de 2006, é possível evidenciarmos elementos caracterizadores dessa

sequência argumentativa:

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Ele está certo, por exemplo, quando afirma o seguinte: "A crítica da mídia

é um campo naturalmente exercido pelos que têm uma visão crítica dos

sistemas dominantes de poder, ou seja, as esquerdas e os liberais-

democratas. Noam Chomsky é um dos maiores representantes dessa

atividade. Quando a direita faz crítica da mídia, devemos nos preocupar,

porque não é usual, especialmente se faz isso em linguagem virulenta,

porque pode denotar uma propensão da sociedade a expurgos e queima

de livros, como já aconteceu tantas vezes.

No fragmento anterior, identificamos algumas características da

sequência argumentativa, como, por exemplo, orações que introduzem uma

opinião, conforme se lê em: Ele está certo, por exemplo, quando afirma o

seguinte (...), Quando a direita faz crítica da mídia, devemos nos preocupar (...).

Além disso, é possível também reconhecermos alguns operadores

argumentativos como em: Quando a direita faz crítica da mídia, devemos nos

preocupar, porque não é usual, especialmente se faz isso em linguagem

virulenta, porque pode denotar uma propensão da sociedade a expurgos e

queima de livros, como já aconteceu tantas vezes. Esses operadores

argumentativos, além de serem responsáveis pela ligação das orações, também

tem como finalidade indicar a argumentatividade dos enunciados.

O que distingue a sequência textual do gênero é a menor variabilidade.

Enquanto os gêneros são heterogêneos, apresentam um número infinito e se

constituem nas interações sociais e comunicativas, a sequência é relativamente

estável e se apresenta em um número limitado.

Para Koch, Bentes e Cavalcante (2008, p. 77), cada gênero textual vai

eleger uma ou mais sequências ou tipos para a sua elaboração. Então, como

exemplo, podemos mencionar que, num conto, encontraremos a par das

sequências narrativas, responsáveis pela ação do enredo, sequências

descritivas cuja função é atribuir à trama a descrição dos ambientes, dos

personagens e das situações, bem como sequências expositivas quando há a

intromissão do narrador. Um outro exemplo são as peças jurídicas como a

petição inicial em que há sequências narrativas, descritivas e argumentativas.

Assim, podemos identificar essa intertextualidade tipológica na crônica

E Machado virou circo, publicada em 17 de dezembro de 2008, em que Mainardi

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lança mão das sequências narrativa, descritiva, expositiva e argumentativa para

opinar sobre a série televisiva referente à obra de Machado de Assis que na

época estava sendo exibida na televisão:

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Nessa crônica, podemos identificar diferentes sequências textuais

utilizadas pelo cronista na elaboração de seu texto.

Como exemplo da sequência narrativa, podemos identificar o seguinte

fragmento:

Ele narra sua história apenas para combater o tédio: sem drama, sem

sentimentalismo, sem teatralidade. Quando Bentinho descobre que o filho

bastardo de Capitu com Escobar morreu de febre tifóide, ele comenta

simplesmente: "Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro".

A sequência descritiva aparece na passagem:

Luiz Fernando Carvalho usa uma linguagem grotesca, afetada,

espalhafatosa, cheia de contorcionismos e de malabarismos. Machado de

Assis é o oposto. No livro Dom Casmurro, o relato de Bentinho é

espantosamente seco e desencantado.

Podemos identificar a sequência expositiva no primeiro parágrafo da

crônica:

A série Capitu tem um aspecto circense. É Machado de Assis encenado

por Orlando Orfei. É Bentinho imitando Arrelia no picadeiro de Fausto

Silva: ‘Como vai, como vai, vai, vai? Eu vou bem, muito bem, bem, bem’"

Por fim, podemos reconhecer a sequência argumentativa na parte final

da crônica, no seguinte fragmento:

Desde que Helen Caldwell, em 1960, negou o adultério de Capitu,

moldando Dom Casmurro às suas teorias feministas, Machado de Assis

foi raptado pela crítica esquerdista. Em particular, por John Gledson e

Roberto Schwarz, que o transformaram ridiculamente num agente da luta

de classes, empenhado em denunciar os abusos da classe dominante. Na

realidade, Machado de Assis é mais complicado do que isso. Ele é um

satirista conformista e resignado, que zomba da mesquinhez de nossa

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sociedade e acredita que, quando ela muda, muda sempre para pior. A

série Capitu festeja o abastardamento da obra machadiana. Machado de

Assis sabe bem: de agora em diante, isso só pode piorar.

Assim, vimos que Mainardi utilizou diferentes sequências textuais em

sua crônica. É claro que há predominância de uma em relação às demais. Nesse

caso, observamos que a argumentativa se sobressai, já que o cronista

certamente tem por objetivo defender a tese de que o diretor da minissérie

Capitu, Luiz Fernando Carvalho, não foi bem sucedido na adaptação do romance

de Machado de Assis para a televisão.

A par da intertextualidade em sentido amplo, a intertextualidade em

sentido restrito ocorre assim que, em um texto, insere-se outro texto (intertexto)

anteriormente produzido, que faz parte da memória social de uma coletividade

ou da memória discursiva dos interlocutores, e com o qual estabelece algum tipo

de relação. Cabe ressaltar que, em se tratando de intertextualidade stricto sensu,

é necessário que o texto remeta a outros textos ou fragmentos de textos

efetivamente produzidos.

Nessa perspectiva, diversos tipos de intertextualidade têm sido

propostos, cada qual com peculiaridades próprias, entre as quais se destacam

as principais: intertextualidade temática, intertextualidade estilística,

intertextualidade implícita e autotextualidade.

2.2.3 A intertextualidade temática

A intertextualidade temática, de acordo com Koch, Bentes e Cavalcante

(2008, p. 18), é encontrada, por exemplo, entre textos que partilham os mesmos

temas, bem como utilizam os mesmos conceitos e terminologias próprios, como

os textos científicos pertencentes a uma mesma área do conhecimento ou a uma

mesma corrente de pensamento.

Encontramos, também, esse tipo de intertextualidade em matérias de

jornais e da mídia em geral, em um mesmo dia, ou durante um período, em que

o tema é considerado focal; entre as diversas notícias e matérias de um mesmo

jornal que tratam do mesmo assunto; entre as revistas semanais e as matérias

jornalísticas da semana; entre textos da literatura de uma mesma escola literária

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ou ainda de um mesmo gênero, como acontece nas epopeias ou em textos

literários de gêneros e estilos diferentes.

Com intuito de ilustrar esse tipo de intertextualidade, podemos pensar na

crônica, escrita por Mainardi, depois que a notícia sobre um cadáver, encontrado

em Ipanema, foi amplamente divulgada em uma matéria do jornal O Globo.

Esse texto, cujo título é o Cadáver de Ipanema, do dia 28 de março de

2007, relata um fato ocorrido, num dia de domingo, em que o cronista saiu para

passear com seus filhos e encontrou um cadáver putrefado no banco de trás de

um veículo que estava estacionado na Avenida Vieira Souto. O cronista narra

que somente conseguiu saber quem era a vítima dias depois por meio de uma

publicação no jornal O Globo.

A notícia do jornal O Globo aludia que a Polícia Civil havia identificado o

homem encontrado morto dentro do carro, na Avenida Souto, em frente ao Posto

9, em Ipanema, na manhã de domingo. Ainda, segundo a polícia, ele era morador

de Duque de Caxias e teria envolvimento com roubos de carros, principalmente

os que eram dirigidos por mulheres.

Dessa maneira, podemos identificar a intertextualidade temática na

crônica de Mainardi que retoma a referida notícia Corpo de Ipanema seria de

ladrão de carros, que foi veiculada no jornal O Globo, no dia 20 de março de

2007, uma semana antes da publicação de sua crônica na revista Veja. A seguir,

podemos ler a notícia e a crônica respectivamente:

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Observemos, agora, a intertextualidade estilística.

2.2.4 A intertextualidade estilística

A intertextualidade estilística ocorre quando o enunciador de um texto, em

função de diversos objetivos, repete, imita, parodia certos estilos ou variedades

linguísticas. Isso é bastante comum em textos que utilizam a reprodução da

linguagem bíblica, de jargões profissionais, de dialetos, do estilo de um

determinado gênero, autor ou esfera de atividade humana.

Assim sendo, podemos reconhecer, na crônica Yabadabadoo, publicada

em 10 de março de 2010, esse tipo de intertextualidade, em que Mainardi retoma

a fala dos personagens do desenho animado Flintstones que retrata o cotidiano

de uma família de classe média da Idade da Pedra. Com frases curtas, Mainardi

imita o estilo da fala dos protagonistas dessa série televisiva para aludir a

candidatura de José Serra à presidência da república. Vejamos os fragmentos

dessa crônica que segue:

Depois de passar meses e meses na pedreira, o PSDB, como Fred

Flintstone, escorregou pelo rabo do dinossauro, montou em seu carro pré-

histórico e se pôs em marcha. Serra é o candidato’

– Serra.

– Como é que é?

– O candidato é ele.

– Quem?

– José Serra.

– José Serra é o candidato?

– José Serra é o candidato a presidente pelo PSDB.

– Decidido?

– Decidido.

– Certeza?

– Certeza.

– Posso espalhar?

– Pode.

– Yabadabadoo

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A seguir, falaremos um pouco da intertextualidade explícita.

2.2.5 A intertextualidade explícita

No que se refere à intertextualidade explícita, ela acontece quando, no

próprio texto, é mencionada a fonte do intertexto, quer dizer, quando o outro texto

ou o fragmento citado é atribuído ao enunciador do intertexto, reportado como

tendo sido dito por outro. Esse tipo de intertextualidade ocorre quando fazemos

citações, referências, menções, resumos, resenhas ou ainda quando

empregamos o recurso à autoridade, no caso dos textos argumentativos, para

dar mais credibilidade ao que se diz.

De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 348), “argumento

de prestígio mais nitidamente caracterizado é o argumento de autoridade, o qual

utiliza atos e juízos de uma pessoa ou de um grupo de pessoas como meio de

prova a favor de uma tese.”

Cabe ressaltar que, em se tratando de situações de interação face a face,

esse fenômeno também ocorre no momento em que se retoma o texto do

parceiro com intuito de encadeá-lo ou contraditá-lo, ou mesmo para demostrar

atenção ou desatenção.

Um exemplo dessa intertextualidade explícita pode ser encontrado no

fragmento da crônica Os meus nambiquaras, publicada em 2 de maio de 2007,

em que o enunciador cita o antropólogo Claude Lévi-Strauss e um de seus

principais tratados:

Claude Lévi-Strauss, num de seus principais tratados sobre o assunto,

comparou os nambiquaras a "uma raça gigante de formigas". Edgar

Roquette-Pinto, que percorreu o território nambiquara duas décadas antes

do antropólogo francês, definiu-os como "homens da Idade da Pedra". O

presidente americano Theodore Roosevelt, que também passou pelas

terras dos nambiquaras, afirmou que eles "nem chegaram à Idade da

Pedra, sendo ingênuos e ignorantes como animais domésticos.

Eis a contrapartida da intertextualidade explícita, a implícita.

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2.2.6 A intertextualidade implícita

Com relação à intertextualidade implícita, esse fenômeno ocorre quando

se insere no próprio texto, intertexto alheio, sem qualquer menção explícita da

fonte, com o propósito quer de lhe seguir a orientação argumentativa, quer de

contraditá-lo, colocá-lo em questão, ridicularizá-lo quer de argumentar em

sentido contrário.

Cabe ressaltar que, no primeiro caso, relacionado à intertextualidade

implícita, esse recurso é verificado em paráfrases, mais ou menos próximas, do

enunciado-fonte com o enunciado produzido – intertextualidade das

semelhanças (SANT’ ANNA, 1985) –, caracterizando o que Grésillon e

Maingueneau (1984) (apud KOCH, BENTES E CAVALCANTE, 2008, p. 30)

chamam de captação. No segundo caso, é verificado por meio de paródias e/ou

ironias e outros recursos como, por exemplo, reformulações de tipo concessivo,

inversão da polaridade afirmação/negação do texto-fonte – intertextualidade das

diferenças, para Sant’Anna –, caracterizando a subversão, para Grésillon e

Maingueneau.

Nos casos em que ocorre a intertextualidade implícita, o enunciador do

texto espera que o leitor/ouvinte do texto seja capaz de identificar a presença do

intertexto, pela ativação do texto-fonte em sua memória discursiva. Caso isso

não aconteça, a construção de sentido do texto estará prejudicada,

principalmente nos casos em que se deseja subverter o texto.

Nos casos de captação, também, a reativação do texto primeiro se afigura

de relevância; entretanto, quando se trata de uma paráfrase, mais ou menos fiel

do sentido original, quanto mais próximo o segundo texto for do texto-fonte,

menos é exigida a recuperação deste para que se possa compreender o texto

atual.

Como exemplo desse caso de intertextualidade, podemos mencionar o

título Ética em transe, de umas das crônicas de Mainardi, publicada em 3 de

junho de 2009, em que há um diálogo com o filme brasileiro de 1967, Terra em

Transe, de Glauber Rocha:

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Nos casos de plágio, essa recuperação é indesejável por parte do

produtor, já que se espera que o interlocutor não tenha em sua memória o

intertexto e sua fonte, ou não venha a proceder à sua ativação, razão pela qual

procura camuflá-lo por meio de pequenas operações de ordem linguística, na

materialidade linguística do texto, como, por exemplo, apagamentos,

substituições e termos, alterações de ordem sintática, transposições etc. Logo,

o plágio pode ser visto como o caso extremo da captação dentro dessa

perspectiva.

No que se refere à intertextualidade implícita com valor de subversão, é

crucial a identificação do texto-fonte para a construção do sentido. Por serem as

fontes do intertextos, de maneira geral, trechos de obras literárias, de músicas

populares ou textos de ampla divulgação pela mídia, bordões de programas

humorísticos de rádio ou TV, bem como provérbios, frases feitas etc., tais textos-

fonte fazem parte da memória coletiva (social).

Assim, imagina-se que eles possam ser facilmente acessados por ocasião

do processamento textual, entretanto não há garantia de que isso efetivamente

ocorra. Caso essa identificação do texto-fonte não aconteça, a construção de

sentido que o produtor do texto pretendia estará prejudicada.

Podemos verificar como isso acontece no título Penso, mas existo? da

crônica de Mainardi, publicada em 26 de novembro de 2008, em que ocorre a

subversão da frase, “Penso, logo existo”, de Descartes, pensador francês do

século XVI:

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Vejamos o último tipo de intertextualidade, a autotextualidade.

2.2.7 A autotextualidade

Por último, a categoria de autotextualidade ou intratextualidade é

atribuída ao caso de um autor ou compositor inserir, em seu próprio texto, trecho

de obras de sua própria autoria, embora existam alguns teóricos que não a

reconheçam como intertextualidade, reservando este termo apenas para os

casos em que se recorre a intertextos alheios e não próprios. Como exemplo de

autotextualidade, destacamos uma passagem na crônica Podem atirar. Ui! Ui!,

publicada em 13 de setembro de 2006, em que é possível identificar esse recurso

intertextual:

Eu não era o Oráculo de Ipanema? Como pude errar tanto assim? Em

novembro de 2004, vaticinei que Geraldo Alckmin seria eleito presidente

no lugar de Lula. Cito-me:

Lula vai perder em 2006 porque o PT será identificado como o partido que

desvia verbas para financiar campanhas eleitorais. Que persegue a

imprensa. Que segue a tradição coronelista de distribuir esmolas em troca

de votos. Que compra o apoio de outros partidos com malas cheias de

dinheiro. Que se alia desavergonhadamente a políticos que sempre

combateu. Que dá carta branca a seu tesoureiro em reuniões ministeriais.

Que protege os amigos do presidente.

Por fim, acreditamos que essa concepção adotada por Koch, Bentes e

Cavalcante (2008), abordada em temos de diálogo, é extremamente produtiva

porque “ao mesmo tempo que explicita as diferenças, revela as semelhanças de

pontos de vista e trajetórias e, no dizer de Bakhtin, de personalidades.” (KOCH,

BENTES E CAVALCANTE, 2008, p. 147)

Na próxima seção, revisitaremos a noção de ethos para

compreendermos de que modo o fenômeno intertextual está imbricado com a

imagem de si, construída por Mainardi, a partir do discurso em suas crônicas.

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2.3 Ethos

Quando falamos de ethos, é imprescindível retomarmos a tradição

antiga, já que a estilística, orientada pelos estudos do texto e do discurso,

encontra sustento na tradição retórica, focalizando principalmente aos preceitos

de Aristóteles, responsável por sistematizar a Retórica como a arte da

persuasão.

A retórica é uma forma de comunicação, uma ciência que se ocupa dos

princípios e das técnicas de comunicação, entretanto, não de toda a

comunicação, somente daquela que tem fins persuasivos. Sendo assim, não é

fácil dar à retórica uma definição, pois, no momento em que dizemos que ela é

a arte de falar bem e a arte de persuadir, a arte do discurso ornado, bem como

a arte do discurso eficaz, simplesmente estamos tentando tecer uma relação

entre duas maneiras de definir a retórica, de ligar o ornamento e a eficácia, o

agradável e o útil, o fundo e a forma.

No momento em que os antigos associam a retórica à arte de bem falar,

eles têm a consciência de que, para se falar bem, é necessário pensar bem e,

para se pensar bem, é necessário não apenas ter ideias de forma lógica e

esteticamente bem encadeadas, mas também ter um estilo de vida, um viver em

conformidade com o que se crê. Assim, a arte de bem dizer, de persuadir, a arte

moral são os elementos implícita e explicitamente que identificamos em quase

todas as definições de retórica.

Aristóteles escreveu dois tratados distintos sobre a elaboração do

discurso. A sua Retórica ocupa-se da arte da comunicação, do discurso feito em

público com fins persuasivos, já a Poética, da arte da evocação imaginária, do

discurso feito com fins essencialmente poéticos e literários.

A grande inovação de Aristóteles foi o lugar que concedeu ao argumento

lógico como elemento central na arte de persuasão. Sobretudo, sua Retórica é

uma retórica da prova, do raciocínio, do silogismo retórico, isto é, uma teoria da

argumentação persuasiva, que é uma técnica que pode ser aplicável em

qualquer assunto. Isso é possível pelo fato de essa técnica proporcionar

simultaneamente um método de trabalho e um sistema crítico de análise que são

empregáveis não só na construção do discurso, mas também na interpretação

de qualquer forma de discurso.

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Assim, para Aristóteles (2012, p. 12), a retórica é a capacidade de

descobrir o que é adequado a cada caso com a finalidade de persuadir. A retórica

parece ter a faculdade de descobrir os meios de persuasão sobre qualquer

questão e, por esse motivo, ele afirma que, como arte, as suas regras não se

aplicam a nenhum gênero específico de coisas.

Aristóteles nos chama a atenção para as provas de persuasão: umas

são próprias da arte retórica e outras não. As que não são da arte retórica,

chamadas inartísticas, referem-se a todas as que não são produzidas por nós,

já existem antes: provas como testemunhos, confissões sob tortura, documentos

escritos e outras semelhantes. As provas artísticas são todas as que se podem

preparar pelo método e por nós mesmos. No caso deste trabalho, trataremos

apenas das relacionadas aos meios artísticos de persuasão.

Nessa perspectiva, as provas de persuasão fornecidas pelo discurso são

de três espécie: “umas residem no caráter moral do orador; outras, no modo

como se dispõe o ouvinte; e outras, no próprio discurso, pelo que este demonstra

ou parece demonstrar.” (ARISTÓTELES, 2012, p. 13)

Desse modo, entre os princípios instituídos por Aristóteles em seu

esquema retórico, identificamos três formas ou meios artísticos de persuasão:

os derivados do caráter do orador (ethos); os derivados da emoção despertada

pelo orador nos ouvintes (pathos); e os derivados de argumentos verdadeiros e

prováveis (logos). Assim, esclarece Aristóteles em sua Retórica:

Persuade-se pelo caráter quando o discurso é proferido de tal maneira que deixa a impressão de o orador ser digno de fé. Pois acreditamos mais e bem mais depressa em pessoas honestas, em todas as coisas em geral, mas sobretudo nas de que não há conhecimento exato e que deixam margem para dúvida. É, porém, necessário que esta confiança seja resultado do discurso e não de uma opinião prévia sobre o caráter do orador; pois não se deve considerar sem importância para a persuasão a probidade do que fala, como aliás alguns autores desta arte propõem, mas quase se poderia dizer que o caráter é o principal meio de persuasão. Persuade-se pela disposição dos ouvintes, quando estes são levados a sentir emoção do discurso, pois os juízos que emitimos variam conforme sentimos tristeza ou alegria, amor ou ódio. É desta espécie de prova e só desta que, dizíamos, se tentam ocupar os autores atuais de artes retóricas. E a ela daremos especial atenção quando falarmos das paixões. Persuadimos, enfim, pelo discurso, quando mostramos a verdade ou o que parece verdade, a partir do que é persuasivo em cada caso particular. (ARISTÓTELES, 2012, 1356a p. 13 -14)

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Diante disso, o ethos “é o caráter que o orador deve assumir para inspirar

confiança no auditório, pois, sejam quais forem seus argumentos lógicos, eles

nada obtêm sem essa confiança.” (REBOUL, 2004, p. 48)

O orador, em seu discurso, deve deixar no auditório a impressão de que

o seu caráter é digno de fé, confiança e credibilidade, mostrar-se sincero,

sensato e simpático. Sincero no sentido de não dissimular o que pensa e o que

sabe. Sensato por ser capaz de dar conselhos razoáveis e pertinentes; e

simpático por estar disposto a ajudar o seu auditório. O ethos é, pois, o tipo de

argumentação em que o discurso do orador põe em destaque as virtudes do seu

caráter.

O pathos é o conjunto de emoções, paixões e sentimentos que o orador

deve suscitar no auditório com seu discurso. A argumentação pode basear-se

no estado emocional do auditório, e, nesse caso, o discurso apela aos

sentimentos favoráveis e emoções dos ouvintes com intuito de persuadi-los em

relação à tese a ser defendida. Esse tipo de argumentação é centrado no

auditório, e o emissor deverá ser capaz de produzir um discurso que impressione

os ouvintes pelo fato de mobilizar os sentimentos.

O último, o logos, diz respeito à argumentação propriamente dita do

discurso. É o aspecto dialético da retórica, que Aristóteles retoma inteiramente

dos Tópicos.

De acordo com Reboul (2008, p. 49), “como em Tópicos, distingue dois

tipos de argumentos, o entimema, ou silogismo baseado em premissas

prováveis, que é dedutivo, e o exemplo, que a partir dos fatos passados conclui

pelos futuros, que é indutivo.” O logos é, então, o tipo de argumentação centrado

na tese e nos argumentos e deve apresentar-se de maneira bem estruturada do

ponto de vista lógico-argumentativo. Assim, é pelo discurso e pelos argumentos

que se tenta valorizar a tese, bem como buscar a adesão dos ouvintes. Esse tipo

de argumentação é mais objetivo em relação aos demais, já que o discurso deve

obedecer a uma racionalidade lógica, além de possuir um certo rigor.

Dessa forma, é relevante mencionar que todo discurso implica a

construção de uma imagem daqueles que estão envolvidos no processo de

comunicação.

Segundo Amossy (2005, p. 9), todo ato de empregar a palavra, tanto

escrita como falada, requer a construção de uma imagem de si e, para isso, não

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é fundamental que o locutor faça seu autorretrato, especifique suas qualidades

nem é necessário que fale explicitamente de si. Suas crenças implícitas, sua

competência linguística e seu estilo são suficientes para construir a

representação de sua pessoa.

Nesse sentido, o locutor, aquele que fala, que produz um ato de

linguagem em uma situação de comunicação – que neste caso é o colunista

Diego Mainardi – efetua uma representação de si em seu discurso. Essa

representação é chamada de ethos, um termo emprestado da retórica antiga que

designa a imagem de si que o locutor constrói em seu discurso para persuadir

seu alocutório.

De acordo com Fiorin (2015, p. 70), em termos mais atuais, dir-se-ia que

o ethos não se explicita no enunciado, mas na enunciação enunciada, nas

marcas deixadas no enunciado. Ele ressalta ainda que a análise do ethos do

enunciador nada tem do psicologismo que, muitas vezes, pretende infiltrar-se

nos estudos discursivos. “Trata-se de apreender um sujeito construído pelo

discurso e não uma subjetividade que seria a fonte de onde emanaria o

enunciado, de um psiquismo responsável pelo discurso.” (FIORIN, 2015, p. 70)

O ethos é, portanto, uma imagem do autor, não é o autor real; é um autor

discursivo, um autor implícito.

A terminologia ethos, na perspectiva da Análise do Discurso, diz respeito

tanto aos textos orais quanto aos escritos, nos quais os enunciadores oferecem

uma imagem de si por meio do discurso. Essa noção, retomada em ciências da

linguagem e, principalmente, na Análise do Discurso, refere-se às modalidades

verbais da apresentação de si na interação verbal.

Vejamos, agora, outros pontos de vista sobre o fenômeno em estudo.

2.3.1 O ethos na concepção de alguns autores

De acordo com Maingueneau (2008a, p. 12), sempre que recorremos a

essa noção de ethos é necessário traçar um longo caminho até a retórica antiga,

mais precisamente à Retórica de Aristóteles, primeiro autor em que encontramos

uma elaboração conceitual dessa concepção que chegou até nós.

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Ao escrever sua Retórica, Aristóteles pretendia apresentar uma technè

cujo objetivo não é examinar o que era persuasivo para tal ou qual indivíduo,

mas para tal ou qual tipo de indivíduos. A prova pelo ethos consiste em causar

boa impressão pela forma como se constrói o discurso, a dar uma imagem de si

capaz de convencer o auditório, com intuito de ganhar confiança. O destinatário,

dessa forma, deve atribuir certas propriedades à instância que é posta como

fonte do acontecimento enunciativo.

De acordo com Amossy, “Os antigos designavam pelo termo ethos a

construção de uma imagem de si destinada a garantir o sucesso do

empreendimento oratório.” (AMOSSY, 2005, p. 10)

A autora lembra que Roland Barthes define o ethos como os traços do

caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importando sua

sinceridade) para causar boa impressão: é o seu jeito [...]. O orador enuncia uma

informação e ao mesmo tempo diz: sou isto, não sou aquilo.

A respeito disso, a eficácia do ethos reside no fato de ele intervir em

qualquer enunciação sem ser explicitamente enunciado. Para dar essa imagem

positiva de si mesmo, o orador pode lançar mão de três qualidades

fundamentais: a phronesis, que significa o bom senso, a prudência, a

ponderação, que indica se o orador exprime opiniões competentes e razoáveis;

a aretè, que denota a virtude, mas a virtude tomada no seu sentido primeiro de

“qualidades distintas do homem”, e a eunoia, que significa a benevolência e a

solidariedade; neste caso, o orador dá uma imagem agradável de si, porque

mostra simpatia pelo auditório.

De acordo com Fiorin (2015, p. 71), o orador que se utiliza da phronesis

apresenta-se como sensato, ponderado e constrói suas provas muito mais com

os recursos do logos do que com os do pathos ou do ethos (em outras palavras,

como os recursos discursivos); aquele que lança mão da aretè apresenta-se

como desbocado, franco, temerário, bem como constrói suas provas muito mais

com os recursos do ethos; o que usa a eunoia apresenta-se como alguém

solidário com o seu enunciatário, como um igual, com benevolência e erige suas

provas muito mais com base no pathos.

São essas três características, phronesis, aretè e eunoia, que tornam

persuasivos o orador, e sua importância é tamanha que, por meio delas,

persuadimos sem a necessidade de demonstrações:

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Quando os oradores recorrem à mentira nas coisas que dizem ou sobre aquelas que dão conselhos, fazem-no por todas essas causas ou por algumas delas. Ou é por falta de prudência que emitem opiniões erradas ou então, embora dando a opinião correta, não dizem o que pensam por malícia; ou sendo prudentes e honestos não são benevolentes; por isso, é admissível que, embora sabendo eles o que é melhor, não o aconselhem. Para além destas, não há nenhuma outra causa. Forçoso é, pois, que aquele que aparenta possuir todas estas qualidades inspire confiança nos que o ouvem. Por isso, o modo como é possível mostrar-se prudente e honesto deve ser deduzido das distinções que fizemos relativamente às virtudes, uma vez que, a partir de tais distinções, é possível alguém apresentar outra pessoa e até apresentar-se a si próprio sob este ou aquele aspecto. (ARISTÓTELES, 2012, 1378a, p. 84 - 85)

Na Retórica, o ethos faz parte, assim como o “logos” e o “pathos”, da

trilogia aristotélica dos meios de prova e, em Aristóteles, adquire um duplo

sentido: por um lado, designa as virtudes morais que garantem credibilidade ao

orador, como a virtude, a prudência e a benevolência; por outro, comporta-se

como dimensão social à medida que o orador convence ao se exprimir de modo

apropriado a seu caráter e a seu tipo social. Nesses dois casos, temos a imagem

de si que o orador produz em seu discurso, mas que não é a imagem de uma

pessoa real.

Segundo Ekkehard Eggs (2005, p. 29), pode-se dizer que o ethos

constitui praticamente a mais importante das três provas engendradas pelo

discurso. Aristóteles diferenciava-se dos retóricos de sua época, que

compreendiam que o ethos não contribui para a persuasão. Nesse contexto, ele

emprega o termo epieíkeia, traduzido por Eggs, como honestidade. Desse modo,

o orador que mostra em seu discurso o caráter honesto parecerá mais digno de

crédito aos olhos de seu auditório. De acordo com Eggs (2005, p. 30), existem

dois campos semânticos opostos associados ao termo ethos, na Retórica de

Aristóteles. O primeiro, cujo sentido é moral e fundado na epieíkeia, abarca

atitudes e virtudes tais como a honestidade, a benevolência ou a equidade. O

segundo, cujo sentido é neutro (héxis), abrange termos como hábitos, modos e

costumes ou caráter. Segundo o autor, esses dois campos, aparentemente

contraditórios, seriam, na verdade, constitutivos da noção de ethos e, portanto,

indispensáveis a qualquer atividade argumentativa, sendo entendidos como a

“realidade problemática de todo discurso humano” (EGGS, 2005, p. 30). Para

esse autor, é o logos, o discurso, do locutor que produz o ethos, em função de

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suas escolhas linguísticas e estilísticas. Assim, pode-se dizer que essas

escolhas dizem respeito sobretudo à sua maneira de se exprimir.

A noção de ethos é retomada também nos manuais da Idade Clássica

sob a denominação de “caracteres oratórios”, como se pode observar em

Amossy (2005, p. 18): “A questão da autoridade moral ligada à pessoa do orador

se recoloca: em um primeiro sentido, trata-se realmente dos seus caracteres

reais.”

O conceito de ethos, entretanto, surge das reformulações, dos debates

e do modo de como a linguagem resgata a retórica. Fiorin (2004a p. 69),

mantendo a mesma discussão já suscitada por Aristóteles acerca do ethos, traz

grandes contribuições inerentes a essa temática, em um de seus trabalhos – O

ethos do enunciador – em que ele alude que a construção de uma imagem de si

no discurso, quer dizer, a construção do ethos está fortemente ligada à

enunciação.

Segundo Fiorin (2004a, p. 69), Benveniste mostra que a enunciação,

colocação em funcionamento da língua por um ato individual de utilização, é a

instância do “ego, hic et nunc”. O “eu” é instaurado no ato de dizer: “eu” é quem

diz “eu”. A pessoa a quem o “eu” se dirige é estabelecida como “tu”. O “eu” e o

“tu” são os actantes da enunciação, os participantes da ação enunciativa.

Esse autor esclarece que tanto o “eu” quanto o “tu” constituem o sujeito

da enunciação, já que o primeiro produz o enunciado e o segundo, funcionando

como uma espécie de filtro, é levado em consideração pelo “eu” na construção

do enunciado. É relevante mencionar que o “eu” realiza o ato de dizer num

determinado tempo e num dado espaço. Nesse caso, o “aqui” é o espaço do

“eu”; “agora” é o momento em que o “eu” toma a palavra e, a partir dele, toda a

temporalidade linguística é organizada. Assim, a enunciação é a instância que

ocupa o enunciado das pessoas, de espaços e de tempos.

Nela, a análise do ethos do enunciador é a análise do ator da

enunciação, que segundo Fiorin (2015, p. 71), para determinar o ethos do

enunciador, é preciso estabelecer uma totalidade da produção de um sujeito

enunciativo. Dentro dessa totalidade, procuram-se recorrências em qualquer

elemento composicional do discurso ou do texto: a escolha do assunto, na

construção de personagens, nos gêneros escolhidos, no nível de linguagem

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empregado, no ritmo, na figurativização, na escolha dos temas, nas isotopias etc

(FIORIN, 2015, p. 71).

De acordo com Fiorin (2004b, p. 20), contudo, no texto intitulado

Semiótica e Comunicação, é verificado que há diferentes níveis enunciativos

num texto: enunciador, narrador e interlocutor. Para o linguista, não há nenhuma

dificuldade para determinar o que se chamaria de ethos do interlocutor, no

entanto, a dificuldade está em distinguir o caráter do enunciador e do narrador,

pois o enunciador, tomando-se como ator da enunciação, é definido pela

totalidade de sua obra. “Quando analisamos uma obra singular, podemos definir

os traços do narrador, quando estudamos a obra inteira de um autor é que

podemos apreender o ethos do enunciador.” (FIORIN, 2004b, p. 20)

Nessa perspectiva, poderíamos depreender o ethos do enunciador

Mainardi, especificamente por meio de seus textos publicadas na revista Veja,

como um escritor polêmico da imprensa nacional. Suas crônicas são carregadas

de sarcasmo, de ironia, de intertextos e de críticas sobre diferentes temáticas,

principalmente, no âmbito da política, cultura, arte e personalidades. O cronista,

em seus textos, tece diálogos com diferentes áreas do conhecimento,

evidenciando, desse modo, a imagem de alguém com um vasto repertório

cultural.

No tocante a essa temática, Fiorin esclarece que, no momento em que

se analisa um texto de um articulista, como, por exemplo, o de José Simão,

definem-se os traços do narrador; apenas quando se investiga o jornal como

uma totalidade de sentido, encontra-se um enunciador, que é denominado como

o “Estadão”, a “Folha”, o “JB”. Nesse sentido, é a percepção que se intui desse

enunciador único que se leva a afirmações como “O Estadão” tem uma linha

mais definida do que a “Folha”, uma vez que esse último acolhe uma pluralidade

de opiniões. Nessa linha, podemos pensar que a revista Veja, de onde retiramos

as crônicas que compõem o corpus do nosso trabalho, tem uma linha editorial

de viés mais direitista.

Essa posição inerente ao ethos, defendida por Fiorin, não é a mesma

advogada por Dominique Maingueneau que, em seu texto A propósito do ethos

(2008a, p. 12), esclarece que um dos maiores obstáculos com o qual o indivíduo

se depara no momento em que ele quer trabalhar com o conceito de ethos é o

fato de essa definição ser bastante intuitiva. A ideia de que, ao falar, um locutor

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ativa em seus destinatários uma certa representação de si mesmo, procurando

controlá-la, é particularmente simples. “Portanto, com frequência somos

tentados a recorrer a essa noção de ethos, dado que ela constitui uma dimensão

de todo ato de enunciação.” (MAINGUENEAU, 2008a, p. 12)

Esse autor, diferentemente da exposição de Fiorin, defende o

posicionamento de que o ethos é construído no ato da enunciação, ou seja, no

discurso que o indivíduo produz. A prova do ethos mobiliza, de acordo com

Maingueneau (2008b, p. 57), tudo o que, na enunciação discursiva, contribui

para passar uma imagem do orador.

Tom de voz, modulação da fala, escolha de palavras e de argumentos,

gestos, mímicas, olhar, postura, adornos etc. são outros tantos signos,

elocutórios e oratórios, vestimentais e simbólicos, pelos quais o orador dá de si

mesmo uma imagem psicológica e sociológica. “O ethos está crucialmente ligado

ao ato de enunciação, mas não se pode ignorar que o público constrói também

representações do ethos do enunciador antes mesmo que ele fale.”

(MAINGUENEAU, 2008a, p. 15)

Nessa perspectiva, Maingueneau (2008b, p. 60) estabelece uma

diferenciação entre o ethos discursivo e o ethos pré-discursivo. Somente o

primeiro está em consonância com a definição de Aristóteles, já o segundo está

atrelado às representações prévias que se esperam do ethos do locutor, seja

pelo fato de um texto pertencer a um determinado gênero, seja pelo

posicionamento ideológico do locutor que induz expectativas em matéria de

ethos.

O conceito de ethos, que será empregado neste trabalho, está em

consonância com a da Análise do Discurso, especificamente com as pesquisas

de Dominique Maingueneau, que vai mais além dos estudos elaborados pela

retórica, já que o objetivo é abordar esse conceito levando em consideração a

posição enunciativa do enunciador, quer dizer, como é a imagem de si que

Mainardi projeta em seu texto por meio das escolhas intertextuais. Assim,

analisaremos o ethos de Mainardi, levando em consideração apenas as crônicas

produzidas na revista Veja entre os anos de 2006 e 2010 e não considerando

toda a sua produção escrita.

De acordo com Amossy (2005, p. 16), Maingueneau tenta colocar em

um modelo integrativo as várias dimensões do discurso e reservar entre elas um

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lugar determinante para a enunciação e para o enunciador. “Na verdade, o

enunciador deve conferir, e conferir a seu destinatário, certo status para legitimar

seu dizer: ele se outorga no discurso uma posição institucional e marca sua

relação com um saber.” (AMOSSY, 2005, p. 16)

Essa imagem de si é um fenômeno que se constrói no momento em que

o enunciador toma a palavra e se mostra por meio de seu discurso, chamado de

instância enunciativa. Nessa abordagem do ethos, cada gênero do discurso

comporta uma distribuição preestabelecida de papéis que determinam em parte

a imagem de si do locutor que pode escolher mais ou menos livremente sua

cenografia ou cenário familiar, que dita sua postura.

De acordo com Amossy (op. cit., p. 16), em um discurso político, por

exemplo, o candidato de um partido pode falar a seus eleitores como homem do

povo, como homem experiente, como tecnocrata etc. Dentro desse contexto, a

noção de ethos adquire toda a sua importância, pois o tom do discurso substitui,

com vantagens, a noção de voz, na proporção que remete tanto à fala quanto à

escrita. Por sua vez, o tom se apoia sobre uma dupla figura do enunciador, a de

um caráter e de uma corporalidade.

Essa noção de ethos compreende não apenas a dimensão vocal, mas a

um conjunto de características físicas e psíquicas ligadas pelas representações

coletivas à personagem do enunciador. “Ao fiador, cuja figura o leitor deve

construir a partir de diversas ordens, são atribuídos um caráter e uma

corporalidade, cujo grau de precisão varia segundo os textos.”

(MAINGUENEAU, 2001, p. 98) O termo fiador compreende uma representação

construída pelo leitor a partir de pistas textuais, recebe caráter ou traços

psicológicos e corporalidade (constituição corporal, vestimenta e mobilidade

espacial) que se sustentam em um conjunto partilhado ou cristalizado de

representações sociais passíveis de avaliação coletiva.

Por conseguinte, “o ethos implica, com efeito, uma disciplina do corpo

apreendido por intermédio de um comportamento global.” (MAINGUENEAU,

2001, p. 99) Assim, pode-se dizer que o ethos relaciona-se com a construção

de uma corporalidade do enunciador por meio de um tom lançado por ele no

âmbito discursivo.

Para Maingueneau (2001), o “caráter” está relacionado a uma gama de

traços psicológicos, enquanto a “corporalidade” diz respeito a uma compleição

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corporal, ou seja, a uma disposição física e também à maneira de se vestir e de

se movimentar no espaço social. Nos textos escritos, não há representação

direta dos aspectos físicos do orador, mas há pistas que indicam e levam o

enunciatário a atribuir uma corporalidade e um caráter ao enunciador, categorias

que interagem no campo discursivo.

O caráter e a corporalidade do fiador provêm de um conjunto difuso de

representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, sobre as quais se apoia

a enunciação que pode confirmá-las ou modificá-las. Esses estereótipos

culturais circulam nos domínios de diferentes áreas: literatura, fotografia, cinema,

publicidade etc.

De acordo com Maingueneu (2001, p. 99), o sentido que é propiciado

pelo discurso se impõe tanto pelo ethos quanto pelas ideias que se transmitem.

Essas ideias, por conseguinte, apresentam-se por intermédio de uma maneira

de dizer e remetem a uma maneira de ser. Com relação à contemplação do texto,

o teórico esclarece:

O texto não se destina a ser contemplado, configurando-se como enunciação dirigida a um co-enunciador que é preciso mobilizar, fazê-lo aderir “fisicamente” a um determinado universo de sentido. O poder de persuasão de um discurso consiste em parte em levar o leitor a se identificar com a movimentação de um corpo investido de valores socialmente especificados. A qualidade do ethos remete, com efeito, à imagem que esse “fiador” que, por meio de sua fala, confere a si próprio uma identidade compatível com o mundo que ele deverá construir em seu enunciado. Paradoxo constitutivo: é por meio de seu próprio enunciado que o fiador deve legitimar sua maneira de dizer. (MAINGUENEAU, 2001, p. 99)

Em vista disso, conforme Maingueneau, é por meio de seu enunciado

que o enunciador deve legitimar sua maneira de dizer. Nessa perspectiva,

levando em consideração esta pesquisa, é por meio do texto construído por

Mainardi que é analisada a imagem, ou o ethos, que esse fiador conferiu a si por

meio de seu enunciado.

Evidentemente, existem tipos de discurso ou de circunstâncias nas quais

não se espera que o destinatário tenha representações prévias do ethos do

enunciador. Isso ocorre quando se lê um texto de um autor desconhecido ou

quando se abre um romance de cujo enredo o leitor não tenha a mínima ideia.

Em outras circunstâncias, entretanto, isso funciona de modo diferente como, por

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exemplo, quando na política os enunciadores são associados a um ethos que

cada enunciação pode confirmar ou infirmar.

De acordo com Maingueneau (2008b, p. 60), “mesmo que o destinatário

não saiba nada antecipadamente sobre o ethos do locutor, o simples fato de um

texto pertencer a um gênero de discurso ou a certo posicionamento ideológico

induz expectativas em matéria de ethos.”

O ethos está relacionado ao ato da enunciação. Não se pode ignorar, no

entanto, que o público, ou o enunciatário, constrói representações do ethos do

enunciador mesmo antes que ele fale. Nessa perspectiva, podemos pensar que,

mesmo antes de ler o texto de Mainardi, o enunciador já espera um texto ácido,

com muitas críticas e polêmicas sobre os diferentes temas ligados à política, à

cultura nacional, a acontecimentos da semana e a personalidades, entre muitos

outros.

Existem algumas dificuldades ligadas à noção de ethos, de acordo com

Maingueneau (2008a, p. 16), que advêm do fato de que, na elaboração do ethos,

fenômenos de ordem distintas se imbricam. Como exemplo disso, podemos

mencionar os índices sobre os quais se apoia o intérprete, que vão desde a

escolha do registro da língua e das palavras até o planejamento textual,

passando pelo ritmo e pela modulação. Logo, “o ethos se elabora por meio de

uma construção complexa, mobilizadora da afetividade do intérprete, que tira

suas informações do material linguístico e do ambiente.” (OP. CIT., 2008a, p. 16)

Nessa mesma abordagem sobre algumas dificuldades ligadas à noção

de ethos, Maingueneau ainda elucida que há algo mais grave com relação a isso:

se se diz que o ethos é um efeito de discurso, supõe-se que se pode delimitar o

que decorre do discurso. Isso, entretanto, é muito mais evidenciado num texto

escrito do que numa situação de interação social. Dessa forma, “a própria noção

de ethos está suscetível a amplas zonas de variação” (MAINGUENEAU, 2008a,

p. 16). O linguista, contudo, propõe um acordo com alguns princípios mínimos,

sem prejulgar o modo como esses princípios podem eventualmente ser

explorados nas diversas problemáticas de ethos:

- o ethos é uma noção discursiva, ela se constrói através do discurso, não é uma “imagem” do locutor exterior a sua fala; - o ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o outro;

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- é uma noção fundamentalmente híbrida (sócio-discursiva), um comportamento socialmente avaliado, que não pode ser apreendida fora de uma situação de comunicação precisa, integrada ela mesma numa determinada conjuntura sócio-histórica. (MAINGUENEAU, 2008a, p. 17)

É por meio dessa concepção de ethos que Maingueneau se inscreve

num quadro da Análise do Discurso. Mesmo que esse quadro ainda seja bem

diferente do da retórica antiga, não é fundamentalmente infiel às linhas de força

da concepção aristotélica do ethos. O linguista busca a noção de ethos da

retórica antiga, mas não o compreende como sendo característica apenas do

componente oral do discurso; “o texto escrito também possui ethos, ou tom, que

nos permite remetê-lo a uma fonte enunciativa que dá autoridade ao que é dito,

isto é, a uma instância subjetiva que desempenha o papel de fiador do que é

dito”. (MUSSALIM, 2008b, p. 71)

Maingueneau (2008a, p. 17) argumenta que foi levado a trabalhar com

o conceito de ethos na Análise do Discurso sobre corpora de gêneros

“instituídos” a qual se opõe aos gêneros “conversacionais”. Nessa perspectiva,

a noção de ethos permite refletir sobre o processo mais geral da adesão dos

sujeitos a um certo discurso. Esse fenômeno é particularmente evidente quando

se trata de discursos como a publicidade, a filosofia, a política etc., os quais

precisam ganhar o público que está no direito de ignorá-los ou recusá-los.

Ao explanar sua concepção acerca do ethos, Maingueneau (op. cit., p.

17) sinaliza que essa noção, que mantém um laço crucial com a reflexividade

enunciativa, possibilita articular corpo e discurso para além de uma oposição

empírica entre o escrito e o oral.

“A instância subjetiva que se manifesta no discurso não se deixa

conceber apenas como um estatuto (professor, profeta, amigo...) associado a

uma cena genérica ou a uma cenografia, mas como uma voz‟ indissociável de

um corpo enunciante historicamente especificado.” (MAINGUENEAU, 2008a, p.

17). Mesmo que a retórica tradicional tenha ligado o ethos à eloquência, à

oralidade em situações de fala pública, deve-se acreditar, na perspectiva de

Maingueneau, que o ethos deve ser alargado a todo texto, tanto os orais quanto

os escritos:

Enquanto a retórica ligou estreitamente o ethos à oralidade, em vez de reservá-lo à eloquência judiciária ou mesmo à oralidade, pode-se propor

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que qualquer texto escrito, mesmo se ele o nega, tem uma “vocalidade” específica que permite relacioná-la a uma caracterização do corpo do enunciador (e bem entendido, ao corpo do locutor extradiscursivo), a um “fiador”, que, por meio de seu “tom”, atesta o que é dito (o termo “tom” tem a vantagem de valer tanto para o escrito quanto o oral). (MAINGUENEAU, 2008b, p. 64)

Assim, o fiador se refere ao conjunto de representações coletivas,

estereotipadas ou não, que existem em uma determinada sociedade. “Essa

instância subjetiva que atesta o que é dito não está relacionada a um autor

efetivo; trata-se de uma representação que o leitor faz do enunciador a partir de

índices textuais de diversas ordens – léxico, estruturas sintáticas” (MUSSALIM,

2008, p. 71)

Mussalim (op. cit., p. 72) toma os índices textuais, dos quais

Maingueneau trata, como marcadores de modos de enunciação, como lugares

privilegiados de manifestação do estilo dos textos. Essa perspectiva resulta na

hipótese de que a constituição do ethos discursivo decorre do estilo, pelo menos

em parte.

Dessa maneira, o ethos abarca não somente a dimensão verbal, mas

também o conjunto de determinações físicas e psíquicas ligadas ao fiador, por

meio das representações coletivas estereotípicas. Assim, acaba-se por atribuir

ao fiador um ‘caráter’, que corresponde a um feixe de traços psicológicos, e uma

‘corporalidade’, que é associada a uma compleição física e a uma forma de se

vestir. Os graus de precisão da corporalidade variam de acordo com os textos.

Além disso, o ethos implica uma maneira de mover-se no espaço social,

uma disciplina tácita do corpo, apreendida por meio de um comportamento. “O

destinatário o identifica apoiando-se em um conjunto difuso de representações

sociais, avaliadas positiva ou negativamente, de estereótipos, que a enunciação

contribui para reforçar ou transformar.” (MAINGUENEAU, 2008b, p. 65)

Esse autor reforça que, de fato, a incorporação do leitor ultrapassa a

simples identificação a uma personagem fiadora. Ela implica um “mundo ético”

do qual o fiador é parte significativa e ao qual ele dá acesso. Esse “mundo ético”,

ativado por meio da leitura, é um estereótipo cultural que subsume determinado

número de situações estereotípicas associadas a comportamentos. A

publicidade, por exemplo, apoia-se, incisivamente, em estereótipos tais como: o

mundo ético dos executivos, dos esnobes, das estrelas de cinema. No âmbito

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da música, Maingueneau (2008b, p. 65) assevera que a passagem da simples

inclusão de um cantor em um clip tem o efeito de inserir o fiador em um mundo

ético específico.

Diante disso, Maingueneau propôs designar com o termo “incorporação”

a maneira pela qual o destinatário em posição de interprete – ouvinte ou leitor –

apropria-se desse ethos, que pode operar sob três registros indissociáveis:

- a enunciação da obra confere uma “corporalidade” ao fiador, ela lhe dá corpo; - o destinatário incorpora, assimila um conjunto de esquemas que correspondem a uma maneira específica de relacionar-se com o mundo habitando seu próprio corpo; - essas duas primeiras incorporações permitem a constituição de um corpo, da comunidade imaginária daqueles que aderem a um mesmo discurso. (MAINGUENEAU, 2008b, p. 65)

De acordo com Maingueneau (2008b, p. 66), não podemos considerar o

ethos da mesma forma em qualquer texto. A “incorporação” não é o processo

uniforme, uma vez que ela se modula em função dos gêneros e dos tipos de

discurso. O ethos, em um texto escrito, não implica necessariamente uma

relação direta com um fiador encarnado, socialmente determinável.

Para Charaudeau e Maingueneau (2008, p. 272), recorrendo a essa

noção, recusa-se fazer o destinatário um simples consumidor de ideias ou de

informações, já que ele acede a uma maneira de ser por meio de uma maneira

de dizer.

Para Maingueneau (2008b, p. 69), a adesão do destinatário se opera por

um apoio recíproco da cena da enunciação (da qual o ethos participa) e do

conteúdo apresentado. Desse modo, o destinatário se incorpora a um mundo

associado a determinado imaginário do corpo, e este mundo é configurado por

uma enunciação assumida a partir desse corpo. Para esse autor, em uma

perspectiva de análise do discurso, não podemos nos contentar, como na

retórica tradicional, “em fazer do ethos um meio de persuasão: ele é parte

pregnante da cena de enunciação, como o mesmo estatuto que o vocabulário ou

os modos de difusão que o enunciado implica por seu modo de existência”.

(MAINGUENEAU, 2008b, p. 69-70)

Por meio do ethos, o destinatário está convocado a um lugar inscrito na

cena da enunciação que o texto implica. De acordo com Charaudeau e

Maingueneau (2008, p. 95), a noção de cena de enunciação, em Análise do

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Discurso, é frequentemente empregada em concorrência com a situação de

comunicação, e essa enunciação acontece num espaço instituído. Assim,

quando se menciona o termo cena de enunciação, é relevante ressaltar que a

enunciação não acontece somente em um espaço instituído, definido pelo

gênero de discurso, mas também sobre a dimensão construtiva do discurso que

se coloca em cena e instaura seu próprio espaço de enunciação. Essa “cena de

enunciação” compõe-se de três cenas, que Maingueneau (2005, p. 75) se propôs

a chamar de cena englobante, cena genérica e cenografia:

A cena englobante corresponde ao tipo de discurso; ela confere ao discurso seu estatuto pragmático: literário, religioso, filosófico... A cena genérica é a do contrato associado a um gênero, a uma “instituição discursiva”: o editorial, o sermão, o guia turístico, a visita médica... Quanto à cenografia, ela não é imposta pelo gênero, ela é construída pelo próprio texto: um sermão pode ser enunciado por meio de uma cenografia professoral, profética etc. Há gêneros do discurso cujas cenas de enunciação se reduzem à cena englobante e à cena genérica: o despacho administrativo ou os relatórios do especialista, por exemplo, se conformam às rotinas de uma cena genérica fixa. Outros gêneros do discurso têm maior possibilidade de suscitar cenografias que se afastam de um modelo preestabelecido. (MAINGUENEAU, 2008, p. 75)

Conforme Maingueneau (2001, p. 86), a cena englobante é aquela que

atribui um estatuto pragmático ao tipo de discurso a que pertence um texto, por

exemplo, quando se recebe um panfleto, o leitor deve ser capaz de identificar a

que tipo de discurso esse panfleto pertence: religioso, político, publicitário etc., e

se colocar para interpretá-lo, seja como consumidor, seja como sujeito de direito

etc.

A cena genérica é definida pelo contrato associado a um gênero ou a um

subgênero de discurso, como, por exemplo, o editorial, o sermão, o guia turístico

etc. Cada um desses gêneros do discurso implica uma cena específica como,

por exemplo, papéis para seus parceiros, um suporte material, uma finalidade,

um modo de circulação e, além disso, uma circunstância, seja no espaço, seja

no tempo.

Já a cenografia não é imposta pelo tipo de discurso, tampouco pelos

gêneros do discurso, mas, instituída pelo próprio discurso. Assim, a cenografia

está atrelada a cada enunciação específica de um momento específico. De

acordo com Maingueneau (2008b, p. 70), a cenografia é a cena de fala que o

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discurso pressupõe para poder ser enunciado e que, por sua vez, deve validar

por meio de sua própria enunciação: qualquer discurso, por seu próprio

desenvolvimento, pretende instituir a situação de enunciação que o torna

pertinente. Então, é possível dividir os gêneros de discurso em uma linha

contínua que teria dois polos extremos:

- De um lado, os gêneros que se atêm a sua cena genérica, que não admitem cenografias variadas (a lista telefônica, as receitas médicas etc). - De outro, os gêneros que, por sua natureza, exigem a escolha de uma cenografia: é o caso dos gêneros publicitários, literários, filosóficos... Há publicidades que apresentam cenografias de conversação, outras, de discurso científico etc. Assim, há grande diversidade de cenografias narrativas em um romance. O discurso político é igualmente propício à diversidade das cenografias: um candidato poderá falar a seus eleitores como jovem executivo, como tecnocrata, como operário, como homem experiente etc., e conferir os “lugares” correspondentes a seu público. (MAINGUENEAU, 2008b, p. 70)

Entre esses dois extremos, situam-se, segundo Maingueneau (2008b, p.

70), os gêneros suscetíveis de cenografias variadas, mas que frequentemente

mantêm sua cena genérica rotineira. Para exemplificar isso, o autor menciona

uma cena genérica rotineira dos manuais universitários, “mas o autor de um

manual sempre tem a possibilidade de enunciar por meio de uma cenografia que

se afasta dessa rotina; por exemplo, formulando seu ensinamento por meio da

cenografia de um romance de aventura.” (MAINGUENEAU, 2008b, p. 70)

A cenografia, desse modo, implica um processo de enlaçamento

paradoxal. Logo de início, a fala supõe uma certa cena de enunciação que, na

realidade, vai sendo validada progressivamente por meio da própria enunciação.

Desse modo, a cenografia é, ao mesmo tempo, a fonte de onde o discurso

emerge e aquilo que ele engendra: ela legitima um enunciado que, por sua vez,

deve legitimá-la, deve estabelecer que essa cena de onde a fala surge é

precisamente a cena necessária e requerida para enunciar, como convém, a

política, a filosofia, a ciência... São os conteúdos desenvolvidos pelo discurso

que permitem especificar e validar o ethos, bem como a cenografia, por meio

dos quais esses conteúdos surgem. (MAINGUENEAU, 2005, p. 77)

Com intuito de exemplificar isso, Maingueneau (2008b, p. 71) alude que,

quando um cientista se exprime como tal na televisão, por meio de uma

enunciação como refletido, ele se mostra imparcial etc., ao mesmo tempo em

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seu ethos e no conteúdo de suas palavras. Procedendo dessa maneira, define,

por sua vez, implicitamente, o que é o verdadeiro cientista, e opõe-se ao anti-

ethos correspondente.

O ethos do discurso decorre da interação de diversos fatores, entre os

quais: ethos pré-discursivo, ethos discursivo (ethos mostrado), e dos fragmentos

de texto nos quais o enunciador evoca sua própria enunciação diretamente

(ethos dito) – ou indiretamente, por meio de metáforas ou de alusões a outras

cenas da fala.

A distinção entre ethos dito e ethos mostrado se inscreve nos extremos

de uma linha contínua, uma vez que é impossível definir uma fronteira nítida

entre o “dito” sugerido e o puramente “mostrado” pela enunciação. “O ethos

efetivo, o que tal ou qual destinatário constrói, resulta da interação dessas

diversas instâncias, cujo peso respectivo varia segundo os gêneros de discurso.”

(MAINGUENEAU, 2008b, p. 71).

Conforme podemos verificar, no quadro que segue, a flecha dupla no

esquema indica que há interação.

QUADRO 4

(MAINGUENEAU, 2008b, p. 71)

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De acordo com Maingueneau (2008a, p. 18-19), “o ethos de um discurso

resulta da interação de diversos fatores: ethos pré-discursivo, ethos discursivo

(ethos mostrado), mas também os fragmentos do texto nos quais o enunciador

evoca sua própria enunciação (ethos dito) – diretamente.”

O dito é aquele concebido por meio das referências diretas ao

enunciador em que ele mostra diretamente suas características, dizendo que é

essa ou aquela pessoa, enquanto o mostrado, de forma indireta, estaria no

domínio daquilo que não é explicitado, da imagem que não está diretamente

incluída no texto e que não é dito diretamente pelo enunciador, mas reconstituído

e inferido pelas pistas fornecidas por ele no discurso e seguidas pelo co-

enunciador, ou seja, pelo destinatário ou enunciatário.

O ethos pré-discursivo se refere à imagem que o coenunciador constrói

do enunciador, antes mesmo que este pronuncie algo. Na base do esquema,

estão os estereótipos, por meio dos quais o co-enunciador lança mão para

representações culturais fixas, de modelos pré-construídos para atribuir algumas

características e não outras ao enunciador. De acordo com Maingueneau, cada

conjuntura histórica se caracteriza por um regime específico de éthe.

Segundo Maingueneau (2005, p. 74), uma das principais dificuldades

que a concepção de ethos traz é que supõe um ethos que poderia ser chamado

de escritural em oposição ao tradicional ethos oral. Para o pesquisador, trata-se

de fato de dois regimes muito diferentes, já que o segundo impõe a fala imediata

de um locutor encarnado, enquanto o primeiro necessita que o leitor faça um

trabalho de elaboração imaginária a partir dos indícios textuais diversificados.

Diante disso, o autor acha conveniente distinguir:

Um postulado segundo o qual qualquer discurso, seja qual for seu modo de inscrição material, implica uma “vocalidade” e uma relação com um fiador associado a uma corporalidade e a um caráter, mesmo que sejam fantasmáticos; postulado válido mesmo para os discursos que pretendem eliminar qualquer traço de tal fiador. Uma diversificação do ethos em razão das especificidades dos tipos de gêneros de discursos; é claro que o discurso filosófico atribui a priori um papel menor ao ethos do que o discurso literário, político ou publicitário. É por isso, por exemplo, que, ao evidenciar um ethos profético, um autor como Nietszche estabelece uma distância em relação às formas de enunciação usuais em filosofia. (MAINGUENEAU, 2005, p. 74)

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O enunciador, de acordo com Maingueneau (op. cit., p. 75), não é um

ponto de origem estável que se expressaria dessa ou daquela maneira, mas é

condicionado a um quadro profundamente interativo, em uma instituição

discursiva que exige uma certa configuração cultural e, consequentemente,

exige papéis, momentos legítimos de enunciação, lugares e, além disso, um

modo de circulação para o enunciado.

Levando em consideração esses preceitos, na perspectiva da Análise do

Discurso, Maingueneau (2005, p. 75) elucida que não se pode contentar-se,

como na retórica, em fazer do ethos um meio de persuasão, pois ele é parte

constitutiva da cena enunciativa, com o mesmo estatuto que o vocabulário ou os

modos de difusão que o enunciado implica por seu modo de existência. O

discurso pressupõe essa cena de enunciação para poder ser enunciado e, “por

seu turno, ele deve validá-la por sua própria enunciação; qualquer discurso, por

seu próprio desdobramento, pretende instituir a situação de enunciação que o

torna pertinente.” (MAINGUENEAU, 2005, p. 75)

Diante de tudo isso, podemos depreender que a concepção de ethos, na

perspectiva da Análise do Discurso, está relacionada a diversos elementos

discursivos: tom, caráter e corporalidade, elementos constituintes da cenografia

do discurso e, além disso, aos estereótipos que influenciam na formação da

imagem que o enunciador deseja passar ao seu co-enunciador, ou enunciatário.

Por isso, não devemos ligar essa noção de ethos somente ao

enunciador. Ele também se apresenta como uma categoria interativa, assim

como as categorias e os objetos do discurso, que são marcados por

instabilidades constitutivas por meio das operações cognitivas nas práticas

sociais e nas negociações dentro das interações. Isso ocorre porque a imagem

do enunciador está atrelada às expectativas de um auditório particular que

direciona tanto o discurso como as escolhas lexicais do enunciador.

Assim, desde que haja enunciação, alguma coisa da ordem do ethos

encontra-se liberada, já que é por meio de sua fala que um locutor ativa no

intérprete a construção de determinada representação de si mesmo, “pondo em

risco o domínio sobre sua própria fala; é-lhe necessário, então, tentar controlar,

mais ou menos confusamente, o tratamento interpretativo dos signos que ele

produz.” (MAINGUENEAU, 2008b, p. 73)

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2.3.2 O ethos para Charaudeau

Para Charaudeau (2011, p. 113), a questão do ethos origina-se da

Antiguidade quando Aristóteles propôs dividir os meios discursivos que

influenciam o auditório em: logos, de um lado, pertencente ao domínio da razão

e torna possível convencer; o ethos e o pathos, de outro, pertencentes ao

domínio da emoção e, por isso, tornam possível emocionar.

O linguista ressalta que a noção de ethos foi retomada e definida por

pesquisadores da Análise do Discurso. Charaudeau (2011, p. 114) menciona

que retomará, por conta própria, essa noção, inscrevendo-se nessa filiação,

tentando, entretanto, esclarecer dois pontos de sua definição que são objetos de

debate. O primeiro é “enquanto construção da imagem de si, o ethos liga-se à

pessoa real que fala (o locutor) ou à pessoa como ser que fala (o enunciador)?”

O segundo questionamento é “A questão da imagem de si concerne apenas ao

indivíduo ou pode dizer respeito a um grupo de indivíduos?” (CHARAUDEAU,

2011, p. 114)

No que se refere ao primeiro ponto, o linguista alude que se encontram

duas posições desde a Antiguidade. De um lado, na filiação de Isócrates, de

Cícero e dos retóricos da Idade Clássica, existem aqueles para quem o ethos é

um dado preexistente ao discurso, uma vez que, “para eles, parece virtuoso,

sincero e amável quando se é, de fato, virtuoso, sincero e amável.”

(CHARAUDEAU, 2011, p. 114)

Por outro lado, levando em consideração os preceitos de Aristóteles, para

quem o orador deve evidenciar os seus traços de personalidade ao auditório,

não importando com a sua sinceridade para causar boa impressão, há os

adeptos de uma concepção de que o ethos é inscrito no ato de enunciação, ou

seja, no discurso do próprio sujeito que fala.

Essa última posição é defendida pelos analistas do discurso, que situam

o ethos na aparência do ato da linguagem, no que o sujeito falante dá a ver e a

entender. Então, o ethos está relacionado ao exercício da palavra, ao papel a

que corresponde seu discurso, e não ao indivíduo real, que pode ser apreendido

isoladamente de sua atividade oratória.

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Desse antagonismo entre os que advogam em favor de um ethos prévio,

chamado também de pré-discursivo, e os que são partidários de um ethos

discursivo, surge a questão do sujeito linguageiro.

Segundo Charaudeau (2011, p. 115), ele é somente um ser feito de

discurso, somente um ser social empírico, ou ambos? E, nesse caso, um teria

precedência sobre o outro? Para esse pesquisador, deve-se levar em conta os

dois aspectos para tratar do ethos.

O ethos, enquanto imagem que se liga àquele que fala, não é propriedade

exclusivamente dele; ele é antes de tudo a imagem de que se transveste o

interlocutor a partir daquilo que diz.

Assim, para construir a imagem do sujeito que fala, esse outro apoia-se

ao mesmo tempo nos dados preexistentes ao discurso, isto é, o que se sabe a

priori do locutor, bem como nos dados trazidos pelo próprio ato de linguagem.

Charaudeau (2011, p. 118) salienta que ethos é o resultado de uma

encenação sociolinguageira que depende dos julgamentos cruzados que os

indivíduos de um grupo social fazem uns dos outros ao agirem e falarem. Ele

reforça também que podemos identificar, nos diferentes discursos, construções

distintas de ethos como o de sério, de virtuoso, de competente, de potente, de

caráter, de humanidade, de chefe, de solidariedade e de Inteligência. Neste

trabalhado, explanaremos o ethos de inteligência, concebido para caracterizar a

imagem do político, mas que, nesta pesquisa, é adotado para identificar o ethos

de inteligência de Mainardi a partir dos elementos intertextuais encontrados em

suas crônicas.

O ethos de inteligência faz parte dos ethé de identificação na medida em

que pode provocar o fascínio e o respeito dos indivíduos por aqueles que

demostram tê-lo e assim os faz aderir a ele. As imagens desses ethé de

identificação são extraídas do afeto social: o cidadão, mediante um processo de

identificação irracional, funda sua identidade na do político.

Para Charaudeau (2011, p. 137), tentar descrever e classificar os tipos de

imagens que caracterizam o ethos de identificação é uma questão bastante

delicada, uma vez que elas se destinam a tocar o maior número de indivíduos,

que são heterogêneos e bastante vagos do ponto de vista dos imaginários. É por

esse motivo que muitos políticos, conscientes disso, jogam com valores opostos

e até contraditórios: tal político vai querer mostrar concomitantemente que é

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tradicional, mas também moderno; sincero, porém igualmente sagaz; poderoso,

entretanto simultaneamente modesto etc.

Mesmo que haja uma polivalência de imagens, Charaudeau (2011, p. 138)

destaca que é possível elencar algumas, entre as mais recorrentes, que

caracterizam o ethos de identificação do discurso político. Umas são mais

voltadas para si mesmas, pois supostamente refletem os traços que definem e

essencializam os políticos enquanto pessoas são: o ethos de “potência”, o ethos

de “caráter”, o ethos de “inteligência” e o ethos de “humanidade”. Além desses,

acrescentam-se o ethos de “chefe” e o ethos de “solidariedade”, como imagens

orientadas para o outro, já que há uma necessária relação entre si e o outro.

Para Charaudeau (2011, p. 145), a inteligência é um aspecto muito difícil

de ser definido, entretanto, nesse caso, trata-se de considerá-la um imaginário

coletivo que testemunha o modo como os membros de um grupo social a

concebem e a valorizam. Nesse ethos, duas figuras que se opõem disputam a

primazia, mesmo que, muitas vezes, elas existam em um mesmo indivíduo: o

nível cultural e a associação entre a astúcia e a malícia.

A primeira está relacionada, pelo menos na França, ao preceito honnête

homme cultive, segundo o qual o homem culto não pode ser senão um homem

de bem. Essa figura está relacionada ao capital cultural que o político herdou de

formação e de seu meio social, mas deve ser confirmada pelos comportamentos

atuais. Sua formação, sua presença em manifestações artísticas, em

exposições ou em programas culturais corroboram para a figura de um

intelectual.

A outra, mais complexa e sutil de ser determinada, é a astúcia ou, antes,

a malícia. Essa figura se refere a um saber jogar com o ser e o parecer: “saber

dissimular certas intenções, fazer crer que se tem certos objetivos para melhor

atingir seus fins.” (CHARAUDEAU, 2011, p. 146). Para a realização de certos

projetos, o político não pode revelar todas as suas pretensões. Assim, algumas

vezes, ele simulará ir a uma determinada direção e logo depois tomará outro

caminho completamente oposto. Desse modo, é empregada sempre quando é

necessário camuflar algumas intenções a fim de realizar projetos relevantes. A

astúcia se faz acompanhar sempre por certa dose de embuste, assim como

ilustram as fábulas de La Fontaine.

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A malícia pode ser notada de maneira positiva quando testemunha a

sutileza e a habilidade do político; as eventuais trapaças que ele praticar lhe

seriam perdoadas em nome da necessária eficácia, como, por exemplo,

candidatar-se a um mandato eleitoral para colaborar com um candidato do

mesmo grupo político, depois se retirar; ou ainda concordar com um adversário

e, entretanto, tomar a decisão contrária. Será notada de maneira negativa

quando a astúcia for colocada a serviço da dissimulação ou da simulação moral

que permite ao político envolver-se em negócios corruptos, bem como desviar

bens públicos, fabricando, sempre uma imagem de virtude.

Charaudeau (2011, p. 147) ressalta que, desde “a honesta dissimulação”

de Platão passando pela “virtude da insinceridade” celebrada por Baltasar

Gracián, para quem a inteligência passa pela arte do saber dizer entre ficção,

dissimulação e fingimento, esse comportamento sempre foi objeto de um

julgamento ambivalente, variável conforme as culturas, pois, se a razão o

explica, a moral o condena. Sendo, porém, o ethos um fator de imagem de si, o

que é relevante é saber o que essa imagem esconde.

Para ilustrar isso, Charaudeau (2011, p. 148) retoma a obra de Maquiavel

a fim de esclarecer que esse autor do Renascimento era bem consciente desse

fato ao se recusar a confundir as qualidades que o príncipe deveria ter e as que

ele deveria mostrar: “‘Contudo um príncipe não precisa possuir todas as

qualidades citadas, basta que aparente possuí-las.’ Assim deixa entender que

se pode ser, ao mesmo tempo, astuto e digno de fé, o que constitui valor do

poderoso.” (CHARAUDEAU, 2011, p. 148).

Nesse sentido, O ethos de inteligência de Mainardi será concebido a

partir da presença dos inúmeros intertextos, recorrentes em seu modo de

enunciar, em suas crônicas. Esses elementos intertextuais revelam a imagem de

alguém com um capital cultural bastante produtivo, ratificando, desse modo, a

figura de um intelectual que circula por diferentes áreas do conhecimento.

Em linhas gerais, o que vimos neste capítulo foram os pressupostos que

constituem a base para o nosso trabalho. Revisitamos conceitos da

Semiolinguística do Discurso, apresentamos os preceitos inerentes à

Intertextualidade até chegarmos à noção de Ethos Discursivo. O próximo

capítulo, referente à metodologia, demostrará o procedimento da análise, bem

como o tratamento dado ao corpus e aos dados.

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3. METODOLOGIA

O corpus deste trabalho é constituído por 213 crônicas produzidas por

Diogo Mainardi, entre os anos de 2006 e 2010, e publicadas na revista semanal

Veja. Desse total, em 194 textos, encontramos diálogos com outros textos,

caracterizados como intertextos. Em muitos deles, Mainardi empregou mais de

um elemento intertextual, totalizando, desse modo, 519 ocorrências compostas

de intertextualidade explícita, implícita, autotextualidade, intergenérica e

estilística.

Conforme já mencionamos, na introdução deste trabalho, as análises

serão de caráter qualitativo e quantitativo, com intuito de melhor aproveitarmos

os dados, bem como de garantir, de maneira mais precisa, a confirmação das

hipóteses levantadas para a feitura desta investigação.

Escolhemos analisar um ethos de Mainardi pelo fato de verificarmos uma

peculiaridade em seus textos: a inclusão do discurso alheio no seu discurso

próprio por meio do recurso intertextual. Esse fenômeno, muito recorrente em

quase todos os textos analisados, sinaliza a imagem de alguém com um

repertório cultural produtivo e constitui uma marca explícita na construção de

suas crônicas. As crônicas que compõem o corpus desta pesquisa foram

retiradas do site http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx, que

corresponde ao acervo digital da revista Veja, onde se pode consultar cada texto

analisado neste trabalho.

Nessa perspectiva, consideraremos como intertexto, para a nossa

análise, o exemplo que aparece no fragmento da crônica Meus fantasmas,

publicada em 1º de dezembro de 2010:

Há um episódio de Scooby-Doo ambientado em Veneza. No desenho

animado, ele é perseguido pelo Gondoleiro Fantasma, que quer roubar

um colar precioso. O fantasma de Eleonora Duse, que mora aqui comigo,

é bem menos molesto.

Não teremos dificuldade em reconhecer como uma situação de

intertextualidade o diálogo tecido com o personagem do desenho animado de

mesmo nome Scoody-Doo, criado, em 1969, por Iwao Takamoto e produzido

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pela Hanna-Barbera, uma vez que ele pertence a uma obra produzida

anteriormente, bem como faz parte da memória discursiva dos interlocutores.

Entretanto, não poderemos conceber como intertexto a menção à atriz italiana

Eleonora Duse, uma vez que ela não representa personagem de nenhuma obra

para que a ocorrência possa se configurar um diálogo intertextual. Dessa

maneira, só consideraremos como intertexto casos em que em um determinado

texto remeta a outros textos, com os quais estabelece algum tipo de relação e

não simplesmente pelo fato de fazer menção a pessoas relacionadas a

diferentes áreas do conhecimento.

Nossa metodologia pautou-se na seguinte abordagem: trata-se de uma

pesquisa indutiva, já que analisaremos as ocorrências individualizadas por meio

de dados singulares para chegarmos a um plano mais geral. Por conseguinte,

percorreremos o caminho do particular para o mais amplo, demonstrando que

as diferentes manifestações intertextuais corroboram para identificarmos o ethos

de inteligência do cronista Mainardi, na perspectiva de Charaudeau (2011).

Na análise qualitativa, exporemos de que maneira o fenômeno intertextual

aparece dentro de uma cena enunciativa de interação verbal, reconhecendo os

sujeitos inseridos nessa troca comunicativa, bem como avaliando a imagem

construída pelo sujeito enunciador. Para isso, analisaremos a crônica Vou

embora, publicada em 28 de julho de 2010, baseando-nos em alguns preceitos da

Semiolinguística do Discurso, principalmente os de Contrato de Comunicação e

Modos de Organização do Discurso, de Patrick Charaudeau, pressupostos da

Linguística Textual, mais especificamente de Intertextualidade, de Koch, Bentes

e Cavalcante, além de alguns postulados da Análise do Discurso desenvolvidos

por Dominique Maingueneau referentes ao ethos discursivo.

Na análise quantitativa, mostraremos o número de ocorrências do

fenômeno intertextual identificados no corpus. Assim, para apresentarmos esses

dados, pesquisamos trechos que continham marcas de intertextualidade

explícita, de intertextualidade implícita, de autotextualidade, de intertextualidade

intergenérica e de intertextualidade estilística. Desse modo, verificamos os

diálogos intertextuais, nas crônicas de Mainardi, e contabilizamos todas as

ocorrências.

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Como havia muitos intertextos explícitos e implícitos de diferentes áreas do

conhecimento, categorizamos cada caso de intertextualidade agrupando-o à sua

respectiva área com o propósito de comprovarmos as nossas hipóteses.

Constatamos, então, que as marcas de intertextualidade explícitas

dialogavam com 22 áreas do conhecimento, dentre as quais: política, meios de

comunicação – divididos em revistas, jornais e mídias emergentes –, literatura,

também dividida em livros e escritores já que, em alguns casos, o cronista

mencionava apenas o escritor, sem aludir à obra e vice-versa, música, desenho

animado, televisão, cinema, direito, história, arte visual, filosofia, ensaio,

economia, antropologia, pesquisa científica, ciência, sociologia, dramaturgia e

física.

Já os fenômenos intertextuais implícitos referiam-se a 10 áreas do

conhecimento: música, desenho animado, cinema, literatura, dividida novamente

em livros e escritores, frases consagradas, arte visual, movimento cultural,

pesquisa científica, religião.

Isso feito, tabulamos todos os dados, construímos gráficos que mostram o

emprego de intertextos ano a ano e os que exibem os dados gerais do corpus

com intuito de comprovarmos, de maneira mais precisa, as nossas hipóteses

arroladas. Separamos também, em forma de tabela, três exemplos de cada área

do conhecimento para exemplificarmos de que modo o cronista utilizou os

intertextos. Para os casos em que não temos três exemplos, mostraremos todas

as ocorrências encontradas no corpus.

Nessa perspectiva, acreditamos que a combinação do método qualitativo e

quantitativo caminha para uma análise mais abrangente e completa, atendendo,

desse modo, o objetivo desta investigação. Os resultados desta pesquisa

estarão expostos, no próximo capítulo, destinado à análise dos dados.

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4. ANÁLISE DOS DADOS

4.1 Análise qualitativa

Para a análise qualitativa, leiamos a crônica Vou embora, publicada em

28 de julho de 2010:

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Levando em consideração alguns preceitos da Semiolinguística do

Discurso, principalmente os de Contrato de Comunicação e Modos de

Organização do Discurso, de Patrick Charaudeau, pressupostos da Linguística

Textual, mais especificamente de Intertextualidade, de Koch, Bentes e

Cavalcante, além de alguns postulados da Análise do Discurso desenvolvidos

por Dominique Maingueneau referentes ao ethos discursivo, passamos à

análise.

Sabemos que o enunciador lança mão de estratégias argumentativas e

de procedimentos linguístico-discursivos para criar efeitos de sentido de verdade

ou de realidade com intuito de persuadir o seu interlocutor. Nessa perspectiva, o

enunciador, neste caso Mainardi, organiza sua estratégia discursiva em função

de um jogo de imagens que ele faz do seu interlocutor. “É em razão desse

complexo jogo de imagens que o falante usa certos procedimentos

argumentativos e não outros.” (FIORIN, 2007, p. 18)

Podemos pensar, então, que o cronista sabe que o seu interlocutor já

conhece os temas tratados em sua crônica, seu modo de enunciar, bem como

comunga das ideias propagadas por ele na defesa de seu posicionamento

acerca de um determinado fato.

Charaureau (2007, p. 24) elucida que um modelo de análise do discurso

deve dar conta de todos os atos de linguagem, tanto de diálogos quanto de textos

escritos. Logo de início, devemos distinguir as características do Contrato de

Comunicação, pois são elas que definem o ato de linguagem em sua função e

finalidade comunicativas. O texto em apreço é uma crônica, publicada em uma

revista impressa e, por isso, está inserido em uma situação, em que os parceiros

não estão fisicamente em presença nem há um contato de troca imediata.

Por conseguinte, neste Contrato de Comunicação, que diz respeito ao

gênero crônica, o texto é de caráter monológico porque tanto Mainardi quanto o

seu leitor estão ligados por um contrato de troca postergada. Nesse ato de

linguagem, o sujeito produtor é Mainardi, e o sujeito receptor é o leitor desse

cronista.

No caso da crônica Vou embora, podemos identificar que a função desse

texto é deixar o leitor de Mainardi a par da mudança do cronista para a Itália,

país onde residirá com sua família.

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Pelo fato de ambos se reconhecerem, devido à partilha de saberes, o

primeiro escreve para o segundo que interpreta o primeiro. Temos, então,

identificado o primeiro princípio básico que fundamenta todo o ato comunicativo,

segundo Charaudeau: o princípio da alteridade.

O outro princípio que compõe o ato de comunicação é o princípio da

identidade, que, segundo esse pesquisador, é mais complexo, já que, além de

articularem dados biológicos e psicossociais, o indivíduo tem duas identidades:

a social e a discursiva.

A identidade social de Mainardi está atrelada à figura do cronista da

revista Veja. A identidade discursiva está relacionada à imagem de um indivíduo

que tem o direito à palavra e que, por intermédio dela, constrói a imagem de

escritor polêmico que aborda os acontecimentos do cotidiano e que também

critica, principalmente, os fatos ligados à política.

Vale ressaltar, entretanto, que este trabalho se dedica a tratar apenas da

imagem de um escritor inteligente e não a de um escritor polêmico, que poderia

ser matéria de uma outra pesquisa.

Levando em consideração essas duas identidades, encontram-se os

quatro sujeitos identificados por Charaudeau: ligados aos seres sociais estão os

sujeitos que “fazem”, ou seja, o EU comunicante (EUc) – Mainardi, o ser “de

carne e osso” – e o TU interpretante (TUi) – o leitor de suas crônicas, também

ser “de carne e osso”; ligados aos seres discursivos, estão os sujeitos que

“dizem”, isto é, o EU enunciador (EUe) – o falante/escritor ideal, o ser discursivo

– e o TU destinatário (TUd) – o ouvinte/leitor ideal. O EUe é, portanto, uma

imagem construída pelo sujeito produtor da fala (EUc) – neste caso, “o ser de

carne e osso” Mainardi – e representa seu traço de intencionalidade, nesse ato

de produção de linguagem.

No título da crônica – Vou embora –, Mainardi já nos dá pistas sobre a

temática de que tratará em seu texto: a sua saída do Brasil. Em seguida, o EUc

produz atos de linguagem construindo a imagem de um EUe que apresenta o

personagem da obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, descrevendo o retirante

da seguinte forma:

Fabiano, o retirante de Vidas Secas, é igual a um bicho. Graciliano Ramos

compara-o a um cavalo. Ele compara-o também a um tatu, a um macaco,

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a um cachorro e a um pato. Se Fabiano é igual a um bicho, eu sou igual

a Fabiano. Está lá, na primeira parte do romance:

“A sina [de Fabiano] era correr mundo, andar para cima e para baixo, à

toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca. Achava-

se ali de passagem, era hóspede. Sim senhor, hóspede que tomava

amizade à casa, ao curral, ao chiqueiro das cabras”.

Todo o ato de linguagem envolve diferentes estratégias para o EUc,

responsável por um certo efeito de discurso, produzido sobre o interpretante, que

tem inúmeras possibilidades interpretativas.

Nessa perspectiva, podemos inferir que muitos efeitos de sentido são

produzidos pela recorrência aos intertextos, como acontece na crônica em

estudo. No entanto, para o TUi identificar a imagem de Mainardi, construída pelo

EUe, como a de uma pessoa culta, com um vasto saber em diferentes áreas do

conhecimento, não basta apenas a ocorrência de elementos intertextuais.

É necessário que o TUi também comungue desse mesmo conhecimento

para que ele identifique, por meio desse recurso, a imagem de um sujeito

inteligente. Logo, o TUi também necessita conhecer a obra de Graciliano Ramos

para que o diálogo intertextual faça sentido, bem como perceber o conhecimento

de Mainardi em relação à literatura brasileira.

À medida que avançamos na leitura do texto, no terceiro parágrafo,

observamos que o EUc constrói a imagem de um EUe crítico quando relata a

sua saída do Rio de Janeiro, depois de residir oito anos no bairro de Ipanema,

que se tornou, para ele, como ocorreu com Fabiano, um chiqueiro de cabras,

conforme podemos ler:

Oito anos depois de desembarcar no Rio de Janeiro, de passagem, estou

indo embora. Um vagabundo empurrado pela vagabundagem. É uma

sina: andar para cima e para baixo, à toa. Sim senhor, tomei amizade à

cidade. O Rio de Janeiro — e, em particular, Ipanema, que me hospedou

— tornou-se para mim um verdadeiro chiqueiro das cabras.

Mais adiante, identificamos uma outra passagem em que Mainardi –

através de EUe – narra um episódio de sua família no aeroporto Tom Jobim,

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comparando-a à família de Fabiano, protagonista de Vidas Secas. Nela,

observamos a menção a seu filho mais velho e à dificuldade do menino em

andar, dificuldade que se deve a uma paralisia cerebral.

Temos, nesse excerto, mais um efeito de discurso produzido pelo EUc

sobre o seu interpretante, quando EUe compara os meninos de Mainardi aos

meninos de Fabiano, pois, na obra, os filhos desse personagem não têm nome,

são tratados apenas por “menino mais novo” e “menino mais velho”. Vejamos a

passagem:

Eu, minha mulher, o menino mais velho e o menino mais novo vagamos

rumorosamente pelos corredores desertos do aeroporto Tom Jobim, onde

avultam as ossadas e o negrume da Air France.

Nesse mesmo fragmento, observamos que o EUc novamente faz uma

crítica, por meio de uma linguagem conotativa, à companhia aérea Air France,

pelo acidente ocorrido, durante o voo entre a cidade do Rio de Janeiro e Paris,

em que a aeronave se despenhou no Oceano Atlântico, com 228 pessoas, na

noite de 31 de maio de 2009.

Depois disso, o EUc provoca mais um efeito de discurso em seu texto, ao

recorrer, por três vezes, à comparação, para igualar os seus atos aos de

Fabiano, conforme podemos observar:

Fabiano tem medo de ser preso. Eu também tenho medo de ser preso.

Fabiano tinha uma cadela chamada Baleia. Eu vi uma baleia, algumas

semanas atrás, no mar de Ipanema. Fabiano, para matar a fome, acaba

comendo seu papagaio. Eu, antes de ir embora do Rio de Janeiro, tratei

de comer todas as sobras da geladeira, inclusive um ovo de Páscoa

coberto de bolor.

Levando em consideração que, no ato de linguagem, há uma situação de

troca, é relevante analisarmos a crônica com base no modelo de estruturação

dos atos de linguagem nos três níveis propostos por Charaudeau: situacional,

comunicacional e discursivo.

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Assim, os atos de linguagem que constituem a crônica em análise têm

como finalidade anunciar a mudança do cronista Mainardi para outro país. A

identidade dos parceiros dessa troca comunicativa caracteriza-se pela presença

do (EUc), o cronista Mainardi e o (TUi), o leitor ideal da crônica.

O domínio do saber refere-se à mudança do cronista para outro país. Por

último, o dispositivo, que corresponde às circunstâncias pelas quais ocorre a

troca comunicativa equivale à revista Veja. Assim, esses dados configuram o

primeiro nível de estruturação do ato de linguagem: o nível situacional.

Já o nível comunicacional de estruturação do discurso, que se refere ao

lugar onde estão determinadas as maneiras de falar (escrever) e aos papéis

linguageiros dos sujeitos, pode ser identificado no texto por meio da intercalação

entre o texto do próprio Mainardi e os fragmentos retirados da obra Vidas Secas

de Graciliano Ramos. Além disso, pode ser reconhecido também pela constante

comparação do cronista com o retirante Fabiano.

O nível discursivo de estruturação do ato de linguagem constitui o lugar

de intervenção do sujeito enunciador que deve atender a determinadas

condições para a realização. Esse nível é identificado a partir das seguintes

características de Mainardi:

a) Ele é detentor de legitimidade, o que lhe confere o direito de informar

seu leitor sobre a sua partida do Brasil. A autoridade de anunciar a sua saída

desse país lhe é atribuída pela revista Veja, da qual ele é cronista.

b) Mainardi também tem credibilidade, pelo fato de escrever para a revista

por mais de 10 anos, o que lhe permite ser um cronista polêmico, que aborda

qualquer tema em suas crônicas e que, para informar que vai embora, compara-

se, o tempo todo, com o personagem Fabiano, o retirante de Vidas Secas. Essa

credibilidade pode ainda ser atribuída ao cronista pelo fato de ele ter recebido,

em 1990, o prêmio Jaboti pela publicação, em 1989, de seu livro Malthus.

c) O cronista atende à condição de captação, na medida em que busca a

persuasão e a sedução de seu leitor. Para isso, na crônica em apreço, ele utiliza

a atitude de dramatização, já que ele descreve fatos relacionados aos dramas

de sua vida, comparando a sua história com a do protagonista de um livro

clássico da literatura brasileira.

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Desse modo, temos as três condições: legitimidade, credibilidade e

captação, para a constituição do terceiro nível do modelo de estruturação dos

atos de linguagem, ou seja, o nível discursivo.

No que se refere ao gênero crônica em relação ao Contrato de

Comunicação em que ela se constitui, temos um texto que se assemelha ao texto

exclusivamente informativo. Assim como o repórter, o cronista busca inspiração

nos fatos cotidianos para construir a base da crônica.

No entanto, há elementos que distinguem um texto do outro. O cronista

inspira-se nesses acontecimentos diários, dando-lhes um toque próprio,

incluindo textos com elementos ficcionais, fantasiosos, além de tecer críticas aos

fatos mencionados em seus escritos, elementos que não encontramos no texto

essencialmente informativo.

A crônica de Mainardi tem como temática a sua partida do Brasil,

juntamente com sua mulher e seus dois filhos, depois de viver por oito anos na

cidade do Rio de Janeiro.

Mainardi, ao longo da crônica, emprega elementos intertextuais para

comparar-se ao protagonista do romance de Graciliano Ramos e narra alguns

episódios vividos por ele como, por exemplo, ter visto uma baleia recentemente,

comer ovo de Páscoa coberto de bolor, vagar pelos corredores do aeroporto Tom

Jobim e morar em Ipanema.

Em relação às características formais da crônica, na maioria dos casos, é

um texto narrado em primeira pessoa em que o cronista dialoga com o seu leitor.

É comum que a linguagem seja espontânea, simples, que se situe entre a

oralidade e a escrita. Essas características podem ser observadas nas seguintes

passagens:

Eu, minha mulher, o menino mais velho e o menino mais novo vagamos

rumorosamente pelos corredores desertos do aeroporto Tom Jobim, onde

avultam as ossadas e o negrume da Air France. Quando o menino mais

velho, que caminha com um andador, resolve empacar, recusando-se a

dar um passo a mais, eu digo, sim senhor:

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Conforme podemos verificar, o texto de Mainardi segue o espaço de

restrições do contrato de comunicação por apresentar a construção

composicional do gênero crônica.

No que tange aos Modos de Organização do Discurso, identificamos,

nessa crônica, as três funções do modo enunciativo: alocutiva, elocutiva e

delocutiva, além do modo descritivo, narrativo e argumentativo.

Vejamos que, nos fragmentos abaixo, podemos perceber o

comportamento alocutivo, isto é, aquele em que o sujeito falante enuncia a sua

posição em relação ao interlocutor ao empregar o verbo no modo imperativo:

Depois de comparar Fabiano a um cavalo, a um tatu, a um macaco, a um

cachorro e a um pato, Graciliano Ramos, nos instantes finais, apieda-se

e, bisonhamente, humaniza-o. Fabiano sonha em parar de andar para

cima e para baixo, à toa. O que eu digo? Eu digo:

— Anda, excomungado.

O comportamento elocutivo, aquele em que o locutor enuncia o seu ponto

de vista, foi empregado pelo cronista para comparar os atos de Fabiano aos

seus, conforme podemos observar no seguinte excerto:

Fabiano tem medo de ser preso. Eu também tenho medo de ser preso.

Fabiano tinha uma cadela chamada Baleia. Eu vi uma baleia, algumas

semanas atrás, no mar de Ipanema. Fabiano, para matar a fome, acaba

comendo seu papagaio. Eu, antes de ir embora do Rio de Janeiro, tratei

de comer todas as sobras da geladeira, inclusive um ovo de Páscoa

coberto de bolor.

Por último, temos o comportamento delocutivo, aquele em que o locutor

se apaga de seu ato de enunciação e não implica o seu interlocutor, conforme

podemos ler na passagem que segue:

“A sina [de Fabiano] era correr mundo, andar para cima e para baixo, à

toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca. Achava-

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se ali de passagem, era hóspede. Sim senhor, hóspede que tomava

amizade à casa, ao curral, ao chiqueiro das cabras”.

Com o intuito de cumprir a finalidade comunicativa, Mainardi descreve,

narra e argumenta, empregando, desse modo, os quatro modos de organização

do discurso. O modo descritivo, que tem por finalidade qualificar e identificar um

elemento do processo de comunicação, pode ser encontrado na seguinte

passagem:

Quando o menino mais velho, sedento e faminto, cai na lama rachada,

tomado por uma vertigem que o impede de dar um passo a mais, Fabiano

diz:

— Anda, excomungado.

O modo narrativo, aquele que constrói a sequência de ações segundo

uma lógica acional que vai constituir a trama da história, pode ser identificado no

seguinte excerto:

Eu, minha mulher, o menino mais velho e o menino mais novo vagamos

rumorosamente pelos corredores desertos do aeroporto Tom Jobim, onde

avultam as ossadas e o negrume da Air France. Quando o menino mais

velho, que caminha com um andador, resolve empacar, recusando-se a

dar um passo a mais, eu digo, sim senhor:

— Anda, excomungado.

Já o modo argumentativo pode ser verificado no seguinte fragmento:

Se Fabiano é igual a um bicho, eu sou igual a Fabiano

Verificamos, então, que, para construir seu texto, o cronista recorre a

todos os modos de organização do discurso, valendo-se deles para informar sua

partida de modo inusitado – comparando-se com um pobre retirante.

No que se refere ao espaço de estratégias (ou manobras), que todo

Contrato de Comunicação permite que seja construído, podemos verificar

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algumas estratégias empregadas, pelo colunista, em seu texto. Uma delas é o

emprego de vozes alheias, ou seja, Mainardi utiliza o recurso da intertextualidade

explícita numa proporção muito maior em relação à sua voz na narrativa da

partida, o que não é muito comum, ainda que se trate de uma crônica.

Assim, ele relembra mais a saga de Fabiano do que a sua própria saída

do país, mostrando a história triste do personagem. Como ele compara

constantemente a sua saga a de Fabiano, a sua saga também se torna triste.

Provavelmente o objetivo do cronista tenha sido deixar o seu leitor apreensivo

com sua partida, fato que lhe daria certo prazer, por sentir-se importante naquilo

que faz.

Em relação à identificação dos elementos intertextuais, encontramos

várias passagens em que o EUc retoma a história dos retirantes, com o

deslocamento do protagonista Fabiano, do romance Vidas Secas, de Graciliano

Ramos, para comparar à sua saída do Brasil.

Por conseguinte, podemos verificar um exemplo de intertextualidade

explícita – já que há menção do texto fonte – na seguinte passagem:

“A sina [de Fabiano] era correr mundo, andar para cima e para baixo, à

toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca. Achava-

se ali de passagem, era hóspede. Sim senhor, hóspede que tomava

amizade à casa, ao curral, ao chiqueiro das cabras”.

Além dessa passagem intertextual, há outras empregadas pelo EUc ao

logo do texto, em que é possível identificarmos a analogia que o enunciador faz

com o romance regionalista de 30, empregando a comparação tanto para se

igualar a Fabiano quanto para igualar a sua família com os personagens desse

romance. No excerto que segue, Mainardi descreve a sua família da mesma

forma que Graciliano Ramos descreve a de Fabiano. Vejamos:

Os quatro protagonistas de Vidas Secas — Fabiano, Sinhá Vitória, o

menino mais velho e o menino mais novo — vagam silenciosamente pela

caatinga, “onde avultam as ossadas e o negrume dos urubus”. Quando o

menino mais velho, sedento e faminto, cai na lama rachada, tomado por

uma vertigem que o impede de dar um passo a mais, Fabiano diz:

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— Anda, excomungado.

Eu, minha mulher, o menino mais velho e o menino mais novo vagamos

rumorosamente pelos corredores desertos do aeroporto Tom Jobim, onde

avultam as ossadas e o negrume da Air France. Quando o menino mais

velho, que caminha com um andador, resolve empacar, recusando-se a

dar um passo a mais, eu digo, sim senhor:

— Anda, excomungado.

No que concerne à noção de ethos, Maingueneau (2008a) apresenta dois

conceitos importantes. O primeiro diz respeito ao fiador, cuja figura o leitor deve

construir a partir de diversas ordens, principalmente, por meio da voz que se

deixa falar na instância subjetiva, associando-se a uma cenografia explicitada,

por meio de um tom, que o enunciador demonstra ao seu enunciatário.

Esse fiador pode ser comparado ao sujeito enunciador (EUe), o falante/

escritor ideal, que corresponde a uma imagem que o sujeito comunicante (EUc),

sujeito real, deseja transmitir no ato de comunicação.

Podemos dizer que o sujeito interpretante (TUi), que conhece a história e

os textos de Mainardi, sabe que esse cronista aborda temas relacionados à

sociedade e à política em suas crônicas. Esse mesmo TUi reconhece que os

escritos de Mainardi são carregados de ironia, de sarcasmo, de polêmica e de

intertextualidade, empregados pelo cronista para unir temas aparentemente

díspares, com intuito de enriquecer sua narrativa, de construir seus argumentos

e de atingir o propósito comunicativo que deseja.

Desse modo, o leitor (TUi), por meio da imagem prévia que tem do locutor,

constrói representações, antes mesmo que este pronuncie algo. Temos aqui o

que Maingueneau chama de ethos pré-discursivo.

Além disso, podemos constatar que os estereótipos, representações

culturais fixas, de modelos pré-construídos, que interage com diversos fatores

para a construção do ethos, estão presentes nessa imagem prévia. Podemos

associar esses estereótipos principalmente a partir das características do

cronista encontradas em seu texto: irônico, polêmico, crítico e inteligente.

O segundo conceito importante apresentado por Maingueneau referente

ao ethos é o de incorporação, empregado para conceituar a relação que o ethos

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estabelece entre o discurso e o seu destinatário. Para o linguista, a incorporação

não é uniforme, e o enunciatário está convocado a um lugar inscrito na cena da

enunciação, ou melhor, na situação de comunicação, que ocorre num lugar

instituído e é composta por três cenas: cena englobante, cena genérica e

cenografia.

No que concerne a essas cenas, podemos identificar que a cena

englobante desse texto analisado é de dupla filiação, uma vez que o tempo e o

espaço curtos permitem-nos atribuir a um tratamento literário com temas

veiculados na mídia. Nesse sentido, podemos relacionar essa cena englobante

ao que Charaudeau denomina espaço de restrições do contrato de

comunicação.

A cena genérica, definida pelo contrato associado a um gênero textual,

contribui para a formação da opinião do leitor a respeito de fatos ou temas

apresentados por Mainardi.

Conforme já aludimos anteriormente, o gênero textual crônica geralmente

é um texto curto. A sátira, a ironia, o uso da linguagem coloquial, os elementos

intertextuais, a exposição dos sentimentos e a reflexão sobre o que se passa

estão presentes nas crônicas. Vejamos um fragmento dessa crônica em que

identificamos a sátira:

Eu, antes de ir embora do Rio de Janeiro, tratei de comer todas as sobras

da geladeira, inclusive um ovo de Páscoa coberto de bolor.

Nessa perspectiva, levando em consideração a cenografia, um dos

elementos que compõem a cena enunciativa, podemos pensar que Diego

Mainardi, ao conceber essa crônica, recorre a uma determinada cenografia

visando à persuasão de seu leitor. Como exemplo disso, temos a referência à

obra Vidas Secas e às inferências tecidas por ele ao longo de seu texto Vou

embora ao comparar a sua ida para a Itália com a viagem da família de Fabiano,

protagonista do romance de Graciliano Ramos.

Como o gênero textual crônica não requer uma construção composicional

padrão, é comum verificarmos o emprego de diversas estratégias de que o

escritor lança mão para concebê-lo, principalmente de elementos intertextuais,

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100

e de outros recursos linguísticos que servem para colocar as marcas de

subjetividade do escritor.

Assim, podemos identificar essas estratégias com o que Charaudeau

denomina espaço de estratégia (ou de manobra), já que o cronista percorreu um

caminho bem diferente daquele que identificamos geralmente em uma crônica,

mas que todo contrato de comunicação permite que isso seja construído.

Desse modo, a cena de enunciação integra essas três cenas: a

englobante, a genérica e a cenografia. Juntas, elas compõem um quadro

dinâmico que torna possível a enunciação de um determinado discurso.

Como o contrato de comunicação exige um saber compartilhado para o

mínimo entendimento entre as partes envolvidas no ato comunicativo, vale

ressaltar que a referência, nesse caso o intertexto, é uma atividade que implica

cooperação dos coenunciadores e poderá malograr, caso o coenunciador, por

exemplo, se engane de referente. (MAINGUENEAU, 2001, p. 179-180)

Por isso, reconhecemos que os intertextos, tanto os explícitos quanto os

implícitos, são de extrema relevância para que os efeitos de sentido do texto

sejam atingidos, além de podermos tecer inúmeras relações discursivas com os

fios de significados já existentes para a construção desse ethos. Destacamos,

entretanto, que o texto em estudo apresentou somente um tipo de

intertextualidade – a explícita –, estando os outros tipos presentes em outras

crônicas do corpus.

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4.2 Análise quantitativa

Nesta seção, explanaremos os dados referentes à quantidade de

elementos intertextuais encontrados no corpus que compõe este trabalho. Em

nossa pesquisa, não analisaremos a intertextualidade tipológica, uma vez que

todo texto não é homogêneo em relação à tipologia textual. Em todas as

crônicas, encontramos diferentes tipos textuais empregados nos textos de

Mainardi. Assim, seria inviável analisar esse tipo de intertextualidade que não

contribuiria para o propósito desta pesquisa.

Cabe ressaltar também que não analisaremos a intertextualidade temática,

já que todas as crônicas, de uma forma ou de outra, retomam temas que foram

veiculados em diferentes meios de comunicação na época em que foram

escritas. Algumas crônicas apresentam mais de um tema, isto é, mais de um

assunto veiculado em diferentes meios de comunicação no momento em que

foram elaboradas, dificultando, dessa forma, uma análise mais precisa devido a

uma infinidade de temas presentes nesse gênero textual.

Desse modo, acreditamos que esses dois tipos de intertextualidade não

contribuiriam para o objetivo desta investigação que é o reconhecimento de um

ethos discursivo por meio das referências intertextuais, ou seja, de textos que

dialogam com outros textos.

Nessa perspectiva, apresentaremos os dados inerentes aos elementos

intertextuais entre os anos de 2006 e 2010 por meio de gráficos. Mostraremos

gráficos relativos a cada ano, com a identificação da porcentagem de cada tipo

de intertextualidade encontrada nos textos, bem como a quantidade de

intertextos relativos às diferentes áreas do conhecimento com as quais o cronista

lançou mão para construir suas crônicas.

Essas diferentes áreas do conhecimento com as quais os textos de

Mainardi dialogam referem-se à política, aos meios de comunicação (jornais,

revistas e mídias emergentes – que se referem à soma de novas tecnologias e

métodos de comunicação para se diferenciar dos canais de comunicação

tradicionais como TV, radiodifusão, imprensa). Os textos também relacionam-se

ao direito, à música, à literatura (livros e escritores), ao cinema, à televisão, à

antropologia, à sociologia, à história, ao ensaio, à ciência, à pesquisa científica,

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à filosofia, à economia, à arte visual, à física, à dramaturgia, ao desenho

animado, a frases consagradas, à religião e aos movimentos culturais.

Optamos por dividir os fenômenos intertextuais relativos à literatura em

livros e escritores, pelo fato de muitos intertextos dialogarem apenas com os

livros ou com personagens que neles aparecem, sem mencionar o escritor, ou,

muitas vezes, referir-se ao escritor sem aludir a qualquer obra que foi escrita por

ele.

É relevante ressaltar que não construiremos gráficos com intuito de

mostrar a quantidade de intertextos relacionados à autotextualidade, pelo fato de

o cronista referir-se aos seus próprios textos e não tecer diálogos com nenhuma

área de conhecimento. Da mesma forma, não elaboraremos gráficos para

evidenciar a intergenericidade nem a intertextualidade estilística, pois, em nossa

análise, encontramos somente uma ocorrência de cada tipo, o que tornaria

inviável a construção de gráficos específicos para expor tais casos.

Nessa perspectiva, mostraremos todos os dados relativos ao ano de 2006

até 2010, construiremos um gráfico em que reuniremos todos os dados do

corpus na seção intitulada Dados gerais da análise. Nessa parte, exibiremos o

número total de intertextos, com a porcentagem de cada tipo de

intertextualidade. Depois, apontaremos, por meio de gráficos, a quantidade de

intertextos relativos a cada área do conhecimento, identificados tanto na

intertextualidade explícita quanto na implícita.

Por fim, apresentaremos os intertextos relacionados às diferentes áreas

do conhecimento a que Mainardi fez referência, por meio de uma tabela, em que

demonstraremos a quantidade do fenômeno intertextual inerente a cada área,

bem como transcreveremos 3 fragmentos de intertextos para clarificar de que

maneira o cronista utilizou esse recurso linguístico-discursivo em suas crônicas.

Para os intertextos com menos de 3 casos, apresentaremos todas as ocorrências

encontradas no corpus desta pesquisa.

4.2.1 Dados do ano de 2006

No ano de 2006, encontramos 124 elementos intertextuais nos textos de

Mainardi. Desse total, identificamos 104 casos de intertextualidade explícita, que

correspondem a 84% das ocorrências, 16 exemplos de intertextualidade

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implícita, equivalentes a 13% dos elementos intertextuais identificados, 3 casos

de autotextualidade, correspondentes a 2% dos dados e apenas um caso de

intertextualidade intergenérica, condizente a 1% dos intertextos encontrados nas

crônicas, publicadas naquele ano, conforme podemos visualizar neste gráfico 1:

Gráfico 1

Os gráficos seguintes mostram o número de ocorrências de

intertextualidade explícita (104 casos) e implícita (16 ocorrências),

respectivamente, as áreas do conhecimento das quais Mainardi lançou mão para

dialogar, por meio do recurso intertextual, em seus textos, bem como o número

das ocorrências em que os elementos intertextuais relacionados a essas áreas

apareceram nas crônicas desse articulista no ano de 2006. Nesse ano, dos 104

casos de intertextualidade explícita, textos que dialogam com política foram o

que mais encontramos nas crônicas de Mainardi e os que tiveram menor

incidência foram os intertextos referentes à arte visual, à ciência, a desenho

animado, ao direito e à filosofia, conforme podemos observar no Gráfico 2:

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Gráfico 2

Dos 16 casos da intertextualidade implícita, a maior recorrência foi de

intertextos relacionados à música, com 6 ocorrências, e a menor foi inerente à

arte visual, com apenas 1 caso. Ainda, neste mesmo ano, encontramos

intertextos que dialogam com cinema, com 2 ocorrências, com desenho

animado, com 3 recorrências, além de elementos intertextuais relacionados a

livros, com 4 casos. Vejamos o gráfico 3:

Gráfico 3

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4.2.2 Dados do ano de 2007

Em 2007, identificamos 138 ocorrências de intertextualidade nos textos

publicados por Mainardi na revista Veja. Dentre eles, encontramos 121 casos de

intertextualidade explícita, condizentes a 88% das ocorrências de intertextos, 10

exemplos de autotextualidade, que equivalem a 7% e 7 ocorrências de

intertextualidade implícita, que correspondem a 5% dos dados daquele ano, de

acordo com o Gráfico 4:

Gráfico 4

Em relação à intertextualidade explícita, identificamos 121 ocorrências,

que dialogam com intertextos de 19 áreas do conhecimento. O recurso

intertextual mais recorrente empregado por Mainardi, neste ano de 2007, foi

também o relacionado a intertextos que dialogam com a política. Os intertextos

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explícitos, que apareceram com menor frequência, foram os relacionados à

economia, à filosofia e à pesquisa científica. Observemos o Gráfico 5:

Gráfico 5

No que se refere à intertextualidade implícita, verificamos 7 casos no ano

de 2007. Em 3 deles, o cronista dialoga com textos relacionados à música e, em

4 ocorrências, com intertextos que aludem a desenho animado, conforme

podemos identificar no Gráfico 6:

Gráfico 6

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4.2.3 Dados do ano de 2008

No ano de 2008, encontramos 120 fenômenos de intertextualidade nas

crônicas de Diogo Mainardi. Desse total, verificamos 111 casos de

intertextualidade explícita, correspondentes a 92% dos dados desse ano, 8

ocorrências de intertextualidade implícita, que equivalem a 7% de intertextos e

apenas um caso de autotextualidade, que representa 1% dos elementos

intertextuais identificados, como podemos verificar no Gráfico 7:

Gráfico 7

No que se refere à intertextualidade explícita, identificamos 111

ocorrências, com intertextos referentes a 18 áreas do conhecimento. A maior

incidência de intertextos explícitos refere-se, igualmente, a textos que dialogam

com a política, com 39 fenômenos intertextuais. A menor está atrelada a textos

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relacionados à arte visual, à economia, à física e à pesquisa científica. Vejamos

o Gráfico 8:

Gráfico 8

No que tange à intertextualidade implícita, encontramos 8 casos de

intertextos, dentre os quais, 4 aludem a textos relacionados a cinema e 4

ocorrências referentes a fenômenos intertextuais que fazem menção a frases

consagradas e amplamente reconhecidas, conforme podemos identificar no

Gráfico 9:

Gráfico 9

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4.2.4 Dados do ano de 2009

Identificamos 96 fenômenos intertextuais no ano de 2009. Dentre esses

recursos, encontramos 86 recorrências de intertextualidade explícita, o que

corresponde a 90% de todos os dados desse ano. Além disso, verificamos 8

casos de intertextualidade implícita, condizentes a 8%, e apenas 2 casos de

autotextualidade, o que equivalem a 2% dos intertextos presentes nos textos de

Mainardi, como podemos ler no Gráfico 10 a seguir:

Gráfico 10

No que tange à intertextualidade explícita, identificamos 86 ocorrências,

com intertextos que dialogam com 14 áreas do conhecimento. O diálogo

intertextual mais utilizado por Mainardi em suas crônicas, em 2009, foi, mais uma

vez, com textos inerente ao campo da política. Os intertextos explícitos que

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apareceram com menor incidência foram os relacionados ao ensaio e à

economia. Eis o Gráfico 11:

Gráfico 11

Em relação aos elementos intertextuais implícitos, identificamos 8 casos

desses intertextos, 2 deles relacionados a movimento cultural, 2 a escritores e 2

a desenho animado. Além disso, encontramos apenas 1 ocorrência para

intertextos relacionados à música e somente 1 para intertexto que se refere à

arte visual conforme podemos visualizar no Gráfico 12:

Gráfico 12

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4.2.5 Dados do ano de 2010

No ano de 2010, identificamos 44 elementos intertextuais presentes nas

crônicas de Mainardi. Desse montante, temos 36 ocorrências de

intertextualidade explícita, que correspondem a 82% dos dados desse ano, 7

casos de intertextualidade implícita, condizentes a 16%, do total de intertextos e

apenas 1 caso de intertextualidade estilística, representando 2% dos fenômenos

de intertextualidade presentes nos textos, conforme podemos ler no Gráfico 13:

Gráfico 13

Em relação à intertextualidade explícita, encontramos 36 casos,

distribuídos em intertextos que se referem a 13 áreas do conhecimento.

Novamente os intertextos que se referem à política foram os que tiveram a maior

incidência, com 6 casos. As menores incidências, com apenas 1 ocorrência,

foram verificadas em intertextos inerentes à arte visual, à filosofia, à música e à

televisão. Leiamos o Gráfico 14:

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Gráfico 14

No que se refere à intertextualidade implícita, identificamos 7 casos, com

3 incidências para textos relacionados a cinema. As demais ocorrências referem-

se a textos inerentes à pesquisa científica, à literatura e à religião, com apenas

1 registro para cada uma dessas áreas. Vejamos o Gráfico 15:

Gráfico 15

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4.2.6 Dados gerais da análise

No que se refere aos dados relativos a todos os elementos intertextuais

identificados entre os anos de 2006 a 2010, encontramos 458 fenômenos

intertextuais explícitos, correspondentes a 88% das ocorrências, 46 intertextos

implícitos, que equivalem a 9 %, 13 casos de autotextualidade, condizentes a

3%, apenas 1 caso de intertextualidade intergenérica e 1 ocorrência de

intertextualidade estilística, ambos representando 0,2% do total de intertextos

evidenciados no corpus desta pesquisa. Vejamos o Gráfico 16 que evidencia

esses dados.

Gráfico 16

Observamos, portanto, com esse resultado, que a hipótese, de acordo

com a qual Mainardi utilizaria mais intertextos explícitos em relação aos

intertextos implícitos é corroborada.

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A diferença entre os resultados de 88% da intertextualidade explícita em

relação aos 9% da intertextualidade implícita é muito expressiva, e pode ser

explicada porque a explícita não exige de nós muito esforço. Diferentemente da

intertextualidade explícita, a implícita demanda mais atenção, exige-nos uma

maior capacidade de realizarmos as inferências necessárias para a

compreensão integral do texto lido.

Como sabemos, para que o texto tenha sentido, é necessário que as

partes envolvidas, no ato comunicativo, tenham um saber compartilhado, já que

a referência implica a cooperação do enunciador e do enunciatário. Caso isso

não ocorra, certamente, haverá um fracasso nesse empreendimento

comunicativo. De acordo com Fiorin (2007, p. 41), “todos os discursos têm uma

função citativa em relação a outros discursos. Por isso, ele não é único e

irrepetível. Na medida em que é determinado pelas formações ideológicas, o

discurso cita outros discursos.”

Nessa mesma perspectiva, Fiorin (2007, p. 45) salienta que se um

discurso cita outro discurso, ele não é um sistema fechado, mas um lugar de

trocas comunicativas, em que a história pode inscrever-se, já que é um espaço

conflitual e heterogêneo ou um espaço de reprodução. Desse modo, um discurso

pode aceitar, implícita ou explicitamente, outro discurso, rejeitá-lo num tom

irônico ou reverente.

É por esse motivo que o discurso é o espaço onde se reproduz o conflito

ou a heterogeneidade, logo, as relações interdiscursivas podem ser contratuais

ou polêmicas. Assim como um discurso cita outro discurso, um texto também

pode citar outro texto e as relações entre os textos também podem ser

contratuais ou polêmicas.

Para Fiorin (2007, p. 48), “quando um discurso cita outro discurso, os

textos que os veiculam não precisam necessariamente remeter um ao outro, mas

quando um texto cita outro texto, os discursos veiculados por eles também se

citam.” Assim, texto e discurso são ambos arena de conflitos e palco de acordo.

Os demais tipos de intertextualidade – autotextualidade, intergenérica e

intertextualidade estilística – não contribuem para a identificação do ethos de

inteligência. Um fato que nos chama à atenção em relação ao emprego de

intertextos é a quantidade de elementos intertextuais dos quais Mainardi lançou

mão para escrever suas crônicas. Se compararmos a quantidade de intertextos

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do ano de 2006 em relação aos demais, veremos que o número de elementos

intertextuais empregado pelo cronista foi decrescendo, uma vez que, em 2006,

verificamos 126 ocorrências e, em 2010, apenas 44.

Observemos agora o Gráfico 17 que nos mostra a porcentagem de cada

área do conhecimento empregada, nos textos, por meio da intertextualidade

explícita.

Gráfico 17

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116

Dos 458 elementos intertextuais explícitos encontrados nas crônicas de

Mainardi entre 2006 e 2010, identificamos que a maior incidência de intertextos

dialoga com textos relacionados à política, correspondentes a 25% das

ocorrências. Portanto, a hipótese, consoante a qual, dentre os recursos

intertextuais empregados por Mainardi, a referência a intertextos da área política

seria o recurso mais recorrente em seus textos também é confirmada. Isso

evidencia a imagem de alguém com um repertório cultural no âmbito da política

bastante amplo, já que a quantidade de elementos intertextuais utilizados em

suas crônicas é muito significativa.

Os intertextos explícitos relacionados aos meios de comunicação também

expressam um resultado considerável, já que os intertextos que dialogam com

textos publicados em revistas representam 11% dos casos encontrados no

corpus, seguidos de 10% das ocorrências inerentes aos textos que remetem aos

textos jornalísticos, de 8% de intertextos que se reportam às mídias emergentes

e de 4% de elementos intertextuais que se referem à televisão. Nessa direção,

a hipótese, de acordo com a qual o cronista revelaria um grande conhecimento

de informações veiculadas nas mídias (jornais, revistas e outros meios de

comunicação) também é comprovada.

Mainardi, em suas crônicas, dialoga com textos veiculados em diferentes

mídias, isso pode ser confirmado pelos números, pois, se juntarmos os

percentuais das mídias aludidas, teremos um total de 33% de intertextos

explícitos relativos a essa área do conhecimento.

Uma outra hipótese que pode ser ratificada é a de que Mainardi

evidenciaria um vasto saber no campo literário, tendo em vista o número de

diálogos intertextuais com obras, escritores e personagens da literatura nacional

e universal que observamos na análise. Os intertextos explícitos que evidenciam

o diálogo tecido com livros correspondem a 9% das ocorrências e os fenômenos

intertextuais que aludem a escritores equivalem a 6%. Esses resultados

condizem a 15% dos elementos intertextuais explícitos que remetem ao âmbito

da Literatura.

Ainda, diante desse quadro, percebemos o diálogo intertextual com outras

áreas do conhecimento, a saber: 5% de intertextos explícitos relacionados à

música, 4% a desenho animado, 4% ao cinema, 3% ao direito, 3% à história, 2%

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à arte visual, 1% à filosofia, 1% a ensaio, 1% à economia, 1% à antropologia, 1%

à pesquisa científica, 1% à sociologia e 0% à dramaturgia e à física.

A hipótese, de acordo com a qual o cronista demonstraria conhecimento

em relação à cultura e à arte também pode ser corroborada, uma vez que o

cronista empregou muitos intertextos que remetem à arte visual, à música, ao

cinema, à história e a outras áreas que confirmam, nos textos de Mainardi, um

repertório cultural producente.

Vejamos, no Gráfico 18, o número de ocorrências de intertexto explícito

de cada área do conhecimento que encontramos no corpus da pesquisa.

Gráfico 18

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Com intuito de exemplificarmos os intertextos explícitos empregados pelo

cronista, ilustraremos cada uma das áreas mencionadas com 3 fragmentos,

retirados de diferentes crônicas, a fim de visualizarmos de que maneira Mainardi

utilizou esses fenômenos intertextuais em seus textos.

Iniciaremos essa apresentação mostrando os fenômenos intertextuais que

tiveram maiores ocorrências, isto é, em ordem decrescente. Na tabela que

segue, além dos fragmentos dos intertextos, exporemos a quantidade de

ocorrências, o título do texto de onde foi extraída a passagem intertextual, bem

como a data da publicação da crônica, conforme podemos verificar:

Fragmentos com intertextos explícitos referentes à política: 115

ocorrências

O lulismo-lelé (12 de julho, 2006)

(1) (...) Em seu discurso, Lula lembrou como foi escolhido para presidir o

sindicato dos metalúrgicos do ABC, em 1975. Pelo que Lula contou no

congresso de economia solidária, os metalúrgicos o escolheram por meio de

um "curso de psicodrama".

De acordo com Lula, ele tinha um concorrente ao cargo. Os dois foram

incitados pelo psicodramista a representar suas visões do sindicato. O

concorrente de Lula montou nas costas de um companheiro e imitou um avião.

Lula, como sempre mais banal, como sempre mais dissimulado, simplesmente

pediu aos metalúrgicos que formassem uma roda e dessem as mãos.

Eu gosto do Império (26 de março, 2008)

(2) (...) A guerra no Iraque acaba de completar cinco anos. Em seu discurso

no Pentágono, George W. Bush reconheceu a impopularidade do conflito,

repetiu que os Estados Unidos acertaram ao derrubar Saddam Hussein e

acrescentou que se trata de uma guerra que pode e tem de ser vencida. Os

americanos erraram tudo nesses cinco anos. Erraram militarmente, erraram

politicamente, erraram estrategicamente.

Caetés é aqui, não lá (22 de outubro, 2008)

(3) (...) Nicolas Sarkozy também participou do cerco aos Estados Unidos. Ele

é Alarico I. Depois de se reunir com os líderes de outros países europeus, ele

sugeriu reformar o sistema financeiro global, com a finalidade de criar o "novo

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capitalismo". O que diferencia o novo capitalismo do velho capitalismo? O novo

capitalismo é – como dizer? – menos capitalista. Segundo Nicolas Sarkozy, o

sistema financeiro, em vez de pensar somente em acumular dinheiro, tem de

passar a favorecer o bem-estar coletivo. Nessa nova ordem mundial, os

americanos, depauperados e subalternos, precisam aprender a gerir a

economia com Guido Mantega.

Nos exemplos expostos, observamos a menção a textos relacionados à

política. Na passagem (1), temos o discurso de Lula proferido na abertura de um

congresso de economia solidária. Em (2), identificamos enunciados de George

W. Bush, no Pentágono, sobre a impopularidade do conflito dos Estados Unidos

com o Iraque. No excerto (3), vemos a fala do ex-presidente da França, Nicolas

Sarkozy, sobre o sistema financeiro global.

Fragmentos com intertextos explícitos retirados de Revistas: 49

ocorrências

Virei Capitão Diego (18 de janeiro de 2006)

(4) (...) O último número da revista Caros Amigos tem uma longa entrevista

com José Dirceu. Ele declara que eu, capitão Diego, represento "uma mancha

na história da imprensa brasileira". Ele declara também que sou um "dedo-

duro, igual aos da época da ditadura, que dedavam as pessoas para serem

torturadas e assassinadas".

Na entrevista a Caros Amigos, José Dirceu repete a lorota de que foi

condenado sem provas, e de que é uma vítima de ‘linchamento político e

denuncismo’. Para ele, ‘estamos vivendo uma fase macarthista’. O melhor

exemplo desse macarthismo, segundo ele, são aqueles meus dois artigos do

fim do ano passado, em que denunciei alguns colaboracionistas da imprensa.

Na entrevista a Caros Amigos, ele manda um recado tranquilizador aos seus

antigos parceiros. Ele afirma que não é um dedo-duro. Não é um capitão

Diego. Ficará de boca calada. Desde que os outros fiquem de boca calada a

respeito dele.

A imundície continua lá (7 de novembro, 2007)

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(5) (...) A revista italiana Panorama acaba de publicar uma reportagem

reconstruindo todos os eventos. Em 8 de abril de 2003, Marco Bonera foi

encarregado de transportar 300 000 dólares a Brasília. De acordo com seu

depoimento, ele alugou um helicóptero, voou à capital e entregou o malote de

dinheiro a duas pessoas num quarto do hotel Blue Tree. Sucessivamente,

segundo ele, essas duas pessoas distribuiriam a propina a uma série de

políticos relacionados numa lista.

Gugu e o galo amarelo (13 de agosto, 2008)

(6) (...) Paulo Coelho declarou à Playboy que é o mais importante intelectual

brasileiro. É mesmo. Compare-o aos demais. Em termos de ideias e de

linguagem, sua obra não é mais vexatória do que a de Antonio Candido.

Depois de declarar que era o mais importante intelectual brasileiro, Paulo

Coelho pediu ao repórter: "Refaz a frase para que eu não pareça arrogante".

Em relação aos fragmentos de intertextos retirados de revistas, no trecho

(4), temos a menção da entrevista dada por José Dirceu à revista Caros Amigos

em que ele afirma que Mainardi é “uma mancha na história da imprensa

brasileira". No fragmento (5), o cronista aborda a matéria veiculada na revista

italiana Panorama sobre a distribuição de propina a vários políticos brasileiros.

Em (6), temos uma declaração dada à Playboy pelo escritor Paulo Coelho em

que ele se considera o mais importante intelectual brasileiro.

Fragmentos com intertextos explícitos retirados de Jornais: 48

ocorrências

Corre, Diogo, corre (15 de agosto, 2007)

(7) Correr é de direita? Quem se perguntou isso foi o jornal Libération. Os

franceses entendem do assunto. O conceito de direita e de esquerda foi criado

por eles 200 anos atrás. Se eles dizem que correr é de direita, acredite: correr

é de direita. Um especialista citado pelo jornal declarou que a corrida passa a

ideia de desempenho e de individualismo, valores tradicionalmente associados

à direita.

O que desencadeou a reportagem do Libération foi o fato de o presidente

Nicolas Sarkozy ter o costume de correr. Pior: ele costuma correr com a

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camiseta do Departamento de Polícia de Nova York. Sarkozy é um

representante da direita. Logo, correr é de direita. Descartes se orgulharia do

rigor intelectual de seus compatriotas.

Como acabei no New York Times (19 de novembro, 2008)

(8) (...) Eu ando incomodado com o New York Times. A cobertura que o jornal

fez da campanha eleitoral americana furtou-se cuidadosamente a abordar

assuntos que poderiam prejudicar a candidatura de Barack Obama. Larry

Rohter foi o correspondente do New York Times no Brasil por oito anos. Ele

sabe como é a nossa imprensa. Em Deu no New York Times, ele mostra como,

ao contrário do que acontece na imprensa brasileira, a imprensa americana

acredita que um governante tem de ser submetido a uma profunda devassa,

tanto de sua vida pública quanto de sua vida pessoal, porque "o pessoal é

político e o político é pessoal". No caso da cobertura da campanha de Barack

Obama, o New York Times e o resto da imprensa americana adotaram um

comportamento legitimamente brasileiro. O presidente do Brasil – como é

mesmo o nome dele? – dispunha de um esbirro especializado em abafar as

matérias comprometedoras de Larry Rohter: Bernardo Kucinski. Barack

Obama parece ter um Bernardo Kucinski entranhado danosamente, como uma

giárdia, em cada jornal e em cada emissora de TV dos Estados Unidos.

Cof, cof, cof... (10 de dezembro, 2008)

(9) Benjamin Steinbruch, dono da CSN, publicou na Folha de S.Paulo um

artigo intitulado "Expectadores da recessão". Assim mesmo: "expectadores"

com "xis". Tenho expectorado continuamente desde setembro, quando meu

menorzinho me passou uma tosse. Por isso, o artigo de Benjamin Steinbruch

me fez refletir profundamente. Se entendi direito, Benjamin Steinbruch

pertence ao partido dos pneumococos keynesianos. Cito um trecho de seu

artigo: "Até a semana passada, pacotes para estimular investimentos e

consumo num total de 3 trilhões de dólares já haviam sido anunciados por

diferentes governos. No Brasil, o caminho é o mesmo. Uma vez que não temos

por aqui nenhum problema de solidez no sistema financeiro, a tarefa é

direcionar recursos a empreendedores públicos ou privados que efetivamente

tenham coragem e competência para gastá-los de forma produtiva".

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Um outro recurso intertextual muito utilizado por Mainardi foi o emprego,

em suas crônicas, de textos publicados em diferentes jornais tanto do âmbito

nacional quanto do internacional. Na passagem (7), temos a referência ao jornal

francês Libération, cuja matéria faz alusão ao conceito de direita e esquerda no

âmbito político. Em (8), identificamos matérias veiculadas pelo jornal New York

Times inerentes à campanha eleitoral americana. No excerto (9), temos menção

a um artigo de Benjamin Steinbruch, publicado na Folha de São Paulo sobre o

sistema financeiro do Brasil.

Fragmentos com intertextos explícitos que dialogam com Livros: 42

ocorrências

Dois pesos para dois “crioulos” (11 de julho, 2007)

(10) (...) Se a patrulha racial se firmar no Brasil, ela acabará banindo de nossa

história tanto as marchinhas de Carnaval da década de 1950 quanto Casa-

Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Ela banirá igualmente todos aqueles

que se recusarem a se enquadrar: na escola, no trabalho, nas artes, na

pesquisa científica, na vida pública.

A minha enxaqueca (5 de março, 2008)

(11) (...) Lewis Carroll inspirou-se em sua enxaqueca para imaginar Alice no

País das Maravilhas, com a protagonista que cresce e encolhe. Eu, quando

tenho um ataque, limito-me a cambalear até o banheiro, abrir a torneira da pia

e engolir um comprimido de cloridrato de naratriptana. É raro conseguir

delinear com tanta clareza a diferença entre a mentalidade científica (Oliver

Sacks), a mentalidade artística (Lewis Carroll) e a mentalidade simiesca (Eu).

Obama e o cachorro português (22 de abril, 2009)

(12) (...) Mas o Humanitismo, a filosofia criada por ele, que atesta o "caráter

benéfico da guerra", parece condensar e caricaturar as ideias do próprio

Machado de Assis, com aquele seu realismo reacionário, com aquela sua

crueza fatalista, com aquele seu conformismo desiludido, com aquele seu

azedume zombeteiro.

Cito Quincas Borba:

"Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas

chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor

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a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as

duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se

suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a

guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os

despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas

públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas... Ao vencido, ódio ou

compaixão; ao vencedor, as batatas".

No que concerne aos intertextos inerentes a livros, temos, no fragmento

(10), referência à obra Casa-Grande & Senzala de Gilberto Freire, publicada em

1933. Em (11), identificamos a alusão ao autor do clássico Alice no país das

Maravilhas, publicado em 1865. Na passagem (12), identificamos um excerto

retirado de Quincas Borba, obra de Machado de Assis publicada em 1892.

Fragmentos com intertextos explícitos retirados de mídias emergentes:

35 ocorrências

Mino Carta, o grande (22 de novembro, 2006)

(13) Não se aborreça com Diogo Mainardi, afinal o máximo que o cidadão

produz com perfeição é paralisia cerebral.

O comentário foi publicado no blog de Mino Carta. Para quem não é afeito a

sutilezas, refere-se à paralisia cerebral de meu filho. Na última semana, Mino

Carta publicou 433 mensagens contra mim. De acordo com ele, outras 106,

consideradas "inaceitáveis, prontas à agressão", foram eliminadas. A

mensagem sobre meu filho foi uma das que Mino Carta aprovou pessoalmente

e que o encheram de emoção, reverberando, segundo suas palavras, "na zona

situada entre o coração e a alma, como um Stradivarius ou um Guarnieri del

Gesù".

Eles são Oba!, eu sou Epa! (4 de julho, 2007)

(14) (...) Reinaldo Azevedo, em seu blog, comparou os antilulistas àqueles

cavaleiros medievais do Monty Python que acreditam poder derrotar seus

inimigos berrando um estridente Ni!. É verdade. Se 100.000 pessoas se

reunissem na Candelária e berrassem juntas Ni! ou Epa!, o governo cairia na

hora. O problema é que a turma do Epa! jamais conseguiria se organizar para

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reunir 100.000 pessoas num mesmo lugar. É bem melhor ficar em casa vendo

TV e zombando da turma do Oba!

A Pastoral da Pajero (24 de outubro, 2007)

(15) VEJA publicou uma reportagem sobre a disputa entre a prefeitura

paulistana e o padre Júlio Lancellotti. Ele chamou a revista de "autoritária". A

petista Maria Vitória Benevides foi mais longe – chamou VEJA de "fascistóide".

E o Observatório da Imprensa comentou a reportagem num artigo cheio de

termos de duplo sentido, cujo significado só agora consegui entender: "o rabo

do texto", "erguer o traseiro", "jornalismo de latrina", "o padre Júlio estende a

mão", "via inversa", "amante da dialética", "iguaria de fel", "vanguarda do

atraso".

Em relação aos intertextos retirados de outras mídias, vemos, em (13), o

comentário feito pelo jornalista Mino Carta referente ao filho de Mainardi que tem

paralisia cerebral. Em (14), identificamos um texto que foi veiculado no blog de

Reinaldo Azevedo, jornalista da revista Veja, que comparou os antilulistas aos

cavaleiros medievais do Monty Python. Já, no fragmento (15), há o comentário

de o Observatório da Imprensa sobre uma reportagem do padre Júlio Lancelloti

com duplo sentido.

Fragmentos com intertextos explícitos que dialogam com Escritores: 29

ocorrências

Diogo Rimbaud (26 de agosto, 2009)

(16) Arthur Rimbaud largou a poesia? Eu larguei a poesia. Ele se tornou um

negociante de escravos e de armas? Eu me tornei um negociante de Gerdau

ON e de Lupatech PN. Ele conduzia caravanas de mercadorias na Etiópia do

rei Menelik II? A minha Etiópia é a TV Bloomberg do prefeito Bloomberg.

Ele remunerava seus empregados com pares de sapatos, telescópios e

laxantes? Eu remunero meus empregados com pares de sapatos, telescópios

e laxantes. Ele era pago em táleres? Eu sou pago em reais. Ele amputou a

perna? Eu lesionei o menisco. Quando largou a poesia para se dedicar aos

negócios, Rimbaud tinha 20 anos de idade. Eu demorei bem mais do que ele

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– só me aventurei pelo território selvagem da bolsa de valores no finzinho do

ano passado.

O planeta que se dane (21 de outubro, 2009)

(17) O ciclismo tem algo em comum com o stalinismo. Quem melhor

demonstrou isso foi o poeta chileno Pablo Neruda. Ele fez uma “Ode às

bicicletas”. Além de fazer uma “Ode às bicicletas”, ele fez também uma “Ode

a Stalin”. Na primeira poesia, Pablo Neruda comparou as bicicletas a um

“esqueleto frio”. Na segunda poesia, ele comparou Stalin a “um gigante”. Cada

pedalada poética de Pablo Neruda corresponde a um esqueleto frio no Gulag

do gigante.

Com Dilma, o PT chega em quinto (17 de novembro, 2010)

(18) (...) Analisando a campanha de Canudos, Euclides da Cunha delineou

perfeitamente o caráter nacional. Os fanáticos de Antônio Conselheiro eram

uns “broncos”, uns “primitivos”, uns “retardatários”, uns “retrógrados”, uns

“impotentes”, uns “passivos”. Eles eram “uma turba de neuróticos vulgares”,

de “desvairados”, de “desequilibrados incuráveis”. Eles eram “uma gente

ínfima e suspeita, avessa ao trabalho, vezada à mândria e à rapina”. Eles eram

dotados de uma “moralidade rudimentar”, com uma série de “atributos que

impediam a vida num meio mais adiantado e complexo”. Eles eram um retorno

“ao estádio mental dos tipos ancestrais da espécie”.

Euclides da Cunha compreendeu a mente e o comportamento dos brasileiros.

Ao contrário de mim, ele jamais teria errado o resultado eleitoral.

No que se refere a intertextos que dialogam com escritores, temos, em

(16), a referência ao poeta francês Jean-Nicolas Arthur Rimbaud. Em (17), um

intertexto a Ode às bicicletas do poeta chileno Pablo Neruda e, em (18),

identificamos passagens da obra de Euclides da Cunha, escritor de Os Sertões

que narram a Guerra de Canudos. De acordo com Alfredo Bosi (2006, p. 309),

“a descrição minuciosa da terra, do homem e da luta situa Os Sertões, de pleno

direito, no nível da cultura científica e histórica”.

Fragmentos com intertextos explícitos que dialogam com Música: 21

ocorrências

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O intelectual de Alckmin (25 de janeiro, 2006)

(19) (...) Vanusa até hoje é celebrada por sua interpetação de Se Eu Pudesse

Falar com Deus, de Nelson Ned:

Eu hoje estou tão triste

Eu precisava tanto conversar com Deus

Falar dos meus problemas

Também lhe confessar tantos segredos meus

Saber da minha vida

E perguntar porque ninguém me respondeu

Se a felicidade existe realmente

Ou é um sonho meu

Para o Gil, aquele abraço (20 de junho, 2007)

(20) Gilberto Gil me considera o Vavá da imprensa. Ele declarou

à Playboy que me assiste todo domingo no Manhattan Connection, porque me

acha "bonito (risos), mesmo dizendo essas coisas todas". Para Gilberto Gil,

sou inimputável como Vavá. Ninguém pode me responsabilizar pelo que eu

digo. Sou apenas, como já cantou o ministro, um "moreno com os olhinhos

brilhando", um "bezerrinho", um "homem de Neandertal" de "porte esperto,

delgado".

O país do Zé Pretinho (9 de julho, 2008)

(21) Quem Lula pensa que é? Em 1937, Getúlio Vargas deu seu golpe de

estado. Poucos meses depois, os sambistas se acotovelavam para determinar

quem conseguia lamber as botas do ditador de maneira mais degradante:

Surgiu Getúlio Vargas,

O presidente brasileiro,

Que entre seus filhos

Como um herói foi o primeiro.

Essa marchinha foi composta por Zé Pretinho. Encontrei-a na página da

internet do ministro da Propaganda de Lula, Franklin Martins, um dos maiores

estudiosos do nosso cancioneiro político.

No que concerne aos intertextos inerentes à música, temos, em (19), a de

Nelson Ned, Se Eu Pudesse Falar com Deus, composta nos anos 70. Em (20),

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Mainardi tece referência à música Cantiga de Ninar Moreno, de 1975, ao utilizar

os fragmentos: "moreno com os olhinhos brilhando". Ainda, na mesma crônica,

temos alusão à música As pegadas do amor, de 2005, ao empregar o fragmento

“bezerrinho” que consta no verso dessa canção. O cronista lança mão também

do diálogo com a música “Homem de Neandertal" e com a música “O Veado”,

compostas em 1983. No excerto (21), identificamos a marchinha Glórias do

Brasil, composta por Zé Pretinho e A. Gilberto dos Santos, em 1938, para

glorificar a figura de Getúlio Vargas.

Fragmentos com intertextos explícitos que dialogam com Desenho

Animado: 20 ocorrências

Minha vida de Coiote (28 de junho, 2006)

(22) Lula é o Papa-Léguas. Eu sou o Coiote. Por quatro anos, imitei o desenho

animado. Recorri a todas as artimanhas para capturar a presa: catapultas,

foguetes, patins a jato, elásticos gigantes, tintas invisíveis, rochas

desidratadas, comprimidos de terremoto. Nada deu certo. Lula sempre

conseguiu escapar. E depois de escapar, como o Papa-Léguas, grasnou

aquele estridente bip-bip em minha orelha, assustando-me e fazendo-me cair

num abismo, em geral com uma pedra de dez toneladas na cabeça. O maior

achado do desenho animado é sua absoluta essencialidade.

Gugu e o galo amarelo (13 de agosto, 2008)

(23) Um galo amarelo. Um galo amarelo e imenso. Do tamanho de uma

pessoa. Ele encara Peter Griffin. Peter Griffin o encara. De um instante para o

outro, Peter Griffin pula pela janela e passa a estrangulá-lo. O galo amarelo

reage, socando-o e bicando-o. A luta prossegue. Os dois caem num bueiro.

Continuam a se socar nos andaimes de um prédio. Chocam-se contra uma

roda-gigante. A roda-gigante se desprende e esmaga uma série de carros.

Peter Griffin e o galo amarelo destroem tudo em seu caminho. Cambaleiam

pela cozinha de um restaurante. Peter Griffin joga uma panela de água

escaldante no rosto do galo amarelo. A luta chega ao fim. O galo amarelo

parece morto. Inesperadamente, ele abre o olho esquerdo. Retornará. Peter

Griffin é o protagonista do desenho animado Family Guy.

E Machado virou circo... (17 de dezembro, 2008)

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(24) (...) Na série, Bentinho aparece estranhamente caracterizado como Dick

Vigarista, do desenho animado Corrida Maluca: nas roupas, no bigode, na

magreza, no temperamento e, acima de tudo, na canastrice do ator que

desempenha seu papel.

Nas ocorrências inerentes aos desenhos animados, em (22),

identificamos a referência aos personagens Papa-Léguas e Coiote, criados por

Chuck Jones para os estúdios Warner Bros em 1949. Na passagem (23), há

menção ao personagem Peter Griffin, protagonista do desenho animado Family

Guy, criado por Seth MacFarlane em 1998. No excerto (24), temos alusão ao

personagem Dick Vigarsita, do desenho animado Corrida Maluca, produzido pela

Hanna-Barbera entre os anos de 1968 e 1969.

Fragmentos com intertextos explícitos relacionados à Televisão: 18

ocorrências

Linha de crédito (15 de outubro, 2008)

(25) Walter Salles Jr. foi entrevistado pelo programa Hardtalk, da BBC News.

Ele elogiou Lula sem parar. A última estrela do cinema a manifestar tanto

entusiasmo pelo líder de sua pátria deve ter sido Lyubov Orlova, nos tempos

de Stalin. Ou Oscarito, nos tempos de Getúlio Vargas. A BBC News informa

que, em Hardtalk, o entrevistado é confrontado com "perguntas duras". A

pergunta mais dura que o apresentador de Hardtalk fez a Walter Salles Jr. foi

por que os protagonistas de seus filmes permaneceram pobres se, com Lula

no poder, o Brasil finalmente se transformou num país de classe média

Sob o domínio de Travis (25 de fevereiro, 2009)

(26) (...) Em 2010, Lula sairá de cima de nós. A imensa carga de irracionalidade

com a qual ele acometeu a política poderá ser abatida. Ele já designou sua

herdeira, Dilma Rousseff. Ela se apresentou ao eleitorado como a Ugly Betty

da luta armada – ou, segundo o original colombiano, a Betty La Fea da luta

armada: a secretária meticulosa e dedicada ao chefe, que um dia tira os

óculos, tira o aparelho dos dentes, tira a franja e tira as rugas, atingindo o

sucesso e encontrando o grande amor.

Gafanhoto e a barbárie (24 de junho, 2009)

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(27) Quando penso em Lula, penso em Kung Fu. O ator protagonista da série

de TV Kung Fu morreu num hotel em Bangcoc. Ele foi encontrado dentro do

armário, nu, com um cadarço de sapato enrolado no pescoço. Um de seus

advogados declarou que ele pode ter sido assassinado por membros de uma

seita secreta de artes marciais.

Em relação aos diálogos tecidos com a televisão, temos, em (25), a

referência ao programa Hardtalk, do canal da BBC News. Em (26), Mainardi

compara Dilma Rousseff com a protagonista da novela colombiana Yo Soy Betty,

La Fea, uma telenovela colombiana que foi exibida pela RCN Televisión entre

1999 e 2001. Já, em (27), temos alusão à série televisiva Kung Fu, estrelada por

David Carradine, no período entre 1972 e 1975.

Fragmentos com intertextos explícitos referentes a Cinema: 18

ocorrências

Linha de crédito (15 de outubro, 2008)

(28) (...) Walter Salles Jr. respondeu que toda essa riqueza ainda precisaria

de um tempinho para se espalhar. Em seguida, o apresentador do programa

perguntou por que Central do Brasil tinha um tom bem mais otimista do que

seu último filme, Linha de Passe, apesar de os brasileiros, com Lula no poder,

estarem nadando em dinheiro. Walter Salles Jr. refletiu por um instante e

respondeu candidamente que, quando realizou Central do Brasil, o país

estava tomado pelo clima de euforia do fim da ditadura militar. Só para

lembrar: Central do Brasil é de 1998. O AI-5 foi abolido em 1978.

Questão de tradição (4 de fevereiro, 2009)

(29) (...) Nosso costume de abrigar criminosos de todas as espécies alimentou

também as tramas de uma infinidade de filmes estrangeiros.

Como Interlúdio, de Alfred Hitchcock (Ingrid Bergman infiltra-se num bando de

cientistas nazistas que opera no Rio de Janeiro). Ou O Mistério da Torre, de

Charles Crichton (Alec Guinness rouba um carregamento de ouro de um banco

e foge para o Brasil, onde encontra Audrey Hepburn, no papel de Chiquita). O

resto dos filmes ambientados aqui é desoladoramente ruim. O Brasil tem este

efeito: nunca consegue inspirar algo que preste.

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Ética em transe (3 de junho, 2009)

(30) (...) Kim Jong-Il, irritado, desliga o DVD. Dá uma olhada na capa: Terra

em Transe. Dá uma olhada no comentário do diretor: "Terra em Transe é um

documentário sobre a metáfora. Crítico, e mais do que isso, dialética da

metáfora X realidade. Uma chave: ópera e metralhadora". Kim Jong-Il é

tomado pelo desejo de exterminar aquela gente insensata, e manda direcionar

um de seus foguetes dotados de ogiva nuclear contra o país que originou o

filme – o Brasil. Quem pode recriminá-lo? Arnaldo Carrilho declarou que,

chegando à Coreia do Norte, presentearia os DVDs de Glauber Rocha a Kim

Jong-Il. Que é um "cinéfilo", segundo nosso diplomata. Chamar um sociopata

como Kim Jong-Il de cinéfilo equivale a chamar Hitler de vegetariano.

(...) Nelson Rodrigues só gostou de uma cena de Terra em Transe. É aquela

na qual Glauber Rocha esfrega na cara da plateia que "o povo é débil mental".

O cinéfilo Lula e o cinéfilo Celso Amorim entenderam perfeitamente a

mensagem do filme.

Em relação ao cinema, temos, em (28), referências a dois filmes de Walter

Salles Jr.: o primeiro, Central do Brasil, de 1998, e o segundo, Linha de Passe,

de 2008. Igualmente, no excerto (29), temos referência a dois filmes: o primeiro,

Interlúdio, de Alfred Hitchcock, de 1946, e o segundo, O Mistério da Torre, de

Charles Crichton, de 1951. Já, em (30), temos o diálogo com o filme Terra em

Transe de Glauber Rocha, do ano de 1967.

Fragmentos com intertextos explícitos referentes ao Direito: 14

ocorrências

Teodoro e Teodorino (21 de junho, 2006)

(31) (...) Está no artigo 222 da carta constitucional. A lei n° 10610, que

regulamenta a matéria, considera “nulo qualquer acordo, ato ou contrato que,

direta ou indiretamente, de direito ou de fato, mediante encadeamento de

outras empresas ou por qualquer outro meio indireto”, confira aos acionistas

estrangeiros mais de 30% de um canal de TV.

O novo Dops (16 de maio, 2007)

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(32) (...) O lulismo reintroduziu oficialmente a censura prévia no Brasil em 9

de fevereiro deste ano, por meio da Portaria 264, que regulamenta a

classificação indicativa dos filmes e dos programas de TV. O artigo 4º

estabelece que a análise das obras deverá ser "realizada previamente" por

analistas contratados pelo Ministério da Justiça.

O Manual da Nova Classificação Indicativa define autoritariamente o horário

dos programas. Mas é bem pior do que isso. Ele define também o que é bom

e o que é ruim para os espectadores, avaliando os aspectos "positivos e

negativos" de cada obra.

Rumo ao chavismo (23 de maio, 2007)

(33) (...) O artigo 5° da mesma portaria estabelece as bases para a censura

dos programas jornalísticos. Trata-se do maior atentado de Lula à liberdade

de informação. Se no futuro ele quiser censurar o Jornal Nacional ou o

Fantástico, a Portaria 264 lhe dará o instrumento legal. ‘A não atribuição de

classificação indicativa aos programas de que trata este artigo’ – e, repito, o

artigo 5° inclui os programas jornalísticos – ‘não isenta o responsável pelos

abusos cometidos, cabendo ao Departamento de Justiça e Classificação

encaminhar seu parecer aos órgãos competentes’.

No fragmento (31), reconhecemos a referência ao artigo 222 da

Constituição Federal. Em (32), temos menção à portaria 264, que regula a

classificação indicativa de programas, filmes ou qualquer obra de audiovisual

exibidos pelas emissoras de televisão, bem como o seu artigo 4º, que indica que

a análise das obras deverá ser "realizada previamente" por analistas contratados

pelo Ministério da Justiça. Já, em (33), temos alusão à mesma portaria,

entretanto, com a citação do artigo 5º, que estabelece as bases para a censura

dos programas jornalísticos.

Fragmentos com intertextos explícitos referentes à História: 13

ocorrências

Eu quero saber de tudo (13 de junho, 2007)

(34) (...) Se as aventuras sexuais de Marco Antônio foram relatadas pelos

romanos, por que os brasileiros não haveriam de relatar as de Renan

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Calheiros? Renan Calheiros está para Marco Antônio assim como o Brasil está

para a Roma Antiga. Marco Antônio 2010. Renan Calheiros 2010.

O efeito da paternidade (30 de julho, 2008)

(35) (...) Eles ocuparam minha mente como Antônio Conselheiro ocupou

Canudos, impondo suas ideias primitivas e suas práticas regressivas.

Questões que pareciam definitivamente superadas voltaram a me atazanar.

Antes de ter filhos, eu abria um livro e indagava sobre Santo Agostinho. Agora

abro um livro e indago onde está Seymour, o bonequinho de madeira

(Seymour, o bonequinho de madeira, está escondido dentro daquele pote

cheio de lápis de cor).

Como em Pompeia (11 de agosto, 2010)

(36) Ceium Secundum é igual a Dilma Rousseff. Melhor dizendo: Dilma

Rousseff é igual a Ceium Secundum. Quem é Ceium Secundum? Ele é, antes

de tudo, um morto. Ele morreu quase 2 000 anos atrás, quando as cinzas do

Vesúvio soterraram Pompeia, em 24 de agosto de 79. Ele é, portanto, um

morto e uma múmia. Além de ser um morto e uma múmia, Ceium Secundum,

no momento da tragédia que matou todos os moradores da cidade, era

candidato a um cargo público. Quando os arqueólogos italianos, no século XIX,

desenterraram Pompeia, encontraram alguns de seus cartazes de propaganda

eleitoral. Um deles dizia o seguinte:

Ceium Secundum para duoviro.

Seu pai o apoia.

É nisso que Ceium Secundum e Dilma Rousseff se assemelham. Tanto um

quanto o outro só possuem um atributo eleitoral: o apoio de quem os gerou.

No que concerne aos intertextos relacionados à história, identificamos, em

(34), alusão a Marco Antônio, um importante político e militar da República

Romana. Em (35), temos menção ao líder religioso Antônio Conselheiro, que

fundou um arraial em Canudos, no interior da Bahia, e lutou contra o exército

brasileiro num confronto denominado Guerra de Canudos. Já, em (36), Mainardi

aborda a destruição da cidade de Pompeia causada pela erupção do vulcão

Vesúvio que sepultou completamente a cidade, inclusive Ceium Secundum, um

candidato a um cargo público da época, a quem Mainardi compara com Dilma

Rousseff.

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Fragmentos com intertextos explícitos referentes à Arte Visual: 7

ocorrências

Ninguém segura este país (24 de setembro, 2008)

(37) (...) Feche os olhos e reúna todos os elementos desse episódio: usina

de biodiesel, Caarapó, genro de Lula, diretor ou presidente da ANP, grampos

da PF, vazamentos ilegais, computador portátil, presidente da República,

ministro. Qual é o resultado? O resultado é um retrato do nosso atraso, do

nosso primarismo. É como se fosse o Mercado de Escravos na Rua do

Valongo, de Debret, só que ainda mais tosco. Captura, numa única cena, com

pinceladas esparsas, a nossa indolente selvageria. Na falta de um Debret,

temos os grampos naturalistas da PF.

Mister Maker (13 de maio, 2009)

(38) (...) Vik Muniz é o Mister Maker do MoMA. Ele reproduz a Mona Lisa com

pasta de amendoim e a Última Ceia com calda de chocolate. Em vez de

ganhar um programa no Discovery Kids, ele tem suas obras compradas pelo

Museu de Arte Moderna de Nova York.

Corra, Diogo, corra! (2 de junho, 2010)

(39) (...) Corra, Diogo, corra!

Na quarta-feira, analisando uma série de gráficos das bolsas de valores,

vislumbrei aquilo que me pareceu ser o contorno do cotovelo direito de um

retrato pintado por Ticiano, em 1525. Especificamente: o retrato de Federico II

com seu cachorro. Au! Au! Apliquei na hora todas as minhas economias. Se o

investimento der certo, nunca mais farei um artigo. Se der errado, terei de me

transformar num colunista baiano.

Com relação à arte visual, em (37), o cronista menciona, em sua crônica,

a obra Mercado de escravos na rua do Valongolo, de Debret, 1816 – 1828, que

integrou a missão artística francesa no Brasil. Em (38), temos alusão ao artista

brasileiro Vik Muniz, e, em (39), alusão ao retrato de Frederico II com seu

cachorro, pintado pelo pintor renascentista Ticiano em 1525.

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Fragmentos com intertextos explícitos referentes à Filosofia: 5

ocorrências

Minha vida de Coiote (28 de junho, 2006)

(40) (...) Chuck Jones definiu o Coiote como um fanático, citando o filósofo

George Santayana, para quem “um fanático é aquele que redobra seu

empenho quando já esqueceu seu objetivo”. Foi a fórmula que, semana após

semana, tentei plagiar aqui na coluna.

Penso, mas existo? (26 de novembro, 2008)

(41) Descartes pode me arruinar. Ele mesmo, René Descartes, o pensador

francês do século XVII, do Discurso do Método. Na última semana, ele se

materializou em meu escritório, com aquele seu aspecto de lateral-direito do

Boca Juniors, e ordenou que eu aplicasse imediatamente todas as minhas

economias na bolsa de valores. O que fiz? Fechei os olhos e obedeci.

Sai o Silva e entre o Boécio (25 de agosto, 2010)

(42) (...) A Filosofia materializou-se na cela de Boécio como uma “mulher de

aspecto venerável, com os olhos brilhantes e penetrantes”. Nos últimos

tempos, foi dessa maneira que Michel Temer se materializou diante de mim,

com aqueles seus olhos opacos e broncos. Um Michel Temer prosopopeico.

Um Michel Temer aristotélico. Um Michel Temer com o pi grego bordado na

veste. Depois de se consolar com a Filosofia, Boécio foi executado com um

instrumento que lhe esmagou a caixa craniana. Os petistas costumam

esmagar minha caixa craniana praticamente todos os dias.

A Filosofia, para Boécio, era uma maneira de resistir às hordas bárbaras,

preservando a sabedoria dos antigos.

Em relação aos filósofos, temos, em (40), uma citação do filósofo George

Santayana. Em (41), identificamos uma referência ao pensador francês René

Descartes e, em (42), menção ao filósofo romano Boécio, que representa uma

das mais valiosas mediações entre o mundo filosófico da Grécia antiga e a

cultura medieval latina.

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Fragmentos com intertextos explícitos referentes a Ensaios: 5

ocorrências

A cova cultural (9 de agosto, 2006)

(43) (...) Não basta ter de folhear os ensaios de Moniz Bandeira. Quem mexe

com cultura também corre o risco de ser humilhado publicamente.

Thoreau contra o lulismo (1º de novembro, 2006)

(44) (...) O homem certo para este momento é Henry David Thoreau. Leia

Thoreau. Releia Thoreau. Declame Thoreau em voz alta. É o melhor remédio

para todos aqueles que foram atropelados pelo lulismo triunfante. (...) Mas

recomendo Thoreau por outro motivo. Um motivo menor. Um motivo mais

mesquinho. Recomendo-o apenas porque ele permite insultar pesadamente o

eleitor mantendo uma certa pompa, um certo brilho. Thoreau disse: o eleitor é

um cavalo. Ele disse também: o eleitor é um cachorro. Eu repito, citando

Thoreau: o eleitor é um cavalo, o eleitor é um cachorro, o eleitor é um cavalo,

o eleitor é um cachorro, o eleitor é um cavalo, o eleitor é um cachorro. Insulte

o eleitor. Sem perder a pompa, sem perder o brilho.

Thoreau: Cavalo. Cachorro.

A Veneza dos ratos (5 de agosto, 2009)

(45) (...) Michel de Montaigne passou por Veneza em 1580, quatro anos

depois da epidemia que inspirou a igreja do Redentor. Ele associou a peste ao

mau cheiro dos canais venezianos, ignorando o papel dos ratos no contágio.

Nos Ensaios, ele filosofou que filosofar é aprender a aceitar a própria morte.

Nisso ninguém supera os brasileiros. Nós morremos pacatamente,

resignadamente, bovinamente, sem atribuir responsabilidades pelas

epidemias, sem protestar contra o ministro da Saúde, sem jogar tomates no

presidente da República. No Brasil, falta um Andrea Palladio, falta um

Baldassare Longhena. Falta também Tamiflu. Por outro lado, morremos

melhor do que os outros. Morremos como Montaigne.

No que se refere aos ensaios, vemos, em (43), alusão aos escritos de

Moniz Bandeira, em (44), menção ao americano Henry David Thoreau e, em

(45), citação ao filósofo francês Michel de Montaigne.

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Fragmentos com intertextos explícitos referentes à economia: 4

ocorrências

Meu prato de Natal (19 de dezembro, 2007)

(46) (...) A pena de morte reduz consideravelmente o número de assassinatos.

Para cada criminoso condenado à morte, ocorrem de três a dezoito

assassinatos a menos. A estatística consta de uma reportagem do New York

Times, de onde chupei os dados publicados nesta coluna. A reportagem

apresenta o resultado de uma série de estudos realizados na última década.

Os economistas citados pelo jornal compararam as taxas de homicídio nos

Estados Unidos com o número total de prisioneiros executados, estado por

estado, cidade por cidade. Eles descobriram que, nos lugares em que a pena

de morte foi aplicada com mais frequência e com mais rapidez, como no

Texas, a taxa de homicídios caiu de maneira mais acentuada.

2789 toques (3 de dezembro, 2008)

(47) Paul Krugman, o Nobel de Economia, recomenda gastar alopradamente.

Eu recomendo o oposto: cortar gastos alopradamente. Quem está certo? O

Nobel de Economia ou o Jabuti de 1990?

Paul Krugman é colunista do New York Times.

Um colunista é um Cafuringa, que corre olhando para a bola até sair pela linha

de fundo. Daí a receita peremptória do Nobel de Economia: gastar

alopradamente. Daí a receita peremptória do gordinho indolente: cortar gastos

alopradamente. Quem está certo? Nenhum dos dois. Um colunista nunca pode

estar certo. Em outubro, num artigo sobre o estado calamitoso da economia

americana, Paul Krugman afirmou: "Somos todos brasileiros".

O elogio do atraso (1º de abril, 2009)

(48) O elogio do atraso. Quanto mais atrasado, melhor. Há algumas semanas,

a revista The Economist analisou o atual estado da economia brasileira. Nossa

maior glória, de acordo com a reportagem, foi ter permanecido lá atrás. No

estatismo. No assistencialismo. No empreguismo. Na agiotagem. Nas

negociatas patrimonialistas do BNDES. Agora tudo isso poderá nos proteger

do rombo da economia mundial, causado por aquela "gente branca, loira e de

olhos azuis", segundo Lula.

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A reportagem da The Economist é ilustrada com a imagem de um homem de

bermuda, tirando uma soneca num muro de pedra, diante de uma igreja. Os

historiadores sempre associaram nosso atraso ao catolicismo ibérico. Como

nosso trunfo é o atraso, a gente tem de ir mais à igreja. A gente tem de resgatar

o Tribunal do Santo Ofício.

No fragmento (46), identificamos um texto publicado no jornal New York

Times que aborda estudos feitos por economistas. Em (47), temos menção ao

texto do economista Paul Krugman, o Nobel de Economia. Na passagem (48),

vemos a referência a uma matéria veiculada na revista inglesa The Economist

sobre a economia brasileira.

Fragmentos com intertextos explícitos referentes à Antropologia: 4

ocorrências

Agora me acusam de antinordestino (14 de março, 2007)

(49) (...) O Ministério Público pediu um parecer sobre o assunto ao

antropólogo Jorge Bruno Sales Souza. Ele sentenciou: "De uma rápida leitura

do referido trecho do programa fica patente a intenção do jornalista de

menosprezar as pessoas oriundas da região nordeste do país". Uma rápida

leitura? Qual a pressa?

Os meus nambiquaras (2 de maio, 2007)

(50) (...) Edgar Roquette-Pinto, que percorreu o território nambiquara duas

décadas antes do antropólogo francês, definiu-os como "homens da Idade da

Pedra".

Os moluscos do Brasil (07 de novembro, 2009)

(51) (...) Num de seus ensaios antropológicos, Claude Lévi-Strauss observou

a indigência cultural dos nambiquaras e comparou-os a “uma raça gigante de

formigas”. Eles se caracterizavam por ter orelhas grandes, por embriagar-se

com “chicha”, por tocar uma música de uma nota só, por entreter-se cuspindo

no rosto uns dos outros e por ignorar o estojo peniano devido à sua apatia

sexual.

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Nos elementos intertextuais que se referem a antropologia, temos, em

(49), menção ao parecer do antropólogo Jorge Bruno Sales Souza. Em (50), a

definição do antropólogo Edgar Roquette-Pinto, considerado o pai da

radiodifusão no Brasil e, em (51), alusão aos ensaios do francês Claude Lévi-

Strauss.

Fragmentos com intertextos explícitos referentes à pesquisa científica:

3 ocorrências

No Iraque, é melhor (31 de outubro, 2007)

(52) (...) Sérgio Cabral é nosso James Watson. James Watson, um dos

descobridores da estrutura do DNA, declarou que o preto africano é menos

inteligente do que o branco europeu. Anteriormente, ele já declarara que os

estudos genéticos permitiriam abortar todos os fetos defeituosos. O

governador do Rio de Janeiro descobriu o DNA da marginalidade entre os

africanos da Rocinha e agora quer abortá-los. Segundo ele, ficaremos mais

seguros. Ficaremos mais inteligentes também?

Somos todos chimpanzés (28 de novembro, 2007)

(53) O QI dos negros é mediamente inferior ao dos brancos. O QI dos brancos

é mediamente inferior ao dos amarelos. O QI dos judeus é mais alto que o dos

góis. As mulheres com ancas largas possuem um QI superior ao das mulheres

com ancas estreitas. O leite materno faz aumentar o QI. O primeiro filho tem

QI mais alto do que os demais. O desempenho intelectual de quem tem mais

de 100 livros em casa é melhor do que o de quem tem menos de dez. Isso é

só uma amostra do que foi publicado recentemente sobre o assunto, em

particular nos Estados Unidos. Em que medida? Que sei lá eu. Um dos

pioneiros das pesquisas nesse campo, Arthur Jensen, chutou que 50% do QI

era decorrente de fatores ambientais e os outros 50% de fatores genéticos. À

medida que seus estudos foram adiante, ele mudou o cálculo, atribuindo 20%

do QI aos fatores ambientais e 80% à genética.

Diogo Rimbaud (26 de agosto, 2009)

(54) (...) O resultado trimestral de uma siderúrgica ou de uma seguradora tem

o poder de despertar nos investidores todo o repertório de distúrbios

diagnosticados por Sigmund Freud em Sobre a Psicopatologia da Vida

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Cotidiana: esquecimentos, atos falhos, lapsos, erros reiterados, determinismo,

sonhos proféticos, crendices.

Em (52), temos alusão ao pesquisador James Watson, um dos

descobridores da estrutura do DNA. Em (53), menção a Arthur Jensen, um dos

pioneiros em pesquisas relacionadas a QI, e, em (54), temos uma referência ao

criador da psicanálise, Sigmund Freud.

Fragmentos com intertextos explícitos referentes à Ciência: 3

ocorrências

Turismo hospitalar (2 de agosto, 2006)

(55) Freud estudou a paralisia cerebral. Neil Young usou-a como tema. O U2

também. O momento de maior popularidade da paralisia cerebral foi em 1989,

quando Meu Pé Esquerdo, baseado na biografia de Christy Brown, ganhou o

Oscar. Atualmente, ela anda meio desprestigiada. As livrarias americanas só

oferecem volumes sobre síndrome de Asperger e ADD. Cedo ou tarde a moda

volta.

Somos todos chimpanzés (28 de novembro, 2007)

(56) (...) James R. Flynn foi mais preciso. Num livro que acaba de ser

publicado, ele estabeleceu que a inteligência é 36% genética e 64% um misto

de genética e fatores ambientais.

A Slate fez um bom apanhado sobre as descobertas nessa área. Leia. Está na

internet. Os dados sobre os negros incomodam tremendamente porque

parecem fornecer argumentos à bestialidade racista.

No Dia de Zumbi, Lula defendeu o Estatuto da Igualdade Racial, essa asnice

totalitária que pretende ampliar o sistema de cotas. É um atalho para o

racismo.

A minha enxaqueca (5 de março, 2008)

(57) Eu sofro de enxaqueca. Oliver Sacks sofre de enxaqueca. Lewis Carroll

sofria de enxaqueca. Isso é o que a gente tem em comum. O que muda

radicalmente é a forma de reagir aos sintomas. Oliver Sacks usou sua

enxaqueca para refletir sobre a geometria neural. Lewis Carroll inspirou-se em

sua enxaqueca para imaginar Alice no País das Maravilhas, com a

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protagonista que cresce e encolhe. Eu, quando tenho um ataque, limito-me a

cambalear até o banheiro, abrir a torneira da pia e engolir um comprimido de

cloridrato de naratriptana. É raro conseguir delinear com tanta clareza a

diferença entre a mentalidade científica (Oliver Sacks), a mentalidade artística

(Lewis Carroll) e a mentalidade simiesca (Eu).

No que se refere aos intertextos inerentes à ciência, temos, em (55),

alusão aos estudos sobre paralisia cerebral feitos por Freud. Em (56), menção a

outro cientista, James R. Flynn, que desenvolve pesquisas relacionadas a QI, e,

em (57), referência ao neurologista e psiquiatra Oliver Wolf Sacks.

Fragmentos com intertextos explícitos referentes à Sociologia: 2

ocorrências

Agora me acusam de antinordestino (14 de março, 2007)

(58) (...) Outro eminente pensador citado pelo Ministério Público foi Max

Weber. Fica-se com a impressão de que ele é reconhecido como autor de

estudos seminais sobre o preconceito contra os nordestinos, em particular

contra os sergipanos, como no trecho: "As ciências sociais caracterizam-se

por não produzir categorizações universais com status de verdade, antes

produzem reflexão e compreensão (Verstehen)".

A Gautama do éter (6 de junho, 2007)

(59) (...) O autor dessa charlatanice bolivariana é Pierre Bourdieu. A

mensagem é aquela de sempre: somos incapazes de entender o que é bom

para nós.

Em relação aos intertextos inerentes à sociologia, temos, em (58),

menção a Max Weber, considerado um dos fundadores da Sociologia e, em (59),

referência ao sociólogo francês Pierre Félix Bourdieu.

Fragmentos com intertextos explícitos referentes à Dramaturgia: 2

ocorrências

O esquerdismo clinicamente morto (19 de março, 2008)

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(60) “Como deixei de ser um esquerdista clinicamente morto.” É mais ou

menos esse o título de um artigo de David Mamet no Village Voice. Para quem

está boiando, David Mamet é um dos maiores dramaturgos dos Estados

Unidos.

Não sofro de diegomainardice (28 de maio, 2008)

(61) (...) A internet é como o teatro de José Celso, em que a plateia é chamada

para o centro do palco e se torna protagonista do espetáculo.

Amadoristicamente, cada um desempenha seu próprio papel, improvisando

um comentariozinho desimportante aqui, outro ali. O mundo se transformou

num gigantesco Teatro Oficina, onde se encena um espetáculo infinito de José

Celso, do qual ninguém pode fugir.

Em (60), identificamos a alusão ao texto do dramaturgo americano David

Mamet e, em (61), a referência a José Celso Martinez Corrêa, uma das pessoas

mais relevantes ligadas ao teatro brasileiro.

Fragmentos com intertextos explícitos referentes à Física: 1 ocorrência

Dois estalos – e virei Newton (18 de junho, 2008)

(62) (...) Se eu fosse Newton, teria descoberto a lei da gravidade. Eu sou o

Newton do lulismo. Cada um tem o Newton que merece. Estou para Newton

assim como o lulismo está para as leis.

Por fim, na passagem (62), Mainardi faz referência ao físico Isaac Newton,

bem como a uma das leis propostas por esse pesquisador.

Passaremos agora a apresentar os dados referentes aos elementos

intertextuais implícitos, aqueles em que o enunciador, neste caso o cronista

Mainardi, espera que o leitor de seu texto seja capaz de identificar a presença

do intertexto, pela ativação do texto-fonte em sua memória discursiva, já que não

há qualquer menção explícita da fonte. Vejamos os dados referentes a esse tipo

de intertextualidade encontrados, nas crônicas de Mainardi, por meio do Gráfico

18:

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Gráfico 18

Dos 46 elementos intertextuais implícitos que identificamos nas crônicas

de Mainardi, os com maior incidência referem-se à música, já que 21% dos

elementos intertextuais implícitos dialogam com essa área do conhecimento.

Isso posto, a hipótese consoante a qual, dentre os recursos intertextuais

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implícitos, o emprego de intertextos que dialogam com a música seria o recurso

mais recorrente em suas crônicas pode ser ratificada.

Os demais intertextos, conforme podemos verificar, fazem alusão a

desenho animado, com 19%, ao cinema com 19%, à literatura (livros) com 11%,

a frases consagradas com 9%, à literatura (escritores) 9%, à arte visual com 4%,

a movimento cultural com 4%, à pesquisa científica e à religião, ambas com 2%.

Observemos o número de ocorrências de intertextos implícitos, encontrado no

corpus analisado, no Gráfico 19:

Gráfico 19

Igualmente aos dados referentes aos elementos intertextuais explícitos, já

apresentados, mostraremos, primeiramente, os exemplos das ocorrências de

intertextos implícitos com maior frequência para chegarmos aos de menor

incidência.

Fragmentos com intertextos implícitos que dialogam com a Música: 10

ocorrências

Na cova cultural (09 de agosto, 2006)

(63) (...) Quando isso acontecer, todo mundo vai me apontar na rua e dizer:

‘Olha lá o novo Menino do Rio, olha lá o novo Leãozinho, olha lá a nova

Tigresa’. Não basta ter de comentar os romances de Chico Buarque.

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Para o Gil, aquele abraço (20 de junho, 2007)

(64) Para o Gil, aquele abraço

Para o Gil, aquele abraço (20 de junho, 2007)

(65) (...) Eu, "motocross das estradas da ilusão", me pergunto também se o

homem da mala no caso do dossiê, Hamilton Lacerda, ex-secretário de Zeca

do PT em Mato Grosso do Sul, teve algum contato com esses bingueiros em

setembro de 2006.

No fragmento (63), Mainardi emprega os títulos das canções Menino do

Rio, composta em 1979 por Caetano Veloso, Leãozinho e Tigresa, ambas do

álbum Bicho, lançado em 1977 também de Veloso. Em (64), identificamos o título

da crônica Para o Gil, aquele abraço, que dialoga com a música Aquele abraço,

composta por Gilberto Gil no ano de 1969. De acordo com Gilberto Gil (2013, p.

136), o reencontrar a cidade do Rio na manhã em que saiu da prisão e reviu a

avenida Getúlio Vargas ainda com a decoração de carnaval foi o pano de fundo

para compor a canção. No excerto (65), temos mais um diálogo com a música

de Gil. Nessa passagem, identificamos os versos da música Preciso de você,

lançada, em 1983, no álbum Extra.

Fragmentos com intertextos implícitos referentes a Desenho Animado:

9 ocorrências

Minha vida de Coiote (28 de junho, 2006)

(66) (...) Se o Coiote é o humanista Settembrini, o Papa-Léguas é o jesuíta

Naphta.

O Gandhi do Dormonid (17 de janeiro, 2007)

(67) (...) Ninguém me tira da cama. Ninguém me faz abrir os olhos. Quero

hibernar até o fim do inverno petista. Sou o Zé Colméia do antilulismo.

Os cães de gravata (31 de janeiro, 2007)

(68) (...) Muda apenas o mote de cada personagem, a sua frase característica,

como "Saída pela esquerda", "Shazam!" ou "Oh, querida Clementina", recitada

por um mau dublador.

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Em (66), identificamos a menção aos personagens Coiote e Papa-Léguas.

Criados por Chuck Jones, eles foram baseados em animais reais nativos dos

desertos do sudeste americano, o galo-corredor e o coiote.

Na passagem (67), temos a comparação do cronista com o personagem

de desenho animado Zé Colméia, que vive tentando tapear a vigilância do

guarda florestal. Esse personagem apareceu pela primeira vez na TV americana

em 1958, criado pelos estúdios Hanna-Barbera, entretanto, hoje pertence ao

Cartoon Network.

No excerto (68), temos três motes que se referem a personagens de

desenhos animados. O primeiro, “Saída pela esquerda”, é do leão montanhês

covarde, que sempre se mete em confusões, personagem criado pelos estúdios

Hanna-Barbera. O segundo, “Shazam”, é o mote do Capitão Marvel,

personagem criado, em 1939, pelo roteirista Bill Parker e pelo desenhista

Charles Clarence Beck. O último, “Oh, querida Clementina”, mote do

personagem Dom Pixote, do desenho animado O show do Dom Pixote, criado

pelos estúdios Hanna-Barbera e levado ao ar na TV americana entre 1958 a

1962.

Fragmentos com intertextos implícitos que dialogam com o Cinema: 9

ocorrências

Em guerra com o lulismo (1º de fevereiro, 2006)

(69) Foi uma semana muito ruim para mim. Fingi que era um jornalista. Não

um jornalista qualquer. Fingi que era um jornalista interpretado por Clark

Gable, num filme de 1934, de Frank Capra. Não gostei. Nunca mais aceito

esse papel. Moro de frente para a praia. O tempo todo eu queria abandonar o

trabalho e cair no mar com a molecada. Mas não podia. Porque tinha de

esperar o telefonema de um ou a mensagem urgente do outro. No fim, deu

tudo errado. Não recebi o telefonema de um nem a mensagem urgente do

outro. E não casei com a herdeira caprichosa interpretada por Claudette

Colbert. Fiquei esperando à toa. Meu sensacional furo jornalístico fracassou.

Filme aconteceu naquela noite

O Eddie Murphy político (3 de setembro, 2008)

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(70) (...) O fato é que ninguém sabe quem é Barack Obama. Nem ele sabe.

Ele é o que os outros desejam que ele seja. Sim, Barack Obama é o primeiro

candidato negro da história dos Estados Unidos. Mas, dependendo da platéia,

ele pode metamorfosear-se em branco, como o herói de nossa gente,

Macunaíma. Barack Obama é meio Grande Otelo, meio Paulo José. Ele se

apresenta de um jeito na selva e do jeito oposto na casa de Venceslau Pietro

Pietra.

Ética em transe (3 de junho, 2009)

(71) Ética em transe

Nos intertextos implícitos relativos ao cinema, temos, em (69), alusão à

comédia romântica It Happened One Night (Aconteceu naquela noite) de 1934,

dirigido por Frank Capra. Nesse filme, “a herdeira mimada de Claudette Colbert

aprende sobre a vida e sobre seus próprios sentimentos com o jornalista

grosseirão de Clark Gable.” (KEMP, 2011, p. 149)

No fragmento (70), reconhecemos o diálogo com o filme brasileiro

Macunaíma, de 1969. O filme, baseado na obra homônima de Mário de Andrade,

é estrelado pelos atores Grande Otelo, que interpreta Macunaíma, e Paulo José, que

interpreta duas personagens, Macunaína Branco e a mãe dele.

Em (71), temos o título de uma das crônicas de Mainardi que dialoga com o

título do filme Terra em Transe, dirigido e roteirizado por Glauber Rocha em 1967.

De acordo com Glauber Rocha (2004, p. 172), Terra em transe é um filme sobre o

que existe de grotesco, horroroso e pobre na América Latina. Não é um filme de

personagens positivos, não é um filme de heróis perfeitos, que trata do conflito, da

miséria, da podridão do subdesenvolvimento. O diretor ressalta ainda que “Terra em

transe é a grande denúncia contra as direitas fascistas tropicalistas e o retrato das

contradições do povo brasileiro”. (ROCHA, 2004, p. 371)

Fragmentos com intertextos implícitos que dialogam com a Literatura

(Livros): 8 ocorrências

Minha vida de Coiote (28 de junho, 2006)

(72) (...) Se o Coiote é Bouvard e Pécuchet, o Papa-Léguas é a tempestade

que devasta sua lavoura.

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Caetés é aqui, não lá (22 de outubro, 2008)

(73) Caetés. Os Estados Unidos se transformaram numa Caetés. Olhe o

mandacaru em Columbus, Ohio. Olhe o retirante em St. Louis, Missouri. Olhe

o menino morto de fome no estacionamento do Wal-Mart em Pueblo, Colorado.

Nas últimas semanas, os americanos passaram a protagonizar um romance

sertanejo. Eles choramingam melodramaticamente o tempo todo, reclamando

da própria miséria: nas ruas, na imprensa, nos debates eleitorais. Como

acontece em Caetés, está muito complicado pagar em dia a hipoteca da

segunda ou da terceira casa. Como acontece em Caetés, está muito

complicado encher o tanque do segundo ou do terceiro carro. Cada vez que o

Dow Jones cai 700 pontos, aumenta o desejo dos americanos de encontrar

um coronelzinho que cuide deles direito. É o que Barack Obama oferece ao

Fabiano e à Sinhá Vitória dos Estados Unidos: um carro-pipa para distribuir

caridosamente planos de saúde, usinas eólicas e bolsas de estudo em

Harvard.

A história em inquéritos (24 de março, 2010)

(74) (...) Alguns dos processos contra os lulistas podem desandar. Alguns dos

réus podem ser inocentados. Mas um depoimento como o de Lúcio Bolonha

Funaro assombrará para sempre a memória de Lula, como o fantasma do pai

de Hamlet, que vem do purgatório para delatar seu assassino, o rei Cláudio:

FANTASMA – Escuta, Hamlet! Conta-se que o diretor-presidente da Portus,

indicado pelo senhor José Dirceu, me picou quando eu me achava a dormir

num shopping de Blumenau. Assim, todo o povo da Dinamarca foi ludibriado

por uma notícia falsa da ASM Asset Management. Mas escuta, nobre

mancebo! O pagamento “por fora” de 500 000 reais ao Partido dos

Trabalhadores, que lançou veneno na vida de teu pai, agora cinge a coroa

dele.

HAMLET – Vilão! Vilão que ri! Vilão maldito!

Hamlet sai dali e, muitas páginas depois, acaba se vingando do assassino de

seu pai. Mesmo que os procuradores engavetem todas as provas contra os

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lulistas, mesmo que Dilma Rousseff seja eleita, a história de Lula será contada

a partir dos depoimentos desses fantasmas.

Hamlet diz um monte de frases que podem ser aplicadas a Lula. A melhor

delas é dirigida a Ofélia: “Vai embora. Vai depressa. Adeus”.

Na passagem (72), temos um intertexto que retoma Bouvard e Pécuchet,

personagens da obra de mesmo título do francês Gustave Flaubert, publicado

em 1881. Flaubert coloca em cena dois personagens que trocam a vida

parisiense pela vida no campo, onde poderiam se dedicar aos estudos e às

experiências, procurando pôr em prática, nesse laboratório da natureza, tudo

que aprenderiam nas grandes obras de referência. O resultado se torna uma

série de trapalhadas, narradas com humor refinado e carregado de crítica. No

excerto (73), Mainardi recorre ao romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos,

publicado em 1938. Essa obra, de acordo com Coutinho (2001, p. 404), é um

romance do sertão que insiste no ciclo da seca. É dentro dela que se movem

circularmente os personagens Fabiano, Sinhá Vitória, os dois meninos e Baleia.

Em (74), identificamos um diálogo com a peça Hamlet, uma tragédia de William

Shakespeare, escrita entre os anos de 1599 e 1601, em que é possível

identificarmos personagens dessa obra.

Fragmentos com intertextos implícitos inerentes a Frases consagradas:

4 ocorrências

Ninguém segura este país (24 de setembro, 2008)

(75) Ninguém segura este país

Penso, mas existo? (26 de novembro, 2008)

(76) Penso, mas existo?

Deus mudou de ideia (24 de dezembro, 2008)

(77) A politicalha jingoísta, entoando "O Petróleo é Nosso", acusou-o de ser

um agente estrangeiro e afastou-o da Petrobras.

No que se refere a frases conhecidas, temos, em (75), o título de uma

crônica que dialoga com o famoso slogan: “Ninguém segura este país", criado

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pelo governo militar brasileiro, no momento em que criou campanhas ufanistas,

na década de 70, com intuito de conquistar a simpatia da população.

Na passagem (76), novamente, temos mais um título de crônica que

caracteriza um intertexto implícito, por meio de subversão, com a famosa frase

de Descartes: “penso, logo existo”.

Em (77), identificamos a frase que se tornou famosa ao ser pronunciada

na ocasião da descoberta de petróleo na Bahia. Mais tarde, essa frase tornou-

se lema da Campanha do Petróleo, a partir de 1947, no governo de Getúlio

Vargas.

Fragmentos com intertextos implícitos que dialogam com a Literatura

(Escritores): 3 ocorrências

O gosto azedo da mesmice (2 de setembro, 2009)

(78) Ali Kamel é o Flaubert do lulismo. Flaubert? Gustave Flaubert? Ele

mesmo. No Dicionário das Ideias Feitas, publicado postumamente como um

adendo ao seu último romance, Bouvard e Pécuchet, Flaubert reuniu, em

ordem alfabética, os lugares-comuns mais idiotas difundidos na Terceira

República francesa.

A era do cacarejo (10 de fevereiro, 2010)

(79) Rimbaud espancava Verlaine. Eu invejo Rimbaud. Eu gostaria de ter

espancado Verlaine. Eu gostaria de ter espancado qualquer poeta simbolista.

Verlaine vingou-se alguns anos mais tarde, num quarto de hotel, dando dois

tiros em Rimbaud. Eu também invejo Verlaine. Ele tinha apenas má pontaria.

A era do cacarejo (10 de fevereiro, 2010)

(80) Rimbaud espancava Verlaine. Eu invejo Rimbaud. Eu gostaria de ter

espancado Verlaine. Eu gostaria de ter espancado qualquer poeta simbolista.

Verlaine vingou-se alguns anos mais tarde, num quarto de hotel, dando dois

tiros em Rimbaud. Eu também invejo Verlaine. Ele tinha apenas má pontaria.

No fragmento (78), temos alusão ao escritor francês Gustave Flaubert.

Considerado o fundador do Realismo, rompeu violentamente com o olhar

idealizado predominante na estética romântica. Na passagem (79), identificamos

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diálogos com o poeta francês, considerado o precursor do surrealismo, Jean-

Nicolas Arthur Rimbaud.

Em (80), temos menção a outro poeta francês Paul Marie Verlaine, com

quem Rimbaud viveu em Londres. A relação de amor e ódio entre os dois chegou

ao fim quando Rimbaud foi ferido por Verlaine com o disparo de dois tiros que

atingiu o pulso desse último sem causar sérios danos.

Fragmentos com intertextos implícitos referentes à Arte visual: 2

ocorrências

Vou embora (5 de julho, 2006)

(81) (...) Se ir embora do Brasil fosse pintura, eu seria Michelangelo.

Eu e o urso canibal (16 de dezembro, 2009)

(82) (...) Eu sei que William Shakespeare podia pegar uma tempestade e

transformá-la em outra obra de arte. Eu, prosaicamente, só sei pegar

disenteria com as tempestades, como a que cai agora, espalhando esgoto pela

Praia de Ipanema. Sim: eu sou um Giorgione dos protozoários. Sim: meu

intestino delgado é uma Stratford-upon-Avon dos adenovírus.

No excerto (81), Mainardi emprega uma metáfora para comparar sua

saída do Brasil a Michelangelo. Considerado o maior artista de seu tempo, ele

foi escultor, arquiteto, pintor e poeta. Esse mestre italiano lançou as bases do

maneirismo e eternizou em tinta e mármore obras como os afrescos da Capela

Sistina e as esculturas de Davi, Baco e as Pietàs. Em (82), encontramos uma

referência ao pintor renascentista Giorgio Barbarelli da Castelfranco, mais

conhecido como Giorgione.

Fragmentos com intertextos implícitos referentes a Movimento Cultural:

2 ocorrências

Do Kotscho à Chaui (14 de outubro, 2009)

(83) (...) Marilena Chaui fazia parte da "urubuzada" agourenta. Depois que Lula

foi eleito, ela deu uma amostra de seu rigor intelectual, tornando-se

imediatamente "verde-amarelista", alinhada à fanfarronice do Brasil Grande.

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Plínio Salgado - o Ricardo Kotscho integralista - inaugurou o "verde-

amarelismo".

Do Kotscho à Chaui (14 de outubro, 2009)

(84) (...) Alguns anos mais tarde, seu movimento totalitário teve uma segunda

etapa. Nome? "Revolução da Anta". Os célebres 6% que reprovam o governo

Lula acreditam estar em plena "Revolução da Anta".

Em relação aos intertextos tecidos com movimento cultural, encontramos,

em (83), menção ao grupo modernista verde-amarelo, como um dos

desdobramentos após a Semana de Arte Moderna. De acordo com Afrânio

Coutinho (2001, p. 50), esse grupo, integrado por Menotti Del Picchia, Cassiano

Ricardo, Plínio Salgado, Raul Bopp, preconizava uma poesia genuinamente

brasileira. Além disso, acusava de afrancesado o nacionalismo de Oswald de

Andrade e partia para um nacionalismo extremado, com a valorização da língua

e da cultura dos indígenas brasileiros.

Em (84), identificamos a alusão feita a um outro movimento cultural

modernista intitulado “Revolução da Anta”, cuja preocupação era com o estudo

da formação brasileira sobre base ameríndia. “Denominou-se da Anta por ser

esse animal totem da raça tupi, assumindo o tapir, para os poetas conjugados

sob o seu signo (Menotti, Cassiano), o sentido da ‘força bárbara e original da

terra’”. (COUTINHO, 2001, p. 50)

Fragmentos com intertextos implícitos referentes a Pesquisadores: 2

ocorrências

Minha vida de Coiote (28 de junho, 2006)

(85) E é repetidamente punido por causa disso. Se o Coiote é Lamarck (...)

O caso do Sr. D (30 de junho, 2010)

(86) O Brasil, mais do que um ensaio de psicanálise, é um teste behaviorista.

E, se o Brasil é um teste behaviorista, Dunga só pode ser nosso B.F. Skinner.

Ele faz com seus jogadores precisamente o mesmo que, nos primórdios do

behaviorismo, B.F. Skinner fazia com os pombos e com os macacos de seu

laboratório.

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Em (85), temos alusão a Lamarck, naturalista francês, o primeiro a propor

uma teoria sintética da evolução. Nos fragmentos (86), identificamos a menção

a Burrhus Frederic Skinner, que conduziu pesquisas em psicologia experimental

e foi o propositor do behaviorismo radical, abordagem que busca entender o

comportamento em função das interrelações entre a filogenética, o ambiente e a

história de vida do suposto indivíduo.

Fragmentos com intertextos implícitos que dialogam com Religião :1

ocorrência

A grande arca da TV Brasil (24 de fevereiro, 2010)

(87) ‘Deus passa o dia inteiro com a TV ligada. Ele só assiste à TV Brasil.

Ninguém assiste aos programas do canal, segundo os dados do Ibope.

Somente Ele. Deus é o único espectador da TV Brasil. Como é que eu sei

disso? Lula contou. Está lá, nas tábuas da lei do lulismo, o Dicionário Lula, de

Ali Kamel: ‘Deus me deu o segundo mandato para fazer a TV pública

brasileira’. Lula, como Noé, respondendo ao chamado do Onipotente, fez o

que lhe foi ordenado. Primeiro, ele construiu a grande arca da TV Brasil,

revestindo-a de betume. Em seguida, embarcou nela um casal de cada

espécie – um orangotango e uma orangotanga, um pato e uma pata, um

Franklin Martins e uma Dilma Rousseff – e conduziu-os por quarenta dias e

quarenta noites até os montes Ararat do éter, a fim de que eles se

multiplicassem incestuosamente e povoassem a ‘TV pública brasileira’ com

seus descendentes.

Por fim, encontramos, em (87), um diálogo com a história da Arca de

Noé, uma passagem bíblica, que se encontra nos capítulos iniciais de Gênesis,

primeiro livro da Bíblia, de autoria atribuída ao profeta Moisés.

Depois de mostrarmos os exemplos inerentes aos fenômenos

intertextuais explícitos e implícitos, apresentaremos agora 3 exemplos de

autotextualidade empregados por Mainardi em suas crônicas.

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Fragmentos com autotextualidade

13 ocorrências

Agora me acusam de antinordestino (14 de março, 2007)

(88) Mas o Ministério Público Federal colheu mais provas contra mim.

No Manhattan Connection de março de 2005, fiz o seguinte comentário: Lula

é um oportunista. Quer dizer, uma semana ele concede a exploração de

madeira, na semana seguinte ele cria uma reserva florestal grande como

Alagoas, Sergipe, sei lá eu... por essas bandas de onde eles vêm.

O fim da assombração (5 de setembro, 2007)

(89) Eu já me despedi dele no passado. Formalmente. Solenemente. Quando?

Numa coluna de março de 2005. Prometi que nunca mais tocaria em seu

nome, argumentando que dedicara mais tempo a ele do que a Flaubert. Lula

me emburrecia. Lula me empobrecia. Lula fazia brotar perebas em minha pele.

Eu tinha de purgá-lo.

McCarthy estava certo (3 de outubro, 2007)

(90) A primeira listinha do lobista Mainardi foi publicada numa coluna de

dezembro de 2005. Nela, relacionei uma série de jornalistas comprometidos

com Lula. Mais do que simples torcedores ou correligionários do presidente,

acusei-os de distorcer os fatos a fim de abafar as denúncias contra os

mensaleiros. A certa altura, eu dizia:

O Globo tem Tereza Cruvinel. É lulista do PCdoB. Repete todos os dias que o

mensalão ainda não foi provado. E que José Dirceu não deveria ter sido

cassado. Ela aparelhou o jornal da mesma maneira que os lulistas

aparelharam os órgãos públicos. Quando tira férias, seu cunhado, Ilimar

Franco, assume sua coluna.

No fragmento (88), o cronista menciona um comentário feito por ele mesmo

no Manhattan Connection, transmitido pela Globo News aos domingos, do qual

é um dos apresentadores. Em (89), Mainardi retoma sua coluna de março de

2005 ao dizer que já havia dito que não falaria mais de Lula. Por fim, temos, em

(90), uma acusação feita pelo próprio cronista, em sua coluna em dezembro de

2005, sobre os jornalistas comprometidos com Lula.

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Os dois exemplos que se referem à intertextualidade intergenérica e à

estilística já foram mostrados anteriormente, no momento em que apresentamos

a definição desses dois tipos de intertextualidade, na parte dos pressupostos

teóricos. O exemplo da intertextualidade intergenérica pode ser observado na

página 44 e o da estilística na página 55.

Tendo em vista o quadro geral das análises qualitativas e quantitativas,

registramos que a hipótese inicial, segundo a qual o emprego de recursos

intertextuais explícitos e implícitos, nas crônicas de Mainardi, revelaria um ethos

de inteligência, é plenamente confirmada. Isso significa que a tese defendida

nesta pesquisa pode ser assim verbalizada:

Mainardi emite um ethos de inteligência em suas crônicas, por intermédio

do emprego de recursos intertextuais explícitos e implícitos.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando em consideração os pressupostos teóricos empregados para a

feitura deste trabalho, bem como a metodologia de análise que adotamos para

guiar a nossa pesquisa, pudemos confirmar as hipóteses elucidadas

previamente:

Verificamos que Mainardi utilizou mais intertextos explícitos em relação

aos intertextos implícitos, aqueles cujas fontes não são mencionadas.

Confirmamos que, dentre os recursos intertextuais empregados por

Mainardi, a referência a intertextos da área política foi o recurso mais recorrente

em seus textos.

Constatamos que o cronista revelou um grande conhecimento de

informações veiculadas nas mídias (jornais, revistas e outros meios de

comunicação).

Certificamos que Mainardi evidenciou um vasto saber no campo literário,

tendo em vista o número de diálogos intertextuais com obras, escritores e

personagens da literatura nacional e universal.

Ratificamos que o articulista demonstrou conhecimento em relação à

cultura e à arte (música, cinema, arte visual).

Mostramos que, dentre os recursos intertextuais implícitos, o emprego de

intertextos que dialogam com a música foi o recurso mais recorrente nas crônicas

de Mainardi.

Por fim, corroboramos que, levando em consideração os resultados

obtidos, Mainardi emite um ethos de inteligência, por intermédio dos recursos

intertextuais explícitos e implícitos, em suas crônicas publicadas na revista Veja.

Em relação às ocorrências intertextuais verificadas no corpus,

constatamos que o cronista empregou intertextos explícitos, implícitos,

estilísticos, intergenéricos, temáticos, além de recorrer à autotextualidade para

referenciar os seus próprios textos escritos, anteriormente, na coluna da revista

Veja.

Foi possível desvelar, por meio dos intertextos explícitos e implícitos, os

inúmeros diálogos tecidos com diferentes áreas do conhecimento com as quais

Mainardi lançou mão para construir a sua imagem. Constatamos que, em suas

empreitadas textuais, o cronista perpassou pela política, pelos meios de

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comunicação, pela literatura, pela música, pelos desenhos animados, pelo

cinema, pelo direito, pela história, pelas artes visuais, pela filosofia, pelo ensaio,

pela economia, pela antropologia, pela pesquisa científica, pela ciência, pela

sociologia, pela dramaturgia, pela física, pelas frases consagradas, pelos

movimentos culturais e pela religião.

Todos os diálogos travados com essas áreas, por meio dos elementos

intertextuais, contribuíram para que pudéssemos identificar uma imagem

construída por Mainardi em seu discurso. A partir deles, por intermédio de suas

crenças, de sua competência linguística, de seu capital cultural, de sua estratégia

persuasiva e de suas escolhas intertextuais, ele pôde construir a imagem de um

cronista culto, detentor de um repertório cultural bastante produtivo, que

emprega o intertexto para marcar o seu discurso, para persuadir o seu

interlocutor, bem como ganhar a confiança de seu auditório.

Cabe ressaltar que as contribuições teóricas as quais recorremos para

fundamentar esta investigação foram de extrema relevância. Por meio delas,

pudemos entender o discurso como um “jogo comunicativo” e que o significado

do texto é analisado em função do projeto de influência e da ação persuasiva do

sujeito enunciador sobre o seu interlocutor em uma situação interativa, de acordo

com os preceitos da Semiolinguística do Discurso.

Compreendemos que quem desconhece o fenômeno da intertextualidade

certamente terá dificuldades na leitura de textos que o incorporam, uma vez que

todo e qualquer texto está em constante diálogo com outros com os quais

retoma, alude e também se opõe. Os diferentes intertextos, empregados por

Mainardi em suas crônicas, puderam exemplificar o fundamento de Kristeva

(1969) de que qualquer texto é constituído e pode ser construído como um

mosaico de citações, bem como é a absorção e a transformação de um outro

texto.

Além disso, tomamos conhecimento de que, em qualquer enunciado, é

possível identificarmos, por meio do discurso, uma imagem de si oferecida pelo

enunciador para a construção dos efeitos de sentido, caracterizada como ethos.

Nessa perspectiva, pudemos desvelar a imagem projetada por Mainardi,

pelas pistas deixadas em seu discurso, pelas estratégias e pelos procedimentos

linguístico-discursivos para criar efeitos de sentido. Essa imagem representa a

figura de um intelectual com um vasto conhecimento reconhecido pelos diálogos

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tecidos com as diferentes áreas das quais lançou mão para incorporar às suas

crônicas.

Acreditamos que esta investigação seja relevante não só para aqueles

que estudam a relação entre língua e discurso e aos que se dedicam às

pesquisas inerentes à Linguística Textual, mas principalmente para encorajar

outros trabalhos cuja temática esteja atrelada aos temas abarcados nesta

pesquisa.

Esperamos também que esta pesquisa contribua para o trabalho docente

dos professores de Língua Materna que devem ter a concepção de que o texto

é o lugar de interação dos sujeitos sociais em que se constituem e são

constituídos dialogicamente. Nessa mesma perspectiva, eles devem considerar

que não existe texto autônomo e livre das interferências dos aspectos

intertextuais. Por conseguinte, faz-se necessário trabalhar com o intertexto e

com outras temáticas que mobilizem as estratégias linguístico-discursivas para

construção de sentido de um texto.

Por fim, chegamos ao término deste trabalho que tem como tema a

construção de um ethos por meio dos recursos intertextuais.

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