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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CARLOS HENRIQUE WROBEL EXPORTAÇÕES, FLUXOS DE CAPITAIS E CÂMBIO NO BRASIL: DOENÇA HOLANDESA OU DOENÇA FINANCEIRA? UMA ANÁLISE PARA O PERÍODO 2004-2011. CURITIBA 2012

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Page 1: EXPORTAÇÕES, FLUXOS DE CAPITAIS E CÂMBIO NO BRASIL DOENÇA HOLANDESA OU DOENÇA FINANCEIRA UMA ANÁLISE PARA O PERÍODO 2004-2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

CARLOS HENRIQUE WROBEL

EXPORTAÇÕES, FLUXOS DE CAPITAIS E CÂMBIO NO BRASIL: DOENÇA

HOLANDESA OU DOENÇA FINANCEIRA? UMA ANÁLISE PARA O PERÍODO

2004-2011.

CURITIBA

2012

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CARLOS HENRIQUE WROBEL

EXPORTAÇÕES, FLUXOS DE CAPITAIS E CÂMBIO NO BRASIL: DOENÇA

HOLANDESA OU DOENÇA FINANCEIRA? UMA ANÁLISE PARA O PERÍODO

2004-2011.

Monografia apresentada à disciplina Trabalho de Fim de Curso como requisito parcial à conclusão do curso de Ciências Econômicas, Setor de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Paulo Mello Garcias

CURITIBA

2012

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TERMO DE APROVAÇÃO

CARLOS HENRIQUE WROBEL

EXPORTAÇÕES, FLUXOS DE CAPITAIS E CÂMBIO NO BRASIL: DOENÇA

HOLANDESA OU DOENÇA FINANCEIRA? UMA ANÁLISE PARA O PERÍODO

2004-2011.

Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de

Bacharel no curso de Ciências Econômicas, Setor de Ciências Sociais

Aplicadas da Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca

examinadora:

Orientador: Prof. Dr. Paulo Mello Garcias

Departamento de Ciências Econômicas, UFPR

Prof. Dr. Armando Vaz Sampaio

Departamento de Ciências Econômicas, UFPR

Prof. Dr. Mauricio Vaz Lobo Bittencourt

Departamento de Ciências Econômicas, UFPR

Curitiba, _____ de ______________________ de ________.

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À memoria de minha mãe, Maria Goreti, que me incentivou e lutou

por meu futuro.

E ao meu pai, Antonio Geraldo, que sempre me apoiou em todas

as circunstâncias.

Page 5: EXPORTAÇÕES, FLUXOS DE CAPITAIS E CÂMBIO NO BRASIL DOENÇA HOLANDESA OU DOENÇA FINANCEIRA UMA ANÁLISE PARA O PERÍODO 2004-2011

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço ao meu pai e minha madrasta Nice, que

incentivaram e me propiciaram a oportunidade de iniciar minha jornada de estudos

em Curitiba. Sem seus esforços e incentivo, nada aconteceria.

À minha escola, familiares e amigos, que me propiciaram um ambiente e

vida saudável para me desenvolver, às minhas irmãs e amigos, que sempre me

apoiaram em momentos difíceis, por mais triviais que parecessem.

À Universidade Federal do Paraná e professores, que dispuseram seus

recursos e tempo para minha formação. Também aos meus colegas de vida

acadêmica, que colaboraram, enriqueceram e me acompanharam nesta caminhada.

Ao professor Paulo Mello, pela orientação, experiência, conselhos e

conhecimento compartilhados.

À minha namorada Danielle, pelo apoio, conhecimento, experiência e

carinho em momentos primordiais.

Enfim, a todos que de alguma forma contribuíram para a conclusão desta

etapa de minha vida. Meus sinceros agradecimentos.

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V

RESUMO

Esta monografia objetiva analisar o impacto dos fluxos de capitais e de exportação

de commodities na variação da taxa de câmbio brasileira no período compreendido

entre 2004 e 2011. Em particular busca mostrar a relevância das variáveis fluxo de

capitais e exportações de commodities para a valorização cambial verificada no

período, se esta valorização está associada preponderantemente à exportação de

commodities, o que reforçaria a tese de ocorrência de “doença holandesa” no Brasil.

A metodologia utilizada para esta analise é o emprego de instrumentos

econométricos para a avaliação das séries temporais relevantes. Os resultados

obtidos sugerem, apesar de limitados, uma menor relevância da exportação de

commodities na variação da taxa de câmbio brasileira no período, apontando para o

fluxo de divisas e variáveis omitidas no modelo como importantes para a sua

determinação.

Palavras-Chave: Câmbio, variações cambiais, commodities, fluxos de capitais,

doença holandesa.

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VI

ABSTRACT

This essay aims to analyze the impact of capital flows and commodity exports in the

brazilian exchange rate in between 2004 and 2011 years. In particular, intends to

show the relevance of each variables for the appreciation recorded in this period. If

this appreciation is associated predominantly with commodity exports, it would

reinforce the thesis that Brazil is beign affected by “dutch disease”. The methodology

adopted for this analyzis is the employment of econometric techniques to analyze the

relevant economic time series data. The results sugests, although limited, a smaller

relevance of the commodities exports on the brazilian exchange rate appreciation

observed in the period, pointing to capital flows and omitted variables as important to

its determination.

Key-words: Exchange rate, exchange rate variations, commodities, capital flows,

dutch disease.

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VII

LISTA DE FIGURAS

GRÁFICO 1 – TAXA DE CÂMBIO VERSUS PARTICIPAÇÃO DE PRODUTOS BÁSICOS NA

PAUTA DE EXPORTAÇÕES, 2003-2011, BRASIL.............................................................. 10

GRÁFICO 2 – EXPORTAÇÕES DE PRODUTOS BÁSICOS, 2004-2011, PERIODICIDADE

MENSAL. ............................................................................................................................. 26

GRÁFICO 3 – SALDO DA CONTA CAPITAL E FINANCEIRA, 2004-2011, PERIODICIDADE

MENSAL. ............................................................................................................................. 27

GRÁFICO 4 – TAXA DE CÂMBIO EFETIVA REAL – INPC – EXPORTAÇÕES, 2004-2011.

............................................................................................................................................ 27

FIGURA 1 – RESÍDUOS COMPARADOS COM A VARIÁVEL DEPENDENTE ................... 31

FIGURA 2 – RESÍDUOS COMPARADOS COM A VARIÁVEL DEPENDENTE ................... 32

FIGURA 3 – AJUSTAMENTO DO MODELO AO EFETIVO ................................................. 33

LISTA DE QUADROS E TABELAS

TABELA 1 – ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS DAS VARIÁVEIS UTILIZADAS ..................... 28

TABELA 2 – MQO, UTILIZANDO OBSERVAÇÕES 2004:01 - 2011:12. .............................. 30

TABELA 3 – CORREÇÃO PELO MODELO COCHRANE-ORCUTT .................................... 31

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VIII

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS ................................................................................................ VII

LISTA DE QUADROS E TABELAS ........................................................................ VII

SUMÁRIO ............................................................................................................... VIII

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9

1.1 OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS .......................................................... 11

2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................. 13

2.1 FORMAÇÃO DAS TAXAS DE CÂMBIO ........................................................ 13

2.1.1 Formação das Taxas de Câmbio por Intermédio do Comércio ................................ 15

2.1.1.1 Teorias de Paridade de Poder de Compra.................................................................... 15

2.1.2 Formação das Taxas de Câmbio por Intermédio do Movimento de Capitais ........... 18

2.1.2.1 Teorias de Paridade de Taxas de Juros ....................................................................... 18

2.2 DOENÇA HOLANDESA ................................................................................. 20

2.2.1 Doença Holandesa por Corden e Neary .................................................................. 20

2.2.2 Doença Holandesa no Brasil ................................................................................... 22

3 METODOLOGIA ................................................................................................. 24

3.1 MODELO PROPOSTO E DADOS UTILIZADOS ............................................ 25

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES ....................................................................... 30

4.1 ANÁLISE DOS RESULTADOS ...................................................................... 30

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 35

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 37

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9

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, tanto no plano acadêmico como na imprensa, tem tomado corpo

um debate sobre a suposta desindustrialização que estaria em curso no país. A

discussão avança sobre a possibilidade de este processo de desindustrialização

estar associado a sintomas de “doença holandesa” (Dutch Disease)1, em que a

recente valorização cambial real (resultado desta), estaria levando a uma redução

na participação da indústria no PIB nacional, acompanhada de uma reprimarização

da pauta de exportações.

O processo que estaria ocorrendo no Brasil é interpretado através da

releitura da teoria original, em que a doença holandesa seria resultado do

crescimento da exportação de diversos produtos básicos, ao invés da exploração de

um recurso natural específico, como o ocorrido na Holanda na década de 1960 com

a exploração do petróleo.

Os elementos valorização cambial real e crescimento da participação de

produtos básicos na pauta de exportações nacional estão presentes, e são

constatáveis por estatísticas oficiais. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA, 2012) sobre a taxa de câmbio real entre o período de 2004 a 2011,

apontam uma valorização cambial real de 52,3%2, enquanto a participação de

produtos primários na pauta de exportações brasileira saltou de 29% para 48% no

período (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2012).

1 Esta alcunha está relacionada ao fenômeno ocorrido na Holanda após a descoberta de grandes reservas de gás natural neste país nos fins da década de 1960. A exploração e exportação desta commodity causou uma forte realocação de recursos na economia holandesa, além de forte apreciação da moeda local – provocando uma forte retração do setor industrial. Pioneiramente, Corden e Neary (1982) desenvolveram a teoria da doença holandesa, relacionando a retração de um determinado setor em resposta ao boom de outro setor produtor de bens comercializáveis. 2 Deflacionado pelo do Índice de preços por atacado – Oferta Global (IPA-OG) da indústria de transformação brasileira, calculado pela Fundação Getulio Vargas.

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GRÁFICO 1 – TAXA DE CÂMBIO VERSUS PARTICIPAÇÃO DE PRODUTOS BÁSICOS NA PAUTA DE EXPORTAÇÕES, 2004-2011, BRASIL. FONTES: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2012. Secretaria de Comércio Exterior, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2012 (SECEX/MDIC).

A despeito da valorização cambial verificada, o aspecto referente a

desindustrialização resultante da doença, põe em dúvida o encaixe do modelo de

doença holandesa original no Brasil.

De acordo com dados colhidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística, a participação da indústria no valor adicionado da economia brasileira

para o período 2004-2011 não apresentou declínio contundente. Sua participação

oscilou entre 25% e 30% no período, terminando a série em 2011 com participação

de cerca de 27,5% do PIB (IBGE, 2011), apesar do grande aumento da participação

de bens primários na pauta de exportação brasileira.

Apesar desta dissonância, Bresser-Pereira (2007), argumenta que para a

constatação de doença holandesa, a variável mais importante não é a participação

industrial no PIB, mas sim sua queda de participação na pauta de exportações,

como ocorre no Brasil é possível depreender do gráfico 13 .

3 A participação de produtos manufaturados e semimanufaturados na pauta de exportações brasileira cai de 68,9% em 2004

para 59,2% em 2011, de forma que a o crescimento da participação de produtos básicos na pauta exportadora brasileira levou a uma queda na participação de produtos industriais, especialmente de produtos manufaturados, que detinham 54,3% de participação em 2004, reduzindo sua participação para 36,1% em 2011 (SECEX/MDIC, 2012).

25%

30%

35%

40%

45%

50%

75

85

95

105

115

125

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Taxa de câmbio - efetiva real - índice (média 2005 = 100)

Participação de produtos básicos na pauta de exportações

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O modelo proposto por Corden e Neary (1982) e a argumentação de

Bresser-Pereira (2007), destacam a influência do fluxo de divisas na taxa de câmbio

por conta das relações comerciais entre os países, e então a valorização cambial

resultante deste fluxo de divisas. A influência do fluxo comercial na taxa de câmbio é

corroborada por teorias econômicas tradicionais, mas que também apontam a

influência de movimentos de capitais na sua determinação.

Este trabalho está dividido em cinco capítulos, primeiramente com a

apresentação de objetivos e motivação desta pesquisa, presentes nesta introdução.

O segundo capítulo apresenta o referencial teórico relevante, incluindo

teorias econômicas para formação de taxas de câmbio, um modelo de estimação de

câmbio real para o Brasil, o modelo teórico de teoria de doença holandesa proposto

por Corden e Neary em 1982, além de breves resumos de trabalhos relevantes

sobre a ocorrência de doença holandesa no Brasil.

O terceiro capítulo apresenta o modelo teórico utilizado na análise, os dados

e a metodologia utilizados.

O quarto capítulo apresenta os resultados e a discussão destes resultados

obtidos.

O quinto capítulo finaliza este trabalho com uma conclusão, refletindo os

resultados obtidos e a discussão destes resultados em conexão com os assuntos

abordados a respeito do tema apresentado.

1.1 OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS

O objetivo geral desta monografia é verificar o impacto tanto do fluxo de

divisas de origem comercial, especificamente aqueles provenientes das exportações

de produtos básicos, bem como da influência dos fluxos de divisas de origem

financeira nas taxas de câmbio entre a moeda brasileira e o dólar, entre 2004 e

2011.

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Em termos específicos, pretende-se com este trabalho a obtenção de

estimativas da influência das variáveis acima postas, de modo a revelar a

importância destas variáveis na recente valorização da moeda brasileira, com o fim

de contribuir para a discussão da ocorrência da doença holandesa no Brasil.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

De acordo com Nassif (2008), o termo dutch disease, foi utilizado pela

primeira vez pela revista The Economist, em 1977, para intitular um artigo que relata

os efeitos negativos à indústria holandesa da descoberta de grandes reservas de

gás natural na década de 1960. Como efeito da exploração do gás, ocorreu uma

estagnação na produção industrial tão logo os grandes fluxos de divisas

provenientes da exportação do gás valorizaram o câmbio holandês, reduzindo

substancialmente a competitividade da indústria local.

Após a publicação deste artigo, surgiram modelos teóricos que buscavam

compreender os mecanismos pelo qual a “doença holandesa” se instalava e

produzia seus efeitos negativos no setor industrial.

Esta seção está dividida em duas partes, primeiramente destaca o

referencial teórico acerca da formação de taxas de câmbio, essencial para a

discussão do fenômeno. Em seguida, apresenta o modelo desenvolvido por Corden

e Neary em 1982 para o fenômeno da doença holandesa, e, adicionalmente,

resumos de trabalhos que buscavam confirmar a ocorrência ou não da doença

holandesa na economia brasileira.

2.1 FORMAÇÃO DAS TAXAS DE CÂMBIO

Um grande desafio para os economistas é a construção de um modelo para

a determinação das taxas de câmbio. Diversas são as teorias e modelos propostos,

mas não há uma teoria ou modelo preciso para a determinação dos valores para as

taxas de câmbio, principalmente tendo em vista o atual grau de volatilidade das

taxas de câmbio.

Apesar desta limitação, a teoria econômica aponta para variáveis que

influenciam o movimento das taxas de câmbio nos âmbitos de curto e longo prazo,

sendo os motivos comerciais apontados como mais relevantes para a determinação

de taxas de câmbio de equilíbrio no longo prazo, enquanto fatores financeiros teriam

maior influência na determinação de modificações nas taxas no curto prazo.

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Gremaud (2003) aponta que, no longo prazo, a taxa de câmbio seria

determinada em um nível que possibilite saldos equilibrados no balanço de

pagamentos de um país com o restante do mundo, ou seja, ela se assentaria em

níveis que possibilitasse que os custos das importações fossem compatíveis com as

receitas das exportações de bens e serviços deste país para com o restante do

mundo ao longo do tempo.

No curto prazo, o movimento de capitais assumiria papel primordial,

refletindo os diferenciais entre as taxas de rentabilidade de aplicação do capital nos

diversos países. Aqueles considerados mais rentáveis teriam fluxos de entradas de

divisas na conta capital, enquanto os menos rentáveis apresentariam saídas de

capital, com respectivos efeitos de valorização e desvalorização de suas taxas de

câmbio.

Assim, a teoria moderna aponta para a participação relevante tanto dos

fluxos de divisas advindos de movimentos de capitais internacionais, bem como dos

fluxos advindos do comércio de bens e serviços na determinação das taxas de

câmbio, tendo os fluxos de capitais adquirido uma maior relevância em sua

determinação, sobretudo a partir de 1973, com a flutuação das taxas de câmbio e o

seu vertiginoso crescimento nos fluxos de divisas internacionais. Esse ganho de

relevância teria levado inclusive a um incremento na influência deste tipo de fluxo de

divisas no âmbito de longo prazo da determinação das taxas de câmbio,

principalmente em decorrência de seu grande avolumamento perante o fluxo de

divisas derivado do comércio de bens e serviços (Salvatore, 1998).

Neste capítulo serão apresentadas teorias que buscavam explicar as taxas

de câmbio e seus movimentos, a começar por teorias mais relevantes na construção

teórica da determinação de taxas de câmbio de longo prazo, e teorias que

contemplem o movimento de capitais na sua determinação.

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2.1.1 Formação das Taxas de Câmbio por Intermédio do Comércio

2.1.1.1 Teorias de Paridade de Poder de Compra4

A teoria da paridade de poder de compra (PPC), originalmente atribuída a

Cassel (1922), é uma derivação da “lei do preço único”, que postula que um bem

transacionado internacionalmente, em um mercado sem barreiras e sem custos de

transportes, terá um preço único. Esse fato ocorreria devido a possibilidade de

arbitragem do bem, que levaria a eliminação de qualquer diferença real em seu

preço, igualando o preço dos bens.

A teoria da paridade de poder de compra afirma que a taxa de câmbio entre

a moeda de dois países é igual a razão entre os níveis de preço vigentes nestes

países, ou seja, a taxa de câmbio real seria sempre igual a 1.

Cassel (1922, p. 140) afirma:

Quando duas moedas são atingidas pela inflação, a taxa de câmbio normal será igual à taxa de câmbio anterior multiplicada pelo quociente do nível de inflação entre os países. Naturalmente, sempre serão encontrados desvios desta nova taxa de câmbio, e estes desvios esperados podem ser razoavelmente grandes durante o período de transição. Mas a taxa calculada pelo método acima deve ser vista como a nova paridade entre as moedas, o ponto de equilíbrio ao qual, apesar de todas as flutuações temporárias, as taxas de câmbio tenderão. Esta paridade eu chamo de paridade de poder de compra.

O método de cálculo ao qual Cassel se referia é expresso da seguinte forma:

(1)

4 Alguns autores (John Maynard Keynes, Bela Balassa, Paul Samuelson, entre outros) descreditam o termo “teoria”,

classificando a Paridade de Poder de Compra como uma doutrina, entre outros motivos, porque mesmo em situações ideais, em que a lei do preço único seria totalmente aplicável, seria praticamente impossível verificar a validade da teoria da paridade do preço único, já que os índices de preços calculados pelos países e que seriam utilizados para verificação da teoria não são comparáveis, o que invariavelmente produziria um desvio no cálculo das taxas de câmbio. Além do mais, autores apontam a teoria, ou doutrina, apenas como uma generalização da lei do preço único, puramente uma proposição empírica.

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16

Onde, P é o nível de preços interno, E = taxa de câmbio e P* é o nível de

preços externo.

Da teoria original, surgiu a versão “relativa” da paridade de poder de compra,

que ao invés de tentar estabelecer uma taxa de câmbio real unitária de equilíbrio

entre duas moedas, estabelece que variações nas taxas de câmbio são

determinadas pela diferença entre as variações percentuais dos níveis de preço

internos e externos (Balassa, 1964), assim expresso:

(2)

Assim sendo, a paridade de poder de compra relativa não determina uma

necessária unidade nas taxas de câmbio reais, mas apenas uma constância da taxa

de câmbio real no tempo. A inflação nos países gera alterações na taxa de câmbio

de forma a manter constante a taxa de câmbio real.

Entretanto, como posto por Balassa (1964) e Samuelson (1964), as teorias

de PPC não contemplam bens não comercializáveis, o que invalida suas aplicações

para a determinação das taxas de câmbio. Variações nos preços dos bens não

comercializáveis terão influência nos níveis de preços internos - com reflexos nas

taxas de câmbio -, mas estes bens não são passíveis de comercialização no

mercado internacional, impossibilitando a arbitragem e a nivelação de seus preços

no mercado internacional.

Esta limitação, explicitada tanto por Balassa (1964) como por Samuelson

(1964), atinge tanto a versão absoluta quanto a relativa da teoria, pois alterações

nos preços de bens não comercializáveis levam a alterações nas taxas de câmbio

reais - não consideradas pela teoria -, alterações estas que ferem o cerne das

teorias.

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17

Balassa (1964) e Samuelson (1964) argumentaram que diferenciais de

aumento de produtividade entre bens comercializáveis e não comercializáveis levam

a alterações nos custos e preços relativos, levando a uma “valorização” da moeda

de países mais desenvolvidos em comparação a países menos desenvolvidos.

Deste argumento derivou o modelo que ficou conhecido como “Efeito Balassa-

Samuelson”.

No modelo proposto, países mais desenvolvidos enriquecem por conta do

grande crescimento de produtividade na produção de bens e serviços

comercializáveis, enquanto no setor de não comercializáveis ocorre relativa

estagnação. Com o aumento da produtividade em setores de bens comercializáveis,

há o crescimento de demanda de trabalho, levando a aumento de salários. A

mobilidade do fator trabalho dentro da economia fará com que haja aumento tanto

em setores produtores de bens comercializáveis como de não comercializáveis,

resultando em aumento de preços de produtos não comercializáveis, já que não há

aumento de produtividade compatível na produção destes bens e serviços. Como os

preços de comercializáveis tendem a igualar-se no mercado internacional, países

com maior crescimento na produtividade terão uma tendência ao aumento do poder

de compra de sua moeda, já que há aumento de preço relativo dos não

comercializáveis nestes países.

Os autores demonstraram que a taxa de câmbio real tem estreita relação

com o nível de renda per capita em vários países (que foi tomada como uma proxy

para produtividade). Quanto maior a diferença na renda per capita entre dois países

analisados, maior era a diferença no poder de compra entre suas moedas em

relação à sugerida pela teoria da paridade de poder de compra.

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18

2.1.2 Formação das Taxas de Câmbio por Intermédio do Movimento de Capitais

2.1.2.1 Teorias de Paridade de Taxas de Juros

O conceito de paridade de taxa de juros relaciona as taxas de câmbio atual e

futuras às taxas de retorno obtidas caso se invista em moeda doméstica ou

estrangeira. Segundo Isard (1996), a teoria de paridade de taxas de juros ganhou

visibilidade com a exposição trazida por Keynes, em seu livro A Tract on Monetary

Reform (1923).

A teoria parte da premissa de que, caso os agentes tenham a possibilidade

de livre escolha entre ativos domésticos e estrangeiros, remunerados pelas suas

respectivas taxas de juros, suas escolhas levarão a um ajuste da taxa de câmbio

entre as moedas, levando-os a ter uma taxa de retorno real equivalente.

Seguindo o conceito de paridade de taxas de juros, duas principais formas

são reconhecidas: a paridade coberta e descoberta das taxas de juros.

De acordo com Froot e Frankel(1986), a paridade coberta de taxas de juros

define que o diferencial entre a taxa de câmbio futura e à vista é igual ao diferencial

das taxas de juros domésticas e externas, em uma situação de não existência de

risco cambial.

De acordo com Isard (1996), essa paridade ocorreria pois, na possibilidade

de se protegerem de variações na taxa de câmbio através de operações no mercado

futuro de câmbio, investidores teriam incentivo para a arbitragem, de forma a obter

ganhos propiciados pelo diferencial de taxas de juros e o valor da taxa de câmbio

futuro. Esse ganho seria extinto pelo próprio movimento de capitais resultante da

busca por este lucro extraordinário, fazendo com que qualquer diferencial que

propicie este lucro extraordinário não seja mantido por muito tempo.

A possibilidade de lucros extraordinários sem risco cambial levará os

agentes a investir na opção lucrativa, gerando um saldo positivo no fluxo de

investimentos para este país, fluxo este que desvalorizará o câmbio futuro até o

ponto em que o diferencial de juros não seja suficiente para cobrir a variação

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cambial futura. Quando a taxa futura de câmbio alcançar o nível que não possibilita

ganho com arbitragem, ocorrerá a equalização do fluxos de divisas, e o equilíbrio do

câmbio futuro em um nível que iguale as rentabilidades das duas opções.

Esta situação é definida pela seguinte equação:

( )

( )

(3)

Onde representa a taxa de câmbio corrente, representa a taxa de

câmbio futura (de paridade de taxa de juro) , a taxa de juros doméstica, a taxa

de juros externa.

Caso haja eventuais desvios desta taxa de retorno entre os países, estes

poderiam ser explicados por eventuais imperfeições na mobilidade de capital, riscos

políticos ou quaisquer possibilidade de futuras barreiras ao fluxo de capital entre os

países.

Já na teoria da paridade descoberta da taxa de câmbio, em uma situação

em que exista apenas o risco cambial, os diferenciais nas taxas de juros seriam os

próprios previsores de mudanças esperadas nas taxas de câmbio. Nessa situação,

caso um país esteja com uma alta taxa de juros, a expectativa é de desvalorização

cambial, de forma a manter a paridade das taxas de juros.

Em ambos os casos, o retorno dos ativos em moeda estrangeira ou

doméstica leva a ocorrência de fluxos de capitais, ajustando as taxas de câmbio de

acordo com a possibilidade de lucros propiciados por diferenciais de taxas de juros e

variações cambiais.

As teorias de paridade de taxas de juros são teorias que exploram a

condição de expectativa de não ocorrência de lucros extraordinários para o resultado

esperado na taxa de câmbio, fato que julga-se não ser o que ocorre no Brasil. Tal

fato estaria levando a uma elevação de fluxos de divisas ao país através da conta

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20

capital, ampliando a oferta de moeda estrangeira e desta forma valorizando a moeda

local no mercado de câmbio.

Conforme exposto por Famá e Chaia (2001), há uma dificuldade de

comprovação empírica das teorias de paridade de juros quando esta é posta a prova

em países em desenvolvimento, devido aos spreads associados ao risco de investir

em países em desenvolvimento, que é outra variável ignorada pelo modelo, e

contribui para a exigência de um lucro extraordinário para alocação de divisas em

países considerados “de risco”.

2.2 DOENÇA HOLANDESA

2.2.1 Doença Holandesa por Corden e Neary

Corden e Neary (1982) desenvolveram pioneiramente a teoria da “doença

holandesa”, em referência aos sintomas apresentados por países como a Holanda,

Inglaterra e Noruega, ao explorarem recursos extrativo minerais.

Para os autores, a origem da “doença holandesa” é a coexistência de

setores em expansão (booming sector, no caso, o extrativo mineral) e em

estagnação (lagging sector, no caso, o industrial) em uma economia aberta. Essa

situação coloca o setor estagnado em dificuldades competitivas.

Os autores modelaram o impacto de um boom de um bem comercializável,

por eles chamado de “energia”, em uma economia com três setores, sendo dois

deles comercializáveis (“energia” e “manufaturas”), e um setor de não-

comercializável (“serviços”) e dois fatores de produção (trabalho e capital). Como

resultado do crescimento do setor “energia” surgem dois efeitos principais para o

entendimento do fenômeno, por eles classificados como “resource movement effect”

(efeito movimento de recursos) e “spending effect” (efeito gastos), que levam a

ajustes na economia.

O efeito movimento de recursos se dá quando o boom no setor “energia”

eleva o produto marginal dos fatores móveis empregados no setor, alterando os

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21

preços relativos, drenando fatores de produção de outros setores para o setor

“energia”. O principal ajuste desse efeito é uma valorização na taxa de câmbio real5,

resultado da maior entrada de recursos no país, proveniente da ampliação da

produção e exportação do bem comercializável.

Já o efeito gastos se dá através do crescimento da renda real resultante do

boom, que produz a uma elevação de gastos e consequente elevação dos preços

relativos dos bens não-comercializáveis. O aumento da renda real provoca um

aumento da demanda de todos os bens, porém, enquanto os preços dos produtos

comercializáveis sofrem grande influência do preço internacional, os preços dos

bens não-comercializáveis não o são. Esta restrição faz com que haja um aumento

dos preços dos bens não-comercializáveis enquanto o preço dos bens

comercializáveis são obrigados a permanecer em um nível de preços internacional.

Este aumento nos preços relativos de bens não-comercializáveis caracterizará uma

nova valorização cambial, já que, efetivamente, um aumento relativo dos bens não-

comercializáveis perante os comercializáveis significa uma valorização cambial real.

Ambos os efeitos levariam à desindustrialização, mas através de

mecanismos diferentes, originando dois novos conceitos: a desindustrialização direta

e a desindustrialização indireta.

A desindustrialização direta é aquela causada pelo efeito movimento de

recursos, devido à absorção extra de fator trabalho pelo setor “energia” em

detrimento dos setores “manufaturas” e “serviços”. Essa absorção extra é resultante

da expansão salarial no setor “energia” como resposta ao boom. A redução de

volume de fator trabalho disponível ao setor “manufaturas” reduz a capacidade de

produção do setor, resultando na desindustrialização direta.

Já a desindustrialização indireta é uma decorrência do efeito movimento de

recursos em conjunto com o efeito gastos. O efeito movimento de recursos reduz a

possibilidade de produção do setor “serviços”, enquanto o efeito gastos eleva a

demanda do setor “serviços”. Ambos conduzem ao aumento dos preços relativos

5 A taxa de câmbio real se diferencia da nominal no aspecto em que a taxa de câmbio real relaciona os preços de bens

encontrados no mercado internacional com os preços destes mesmos bens no mercado local, enquanto a taxa de câmbio nominal relaciona apenas o preço nominal das moedas em questão. A taxa de câmbio real é mais reveladora com relação a competitividade local na produção dos bens comparados.

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22

deste setor, o que se traduz em aumentos salariais neste setor. Esta modificação

dos preços relativos conduz a mais uma redução do fator trabalho disponível ao

setor “manufaturas”, desta vez em detrimento ao setor “serviços”. Esta segunda

onda de desindustrialização, é agora classificada como indireta, pois se dá pela

redução de fator trabalho disponível ao setor “manufaturas” pela valorização do

trabalho no setor “serviços”, e não do setor diretamente beneficiado pelo boom.

A doença holandesa então se expressaria primordialmente através da

valorização cambial real , devida aos fluxos de divisas de exportação provenientes

do booming sector. Esta valorização cambial real, acompanhada pelo aumento de

renda real, causariam os efeitos movimento de recursos e efeito gastos, resultando

finalmente nas desindustrializações direta e indireta, e subsequente contração do

setor manufatureiro em decorrência da queda de competitividade, provocada pela

valorização cambial real e pela elevação de custos de fatores empregados no setor.

2.2.2 Doença Holandesa no Brasil

A abordagem da ocorrência da doença holandesa no Brasil se dá

usualmente pela contraposição da pujança dos setores agropecuário e extrativista

mineral (apontados como booming sector) e a indústria nacional (apontada como

lagging sector).

Palma (2004) abordou o assunto tendo como objeto países latino-

americanos (entre eles o Brasil). Para este autor, a doença holandesa compreende

uma redução no nível de emprego industrial em associação ao aumento de

superávits comerciais através de produtos primários ou de serviços, em detrimento

de superávits através de produto industrial. Em referência aos países estudados, a

doença holandesa teria se espalhado em decorrência do abandono por estes países

de suas políticas de industrialização após a crise da década de 1980. O abandono

destas políticas industriais os teria levado para sua “posição Ricardiana natural”,

com forte concentração de produtos primários em sua pauta de exportação.

Nassif (2006), apesar de alertar para os riscos da recorrente valorização

cambial brasileira, afirma que evidências empíricas não confirmam doença

Page 24: EXPORTAÇÕES, FLUXOS DE CAPITAIS E CÂMBIO NO BRASIL DOENÇA HOLANDESA OU DOENÇA FINANCEIRA UMA ANÁLISE PARA O PERÍODO 2004-2011

23

holandesa no Brasil, já que, segundo o autor, não há realocação generalizada de

fatores produtivos para segmentos intensivos em recursos naturais ou trabalho.

Já para Bresser-Pereira (2007), a queda na participação de manufaturados

na pauta de exportações é a variável mais relevante para a avaliação da presença

de doença holandesa. O autor apresenta um conceito ampliado de doença

holandesa, incluindo a mão-de-obra barata como fator adicional à existência de

recursos naturais com poder para a determinação de uma taxa de câmbio

sobrevalorizada. Esta taxa de câmbio sobrevalorizada, apesar de não ter implicado

uma queda substancial de participação do setor manufatureiro no valor adicionado

total da economia, implica na queda de participação do setor manufatureiro na

balança comercial. Ele aponta como necessária a neutralização da doença

holandesa como política industrializante, com objetivo de fomentar o

desenvolvimento econômico brasileiro.

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24

3 METODOLOGIA

Conforme descrito anteriormente, a teoria da paridade de poder de compra

define que os preços relativos de bens transacionáveis não variam entre países. De

modo a garantir o poder de compra idêntico, a taxa de câmbio se ajusta de forma a

manter a paridade do poder de compra, definida pela regra:

(4)

Em consonância com a teoria da doença holandesa, a valorização cambial

ocorreria por razão do boom em um setor da economia, em detrimento de outros

setores. Para o Brasil, a ocorrência do boom é representada pelo aumento

internacional de preços de commodities, gerando o aumento do fluxo de divisas

através da conta comércio, reduzindo a taxa de câmbio. O fluxo de divisas adicional

proveniente do aumento dos preços das commodities no mercado internacional é,

sob esta leitura, a variável relevante para a valorização cambial recente pela conta

comércio.

Já no lado financeiro, como descrito pelas teorias de paridade de taxas de

juros, a condição de não arbitragem é determinada pela taxa de juros e pela taxa de

câmbio futura negociada no mercado (na paridade coberta), ou pela expectativa de

taxa de câmbio futura (na paridade descoberta). Porém, no Brasil, o fluxo de divisas

resultante do diferencial real de taxa de juros ocorre de forma a se obter lucro

extraordinário através da arbitragem. Desta forma, o diferencial real de juros e a

expectativa de taxa de câmbio futura não responderiam corretamente ao padrão

esperado pelas teorias de paridade de juros, já que a expectativa é de ocorrência de

lucro extraordinário no caso Brasileiro.

O diferencial real de taxa de juros estará definindo o fluxo de divisas, mas

não a taxa de câmbio futura ou a expectativa de taxa de câmbio futura, que seriam

definidas no mercado de câmbio. Assim, o diferencial de taxas de juros geraria um

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25

fluxo de divisas como resultante da comercialização de um bem transacionável

qualquer. O diferencial real de taxa de juros confere ao mercado financeiro sua

lucratividade, e o fluxo de divisas decorrente desta expectativa de lucratividade, a

valorização cambial, assim como no modelo tradicional de doença holandesa. Neste

caso, se trataria de um boom financeiro, e não de commodities. A representação da

ocorrência deste boom é dada pelo fluxo de divisas resultante do diferencial real de

taxas de juros entre o Brasil e o restante do mundo, reduzindo a taxa de câmbio.

Assim sendo, o fluxo de divisas na conta capital é apontada como a variável

relevante para o movimento de valorização cambial decorrente de diferencial de

taxas de juros, por isso foi a variável escolhida para a determinação da taxa de

câmbio no modelo proposto a seguir.

A análise será feita através de uma regressão gerada pelo método de

mínimos quadrados ordinários, a fim de avaliar a relevância de cada uma das

variáveis na variação da taxa de câmbio brasileira.

3.1 MODELO PROPOSTO E DADOS UTILIZADOS

O modelo proposto admite a arbitragem no mercado internacional, e supõe a

validade da “lei do preço único”, assumindo-se que o preço de produtos

comercializáveis em uma mesma moeda tendem a se igualar no mercado

internacional.

Assume também a causalidade da relação entre o câmbio e o saldo da conta

de capitais e conta financeira, no sentido do saldo de fluxo de capitais definindo o

câmbio.

O período de análise escolhido foi de 2004 a 2011, período em que a moeda

brasileira apresentou grande valorização e a discussão sobre a ocorrência de

doença holandesa se acirrou. A abordagem da pesquisa foi através de séries

temporais, se utilizando de variáveis que captam o fluxo de divisas resultante da

exportação de produtos básicos pelo Brasil no período, além do saldo da conta

capital e financeira do balanço de pagamentos brasileiro, em periodicidade mensal.

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26

Como proxy para a variável fluxo de divisas proveniente da exportação de

commodities, foi utilizada a série temporal com periodicidade mensal Exportações –

Produtos Básicos, gerada através do Sistema Gerenciador de Séries Temporais do

Banco Central do Brasil. Esta série é composta pelo valor de exportação em dólares

americanos de uma cesta de produtos básicos, representando o fluxo de

commodities transacionadas no mercado internacional pelo Brasil.

GRÁFICO 2 – EXPORTAÇÕES DE PRODUTOS BÁSICOS, 2004-2011, PERIODICIDADE MENSAL. FONTE: Banco Central do Brasil (BCB), sistema gerenciador de séries temporais.

Para o saldo da conta capital e financeira, foram coletados os saldos

registrados pelo Banco Central do Brasil (BCB), também gerados através da

ferramenta Sistema Gerenciador de Séries Temporais.

USD 0

USD 2.000

USD 4.000

USD 6.000

USD 8.000

USD 10.000

USD 12.000

USD 14.000

jan

/04

abr/

04

jul/

04

ou

t/0

4

jan

/05

abr/

05

jul/

05

ou

t/0

5

jan

/06

abr/

06

jul/

06

ou

t/0

6

jan

/07

abr/

07

jul/

07

ou

t/0

7

jan

/08

abr/

08

jul/

08

ou

t/0

8

jan

/09

abr/

09

jul/

09

ou

t/0

9

jan

/10

abr/

10

jul/

10

ou

t/1

0

jan

/11

abr/

11

jul/

11

ou

t/1

1

Exportação de produtos básicos

Exportação de produtos básicos

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27

GRÁFICO 3 – SALDO DA CONTA CAPITAL E FINANCEIRA, 2004-2011, PERIODICIDADE MENSAL. FONTE: Banco Central do Brasil (BCB), sistema gerenciador de séries temporais.

Para a variável taxa de câmbio real foi utilizada a série taxa de câmbio –

efetiva real – INPC – exportações, calculada e disponibilizada pelo IPEA em sua

página concentradora de base de dados econômicos, regionais e sociais

IPEADATA.

GRÁFICO 4 – TAXA DE CÂMBIO EFETIVA REAL – INPC – EXPORTAÇÕES, 2004-2011. FONTE: IPEADATA.

-USD 15.000

-USD 10.000

-USD 5.000

USD 0

USD 5.000

USD 10.000

USD 15.000

USD 20.000

jan

/04

abr/

04

jul/

04

ou

t/0

4

jan

/05

abr/

05

jul/

05

ou

t/0

5

jan

/06

abr/

06

jul/

06

ou

t/0

6

jan

/07

abr/

07

jul/

07

ou

t/0

7

jan

/08

abr/

08

jul/

08

ou

t/0

8

jan

/09

abr/

09

jul/

09

ou

t/0

9

jan

/10

abr/

10

jul/

10

ou

t/1

0

jan

/11

abr/

11

jul/

11

ou

t/1

1

Saldo da conta capital e financeira

Saldo da conta capital e financeira

USD 75

USD 85

USD 95

USD 105

USD 115

USD 125

jan

/04

abr/

04

jul/

04

ou

t/0

4

jan

/05

abr/

05

jul/

05

ou

t/0

5

jan

/06

abr/

06

jul/

06

ou

t/0

6

jan

/07

abr/

07

jul/

07

ou

t/0

7

jan

/08

abr/

08

jul/

08

ou

t/0

8

jan

/09

abr/

09

jul/

09

ou

t/0

9

jan

/10

abr/

10

jul/

10

ou

t/1

0

jan

/11

abr/

11

jul/

11

ou

t/1

1

Taxa de câmbio efetiva real - INPC - Exportações

Taxa de câmbio efetiva real - INPC - Exportações

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28

O período proposto para a pesquisa é de 2004 a 2011, conforme

anteriormente apontado, com periodicidade mensal dos dados, com estatísticas

descritivas expostas na tabela 1, que podemos observar a média, mediana, o desvio

padrão e o enviesamento dos dados levantados.

TABELA 1 – ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS DAS VARIÁVEIS UTILIZADAS

Estatísticas Descritivas, usando as observações 2004:01 - 2011:12

Variável N Média Mediana Desvio

Padrão Enviesamento

E 96 93,1357 89,5299 12,3521 0,983279

fK 96 4,18073 3,97278 5,55804 -0,207252

fComm 96 5,23529 4,3843 2,75733 0,876508

Fonte: Resultados do software Gretl 1.9.8.

As médias das variáveis explicativas propostas, de US$4,18 bilhões para o

fluxo de capitais e US$ 5,23 bilhões para o fluxo de commodities, traz uma prévia

dos valores negativos esperados para os coeficientes das variáveis no modelo, já

que se espera um resultado de valorização cambial trazido pelo fluxo positivo de

divisas decorrentes de ambas variáveis.

O desvio padrão das variáveis demonstra o grau de volatilidade das

variáveis, e exibe um grau de volatilidade especialmente elevado para a variável

taxa de câmbio observada no período, seguido pela volatilidade elevada da variável

fluxo de capital.

Apesar de ambas as variáveis explicativas apresentarem uma média

positiva, o enviesamento expõe que a variável fluxo de capitais apresenta um

número maior de observações com valor inferior as observações mais frequentes,

enquanto a variável fluxo de commodities apresenta um número maior de

observações com valor maior que as mais frequentes. Esse pequeno enviesamento

negativo, em conjunto com a média positiva e o desvio padrão relativamente

elevado, é decorrente dos grandes vales de saldo negativo em períodos observados

no período pesquisado.

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29

Com estas variáveis propostas, a equação a ser estimada é construída da

seguinte forma:

(5)

Onde,

= taxa de câmbio real, calculada pelo IPEA;

= constante do modelo;

= coeficientes da regressão;

= Volume de divisas proveniente da exportação de produtos

básicos;

= Saldo da conta capital e financeira;

= distúrbio aleatório.

Diante deste modelo, o trabalho envolveu testes estatísticos de forma a

consolidar o modelo utilizado e dar consistência às variáveis identificadas como

relevantes para a recente valorização cambial brasileira. De acordo com a

metodologia proposta, espera-se que a variável dependente E (Taxa de câmbio real)

tenha uma relação inversa com ambas variáveis independentes ( e ), no

sentido de que o influxo de divisas no país resulta em valorização cambial.

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30

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Este capítulo se ocupará da exposição dos resultados e análise

econométrica do modelo proposto.

O modelo é testado a luz das premissas clássicas para modelos de

regressão linear para a assegurar a produção do melhor estimador linear não-

viesado (MELNV), premissas básicas para garantir as propriedades de linearidade,

eficiência e não-viesamento esperadas de um estimador MELNV (GUJARATI, 2006).

4.1 ANÁLISE DOS RESULTADOS6

A tabela a seguir expõe os resultados obtidos pelo cálculo da regressão

através do software Gretl.

TABELA 2 – MQO, UTILIZANDO OBSERVAÇÕES 2004:01 - 2011:12.

Modelo 1: MQO, usando as observações 2004:01-2011:12 (T = 96)

Variável dependente: E

Coeficiente Erro Padrão razão-t p-valor

const 104,39 2,00001 52,1949 <0,00001

fK -1,13698 0,189844 -5,989 <0,00001

fComm -1,24179 0,382676 -3,245 0,00163

Média var. dependente 93,13574 D.P. var. dependente 12,35211

Soma resíd. quadrados 7647,671

E.P. da regressão 9,068243

R-quadrado 0,472378

R-quadrado ajustado 0,461031

F(2, 93) 41,63125

P-valor(F) 1,22E-13

Log da verossimilhança -346,3529

Critério de Akaike 698,7058

Critério de Schwarz 706,3988

Critério Hannan-Quinn 701,8155

Rô 0,808056 Durbin-Watson 0,350235

Fonte: Resultados do software Gretl 1.9.8.

O resultado da estatística Durbin-Watson sugere autocorrelação dos

resíduos, sugestão que também depreende-se da análise gráfica dos erros quando

comparados com a variável dependente câmbio, exposta a seguir.

6 Resultados obtidos através do software Gretl 1.9.8. Open Source software para análise econométrica. Disponível em http://gretl.sourceforge.net/

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31

FIGURA 1 – RESÍDUOS COMPARADOS COM A VARIÁVEL DEPENDENTE

Fonte: Resultados do software Gretl 1.9.8.

Essa comparação aponta a autocorrelação dos resíduos, inconveniente que

foi tratado através do método interativo de Cochrane-Orcutt.

TABELA 3 – CORREÇÃO PELO MODELO COCHRANE-ORCUTT

Modelo 4: Cochrane-Orcutt, usando as observações 2004:02-2011:12 (T = 95)

Variável dependente: E

rho = 0,944095

Coeficiente Erro

Padrão razão-t p-valor

const 91,6176 6,14358 14,9127 <0,00001

fK -0,199772 0,0715989 -2,7901 0,0064

fComm -0,309981 0,340577 -0,9102 0,36511

Estatísticas baseadas nos dados rô-diferenciados:

Média var. dependente 92,90565

D.P. var. dependente 12,20907

Soma resíd. quadrados 876,787

E.P. da regressão 3,087117

R-quadrado 0,937426

R-quadrado ajustado 0,936065

F(2, 92) 4,133731

P-valor(F) 0,019093

rô 0,158542 Durbin-Watson 1,611002

Fonte: Resultados do software Gretl 1.9.8.

Através deste método, a autocorrelação foi eliminada, entretanto a

significância da variável que coloca o fluxo de divisas proveniente de

Page 33: EXPORTAÇÕES, FLUXOS DE CAPITAIS E CÂMBIO NO BRASIL DOENÇA HOLANDESA OU DOENÇA FINANCEIRA UMA ANÁLISE PARA O PERÍODO 2004-2011

32

exportações de produtos básicos passa a ter seu coeficiente não significante no

modelo, com um poder explicativo de 93,6% apresentado pelo R² ajustado.

A autocorrelação também pode ser explicada por omissão de variáveis

importantes para o modelo, o que é particularmente relevante neste caso, pois a

forma de dispersão dos resíduos sugere a omissão de variável que levaria à

desvalorização cambial, visto que há autocorrelação positiva com E. A correção com

o método interativo de Cochrane-Orcutt corrige a autocorrelação, porém não

soluciona o problema da variável omitida no modelo que levaria à desvalorização

cambial sugerida. A desvalorização cambial seria explicada apenas parcialmente

pelas variáveis propostas inicialmente.

A figura a seguir apresenta o os resíduos novamente, destacando os erros

que sugerem a autocorrelação.

FIGURA 2 – RESÍDUOS COMPARADOS COM A VARIÁVEL DEPENDENTE

Fonte: Resultados do software Gretl 1.9.8.

Esta exposição evidencia que os erros se concentram no período inicial

estudado, entre 2004 e 2005, período em que a taxa de câmbio apresentava grande

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33

desvalorização, coincidente com o início do governo do ex-presidente Luiz Inácio

Lula da Silva. Este período foi marcado pela grande desvalorização do real, em

parte derivada da aversão e incerteza que o novo governo provocava no país e

restante do mundo. Esta constatação é importante para avaliar a motivação da

autocorrelação, e verificar que excluindo-se este período, a autocorrelação é

minimizada.

Apesar deste problema, a relação inversa entre o volume de exportação de

produtos básicos e a entrada de divisas através da conta capital se manteve,

consistente com o esperado diante da análise teórica.

Desse modo, a equação do modelo toma a seguinte forma:

(6)

Apesar da correção, o modelo apresenta um ajuste adequado ao efetivo,

com um R² ajustado de 93,6%, exposto na figura a seguir.

FIGURA 3 – AJUSTAMENTO DO MODELO AO EFETIVO

Fonte: Resultados do software Gretl 1.9.8.

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34

Neste sentido, o ajustamento do fluxo de capital, com significância,

representa uma importância desta variável para a variação da taxa de câmbio no

modelo proposto, o que parece indicar uma menor participação do fluxo de divisas

proveniente da exportação de produtos básicos como balizador da taxa de câmbio

brasileira, e uma variável importante relacionada à incerteza e risco, como excluída

do modelo.

Apesar das limitações encontradas no modelo, a autocorrelação e a

limitação imposta sobre a causalidade das variáveis, os resultados sugerem

importância para a variável na variação da taxa de câmbio brasileira observada

no período, enquanto os resultados para o coeficiente relacionado à

apontam para valorização cambial não significativamente relacionada com a

exportação de commodities. O coeficiente da variável sugere uma valorização de

0,199 na taxa de câmbio real estimada a cada bilhão de dólares entrante através da

conta financeira do balanço de pagamentos. Ao apontar para uma maior importância

para a variável , os resultados sugerem a não ocorrência doença holandesa no

período pesquisado, tendo em vista o mecanismo de valorização cambial provocada

pela exportação de commodities como mecanismo principal de manifestação da

doença e seus sintomas.

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35

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia procurou verificar a influência das variáveis

exportações de commodities e fluxo de divisas provenientes de origem financeira, da

conta de capital, na valorização da taxa de câmbio verificada no período de 2004 a

2011. O assunto foi abordado a luz da teoria da doença holandesa, que aponta o

fluxo de divisas de origem comercial, de setores em expansão, como responsáveis

pela valorização cambial, que pode ter efeitos negativos sobre outros setores da

economia do país afetado pela doença.

A questão se justifica pela importância desta variável para a economia do

país, que, como citado, tem efeito direto na competitividade da produção nacional no

mercado internacional.

A sugestão da doença holandesa é levantada por conta da pujança de

segmentos da economia brasileira ligados a exploração de recursos naturais e

agropecuária, que se inserem no mercado internacional competitivamente, com

relevante aumento de participação de produtos destes segmentos na pauta

exportadora brasileira no período recente, enquanto a taxa de câmbio brasileira

valoriza-se.

Apesar das limitações enfrentadas pelo modelo proposto, os resultados

apresentados por esta pesquisa sugerem uma maior relevância para a variável fluxo

de divisas da conta capital, além de sugerir variáveis não incluídas no modelo como

responsáveis pela desvalorização cambial, conforme indicado pela figura 2 (pág.

32), principalmente entre os períodos 2004-2005. Estes resultados apontam para

uma não confirmada relação entre a valorização cambial experimentada e a

exportação de commodities, sugestão que não confirma a tese de ocorrência de

doença holandesa no Brasil, que relaciona a exportação deste tipo de produtos com

a valorização cambial e consequente perda de competitividade da indústria.

A importância do fluxo de divisas da conta capital na valorização cambial

encontra consonância na conclusão de outros autores. É apontada como

particularmente relevante para países em desenvolvimento por Dow (1986) e Minsky

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(1994), para quem o sistema financeiro internacional é variável explicativa para as

taxas de câmbio, principalmente no médio/curto prazo. Particularmente no caso

brasileiro, Resende e Matos (2005), testando um modelo que adota como variáveis

explicativas uma proxy para o diferencial de desenvolvimento do setor serviços e

uma proxy para o nível de liquidez internacional, chegaram a resultados que não

descartavam a liquidez internacional como relevante para a formação da taxa de

câmbio. Esta relevância teria efeitos inclusive no longo prazo, conforme apontado

pelos autores, revelando a importância do fluxo de capitais na determinação da taxa

de câmbio brasileira, consistente com os resultados encontrados nesta pesquisa.

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