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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

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Experiências nacionais,temas transversais:

subsídios para uma históriacomparada da América Latina

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Experiências nacionais,temas transversais:

subsídios para uma históriacomparada da América Latina

Flavio M. Heinz(Org.)

2009

OI OSE D I T O R A

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© Dos Autores – [email protected]

Editoração: Oikos

Capa: Marcelo Garcia dos Santos

Fotos da capa:1. Ao largo de Tenerife, Ilhas Canárias, navio de imigrantes de Hamburgoem rota para o Rio de Janeiro (março de 1887). Acervo do Museu HistóricoVisconde de São Leopoldo.2. R. Nº 2080: Arquivo da Emigración Galega (Santiago de Compostela,España), “Vigo”, c. 1955, Foto Bene. (Transatlántico “Santa Cruz”, querealizó muchos viajes hacia la América del Sur, transportando pasajeros).

Revisão: Do Organizador

Arte final: Jair de Oliveira Carlos

Impressão: Rotermund S. A.

Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para umahistória comparada da América Latina. / Organizado porFlavio M. Heinz. – São Leopoldo: Oikos, 2009.328p.; 16 x 23 cm.ISBN 978-85-7843-116-71. História comparada – América Latina. 2. Análise histórica.

3. História social. I. Heinz, Flávio M.CDU 98(=4)

E96

Catalogação na Publicação:Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil – CRB 10/1184

Editora Oikos Ltda.Rua Paraná, 240 – B. ScharlauCaixa Postal 108193121-970 São Leopoldo/RSTel.: (51) 3568.2848 / Fax: [email protected]

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Em memória deBlanca Zeberio (Orieta),

historiadora argutae colega generosa.

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Sumário

Comparações e comparatistas ..................................................................... 9Flavio M. HeinzAna Paula Korndörfer

A longa duração hoje: balanço de meio século (1958-2008) .................. 21Maurice Aymard

Comparação e análise histórica: reflexões a partir de umaexperiência de pesquisa .............................................................................. 44

Rosa Congost

Una reflexión en torno a los mediadores políticos en la segundamitad del siglo XIX. El partido como problema ........................................... 56

Marta Bonaudo

Tradiciones militares coloniales. El Río de la Plata antesde la revolución ............................................................................................ 74

Raúl O. Fradkin

La redefinición de las fronteras: cuando “argentinizar”fue la consigna ............................................................................................ 127

Susana Bandieri

A fronteira manejada: apontamentos para uma história social dafronteira meridional do Brasil (século XIX) ........................................... 145

Mariana Flores da Cunha Thompson FloresLuís Augusto Farinatti

O comerciante, o estancieiro e o militar: noções divergentes dehonra entre as elites do Rio Grande do Sul no início do século XIX .... 178

Karl Monsma

Los actores sociales de la ganadería patagónica: políticas públicasy formas asociativas en las primeras décadas del siglo XX ................ 196

Graciela Blanco

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Aportes al estudio de la conformación de la propiedad modernaen Argentina. Ni “feudal” ni “comunista”: El caso de laProvincia de Jujuy ..................................................................................... 217

Ana TeruelMaría Teresa Bovi

El desierto y sus confines. Contexto y narrativa en la DescripciónAmena de la República Argentina de Estanislao Zeballos....................... 252

Sandra Fernández

Los mecanismos de asistencia oficial en el último ciclo de lasmigraciones gallegas hacia la Argentina ............................................... 285

Nadia Andrea De Cristóforis

Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil,de novo ........................................................................................................ 316

Adriano Codato

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

Comparações e comparatistas

Flavio M. Heinz*Ana Paula Korndörfer**

As páginas que compõem este livro traduzem o esforço de especia-listas de História do Brasil, da Argentina, da França e da Espanha emsomar suas experiências de pesquisa e trabalho de reflexão para o avan-ço da empresa comparativa. Estão aqui reunidos alguns dos textos apre-sentados em um colóquio científico destinado a aproximar especialistasinteressados neste avanço, o II Encontro da Rede Internacional MarcBloch de Estudos Comparados em História – Europa/América Latina,realizado em Porto Alegre em outubro de 2008.1 Estes textos expõem,em sua diversidade temática e complexidade metodológica, as dificul-dades inerentes à realização da história comparada, mas também suge-rem pistas e soluções para superá-las.

Como sói acontecer em coletâneas do gênero, há um amplo gra-diente de variação entre os textos no que diz respeito à sua maior oumenor proximidade com a metodologia ou perspectiva comparatista.Com efeito, a ideia orientadora do colóquio não era a de, ingenuamente,fundar uma prática comparatista, mas antes de colocar, lado a lado, pes-quisadores experientes que tivessem a comparação como um elementopossível e desejado de seu trabalho, permitindo que a reflexão e a práti-ca de pesquisa de uns e outros se deixassem contaminar pelas experiên-

* Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS, coordenador do Laboratório deHistória Comparada do Cone Sul (CNPq/PUCRS).

** Doutoranda em História, CNPq/PUCRS. 1 Nem todos os textos apresentados no II Encontro da Rede Marc Bloch estão incluídos

neste volume. Alguns textos apresentados no Encontro, notadamente aqueles de autoriade pesquisadores do Projeto de cooperação acadêmica existente entre UNCPBA (Tandil,Argentina) e Unisinos (Brasil), serão objeto de publicação específica. Agradecemos àcoordenadora brasileira deste projeto, Marluza Harres, da Unisinos, pelo apoio e colabo-ração para a viabilização da atual publicação.

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Comparações e comparatistas / Flavio M. Heinz e Ana Paula Korndörfer

cias dos colegas. Assim, há textos onde a reflexão sobre a comparaçãohistórica tem grande destaque e outros em que a experiência singularde pesquisa deste ou daquele tema prevalece sobre os traços compara-tistas. Em todos os casos, contudo, um mesmo perfil de pesquisa se des-cortina: rigor e qualidade no trabalho investigativo, riqueza das fontesutilizadas e clareza metodológica, alguns dos requisitos básicos do su-cesso não apenas da empresa comparatista, mas de toda boa historio-grafia.

A comparação em História

Duas frases da historiadora norte-americana Deborah Cohen, noensaio preparatório do workshop “Europe in comparative and cross-national perspective”, provocativamente intitulado Comparative History:buyer beware, parecem bem sinalizar as dificuldades suscitadas pelo bi-nômio história comparada: “Comparative history has few detractors. For-mally, at least, it may have even fewer practitioners”2. Com efeito, a históriacomparada – nas palavras de Cohen, “ao lado da história quantitativa,uma das ‘queridinhas’ dos pesquisadores nos anos 1970” –, segue, ape-sar de suas dificuldades, conquistando corações. E isso se deve, nos pare-ce, mais pela suposição de sua eficácia do que pelos resultados alcança-dos pelos historiadores ‘comuns’ que a ela se dedicaram ao longo dasúltimas décadas. Assim, o método comparativo atrairia simpatias de umpúblico que, em sua esmagadora maioria, não faz história comparada.

Mas o que explica o charme desta disciplina/especialidade, su-bentendendo-se que seu fascínio é amplamente superior à sua capaci-dade de mobilizar pesquisadores? Não há uma, mas várias respostaspossíveis para esta pergunta. Uma primeira resposta é aquela que apon-ta para a ausência de um rol claro de procedimentos a serem seguidos, oque, apesar dos atrativos, dificulta sua difusão. Assim, se é verdade quetodos já escutaram falar de método comparativo, a maioria não sabeexatamente como fazer, como aplicá-lo. Mais grave, quando alguém selança a buscá-lo, via de regra, não encontra respostas objetivas quanto àssuas etapas e consecução.

2 COHEN, Deborah, “Comparative History: buyer beware”, GHI Bulletin, n. 29 (Fall 2001),p. 23.

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Dir-se-ia que a melhor maneira para se apropriar de uma determi-nada metodologia ou teoria é partir para suas leituras canônicas, o quenão é totalmente falso, mas que representa uma certa simplificação darealidade. No caso da História comparada, o cânone dos cânones é Bloch,e de Bloch, dois artigos: Por uma história comparada das sociedades européiase Comparação, respectivamente, de 1928 e 1930. Ora, Bloch nos oferecelinhas gerais para pensar a comparação, não um manual de procedi-mentos. A popularização dos dois artigos como porta de entrada da his-tória comparada também pode não ter ajudado muito, uma vez que aperspectiva de análise, logo o modus operandi do historiador, poderia sermelhor percebida na leitura do conjunto de sua obra do que nos textosde divulgação sobre as virtudes do método.

Uma segunda resposta pode ser encontrada na dificuldade e com-plexidade da empresa comparatista. Maturidade intelectual e erudiçãosão características exigidas aos que se aventuram na comparação histó-rica, condições necessárias, mas não suficientes, é certo, para o seu su-cesso. O comparatista se destaca como quem realiza um feito extraordi-nário: para além do necessário domínio de sua história nacional, aven-tura-se também no conhecimento de outras histórias nacionais. Se con-siderarmos a crescente especialização da profissão e o crescimento ex-ponencial dos conhecimentos – produzidos em diferentes espaços disci-plinares – passíveis de serem incorporados numa história nacional, atarefa parece simplesmente gigantesca. Por definição, o comparatismonão seria tarefa de iniciantes.

Colocado assim, parece claro que os fatores de desestímulo aoaparecimento de novos postulantes à condição de historiador compara-tista são mais importantes do que os estímulos. Jürgen Kocka chama aatenção para a crescente dependência que um amplo estudo de compara-ção histórica terá de literatura secundária e seu distanciamento em rela-ção a fontes e idiomas próprios de alguns dos casos em análise.3 De todaforma, o conjunto de dificuldades para a aplicação do método revela umadas estratégias de sucesso do comparatismo entre historiadores: o traba-lho de equipe e a divisão de tarefas entre especialistas nacionais.

3 KOCKA, Jürgen. “Comparison and Beyond”. History and Theory. V. 42, n. 1, February2003, p. 41.

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Por fim, uma terceira resposta para o descompasso entre o grandeprestígio do método e o pequeno número de seus efetivos utilizadoresdiz respeito à natureza das sensibilidades políticas e intelectuais no pe-ríodo de sua disseminação. Nação e nacionalismo são duas dimensõesevidentes do êxito do Estado e da sociedade burguesa da segunda me-tade do século XIX – momento no qual é preciso localizar a consolida-ção da disciplina histórica –, mas também são expressões centrais daperigosa precipitação das radicalizações políticas e intelectuais dos anos1920/30. Assim, superar o quadro nacional e mergulhar no âmbito eu-ropeu ou, ao menos, cotejar outras histórias nacionais, poderia ter signi-ficado um olhar sobre o outro que, para além dos óbvios contornos psi-canalíticos, sinalizava um certo posicionamento político. Este posicio-namento, uma espécie de linha de frente contra a sedução de uma histó-ria nacional instrumentalizada e submetida ao chauvinismo intelectualambiente, provavelmente atraiu muitos historiadores para o compara-tismo. É possível sugerir que, ainda hoje, longe da conjuntura europeiaque a militância intelectual de Bloch conheceu, a comparação de históriasnacionais conserva um certo atrativo cosmopolita e internacionalista,em contraponto ao particularismo de certas histórias regionais e mesmonacionais.

Mas, retomando o primeiro ponto, a pergunta que nos afeta maisdiretamente aqui é: há efetivamente um método da história compara-da? Para um certo número de estudiosos contemporâneos, a históriacomparada, no sentido de um conjunto claro e ordenado de procedi-mentos que, aplicados a determinada situação, permitem auferir resul-tados concretos, não existe. Como delineamento geral do método, Blochindicava a necessidade de escolha de fenômenos nos quais houvessecertas semelhanças entre os fatos observados e dessemelhanças em rela-ção ao meio, o acompanhamento de sua evolução no tempo, a percep-ção das continuidades, a busca de influências entre uma sociedade eoutra, e a busca das causas ou o sentido das causalidades. O editor deComparative Studies in Society and History, Raymond Grew, citado porMaria Lígia Coelho Prado, entende que o historiador francês propunhamenos um método e mais uma forma de pensar. Para Grew “não have-ria propriamente um método comparativo”. O “uso da comparação [emBloch] era uma maneira de alcançar diferentes perspectivas no campo

Comparações e comparatistas / Flavio M. Heinz e Ana Paula Korndörfer

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da pesquisa. [Tratar-se-ia de um] modelo que prescinde da elaboraçãode estruturas formais e que se apresenta mais como uma forma de pen-sar o objeto do que como uma metodologia”4. Mesmo Kocka, talvez omais importante historiador comparatista em atividade, coordenadordaquele que é possivelmente o maior empreendimento internacionaldo gênero, a pesquisa sobre as burguesias europeias do século XIX, cha-ma a atenção para uma dimensão mais subjetiva das virtudes do méto-do: “a comparação ajuda a tornar o ‘clima’ da pesquisa histórica menosprovinciano”5!

Para ele, a comparação na pesquisa histórica responde a quatropropósitos: heurístico, descritivo, analítico e paradigmático. Em relaçãoao primeiro, Kocka sugere que a abordagem comparativa permite loca-lizar questões e problemas que, de outra forma, seriam possivelmentenegligenciados ou ignorados. Kocka ilustra o propósito com a célebreidentificação de Bloch da questão de estruturas de apropriação da terrasimilares aos “enclosures” no sul da França, uma “revelação” que aomesmo tempo dá perspectiva ao caso clássico inglês e tensiona de for-ma objetiva a historiografia agrária e regional francesa. No plano des-critivo, a comparação se presta a iluminar os perfis dos casos singula-res, contrastando-os com outros. Kocka exemplifica este propósito como grande número de caracterizações particularistas dos fenômenos his-tóricos do tipo Sonderweg alemão ou Excepcionalismo americano. Neste as-pecto, poderíamos reconhecer a função descritiva da comparação na his-toriografia regional ou nacional, por exemplo, na identificação de tiposdiferentes de “regionalismo”, como o “regionalismo gaúcho” de JosephLove, de viés autoritário e fortemente ideológico, em contraste com re-gionalismos menos “particularistas” de outras regiões do país; ou, ain-da, a pretensa semelhança dos regimes políticos varguista e peronista.Em relação à função analítica, a comparação se mostra indispensável naformulação e na resposta a questões causais. E afirma Kocka, sem antesdeixar de assinalar que fora Weber o ‘pioneiro deste tipo de ambiciosacomparação’: “William Sewell e outros sublinharam que a comparação

4 PRADO, Maria Ligia Coelho. “Repensando a história comparada da América Latina”. Revistade História, Universidade de São Paulo, n. 153, 2005, p. 19.

5 KOCKA, op. cit., p. 39 (tradução nossa).

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pode ter o lugar de um experimento indireto que facilitaria o ‘teste dehipóteses’. Ainda que possamos ser céticos em relação a esta reivindica-ção, não há dúvida de que a comparação é indispensável para historia-dores que gostam de formular questões causais e oferecer respostas cau-sais”. Por fim, a função paradigmática da comparação aparece na aber-tura que ela oferece ao historiador, distanciando-o daquilo que conhecemelhor e ampliando sua capacidade de problematizar seus temas depesquisa. Neste sentido, Kocka oferece uma extraordinária leitura dosproblemas das formações profissionais excessivamente “nacionais” e dopeso das historiografias regionais de viés marcadamente particularista:“Historiadores estão com frequência muito concentrados na história deseu próprio país ou região. Por causa disso, a comparação pode ter umefeito de ‘desprovincialização’ e liberação, de abertura dos olhos, comconsequências para a atmosfera e o estilo da profissão”6.

Para concluir, duas palavras sobre as tensões entre o comparatis-mo histórico e as novas tendências historiográficas de privilegiar a di-mensão supranacional ou internacional dos processos. Referimo-nos àshistórias chamadas interconectadas, ou “connected histories”, que sepopularizaram entre os historiadores por permitir que o objeto de pes-quisa conduza o investigador. Diferentemente dos estudos comparati-vos, modelizados, estruturados e, sobretudo, definidos a partir de uni-dades de análise mais ou menos rígidas, como o estado nacional e suasinstituições, ou ainda, suas unidades regionais (como fizeram JosephLove, Robert Levine e John Wirth na análise de três estados brasileirosna primeira fase republicana), a história conectada persegue um tema,um objeto que migra entre diferentes classes, grupos sociais, identida-des étnicas ou profissionais, e, sobretudo, passa relativamente impunepelas fronteiras regionais e nacionais. Uma disciplina genuinamente ‘na-cional’ como a história se deixa assim seduzir pela possibilidade de queo aspecto universalizante presente na circulação mundial de determina-da ideia ou produto cultural se deixe apreender, não no quadro de suainscrição nacional, mas nos traços por vezes erráticos de sua recepçãoem diferentes populações. Retomando Cohen, é preciso dizer que am-bas as histórias, a comparativa e as ‘histórias cruzadas’ ou interconecta-

6 KOCKA, p. 41 (tradução nossa).

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das, têm em comum o fato de sustentarem sua legitimidade na habilida-de de ver algo que as histórias nacionais obscurecem, ainda que comdiferentes motivações e resultados: “Depois de tudo, a história compa-rada está preocupada fundamentalmente com diferenças e semelhan-ças, frequentemente com questões de causalidade. Histórias transnacio-nais, em contraste, podem nos falar sobre circulação transnacional, so-bre a história das trocas culturais, sobre fenômenos internacionais”7.

Os textos

O inventário de temas aqui propostos retoma alguns dos temas-chave do comparatismo histórico, daquele que se realiza há muito tem-po no hemisfério norte, é certo, mas também daquele esboçado por his-toriadores das duas margens do Rio Uruguai: fronteira, elites políticas,homens públicos e imigração são apenas alguns deles. Debrucemo-nossobre eles um instante:

O texto de Maurice Aymard que abre esta coletânea, apresentadona sessão de abertura do II Encontro da Rede Internacional Marc Bloch,intitula-se A longa duração hoje: balanço de meio século (1958 – 2008). Erudi-to e metodologicamente instigante, Aymard propõe uma discussão so-bre a noção de longa duração a partir da publicação, nos Annales E. S.C., em 1958, do célebre artigo de Fernand Braudel, “Histoire et sciencessociales. La longue durée”. Constatando o impacto internacional do tex-to de Braudel ao longo do último meio século, Aymard propõe-se a ex-plorar alguns aspectos do texto e a situá-lo no contexto de sua elabora-ção, a abordar suas formas de recepção/adaptação e a perguntar-se so-bre sua influência e possível atualidade.

O texto de Rosa Congost, historiadora do espaço agrário espanhol,foi aquele da conferência de encerramento do evento. Escrito em tompessoal, como afirma a própria autora, Comparação e análise histórica: re-flexões a partir de uma experiência de pesquisa, narra o percurso de reflexãoe as percepções da autora em torno da história comparada. Afirmandonão conceber outra maneira de realizar estudos históricos, Rosa Con-

7 COHEN, p. 24 (tradução nossa).

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gost aponta que a comparação permite ao historiador analisar melhor arealidade investigada, ajudando-o a situar os problemas estudados emcoordenadas de espaço e tempo. Estabelecendo diálogos com MauriceAymard e Marc Bloch, e abordando suas experiências pessoais de in-vestigação sobre a propriedade na Catalunha “entre os séculos XVIII aXX”, a autora discute os desafios e os “ganhos” da comparação em aná-lises históricas.

O objetivo da historiadora Marta Bonaudo, da Universidade Na-cional de Rosário, no terceiro dos textos aqui reunidos, é aproximar-seda complexa experiência de conformação/configuração de instânciasde mediação entre a sociedade civil e o Estado – os partidos – na Argen-tina da segunda metade do século XIX. Analisando as experiências ereflexões sobre a política e os partidos em Santa Fé, entre 1853 e 1890, apartir de fontes como periódicos e correspondências, Bonaudo discuteos dilemas e as tensões que marcaram a dinâmica das construções repu-blicanas e nacionais como a organização da vida política e de um siste-ma representativo.

Raúl Fradkin aborda as tradições militares forjadas no espaço doRio da Prata durante o período colonial enfocando, principalmente, oséculo XVIII. Neste sentido, Fradkin se propõe a identificar as caracte-rísticas das formações armadas que se configuraram no espaço da In-tendência de Buenos Aires – milícias, corpos veteranos, entre outras – eas tradições que se forjaram em torno dessas formações, buscando com-parar a experiência de Buenos Aires com outras do Prata, investigandoespecificidades e variações regionais. Tradiciones militares coloniales. ElRío de la Plata antes de la revolución, texto embasado em vasta bibliogra-fia, deve ser entendido, segundo o autor, como parte de uma preocupa-ção maior: desvelar a natureza e as características das forças beligeran-tes que intervieram no ciclo de guerras aberto no Rio da Prata entre asdécadas de 1810 e 1870 para compreender melhor as possibilidades deintervenção política dos setores sociais subalternos, bem como a inci-dência da guerra e das tradições militares na configuração de suas cul-turas políticas.

Susana Bandieri, historiadora da região patagônica, propõe-se adiscutir o processo de “argentinização” da Patagônia nas primeiras dé-cadas do século XX. Apontando a crescente penetração estatal na região

Comparações e comparatistas / Flavio M. Heinz e Ana Paula Korndörfer

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patagônica no período em questão, Bandieri analisa a Ley de Fomentode los Territorios Nacionales, de 1908, e outras ações realizadas nestesentido, a partir da década de 1920 e, principalmente, nas décadas de1930 e 1940, auge do pensamento nacionalista. De acordo com Bandieri,a partir dos anos 1920, com o crescimento da preocupação em “argenti-nizar” a região – criar a identidade nacional e proteger a soberania –, oEstado nacional ampliou sua presença na Patagônia através, por exem-plo, da criação de sucursais do Banco de la Nación Argentina em cen-tros fronteiriços da região, da transformação de San Carlos de Barilocheem centro turístico internacional, da criação de escolas de fronteira e daexploração de recursos como petróleo e gás. Assim como outros autorespresentes neste volume, Bandieri defende, em La redefinición de las fron-teras: cuando “argentinizar” fue la consigna, a necessidade de se transcen-der as análises tradicionais sobre fronteira.

Mariana Flores da Cunha Thompson Flores e Luís Augusto Fari-natti propõem, a partir de uma reflexão historiográfica sobre a questãoda fronteira no estudo da sociedade dos confins meridionais do Brasilno século XIX, formas alternativas de análise do espaço fronteiriço. EmA fronteira manejada: apontamentos para uma história social da fronteira me-ridional do Brasil (século XIX), Thompson Flores e Farinatti discutem asvisões opostas de “fronteira-barreira” e de zona de fronteira completa-mente integrada para, a partir daí, proporem a discussão sobre o “ma-nejo da fronteira”. Refutando as ideias de fronteira como espaço queisola/separa as partes ou que as integra totalmente, os autores apontama necessidade de se perceber que viver em uma zona de fronteira – nocaso, a região sudoeste do Rio Grande do Sul –, ao longo do segundo edo terceiro quartéis do século XIX, era uma situação que propunha pos-sibilidades e problemas diversos para os agentes, conforme sua posiçãosocial; as relações com a fronteira e os significados atribuídos a ela pelossujeitos eram dinâmicos, históricos. Articulando vasta bibliografia e do-cumentação, como processos-crime e inventários post mortem, os auto-res buscam exemplificar como grandes estancieiros, líderes militares,subalternos – pequenos produtores e peões –, perseguidos pela justiça,escravos e comerciantes se relacionaram, a partir de seu posicionamen-to social, com a situação de fronteira.

Karl Monsma aborda a honra masculina enquanto capital simbó-lico em O comerciante, o estancieiro e o militar: noções divergentes de honra

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entre as elites do Rio Grande do Sul no início do século XIX. Analisando osconflitos do comerciante João Francisco Vieira Braga com o estancieiroBoaventura José de Oliveira e com o militar Antônio Francisco Pinto deOliveira, Monsma discute as diferenças nas noções de honra de seg-mentos distintos da elite no Rio Grande de São Pedro Imperial – pontoimportante para compreender os conflitos apresentados –, bem como asformas, também distintas, com que os envolvidos realizavam a defesada honra. Merecem destaque, na discussão trazida por Monsma, as as-sociações estabelecidas entre honra e palavra.

Assim como Susana Bandieri, Graciela Blanco também elegeu aPatagônia argentina como recorte de sua investigação. Em Los actoressociales de la ganadería patagónica: políticas públicas y formas asociativas enlas primeras décadas del siglo XX, os principais objetivos de Blanco sãotrês: analisar o processo de ocupação e distribuição da terra na Patagô-nia, destacando o final do século XIX e o início do século XX; caracteri-zar os atores sociais que se configuraram a partir das distintas formasde apropriação da terra e sua exploração através da criação extensiva degado, tais como proprietários, arrendatários e “ocupantes”; e, por fim,buscar uma aproximação dos conflitos emergentes e da ação das orga-nizações corporativas surgidas na Patagônia neste período, como a Fe-deración de Sociedades Rurales de la Patagonia.

Ana Teruel e María Teresa Bovi, da Universidade Nacional de Ju-juy, elegeram a complexa e variada realidade socioeconômica da pro-víncia de Jujuy, no século XIX, para abordar as transformações dos di-reitos de propriedade no período, explorando questões relativas a comoestes direitos foram formulados depois da expropriação das comunida-des indígenas. Em Aportes al estudio de la conformación de la propiedad mo-derna en Argentina. Ni “feudal” ni “comunista”: El caso de la Provincia deJujuy, Teruel e Bovi centram sua análise na gestão do governador Euge-nio Tello na década de 1880 (1883 – 1885), momento de inflexão maisclaro, segundo as autoras, entre a antiga ordem e a nova, cujos valoresbásicos eram o trabalho e a propriedade privada.

A fronteira também é tema do texto El desierto y sus confines. Con-texto y narrativa en la Descripción Amena de la República Argentina de Esta-nislao Zeballos, de Sandra Fernández, da Universidade Nacional de Ro-sario. Fernández analisa Descripción Amena de la República Argetina, obra

Comparações e comparatistas / Flavio M. Heinz e Ana Paula Korndörfer

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em três tomos publicada ao longo da década de 1880 e que representa acosmovisão do espaço pampeano na ótica de Estanislao Zeballos, ho-mem público rosarino com trânsito pelos caminhos da ciência e pelomundo editorial. Entrecruzando informações biográficas e contexto, aautora traz trechos da Descripción e analisa como Zeballos, representan-te do homem moderno de fins do século XIX e início do século XX ar-gentino, abordou temas como a construção do Estado nacional e a ne-cessidade do ingresso da Argentina na modernidade.

Nadia Andrea De Cristóforis, da Universidade de Buenos Aires –UBA, propôs-se a compreender como operaram os mecanismos de as-sistência oficial no último ciclo da imigração galega para a Argentina,entre 1946 e os primeiros anos da década de 1960, e em que medida aação destes mecanismos incidiu sobre a conformação e as característicassociodemográficas desta imigração. Apontando os estudos sobre imi-gração como campo fértil para aprofundar as reflexões sobre os proble-mas da comparação e sobre a escolha da escala de análise, De Cristófo-ris analisa a colaboração entre o Comité Intergubernamental para lasMigraciones Europeas (CIME), o Instituto Español de Emigración (IEE)e a Comisión Católica Española de Migración (CCEM) na organização efuncionamento do Plan de Reagrupación Familiar. Em Los mecanismosde asistencia oficial en el último ciclo de las migraciones gallegas hacia la Ar-gentina, a autora apresenta e contextualiza o Plan de Reagrupación Fa-miliar, a doutrina eclesiástica sobre a imigração e o papel desempenha-do pela Comisión Católica Española de Migración no funcionamentodo Plan, entre outras questões.

Por fim, no texto que fecha este volume, Elites, políticos e institui-ções políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo, Adriano Codato, cientistapolítico da Universidade Federal do Paraná, apresenta argumentos emfavor de um “necessário e urgente” retorno aos estudos sobre o EstadoNovo para compreender a reestruturação do universo das elites na pri-meira metade do século XX, ponto capital, segundo o autor, do processode transformação capitalista do Brasil. Abordando aspectos da históriapolítica do período e da historiografia, Codato destaca a modificação daposição dos atores no campo político e a transformação do próprio cam-po do poder no Brasil depois de 1930, enfocando questões relativas aospolíticos profissionais. O autor defende a utilidade de se conhecer, atra-

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vés de estudos prosopográficos, o perfil da nova classe política nacionalpara uma melhor avaliação das mudanças sociopolíticas do período.Devido às semelhanças e afinidades ideológicas entre as elites intelec-tuais de Brasil e Argentina entre 1920 e 1940, o autor propõe que o textosirva como um “roteiro” de questões possíveis à história e à historiogra-fia argentinas.

Comparações e comparatistas / Flavio M. Heinz e Ana Paula Korndörfer

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A longa duração hoje: balanço de meio século(1958-2008)*

Maurice Aymard**

O artigo de Fernand Braudel dedicado à longa duração aparecenos Annales E.S.C. em 19581. Braudel acaba de se ver confiadas, após amorte de Lucien Febvre (em setembro de 1956), ao mesmo tempo a pre-sidência da VIª Seção da EPHE (da qual ele fora secretário desde suacriação, em 1948, ao mesmo tempo fundador e diretor do Centro de Pes-quisas Históricas) e a direção dos Annales. Nascido em 1902, ele sabeque, salvo algum acidente, tem diante de si 15 anos para impor sua mar-ca. Para isso se preparara, e ele decide dar a este artigo a forma de umdiscurso programático. Sua intenção não é somente científica. É fixar asorientações que propõe não apenas para a disciplina histórica, mas, maisainda, para o conjunto das ciências humanas e sociais, no quadro de suaaproximação, o que representa, a seus olhos, uma prioridade ao mesmotempo intelectual e estratégica. Fiel ao seu hábito de nunca se tornarprisioneiro das palavras que emprega, hesita entre duas expressões paradesigná-las: “ciências sociais” (no título) e “ciências do homem” (dasquais constata, já na primeira linha, a “crise geral”, e que darão seu nomeà nova instituição que se prepara para criar, a Maison des Sciences del’Homme). A primeira das duas denominações irá se sobrepor à segun-

*Conferência de abertura do II Encontro da Rede March Bloch de Estudos Comparados emHistória – Europa América Latina, em 21 de outubro de 2008. Publicado originalmentesob o título “La longue durée aujourd’hui. Bilan d’un demi-siècle (1958-2008)”. In: CURTO,Diego R. et alii (editors). From Florence to the Mediterranean and beyond: Essays inhonor of Anthony Molho. Firenze: Leo. S. Olschki, 2009. Traduzido por Flavio M. Heinz.

**Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS); antigo administrador da Maison desSciences de l’Homme de Paris.

1 BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: La longue durée”. Annales E.S.C.,XIII, 4, p. 725-753, 1958.

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da apenas em 1975, por ocasião da transformação da VIª Seção da EPHEem EHESS (Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais), mas entãosofrerá a concorrência das “ciências do homem e da sociedade”, desig-nação escolhida pelo CNRS, que coexistirá até os dias atuais com as“ciências humanas e sociais”, mais fáceis para traduzir para o inglês.Mas o essencial, em 1958, está situado alhures: no fato de que a longaduração é para ele a carta mestra – e, de fato, a única – que lhe permitereivindicar para a história, ao lado das matemáticas, um papel de con-gregar as ciências do homem. Elas sofrem, a seus olhos, de um defeitomaior: o de concentrar sua atenção no presente, e de não levar em consi-deração as realidades e as dinâmicas do passado que, estima, são indis-pensáveis para compreender o presente.

O artigo foi lido, citado e traduzido para diversas línguas, massua recepção privilegiou o que dizia respeito à história e, com frequên-cia, deixou em segundo plano o que dizia respeito às demais ciências dohomem. As razões deste descompasso entre as intenções do autor e arecepção pelos seus leitores mereceriam, sem dúvida alguma, ser espe-cificadas. Duas me parecem ter pesado de forma determinante. A pri-meira: a aliança proposta entre história e ciências sociais se colocava emmuitos países em termos diferentes, em particular em todos aqueles ondea história era classificada pelos próprios historiadores entre as humanities(Estados Unidos) ou entre as Geisteswissenschaften (Alemanha). A segundalhe é complementar: é a história que, nos anos 1960, constituiu a linhade frente*** da influência dos Annales no exterior, e também é ela a res-ponsável pela adesão de ao menos uma parcela dos historiadores a umaidentificação de sua disciplina com as ciências sociais.

Esta adesão se dá por volta de 1968 nos Estados Unidos, em datasposteriores em outros países, mas ela se dá também no momento emque, na própria França, a antropologia toma o lugar da economia comointerlocutora principal e, em certa medida, como modelo para os histo-riadores. Ora, o artigo de 1958 apostava de fato em diferentes cenários.De um lado, ele afirmava a ruptura da história com a concepção événe-mentielle com a qual se identificara por tanto tempo e, com o tempo,dava razão a Simiand, cuja crítica a Langlois e Seignobos, “Méthodehistorique et sciences sociales”, publicada em 1903 na Revue de Synthèse

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***Aile marchante, no original. N. do T.

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Historique, será por ele reeditada nos anos 1960 nos Annales. Por outrolado, ele procurava identificar as pontes e os contatos possíveis entre ossetores mais avançados da pesquisa nas outras disciplinas. Mas visavatambém, em outro plano, a explicitar aquilo que separava as ambiçõesda história dos objetivos que Claude Lévi-Strauss acabava de fixar paraa antropologia. Isto o conduzia a sublinhar uma dupla oposição: aquelaentre a pesquisa das regras, ao mesmo tempo simples e gerais, mas vá-lidas para sociedades de dimensões limitadas, e as idas e vindas inces-santes entre modelos e realidades sociais cuja complexidade parece ines-gotável e é constantemente relançada ao historiador das sociedades maispróximas de nós, e aquela entre a longa duração dos historiadores – umtempo “quase imóvel, lento a passar” – e o “tempo imóvel” da antropo-logia estrutural, que bem se contentaria de deixar à história apenas asmigalhas do acontecimento.

Todo sucesso tem suas contrapartidas. Para um texto, duas delassão as mais frequentes. Por um lado, ele é chamado a circular cada vezmais fora de seu contexto, a ser lido com olhos diferentes em função deoutros debates, seja para ser reivindicado como modelo a seguir, sejapara ser criticado ou recusado: basta pensar na célebre fórmula de Key-nes “in the long run we are all dead”, que foi utilizada por muitos historia-dores para rejeitar uma história suspeita de colocar entre parênteses asdecisões, as maneiras de pensar e de sentir, as trajetórias individuais ecoletivas, as emoções e paixões dos homens concretos, e para reivindi-car para a história o tempo da vida contra aquele da morte. Por outrolado – e o preço a pagar é ainda mais elevado –, o título do texto acabapor bastar a si próprio, por circular só e por oferecer àqueles que ocitam a ilusão de que podem dispensar-se de sua leitura: a prática donamedropping não vale apenas para os autores, mas também, como sesabe, para as palavras da moda. O impacto internacional do artigo deBraudel ao longo dos últimos 50 anos o expôs particularmente a esteduplo risco. Ele se tornou uma referência obrigatória. Mas por isso teriaele conservado uma influência real sobre as orientações recentes da pes-quisa tanto em história quanto em ciências sociais? Em outras palavras,ele se manteria atual ou teria se tornado um texto entre outros, datadohistoricamente, cujo impacto poderia ser seguido e medido, mas, no fun-do, estava ultrapassado, pois fora deixado de lado ou substituído por ou-tras proposições metodológicas ou teóricas, dotadas de uma real capaci-dade heurística e que teriam deslocado o debate para outros terrenos?

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Tentarei responder aqui estas questões, na ordem. Logo, inicial-mente, irei reler o próprio texto, na sua totalidade e complexidade, parasituá-lo novamente em seu contexto. E, em seguida, mostrar as formas eas modalidades de recepção dele, quer conscientes e confessadas, quersilenciosas e mesmo involuntárias, mas igualmente reais: ou, se prefe-rirmos, segui-lo e medir sua influência e posteridade. E, enfim, na ter-ceira etapa, perguntarei sobre sua atualidade.

O texto tem sua data – 1958 – e deve ser lido por aquilo que é, istoé, como um programa proposto por um homem que, cercado pela auraque seu Mediterrâneo lhe valera dez anos antes, acaba de aceder às res-ponsabilidades universitárias, que para isso se preparara por muitosanos2. E Braudel está bem decidido a não deixar passar a oportunidadeque lhe confere, no contexto francês e internacional da época, a dupladireção que lhe coube. De um lado, aquela dos Anais, fundados em 1929,dirigidos com firmeza por Lucien Febvre depois da morte de Marc Blochde 1944 a 1956, e que conseguiu se impor como uma revista de combate,engajada em uma revisão drástica e uma modernização das maneirasde fazer, de conceber e de escrever a história. De outro, aquela da VIªSeção da EPHE, uma instituição recente, criada apenas dez anos antes, eentão em plena expansão face à Universidade tradicional. Uma institui-ção que encarna a necessidade de ensinar não apenas saberes adquiri-dos, que se ocuparia apenas de transmitir, mas a própria pesquisa emexecução. Enfim, uma instituição capaz de atrair, para os numerosospostos colocados à sua disposição, tanto quanto professores confirma-dos, dispondo já de uma posição acadêmica de prestígio numa Faculda-de ou no Collège de France, quanto pesquisadores que a Universidademantivera até então à distância, ou que não podia recrutar porque eramestrangeiros, e que estavam entre os melhores de sua geração: assim,um Jean Meuvret, na França, bibliotecário na Escola Normal Superior,ou um Etienne Balazs, sinólogo de primeiro nível, de origem húngara,

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2 Conferir G. GEMELLI. Fernand Braudel e l’Europa universale. Veneza: Marsílio, 1990,que sublinha as principais etapas desta preparação, desde a criação do Centre de RecherchesHistoriques da VIª Seção, que Braudel dirige, até a viagem aos Estados Unidos no outonode 1955, organizada nesta perspectiva por Clemens Heller em ligação com Edward d’Arms,um dos responsáveis da Fundação Rockefeller, em sua contribuição à redação do IV Plan,nos diferentes artigos que ele publica precisamente nestes mesmos anos e que se encontramreunidos no primeiro volume de seus Écrits sur l’histoire, publicados 11 anos mais tarde,em 1969 (Paris, Flammarion).

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que encontrara refúgio como trabalhador agrícola numa fazenda do su-doeste no final dos anos 1930. Ou ainda excluídos e dissidentes do Lestee do Oeste, numerosos no clima da Guerra Fria – um Daniel Thorner,um Ignacy Sachs ou um Georges Haupt. E, enfim, e sobretudo, os jovensque chegavam aos 30 na década de 1950 (Jacques Le Goff, François Furetou Emmanuel Le Roy Ladurie), que tinham suas obras pela frente, masem relação aos quais era necessário ter a audácia de apostar. Esta institui-ção, que leva o nome de “Seção de Ciências Econômicas e Sociais”,apresenta o paradoxo, ao menos aparente, de ter sido fundada porhistoriadores – Lucien Febvre, Fernand Braudel, Charles Mozaré – ede ser dirigida desde sua fundação, e ainda por outros 25 anos (até1985 e, depois, entre 1995 e 2004) por historiadores. A intuição de Brau-del é compreender que esta posição, para ser aceita pelas outras disci-plinas e mantida, deve ser justificada por um programa que deveráatingir três objetivos.

Em um primeiro momento, ele deverá mostrar não a superiorida-de intrínseca da história, que não está absolutamente garantida, massim sua capacidade, no momento em que é, sem dúvida, a menos cons-tituída cientificamente das ciências do homem e não para de tomar em-prestado das outras (economia, geografia, ciências políticas, demogra-fia, etc.) e de lhes fornecer, em contrapartida, o que lhes falta: uma inser-ção no passado das sociedades que elas estudam essencialmente no tem-po presente (mesmo a antropologia e a etnologia, cujo alvo principal, nocaso das sociedades ditas “primitivas”, ainda era o presente como teste-munho vivo de um passado e de uma “origem” do homem, especialmen-te do homem vivendo em sociedade). A história, reivindica Braudel, estáaí, presente, à sua disposição, para lhes trazer as chaves de acesso àqui-lo que lhes falta e do qual, ele lembra, têm absoluta necessidade: semsua ajuda, elas estão condenadas ao fracasso.

Mas também lhe será necessário, em um segundo momento, mos-trar que os historiadores também estão interessados pelas mais recentesquestões que mobilizam as ciências sociais. As dimensões inconscientesda vida dos homens e das sociedades, as estruturas, os modelos, e quaseainda mais as matemáticas sociais, estatísticas ou qualitativas: matemá-ticas que, com certo avanço sobre os historiadores, os economistas3, os

3 O que não impede Braudel de condená-los por permanecerem quase sempre “prisioneirosda atualidade mais breve [...] encurralados por esta restrição temporal.” Um julgamento

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linguistas e os antropólogos, à imagem de Claude Lévi-Stauss, reencon-traram em seu caminho, e cujos recursos souberam mobilizar para “ven-cer a escalada das ciências exatas” ou, em outras palavras, obter êxito napassagem da observação, da descrição e da classificação – sempre ne-cessárias, mas insuficientes isoladamente – à elaboração de regras sufi-cientemente gerais, no limite válidas em todos os tempos e em todos oslugares, em todas ou quase todas as sociedades. A história, repete-lhesele, tomou claro conhecimento de suas descobertas e, por sua vez, enga-jou-se no mesmo caminho. Ela está pronta para jogar com eles, sem reti-cências, o jogo das matemáticas, mas sem por isso renunciar à inesgotá-vel complexidade das realidades sociais. Com efeito, ela não poderia (eele é cioso em marcar sua diferença, através da oposição entre dois ca-minhos, um redutor e outro globalizante) contentar-se com uma abor-dagem exclusivamente microssocial, que limitaria sua ambição em es-tabelecer, em relação a grupos muito restritos de indivíduos, regras cujavalidade seria, em seguida, estendida ao conjunto.

Para o diálogo que este artigo – apresentado como uma chamadaà discussão – quer estabelecer com as outras ciências sociais, Braudelpode, assim, avançar três pistas que deveriam permitir que se compre-endessem: a das matemáticas, é claro, mas também a do espaço e a dotempo. De um lado, então, a geografia ou, se se preferir, a ecologia (40anos antes do termo ser retomado por Peregrine Horden e NicholasPurcell)4, em nome do princípio da “redução necessária de toda realida-de social ao espaço que ela ocupa”. De outro, a longa duração, que nãoé outra coisa, insiste, que “uma das possibilidades de uma linguagemcomum em vista de uma confrontação entre as ciências sociais” e querepresenta o aporte próprio da história, ou, melhor, de uma história novaque terá superado a tentação de atenção exclusiva ao acontecimento eao individual. Esta longa duração é sempre relativa a outras, sejam maislongas ou, ao contrário, mais breves. Ela se identifica, em sua extensãomais ampla, com aquelas das sociedades e das civilizações humanas,mas engloba outras, mais curtas, mesmo que cada uma destas duraçõesretome, por sua conta, uma parte da herança daquelas que a precede-

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contra o qual Witold Kula decidirá defendê-los, colocando em evidência tudo o que asduas disciplinas têm a aprender uma com a outra: KULA, W. “Histoire et économie: Lalongue durée”, Annales E.S.C., XV, 2, p. 294-313, 1960.

4 HORDEN, P.; PURCELL, N. The Corrupting Sea: A Study on Mediterranean History.Oxford: Blackwell, 2000.

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ram – aquelas das economias, das religiões ou das culturas. Mas ela éela mesma englobada em outras, infinitamente mais longas, que come-çaram bem antes da aparição das primeiras sociedades e mesmo dosprimeiros homens: assim as da terra ou do clima, com as quais o homemteve de compor para poder elaborar suas próprias respostas, ou aindaas das espécies animais e vegetais, entre as quais aprendeu a fazer suasescolhas, domesticando e adaptando umas a suas próprias necessida-des, caçando, ao contrário, outras até as eliminar, pois eram considera-das nocivas ou perigosas.

Voltado ao presente e ao futuro, para o qual Braudel define umaestratégia intelectual de cooperação entre disciplinas, em vista da ocu-pação de uma posição dominante no campo das ciências sociais e hu-manas cujo centro será ocupado pela história, tal programa é, para ele,também o ponto de chegada de seu próprio percurso pessoal, da matu-ração de seu pensamento e, sobretudo, de sua visão do espaço e do tem-po, entre Argélia, França, Brasil e Alemanha: este percurso o conduziude uma pesquisa inicialmente centrada em Felipe II e o Mediterrâneo,quer dizer, em um estudo que poderia ter sido tradicional ou clássicosobre a política externa de uma grande potência da época em uma dasdireções de sua expansão, para um livro cujo personagem central se tor-nou o próprio Mediterrâneo5. Este mesmo percurso o levou a construirseu livro em torno de três diferentes temporalidades, correspondendo atrês níveis de leitura da realidade social e humana: aquela dos aconteci-mentos, que é a do vivido pelos homens, mas também a que eles regis-traram, ao menos em parte, nas fontes escritas que nos deixaram; aquelados movimentos de conjunto das sociedades, da economia, da política,da guerra, que marcam a duração de um longo século XVI; e, enfim, alonga duração, que ele intitula, no Mediterrâneo, “a parte do meio”, eque organiza em torno de duas disciplinas que eram, no momento emque escreve o livro, as únicas a colocar o longo tempo no centro de suasanálises: a geografia humana e a etnografia.

Uma etapa intermediária desta reflexão nos é fornecida hoje pelarecente publicação, sob o título de “L’histoire, mesure du monde”6, da

5 BRAUDEL,Fernand. La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de PhilippeII. Paris: Armand Colin, 1949. Em português: BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundomediterrânico na época de Filipe II. São Paulo: Martins Fontes, 1984, 2 v. (N. do T.).

6 Les écrits de Fernand Braudel; t. II: “Les ambitions de l’histoire”. Paris: Editions de Fallois,1997, p. 11-83.

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parte conservada das notas, reescritas por dois de seus ouvintes numpequeno caderno timbrado de seu Oflag**** e por ele corrigidas, dasconferências que realizara durante seus cinco anos de reclusão na Ale-manha, primeiro no campo de Maiença (1941-42), depois no de Lübeck(1943-44). Este texto, que se pode ler hoje como o esboço de um livro quenunca será acabado e publicado, permite-nos dispor de outro parâme-tro, anterior ao seu livro sobre o Mediterrâneo (defendido como tese em1947, mas publicado somente em 1949), e de fato contemporâneo de suaredação ou, antes, de suas redações sucessivas: não é por acaso que elededica uma parte importante de seu desenvolvimento às formas e aosconteúdos de um diálogo ao mesmo tempo possível e necessário entreas ciências sociais. Além disso, sabemos, sobreviver esses cinco anosnum campo de prisioneiros foi, para ele, não apenas escrever e isolar-sedo presente: foi também olhar para além dos acontecimentos que se iden-tificavam com a sucessão de vitórias alemãs, amplamente anunciadaspelas rádios e pelos jornais locais, e projetar-se no futuro. Sua repetidaafirmação sobre elas, retomada por seus companheiros de prisão, emtom de blague: “É apenas um acontecimento”, inscrevia-se na mesmalinha que a célebre frase de Churchill: “De derrota em derrota vamosem direção à vitória final”.

Restaria ainda explorar a pista das fontes eventuais e, mais am-plamente, de seus precedentes, tanto na história como em outras disci-plinas. Para ficarmos com a França, Marc Bloch, defensor de uma histó-ria regressiva, voltando do presente em direção ao passado, tentara dardestaque tanto às continuidades longas (como em seu artigo sobre asfalsas novidades)7 quanto às sedimentações sucessivas: entre Alema-nha e França, a área de extensão do open field ignora e, portanto, precedeo estabelecimento das fronteiras políticas8. Por seu lado, Lucien Febvreacentuara a pluralidade dos tempos dos homens, na qual via um verda-deiro desafio para os historiadores. Ainda antes de Braudel, a equipe de

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****Oflag, acrônimo de Offizierslager, campo de prisioneiros para oficiais, durante a Primeirae a Segunda Grande Guerra.

7 BLOCH, Marc. “Réflexion d’un historien sur les fausses nouvelles de la Guerre”. Revuede Synthèse historique, XXXIII, p.13-35, 1921. Em português: “Reflexões de umhistoriador sobre as falsas notícias da guerra”. In: BLOCH, Marc. História e historiadores.Textos reunidos por Étienne Bloch. Lisboa: Teorema, 1998, p. 177-198 (N. do T.).

8 BLOCH, Marc. Les caracterères originaux de l’histoire rurale française. Paris: ArmandColin, 1952, capítulo II.

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sábios que acompanha Napoleão no Egito nos lembra o papel de labora-tório científico que O Mediterrâneo havia desempenhado, desde a segun-da metade do século XVIII, mobilizando a atenção tanto das ciências danatureza (zoologia, botânica, geologia, etc.) quanto das ciências do ho-mem que se estavam constituindo (história, geografia, arqueologia, et-nografia): papel cuja herança Braudel irá, precisamente, recolher e capi-talizar, para reapropriá-la e reformulá-la em termos diferentes. De fato,a concepção de longa duração que elabora por ocasião da redação de OMediterrâneo distancia-se, claramente, de todas as proposições do tipode Toynbee ou de Spengler, que se reduzem, a seus olhos, a formas deleitura sub specie aeternitatis da história dos homens e a generalizaçõesdesencarnadas. A longa duração não existe sozinha, mas em referênciaa outras durações mais curtas, que Braudel reagrupa, pela comodidadee simplicidade de sua exposição, como o faz para as próprias longasdurações, em torno de dois polos principais: aquelas dos movimentosde conjunto indo da década ao século e aquela dos acontecimentos. Alonga duração não define um tempo imóvel, mesmo que ele possa serpercebido como tal pelos atores, mas um tempo quase imóvel, que passalentamente. Ela só se opõe ao acontecimento na medida em que este éusualmente identificado com o excepcional, com o que acontece apenasuma vez. Ela é constituída de pequenos fatos e gestos regularmente re-petidos, sem neles se pensar, por serem evidentes. É tecida de regulari-dades silenciosas – um silêncio em relação ao qual o papel da história éprecisamente de explicitar e fazer falar. No entanto, mesmo que sejafeita de regularidades e repetições que podem surgir quase da mesmaforma, ela é ao mesmo tempo construção, sedimentação e mudança, etodas as três se dão em uma escala temporal infinitamente maior (umou vários milênios) que aquela do tempo familiar aos historiadores. Daía questão que Braudel coloca, ao final de uma longa enumeração deregularidades do clima, tal como foram percebidas, vividas e interiori-zadas pelos homens à época: “O clima mudou desde o século XVI?” Elaabre o caminho à escrita de uma verdadeira história do clima, enfimlivre de todo impressionismo jornalístico.

A mesma distinção entre tempo imóvel e tempo quase imóvel per-mite a Braudel se distanciar de Lévi-Strauss, mesmo que saudando seuempreendimento: “sua tentativa, nestes temas, me parece a mais inteli-gente, a mais clara, a melhor enraizada na experiência social, de ondetudo deve partir e para onde tudo deve voltar”. Nela ele percebe as

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seduções, mas também os perigos, a ameaça para a história de ser rejei-tada ao lado do acontecimento. Compartilha a ambição de “transpor asuperfície da observação para atingir a zona dos elementos inconscien-tes ou pouco conscientes” e “extrair as leis mais gerais de estrutura”.Mas ele denuncia, nas respostas dadas, seus limites. Estas são formula-das a partir “de grupos restritos onde cada indivíduo é, por assim dizer,observável”, situam-se “no encontro do infinitamente pequeno e da du-ração muito longa”, mas “circulam apenas numa das inumeráveis rotasdo tempo, aquela da duração muito longa, ao abrigo dos acidentes, dasconjunturas, das rupturas”. Contra a redução a uma leitura modelizadade uma “vida social muito homogênea”, que permite “definir de formacerteira as relações humanas simples e concretas, pouco variáveis”, elereivindica para a história, no extremo oposto, a infinita complexidadedo social, a multiciplicidade das inumeráveis rotas do tempo. À redu-ção do real “a elementos miúdos, a toques finos, idênticos, cujas rela-ções se possam analisar precisamente”, para delas extrair as “leis deestrutura mais geral”, ele opõe da parte da história uma iniciativa maisexperimental, feita de idas e vindas entre realidades observadas e mo-delizações. Os modelos, sempre provisórios, sempre simplificados, de-vem igualmente ser sempre submetidos à prova da realidade, como osmovimentos dos navios que, lançados ao mar após terem sido construí-dos – para utilizar a metáfora que ele aprecia – são observados até queafundem. A racionalização, a modelização são para o historiador sem-pre aproximações cujo mérito é relançar a análise: a longa duração será,portanto, sempre uma explicação entre outras. O mesmo se dará emrelação à economia-mundo, no terceiro volume de Civilisation matérielle,Economie et Capitalisme, intitulado Le temps du Monde (1979): ela não émais que uma “ordem face a outras ordens”.

Este modelo, uma vez lançado ao mar, seguiu seu curso, cujas eta-pas, mudanças de rota, incidentes de percurso, escalas nos é necessáriorepetir agora. Sem dúvida era inevitável que ele escapasse em parte aseu construtor e idealizador e que outros buscassem utilizá-lo, por suavez, e tomar o controle dele, modificando, como acontece seguidamenteem relação aos navios, o nome, os portos de atracagem e as bandeiras.Se Fernand Braudel nunca reivindicou nem o comando nem a proprie-dade exclusiva, também nunca deixou de utilizá-lo nas diferentes eta-pas de seu próprio percurso.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

Primeiro, o percurso institucional: as orientações dadas à VIª Se-ção através do recrutamento de jovens pesquisadores, historiadores,antropólogos, economistas, psicólogos sociais, demógrafos, geógrafos,que, em sua maioria, adequaram para seu próprio uso, cada a um à suamaneira e com toda a liberdade, a noção de longa duração, como aliásele lhes havia sugerido, reconhecendo que cada realidade social obser-vada remete à sua própria definição e delimitação da longa duração,válida para ela e apenas para ela.

Em seguida, o percurso intelectual, que conduzirá Braudel a de-clinar dos usos da longa duração em função de quatro objetos princi-pais, fora do próprio Mediterrâneo. Les mémoires de la Mediterranée, livroredigido em 1968-69, mas publicado 30 anos depois9, lhe servirá parapercorrer novamente a trajetória histórica antes de Grécia e Roma.

O primeiro destes objetos serão as civilizações, em seu manualsobre o tempo presente, reeditado sob o nome de Grammaire des civili-sations10: neste ele oferece a definição mais englobante delas (elas são aomesmo tempo espaços, sociedades, economias, mentalidades coletivas,assim como continuidades), mas reafirma fortemente que não podemser compreendidas e analisadas senão sob a condição de tomá-las emsua mais longa duração. Uma duração mais longa do que os elementoscom os quais o observador contemporâneo por vezes tende a identificá-las: assim as religiões, sobre as quais escreve, com certo sentido da ante-cipação, que são retardatárias, que se apropriaram de civilizações já es-tabelecidas, solidamente implantadas, que as haviam precedido11.

O segundo destes objetos, já presente no artigo de 1958 (p. 51),estará no cerne das explicações de Civilisation matérielle12: as “prisões de

9 BRAUDEL, Fernand. Les mémoires de la Méditerranée: préhistoire et antiquité. Paris:de Fallois, 1998.

10 BRAUDEL, Fernand. Grammaire des civilisations. Paris: Arthaud, 1987 (este texto retomaa parte principal, por ele redigida, do manual destinado às classes finais dos liceus francesese consignada por S. Baille e R. Philippe em Le monde actuel, histoire et civilisations.Paris: Belin, 1963).

11 Citaremos em relação a este tema as duas afirmações da página 54 (“a religião é o traço maisforte no coração das civilizações, ao mesmo tempo seu passado e seu presente”) e da p. 73(Cristandade e Islã: “estas novas religiões recuperaram o corpo das civilizações já existentes.A cada vez foram a alma delas, desde o início tiveram a vantagem de se encarregarem de umarica herança, de um passado, de todo um presente, e desde logo um futuro”).

12 BRAUDEL, Fernand. Civilisation matérielle et capitalisme. Paris: Armand Colin, 1967,que, na versão final em três volumes da obra, Civilisation matérielle, économie etcapitalisme, XVe-XVIIIe siècle, receberá um novo título: Les structures du quotidien.

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longa duração”, representadas, para as principais dentre elas, por suasescolhas técnicas fundamentais, e primeiramente a das plantas das quaisfizeram a base de sua alimentação – o trigo, o arroz (com a passagemulterior à irrigação), o milho, o painço, os tubérculos. A cada vez estasescolhas orientam, condicionam e limitam as decisões ulteriores dassociedades que as fizeram.

O terceiro objeto será o capitalismo entre o séculos XV e XVIII, aoqual ele dedica o terceiro volume de sua trilogia, publicada em 1979, Lestemps du Monde: trata-se, a seus olhos, de uma construção ao mesmotempo original, que deve, pois, ser estudada nela mesma, inseparáveldo capitalismo industrial que a seguiu e que ela vislumbra, e compará-vel com outros capitalismos que dominaram períodos mais ou menoslongos da história de outras civilizações, como a fenícia, a grega e a ro-mana da Antiguidade, ou a da China. No caso desta, de importânciacentral para qualquer comparação com a Europa moderna, é precisoanalisar o capitalismo ao mesmo tempo local, colocado sob vigilânciado poder político, e exterior a ela, em todo o Sudeste asiático, onde mui-to cedo ele encontra as liberdades que lhe faltam em seu país.

O quarto objeto, enfim, será aquele de La identité de la France13, emrelação ao qual se dedica a demonstrar que esta identidade é tecida, aomesmo tempo, por continuidades, por escolhas muito antigas e por rup-turas, por permanências e por construções progressivas, por unidade epor diversidade. Demonstra também que ela carrega a marca do Estadoque foi, ao longo dos séculos, um dos atores principais, mas não o único,de sua construção, e que ela é a este respeito tudo menos eterna.

Mas essas utilizações pessoais e diferentes do tema da longa du-ração pelo próprio Braudel, para construir demonstrações históricas acada vez também diferentes, não devem levar a esquecer que outrastambém subiram bordo do navio, dele tomaram posse e adaptaram otema às suas próprias necessidades, nem sempre – o que pouco importa– reconhecendo suas dívidas. Contentar-me-ei aqui em assinalar os epi-sódios principais que acompanharam as mutações sucessivas da pes-quisa histórica.

O primeiro se identifica com a deposição das alianças disciplina-res que ocorre no fim dos anos 1960: a história toma volens nolens suas

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13 BRAUDEL, Fernand. L’identité de la France. 3 v. Paris: Arthaud-Flammarion, 1986-90.

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distâncias em relação à economia, que, de toda forma, afasta-se dela, econstrói com a antropologia uma nova parceria, da qual retirará um tri-plo enriquecimento. Em primeiro lugar, a ampliação de seus temas deestudo a um conjunto de questões até aqui ignorado ou deixado de lado,pois as considerava fora de sua alçada. Estas se tornam, em alguns anos,parte integrante do “território do historiador” caro a Emmanuel Le RoyLadurie: o parentesco e a aliança, é claro, mas também os mitos e ascrenças, as relações interpessoais e as práticas sociais, as técnicas no sen-tido mais amplo do termo, o corpo, as representações de si e do outro,da vida, da morte e do tempo, as relações de sexo e de gênero, etc. Emseguida, a apropriação de um vocabulário conceitual, utilizado inicial-mente com a paixão do neófito, e progressivamente dominado, e as pro-blemáticas correspondentes. Enfim, a terceira ampliação – espetacular –do campo das fontes utilizadas e a transformação da maneira de lê-las einterpretá-las: passa-se assim, em particular, dos textos aos objetos, coma abolição da fronteira que os separara, e de uma leitura desses docu-mentos que se pretendia exclusivamente crítica e objetiva a uma pes-quisa sistemática da ligação estreita entre as fontes e seus autores, queas produziram e que, conscientemente ou não, explicitamente ou não,as carregaram de sentido, que precisamos hoje redescobrir.

Mesmo que a referência à longa duração braudeliana não apareçasempre aí, ela está no cerne da própria conduta dos mais exigentes des-tes historiadores que exploram as vias abertas pela antropologia e bus-cam criar a moda em vez de se contentar em segui-la. A empresa sesitua, de fato, em uma dupla continuidade. De um lado, aquela da linhafixada por Lucien Febvre, em 1932, em sua lição inaugural no Collègede France: “os textos sim, mas todos os textos” – e não uma simplesseleção subjetiva dentre eles feita pelo historiador –, “os textos sim, masnão apenas os textos” – e, portanto, também outras marcas, objetos esignos que nos deixaram, voluntária e conscientemente ou não, as gera-ções e as sociedades que nos precederam, que redescobrimos ou quechegamos a reconstituir, e que aprendemos a ler. De outro lado, aquelada história inconsciente, da história das formas inconscientes do social,que Braudel privilegiara em seu artigo, tomando emprestado de Lévi-Strauss uma citação que este fizera de Marx em Anthropologie Structura-le: “os homens fazem a história, mas ignoram que a fazem”, mas paraapressar-se em acrescentar que esta história que diz respeito ao “tempo

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estrutural [...] é com frequência mais claramente percebida do que acre-ditamos”.

Se então os historiadores ganharam amplamente, foi porque elesforam bem-sucedidos em impor aos antropólogos sua concepção do tem-po, reintegrando as áreas estudadas pelos seus parceiros ao mesmo tem-po na duração longa de uma temporalidade lenta, mas com certeza nãoimóvel, e no contexto social no qual os homens aprendem rapidamentea manipular as regras em vez de se contentarem em aplicá-las ou a elasse submeterem. Isto é o que Pierre Bourdieu lembrará ao afirmar que atarefa do sociólogo é explicar e explicitar, ao mesmo tempo, as regras eas exceções que lhes são feitas, sem, no entanto, questioná-las definiti-vamente. E o que fará Braudel dizer que tinha um ponto em comumcom o pensamento de Bourdieu: ambos consideravam que toda socie-dade dedica 85 ou 90% de suas energias para se reproduzir. Estes 10 a15% fazem a diferença em relação a uma visão determinista da históriana qual leitores apressados tentaram, com frequência, enclausurar Brau-del: a longa duração dá lugar às iniciativas do indivíduo, apenas se con-tenta em limitar seu alcance, enclausurando-o “em um destino que elemal fabrica, em uma paisagem que desenha atrás dele e à sua frente asinfinitas perspectivas da longa duração”14.

Levada por esta aliança que domina as transformações da disci-plina histórica a partir do fim dos anos 60, a história se renova profun-damente a partir de seu interior. De um lado, as problemáticas elabora-das para o período compreendido entre os séculos XIII e XVIII passampor uma indiscutível expansão, tanto a jusante como a montante, tocan-do tanto a história dos séculos XIX e XX, com a social history anglo-saxã,quanto da Alta Idade Média e da Antiguidade. De outro lado, elas dei-xam os limites da Europa para tocar outras áreas geográficas e culturais,desde o México e os Andes ao Sudeste Asiático, para o qual BernardLepetit justamente propôs observar, no livro de Denys Lombard, Le Car-refour javanais15, o último grande livro braudeliano, regressando do pas-sado mais próximo ao mais longínquo, como sugeria Marc Bloch, anali-sando, tal como o arqueólogo, os estratos sucessivos acumulados ao lon-go do tempo, de maneira a reconciliar continuidades e rupturas. Em

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14 BRAUDEL, Fernand. La Mediterranée..., 1966, I, p. 520.15 LOMBARD, Denys. Le Carrefour javanais. Paris: EHESS, 1990, 3 v.

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outro plano, a história das mentalidades, tal como se define a partir doinício dos anos 1970, rompe aparentemente com as problemáticas deinspiração braudeliana, que, por muito tempo, privilegiaram a econo-mia e os determinismos da vida material, e desloca sua atenção paraoutras direções. Mas ela não apenas retoma, à sua maneira, o próprioconceito de longa duração, como afirma constituir o campo de aplicaçãoprivilegiado dele, afirmando que são as mentalidades que evoluem omais lentamente, que elas têm dificuldade em interiorizar a mudança,estão sempre atrasadas em relação ao real e ao presente e fornecem,portanto, a chave de uma duração mais longa, que é aquela, ao mesmotempo herdada e incessantemente re-atualizada, das maneiras de pen-sar, de decidir e de viver dos homens.

Outras pistas poderiam ser seguidas para mostrar, por exemplo,como duas concepções da longa duração, a dos antropólogos e a doshistoriadores, puderam coexistir e interagir: basta pensar neste pontode oposição entre o Mediterrâneo dos historiadores e o dos antropólo-gos16. Uma dezena de anos depois do livro de Braudel, que orientarádurante várias décadas a maioria das pesquisas dos historiadores, osprogramas do “Mediterrâneo dos antropólogos” são definidos a partirdo final dos anos 1950 em torno do estudo da Europa do Sul, vista eanalisada como encarnando “a outra Europa”, testemunha do “passadoque perdemos” ou que estamos perdendo, e não mais a da primeiramodernidade de uma Europa em expansão. Mas muitos dos participan-tes deste novo empreendimento tendem a esquecer que estas maneirasde pensar e de viver e esta organização cultural do social são em grandeparte construções recentes, cujas etapas de criação a história pode preci-samente reconstituir, sobre o duplo fundo da continuidade de compor-tamentos atestados pelo passado e da clivagem que se constituiu entre aEuropa do norte e do nordeste e a Europa do sul e do sudeste – a primei-ra tendo desempenhado um papel ativo, e mesmo decisivo, na constru-ção da imagem da segunda.

Para a América pré-colombiana e, depois, colonial, a “etnohistó-ria” de John Murra, introduzida na Europa por Ruggiero Romano e, em

16 Cf. ALBERA, D.; BLOK, A.; BROMBERGER, C. (Org.). L’anthropologie de la Méditerra-née. Anthropology of the Mediterranean. Paris: Maisonneuve & Larose; Maison Médi-terranéenne des Sciences de l’Homme, 2001; ALBERA, D.; TOZY, M. (Org). La Méditerra-née des anthropologues. Paris: Maisonneuve & Larose; Maison Méditerranéenne des Sci-ences de l’Homme, 2005.

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seguida, por Nathan Watchel (que coordenou com o mesmo John Mur-ra o número especial dos Annales intitulado “Antropologia histórica dassociedades andinas”)17, se constituiria em outro exemplo de síntese, destafeita infinitamente mais convincente e melhor acabada, entre os aportesda etnologia e da história. Em um nível mais profundo, poder-se-ia per-guntar se a conversão iniciada, a partir de meados dos anos 1970, pormuitos antropólogos, especialmente africanistas, em direção a temas eu-ropeus, não contribuiu para a modificação, de maneira ainda mais sig-nificativa, das próprias condições do diálogo, criando novos campos decooperação e de mútua fecundação entre antropologia e história. Bastapensar no impacto dos trabalhos de um Jack Godoy sobre a história lon-ga da alfabetização e da família: os historiadores encontraram nele achave das inflexões fundamentais que podiam lhes ajudar a identificaras rupturas que recortam a longa duração em sequências sucessivas e osdescompassos cronológicos entre regiões e meios sociais diferentes. “Len-ta a passar e a se transformar”, a longa duração não passa em todo lugarno mesmo ritmo e não toma sempre os mesmos caminhos.

Onde estamos hoje? A referência à longa duração ficou para trás,aceitada como uma evidência, mencionada como referência obrigatória,mas doravante privada de toda eficácia real, ao menos para uma histó-ria, na Europa ocidental, cada vez mais atraída pelo presente e preocu-pada pela explicitação de seus procedimentos narrativos? Deixarei delado todos os falsos problemas, essencialmente imputáveis a uma leitu-ra superficial dos textos de Braudel, no entanto muito nuançados, a esterespeito. Bastará lembrar uma vez por todas que a longa duração não sedefine, ou, em todo caso, não apenas, por um número de séculos ou demilênios, mas pela duração da vida do objeto histórico estudado, quefixa, caso a caso, a escala temporal – e, com frequência, também, espacial– da análise. E que ela também não é o passado, mas aquilo que, nopassado, “explica o presente” e, portanto, em particular a presença dopassado no presente, mantida viva e ativa pelas decisões, os gestos, asmaneiras de viver, de pensar e de reagir dos indivíduos concretos. Pro-curando traços da longa duração no século XVI, Braudel não procedeude maneira diferente: seu arquivo, cuja digitalização está começando no

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17 MURRA, John; WATCHEL, Nathan (Org.). “Anthropologie historique des sociétésandines”, número especial de Annales E.S.C., XXXIII, 5-6, 1978.

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marco de um programa sobre a gênese dos textos literários, é umasequência de anotações de pequenos fatos repetidos, observações deépoca. Ele se servirá deles para reconstituir as regularidades, cujos tra-ços se mantiveram vivos até os nossos dias, mas cujas origens se encon-tram bem distantes no passado. A longa duração é, de fato, tecida deeventos menores e singulares. Esta conduta não tem nada de impressio-nista: ela explica e justifica a fórmula “dix fois pour une”*****, frequen-temente retomada por ele. Ela lhe permite uma dupla atualização doMediterrâneo: no presente de hoje, para nós seus leitores, em relação aolongo século XVI do qual nos fala e no qual quer nos fazer entrar, mastambém no presente do século XVI, em relação aos seus múltiplos pas-sados que recuam longe no tempo, do que os atores da época possuíamconsciência mais ou menos clara.

A questão central me parece, de fato, outra. Ela diz respeito me-nos à própria longa duração do que a seus mecanismos de funciona-mento, que são aqueles da repetição, pelos indivíduos, mas também pelosgrupos e as instituições, de gestos, de comportamentos, de maneiras depensar e de decisões que tendem a se distanciar pouco da regra e, por-tanto, a confirmá-la, admitindo-se que, ao interpretá-la, pode-se desviá-la à margem.

A dupla referência de Fernand Braudel à geografia e à etnologia oconduziu a destacar, no Mediterrâneo, de um lado, as escolhas efetuadasao longo de milênios pelas sociedades que construíram e humanizaramo espaço mediterrâneo, e que, em seguida, funcionam como constrangi-mentos ou predeterminações para as decisões daquelas que as sucede-ram, e, de outro, as tradições transmitidas de geração em geração pelospróprios atores, particularmente no marco da família. Para explicar atransmissão da tradição nas sociedades rurais, Marc Bloch já havia su-blinhado que a educação das crianças era, com frequência, atribuída aosavós, que lhes asseguravam os cuidados enquanto os pais trabalhavamnos campos. Braudel, de sua parte, havia colocado o último capítulo desua primeira parte, “A unidade humana”, sob o signo dos caminhos edas cidades, ou seja, de ordenamento durável do espaço concebido comoespaço de circulação e de trocas.

***** Expressão que poderia ser traduzida, literalmente, por “dez vezes por uma”, e queindica algo frequente, repetido, evidente (N. do T.).

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A primeira pista, aquela dos constrangimentos, esboçada já noartigo de 1958, foi ulteriormente formalizada por ele, como havíamosmencionado, em 1967 (em Civilisation matérielle), sob o nome de “prisõesde longa duração”. Estas se identificam com as escolhas, efetuadas pe-las sociedades em um momento muito remoto de seu passado, a respei-to dos cereais aos quais irão recorrer para assegurar a maior parte desua alimentação: escolhas ao mesmo tempo técnicas, econômicas, cultu-rais e sociais, que se revelarão constrangedoras e irreversíveis e fixampara as sociedades o campo dos possíveis.

Esta mesma pista foi retomada em meados dos anos 1980 pelos eco-nomistas, com o artigo de Paul David sobre o teclado da máquina de es-crever18, sob o nome de dependência temporal. A expressão lhes serve paradesignar as escolhas técnicas, mas também institucionais e sociais, cujaduração propõem explicar – apesar de sua irracionalidade em certos ca-sos intrínseca – pela racionalidade dos custos de transação, que desenco-rajam os investimentos necessários para questioná-las. A explicação é ten-tadora, mas nenhuma verificação experimental foi feita, nem qualquercontabilização precisa, quando seria simples fazê-lo – assim, por exem-plo, a propósito da Suécia, quando aderiu à condução dos automóveispela mão direita, ou da Grã-Bretanha, quando renunciou, para sua moe-da, ao velho sistema carolíngio “libra-soldo-dinheiro” e adotou o sistemadecimal. No entanto, estes dois casos teriam permitido colocar em núme-ros, de forma bastante precisa, estes “custos de transação”, frequentementeinvocados como explicação final mas raramente calculados.

Os historiadores da alimentação, ao contrário, estudaram bastan-te como os europeus conseguiram, no século XX, ao cabo de uma sériede mudanças e progressos agronômicos e comerciais que haviam come-çado em meados do século XVIII, superar os embaraços de um regimealimentar no qual o trigo tinha de assegurar a maioria das calorias e dasproteínas, e passaram progressivamente a um regime no qual a maioriadas proteínas é garantida pela carne e pelos laticínios, e a maioria dascalorias pelas gorduras e açúcares rápidos. E eles seguem de perto astransformações em curso na alimentação dos países industrializados e

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18 DAVID, Paul. “Clio and the Economics of QWERTY”. American Economic Review. Papersand Proceedings, LXXV, p. 332-337, 1985; “Understanding the Economics of QWERTY:The Necessity of History”. In: Economic History and the Modern Economist. Organizadopor W. N. Parker. London: Basil Blackwell, 1986, p. 30-49.

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urbanizados, com forte redução de aportes calóricos sugeridos (as 1.800a 2.000 calorias cotidianas, que há meio século representavam a frontei-ra da subalimentação, são hoje propostas como o ideal para nossas po-pulações adultas sedentárias, dispensadas de todo de qualquer esforçofísico em seu trabalho), a diminuição das gorduras, dos açúcares e dasproteínas animais, os progressos dos legumes e das frutas, o privilégiodado às vitaminas, aos elementos minerais, ou a estes recém-chegadosao poder, um pouco misteriosos (mas cujo impacto publicitário é forte),que são os ômega 3, 5 e outros...

As duas pistas (a dos constrangimentos e a da tradição) se encon-tram reunidas em Braudel com base em sua definição do conceito de“civilização”. A seus olhos, todas as civilizações se inscrevem em umespaço e em uma duração infinitamente mais longa que aquela do polí-tico ou mesmo da religião. Mas ele toma o cuida de precisar que estas sedefinem ao mesmo tempo por aquilo que dão aos outros, pelo que lhestomam emprestado (daí uma margem de inovação no cerne da longaduração), mas também pelo que recusam, para afirmar a sua reserva esua diferença. Esta prudência, justificada pela experiência do passado,foi, com frequência, esquecida, em todos os debates posteriores ao 11 desetembro, por todos os discípulos de Huntington atraídos pela ideia deuma guerra inevitável entre civilizações concebidas como conjuntospetrificados e incapazes de se comunicar entre si e, ainda mais, identifi-cadas principalmente com sua dimensão apenas religiosa.

A segunda pista, a da tradição, viu-se recentemente submetida auma dupla crítica. A primeira, de Eric Hobsbawm e de Terence Ranger,sobre a invenção da tradição19, opõe os mecanismos de construção “ati-va” da tradição à visão, excessivamente simples, de uma pura transmis-são passiva, e faz destas tradições construídas objetos de história, datá-veis no tempo, situáveis no espaço, atribuíveis a atores sociais e institu-cionais identificáveis, reinterpretados mais ou menos livremente pelassucessivas gerações em função de suas necessidades do momento. Istoas leva do estatuto de “descrições objetivas”, que os especialistas das “tradições populares” tinham se dado por objetivo registrar, para prote-gê-las do esquecimento e compreender, por dentro, as sociedades queas viviam no presente, ao estatuto de “representações”, que devem en-

19 HOBSBAWM, Eric J.; RANGER, T. (Coord.). The Invention of Tradition. Cambridge:Cambridge University Press, 1983.

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contrar seu lugar numa história social da cultura e numa história cultu-ral da sociedade. A segunda crítica se encontra no pano de fundo dasposições dos antropólogos que, à imagem de Marshall Sahlins, sugeremsubstituir a fórmula “quanto mais isso muda, mais permanece a mesmacoisa” (o tempo imóvel) pela formulação inversa: “quanto mais isso é amesma coisa, mais isso muda”, que nos aproxima do tempo quase imó-vel, que passa lentamente, mas compreendendo sempre uma parte demudança que Fernand Braudel propusera. Mas ela acrescenta aí o fatode que a inovação, por forçar as portas do conservadorismo das socie-dades, tem a necessidade de se esconder atrás do respeito da tradição.

A forma pela qual o passado contribui para modelar o presenteconstitui, pois, uma questão mais viva e atual que nunca no campo dasciências sociais. Esta é uma questão cuja resposta deve ser buscada, aomesmo tempo, do lado do passado – as “mensagens” que ele nos trans-mitiu, os caminhos que nos preparou, mas também o que aprendemos aconhecer, o que buscamos saber e o que escolhemos reter sobre ele, pois amemória é tecida de esquecimentos e de redescobertas –, e do presente –a forma pela qual as sociedades, de forma consciente ou não, explícita ounão, reinterpretam esse passado e o “atualizam”, e os mecanismos de suaincorporação, aceitação e apropriação, geração após geração, que Bour-dieu havia colocado no cerne de suas análises do habitus, e que ditam asastúcias que permitem, a cada vez, ao morto apoderar-se do vivo. Mesmoque o interesse dos pesquisadores tenha se deslocado das obrigações ma-teriais em direção aos modelos culturais, a ambição segue a mesma.

Mas essa questão, que diz respeito ao próprio funcionamento dalonga duração, não deve deixar que seus outros usos sejam esquecidos:primeiramente, aquele que consiste, para estudar um objeto histórico,qualquer que seja, em tomá-lo na totalidade de sua mais longa duração,para estabelecer seus limites e identificar suas principais rupturas ouinflexões, sinalizar uma periodização e definir, justificando-os em se-guida, o momento e o lugar nos quais concentra a observação e a análi-se. A história do livro será, pois, para tomar apenas um exemplo, umahistória de cinco séculos e meio, se a relacionamos àquela da imprensa ese admitimos que os meios digitais, sem que nela tenham posto um pontofinal, representam um momento de inflexão fundamental. Isso porqueeles vêm pôr em questão o monopólio do livro, como forma de referên-cia de comunicação e de circulação do texto escrito, de maneira ainda

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mais eficaz, posto que passaram a controlar, na origem, a própria com-posição do texto até a camera ready copy. Mas a história do livro é umahistória de um milênio ou mais, se identificamos seu nascimento comaquele da passagem do volumen ao codex, que modifica profundamenteos modos de apresentação e, mais ainda, de leitura do texto. E será umahistória mais longa ainda, da ordem de três milênios ou mais, se a iden-tificamos com aquela dos próprios textos literários, de sua fixação, desua transmissão pelo escrito, de sua “publicação”, de sua conservaçãonas bibliotecas públicas ou privadas: tal será também o tempo das reli-giões do livro. E este recorte, em durações de tamanho diferentes, pode-rá ser ainda clareado e tornado mais complexo se ampliamos a históriado livro àquela da leitura, igualmente rica de ensinamentos. A longaduração não é una, mas plural, segundo o objeto estudado e as questõesque lhe são postas.

Todos estes usos e estas representações da longa duração comorepetição não idêntica, mas quase idêntica, fazem parte hoje da baga-gem comum das ciências sociais, aí incluída a história. As críticas for-muladas em 1951 por Bernard Baylin, ou, em 1968, por Stuart Hugues20,nas quais ambos denunciavam a ausência de qualquer ligação entre astrês temporalidades do Mediterrâneo, não são mais citadas senão comotestemunhos do efeito surpresa provocado pelo livro à época e da in-compreensão gerada em alguns, mal-estar diante deste questionamentode seus hábitos e certezas. Como Anthony Molho observou corretamen-te, o que estes historiadores, vinculados apenas à representação linearde um tempo que passa no mesmo ritmo, recusavam era precisamenteessa pluralidade dos tempos que Braudel procurava distinguir para pôrem evidência suas múltiplas interações21. Mas é preciso também levarem conta tudo o que mudou ao longo destes últimos 50 anos, tanto noconteúdo e nos métodos das ciências sociais quanto na relação que têmou buscam ter com as ciências exatas: os próprios termos com os quaisBraudel pôde formular estas duas questões, e que constituem o cerne deseu artigo de 1958, foram sensivelmente re-orientados. E a tarefa que

20 BAYLIN, B. “Braudel’s Geohistory – A Reconsideration”. Journal of Economic History,XI, 3-1, p. 277-282, 1951; STUART HUGHES, H. The Obstructed Path: French SocialThought in the Years of Desperation, 1930-1960. New York: Harper & Row, 1967.

21 MOLHO, Anthony. “Like Ships Passing in the Dark: Reflections on the Reception of LaMéditerranée in the U.S. Review, XXIV, 1, p. 139-162: 155-157, 2001.

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nos cabe é levar isso em conta, para pormos em dia as respostas que,hoje, poderíamos oferecer.

As ciências sociais, incluindo a história, viveram duas transfor-mações fundamentais, aparentemente contraditórias e, de fato, comple-mentares.

A primeira foi aquela da ampliação em direção às origens do tem-po histórico. A história não começa mais com a Suméria. Com efeito, arevolução científica da arqueologia aboliu a fronteira da invenção daescrita que servia para distinguir a história da pré-história e aquela, fre-quentemente associada à anterior, da oposição entre “sociedades frias”e “sociedades quentes”: ela aproximou os antropólogos, os arqueólogose os historiadores, quer trabalhassem sobre a Europa, quer sobre as ou-tras grandes áreas geográficas e culturais do mundo, e mobilizou mui-tos técnicos de análise, de medida, de modelização e de informatizaçãoemprestados das ciências exatas. A comparação das Memórias do Medi-terrâneo, de Fernand Braudel (redigido em 1968-69), com o La mer parta-gée, de Jean Guilaine (1994)22, permite medir o caminho percorrido emduas décadas e aclara uma perspectiva na qual se inscreve o Sabbat dessorcières, de Carlo Ginzburg23. Deste ponto de vista, a “revolução neolí-tica”, iniciada cerca de 12 mil anos antes de nossa era, em diferentesregiões de nosso planeta (o Oriente Próximo, o México e os Andes, aChina, a Nova Guiné), fixa hoje a unidade de análise comum aos histo-riadores, aos arqueólogos e aos antropólogos. Mas como nenhuma re-volução faz, nunca, tábua rasa do que a precedeu, ela coloca o problemadas continuidades – mais ou menos subterrâneas – com as etapas ante-riores do controle dos recursos da natureza, que estavam na base daorganização das sociedades de caçadores-coletores que não desapare-ceram na noite para o dia.24

A segunda foi aquela do lugar atribuído aos atores individuais eàs relações que eles tecem entre si nas decisões tomadas no cotidiano, eque o pesquisador, com distanciamento, lê como ditadas pela necessi-dade, mas que foram então vividas como escolhas mais ou menos cons-cientes e racionais entre diferentes soluções possíveis.

A longa duração hoje: balanço de meio século (1958-2008) / Maurice Aymard

22 GUILAINE, Jean La mer partagée: la Méditerranée avant l’écriture, 7000-2000 av. J.-C.Paris: Hachette, 1994.

23 GINZBURG, Carlo. Storia notturna: Una decifrazione del sabba. Turin: Einaudi, 1989.24 Cf. “Nouveaux regards sur la révolution néolithique”, entrevista com Jean-Paul Demoule

e Jean Guilaine, Le Monde, 28-29 de setembro de 2008.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

Esta dupla transformação explica a situação atual das ciências so-ciais, na qual duas posições principais tendem a se opor. De um lado,com efeito, encontramos todos aqueles que colocam, no centro de suasanálises e de suas explicações, os mecanismos (educação e aprendiza-gens diversas, representações sociais, obrigações aceitas e, mesmo, rei-vindicadas, etc.) que levam os indivíduos a fazer voluntariamente “aescolha do necessário” e a retomar, por sua conta, a herança do passado.Em compensação, de outro encontramos todos aqueles que, desconfia-dos em relação a qualquer forma de determinismo (quer reivindiquemou não sua filiação ao individualismo metodológico), privilegiam a ra-cionalidade das decisões dos atores e se contentam em explicar os limi-tes destas decisões em razão dos limites da informação de que eles dis-punham no momento em que as tomaram.

Uma das formas de superar estas oposições seria, sem dúvida,seguir as pistas que as ciências exatas definiram e traçaram para suaspróprias necessidades e que ainda hoje encontram, com algumas exce-ções, apenas um eco limitado nas ciências sociais: elas merecem hoje sersistematicamente exploradas. Assim, por exemplo, aquelas que nos fo-ram oferecidas ao longo dessas últimas décadas, as análises da dissemi-nação, da bifurcação e do caos, da complexidade ou, ainda, a análiseestocástica. Com efeito, elas abrem o caminho a outras leituras e a ou-tras interpretações da longa duração, que possuem em comum o fato deaí introduzir a própria ideia de ruptura e de mudança, e de orientar asciências sociais em direção às representações não lineares do tempo e,ao mesmo tempo, às análises das sociedades em termos de sistemas di-nâmicos. As perspectivas que elas nos propõem, em mais de um ponto,são radicalmente diferentes daquelas que guiaram a concepção e a re-dação do artigo de 1958. Mas têm o mérito de nos oferecer outras solu-ções possíveis às questões nele colocadas. A estas, Braudel propôs umaprimeira série de respostas cujos limites, apesar de sua fecundidade eimpacto na pesquisa ulterior, hoje percebemos melhor. Contudo, umacoisa é certa: na medida em que convidam a questionar as certezas queele à época partilhava com os especialistas, e que são ainda aquelas demuitos dentre nós, elas teriam certamente fascinado Fernand Braudel.

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Comparação e análise históricaReflexões a partir de umaexperiência de pesquisa*

Rosa Congost**

Antes de tudo, quero agradecer aos organizadores deste Encontroe, em particular, aos meus amigos Andrea Reguera e Flavio Heinz, queme convidaram para participar e me deram a honra, não merecida, defazer esta conferência de encerramento. A oportunidade de me dirigir aum conjunto de pesquisadores que trabalham em áreas muito distintase muito distante das minhas tem sido sempre especialmente estimulan-te para mim. Este estímulo, que experimentei de forma inesperada, qua-se espontânea, em minha primeira visita a Tandil há 15 anos e que, des-de então, aconselho a todos os historiadores, constitui, penso, uma ma-nifestação da força e das vantagens da comparação na história. Esta é aideia que quero compartilhar hoje com vocês e que justifica o tom pes-soal de minha exposição, pelo qual espero que me desculpem.

Se há alguns meses aceitei, com muito gosto, o convite para parti-cipar deste II Encontro Marc Bloch, não foi apenas pela amizade que meune aos organizadores, ou pela admiração que sinto pela obra dos fun-dadores dos Annales, mas porque compartilho, ou creio compartilhar,com uns e outros a necessidade de reivindicar a perspectiva comparadanos estudos históricos.

Confesso que a expressão “história comparada” me desperta doistipos de reações. A primeira é de relativa comodidade. Sinto-me cômo-da com o qualificativo de “história comparada”. Satisfaz-me e me lison-

* Texto apresentado à sessão de encerramento do II Encontro da Rede Marc Bloch de Estu-dos Comparados de História – Europa/ América Latina, na PUCRS, em Porto Alegre, nodia 24/10/2008. Tradução de Mariana Flores da Cunha Thompson Flores.

** Universidade de Girona, Espanha.

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jeia que alguém diga que meus trabalhos e minhas pesquisas são exercí-cios de história comparada. Contudo, a segunda reação é de certo des-concerto. Porque estes trabalhos e essas pesquisas não foram concebi-dos com o objetivo de fazer “história comparada”. Em todo caso, nãocom esse objetivo como meta principal.

Quero dizer que nunca, no momento de escolher ou elaborar umprojeto de pesquisa, pensei: vou fazer um projeto de história compara-da. Talvez porque essa “grande dama”, como chamava Febvre, inspira-me ainda muito respeito... No entanto, não creio que esta seja a princi-pal razão... Por que, então, para alguns, pertenço ao grupo de historia-dores que realizam história comparada? Por que, como acabo de dizer,eu mesma me identifico com este rótulo e, portanto, situo-me neste gru-po? Talvez porque cite bibliografia de outros países? Talvez porque ten-da a fazer referência a espaços e tempos distintos daqueles que constitu-em o objeto de meu estudo? Se é assim, no meu caso, nem uma coisanem outra constituem um mérito. O fato é que não sei fazê-lo de outraforma. Não saberia, não sei definir o espaço e o tempo do meu objeto deestudo sem fazer referências a outros espaços e outros tempos.

Se chamamos a essa necessidade método comparativo, enfoquecomparativo, então quase sim, posso afirmar que eu pratico este méto-do, ou tento praticá-lo. Mais ainda, posso afirmar que não concebo ou-tra maneira de praticar a análise histórica. E, seguramente, a chave seencontra nessa palavra, na palavra “análise”. Esta exposição teria sidobem diferente se tivesse decidido intitulá-la “Comparação e síntese his-tórica” ou “Comparação e narração histórica”. O método comparativopara mim tem significado na medida em que me ajuda a cumprir umobjetivo que, a primeira vista, poderia parecer diametralmente oposto àhistória comparada: o objetivo de saber situar corretamente, precisa-mente, finamente, cada problema estudado, cada realidade histórica,em suas justas coordenadas de espaço e tempo. Interiorizada desta for-ma, a perspectiva da história comparada é para mim, e para muitos, aúnica forma possível de escrever a história, entendida como uma formade colocar “problemas históricos”, de escrever “história fundamenta-da” ou de “pensar historicamente”. Creio que também era assim paraMarc Bloch, Lucien Febvre, Ernest Labrousse, Pierre Villar... E me apressoem dizer que é muito mais meritório nestes casos do que no meu.

As características de nossos Encontros de história comparada me fa-zem intuir que meu modo de pensar é compartilhado por muitos de vocês.

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Comparação e análise histórica: reflexões a partir de uma experiência de pesquisa / Rosa Congost

O interesse pela história comparada nos uniu, mas a maioria dos trabalhosque temos apresentado tem falado de uma realidade concreta. Escutando-nos uns aos outros, debatendo, temos aprendido muitas coisas novas sobrerealidades diferentes, mas só teremos feito justiça ao título deste Encontrose tivermos interiorizado, um pouco mais, a necessidade de comparar rea-lidades para analisar melhor a realidade que estamos investigando.

De fato faz muitos anos que isto ocorre. Quer dizer, faz muito anosque os historiadores descobriram as vantagens de lerem uns aos outros.Mas nunca é demais nos lembrarmos disto.

Outros haverão de julgar os resultados, mas penso que aqui resi-de a autêntica potencialidade do método comparativo, aquela que atraíaa Marc Bloch. Não basta incluir na bibliografia uma lista de referênciasestrangeiras. Não basta mostrar conhecimento erudito de outras socieda-des. Tampouco basta, nem é necessário, tornar explícita no título de umlivro, por exemplo, ou de um colóquio, ou de uma conferência, a intençãode comparar realidades históricas de espaços e tempos distintos...

Com esta introdução quis enfatizar que a história comparada, ouao menos um tipo de historia comparada, é, para alguns de nós, umaconsequência, um resultado, um reflexo de uma atitude diante da pes-quisa histórica, de um hábito, de uma forma de pensar, que alguns his-toriadores da minha geração aprenderam de seus professores e que con-siste, basicamente, no fato de ter muito presente, quando pesquisamos,quando estudamos uma realidade, outros estudos, outras realidades...Para quê? Com que objetivo? A resposta é fácil: para analisar e compre-ender melhor a realidade que estamos pesquisando. E é a partir daquique o argumento se complica. De que tipo de realidade estamos falan-do? A resposta agora tem que ser forçosamente geral e, aparentemente,ambígua: “depende”. Mas este “depende” não é banal. Dizer que exis-tem muitas realidades históricas dignas de ser estudadas, além de dizeralgo óbvio, é sugerir que há muitas maneiras possíveis de utilizar a com-paração na história, muitas escalas de história comparada, para dizê-locom a expressão que dá título a este colóquio, e que todas elas podemser igualmente válidas e legítimas.

Fiquei tentada, sobretudo depois de relê-los, a preparar esta inter-venção a partir de dois célebres artigos de Marc Bloch, datados de 1928e 1930, sobre o tema, tão atuais me pareceram. Desisti de fazê-lo porqueMaurice Aymard havia realizado um exercício semelhante no Encontroanterior. Por essa razão, minha reflexão tenderá a estabelecer um diálo-

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go, uma continuidade com aquelas reflexões de Maurice Aymard sobre“a história comparada hoje”. Na sua exposição, Aymard relembrava quea necessidade de um programa de história comparada havia sido defen-dida muito antes de Bloch, em fins da década de 1870, e, portanto, tam-bém a reivindicação de uma história científica e a reivindicação de ummétodo histórico. Maurice Aymard termina seu artigo perguntando-sea respeito do caminho seguido pela história comparada depois de MarcBloch. E comenta aquelas mudanças que considera mais relevantes nasúltimas décadas: entre outras, certa perda de peso da História no con-junto das ciências sociais e, também, certa perda de peso da Europa nocenário mundial.

No texto referido, Aymard constatava certo esgotamento dos mo-delos e das estratégias de pesquisa que haviam dominado até os anos 80do século XX. Por isso, dizia, faz-se necessário “inventar novos objetosde estudo, escolher novos ângulos de observação e revisar criticamenteos objetos anteriormente selecionados”. Estou convencida de que ape-nas a perspectiva da história comparada pode nos ajudar nesta tarefa.Também estou convencida de que é uma tarefa que não pode ser reali-zada por um historiador de forma individual. Apenas o diálogo entrediferentes pesquisadores e a existência de equipes de trabalho – locais,nacionais e internacionais – podem ajudar a vencer “o perigo maior” datarefa que temos nas mãos: “a incapacidade dos pesquisadores de sealimentarem de conhecimentos necessários para desenvolver a compa-ração na escala mundial: conhecimentos linguísticos, bibliográficos e his-toriográficos, e conhecimentos de diferentes campos”.

Na opinião de Aymard, a necessidade de superar o eurocentrismoinicial, que marcou o nascimento e a afirmação da História, tem um resul-tado historiográfico: a ideia de uma história mundo: “Quer dizer, dar lu-gar a outras disciplinas diferentes da História, que tem privilegiado oestudo de sociedades extraeuropeias, e criar as condições de uma verda-deira cooperação entre historiadores e especialistas de outras disciplinas”.

Estou de acordo com Maurice Aymard na reivindicação de umespaço mais amplo para a história comparada, “para colocá-la a serviçode uma história do mundo, que Bloch não poderia ter intuído”. A condi-ção, claro está, é não confundir história comparada com história mundial,nem tampouco com história internacional, porque, frequentemente, portrás desses rótulos se escondem simples trabalhos de síntese histórica que,na melhor das hipóteses, servem para pôr em evidência a falta de pes-

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quisas históricas. E sob a condição de saber adotar, na análise históricado problema estudado, a perspectiva que permita estudá-lo em umaescala adequada. Por exemplo, nos muitos estudos interessados na cons-trução histórica de determinados fenômenos – tais como os direitos depropriedade, ou os diversos mercados – a comparação entre Estados e aperspectiva a longo prazo podem nos ajudar a formular determinadashipóteses de trabalho, embora sua comprovação empírica vá requerer,na maioria das vezes, uma escala mais humana: no espaço, a escala localou regional; e no tempo, a escala do “curto e médio prazo”.

Disse antes que minha geração deve muito a seus professores. Du-rante os anos de minha formação como estudante de História, nos anos 70,havia certo consenso, entre os historiadores, que nos familiarizou com oenfoque comparativo. A maioria dos historiadores, marxistas ou não, con-siderava que em toda a Europa haviam dominado, na época medieval,sociedades que podiam ser consideradas feudais e, na época moderna, so-ciedades que estavam experimentando a transição do feudalismo ao capi-talismo. Estas referências ofereciam um marco teórico compartilhado portodas as áreas europeias, e inclusive pelas não europeias, o que, sem dúvi-da, facilitava a comparação entre as diferentes realidades. No entanto, opeso do referencial teórico era tão forte que muito frequentemente os his-toriadores não se envolviam em projetos reais de pesquisa empírica. Fre-quentemente se davam por supostos e predeterminados os problemas his-tóricos de uma época determinada e também se davam por supostos e pre-determinados os grupos sociais de um espaço. Também poderia parecerfora da discussão a identidade dos protagonistas da história, no sentidodos protagonistas da mudança histórica. As palavras “feudalismo” e “ca-pitalismo” encerravam, para muitos, muitas vezes, estruturas fixas e rela-ções sociais predefinidas, grupos sociais predefinidos e também um fio con-dutor da história. Estas circunstâncias condicionavam os estudos das dinâ-micas e as relações sociais de cada sociedade, que, muitas vezes, adquiriammais um tom descritivo de síntese que de análise.

Mas a consciência dos perigos de abusar de modelos teóricos nãopode ter como consequência a rejeição da elaboração rigorosa e científi-ca do discurso histórico. Essa elaboração, que requer tanto o trabalhonos arquivos quanto a formulação de novas hipóteses de trabalho, reve-la-se mais necessária do que nunca. Os novos estudos de caso podemagora ser muito mais ricos que antes, porque agora estamos mais cons-cientes da necessidade de acompanhar a reflexão teórica com o trabalho

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de arquivo... e de que o uso de determinado vocabulário não pode ser-vir para simplificar a realidade. Para essa “combinação fundamentada”– e razoável – da “prática teórica e da descrição concreta” o métodocomparativo se revela muito útil e necessário.

Marc Bloch escreveu sobre a perspectiva da história comparada apartir de sua experiência de pesquisa. Explicou que graças ao métodocomparativo soube situar e interpretar, na história de algumas regiõesda França, o processo de cercamento de campos, que alguns historiado-res franceses haviam ignorado. Este simples episódio, sobre o qual MarcBloch escreveu em várias ocasiões, permite-me destacar três aspectosdo método comparativo que me parecem relevantes:

1) Com este comentário, Bloch situa um problema concreto, o datransformação da propriedade da terra, como um problema cuja análiserequer a perspectiva da história comparada.

2) O episódio explicado por Marc Bloch também serve para detec-tar outro problema: o das distintas tradições historiográficas nos dife-rentes países. Na Inglaterra, em fins do século XIX, os historiadores jáhaviam concedido muita importância ao processo de cercamento de cam-pos. Na França, por outro lado, o grande historiador Fustel de Coulan-ges havia negado que este processo houvesse ocorrido. Depois do co-mentário de Marc Bloch, portanto, percebemos a necessidade de dialo-gar com historiadores de outros países.

3) Por último, o breve comentário de Marc Bloch também nos faznotar que o historiador não pode viver de costas ao mundo presente. Odiálogo do historiador com o presente quase sempre se reflete na for-mulação de perguntas que nos permitem aprofundar uma realidade his-tórica determinada ou colocar novos problemas históricos. O presente éo tempo que Fustel de Coulanges desconhece porque, conta-nos MarcBloch: “Não é, em absoluto, faltar com sua grande memória recordarque ele não era daqueles para quem o mundo exterior existe intensa-mente. É algo certo que nunca deve ter olhado com muita atenção paraas terras de trabalho que, de maneira singular, em todo o norte e o lesteda França, sugerem imperiosamente a lembrança do open-field inglês.Sem afeição particular pela agronomia, as discussões sobre a aberturade campos que, no momento mesmo em que recebia a carta de Seebo-hm, tinha lugar nas Câmaras haviam-no deixado indiferente”.

Essas três ideias ilustram as virtudes do método comparativo paraa análise histórica. A citação de Marc Bloch se refere ao tema da proprie-

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dade da terra. Minha experiência de pesquisa também, o que facilitacruzar com suas reflexões. A importância da propriedade não é um temanovo entre os historiadores. Alguns podem pensar que é um tema esgo-tado porque já desempenhava um papel central nos modelos e nas es-truturas dominantes na história dos anos 60. Mas se reconhecemos aimportância do tema da propriedade na história das sociedades, e pen-so que é difícil não reconhecê-lo, o desafio que se impõe é outro: abordá-lo de modo novo. A este desafio dediquei a maior parte de minhas pes-quisas, onde a perspectiva da história comparada, a mesma que colocouem evidência os limites do enfoque dos anos 60, revelou-se inteiramen-te necessária para mim. Minha experiência de pesquisa, meu trabalhoempírico, tem se centrado sobretudo na documentação, localizada nosarquivos dos séculos XVIII e XIX de uma região concreta, a região deGirona, situada no nordeste catalão. Mas na interpretação desses docu-mentos aprendi muito sobre dois tipos de comparação, no tempo e noespaço: a) no tempo, tem sido fundamental o diálogo com alguns medieva-listas e modernistas que trabalham sobre a mesma área, assim comoalgumas notícias de exasperante atualidade, algumas sobre temas desempre, como processos de ocupação ou reocupação de terras, outrassobre problemas novos, como os problemas derivados da insegurançajurídica dos novos direitos de propriedade intelectual; b) no espaço, temsido fundamental o diálogo e o intercâmbio intelectual com os estudoshistóricos sobre sociedades europeias – e nos últimos anos são muitointeressantes os processos de descoletivização vividos nos países da Eu-ropa oriental – e sobre sociedades não europeias. Entre estas últimastêm exercido papel determinante as latino-americanas, como tentareiexplicar, mas não unicamente: é preciso estar muito atento às reformasiniciadas na China, por exemplo.

Posso ilustrar esta forma de integrar a comparação na análise his-tórica a partir de algumas anedotas pessoais, que têm a ver com as soci-edades latino-americanas. Na primeira vez que viajei para a Argentina,o “descobrimento” da importância da enfiteuse na legislação liberal ar-gentina ajudou nas minhas reflexões a respeito da legislação sobre a pro-priedade na Espanha liberal. Lembro também quando fui convidada porMarta Bonaudo para fazer uma conferência em Rosário. Escolhi comotema de reflexão as leis sobre a respiga (respigueo) na França, Inglaterra eEspanha, porque me pareceu um bom marco para reivindicar a perspec-tiva da história comparada. Mas, durante o colóquio, soube que tal costu-

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me não era conhecido na Argentina. Sequer me havia passado pela cabe-ça essa possibilidade. As referências à respiga na Bíblia tinham me con-vencido de que se tratava de um direito “natural”. Mas, do ponto de vistada história comparada, também era bastante ilustrativa a não exportaçãodeste costume pelos colonizadores espanhóis aos países americanos.

A terceira experiência foi para mim a mais reveladora. Há algumtempo recebi a tarefa de realizar a resenha de um livro sobre o fim daspropriedades coletivas em diversos países da Europa e América Latina.O título do livro é: Les proprietés collectives face aux attaques liberales, publi-cado em 2003. Esta tarefa me obrigou a estabelecer comparações entre osdistintos processos descritos no livro. Lendo, aprendi muito sobre cadaum dos processos vividos em cada país, mas também aprendi sobre adificuldade de compará-los. Refiro-me, sobretudo, à comparação entre oocorrido na Espanha e na América Latina. Aparentemente, a mais fácil. Ovocabulário utilizado era o mesmo e as leis da metrópole, com as quaisestava familiarizada, haviam condicionado durante séculos a gestão dascomunidades indígenas. As leis liberais que os novos governos latino-americanos independentes implementaram também se inspiraram clara-mente nas leis liberais do Estado espanhol. Mas não era possível compa-rar as florestas públicas espanholas e as comunidades indígenas dos paí-ses latino-americanos. Nos trabalhos referentes aos países da Europa Oci-dental, os autores costumavam estimar que o conjunto dos direitos depropriedade coletivos, quando eram vigentes, constituía um complementoaos direitos derivados da propriedade individual. Nos países da AméricaLatina, por outro lado, os pesquisadores concebiam a propriedade coleti-va como a forma habitual de gerir os recursos de uma parte da sociedade,aquela correspondente à população índia, mas organizada pelos euro-peus, e a partir de uma linguagem própria da legislação castelhana, emcomunidades indígenas. As propriedades coletivas que ali se contempla-vam não tinham nada a ver com as espanholas.

Por essa razão cheguei a me perguntar se tinha sentido comparar osprocessos de desaparecimento da propriedade coletiva em ambas as socie-dades, de caracteres tão distintos. Mas, paralelamente a essa reflexão, fuireforçando algumas ideias para a análise histórica dos processos estuda-dos. No livro, os autores, tanto europeus como latino-americanos, haviamdado, sobretudo, informações muito úteis e muito fáceis de comparar so-bre normas e leis. Mas praticamente todos os trabalhos sugeriam que asdiferentes normas puderam encobrir e permitir muitos processos de usur-

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pação de terras e direitos, sobre os quais não sabíamos nada. De meu pontode vista, é na análise histórica de cada um destes processos que a perspec-tiva da história comparada pode se revelar muito útil.

Penso que estamos todos de acordo de que a aparição da palavrainternacional, e inclusive a aparição do adjetivo comparado, e mundialnos títulos de um colóquio não garantem a perspectiva da história com-parada. Esta só é assegurada pela maneira de enfocar o o tema objeto deestudo do pesquisador. Por isso, quando Marc Bloch falava de históriacomparada, tendia a pôr exemplos retirados de suas próprias pesqui-sas. E sei que, enquanto me escutam, muitos de vocês estão confrontan-do suas experiências com as minhas.

No meu caso, todas as comparações, em pequena e em grandeescala, na escala temporal e na escala espacial, têm reforçado as mesmasideias e as mesmas necessidades em torno da análise histórica, que que-ria compartilhar com vocês. Talvez possam notar que são três ideiasque podem ser aplicadas tanto às minhas anedotas pessoais quanto àsde Marc Bloch. São estas:

1) Em primeiro lugar, nem tudo é comparável. Os mesmos discur-sos, as mesmas palavras, inclusive leis com o mesmo conteúdo formal,podem se referir a realidades muito diferentes.

2) Que realidades históricas sejam comparáveis não depende doshistoriadores, mas os historiadores devem estar conscientes de que mui-tas vezes os discursos historiográficos de cada país podem condicionara “comparabilidade” de forma negativa: sugerindo que duas realidadessão muito mais comparáveis do que o são na realidade, ou o inverso,tornando invisíveis elementos comparáveis.

3) Em terceiro lugar, e como consequência do exposto anterior-mente, algumas realidades dificilmente podem ser “descobertas”, “apre-endidas”, sem a perspectiva da história comparada.

Não se trata apenas de assumir que nos encontramos diante de reali-dades diferentes – isso já sabíamos antes de empreender o estudo de cadarealidade –, mas de aprender a interpretar cada uma delas. O triunfo dedeterminadas ideias sobre a propriedade, para recuperar nosso exemplo,pode ter evitado, por exemplo, a necessidade de estudar determinadas prá-ticas sociais que não se encaixavam no modelo finalmente triunfante.

Este último “vazio” convida a refletir sobre um aspecto que encon-tramos presente em muitas pesquisas de história social: o possível desa-juste entre o conteúdo das normas, das leis, e as práticas reais. Dedicarei a

Comparação e análise histórica: reflexões a partir de uma experiência de pesquisa / Rosa Congost

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última parte dessa fala para mostrar, através de duas noções tomadas depaíses diferentes do meu, a influência que a visão comparada tem exerci-do em minha forma de enfrentar, na análise histórica, esse possível desa-juste. Ambas as expressões têm sido úteis em minhas reflexões sobre arealidade catalã, que é a realidade objeto de meu estudo: uma das expres-sões é francesa: mauvais gré. A outra, que descobri pouco antes de serconvidada para este evento, é, justamente, brasileira: grilagem. Tentareidemonstrar de que forma estas expressões podem nos ajudar a compre-ender diferentes realidades históricas. Proponho esta reflexão como exem-plo de algo que para Marc Bloch se achava na base de sua reivindicaçãoda perspectiva da história comparada. Escutemo-lo:

“Certos fenômenos, por razões de ordem estritamente documental, ou emfunção de uma relevância muito grande de alguns de seus efeitos imedia-tos, são, em uma sociedade dada, extremamente visíveis; em outros meios– parecidos ou muito distanciados – fenômenos de características seme-lhantes, sem talvez ter sido menos decisivos, puderam ter uma ação maissurda e um curso menos visível. A comparação incita a descobri-los.”

Começarei pela prática do mauvais gré. Por que me interessei poressa prática? Quero começar explicando como a descobri. Foi na tesedoutoral de Pierre Villar sobre a Catalunha. Pierre Villar analisa textosdas Cortes catalãs do século XV, que se referem a ameaças e violênciasdos camponeses servos contra os senhores e propõe interpretá-los comouma manifestação do tipo mauvais gré. Pierre Villar conhecia os traba-lhos de George Lefebvre e, concretamente, sua tese sobre Les paysan duNord pendant la Revolution Française. Neste trabalho Lefebvre falava daspráticas de mauvais gré nestas zonas da França, durante o século XVIII,embora se soubesse que existiam desde a Idade Média. As práticas domauvais gré consistiam em uma resistência individual, mas também co-letiva, dos arrendatários despojados pelos proprietários. A sobrevivên-cia dessa prática durante o século XIX, apesar do código penal francês,está refletida brilhantemente nas páginas de Balzac. No século XX, al-guns juristas ainda escreveram sobre a vigência deste modo de atuar.De fato, o mauvais gré pode se aplicar a diferentes épocas e diferentespaíses. O romance do escritor valenciano Vicente Blasco Ibañez La bar-raca é inspirado em um caso flagrante de mauvais gré. O filme El prado deSheridan também. As reflexões de E. P. Thompson sobre “economia mo-ral”, ou as de James C. Scott sobre as armas de resistência dos fracos,também oferecem muitos pontos de comparação.

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Mas ainda era necessário dar outro passo. As práticas de mauvaisgré podiam ser utilizadas por pessoas ricas, poderosas? De fato, os con-flitos de interesses que as práticas de mauvais gré revelam podem serinterpretados como um conjunto de ações e reações em torno de umalei, que não constituem necessariamente formas de resistência das clas-ses dominadas às classes dominantes. Reforcei essa ideia ao analisar odesaparecimento dos bens comunais na Catalunha durante o séculoXVIII. Muitos proprietários catalães, não precisamente pobres, protago-nizaram uma apropriação arbitrária de terras comunais. Antes que asleis liberais as protegessem, essas atitudes arbitrárias de homens ricos,ou de homens que enriqueciam tornando-se proprietários, também sebaseavam em um desafio às leis, também eram uma espécie de mauvaisgré. A visão da propriedade como algo que ia se construindo adiantedas leis, revelada pelo caso catalão, ganhou peso comparativo com autilização de uma referência, coletada por Marc Bloch no Berry de 1786,à “grande obra da propriedade”, e uma expressão tomada de emprésti-mo de Karl Marx, a dos “proprietários práticos”, para explicar o conteú-do do conjunto de leis e códigos liberais que, desde meados do séculoXIX, protegeram os direitos de propriedades particulares.

Nos últimos anos, alguns problemas da atualidade são os que maistêm me convencido da necessidade de mudar a forma tradicional deanalisar historicamente os direitos de propriedade. Uns, aos quais já mereferi em outras ocasiões, são os problemas relacionados com os direi-tos de propriedade intelectual e com as novas piratarias. Mas os outrosproblemas atuais que mais me chamam a atenção têm a ver com osprocessos de ocupação de terras na América Latina. Compreendam queeu acabe fazendo referência a eles. As leituras de jornais sobre aconteci-mentos na América Latina me ajudaram a observar de modo mais com-pleto e mais definitivo, e, em todo caso, mais humano, as característicasinerentes à “obra da propriedade”... Além disso, encontrei uma palavrano Brasil, “a” palavra, para definir as práticas dos homens ricos para bur-lar os códigos, quer dizer, para realizar um mauvais gré ao inverso: a “gri-lagem”. Um método para dar aos documentos, e aos supostos títulos depropriedade, a aparência de antiguidade. Quando conheci a existênciadeste método e desta palavra, quando soube que existia O Livro Branco daGrilagem de Terra no Brasil, editado pelo Ministério da Política Fundiária edo Desenvolvimento Agrário, em 2000, consegui compreender melhor ever com mais clareza algo que até aquele momento apenas havia vislum-

Comparação e análise histórica: reflexões a partir de uma experiência de pesquisa / Rosa Congost

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

brado de modo obscuro quando tentava explicar a “história de bens co-munais” de “bens comunais sem história” de minha região catalã: tinhaque pesquisar todas as armas das quais os protagonistas da história, tan-to os fracos, quanto os não tão fracos, como os mais fortes se valiam.

O presente não explica a evolução das coisas, quer dizer, a história.É a evolução das coisas, quer dizer, da história, que explica o presente. Éa história, a velha e a nova, que explica, por exemplo, as diferentes con-cepções, definições e os diferentes artigos dos códigos europeus e latino-americanos do século XIX... e seu cumprimento ou não. É também a histó-ria, a velha e a nova, que explica que os códigos de muitos países latino-americanos se refiram hoje aos direitos dos indígenas como direitos origi-nais e que esse simples fato transforme em revolucionários os antigosproprietários que não estão dispostos a renunciar a “seus” direitos.

A história humana tem alguns atores. A análise histórica só se revelafrutífera se admite como hipótese de trabalho a importância das decisõesdos diferentes atores sociais, condicionadas sem dúvida por muitos ele-mentos que se devem ter em conta, mas que podem condicionar muitosoutros e podem dar lugar a resultados históricos insuspeitos por esses ato-res. Mas isso não nos exime de analisar estas decisões, decisões que podemir muito além das leis, das instituições formais e dos canais de informaçãoinstitucionalizados – que são os mais fáceis de investigar – a respeito davida, da terra, dos recursos, do meio ambiente, das mudanças tecnológicas,quer dizer, em torno das mudanças históricas. E para levar a cabo essa aná-lise é necessário partir de uma concepção complexa e dinâmica da sociedade,dos grupos sociais e das relações sociais que dificilmente se alcançará semuma perspectiva comparada, no espaço e no tempo, em escala humana.Esta é a reflexão que quis compartilhar com vocês hoje. Muito obrigada.

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Una reflexión en torno a los mediadores políticosen la segunda mitad del siglo XIX

El partido como problema

Marta Bonaudo*

“Una de las enseñanzas de la ciencia política, corroborada por la historia de lasnaciones, es que ningún pueblo organizado bajo una forma de gobiernoconstitucional puede marchar con buen éxito, si no cuenta en su seno con partidosserios, dignos y capaces de asumir las funciones y responsabilidad del poder y dela oposición.”

A.B.C José Nicolás Matienzo-19041

El enunciado de Matienzo tocaba un centro neurálgico de la vidade una comunidad política que desde la crisis de 1890 y en los primerosaños del siglo XX se enfrentaba al desafío de configurar nuevaslegitimidades en el campo de la representación ante una sociedad quese masificaba paulatinamente. Uno de los tópicos centrales de lasreformas de Joaquín V. González y de Indalecio Gómez entre 1902 y1912 fue el de la construcción de partidos políticos de nuevo cuño2. Laurgencia de dar respuesta a tal desafío aparecía una y otra vez tanto enla voz de los publicistas como en el debate parlamentario determinandoun verdadero punto de inflexión en relación a las discusiones de lasegunda mitad del siglo XIX. En dicho siglo, diversos pensadoreslatinoamericanos y argentinos consideraron a tales agrupaciones noinherentes al sistema republicano de gobierno e incluso, no pocos, laspercibieron contradictorias al mismo por cuanto asumieron que la formapartido podía violentar las conciencias individuales e impedir la

* CONICET/ISHIR/UNR.1 Matienzo, J. N. La política argentina. Establecimiento Gráfico: Robles y Cía, Buenos Aires,

1904.2 Botana, Natalio. El orden conservador. Hyspamérica, Buenos Aires, 1977.

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formación de una voluntad general.3 Impelidos por los desafíos de laconstrucción de la República y la Nación, los liberales argentinos, porejemplo, debatieron largamente, durante los veinte años que separaronla primera ley electoral ( 1857) de la última significativa del período(1877),sobre diversas cuestiones relativas al sufragio, su localización, laidentidad ciudadana, las diferencias entre electores y elegibles pero lacuestión partido sólo tuvo referencias marginales en las CámarasLegislativas y nunca fue objeto de una formulación explícita de carácternormativo.4 No obstante, el ensayo y la prensa recuperaron a lo largo decinco décadas experiencias, reflexiones, críticas en torno a lo que loscontemporáneos denominaban, a veces indistintamente, facciones, partidoso clubes.

El objetivo central de estas páginas reside entonces en acercarse aesa compleja experiencia de conformación y práctica de tales instanciasde mediación, analizando estos partidos tanto desde las perspectivasteóricas que alimentaron sus posibilidades de emergencia como desdelas condiciones sociales que les dieron vida.

Tal como lo planteó Raffaele Romanelli, en la construcción de unsistema representativo asentado en un discurso que enfatizó siempre unpapel de unificación, de nacionalización, de socialización y de educación delciudadano, el liberalismo decimonónico se enfrentó al problema deadaptar el principio individualista a las fuertes asimetrías sociales y a lasrelaciones de respeto y de paternalismo que caracterizaron a lassociedades de la época5. Fue, como diría Escalante remedando a AgnesHeller, introducir al interior de sistemas habituales de relación un nuevoconjunto de ideas acerca de la vida pública, de virtudes para laconvivencia y para la organización de la vida política, en suma dotar ala moralidad pública de un modelo cívico.6 Este, en su dimensión modélica,

3 Palti, Elías. ¿De la República posible a la República verdadera? Oscuridad y transparencia de losmodelos políticos. Historiapolítica.com, pp. 5.

4 Bonaudo, Marta. Argentinos, ciudadanos, electores. Legisladores y publicistas en la búsqueda dealternativas para la construcción y representación de una comunidad política. Una miradaexploratoria. Ponencia presentada a las Jornadas Inter/Escuelas- Departamentos de Historia,UNT, 2007

5 Romanelli,Raffaele. Sistemas electorales y estructuras sociales. El siglo XIX europeo. En Forner,Salvador(coord) Democracia, elecciones y modernización en Europa. Cátedra, Madrid,1997,p. 38.

6 Escalante Gonzalbo, Fernando. Ciudadanos Imaginarios. El Colegio de México, MéxicoD.F, 1992, p. 32.

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Una reflexión en torno a los mediadores políticos en la segunda mitad del siglo XIX / Marta Bonaudo

se estructuró en torno a ciertos ejes: el respeto del orden jurídico, laresponsabilidad de los funcionarios, la participación ciudadana, laprotección de los derechos individuales. Pero además, en tanto frutohistórico del diálogo entre tres diferentes tradiciones -la republicana, laliberal y la democrática- reposó sobre una muy peculiar definición de lopúblico y sobre un tipo humano específico: el ciudadano7 ¿A qué referíaEscalante con esta afirmación? Al hecho de que, en tal modelo, lo públicoaparecía como sinónimo de política y gobierno y, paralelamente, emergíauna idea de espacio público concebido como una configuración de prácticasa través de las cuales se abordaban las cuestiones comunes en formapacífica.8 Ahora bien, ¿cómo conciliar las imágenes modélicas con ladinámica efectiva de los propios actores? ¿Cómo pensar la identidaddel actor básico, la del ciudadano cual individuo racional, responsable ysolidario en lo público frente a actores ambiciosos, egoístas, limitados,con escasas miras hacia el interés común? ¿Cómo compatibilizar, diríaAnnino, a ese individuo de la norma frente a los grupos de la sociedad?9.¿Cómo imponer, frente a otras morales, a la política imaginada como unnuevo orden de normas y valores, al Estado como institucionalizacióndel bien común, al ciudadano capaz de afirmar su lealtad hacia lasinstituciones políticas y su solidaridad con sus pares? La dinámica de lasconstrucciones republicanas y nacionales se vio atravesada por todosestos dilemas y aquéllas debieron asumir el desafío que implicaba elintento de viabilizar una moral cívica al interior de sociedades fuertementedesiguales y construidas alrededor de una multiplicidad de sujetossociales atravesados por vínculos parentales, corporativos, comunitarios.Por ende, la configuración de un sistema representativo y de instanciasde mediación entre la sociedad civil y el Estado se vio sometida aprofundas tensiones que, en definitiva, resignificaron los vínculosprecedentes, ubicando al mismo individuo en una nueva posición frente alpoder político10

Cuando explorábamos las miradas pergeñadas en torno al procesode construcción del sistema de representación por publicistas y políticos

7 Ibidem, p.35.8 Ibidem.9 Annino, Antonio. “El voto y el XIX desconocido”. Universidad de Florencia-Cide en http:/

/www.foroiberoideas.com.ar, 2004.10 Ibidem.

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de la realidad argentina en la segunda mitad del siglo XIX, surgían unay otra vez reflexiones reiterativas. Una de las más frecuentes y resistentefue, sin duda, la del rechazo al partido-parte. Frente al desafío de laRepública, de la Nación, la sensación era que había que dejar atrás esedebate. El imperativo era alejarse de la sombra de unitarios y federales y,bajo las lógicas de unidad en torno a los principios, consolidar la moralcívica. Mitre urgía en 1858 con su diagnóstico a avanzar en dichaconsolidación: …Pugnan en estos países dos elementos opuestos, que formanla composición de dos partidos, el uno que tiende a la explotación de la sociedad,y ha menester el amparo de los gobiernos personales, el otro que aspira a lamoralidad, al trabajo, a la consideración pública, y ha menester de un ordenregular de cosas, que sólo puede existir bajo el imperio de las instituciones… Eltriunfo de uno de esos elementos que se organizó en partido político llamándosea sí propio “federal”, al cual se agregan con el notable de fusionistas todos losintereses bastardos o egoístas, importaría la elevación del gobierno personal,que de nuestro modo de ser, tiene que hacerse necesariamente brutal y sangriento.

El triunfo del elemento opuesto, a quien se obligó a organizarse en partidopolítico, en defensa propia, con el nombre de unitario, al cual se ha reunido todala juventud honrada y generosa que venera los grandes sacrificios y las grandesvirtudes, importa el mantenimiento del gobierno representativo que nos rige,bajo el cual la ley es una verdad, una realidad la justicia, un hecho el respeto alos derechos y garantías del último ciudadano…11

Pensaba que ese partido unitario- que él denominaba partido de lalibertad- era el único portador de la verdad, al que habían convergidotodos los otros que defendían las normas y la justicia y que, por ende,con su consolidación culminaba ese proceso, refundiéndose en el organismodel pueblo por la asimilación de sus intereses y tendencias, con los intereses ylas tendencias de la universalidad de los ciudadanos…12

Ese partido- pueblo, convocante de la totalidad de los ciudadanos,fue, sin duda, uno de sus argumentos discursivos fuertes tanto en lalucha contra la Confederación como durante su presidencia. Sin embargo,el mitrismo no logró concretarlo y operó como una parte más en la disputapolítica. José Hernández aludía indirectamente a ello cuando en 1869

11 Mitre, B. Los Debates,14/2/1858 en Halperín Donghi, Tulio, Proyecto y construcción deuna Nación. Biblioteca Ayacucho, Caracas, 1980, p. 168.

12 Mitre, B. Los Debates, 15/2/1857 en Halperín Donghi, Tulio, op.cit, p. 181.

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recuperaba la dirección que se había proyectado desde el triunfo dePavón (1861) y continuaba sosteniendo el deber ser del nuevo orden: …Los partidos no tienen ya razón de ser. Se han disuelto al día siguiente de Pavón.No hay más que ciudadanos argentinos bajo los auspicios de la constituciónnacional. La fusión moral desde entonces es un hecho, pues que ya no existe ladesinteligencia de las opiniones, la separación de los partidos excluyentes…Lafuerza de los principios es la que está destinada a absorber a lospartidarios y a confundirlos en los propósitos comunes de la vida socialy política.13

La tensión entre el ser y el deber ser se proyectaba aún en las décadasde los ochenta y noventa, oponiendo a las agrupaciones regidas porintereses personales y liderazgos fuertes ante aquéllas que hacían de losprincipios y de los programas su bagaje central y apelabanconcomitantemente a las opiniones independientes y francas.14 Talescondiciones debieron incidir en las dificultades para regularlas y, porende, explicarían, en parte, la marginalidad del tópico partido en el debateinstitucional durante aquellas coyunturas en que se discutían las leyeselectorales así como la no existencia de reglamentaciones al respecto.15

En 1873, por ejemplo, cuando un sector- evidentemente ligado a losgrupos progresistas- intentó sostener el criterio del sufragio secreto, unode sus voceros, el diputado Igarzábal, incorporó una de las escasasreferencias a los partidos: …el voto secreto tiene la ventaja de no hacerdepender al elegido, del partido que lo elija, porque es indudable que elrepresentante que no lleva nombre propio, no queda jamás á la merced de esepartido, y entonces puede dedicarse con todas sus fuerzas y con la suficienteindependencia, á llenar los deberes de representante del pueblo…tiene tambiénla ventaja de no producir en cada una de las Provincias esas divisiones profundasque quedan siempre después de una elección hecha…16

Paradigmáticamente, el argumento en defensa de la no publicidaddel voto- perspectiva también duramente cuestionada en el seno del

13 Hernández, José. El Río de la Plata, 1º/12/1869 en Halperín Donghi, Tulio,op.cit., p. 278.14 Matienzo, op. cit, p. 2115 Ver, entre otros, a Annino, Antonio, op. cit.,. Una excepción en este plano, por lo menos

hasta lo conocido actualmente, parece ser el Estatuto que en 1857 se estableció para laclubes bonaerenses. Al respecto ver González Bernaldo, Pilar, Civilidad y política en losorígenes de la Nación Argentina, Buenos Aires, FCE, 1999, p. 287.

16 Congreso Nacional. Cámara de Diputados. Diario de Sesiones de 1873. Buenos Aires,Imprenta El Nacional, 1874, pp. 617.

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liberalismo decimonónico17- propuso una relación entre elector yrepresentante que reiteraba la necesidad de colocar por sobre los interesesde partes, el interés general encarnado en la figura del pueblo. Era ratificar,como lo marcaría Rosanvallon, el monismo como principio, tratando dearrinconar los fantasmas de una noción de partido ligada a un ordenfracturado por rivalidades de poder u oposiciones de intereses por temora que dicho orden atentara contra la que concebían como una todavíafrágil unidad nacional. Se estaba aún lejos, de acuerdo con este autor, deuna legitimación filosófica del pluralismo, relacionado con formas deorganización de la vida política en una sociedad de individuos.18

La sociabilidad política, ¿una experiencia de nuevo cuñoo transmutación de otras?

¿Cómo se proyectaban estas miradas macro, de publicistas opolíticos involucrados en el debate constitucional del poder central y enlas dimensiones de la representación, en espacios locales o regionales?

Si a lo largo de los años que corrieron entre 1853 y 1890 en SantaFe – un área de la región pampeana- el debate institucional relativo altópico partido estuvo casi ausente, éste se desplegó, en cambio, enperiódicos y entre publicistas y políticos.

¿Cuáles fueron los principales ejes del mismo?Ciertas reflexiones que el diario La Capital de Rosario realizaba -

altamente preocupado por la dinámica política en 1868- podrían ofrecerun primer acercamiento al debate. Este se centraría inicialmente en cómotraducir en clave de moral cívica la práctica partidaria pensada cualinstancia real de mediación entre la sociedad civil y el Estado, ambos ensus tramos constitutivos. Luego de hacer un recorrido por la historia delsurgimiento de los clubes políticos en Gran Bretaña, Estados Unidos yFrancia, el editorialista recuperaba los objetivos que los mismos deberíanhaber concretado en la realidad argentina a la caída de Rosas:… educaral pueblo en las prácticas de la democracia,… uniformar la opinión pública pormedio del debate leal y franco,… hacer real y efectiva la libertad de sufragio,y…encumbrar la soberanía popular, árbitra de los destinos de la Nación.19 El

17 Ver, entre otras, las interesantes reflexiones de Elías Palti, op. cit.18 Rosanvallon, Pierre. Le peuple introuvable. Editions Gallimard, Paris, 1998, pp. 173 y ss.19 La Capital, 21/1/1868.

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deber ser propuesto se enfrentaba con un diagnóstico desolador desde elespejo de Buenos Aires que, para el columnista, reflejaba el sistema electoralde toda la República:… De los Clubs de la Chupandina, de la Pandilla, de losCrudos, de los Cocidos, salieron los ciudadanos turbulentos que desenfrenadose iracundos rasgaban los registros, despedazaban las meses y convertían cadaParroquia en un campo de batalla. El Club Libertad(la pandilla y los crudos)con registros falsificados, con los peones de la aduana y del ferro-carril,acaudillados por sus respectivos capataces, con la mas decidida protección oficialen todo tiempo, y hasta con el apoyo de la soldadesca armada, triunfó primerodel Club Independencia(los chupandinos) y después del Club del Pueblo(loscocidos), ambos opositores al esclusivsmo(sic) y monopolio del Libertad, quedandoeste hasta ahora dueño del campo electoral y contando hoy mas que nunca conlos mismos poderosos pero indignos elementos! Aunque el objeto de las eleccionescambie, los manejos electorales siempre son los mismos; los votos en pro secompran, los en contra se escamotean, los registros se falsifican, la ley se viola ylos ciudadanos honrados abandonan los comicios…20

La contundencia de las imágenes propuestas por e l periodistaponía en cuestión la potencial viabilidad de un modelo de moral cívicaen una trama societal cuyos actores eran partícipes de otros códigosmorales, de otros hábitos y prácticas en su vida cotidiana, fuertementearraigados en la tradición y la costumbre.

¿Planteaba el caso argentino, en su ejemplo bonaerense perotambién santafesino, tan profunda incompatibilidad con la idea de uninterés público que estuviese más allá del juego de los intereses particulares;con la vigencia de las normas o con una participación real que pudieraencuadrarse en las formas institucionales?

La respuesta a tales interrogantes sólo podría abrirse poniendo afoco la experiencia de la configuración de los partidos en tales espacios.

Es indudable que luego del pacto constitutivo de 1853, las elitesconsolidaron sus visiones liberales y republicanas del mundo y la sociedadcon la pretensión de traducirlas en una organización política dedimensiones nacionales, con miras a superar las trabas y fragmentacionesexistentes en la etapa precedente. Guiados por el ideal de configurar unrégimen representativo de tipo parlamentario, sus miembros intentarondar continuidad al control del gobierno de la sociedad que venían

20 Ibidem.

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detentando desde la etapa independiente. Sin embargo, susrepresentaciones en torno al poder, sus imaginarios, su discursividad,sus rituales y prácticas debieron confrontar recurrentemente con lasexperiencias materiales y simbólicas de las morales precedentes. Enconsecuencia, la concepción del partido no podía escapar a tales marcas.El término se vinculó, a veces, con configuraciones mayores destinadasa pervivir a lo largo del tiempo como expresión de una opinión que sepresuponía mayoritaria. El desafío de tener que uniformar tal opiniónen las tramas locales y regionales, al tiempo que la proyectaban haciauna dinámica tendencialmente nacional, implicó la resolución decuestiones de diverso tipo.

En primer lugar, las organizativas, para lo cual los partidos debieronconformar clubes o centros localizados en cuarteles o parroquias urbanaso en diferentes núcleos poblacionales menores destinados a realizar losdenominados trabajos electorales. No obstante, en el lenguaje periodísticoy de la vida cotidiana, ambos términos-partido y club- se tornaron nopocas veces en equivalentes. Pese a ello, mientras el nucleamiento mayorpareció pervivir a lo largo de las décadas, los menores prácticamenteperdían visibilidad transcurrida la coyuntura electoral. Un rasgodistintivo de las configuraciones mayores residía en sus nomenclaturas.Ellas de algún modo pretendían expresar valores o representaciones detotalidades o de unidad o bien evocar coyunturas claves de la historiatranscurrida: Club de la Libertad, del Pueblo, Partido Constitucional,Club 25 de Mayo, etc. Pese a ello, la reticencia frente a talesagrupamientos- por su informalidad así como sus transmutaciones a lolargo de las contiendas electorales- provocó que, con frecuencia, ellosfueran objeto de miradas peyorativas y estigmatizantes que losidentificaran como bandos, camarillas, círculos o facciones21 Tales modosde interpelarlos encerraban, sin embargo, algunos indicios valiosos. Unode estos era que si bien las lógicas de la representación liberal pretendíanalejarse de cualquier reflejo de la realidad social en su proyectadaconstrucción de la ciudadanía política, las instancias de mediación yunificación de la opinión que se conformaron con tal finalidad- lospartidos- se vieron fuertemente permeadas por dicha trama. Motorizados

21 Ejemplos de ello emergen de editoriales como los de El Ferrocarril, 15/6/1884;ElIndependiente,8/7/1884; 13/8/1884; El Corondino, 1/12/1884.

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desde las elites, ellos desempeñaron un importante papel en lareactualización de las instituciones representativas-como lo marcó PilarGonzález para el caso de Buenos Aires- 22 pero no pudieron escapar alos códigos de la sociabilidad precedente y al juego de los vínculos23. Alo largo de esas décadas, la mayoría de estos agrupamientos se movieronen un espacio de fronteras lábilmente definidas que prolongó en susinteracciones y en sus pautas organizativas públicas, las lógicas de unasociabilidad privada. Durante los cincuenta y los sesenta, al apelar aquienes tenían una natural afinidad, participaban de un idéntico sentimiento,24se lo hacía bajo el término de amistad o utilizando el vocablo de socio:

A los sociosDel Club del PuebloSe invita a todos los socios del Club del Pueblo y a los que simpaticen con

sus ideas a una reunión general que tendrá lugar el Domingo 28 del corriente alas 12 y media del día en el Teatro de la Esperanza.

Se recomienda la más puntual asistenciaLa Comisión25

La comunicación periodística no parecía diferir demasiado de laque hubiera podido editarse notificando una reunión social del Clubdel Orden- espacio de ocio tradicional de la elite capitalina- , de unaasociación étnica o incluso de la Sociedad de Beneficencia. Lentamenteel lenguaje iría conduciendo a la convivencia de los amigos con losconciudadanos:.. En los Departamentos de la Capital, Coronda y San José,nuestros compatriotas se preparan a disputar con entusiasmo el triunfo electoraly a la elevar a la primera magistratura de la Provincia, a nuestro distinguidoconciudadano don Mariano Cabal…26 Ya hacia fines de la década delsetenta, se integraría la noción del afiliado, a veces sin que las otrasdesaparecieran:…hace dos horas á, que por orden del comandante de unbatallón, Pedro Larrechea y encargado de la Gefatura(sic), porque el Gefe(sic)Político Gaitán esta mañana salió para los Barrancos, han sido citados varios de

22 González Bernardo, P., op. cit., p. 265 y ss.23 Hemos analizado esta experiencia en Revisitando a los ciudadanos de la República Posible

Santa Fe, 1853-1890. En Anuario del IHES Nº18, Tandil,UNCPBA, 2003, pp.213-232.24 Gian Luca Fruci. Los grupos antes de los grupos. Apuntes para el estudio de las constelaciones

políticas en el Parlamente de la Italia Liberal en Zurita, R- Camurri, R.,eds Las elites en Italiay en España(1850-1922), PUV, Valencia, 2008, pp.98.

25 El Rosario, 27/8/1864;14/10/1864; El Trueno, 22/12/1864.26 La Capital 13/12/1867.

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nuestros amigos y como no han querido presentarse a la citación han sido llevadospresos don Bernardino López y Javier Maciel…esto viene a demostrar que estoshombres quieren de todo tranco prohibirnos que reunamos nuestros afiliados….27

Tal forma de interpelación a sus miembros resultaba, a su vez,congruente con una concepción partidaria que no pretendía reproduciren su interior – más allá del discurso- las lógicas de igualdad. ligadas alas nuevas identidades ciudadanas. Impelidos por la soberanía del número,aspiraron a incrementar los niveles de inclusión pero siempre en clavesubordinada. Tanto su estructura como sus prácticas estuvieronmarcadas por el principio de distinción. Cuando propios y extrañosdescribían la composición de los partidos o de los clubes fijaban su miradaen cuántos miembros éstos tenían de prestigio y poder, de qué grupo oclase participaban fulano o mengano28, ya que estos indicios les permitíanconcluir dónde estaba lo que algunos denominaban los centenares deciudadanos honrados o la mayoría de la opinión pública29 Por debajo seubicaban, entre otros, también diferenciados nominativamente, losbatallones de paisanos, los infelices peones de carretas- transeúntes- cuandono la soldadesca frente a los avecindados, reconocidos como jornaleros.30

Si la vecindad aparecía como un signo de identificación positiva no loera aquélla que se vinculaba al empleo público o dependía de las rentasdel Tesoro. Durante el período analizado, ambos partidos- el de laLibertad y el del Pueblo- pudieron cruzar acusaciones al respecto, yaque si hasta el levantamiento de 1868 el primero controlócoyunturalmente las instancias de gestión, en las décadas siguientes elsegundo fue el partido de Gobierno. Cual partidos de la Libertad o del Pueblo-siempre en la búsqueda de convertirse en partido gubernamental- raravez se pensaron como partido- parte. Al contrario, hicieron lo posiblepara ser el todo y para lograrlo apelaron a estrategias legales e ilegalescon miras a inhibir políticamente a sus adversarios.

Los espacios del gobierno, de la sociabilidad y de la mediaciónpolítica a través de los partidos aparecieron con frecuencia como meras

27 El Independiente, 372/1878.28 El Ferrocarril, 13/8/1864. Comentando la candidatura de Don Mariano Amigo decía: “La

oposición ha procurado darse prestigio con un nombre que los sucesos de Buenos Aires rodearoncon una cierta aureola, como defensor del Gobierno Nacional y aliado de la clase mercantil y seriade la Capital…”

29 El Rosario, 4/10/1864; 22/8/1864.30 Ibidem, El Rosario 22,/8/1864; 15/9/1864;27/9/1864;El Comercio, 5/9/1875.

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prolongaciones de una única, dinámica y dura disputa notabiliar por elpoder. La trama de los vínculos atravesaba esos ámbitos compartidosdentro de los cuales, la lucha por posiciones y lugares parecía proyectarsesin solución de continuidad de unos a otros, llegando incluso a incorporara quienes por su condición de minoridad no integraban el espacio públicoestricto, las mujeres: …Poco tiempo hace tuvo lugar la renovación de laComisión directiva de la Sociedad de Beneficencia y, sin trabajos de ningúngénero, sin concierto ni compromiso alguno, todo el personal que salió electopertenece al partido liberal por la sencilla razón de que allí casi todas las sociaspertenecen a él…Escudados con el ridículo y falso pretexto de que esta elecciónhabía sido el resultado de trabajos hechos por los liberales, empezaron lossituacionistas31 los suyos con todo sigilo, para sorprender a sus adversarios enla elección de la comisión directiva del Club del Orden, que se acercaba…32.

La asociación política estaba tan impregnada de los códigossocietales que ni el organigrama de las Comisiones Directivas partidariasse diferenciaba de cualquiera de tales instancias asociativas33 ni losespacios de reunión se habían configurado específicamente. Resultabaparadigmático que, recurrentemente, se apelara o bien a los ámbitosprivados como la casa familiar o la estancia o bien a aquellos semipúblicoscomo los del club social, los hoteles o el teatro.

Tampoco el lenguaje cotidiano adquirió especificidad en los modosde nominar. Esto afectó tanto a las formas organizativas como a laapelación de sus miembros. Así, por ejemplo, para referirse a los núcleosmenores de una estructura partidaria, se recurría, a veces, a términos noestrictamente políticos sino fuertemente impregnados por la lógicamercantil en la que se involucraban muchos de esos hombres:

El domingo 2 del corriente tuvo lugar en el distrito Ludueña una reunióngeneral de vecinos del Departamento de San Lorenzo al objeto de formar unclub sucursal del central del “Pueblo”34

Como contrapartida, los conceptos de centros políticos o clubesseccionales vinculados a la denominación de las unidades de base, sólo

31 Nombre con el que también se reconocía al Partido del Pueblo.32 La Capital,5/3/1885.33 El Rosario, 5/10/1865. …La Comisión Directiva de ese club…Presidente Don Ramón Araya;

Secretario Don Luciano Gallegos; Vice Don Casimiro Rivadeneira; Vocales Don PedroAraya, Don Pedro La Torre, Don Juan P. Benitez/ siguen 17 nombres más/

34 El Rosario, 5/10/1864;8/10/1864.

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se hicieron frecuentes en la década del ’80, al calor de la experiencia delllamado Partido Constitucional (1883), el cual operó a modo de espejo enel que debió reflejarse la propia reorganización del Partido del Pueblo, suadversario en la lid electoral. En dicha coyuntura, como lo hemosanalizado en otro momento,35 la organización partidaria de aquél secomplejizó, siguiendo las pautas establecidas por la Convención que lediera origen y el reglamento interno que lo estructuraba. Apareció enescena con el objetivo de regularizar las prácticas republicanas y ponerdistancia con las tramas personales y los códigos societales sobre lasque éstas se asentaban. Impersonal y principista, apoyado en unprograma general, intentó construir una estructura de representaciónen su interior que tuviera como punto de partida el club local del pueblocabecera de cada departamento. Si su lenguaje pretendió empaparse delos códigos cívicos, con frecuencia alternó las apelaciones al ciudadanopolítico a secas con aquellas al ciudadano territorial o vecino. Paralelamentepropuso una dinámica representacional desde abajo hacia arriba, a travésde la participación directa y secreta de sus afiliados por medio del voto,tanto para gestar las comisiones internas como para la proclamación delas candidaturas. Sin embargo, tensionado en su interior por una tramaheterogénea de actores, se enfrentó rápidamente al dilema de representaral conjunto de los ciudadanos u operar como simple mediador de elitesy, frente al mismo, terminó desestructurándose.

El diálogo político y las candidaturasa través de las experiencias partidarias

La preeminencia de las pautas de sociabilidad de las elites no sóloimpactó en los modos de organizar o nominar sino que afectó otrasdimensiones del hacer político. En cierto sentido, algunas prácticas políticasparecieron ser una mera prolongación de las conversaciones habitualessobre asuntos privados. En la correspondencia política se hizo un usoreiterado de la estrategia coloquial. Esta se expresó no sólo en la apelaciónhacia el interlocutor epistolar como querido o distinguido amigo, queridogeneral, mi querido doctor, mi querido protector. También se detectaba en la

35 Ver Bonaudo, Marta. De representantes y representados. Santa Fe finisecular(1883-1893) enSábato, Hilda(coord) Ciudadanía política y formación de las naciones. México D.F, FCE,1997, pp. 270-294.

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manera de encauzar el dialogo destinado a definir prácticas políticas,especialmente cuando estas revelaban- a veces crudamente- la visiónpatrimonial del Estado que las elites de uno y otro partido compartían:…Temo mucho de la prudencia ó mejor dicho de la modestia de Ud. Pida recursospronto que se los van a dar y pague bien y con tiempo á los amigos. Colóquelos átodos, y sea Ud. el Gobernador; sino lo hace así, va Ud. á sentirlo más tarde…36

La idea de privacidad de la correspondencia, aunque esta resultaraviolentada, les permitía también desnudar las estrategias para lograracuerdos o superar crisis: …vine por reiterados llamados del Gobernador yde algunos amigos por quienes supe que la cuestión Senador no andaba bien,pues los Diputados no se reunían y había peligro de división; felizmente conseguíque se reunieran y los uniformé y ya sabes que fue electo el candidato que meindicó el Presidente, nuestro amigo Gelabert…

Sabes bien que nada me importa la Diputación; que me han elegido contrami voluntad pero sí debe importarnos el que los aliados de Mitre no salgan conla suya, convirtiendo por medio de la sorpresa y la audacia en triunfo suderrota…37

Resultaba evidente aquí, como en otras realidades decimonónicas,que la cuestión de los acuerdos y las negociaciones, de las candidaturasasí como la compleja articulación entre elites locales y elites situadas enel Gobierno Central no eran temas para discutir con el conjunto de losciudadanos y, por ende, se resolvían en el juego cruzado de la legítimainfluencia de los poderes centrales con los notables portadores de influencianatural en sus propios distritos. La negociación de influencias apuntabaindudablemente a la capacidad de movilizar y transferir lealtades,adhesiones, alianzas desde una compleja trama clientelar que se integrabaa partir de ese momento a la forma partido. Una pintura clara de esadinámica esbozaba Gabriel Carrasco, a través de las páginas de ElMensajero en 1883: …Producida la candidatura de Tejedor, Iriondo, que sólobuscaba donde podría sacar la tajada más grande, se dirigió(según las cartas deSarmiento)diciendo que no estaba lejos de apoyar la candidatura de Tejedor;autorizaba al cura Zaballa, actual gobernador nominal de Santa Fe, para que sela mostrara.

36 Colección Iriondo. Caja 2, Carpeta 12,fº. 22, Paraná,29/1/1868 de Pascual Rosas a Iriondo.Archivo Histórico Provincial.(AHP).

37 Idem, Carpeta 13, fºs 25 y 27. Carta de Derqui a Iriondo, 13/5/1876(AHP).

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¿Qué buscaba Iriondo, con esa carta?....Mandaba negociar su influencia;y como entonces era gobernador de Santa- Fe, ponía en un platillo de la balanzaa la provincia, esperando que en la otra pusiera Tejedor su precio…(subrayadosen el original)38

La figura del candidato hacía visible la relación entre el estado dela organización partidaria y la influencia de las estructuras sociales asícomo daba cuenta de las posibilidades o límites para un paulatinoproceso de desterritorialización de la política. Desde el poder centralnacional o provincial resultaba urgente modificar la concepción de lapolítica concebida exclusivamente como asunto local para transformarlalentamente en cuestión provincial o nacional. Si bien, como lo señalaronmuchos historiadores, estas sociedades estuvieron fuertementeenraizadas sobre el territorio y las candidaturas a representantesemergían de los dirigentes reconocidos y naturales de la comunidad, huboinjerencias continuas de los poderes, el provincial sobre el local, el centralsobre los provinciales, a través de las cuales, y en no pocas circunstancias,los candidatos triunfantes fueron impuestos. Paralelamente cabe señalarque tal imposición fue, con frecuencia, también el resultado de unverdadero proceso de circulación de los miembros de las elites: hombresque desde el poder central bajaban al espacio provincial, interactuabanalternativamente en dos o más espacios provinciales o de la ciudadcapital migraban hacia los departamentos.

Dos ejemplos- a modo de mirador de los juegos de poder -nos loofrecen, en primer lugar, una carta de M.J Yañez a Iriondo en 1883:

…He reflexionado mejor respecto al asunto Diputación y veo claro quedespués de haberse dignado Ud. hablar al Señor Presidente de la República conreferencia a este asunto, no es posible que yo haga el papel de retroceder ensentido contrario…Una vez mas querido Doctor; querido protector desde miniñez, mas biendicho, le seré eternamente agradecido por tanto y tan marcadobien que siempre me ha hecho, desde que siendo niño me nombró Receptor deDiligencias del Juzgado del Crimen…39

Luego un editorial de El Mensajero:… De la provincia de Santa Fe sedice lo siguiente: no presentando el Dr. Iriondo garantías seguras de su apoyoal candidato Juárez Celman/ sostenido por el presidente Roca/, el gobierno

38 El Mensajero, 20/1/1883.39 Colección Iriondo, Carpeta 18,Fº 2, 1883. AHP.

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nacional está preparando el terreno al Dr. Pizarro, enemigo acérrimo de Rocha/candidato adversario para la presidencia/para que le suceda al Dr. Zavallaen el gobierno de Santa Fe…40

Imágenes disímiles pero congruentes que nos muestran al mismotiempo las reciprocidades que alimentaban los vínculos así como lacapacidad de presión que podía ejercerse al momento de apoyar orechazar un candidato pensado como garante de una sucesión. Si estasescenas del poder comienzan a recrearse desde la etapa Confederacióny de secesión de Buenos Aires, adquieren paulatinamente más fuerzaen las sucesivas presidencias y, claramente, terminan de consolidarsecon el ascenso de Roca al gobierno.

En comunidades políticas como aquellas, en las cuales durantedécadas no se regularon a través de procedimientos formales ni lapresentación de las candidaturas ni las campañas electorales, unas yotras irían viéndose afectadas por los cambios que sobre las relacionesde poder podía generar la aparición de nuevos actores. Si inicialmenteel orden natural de las cosas se asentó en los criterios de preeminenciasocial, tornando innecesaria la presentación del candidato a los electoresa través de un programa ya que los mismos podían reconocer confacilidad las condiciones de fortuna, prestigio, honorabilidad, ilustración oservicio de las que aquél era portador, esto se modificó con la salida aescena de otros actores o de nuevas generaciones, particularmente la dejóvenes formados ya en el Colegio de la Inmaculada, ya en el ColegioNacional o los provenientes de las aulas universitarias. Estos comenzarona vincularse con la política sin un capital social que los precediera, motivopor el cual si bien no utilizaron las denominadas Profesiones de Fe41 queen el mundo europeo de la segunda mitad del siglo XIX fueronsignificativas, si apelaron a otras estrategias de presentación ante lacomunidad política. En este sentido fue paradigmática la propuesta de

Una reflexión en torno a los mediadores políticos en la segunda mitad del siglo XIX / Marta Bonaudo

40 El Mensajero, 22/1/1883.41 Mitre hizo una Profesión de Fe como periodista al editar Los Debates. Planteada como un

compromiso con el público y los ciudadanos, seguramente debió impactar en su accionarpolítico. Halperín Donghi, Tulio, op. cit., pp160-166. Como contrapartida, Nicasio Oroño,senador de la Nación, escribía en 1876, a sus compatriotas y comprovincianos un manifiestodestinado a dar cuenta de la labor desarrollada a lo largo de nueve años. El objetivo deOroño es crear un precedente por el cual el legislador- concluído su mandato- se sometarepublicanamente “al fallo de la opinión”. Ver Nicasio Oroño Obras Completas,UNL-Academia Nacional de la Historia, Santa Fe, 2004,Tomo I, pp. 467-479.

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Estanislao Zeballos, originario de Santa Fe pero tempranamente alejadode su vida social y política. Zeballos, aspirando a convertirse en candidatoa la gobernación de la provincia, primero por el Partido AutonomistaNacional y luego a través del Partido Constitucional, utilizó como unade sus estrategias para el ingreso a la lid política santafesina la escriturade La región del trigo. A través de la obra, Zeballos pretendió, sin duda,mostrar su conocimiento de una realidad provincial que se habíamodificado profundamente desde su infancia y, paralelamente,evidenciar- desde ese diagnóstico- su capacidad de acción con miras aavanzar en el desarrollo de la misma. El Zeballos candidato se presentabaante la sociedad como un hombre con otro tipo de capacidades paragobernar. Si bien la obra tuvo una buena recepción, más allá de ciertosdetractores, resultó insuficiente para catapultarlo a la escena pública yen su disputa para ser nominado candidato debió apelar a otras vías deconstrucción de consenso. Indudablemente, como el estudiante de LaGran Aldea de Lucio V. López, debía hacerse hombre de opinión, lo cual noresultó tarea fácil. La crónica periodística, una vez más, ofrece pistas alrespecto:…Primeramente buscó hacerse de elementos propios, que no tenía,para ver si llegaba a hacerse hombre de opinión en los elementos del finado D.Simón Iriondo, acercándose a los coroneles Córdoba, Vazquez, Barrera yhombrándose con los subalternos de éstos.

Desechado por estos, que bien pronto lo exhibieron en la picota pública,dando a luz las cartitas consabidas, que dieron la medida de la falta de tinopolítico del doctor Zeballos, de sus ciegas ambiciones por hacerse jefe de partido….

Fue entonces que puso los puntos a la juventud que ayer recién haaparecido en excena(sic) de la vida pública; y el mismo día que el partido oficialse unía, un círculo zeballista, para levantar su candidatura, contrariando a loshombres de valer que habían figurado en política, sacrificando su fortuna, susalud, su tranquilidad; que ponían al servicio de esa candidatura su bolsillo ydiarios populares, el candidato conspiraba contra ese partido, aconsejando aesos jóvenes, sin experiencia y muchos hasta sin conciencia de lo que hacían,para que se separasen de los hombres de tradición…42

La historia de la candidatura de Zeballos como la de muchos otrosrecién llegados por edad, por capital social y político, fue la de un fracasopero también la de una búsqueda de alternativas. Lo viejo y lo nuevo-

42 La Capital, 12/12/1885.

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tensionados en un peligroso equilibrio- terminaron socavando lasposibilidades del candidato pero también evidenciaron las fisuras y losdesajustes que atravesaban aquellas formas partidarias que, como elpartido Constitucional, pretendían romper los moldes anteriores del hacerpolítico e instituir las bases de una moral cívica

Las imágenes precedentes dejan al descubierto que el proceso realde elección de candidatos era recurrentemente enajenado a la masa deciudadanos. Estos operaban en realidad como el coro en el marco de laconvalidación y la celebración, produciéndose en esas instancias unaparticular interacción entre los ámbitos de sociabilidad notabiliares ylos típicos de los sectores subalternos. Ellos- totalmente alejados de laidea de un hombre, un voto- eran partícipes de la representación teatral43,de los banquetes, de las fiestas, de las movilizaciones vivando a loscandidatos, de los intercambios afectivos y/o materiales y ratificabancon sus prácticas el carácter colectivo de la dinámica electoral. Esto, sinembargo, no inhibía entre ellos el despliegue de otras racionalidades asícomo de una capacidad de resistencia, rechazo o mutación en relación alas lógicas dominantes.44

El modelo de representación política, que se resistía a ser sustituido,se asentaba en unos partidos y unos candidatos que sólo en ladiscursividad representaban a la opinión pública, al pueblo, a una voluntadgeneral. La práctica colocaba a los candidatos y a los representantes comoportavoces de intereses particulares, con enormes dificultades parapensarse cual intérpretes de un interés general. En la disputa políticaestas cuestiones quedaban claramente evidenciadas, tanto cuando losadversarios calificaban a los partidarios del Libertad o del Pueblo comofamilias-gobierno como cuando en la puja por las candidaturas sedemandaba un candidato afín al partido gubernista o a las intereses delgrupo. Pero los condicionamientos para la emergencia de potencialesmecanismos de control- tanto en el campo de la opinión pública comoen el electoral- tornaban casi imposible garantizar la presencia de partidosque asumieran la representación de la ciudadanía y no fueran merosintermediarios entre las elites y el Estado o como lo plantea para el casomexicano Escalante, gestores de la desobediencia controlada de sus clientelas.45

Una reflexión en torno a los mediadores políticos en la segunda mitad del siglo XIX / Marta Bonaudo

43 Romanelli, Raffaele, op. cit., p. 38.44 Bonaudo, Marta, Revisitando al ciudadano…, op. cit., pp. 225 y ss.45 Escalante Gonzalbo, F., op. cit., p. 51.

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Todo esto nos conduce finalmente a poner en la escena las mutuas,numerosas y virulentas acusaciones que unos y otros se aplicaban cuandoperdían las elecciones. Apelando a conceptos como los de fraude oamoralidad consideraron siempre a los otros gestores de una anarquía moral,asumiendo como contrapartida posiciones regeneracionistas en nombrede las cuales participaron incluso en conatos revolucionarios.

¿Cómo encuadrar el fraude o la no moral en este contexto? Eraindudable que el modelo de moral cívica les había proporcionado unaherramienta significativa en la construcción institucional. Pero tambiénque, imbuídos de otras lógicas relacionales que se confrontaron con elimaginario cívico, ellos terminaron afectando dicha institucionalidad.En nombre de tal imaginario pudieron señalar como fraudulenta o inmoraluna táctica o una estrategia política. Era inmoral la violación recurrentedel orden jurídico, era inmoral su visión patrimonial del Estado y lautilización de los recursos públicos- junto a los que aportabanprivadamente-cuando se convertían en partido de Gobierno yfinanciaban a sus clientes; era inmoral la violencia ejercida sobre losderechos individuales; era cometer fraude, defraudar la voluntad soberana,cuando apelaban a todas aquellas tácticas de desvirtuación de un ejerciciociudadano individual y autónomo. Ahora bien, frente a la paulatina pérdidade consenso expresada en la disminución clara del número de electoresy en la búsqueda, por parte de diversos actores de formas alternativasde demanda y representación, ¿significaba que diferentes sujetoscomenzaban a privilegiar la moral cívica frente a las otras? No es fácilafirmarlo, lo que resulta evidente es que 1890 colocó a las elites ante unasignificativa crisis de legitimidad, crisis que al estallar ubicaría en elcentro de la escena y del debate parlamentario el problema del partido.

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Tradiciones militares coloniales.El Río de la Plata antes de la revolución

Raúl O. Fradkin*

“No se trata de asimilar por la fuerza sino, por el contrario, de distinguir;no se trata de construir, como en el juego de las fotografías superpuestas,una imagen falsamente convencional y borrosa, sino de destacar, porcontraste, al mismo tiempo que los caracteres comunes, las originalidades.”1

Con sencillez M. Bloch precisaba algunos de los principalesdesafíos de la historia comparada, un modo de hacer historia que – comobien ha afirmado M. Aymard- estaba en el corazón de una concepciónde la historia que no podía alcanzar su meta sino superando ladescripción de situaciones particulares.2 Como es sabido, Bloch distinguíadiferentes usos de las comparaciones pero remarcaba que el “másimportante objetivo” era la “percepción de las diferencias”.3 El uso queharé aquí de estas recomendaciones será, por cierto, limitado. Mi objetivoes indagar las tradiciones militares que se forjaron en el espaciorioplatense durante la época colonial. Se trata de un acercamientoinspirado por una preocupación de mucho mayor alcance y que excedelas posibilidades de esta presentación: develar la naturaleza y las

* Universidad Nacional de Luján/Universidad de Buenos Aires. [email protected] BLOCH, Marc, Historia rural francesa. Caracteres originales, Barcelona, Crítica, 1978, p.28.

[1931]2 AYMARD, Maurice, “¿Qué historia comparada, hoy?”, en BONAUDO, Marta, REGUERA,

Andrea y ZEBERIO, Blanca (coords.), Las escalas de la historia comparada. Dinámicas sociales,poderes políticos y sistemas jurídicos, Buenos Aires, Miño y Dávila Editores, 2008, Tomo I,2008, pp. 13-25. También ver AYMARD, Maurice, “Historie et comparaison”, en H. ATSMAet A. BURGUIERE (eds.), Marc Bloch aujourd’hui. Historie comparée & Sciences sociales, Paris,EEHSS, 1990, pp. 279-298 y HAUPT, Heinz-Gerhard “La lente émergence d’une historiecomparée”, en Passés Recomposés. Champs et chantiers de l’historie, París, Éditions Autrement,Série Mutations, Nº 150/151, 1995, pp. 196-207.

3 BLOCH, Marc, “Comparación” [1930], en Historia e historiadores, Madrid, Akal, 1999, p.112.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

características de las fuerzas beligerantes que intervinieron en el cicloguerrero abierto en el Río de la Plata entre las décadas de 1810 y 1870para comprender mejor las posibilidades de intervención política de lossectores sociales subalternos y la incidencia de la guerra y de lastradiciones militares en la configuración de sus culturas políticas. Loque sigue, por tanto, debe ser leído sólo como un punto de partida queapunta en esa dirección.

Indagar estas cuestiones supone internarse en una variedad deaspectos imposibles de abordar en una sola presentación.4 Por lo tanto,aquí me centraré en identificar las características de las formacionesarmadas que se conformaron en el espacio de la Intendencia de BuenosAires y las tradiciones que en torno a ellas se forjaron.

Algunas facetas han sido solventemente tratadas por la historiografíaargentina que se ocupa del siglo XIX. T. Halperín Donghi precisó lasrelaciones entre las formaciones militares y la elite política revolucionariaasí como la dimensión social y fiscal del proceso de militarización5 y G. DiMeglio indagó las relaciones entre este proceso y la configuración de laplebe urbana como actor político en Buenos Aires.6 A su vez, también seha indagado la centralidad de las milicias en la configuración del régimen

4 En trabajos anteriores me ocupé de otros aspectos: una evaluación de largo plazo en “¿Quétuvo de revolucionaria la revolución de independencia?”, Nuevo Topo/revista de historia ypensamiento crítico, N° 5, 2008, pp. 15-44. Un análisis de las modalidades de la guerra en “Lasformas de hacer la guerra en el litoral rioplatense y el retorno de un viejo problema: guerrasde independencia y guerras civiles”, ponencia a las XXI Jornadas de la AAHE, Caseros, 23 al26 de setiembre de 2008. Una exploración preliminar de la cultura política “plebeya” en“Cultura política y acción colectiva en Buenos Aires (1806-1829): un ejercicio de exploración”,en FRADKIN, Raúl (editor), ¿Y el pueblo dónde está? Contribuciones para una historia popular dela revolución de independencia en el Río de la Plata, Buenos Aires, Prometeo Libros, 2008, pp. 27-66. Junto a Silvia Ratto hemos indagado la incidencia de la guerra en las zonas fronterizas en“Conflictividades superpuestas. La frontera entre Buenos Aires y Santa Fe en la década de1810”, en Boletín Americanista, en prensa y “Territorios en disputa. Liderazgos locales en lafrontera entre Buenos Aires y Santa Fe (1815-1820)” (en colaboración con Silvia Ratto), enRaúl Fradkin y Jorge Gelman (compiladores), Desafíos al Orden. Política y sociedades ruralesdurante la Revolución de Independencia, Rosario, Prohistoria Ediciones, 2008, pp. 37-60.

5 HALPERÍN DONGHI, Tulio, “Gastos militares y economía regional: el Ejército del Norte(1810-1817)”, en Desarrollo Económico, Vol. 11, N° 41, 1971; Revolución y guerra. Formación deuna élite dirigente en la Argentina criolla, Buenos Aires, Siglo XXI, 1972; “Militarizaciónrevolucionaria en Buenos Aires, 1806-1815”, en Tulio HALPERÍN DONGHI (comp.), Elocaso del orden colonial en Hispanoamérica, Buenos Aires, Sudamericana, 1978, pp. 121-157 yGuerra y finanzas en los orígenes del Estado argentino, Buenos Aires, Prometeo Libros, 2005(primera edición, 1982).

6 DI MEGLIO, Gabriel, ¡Viva el Bajo Pueblo! La plebe urbana de Buenos Aires y la política entre laRevolución de Mayo y el Rosismo, Buenos Aires, Prometeo Libros, 2006.

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Tradiciones militares coloniales. El Río de la Plata antes de la revolución / Raúl O. Fradkin

político poscolonial, la impronta de los servicios militares y milicianossobre la población rural y los estrechos vínculos entre las milicias y laconstrucción de la ciudadanía.7 Recientemente, H. Sábato ha llamado laatención sobre una cuestión crucial: que los ejércitos de línea y las fuerzasmilicianas sirvieron de apoyo al despliegue de concepciones y tradicionespolíticas diferentes y competitivas hasta bien avanzado el siglo XIX.8

Apoyándome en estas contribuciones, mi perspectiva tomará rumbosdiferentes, al menos, en dos direcciones. Por un lado, dado que estaproducción se ha concentrado en el proceso abierto por losacontecimientos de 1806/7 intentaré rastrear la impronta de lastradiciones militares coloniales. Por otro, dado que estos estudios seconcentraron en la experiencia bonaerense, intentaré compararla conotras del mismo espacio rioplatense.

¿A qué me refiero con tradiciones militares? Básicamente alconjunto de concepciones, normas, prácticas y experiencias forjadas entorno a la organización militar y miliciana colonial. Por cierto, esastradiciones emergían de la matriz común del imperio español pero nofueron simplemente su réplica. Por una parte, porque esa matriz estabalejos de ser exclusivamente hispana y se nutría de la densa experienciaestatal y militar desarrollada en Europa desde el siglo XVI y de lastensiones que emanaban con la portuguesa. Por otro, porque las formasque adoptó la organización militar imperial no respondían sólo a losdesignios o a las aspiraciones de sus mandos militares sino también alas experiencias que emergían de los espacios coloniales y que, pese asus notas comunes, eran irreductibles. Es ello, entonces, lo que invita aadoptar una perspectiva comparada que permita precisar especificidadesy variaciones regionales.

7 Al respecto puede consultarse CANSANELLO, Carlos, De Súbditos a Ciudadanos. Ensayosobre las libertades en los orígenes republicanos. Buenos Aires, 1810-1852, Buenos Aires, ImagoMundi, 2003; GARAVAGLIA, Juan Carlos, “Ejército y milicia: los campesinos bonaerensesy el peso de las exigencias militares, 1810-1860”, en Anuario IEHS, N° 18, 2003, pp 153-187;SÁBATO, Hilda y LETTIERI, Alberto (comps.), La vida política en la Argentina. Armas, votosy voces, Buenos Aires, FCE, 2003.

8 SÁBATO, Hilda, “El ciudadano en armas: violencia política en Buenos Aires (1852-1890)”,en Entrepasados. Revista de Historia, Año XII, Nº 23, 2002, pp. 149-171; “Milicias, ciudadaníay revolución: el ocaso de una tradición política. Argentina, 1880”, en Ayer. Revista de HistoriaContemporánea, N° 70, 2008; “Cada elector es un brazo armado. Apuntes para una historiade las milicias en la Argentina decimonónica”, en BONAUDO, Marta, REGUERA, Andreay ZEBERIO, Blanca (coords.), Las escalas…, pp. 105-124 y Buenos Aires en armas. La revoluciónde 1880, Buenos Aires, Siglo XXI, 2008.

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

1. Las jurisdicciones territoriales en el espacio rioplatense

Nuestra atención estará concentrada en ese espacio difuso y defronteras abiertas y permeables que era el rioplatense.9 Principalmenteatenderemos a los territorios que conformaron la Intendencia de BuenosAires pero también a aquellos que estaban bajo la jurisdicción de losGobiernos de Montevideo, de las Misiones y de la Capitanía de RíoGrande, dada su incidencia en la experiencia militar rioplatense.

Como es sabido, la reorganización borbónica asignó un lugarrelevante a lo militar y la Corona privilegió a los oficiales de altagraduación para reclutar sus principales funcionarios. Como advirtió L.Campbell durante dos siglos el ejército había jugado un papel muysecundario en la estructuración del orden colonial dado que la autoridadhabían residido en una burocracia reclutada en el estamento eclesiásticoy la nobleza titulada; sin embargo, durante el siglo XVIII “la vida políticase militarizó”.10 El Río de la Plata no fue una excepción y todos los virreyese intendentes tuvieron este origen. Sin embargo, aquí – como en Chile –esta situación era anterior.11

Desde comienzos del siglo XVII la mayor parte de este espacioestuvo bajo la jurisdicción de las Gobernaciones de Buenos Aires yAsunción, estructuras de gobiernos por lo demás débiles para ejerceruna autoridad efectiva sobre las pocas ciudades existentes y los vastosterritorios asignados. Con todo, las autoridades coloniales se habíanafirmado durante el siglo XVIII, sobre todo, por la formación del gobierno

9 El lector encontrará un panorama preciso y actualizado en DJENDEREDJIAN, Julio C.,Economía y sociedad en la Arcadia criolla. Formación y desarrollo de una sociedad de frontera enEntre Ríos, 1750-1820, Tesis de Doctorado, Facultad de Filosofía y Letras de la Universidadde Buenos Aires, 2003; FREGA, Ana, Pueblos y soberanía en la revolución artiguista,Montevideo, Ed. Banda Oriental, 2007; GARAVAGLIA, Juan Carlos, Pastores y labradoresde Buenos Aires. Una historia agraria de la campaña bonaerense, 1700-1830, Buenos Aires,Ediciones de la Flor/IEHS/Universidad Pablo de Olavide, 1999. GELMAN, Jorge,Campesinos y estancieros. Una región del Río de la Plata a fines de la época colonial, BuenosAires, Editorial Los Libros del Riel, 1998. OSÓRIO, Helen, O imperio portugués no sul daamérica: estancieiros, lavradores o comerciantes, Porto Alegre, UFRGS Editora, 2007.

10 CAMPBELL, León, “Cambios en la estructura social y administrativa en el Perú colonial afines del siglo XVIII”, en MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan y KUETHE, Allan (eds.),Soldados del Rey. El Ejército Borbónico en América Colonial en vísperas de la Independencia,Castellón, Ed. Universitat Jaume I, 2005, pp. 231-252.

11 JARA, Alvaro, Guerra y Sociedad en Chile, Santiago de Chile, Editorial Universitaria, 1971;MOUTOUKIAS, Zacarías, “Gobierno y sociedad en el Tucumán y Río de la Plata, 1550-1800”,en Nueva Historia Argentina, Tomo 2, Buenos Aires, Sudamericana, 2000, pp. 355-411.

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político y militar de Montevideo y el que emergió en las misiones despuésde la expulsión de la Compañía de Jesús.12 La Intendencia de BuenosAires fue puesta en funcionamiento en 1782 y a partir de 1788 su jefaturay la Superintendencia de Hacienda quedaron en manos del mismo Virrey.De este modo, este Virrey-Intendente no sólo era el Capitán General delVirreinato sino que ejercía su autoridad directa sobre los gobiernospolítico-militares dotados de un amplio margen de autonomía (comolos de Montevideo o Yapeyú), sobre las zonas que quedaron bajo laautoridad de una Comandancia Militar como la de Frontera instituidaen Buenos Aires en 1780, los emplazamientos costeros como Carmen dePatagones – convertida en sede de comandancia en 1785- y algunas zonasde nueva colonización en el sur de Entre Ríos desde 1783 y también enla Banda Oriental, tanto en Colonia como en Maldonado.13

El vasto espacio que sólo en parte gobernaba la Intendencia asistióen las últimas décadas coloniales a un notable crecimiento demográficoy fue escenario de una primera expansión ganadera.14 A su vez, se fueconformando una trama de poblados rurales de muy disímilesmagnitudes, trayectorias y estatutos: esa trama contenía muy pocasciudades (Buenos Aires, Montevideo, Santa Fe, Corrientes y Maldonadodeclarada ciudad en 1786), 22 villas que tenían derecho a contar con suscabildos, 20 parroquias, 28 pueblos de indios y 10 fuertes fronterizos.Estas 85 aglomeraciones tenían muy distinta dimensión y en gran parteeran muy nuevos: 58 se habían formado a lo largo del siglo XVIII y 22entre 1778 y 1800. Lo importante es que desde estas aglomeraciones debíaorganizarse el control de los territorios y poblaciones así como las fuerzasmilitares y milicianas.15

12 Para un análisis de las relaciones entre la elite santafesina y la gobernación de BuenosAires véase BARRIERA, Darío, “La ciudad y las varas: justicia, justicias y jurisdicciones(Ss. XVI-XVII)”, en Revista de Historia del Derecho, Nº 31, 2003, pp. 69-98 y TARRAGÓ,Griselda y BARRIERA, Darío, “Elogio de la incertidumbre. La construcción de la confianza:entre la previsión y el desamparo (Santa Fe, Gobernación del Río de la Plata, siglo XVIII”,en Revista Historia, N° 48, 2008, pp. 183-223.

13 LYNCH, John, Administración colonial española (1782-1810). El sistema de intendencias en elVirreinato del Río de la Plata, Buenos Aires, EUDEBA, 1962

14 Un tratamiento comparativo de esta primera expansión ganadera en DJENDEREDJIAN,Julio C., “¿Un aire de familia? Producción ganadera y sociedad en perspectiva comparada:las fronteras rioplatenses a inicios del siglo XIX”, en Jahrbuch für Geschichte Lateinamerikas,Vol. 41, 2004, pp. 247-274.

15 Un análisis del papel de los poblados en Buenos Aires en BARRAL, María E. y FRADKIN,Raúl O., “Los pueblos y la construcción de las estructuras de poder institucional en la

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Por su parte, el imperio portugués había avanzado antes en mejorarsu sistema de autoridades en el extremo sur del Brasil y cobraría muchomayor solidez en la segunda mitad. A través de un itinerario sinuoso yno carente de oscilaciones, la autoridad de Río de Janeiro había crecidohasta convertirse en capital del novel Virreinato; para 1759, el régimende capitanías hereditarias había sido desplazado y reconvertido a unsistema bajo directa autoridad de la Corona. Así, en 1713 se habíaestablecido la capitanía de Río Grande de San Pedro, en 1720 la de Minas,en 1738 la de Santa Catarina y en 1748 las de Goiás y Mato Groso.16 Setrataba de un intento por afirmar la autoridad de la burocracia imperialy mejorar sustancialmente la defensa de la frontera que suponíadificultosas negociaciones con los grupos de poder local.

Como resultado de esta situación y de la persistente beligeranciafronteriza desde 1680, se fue operando una creciente militarización aambos lados de la frontera pero ella solo muy en parte se sostenía enrecursos y capacidades estatales. Del lado hispano, las limitadas fuerzasexistentes debían afrontar desafíos de muy diversa naturaleza queimponían diferentes exigencias: la defensa de los emplazamientoscosteros frente a las amenazas de incursiones marítimas de otraspotencias; la defensa de la extensa frontera “seca” con los portugueses;la defensa de las fronteras con los indios no sometidos del chaco y laspampas pero también con algunas tribus que se mantenían autónomasen el mismo litoral; la persecución del creciente número de cuatreros,bandidos y changadores; y también, debían contribuir a reprimir lassublevaciones, como las ocurridas en el área guaranítica en 1754 o en los

campaña bonaerense (1785-1836)” en Raúl O. Fradkin (Director) El poder y la vara. Estudiossobre la justicia y la construcción del estado en el Buenos Aires rural, 1780-1830, Buenos Aires,Prometeo Libros, 2007, pp. 25-58.

16 SILVA GOUVÊA, María de Fátima, “Poder político e administracao na formacao docomplexo atlântico português (1645-1808)”, en FRAGOSO, Joao, BILCALHO, María F. yGOUVÊA, María (org.), O Antigo Regime nos trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (sécalosXVI-XVIII), Río de Janeiro, Civilizacâo Brasileira, 2001, pp. 285-315. CALSANZ FALCÓN,Francisco José, “La lucha por el control del Estado: administración y elites coloniales enPortugal y Brasil en el siglo XVIII. Las reformas del despotismo ilustrado y la sociedadcolonial”, en Historia General de América Latina, Vol. IV: Procesos americanos hacia la redefinicióncolonial, París-Madrid, Ediciones UNESCO/Editorial TROTTA, 2000, pp. 265-283.MANSUY, Andrée y SILVA, Diniz, “Portugal y Brasil: la reorganización imperial, 1750-1808”, en Bethell, Leslie (ed.), Historia de América Latina, Tomo 2, Barcelona, Crítica, 1990,pp. 150-182.

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Andes en 1780. Las autoridades tuvieron que encontrar modos deafrontar estas contradictorias necesidades que exigían formas deorganización militar muy diferentes. Conviene detenerse en analizar susprincipales características y tratar de precisar sus especificidades.

2. La organización militar imperial

La organización de la defensa de las colonias se había mantenidosin alteraciones sustanciales entre fines del siglo XVI y mediados delXVIII. Fue por entonces que la Corona comenzó a adoptar una nuevaconcepción, la “defensa total”. Esa nueva orientación incluía laconstrucción de fortificaciones, el desarrollo de la Armada, la dotaciónde regimientos regulares, una mayor atención y coordinación de ladefensa de las fronteras con los indios y el “arreglo” de las milicias. Noparece aventurado afirmar, por tanto, que fue por entonces que tomóforma el ejército imperial en América. Para ello, la Corona se vio forzadaa desplegar un notable esfuerzo fiscal pero a partir de 1786 la necesidadde reducirlo derivó en la disminución de los contingentes, justamentecuando los requerimientos de la defensa se acrecentaban.17

A mediados del siglo XVIII, los ejércitos imperiales padecían variasde las limitaciones características de los modelos existentes peroacentuadas por las condiciones logísticas, organizativas, sociales yculturales que imponía la situación colonial. Entre ellas se han señaladolas dificultades para realizar grandes movimientos de tropas, lastradiciones vigentes de contratar fuerzas mercenarias y el peso de las

17 ARCHER, Christon, El ejército en el México borbónico, 1760-1810, México, FCE, 1983 y“Militares”, en SOCOLOW, Susan y HOBERMAN, Louisa. (comps.), Ciudades y sociedad enLatinoamérica colonial, Buenos Aires, F.C.E., 2002, pp. 215-254; GÓMEZ PÉREZ, Carmen, Elsistema defensivo americano, siglo XVIII, Madrid, MAPFRE, 1992; MARCHENAFERNÁNDEZ, Juan, Ejército y milicias en el mundo colonial americano, Madrid, MAPFRE,1992; FRADERA, Josep M., Colonias para después de un imperio, Barcelona, EdicionesBellaterra, 2005. KUETHE, Allan “Carlos III. Absolutismo ilustrado e imperio americano”,en MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan y KUETHE, Allan (eds.), Soldados del Rey…, pp. 17-30 y “Decisiones estratégicas y las finanzas militares del XVIII”, en MARCHENA, Juan yCHUST, Manuel (eds.), Por la fuerza de las armas. Ejército e independencias en Iberoamérica,Castelló de la Plana, Publicaciones de la Universitat Jaume I, 2008, pp. 83-100. MARICHAL,Carlos, La bancarrota del virreinato. Nueva España y las finanzas del imperio español, 1780-1810,México, FCE, 1999. WEBER, David, “Borbones y bárbaros. Centro y periferia en lareformulación de la política de España hacia los indígenas no sometidos”, en AnuarioI.E.H.S., Nº 13, 1998, pp. 147-171.

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aristocracias en las estructuras militares.18 Sólo muy limitadamente losejércitos del imperio pudieron superarlas y su colapso durante la crisisimperial abierta en 1808 parece demostrarlo. Sin embargo, en ellostambién se evidenció una tendencia a la innovación como lo puso enevidencia el mejoramiento de la cartografía, el incremento de la flota, elmejoramiento de las fortificaciones y la artillería, el recurso cada vezmás frecuente a las órdenes escritas y un cierto desarrollo y sofisticaciónde la burocracia militar, como lo mostraba la conformación de un cuerpoespecífico de ingenieros a partir de 1762. Aún así, los ejércitos del Reyseguían siendo ejércitos de antiguo régimen y contenían unaheterogeneidad de cuerpos y estatutos que le eran inherentes. Ellolimitaba fuertemente su profesionalización y la aristocracia seguíateniendo un peso decisivo en la oficialidad que, al parecer, era todavíaaún mayor en las colonias.19 A falta de una academia de formaciónprofesional – salvo para los ingenieros- los cadetes se formaban en losmismos regimientos y para ello no lo se estipularon normas paraseleccionarlos entre la nobleza sino que su admisión quedaba a decisiónde los comandantes lo que favorecía el favoritismo y los lazos clientelares.Sin embargo, Además, a pesar de muchas disposiciones en contrario yde la proclamada preferencia por los reclutas voluntarios, los métodosde reclutamiento compulsivo estaban a la orden del día, tanto que fueen el siglo XVIII cuando se generalizó la célebre quinta, conocida comoel “impuesto de sangre”.20

18 MCNEILL, William, La búsqueda del poder. Tecnología, fuerzas armadas y sociedad desde el 1000d.c., Madrid, Siglo XXI, 1998, pp.175-180

19 En el Ejército de América el 67% de los oficiales eran considerados “nobles” pero entre losnacidos en América los “nobles” llegaban al 100%; no era la situación en la penínsuladonde hacia 1808 eran aristócratas sólo el 23%: MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan, “Laexpresión de la guerra El poder colonial, el ejército y la crisis del régimen colonial”, enHistoria de América Andina, Quito, Universidad Andina Simón Bolívar, Vol. 4., 2003, pp.79-128; GARCÍA CÁRCEL, Ricardo, El sueño de la nación indomable. Los mitos de la guerra dela independencia, Madrid, Temas de Hoy, 2007, p. 136

20 BORREGUERO BELTRÁN, Cristina, “Antiguos y nuevos modelos de reclutamiento en elEjército borbónico del siglo XVIII”, en MARCHENA, Juan y CHUST, Manuel (eds.), Por lafuerza de las armas…pp. 63-82. Como es sabido, la transformación en reclutas de losperseguidos por cuestiones penales ocupó un lugar relevante la satisfacción de lasnecesidades de mano de obra para la Armada Real: De las HERAS, José L., “Los galeotesde los Austrias: la penalidad al servicio de la Armada”, en Historia Social, N° 6, 1990, pp.127-140. Ver al respecto LINEBAUGH, Peter y REDIKER, Marcus, La hidra de la Revolución.Marineros, esclavos y campesinos en la historia oculta del Atlántico, Barcelona, Crítica, 2005.

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A su modo, los ejércitos de la monarquía hispana expresaban lallamada la “revolución militar”21, ese conjunto de innovaciones operadasdesde el siglo XVI y que incluyeron un uso más intensivo de la artilleríay de las armas de fuego, la construcción de fortificaciones, el predominiode la infantería sobre la caballería y el incremento de los ejércitospermanentes. Ello trajo aparejado un sustancial aumento de los costos,de modo que en la capacidad gubernamental para sustentarlos se hallaba,cada vez más, un eje fundamental en torno al cual giraba el resultado delos conflictos. Ahora bien, los atributos de esa “revolución militar” nose habían implantado firmemente en América hispana cuando a finesdel siglo XVIII, una nueva era militar se estaba abriendo en el mundooccidental: la revolución francesa trajo consigo una sustancialmodificación de las concepciones estratégicas orientándolas hacia laobtención del máximo grado de movilidad de las fuerzas militares y unaumento nunca antes visto del personal movilizado así como de lasconcepciones políticas que sustentaban los esfuerzos militares y que seexpresó en el lema de la “nación en armas” y la aspiración aprofesionalizar el cuerpo de oficiales. Con ello, también, otras formasde hacer la guerra – la llamada “guerra irregular” – adquirieron unanueva centralidad.22

El Ejército de América estaba integrado por el Ejército de Dotación,el Ejército de Refuerzo y las milicias. Conviene resaltarlo desde uncomienzo: las milicias eran concebidas como fuerzas auxiliares delejército y como parte de él. Una segunda observación debe también sersubrayada desde un principio: la “Ordenanza de su Majestad para elregimiento, disciplina, subordinación y servicio de sus ejércitos” de 1768– un cuerpo normativo que orientó la vida militar hispanoamericanahasta bien avanzado el siglo XIX – contemplaba la existencia de trestipos de cuerpos armados: el ejército permanente, las “milicias

21 PARKER, Geoffrey, La revolución militar. Innovación militar y apogeo de occidente, 1500-1800,Madrid, Alianza, 1990.

22 Desde comienzos del XIX los ensayos y tratados sobre la “petite guerre”, la “guerrairregular”, la “guerra de partidas” o “de guerrilla” tuvieron amplia difusión en el mundooccidental y el análisis de las experiencias en España, Prusia y Rusia pero también enArgelia ocuparon un lugar cada vez más relevante y fueron conocidas por los dirigentespolíticos y militares hispanoamericanos. Véase, por ejemplo, GRANDMAISON, La PetiteGuerre ou Traité du Service des Troupes legeres en Campagne, París, 1756, DECKER, Ch., De laPetite Guerre selon l’esprit de la Stratégie Moderne, París, J. Corréad, 1845.

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provinciales” y las “milicias urbanas”. En lo que sigue veremos laincidencia notable de ambas observaciones.

Al comenzar el siglo XIX el Ejército de Dotación contaba con 29regimientos y unos 35.000 efectivos que constituían el 87% de losveteranos en América, aunque no es improbable que se haya reducido a25.000 en los años siguientes. La política oficial había pretendido queesos efectivos se reclutaran en la península, preferentemente entrehombres “honrados”, pero los resultados fueron muy diferentes y paraentonces sólo habían nacido en ella el 16,4% de la tropa cuando en elsiglo XVII eran el 80%. Sin embargo, el aumento de las tropas regulareshabía sido sustancial dado que para 1700 podía estimarse que sumabantan solo unos 6.000 efectivos.23 Los integrantes de ese ejército no sólohabían nacido mayoritariamente en América sino que el 85% había nacidoen la misma ciudad donde prestaba servicio. Por otra parte, laspretensiones de profesionalizar a la tropa estaban lejos de habersealcanzado, al punto que un 74% practicaba otro oficio mientras estabaenrolado. Entre la oficialidad la situación no era demasiado diferente:un 18% había nacido en la península y el 70% en la misma ciudad dondeprestaba servicio.24 Estos datos evidencian el “acriollamiento” de lastropas veteranas, sus estrechos vínculos con las ciudades donde teníanasiento y el fracaso del intento de reclutarlas en la península. Sin embargo,esa notable americanización del Ejército de Dotación era mucho máslimitada a nivel del generalato y no llegaba al 20%, de modo que losaltos mandos seguían en manos de peninsulares. Era, además, un ejércitoinsuficiente para repeler una agresión externa sin recurrir a las miliciasy carecía de capacidad para contener una insurrección generalizada.25

Los cambios sustanciales, por lo tanto, tuvieron que darse en lasmilicias y su transformación fue una empresa que abarcó tanto a laspeninsulares como a las de Indias. En la península su reorganización

23 MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan, “El Ejército de América y la descomposición del ordencolonial. La otra mirada en un conflicto de lealtades”, en Militaria. Revista de cultura militar,N° 4, 1992, pp. 63-91. MCFARLANE, Anthony, “Los ejércitos coloniales y la crisis delimperio español, 1808-1810”, en Historia Mexicana, N° 229, 2008, pp. 229-288.

24 MARCHENA F., Juan, “Sin temor de Rey ni de Dios. Violencia, corrupción y crisis deautoridad en la Cartagena colonial”, en MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan y KUETHE,Allan (eds.), Soldados del Rey…, pp. 31-100. (p. 41-42)

25 PIQUERAS, José M., “Revolución en ambos hemisferios: común, diversa(s),confrontada(s)”, en Historia Mexicana, Vol. 229, 2008, pp. 51-52

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comenzó hacia 1734 cuando la Corona dispuso formar 37 regimientosde milicias, “en proporción a los vecindarios y reglados en lo posible ala disciplina de los regimientos de infantería veterana”. En 1766, estosregimientos fueron aumentados a 42 y para entonces contaban con 35.316plazas. Sin embargo, la instauración del nuevo sistema de “miliciasdisciplinadas” no las uniformó completamente y siguieron existiendodiversas formas de organización miliciana, en especial, las compañíasde “milicia urbana”. Además, las modificaciones en el servicio milicianotuvieron que ser acompañadas con algunas transformaciones de susmecanismos de financiamiento, tornarlo un sistema más centralizado ymejor reglamentado. El esfuerzo reorganizador, entonces, se desplegósimultáneamente en la metrópoli y en las colonias donde las milicias serigieron por sus respectivos reglamentos aunque primero tuvieron comoreferencia el peninsular de 1734 y luego adoptaron el dictado para Cubaaunque no dejaron de adaptarse a las circunstancias locales. Como haseñalado A. Kuethe, el régimen miliciano había evolucionado durantelos siglos XVI y XVII en forma provisional, sin una planificacióncentralizada ni una organización estandarizada. La situación cambiódurante la Guerra de los Siete Años y para 1763 estaba en marcha sudecidida reforma en Cuba y en los dos años siguientes empezó a ponerseen marcha en Puerto Rico, Nueva España, Caracas, Perú y Buenos Aires,dónde expresamente se instruyó que se adoptara el modelo cubano.26

Aquí, la Real Cédula del 19 de enero de 1769 dispuso que “el piede las milicias regladas” de la isla se compusiera de cinco batallones de“infantería de blancos”, dos de “pardos libres” y uno de “morenos libres”más un regimiento de caballería y otro de dragones; era un total de 6.700infantes y 800 de caballería y dragones todos con goce del fuero militar.27

De esta manera, el régimen miliciano en las colonias debía combinar elrespeto del patrón territorial y los atributos de la organización socialsegmentada. La obligación del servicio miliciano, por tanto, era parteinherente e inseparable de la condición de vecino pero excedía con creces

26 COLÓN DE LABRIÁTEGUI, Félix, Juzgados militares de España y sus Indias, Tomo II, Madrid,Imprenta Real, 1817, pp. 379-389. KUETHE, Allan, “Las milicias disciplinadas en América”,en MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan y KUETHE, Allan (eds.), Soldados del Rey..., pp. 101-126.

27 VALLECILLO, Antonio, Ordenanzas de S. M. para el régimen, disciplina, subordinación y serviciode los ejércitos, Tomo III, Madrid, Imprenta de Andrés y Díaz, 1854, pp. 48-49.

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a este segmento social.28 De esta situación emergerían no pocas de lastensiones posteriores.

Con el nuevo régimen de milicias “regladas” o “disciplinadas” setrataba de transformar las antiguas milicias de voluntarios sostenidas ycomandadas localmente, en una estructura que cobrara mayor amplitud,estuviera además mejor entrenada, prestara un servicio en espaciosmucho más amplios que la defensa de la propia localidad y que quedaramás subordinada a los mandos militares veteranos. Para atraer a losmilicianos se dispuso que gozaran del fuero militar y recibieranremuneración durante el servicio activo; para mejor su preparación yejercer un control mayor sobre ella se dispuso que los milicianos fuerancomandados y entrenados por una plana mayor veterana. La reforma,por tanto, no sólo buscaba mayor eficacia sino también centralizar suconducción y modificar las relaciones históricas entre milicianos yveteranos. De suyo, ello implicaba también transformar las relacionesentre autoridades locales y superiores. Esta doble tensión que conteníala reforma de las milicias resulta central a la hora de evaluar tanto sueficacia como las tensiones que generó.

Las ordenanzas de milicias fueron – para decirlo con las palabrasde M. Chust y J. Marchena – la “piedra angular del estado borbónico”.29

Sin embargo, los resultados de la reforma miliciana fueronextremadamente dispares. En este sentido, el contraste entre Cuba yNueva España ha sido señalado por A. Kuethe como un modelo para elimperio completo, dado que por lo general la reforma obtuvo mejoresresultados en las costas y tuvo mucho menor alcance en las tierrasinteriores. No parece exagerado, entonces, concluir que la incapacidadimperial para mantener bajo control la expansión del sistema milicianofue uno de los mayores fracasos de la política imperial y que en ningúncaso parece haber sido más exitoso que en Cuba.30 Además de dispares,

28 Acerca de la condición flexible y negociada de la vecindad, véase el lúcido artículo deHERZOG, Tamar, “La vecindad: entre condición formal y negociación continua. Reflexionesentorno de las categorías sociales y las redes personales”, en Anuario IEHS, Nº 15, 2000,pp. 123-132.

29 CHUST, Manuel y MARCHENA, Juan “De milicianos de la Monarquía a guardianes de laNación”, en CHUST, Manuel y MARCHENA, Juan (eds.), Las armas de la Nación.Independencia y ciudadanía en Hispanoamérica (1750-1850), Iberoamericana, pp. 7-14.

30 KUETHE, Allan, “Las milicias disciplinadas ¿fracaso o éxito?, en ORTÍZ ESCAMILLA,Juan (coord.), Fuerzas militares en Iberoamérica, siglos XVIII y XIX, México, El Colegio deMéxico/El Colegio de Michoacán/Universidad Veracruzana, 2005, p.19-26.

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los resultados fueron desalentadores para las autoridades: se trataba,decían, “sólo listas de hombres” y “creaciones verdaderamentemetafísicas, sin ninguna utilidad real”.31

A esta altura parece necesario recordar que “milicia” es un términoantiguo, polisémico y que portaba una compleja historia y que se harátodavía más compleja en el siglo XIX. Para 1734, cuando la reforma delas milicias peninsulares estaba en sus comienzos, el Diccionario de laReal Academia definía a las milicias como “cuerpos formados de vecinosde algún País o Ciudad que se alistan para salir a la campaña en sudefensa, quando lo pide la necesidad y no en otra ocasión.” Esta era laconcepción tradicional y arraigada y con ella debieron lidiar lasautoridades borbónicas puesto que las milicias eran entendidas comoparte inseparable de los derechos y obligaciones de la estructuracorporativa-territorial del Antiguo Régimen. Para 1803, el mismodiccionario distinguía ahora dos acepciones más, siguiendo lo establecidoen las ordenanzas de 1768: las “milicias provinciales”, término al que se leasignaba el mismo significado que a milicia y las “milicias urbanas” queeran definidas como “Cierto número de compañías que residen fijas envarios pueblos a las órdenes de sus comandantes que son por lo comúnlos Gobernadores de las plazas”. Este doble significado y denominaciónera un aspecto central en la historia de las milicias en el mundoiberoamericano y, a su modo, también aparecía en el imperio portugués através de la distinción entre las milicias “de ordenanza” y las “auxiliares”

Lo cierto es que mientras las fuerzas veteranas se habían hechocada vez más americanas en su composición, en las milicias esta situaciónera todavía más acusada. J. Machena señaló que la conjunción de lavanidad social en las elites locales, su miedo a una convulsión racial y lanecesidad de asegurar el orden las llevó a “fortalecerse tras la instituciónmilitar colonial” de modo que “los soldados del Rey terminaron por

31 De esta forma, en el virreinato peruano se produjo una notable ampliación de las milicias(unos 50.000 efectivos hacia 1763 y el doble en la década siguiente) aunque más tarde esenivel de alistamiento no se pudo ni se quiso mantener.: CAMPBELL, León, “Cambios enla estructura…, p. 244. La situación no parece haber sido muy diferente en Nueva Españadonde tras veinte años de reforma las milicias, con sus 40.000 efectivos, seguían siendo “laespina dorsal” de la organización militar mientras las fuerzas veteranas no llegaban a6.000 efectivos. Más aún, para 1794 la fuerza realmente disponible era mucho menor a laestablecida y sólo sumaba unos 4.700 hombres, sumando veteranos y milicianos: ARCHER,Christon, El ejército…, pp. 39-40, 50 y 55.

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estar a su servicio”.32 Y, en el mismo sentido, A. Kuethe concluyó quetanto por el papel que los criollos tenían en el financiamiento del ejércitocomo porque éste se había convertido en un medio de acumulación deautoridad y prestigio, se había transformado en una institución“autónoma” y “autosupervisada”.33

3. Las peculiaridades rioplatenses

¿Hasta qué punto estos rasgos dan cuenta de la experienciarioplatense? No podemos aquí reconstruir la historia militar rioplatensepero sí apuntar algunos de sus rasgos principales.34 Pero antes convienedetenerse en un aspecto del cual no puede prescindirse: el largo ciclo deconfrontación hispano-portugués y las simultáneas medidas dereorganización de la defensa desde mediados del siglo XVIII.

En Brasil, el régimen de milicias fue estructurado con lasordenanzas de 1570 que estipularon el enrolamiento obligatorio de losmoradores entre 18 y 60 años, con la exclusión de hidalgos y sacerdotes;ello supuso, además, la adopción de la estructura de tercios tomada delos castellanos quienes, a su vez, la habían adoptado de los suizos. Sinembargo, la experiencia militar brasileña lejos estuvo de ser una meraimitación, adquirió características específicas y generó un modo peculiarde concebir y hacer la guerra. En particular, se trató de una experienciamilitar colonial construida a partir del “derecho” que tenían quiénesprestaban servicio a obtener indios cautivos y tierras en compensación.De esta manera, las estructuras milicianas tendieron a reforzar lasjerarquías sociales preexistentes entre los hombres libres y a definir conmayor fuerza la rigidez de las fronteras sociales.35 Durante la segunda

32 MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan y KUETHE, Allan, “Presentación. Militarismo, revueltase independencias en América latina”, en MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan y KUETHE,Allan (eds.), Soldados del Rey…, pp. 7-16.

33 KUETHE, Allan, “Carlos III. Absolutismo ilustrado…,p. 2834 El estudio más completo e imprescindible sigue siendo BEVERINA, Juan, El Virreinato de

las Provincias del Río de la Plata. Su Organización Militar, Buenos Aires, Círculo Militar,Biblioteca del Oficial, 1992. Entre los trabajos más recientes: GOYRET, José Teófilo,“Huestes, milicias y ejército regular”, en TAU ANZOÁTEGUI, Víctor (dir.), Nueva Historiade la Nación Argentina, Tomo II, Planeta, Buenos Aires, 1999, pp. 351-382.

35 PUNTONI, Pedro, “A arte da guerra no Brasil: tecnologia e estratégia militares na expansaoda fronteira da América portuguesa (1550-1700)”, en CASTRO, Celso, IZECKSOHN, Vitory KRAAY, Hendrick (org.,), Nova História Militar Brasileira, Río de Janeiro, Editora FGV,2004, pp. 43-66.

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mitad del siglo XVIII las autoridades intentaron reorganizar la defensatrasladando unidades veteranas desde otras regiones del imperio yampliando los cuerpos de auxiliares y de ordenanzas. En este punto, lasestrategias hispanas y portuguesas eran muy semejantes.

Ahora bien, ello suponía una puesta en tensión de las relacionesentre autoridades centrales y poderes locales y resultaba particularmentecompleja en un sistema de administración estructurado en torno ainstancias de intermediación y que dejaba un amplio margen deautonomía efectiva de las estructuras políticas periféricas.36 Las fuerzasmilicianas existentes constituían “la espina dorsal” del orden colonial y,por tanto, eran también espacios de negociación de los vínculos entre lametrópoli y la colonia. De esta manera, si la temporaria pérdida de LaHabana y Manila fue para el imperio español la demostración que eraimpostergable la reorganización militar, un lugar equivalente tuvo parael portugués la ocupación hispana de Colonia del Sacramento y la villade Río Grande en 1762. Ello se manifestó mediante una reorganizaciónde la defensa que implicó el establecimiento de tres regimientos deinfantería de línea en la capital, el reforzamiento de la dotación de SantaCatarina y una notable ampliación del espacio de lo militar en la sociedadcolonial, sobre todo, a través de la constitución del mayor número posiblede cuerpos de milicias.

Sin embargo, las pretensiones oficiales encontraron un límitepreciso en las resistencias que ofrecieron las elites locales y ellasforzaron a entablar recurrentes negociaciones y compromisos en lamedida que los gobernadores no podían prescindir de su apoyo. Entales condiciones, la supuesta universalidad del servicio miliciano seempantanó ante la densa trama de privilegios que estructuraban elorden colonial y fueron las ordenanzas localmente estructuradas ysostenidas las que tuvieron a su cargo la tarea de organizar las levaspara abastecer a las fuerzas de línea limitando de este modo tambiénla fortaleza de las fuerzas veteranas. Ello, sin duda, dificultaba lasatisfacción de las necesidades gubernamentales que tan tardíamentecomo en 1796 decidieron transferir la administración del reclutamientoa la Intendencia General de Policía.

36 HESPANHA, António M., “A constituicao do Imperio portugués. Revisao de algunosenviasementos correntes”, en O Antigo Regimen…, pp. 163-188.

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En consecuencia, esas instancias de mediación realizaban una“traducción local” de las órdenes del gobierno imperial de modo quelas instituciones militares importadas de la metrópoli adquirían en lacolonia nuevos contornos: así, las milicias imaginadas inicialmente comola expresión de una “nobleza de la tierra” incorporaban a principios delsiglo XIX regimientos de mulatos, pardos y libertos; en forma análoga,si el reclutamiento para las tropas de línea estaba teóricamenterestringido a los blancos, en la práctica no era lo que sucedía y paraentonces la totalidad de las tropas regulares de Bahía era reclutadalocalmente. Más aún, en 1766 fueron reorganizadas las milicias y seformaron nuevos cuerpos auxiliares que debían estar integrados “semexcecao de nobres, plebeus, brancos, mesticos, pretos, ingénuos elibertos” y mientras se disponía la formación de destacamentos forzadospara el sur fueron transferidos al Brasil tres regimientos portugueses ytropas de las Azores.37

Sin embargo, todas las evidencias consultadas indican que elfortalecimiento de las milicias durante la segunda mitad del XVIII nopermitió construir fuerzas que le resultaran confiables a las autoridadescoloniales así como que esa desconfianza era aún acentuada respecto delas milicias de la frontera sur. Por lo tanto, en esta frontera el ejercicio dela autoridad, el reclutamiento para las tropas de línea, su abastecimientoy la movilización de las milicias dependían casi completamente de lacolaboración de los núcleos locales de poder. Esa frontera sur eraimprecisa, móvil y permeable y las dificultades para afirmarla se debíanante todo a que se intentaba imponer en un espacio en el cual no habíadiferencias marcadas en cuanto a los patrones demográficos, sociales yproductivos que se intentaba bajo la jurisdicción de ambos imperios.Las tropas veteranas en la frontera, por otra parte, eran reducidas y parala década de 1780 sólo rondaban los 720 efectivos. Además, presentabanpermanentes deserciones que, al parecer, eran más frecuentes entre losoriundos de la zona que entre los paulistas.

No era, por cierto, una situación muy diferente a la que afrontabanlas autoridades de Montevideo o de Buenos Aires aunque ellas solían

37 PAGANO DE MELO, Christiane F., “A guerra e o pacto: a política de intensa mobilizacaomilitar nas Minas Gerais” y FARIA MENDES, Fabio, “Encargos, privilégios e directos: orecrutamento militar no Brasil nos séculos XVIII e XIX”, en CASTRO, Celso, IZECKSOHN,Vitor y KRAAY, Hendrick (org.), Nova História…, pp. 67-86 y 111-137 respectivamente.

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describir con envidia la situación de sus rivales. A estas autoridades seles hacía extremadamente difícil controlar ese espacio fronterizo habitadopor una población móvil sobre la que ejercían muy limitada autoridad yque estaba atravesado por una gama de circuitos clandestinos decomercialización y transitado por desertores, esclavos fugados, partidasde bandidos, cuatreros y changadores. De cualquier modo, lamilitarización de la frontera hispano-portuguesa constituyó el principalacicate para la estructuración militar del área rioplatense. Y ello traíaaparejado sus dilemas pues la mayoría de las fuerzas milicianas existentesse habían formado y entrenado para la defensa de las ciudades y la luchade frontera con los indios de modo que su preparación era escasamenteadecuada para afrontar este tipo de confrontación. Así, la guerra de 1801demostró la extraordinaria debilidad defensiva de la frontera hispana.Para entonces, la dotación de tropa veterana hispana era prácticamenteinexistente en los pueblos misioneros – sólo había un destacamento dedoce Dragones – y se demostró que no podía ser suplida desde BuenosAires o Montevideo. La frontera, por lo tanto, quedaba a merced de lasinvasiones en tiempo de guerra y, en tiempos de paz, de las partidas deladrones que “hacen causa común con los infieles Charrúas y Minuanes”.Más aún, les preocupaba que los pobladores portugueses – que “no cabenen sus terrenos fronterizos”- atravesaban la frontera y que las miliciasde Río Pardo estuvieran “sobre un pie de rigorosa disciplina”,perfectamente vestidas y armadas y superaran los 3.000 hombres.38

Las fuerzas veteranas

Hasta 1631 Buenos Aires basó su defensa exclusivamente en elservicio de milicia de los vecinos. Desde entonces contó además con“compañías de presidio”, tropas veteranas rentadas por la Real Hacienday que debían – supuestamente – reclutarse en la península. La presenciadel presidio era decisiva en la ciudad, tanto por su incidenciademográfica como mercantil. De este modo, su oficialidad era inseparablede la trama de poder de la ciudad.39

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38 Informe del subinspector general Marqués de Sobremonte, 1802, en BEVERINA, Juan, ElVirreinato…, Anexo 19, pp. 437-443.

39 TRUJILLO, Oscar, La rebelión de Portugal en Buenos Aires: elite, instituciones y poder político,Tesis de Maestría en preparación, Universidad Nacional de Luján, Capítulo 3.

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Para 1718 esas compañías fueron sustituidas por nuevas unidadesveteranas que sumaban unos 450 efectivos y que, en los años siguientesllegaron al millar. De este modo, en la década de 1740 puede estimarseque había en la ciudad un soldado veterano cada 12 habitantes. Esa tropaveterana en la década de 1760 llegó a oscilar entre 3.000 y 4.600 efectivosy era, sin duda, enorme para una ciudad que rondaba los 24.000habitantes. Algunos datos comparativos permiten advertirlo: era unadotación muy poco inferior a la novohispana, semejante a la de Cuba ysuperior a la de Lima-El Callao. De este modo, mientras Buenos Airesllegaba a tener un soldado cada 5,1 habitantes, La Habana contaba conuno cada 7,6 y Lima con uno cada 15,2.40 Dicho en otros términos, laimpronta militar en la vida de la ciudad había sido y seguía siendodecisiva.

Estas fuerzas eran casi completamente de infantería, a excepciónde unos 500 Dragones y de los 144 integrantes del cuerpo de Artillería.Sin embargo, en su mayor parte eran contingentes de refuerzo, como loscasi mil efectivos del Regimiento de Mallorca enviados en 1765. Sinembargo, para entonces, el estado de la tropa era dramáticamentedescrito por sus mandos. Por ejemplo, el virrey Vértiz recordaría añosdespués la impresión que le causó al hacerse cargo de su cargo deinspector general en 1768: las tropas “sólo tenían el nombre de tal” y elsoldado “asistía sólo al cuartel a dormir”. Pero había algo peor: esesoldado estaba

“acostumbrado a no recibir castigo por sus delitos, por no asistirsepuntualmente con el prest, formaba complot y se sublevaba con cualquierpretexto”.41

40 Los datos de las dotaciones hacia 1771 (Buenos Aires: 4682 efectivos, Cuba: 4.731 y Lima-El Callao: con 3.404) provienen de CAMPBELL, León “Cambios en la estructura…, p. 243.Los de población de SOCOLOW, Susan y HOBERMAN, Louisa. (comps.), Ciudades…, p.10.Una idea precisa acerca de la magnitud relativa de la dotación de Buenos Aires la ofrece elsiguiente dato: en 1762, antes de la reorganización militar que la tuvo por epicentro, LaHabana contaba con 2330 efectivos, es decir una fuerza semejante a la que dispondríaBuenos Aires en su regimiento de infantería. KUETHE, Allan, “Las milicias disciplinadas¿fracaso o éxito?, en ORTÍZ ESCAMILLA, Juan (coord.), Fuerzas militares en Iberoamérica,siglos XVIII y XIX, México, El Colegio de México/El Colegio de Michoacán/UniversidadVeracruzana, 2005, p.20

41 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 238. Esta rebeldía e indisciplina no era, por cierto,patrimonio exclusivo de los veteranos del Río de la Plata: MARCHENA F., Juan, “Sintemor de Rey…

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Para 1772 las fuerzas veteranas habían sido agrupadas en tresunidades: el nuevo regimiento de infantería de Buenos Aires, el deDragones y el del Artillería que eran considerados fijos y apenassuperaban los 1.100 efectivos. El gobernador atribuía esta situación aldilatado tiempo de servicio, las continuas deserciones, la escasez dereclutas y su avanzada edad. La situación, al parecer, mejoró un poco enlos años siguientes, sobre todo, después de la impresionante expediciónque comandó Pedro de Cevallos en 1776 con más de 9.000 hombres – lamayor de la historia colonial rioplatense- y que habría de derivar en laformación del Virreinato del Río de la Plata: a su regreso el comandantedispuso que quedaran agregados unos 800 hombres.42

De esta manera, hacia 1781 el Virreinato contaba con 2.505 efectivosveteranos. Pero, ¿cómo estaban distribuidos en su vasto territorio? En lacapital sólo había 341 (el 13,6%). A Charcas habían sido desplazados 310(12,3%) y en la costa patagónica había 171 (6,8%). En cambio, enMontevideo había 962 (38,4%). Conviene registrar que el total de tropasveteranas acantonadas en distintos puntos del territorio oriental eramayor pues había 341 en Maldonado (es decir, los mismos efectivos queen la capital) y 198 en Colonia. Sumaban, así, 1661 (el 66,3%). En contraste,las Misiones sólo contaban con 14 efectivos, Santa Fe apenas con 7,Córdoba sólo con uno mientras no había ninguno en el Paraguay.43 Estepatrón de distribución de la tropa veterana es por demás significativo yadvierte ante la realización de generalizaciones abusivas. La mayor partedel Virreinato carecía de tropas veteranas, en Buenos Aires su númerohabía decrecido sustancialmente y la mayor parte estaban en la BandaOriental y, particularmente, en Montevideo.

¿Cuánto cambió esta situación en los años siguientes? Convieneapuntar algunas de las evidencias disponibles. En 1789 se reorganizó elregimiento Fijo de Infantería dotándolo de tres batallones y con 2.067plazas asignadas. Para 1802 estaba establecido que debía haber 4.305efectivos pero sólo estaban cubiertas las plazas de 2.509 y dos añosdespués el faltante seguía superando los 2.000. Ahora, una parteimportante (1.460) estaba en Buenos Aires pero esta cifra resultaengañosa. 1.049 correspondían a un cuerpo veterano muy particular, el

42 BEVERINA, Juan, El virreinato…,pp. 201-203.43 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 418.

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de Blandengues que significaba el 41% de los veteranos realmenteexistentes en la jurisdicción. De esta manera, Buenos Aires, que se habíaconvertido en una de las capitales coloniales con más rápido crecimientodemográfico, había pasado a tener un veterano cada 27 habitantesmientras que en Montevideo esa relación puede haber sido de uno cada8. Para toda la Intendencia estaba previsto que hubiera 4.305 veteranospero la junta de guerra de 1805 calculaba que sólo contaba con 2.18544, esdecir, casi la misma dotación del Fijo de Infantería de Buenos Aires pocosaños antes. Era claro, entonces, que pese a los sucesivos planes el estadode las fuerzas veteranas en el Plata no mejoraba.

En buena medida, ello se debía a que el reclutamiento de estastropas afrontaba dificultades insalvables y bien lo demostraba elrecurrente faltante de efectivos para cubrir las plazas establecidas. Aquítambién se pretendió que esos veteranos fueran reclutados en lapenínsula pues, como afirmaba el virrey Vértiz en 1783

“la experiencia me ha manifestado que el reclutar en este país es deninguna utilidad […] y observé que, lejos de ser conveniente, era muyperjudicial, pues el que entraba desertaba al instante.”

Más aún, para 1800 el subinspector general debió suspender elaccionar de “las partidas de recluta” ante las generalizadas desercionesque afrontaba. De esta manera, mientras las autoridades imperialesinsistían en implementar un reclutamiento local, las virreinales preferíancubrir las plazas vacantes atrayendo voluntarios de las unidades derefuerzo antes de su regreso, plantar la bandera de recluta en la penínsulay, sobre todo, el envío de contingentes de reemplazo a lo que la Coronaera ahora completamente renuente. Es cierto que en 1783 se dispusoponer la bandera de reclutamiento en La Coruña y en 1802 los virreyespropusieron dejarla allí exclusivamente para reclutar infantes e instalarotras en diversos puntos de Andalucía para abastecer al regimiento deDragones. Su argumento no podía ser soslayado: la bandera en La Coruñano sólo era insuficiente sino que no había suministrado ningún reclutadurante la guerra de 1801 y por ello fue preciso intentar reclutamientoen Paraguay y Córdoba: pero, para decirlo con las palabras delsubinspector general

44 GOYRET, José, “Huestes…”, pp. 372-375.

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“sólo he podido conseguir no hacer mayor la baja y el desengaño de quetodo esfuerzo es en vano para promover en estos países la afición alservicio de soldado, por la abundancia de los efectos necesarios para lavida en la campaña y la libertad que ésta ofrece.”45

Esa recluta peninsular – se suponía – debía realizarse entre hombres“honorables” pero los resultados fueron bien distintos, entre otrosmotivos porque en 1773 se dispuso que fuera entre los incursos enprimera deserción entre quienes se seleccionasen los efectivos dereemplazo. Por estos y otros motivos, la estructura militar se convirtióen uno de los canales de la inmigración peninsular y los soldadosprovenían de las clases bajas, la mitad eran labradores y el resto ejercíatrabajos artesanales o de servicios.46

Esas dificultades en buena medida provenían de los montos delas remuneraciones y de los habituales atrasos con que eran percibidas.Según el virrey Vértiz

“El soldado de Infantería goza al mes de ocho pesos de pré; el de Caballeríay Dragones, nueve; unos y otros un peso de gratificación en lugar de laración que recibían en especie, de modo que el infante junta nueve pesosy el dragón diez; hoy, por los atrasos del Real Erario, se les suministra atodos media paga y gratificación ración; con lo que el soldado deInfantería percibe cinco pesos, y cinco y medio el de Caballería oDragones”. 47

En síntesis, el Río de la Plata tenía una experiencia militar colonialsignada por una intensa presencia de tropas veteranas, pero fue unapresencia inestable y de tendencia no sólo decreciente sino cada vezmás concentrada en Montevideo. Por tanto, la defensa de la capital, antesde 1806, ya descansaba en buena medida en las milicias. Fuera de ambasciudades sólo había reducidas fuerzas veteranas en Colonia yMaldonado. En el resto del territorio todo dependía de las milicias y delos Blandengues.

Esas fuerzas veteranas eran mayoritariamente de infantería y nose trataba de una excepcionalidad rioplatense. Por el contrario, en losejércitos del Rey la abrumadora mayoría de las tropas eran de infantería.

45 BEVERINA, Juan, El virreinato…, pp. 225-231y 437.46 PÉREZ, Mariana, “Los soldados - inmigrantes: el ejército como vía migratoria de los

peninsulares pobres al Río de la Plata durante el período tardo colonial”, ponenciapresentada a las VI Jornadas de AEPA, Neuquén, 14 al 16 de noviembre de 2001.

47 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 255.

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Se trata de un fenómeno más vasto que abarcó a casi todos los ejércitosde la época y que si había comenzado bajo el influjo de Federico dePrusia alcanzó su máxima intensidad durante la experiencia napoleónica.Lo mismo sucedía en América: así, en 1806 en la Nueva España sólo11% de las tropas veteranas eran de caballería y en Perú se reducían a laescolta del Virrey y a dos batallones asentados en Chiloé y Guayaquil.En este aspecto, el ejército de América era semejante al peninsular dondea la caballería pertenecían el 15% de los efectivos.48

En el Río de la Plata las fuerzas veteranas contaban con unareducida caballería, un regimiento de Dragones – que en rigor era unafuerza de infantería montada- y que hacia 1789 tenía una tropa de 720plazas, cuando hasta entonces eran 516. No sólo era, por cierto, unadotación de caballería veterana extremadamente reducida para lasexigencias que suponía la defensa de las fronteras indígena y portuguesasino que además no era plenamente de caballería. En este aspecto,también, las autoridades virreinales tenían una opinión diferente de lasimperiales y consideraban mucho más necesarios que a los Dragonesque a las tropas de infantería y hasta llegaron a proponer en 1805convertir el regimiento de infantería en dos de Dragones.49 Propuestasde este tipo iban se apartaban claramente de las concepciones estratégicasdominantes y aunque no fueron escuchadas por Madrid expresaban muyclaramente las exigencias rioplatenses.

Las soluciones tenían que ser locales y provinieron de los cuerposde Blandengues de la Frontera. Como lo recordaría años después LucioV. Mansilla el cuerpo “era más bien una especie de milicia rural, queuna tropa de línea” y constituía “una verdadera caballería ligera”.50

Inicialmente estaban armados con una carabina pero luego adoptaronla lanza como arma preferente y un machete que no tardó en serreemplazado por un sable común con vaina de latón. En un principio, se

48 ARCHER, Christon, El ejército… pp 381-382; LUQUI-LAGLEYZE, Julio M., “Por el Rey…,p. 33 y 149. GARCÍA CÁRCEL, Ricardo, El sueño…pp. 125-126. Hacia 1808, el ejércitoimperial contaba con 138.241 efectivos de los cuales 113.424 eran de infantería, 16.623 decaballería, 6.697 de artillería y 1.223 de ingenieros: CUENCA TORIBIO, José Manuel, LaGuerra de la Independencia. Un conflicto decisivo (1808-1814), Madrid, Encuentro, 2006, p. 20.

49 BEVERINA, Juan, El virreinato…, pp. 211-212.50 MANSILLA, Lucio V. “Dos palabras sobre la caballería argentina por el capitán don…”,

en La Revista de Buenos Aires. Historia Americana, Literatura y Derecho, Tomo II, BuenosAires, Imprenta de Mayo, 1863, pp. 67-68.

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trató de una milicia de caballería destinada a la defensa de la fronteracon los indios organizada en Santa Fe en la década de 1720 e implantadaen Buenos Aires a mediados de siglo, una decisión que expresaba elfracaso de una estrategia de defensa de las fronteras asentada en miliciasa ración y sin sueldo. Este cuerpo, solventado con fondos locales yreclutado entre la “gente del país”, terminó por ser convertidodefinitivamente en veterano en 1784 y se dispuso que contara con 600plazas (aunque pocas veces alcanzó efectivamente esa dotación) y quesu comandante oficiara al mismo tiempo de Comandante de la Fronterade Buenos Aires. Mientras tanto, la compañía de Blandengues de SantaFe también había sido convertida en veterana, en una fuerza “de sueldocontinuo, satisfecho por el ramo de arbitrios de aquella ciudad”.51 Laexperiencia, sino exitosa, la única posible – fue retomada por lasautoridades virreinales y en 1797 se formó el cuerpo de Blandengues dela Frontera de Montevideo y aquí el objetivo era con 800 plazas. Paraello, se procedió a disponer un indulto a vagos, cuatreros y desertoressalvo aquellos acusados de homicidio o de haber enfrentado con armasa las partidas celadoras e incluso – como decía Cipriano de Melo – “losmejores son los que han andado en el trajín clandestino”, aunque ellostambién tendrían que presentarse al menos con seis caballos.52 Aún así,para 1802 a este cuerpo le faltaba el 50% de sus efectivos y la situaciónno habría de mejorar en los años siguientes.

Como puede verse, entonces, todos los cuerpos veteranosindependientemente de sus características, afrontaron insuperablesproblemas de reclutamiento. Pero, aún así, para defender esas vastasfronteras las autoridades solo podían apelar a los Blandengues.Obviamente, las unidades de caballería de lanceros no eran ni una novedadni exclusivas del Río de la Plata53 pero aquí parecen haber adquirido una

51 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 217.52 PIVEL DEVOTO, Juan, Raíces coloniales de la revolución oriental de 1811, Montevideo, 1952,

pp. 36-37.53 Por ejemplo, había en Veracruz siete escuadras destinadas a vigilar las costas que sumaban

unos 1000 hombres reclutados entre blancos, mestizos, pardos y morenos libres, en sumayor parte agricultores: DE LA SERNA, Juan Manuel, “Integración e identidad, pardosy morenos en las milicias y cuerpos de lanceros de Veracruz en el siglo XVIII”, en ORTÍZESCAMILLA, Juan (coord.), Fuerzas militares en Iberoamérica, siglos XVIII y XIX, México, ElColegio de México/El Colegio de Michoacán/Universidad Veracruzana, 2005, p. 61-74 yJUÁREZ MARTÍNEZ, Abel, “Las milicias de lanceros pardos en la región sotaventinadurante los últimos años de la colonia”, idem, pp. 75-91.

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relevancia particular y la experiencia de los Blandengues es interesanteporque ilustra con suma claridad acerca de la existencia de formas híbridasque no pueden reducirse a una dicotomía entre veteranas y milicianas. Asu vez, porque esta experiencia anticipa tanto un proceso que más tardeserá decisivo (la necesidad de transformar fuerzas milicianas en veteranas)como la extrema dificultad para organizar una caballería veterana conestos endebles precedentes coloniales.

Para operar esa transformación no sólo debía modificarse el statuslegal de las tropas. También debía resolverse el espinoso problema delfinanciamiento de una fuerza de servicio permanente y remuneracióncontinua. La solución implementada no podía ser más sugestiva: enBuenos Aires y Montevideo los costos fueron afrontados por laimplantación del llamado ramo de guerra (un impuesto sobre lasextracciones de cueros) y en Santa Fe apelando a los arbitrios de la ciudad.Se esperaba, de este modo, conformar una fuerza veterana de caballeríasujeta al comando de autoridades superiores pero sostenida localmentey reclutada entre los “hijos del país”.54

Esa transformación suponía también la necesidad de modificar sudistribución, armamento y entrenamiento. Durante su fase miliciana losBlandengues habían sido una fuerza de lanceros móvil y sin acantonamientofijo. La reorganización del cuerpo a partir de la década de 1750 supuso uncambio en la forma de practicar el servicio que pasó a realizarse en y desdelas nuevas guardias de frontera que comenzaron a organizarse y que secompletaron a fines de la década de 1770. La pretensión de dotarlos dearmas de fuego, en cambio, quedó incumplida y no es extraño pues era unadificultad permanente y característica en un territorio donde “no hay espadasni aun para dos Regimientos, ni carabinas.”55

54 La utilización por parte de los gobernadores y luego de los intendentes de recursos localespara sostener fuerzas que cumplieran misiones que excedieran el plano de la defensalocal no sólo creaba instancias de autoridad que quedaban en principio fuera de la influenciade los notables del lugar sino que era vista como un agravio a sus derechos y privilegios yno dejó de concitar resistencias. Lo sucedido al gobernador del Tucumán en 1767 fue, eneste sentido, paradigmático y expresa la resistencia a una reforma miliciana que empleabalos milicianos para planes de defensa más general pero apropiándose de recursos locales:PAZ, Gustavo, “La hora del Cabildo: Jujuy y su defensa de los derechos del ‘pueblo’ en1811", en Fabián HERRERO (comp.), Revolución. Política e ideas en el Río de la Plata durante ladécada de 1810, Buenos Aires, Ediciones Cooperativas, 2004, pp. 149-166.

55 Informe del subinspector general marqués de Sobre Monte, 1802, en BEVERINA, Juan, Elvirreinato…, p. 442.

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Pero además, la transformación de los blandengues en veteranosno traía consigo la disminución de las exigencias que recaían sobre lasmilicias para la defensa de las fronteras. Dado que los tres cuerpos deBlandengues (el de Buenos Aires, la compañía de Santa Fe y elMontevideo) debían sumar unos 1.500 hombres (a los que cabría agregaruna “compañía de partidarios” de 100 plazas que estaba situada en lafrontera de Córdoba56) eran insuficientes para asegurar la defensafronteriza, ésta seguía descansado en las milicias rurales.57 Aún así, dadoque el resto de las fuerzas veteranas estaban concentradas en algunospuntos precisos, en la mayor parte de las zonas rurales los Blandenguesfueron las únicas fuerzas veteranas existentes. Era preciso, por tanto,elegir entre ellos a quienes entrenaran y disciplinaran a las milicias ruralesy el comandante del cuerpo en Buenos Aires era, al mismo tiempo, elComandante de Frontera y el jefe de las milicias de campaña. Pero eran,una fuerza muy poco veterana, por cierto.

Pese a todas sus peculiaridades el reclutamiento reproducía lasmismas dificultades que afrontaban los otros cuerpos y por más que lasdisposiciones oficiales establecieron que los integrantes de las compañíasdebían ser gente de “honrado nacimiento y buenos procederes” en lapráctica los reclutas provenían de los sectores sociales más bajos de lacampaña y particularmente de los inmigrantes del interior sujetos a laleva. De este modo, si la tropa veterana de origen peninsular terminóreclutándose en los sectores bajos de la población española, losBlandengues estuvieron integrados mayoritariamente por migrantesinternos y campesinos y reconocimiento sin arraigo social. Frente a unosy otros, los milicianos podían expresar otras aspiraciones aunqueimprobablemente fueran todos vecinos honorables. Esta escasahonorabilidad del servicio veterano sin duda debe haber influido en lasdificultades de reclutamiento. Y a ellos se sumaban otros problemas: sibien la remuneración prometida era relativamente alta, el blandengue

56 Los “partidarios” eran milicianos de origen campesino que guarnecían la extensa fronterade la antigua Gobernación del Tucumán con el Chaco.

57 MARFANY, Roberto, “El cuerpo de Blandengues de la Frontera de Buenos Aires (1752-1810)”. Humanidades. La Plata. Tomo XXIII, 1933, pp. 313-374 y MAYO, Carlos y AmaliaLATRUBESSE, Terratenientes soldados y cautivos: la frontera 1736-1815, Mar del Plata,Universidad Nacional de Mar del Plata, 1993. NÉSPOLO, Eugenia, “La “Frontera”bonaerense en el siglo XVIII un espacio políticamente concertado: fuertes, vecinos, miliciasy autoridades civiles-militares”, en Mundo Agrario, Vol. 7, N° 13, 2006.

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debía costearse el uniforme, alistarse con sus propios caballos y pagarsela manutención al tiempo que recibía su paga en forma irregular y condescuentos. En este aspecto, también los Blandengues eran un cuerpoveterano muy peculiar que mantenía varios de los aspectos distintivosdel servicio de milicia.

Dragones y Blandengues eran unidades de naturaleza diferentes.Según el Diccionario de la Real Academia de 1780 el Dragón era una “clasede soldados, que aunque van montados tienen obligación de desmontarsey pelear a pie como la infantería cuando se les mandare, por lo cual nocalzan botas fuertes como los soldados de a caballo” y en 1803 lo definíacomo un “Soldado que hace el servicio igualmente a pie que a caballo”.En tal sentido, los Dragones eran una tropa que requería una especialpreparación y un armamento acorde con esta versatilidad. En cambio,el Blandengue era definido en 1803 como “Soldado armado con lanza,que defiende los límites de la provincia de Buenos Aires”. Si los Dragoneseran un cuerpo que provenía de la experiencia militar europea, losBlandengues emergían del medio local y las habilidades que requeríasu desempeño como su armamento lo expresaba con claridad.

Había, además, otros motivos para que las autoridades locales seinclinaran a fomentar los Blandengues en lugar de ampliar lostradicionales Dragones: sus oficiales cobraban sueldos menores, igualesa los de la infantería (un capitán de Dragones cobra 80 $ mensuales y losde infantería o de Blandengues 50$) y servían “en caballos propios” (aligual que las milicias) mientras a los Dragones se los debía dar la RealHacienda. Si bien el soldado blandengue tenía un prest superior al infante“este exceso queda compensado con que está obligado a vestirse, a comery a montar siempre caballos propios, no debiendo tener menos decinco”.58 En estas condiciones no sorprende que se recomendara reclutarcomo Blandengues a hombres casados ni la dificultad para lograrlo.

Las dificultades para contar con fuerzas de caballería no eran pocas,empezando por la provisión de caballos. Entre los Dragones los caballoseran provistos por la Real Hacienda y hasta 1780 su reposición era

58 AZARA, Félix de, “Informe sobre la nueva constitución de las tropas del Río de la Platapropuesta por el virrey” en Memorias sobre el estado rural del Río de la Plata en 1801, demarcaciónde límites entre el Brasil y el Paraguay a últimos del siglo XVIII e informes sobre varios particularesde la América meridional española. Escritos póstumos de Don Félix de Azara, Madrid, Imprentade Sanchos, 1847, pp. 98-103 (p. 100-101).

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resuelta por una partida que administraba el comandante de la unidad.A partir de entonces, se dispuso que la reposición debía quedar a cargode las “estancias del Rey” aunque es dudoso que hayan podido cumpliresta misión: para 1794, por ejemplo, la que existía en la Banda Orientalsólo contaba con 583 caballos.59 En tales condiciones, la provisión decaballos siguió dependiendo de la propia tropa o de los auxilios que seimponía a los pobladores de la campaña. Por lo tanto, no es casual quelos Blandengues tuvieran estipulada la obligación de comprar, mantenery renovar sus caballos y que los milicianos estuvieran obligados a acudiral servicio con caballos propios. Más aún, los aperos de montar queusaban Dragones, Blandengues y milicianos debía ser costeados por latropa.

Un informe de 1790 nos ofrece una imagen bastante precisa de losdiferentes cuerpos veteranos. El Regimiento de Infantería de BuenosAires – que en realidad prestaba servicio sobre todo en Montevideo yotras parajes orientales – estaba sostenido por la Real Hacienda y parasu recluta se consideraba que “no se puede contar con la gente del país”por lo que se apelaba a la “saca” de individuos de otros cuerpos quehabían estado en estas provincias y a la partida de reclutamientoestablecida en La Coruña. El de Dragones, también era sostenido por laReal Hacienda, reclutado del mismo modo pues se señalaba que “espoca la gente del país que puede admitirse en las calidades que serequieren”. Y lo mismo sucedía con las asambleas de infantería ycaballería encargadas de entrenar a las milicias. En cambio, losBlandengues de Buenos Aires se sostenían con el llamado ramo de guerraque provenía de un descuento de dos reales por cuero que fueraexportado mientras que la compañía de Blandengues de Santa Fe lo hacíagracias a los arbitrios de esa ciudad. En ambos casos, se reclutaban entre“gente del país”, la tropa debía costearse su vestuario y comprar ymantener sus caballos.60

Las fuerzas veteranas en el Río de la Plata, entonces, ofrecían unpanorama bastante claro: habían llegado a tener una dimensiónsignificativa en las décadas de 1760 y 1770 impactando notablemente enla vida de las ciudades de Buenos Aires y Montevideo. Pero luego la

59 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 252 y 431.60 BEVERINA, Juan, El virreinato…, Anexo 22, pp. 450-452.

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tendencia fue francamente decreciente, sobre todo desde 1787 cuandola corona dispuso suspender el envío de unidades de reemplazo.Predominaba entre ellas la infantería pero menos de lo que seacostumbraba; esa infantería había sido reclutada mayoritariamente enla península mientras que la mayor parte de la caballería veteranaprovenía de los Blandengues y era reclutada localmente. A su vez, casila totalidad de la infantería veterana estaba concentrada en Montevideoy Buenos Aires y su incidencia siguió siendo mucho mayor en la primeraque en la segunda.

La concentración de las fuerzas veteranas en ambas ciudades noobedecía sólo a las razones que dictaba la estrategia. Las autoridadesmilitares locales tenían muchas quejas de los veteranos disponibles yadvertían con claridad los efectos que traía dispersarlos por distintospuntos de la campaña. Por ejemplo, en 1790, Olaguer Feliú – por entoncessubinspector general- la describía como una tropa estaba “sin instrucciónalguna”, que estaba dedicada a

“ocupaciones muy ajenas a su instituto, inutilizan en poco tiempo suvestuario, pierden la subordinación y no se puede decir con verdad queson soldados, sino unos peones de campo, separados enteramente detoda instrucción militar.”61

La situación parece haber empeorado en los años siguientes y lasdramáticas experiencias de las invasiones inglesas lo pusieron demanifiesto. Por eso el Cabildo de Buenos Aires se quejaba de unosoficiales subalternos que “han hecho su carrera en el pasatiempo, el juego,el baile, el paseo” y de una escasez de tropas que había adquirido talmagnitud que tanto el regimiento Fijo de Infantería como los Dragonesy los Blandengues tenían tantos oficiales como soldados.62 La defensafrente a las invasiones, en consecuencia, debía descansar en las milicias.

Las milicias coloniales

Pero, ¿qué sucedía con las milicias? Desde el siglo XVI el serviciomiliciano había descansado primero en los encomenderos y sus clientelasy luego en el conjunto de los vecinos y sus dependientes. En Buenos

61 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 238.62 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 238.

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Aires, y la mayor parte del espacio que abarcó su Intendencia, laincidencia de las encomiendas fue muy limitada por lo que el serviciorecayó desde un comienzo en los batallones de “Voluntarios españoles”y de “Forasteros”, en gran parte portugueses. En los primeros recaía elservicio de Dragones y en los segundos el de infantería. De este modo,la estructura miliciana tradicional reproducía la de los cuerpos veteranos.

Sin embargo, dada su condición de frontera abierta, las reiteradasamenazas de incursiones extranjeras y su historia de confrontación conlos portugueses, se forjó en el espacio litoral una tradición milicianamucho más diversa que abarcaba a amplios sectores de la sociedad. Esatradición tenía improntas precisas que habrían de perdurar: eran fuerzasdestinadas a la defensa local, estaban integradas localmente, eransostenidas por los vecinos que, además, tenían la facultad de “elegir” asus jefes.

Como en todo el virreinato peruano, en 1764 comenzó sureorganización dentro de una concepción según la cual las fuerzasveteranas debían funcionar como “cabeza” de las llamadas “miliciasprovinciales” y era en ellas en las cuales debía descargarse el peso de ladefensa. Esas milicias pasaron a denominarse Cuerpos de MiliciasProvinciales y la estrategia oficial consistió en impulsar la formacióndel mayor número que fuera posible y asignarles el goce del fuero a susoficiales.63 En función de esta política se estableció que hubiera en laciudad de Buenos Aires un “Batallón de Españoles” de infantería y uncuerpo de 168 “negros libres”; también se formaron diversas unidadesmilicianas de caballería: una de 400 “pardos”, otra de 300 “indiosguaraníes”, otra de 300 “indios ladinos” así como un “RegimientoProvincial de Caballería” compuesto de 1.200 efectivos y para cuyoalistamiento se estipulaba que debía procurarse que “la gente de cadaCompañía se aliste por calles y barrios los más cercanos entre sí”; porúltimo, se estableció que hubiera también 100 milicianos sirviendo en laartillería y 60 en la maestranza, lo que hacía un total previsto para ladefensa de la ciudad de 3.379 efectivos de milicias. Para la frontera conlos indios se dispuso que existieran “compañías sueltas” de caballería(esas compañías de reserva y sin entrenamiento militar y uniforme a lasque se recurría cada vez con mayor frecuencia) con 2.198 hombres (695

63 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 239 y 263-266.

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en Conchas, 632 en Luján, 380 en Arrecifes y Pergamino, 220 en Matanzay 271 en Magdalena). De esta manera, para la década de 1760 se esperabaque hubiera en la ciudad una cantidad semejante de efectivos veteranosy milicianos, lo que indica el peso notable que los primeros seguíanmanteniendo en la estructura defensiva a pesar de esta primerareorganización de las milicias y la intención de multiplicar al máximoposible sus cuerpos. Además, debía haber 600 milicianos en Montevideo,1.524 en Santa Fe, 500 en Corrientes y 300 en Soriano, Víboras y Rosariodel Colla.64 La futura Intendencia, entonces, debía contar con unos 7.600milicianos alistados.

La constitución de unidades milicianas integradas por pardos,mulatos y libertos no era, por cierto, una excepcionalidad rioplatense yexpresaba tanto la propia historia colonial como el modo en que setraducía en las colonias los reglamentos milicianos peninsulares. En elárea caribeña se remonta a finales del siglo XVII pero fue durante lareforma militar borbónica que se constituyó en una de sus facetas másextendida y más conflictiva en la medida que abrió canales de ascensosocial.65 La peculiaridad rioplatense, en todo caso, parece haber resididoen otro aspecto: la importancia que durante mucho tiempo tuvieron lasmilicias de indios guaraníes. Su movilización para defender BuenosAires, Colonia del Sacramento o Montevideo había sido frecuente y seapoyaba en la capacidad jesuita de organizar una extendida estructuramiliciana en las misiones que llegó a movilizar en algunos momentosentre 3.000 y 7.000 hombres. Sin embargo, los jesuitas resistían estasprestaciones y desde la década de 1740 el crecimiento que tuvieron otrasfuerzas milicianas hizo menos necesario recurrir a su colaboración.66 Más

64 En 1771 las milicianos de caballería de la campaña de Buenos Aires eran 2.087: BEVERINA,p. 272-275; Reseña Histórica…, pp. 82-86

65 BELMONTE POSTIGO, José L., “El color de los fusiles. Las milicias de pardos en Santiago deCuba en los albores de la revolución haitiana”, en CHUST, Manuel y MARCHENA, Juan(eds.), Las armas de la Nación. Independencia y ciudadanía en Hispanoamérica (1750-1850),Iberoamericana, pp. 37-52. VINSON III, Ben, “Los milicianos pardos y la construcción de laraza en el México colonial”, en Signos Históricos, N° 4, 2000, pp. 87-106. DE LA SERNA, JuanManuel, “Integración e identidad, pardos y morenos en las milicias y cuerpos de lanceros deVeracruz en el siglo XVIII”, en ORTÍZ ESCAMILLA, Juan (coord.), Fuerzas militares enIberoamérica, siglos XVIII y XIX, México, El Colegio de México/El Colegio de Michoacán/Universidad Veracruzana, 2005, p. 61-74 y JUÁREZ MARTÍNEZ, Abel, “Las milicias de lancerospardos en la región sotaventina durante los últimos años de la colonia”, idem, pp. 75-91.

66 MORNER, Magnus, Actividades políticas y económicas de los jesuitas en el Río de la Plata,Buenos Aires, Hyspamerica, 1985, p. 124.

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aún, después de la guerra guaranítica de 1754 – cuando para derrotar alos pueblos sublevados los españoles debieron movilizar unos 2.000efectivos y los portugueses unos 3.00067- las autoridades prefirieronapelar lo menos posible a este tipo de milicias. Y menos pensaron enhacerlo después de la expulsión de la Compañía en 1767. Esas miliciasindígenas eran la expresión de un fenómeno más amplio que excedía elaccionar jesuita y había militarizado extremadamente a la poblacióncampesina del Paraguay al punto que hacia 1760 el 25% de los varonesparaguayos debía cumplir con este servicio.68 La intensa experienciamiliciana de los pueblos misioneros incluía otra dimensión que no puedeser pasada por alto y que continuó después de la expulsión: elhispanizado sistema de gobierno impuesto a estos pueblos incluía nosólo la elección de los miembros de sus cabildos sino que anualmentetambién debían designarse “todos los empleos militares”, los decuidadores de faenas y los maestros de oficio “de modo que en cadapueblo pasan de 80 y aun de 100 los que ocupan oficios, y si el pueblo escorto, todos se vuelven mandarines, y quedan pocos a quien mandar” eincluso “a los ejecutores de las prisiones y castigos llaman sargentos”.Más aún, el día de año nuevo se les entregaba las varas y bastones a losalcaldes y demás cabildantes “y a los oficiales militares las insigniascorrespondientes”.69 De este modo, desde tiempos jesuitas, el Río de laPlata forjó una tradición de formación de milicias auxiliares integradaspor grupos indígenas y que eran movilizadas a larga distancia.

Una década después la jurisdicción de Buenos Aires mantenía losniveles de alistamiento que ya había alcanzado y para 1774 contaba con

67 HENIS, Tadeo Xavier, “Diario histórico de la rebelión y guerra de los pueblos guaranís,situados en la costa oriental del río Uruguay del año 1754”, en de Angelis, Pedro, Colecciónde Obras y Documentos relativos a la Historia Antigua y Moderna de las Provincias del Río de laPlata, Tomo Quinto, Buenos Aires, Imprenta del Estado, 1836, p. 44. AVELLANEDA,Mercedes y QUARLERI, Lía, “Las milicias guaraníes en el Paraguay y el Río de la Plata:alcances y limitaciones (1649-1756)”, en Etudos Iberoamericanos, Vol. XXXIII, N° 1, 2007, pp.109-132.

68 GARAVAGLIA, Juan C., “Campesinos y soldados: dos siglos en la histo-ria rural delParaguay”, en Garavaglia, Juan C., Economía, sociedad y regiones, Buenos Aires, De la Flor,1987, pp. 193-260.

69 DOBLAS, Gonzalo de, “Memoria histórica, geográfica, política y económica sobre laProvincia de Misiones de indios guaranis”, 1785, en Pedro de Angelis, Colección de Obras yDocumentos relativos a la Historia Antigua y Moderna de las Provincias del Río de la Plata, TomoTercero, Buenos Aires, Imprenta del Estado, 1836, pp. 42-43.

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7.471 milicianos alistados, 6.122 españoles y 1.243 de las castas sin contarel aporte que pudieran ofrecer los pueblos de las misiones. Sin embargo,las autoridades virreinales que sostenían que podían suministrar un“poquísimo socorro” en caso de invasión por lo que insistían en lanecesidad de contar con “tropas regladas”. De acuerdo a su descripciónen 1781

“La mayor parte de esta gente aborrece el servicio, la sujeción y vidaculta, porque reina en ellos la desidia y son naturalmente vagantes:rehusan concurrir a las salidas contra los enemigos, aun citados para supropia defensa, la de su casa, familia y hacienda, y en campaña no tienelímite su deserción, particularmente los solteros por la facilidad con quesubsisten en los campos por la abundancia de caballos, ganado y caza.Sobre este pie han vivido en lo pasado y, a corta diferencia, en lo presente,sin que basten amonestaciones, amenazas y castigos para evitar su fuga,la falta de disciplina, la inobediencia y la relajación en todo. Cuandofuesen éstas de mejor calidad, no se puede contar con ellas en la actualidadpara socorrer esta banda […se refiere a la Banda Oriental…] porque lamayor parte está avecindada en la frontera, que es dilatada y fácil ainvadir por diversos caminos distantes entre sí.”70

Este diagnóstico expresa con suficiente claridad varias de lasdificultades que hallaba la organización de la defensa en base a lasmilicias y los limitados resultados que se habían alcanzado al comenzarlos años 80 con su reorganización en la década de 1760. Sin embargo, nopor ello las milicias dejaban de ser un aspecto central en las estructurasde poder local.71 A ese nivel los grados milicianos eran parte inseparablede los honores que definían el status de los vecinos a pesar de la extremadificultad que se presentaba para uniformar a las milicias. Pese a todo,las evidencias sugieren que las unidades milicianas de caballería gozabande una cierta distinción. No era una novedad, por cierto, ya que hasta ladécada de 1760 a los batallones de infantería estaban destinados losforasteros mientras en la caballería servían los “vecinos españoles”, alpunto que en 1772 el regimiento de caballería miliciano fue depurado“de ciertos oficiales contraídos a ocupaciones y comercios menudos,repugnantes a tal distinción”, como recordaría el virrey Arredondo en

70 Borrador de oficio del virrey Vértiz al ministro Gálvez, Montevideo, 30 de abril de 1781,en BEVERINA, Juan, El virreinato…, Anexo 13, pp. 413-418.

71 ARECES, Nidia, “Milicias y faccionalismo en Santa Fe, 1660-1730”, en Revista de Indias,Vol. LXII, N° 226, 2002, pp. 585-614; GONZÁLEZ, Marcela, Las milicias, origen y organizacióndurante la colonia, Centro de Estudios Históricos, Córdoba, 1995.

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1790. Para entonces algunos de aspectos habían cambiando poco: en 1784todavía el cuerpo de infantería estaba integrado en gran parte porforasteros y “gente ambulante”.72 De esta manera, las evidencias sugierenque mientras las concepciones estratégicas imperantes tendían aprivilegiar a la infantería frente a la caballería – y la decisión de hacerdescansar las fuerzas de caballería en las milicias era una de susexpresiones – las prácticas milicianas locales seguían asignando un lugarde mayor distinción a los cuerpos de caballería.

La existencia de distintos tipos de milicias traía aparejada lanecesidad de su distinción y, en este sentido, la carencia de uniformesno era un problema menor. Así lo ponía en evidencia el plan que habíapresentado el virrey Arredondo en 1793 que limitaba a los oficiales ysargentos el uso obligatorio del uniforme mientras que preveía que loscabos y soldados pudieran prestar servicio “en su traje de paisanos”;para distinguirlos, por lo tanto, el virrey estipuló que

“para que los cabos y soldados sean conocidos como milicianos reglados,deberán usar siempre de cucarda encarnada en el sombrero, a excepciónde los Blandengues Provinciales, que deberían usar de una cinta deestambre o cerda encarnada y cosida en la copa del sombrero redondoque acostumbran usar.”73

A juzgar por las evidencias posteriores se trató de prácticas quearraigaron profundamente y fueron perdurables reapareciendo en lasmontoneras decimonónicas.

Aún así, el esfuerzo de las autoridades estuvo orientado aconformar las milicias de caballería de campaña, un cuerpo que hacia1780 comprendía 45 compañías sueltas y 2.300 efectivos “sin vestuariomilitar” y para cuyo alistamiento se recurría a “todas las gentes capacesde tomar armas en la campaña” y que se organizaban por partido bajo elmando de un Sargento Mayor.74 Esta organización seguía vigente para1800 y los informes imperiales lo registraban con claridad:

“En la Campiña de Buenos-Ayres estan alistados todos los hombrescapaces de tomar las armas, repartidos en Cuarenta y cinco Compañías,sin vestuario militar y a cargo de un Sargento Mayor de Miliciasdomiciliado en el mismo Partido, y acuden a oponerse a los indios infieles

72 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 277-279.73 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 251.74 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 282.

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quando intentan atacar las haciendas de la Frontera, su fuerza es mayoro menor según lo poblado del Partido, pues todos son Soldados.”75

“Todos son soldados”… la expresión no podría ser mássignificativa y pone de manifiesto que, a pesar de las quejas recurrentesde las autoridades, la extensión del servicio miliciano había cobradouna enorme amplitud. Lo que interesa destacar, entonces, es que el Ríode la Plata había desarrollado una tradición de caballería veterana dematriz miliciana – en rigor cabría decir que ésta la era la verdaderatradición de caballería – y a la vez contaba con una extendida tradiciónmiliciana que asignaba un también un lugar relevante a la caballería, sehabía desarrollado en buena medida al margen del control de lasautoridades militares y era comandada y sostenida localmente. Hay algomás, a pesar de muchos criterios y valores de la época, estascircunstancias hacían difícil que el servicio de caballería supusiera unalto grado de honorabilidad.

Una cuestión no ha sido evaluada suficientemente: ¿hasta quépunto avanzó el nuevo régimen de milicias disciplinadas? Las evidenciasdisponibles sugieren que lo hizo en forma limitada y dispar. Por lopronto, la confianza que en ellas tenían las autoridades era mínima y nodejaban de señalar reiteradamente que los milicianos “aborrecen lasujeción, la obediencia y la disciplina, son propensos al complot yrebelión” y que “En campaña no tiene límite su deserción, llevándose aveces la caballada.”76 Virreyes como Vértiz eran conscientes que enmuchos regimientos “sólo existían sus planas mayores, pues los soldadoseran imaginarios, o donde mas, gente alistada en el papel” al punto quehabía llegado a la conclusión que “tanto número de milicianos alistadossirven sólo de confusión”. En estas condiciones, el programa que impulsódurante su gobierno (1778-83) incluyó la concentración en unos pocosregimientos disciplinados. Sin embargo, también tomó otra decisión.

“el resto del vecindario le redujese a cuerpos de milicias urbanas, al modoque las hay en España, para emplearlas sólo en el último caso.”77

75 Estado Militar de España. Año de 1801, p. 143. Disponible en: http://hemerotecadigital.bne.es/

76 BEVERINA, Juan, El Virreinato…, p. 280.77 BEVERINA, Juan, El Virreinato…, p. 284. No muy distinta era la situación en las provincias

interiores del Virreinato al punto que a principios de la década de 1790 el Inspector Generalsostenía que en ellas no había “cuerpo alguno formal, sino una multitud de Oficiales sintener a quien mandar”; p. 294.

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Esta evidencia es importante pues muestra que a mediados de ladécada de 1780 si bien las autoridades virreinales no renunciaban alobjetivo de instaurar el sistema de milicias disciplinadas habían optadotambién por fomentar el régimen de milicias urbanas. Y esta situaciónhabría de perdurar. Así, para 1790, el Inspector General seguíasosteniendo que “para proceder al establecimiento de las Milicias deesta Provincia es indispensable un dato conocido del número de sushabitantes y de las calidades de ellos”, recordaba que las instruccionesde 1764 estipulaban que se formase el mayor número de cuerpos posibley calculaba que los efectivos milicianos alistados eran 5.070.78 Pero ¿quéclase de milicias eran, entonces, las que existían hacia 1790? Las dudasal respecto no invaden sólo a los historiadores…

En su informe Olaguer Feliú señalaba: “Estas milicias no tienendeclaración de regladas ni de urbanas”, es decir, no tenían un estatutoclaramente definido. A pesar de ello, – advertía – “parece que debenreputarse en esta última clase” puesto que “no tienen empleo ni plazacon sueldo” pero “tienen Asambleas veteranas de sueldo continuo parasu instrucción, en que se ejercitan todos los domingos en que el tiempolo permite”. Recordaba también que una Real Orden del 15 de marzo de1781 estableció el goce del fuero militar para los oficiales, sargentos ycabos pero exceptuó a los soldados “porque estando alistado todos losque son capaces de tomar las armas, quedaría sin autoridad la jurisdicciónReal ordinaria”. Por tales motivos, y frente a la “necesidad de hacerapreciables a los sujetos de más distinción y comodidad los empleos deestas Milicias” proponía una solución: que “se declaren en la clase deregladas”.79 La reforma miliciana, por tanto, seguía en ciernes para 1790.

La cuestión, por supuesto, no se limitaba al virreinato platensesino que abarcaba a todos los dominios coloniales: por eso, en 1791 laCorona dispuso que los cuerpos formados sin su expresa aprobación notendrían derecho a gozar del fuero.80 Resulta claro, entonces, que para1790 la reforma de las milicias era una tarea pendiente, que ambossistemas de milicias continuaban vigentes y que de alguna manera lasdecisiones de las autoridades acentuaron esta coexistencia y terminaron

78 BEVERINA, Juan, El Virreinato…, p. 296-297 y Anexo 2579 BEVERINA, Juan, El Virreinato…, p. 45480 VALLECILLO, Antonio, Ordenanzas de S. M. para el régimen, disciplina, subordinación y servicio

de los ejércitos, Tomo III, Madrid, Imprenta de Andrés y Díaz, 1854, p. 52.

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por contribuir a limitar la reforma miliciana. Para 1793 la estrategia decontención del gasto fiscal comenzaba a hacerse sentir con mayorintensidad y la Corona ya había suspendido la remisión de contingentesveteranos de reemplazo lo que acentuaba la escasez de oficiales paradisciplinar las milicias. Más aún, poco después suprimió los núcleosveteranos que conformaban las asambleas.

A contramano de esta situación el plan de milicias que en 1793presentó el virrey Arredondo para la jurisdicción de Buenos Airesestablecía la adopción del reglamento cubano de milicias – algo que, enrigor, ya se había establecido en 1769 – pero, aclarando, “en cuanto lopermitan las circunstancias locales del país”; proponía que el númerode compañías urbanas no debía ser fijo sino de acuerdo al “sobrante demozos después de alistadas las Milicias regladas” (ratificando así laexistencia de un doble régimen miliciano) y recomendaba establecercuerpos de Blandengues Provinciales “a imitación de los que hay defrontera”, con lo que no hacía sino profundizar las dualidades pues estabafomentando cuerpos milicianos de Blandengues en la misma época quelos antiguos habían sido transformados en cuerpos veteranos. Su planpreveía alistar 6.362 milicianos distribuidos del siguiente modo: 4.162de “milicias regladas” (1.720 de infantería y 2.442 de caballería) y 2.200de “milicias urbanas”. Para la ciudad de Buenos Aires preveía laexistencia de 1.654 milicianos “disciplinados” y 300 “urbanos” y paraMontevideo de 1.308 “disciplinados” y 150 “urbanos”. En el resto de laszonas, en cambio, la pretensión de contar con milicianos disciplinadosera mucho más modesta: para la campaña y frontera de Buenos Aires sequería alistar 640 disciplinados y 1.200 urbanos; en Santa Fe, 200 y 150;en Corrientes, 100 y 100; en Gualeguay, Soriano, Víboras/Espinillo, 60 y50; en Colonia/Rosario, 30 y 50; y en Maldonado/Minas/San Carlos, 50y 100. Cabe señalar algo más: en todos estos casos las miliciasdisciplinadas debían ser de caballería y corresponderían a losdenominados Blandengues Provinciales.81 El plan se apartaba de lasdirectivas metropolitanas y no fue aprobado. Aún así resulta de interésconsiderarlo pues pone claramente en evidencia el juego de espejos quelo inspiraba: así como las milicias debían asemejarse a los cuerpos

81 BEVERINA, Juan, El Virreinato…, p. 301.

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veteranos que habrían de auxiliar, lo mismo sucedía entre los dos tiposde milicias y entre los Blandengues.

Si este plan era ambicioso no se quedó a la saga el que sí fueaprobado en 1801 y que estableció un reglamento para las miliciasdisciplinadas para todo el virreinato. Se pretendía conformar una fuerzade 14.141 hombres, de los cuales 6.160 corresponderían a la Intendenciade Buenos Aires. El alistamiento debía abarcar a todos los hombreshábiles entre 16 y 45 años quedando a decisión del Virrey el tiempo deservicio. ¿Sería una fuerza de servicio continuo o sólo esporádicamentesería convocada? Tanto por razones financieras como de defensa perotambién políticas, parece haberse preferido dejar la decisión en manosdel Virrey. A su vez, se establecía que el comando de los regimientos yescuadrones de caballería estaría a cargo de personal miliciano, en claroreconocimiento de las dificultades para proveerlos de una plana mayorveterana. Como vemos, se esperaba contar con una fuerza miliciana parala Intendencia que era menor a lo previsto cuatro décadas antes pese alnotable incremento de la población. Sin embargo, el plan era muyambicioso pues pretendía que todas esas milicias fueran disciplinadaspor lo que puede afirmarse que significaba la pretensión de llevarefectivamente adelante la incompleta reforma de las milicias.

Pero es muy dudoso que pudiera llevarse a cabo. Por lo pronto,para Buenos Aires y para Montevideo preveía la misma cantidad demilicianos cuando la población de la primera era cuatro sino cinco vecesmayor que en la segunda. Por otra parte, el mismo reglamento estipulabaquienes estaban exceptuados de este servicio – los comerciantes deconocido caudal, los abogados y escribanos, los mayordomos y capatacesde haciendas de consideración, médicos y boticarios, maestros, elpersonal del culto, etc.-, aunque se establecía que no lo estarían dealistarse en los cuerpos de milicias urbanas.

De esta manera, el reglamento que anunciaba su intención de“reglar” a todas las milicias no podía evitar la convalidación del doblesistema y reforzaba las distinciones sociales entre uno y otro. Tal es asíque la información oficial disponible parece indicar que el esfuerzo porconvertir en disciplinadas no abarcó a todas las milicias ni a todo elVirreinato. Para 1806, las autoridades de Madrid sólo tenían registradascomo “milicias disciplinadas de infantería” a las disponibles en BuenosAires y Montevideo y como “milicias disciplinadas de caballería” a las

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existentes en las Intendencias de Buenos Aires, Córdoba, Salta y Asuncióny a las dependientes del Gobierno de Montevideo. En cambio, registraban“milicias urbanas” de infantería en Santa Cruz de la Sierra, La Paz yPotosí – dónde, además, persistía el cuerpo del Gremio de Azogueros –y como “milicias Provinciales de caballería” a las existentes enCochabamba, Tarija y Cinti. Independientemente de la eficacia que hayatenido la transformación de las milicias en “disciplinadas” la diversidadde situaciones era evidente.82

El nuevo reglamento no dejó de suscitar oposiciones, entre ellas ladel Cabildo de Montevideo y del gremio de Hacendados que temíanque se agudizara la ya crónica escasez de mano de obra por elalistamiento general. Para ese cabildo no había dudas, la campaña era“la escuela práctica de toda especie de delitos y el refugio seguro detoda clase de delincuentes” pero depositaba la solución en una poderosaexpedición que asegurada y purgara el territorio. Aún así, cuando esaexpedición se puso en marcha en 1804, los hacendados resistieron lascontribuciones que se les quiso imponer lo que derivó en un fuerteconflicto con el Virrey.83

Al mismo tiempo, las prácticas efectivamente imperantes tendíana diluir las distinciones precisas entre milicias disciplinadas y cuerposveteranos pues la notoria disminución de estos efectivos hacía necesariorecurrir cada vez con mayor intensidad a aquellos, extendiendo lostiempos de su servicio a sueldo. Una situación que, si no era nueva,tendió a hacerse más sistemática a partir de 1797 cuando se intentóconcentrar todas las fuerzas veteranas en Montevideo. De esta forma, lajunta de guerra realizada en Montevideo el 17 de julio de 1797 dispusoponer a sueldo las compañías de milicias “que se consideren precisas”para guarnecer la capital, Colonia “o cualquier otro paraje en lugar de latropa veterana”. Incluso, para aumentarla esa tropa en Montevideo sedispuso trasladar 400 Blandengues de la frontera de Buenos Aires.84

¿Cuál era para entonces la disponibilidad de fuerzas? En la BandaOriental se contaba con 1.901 efectivos veteranos distribuidos 1.352 en

82 Estado Militar de España. Año de 1806, pp. 149-157. Disponible en: http://hemerotecadigital.bne.es/

83 PIVEL DEVOTO, Raíces…pp. 72-95.84 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 391.

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Montevideo, 170 en la frontera y 379 en las guardias de campaña; a suvez, se contaba con 4.303 milicianos, de los cuales sólo 892 estaban en laciudad aunque estaba en formación un cuerpo de Blandengues enMaldonado de 700 hombres. Ello hacía una fuerza movilizada de 6.204efectivos. En la capital, en cambio, se contaba con 2.351: de ellos eranveteranos tan solo 506 y 400 estaban en la frontera; el resto eran milicianosaunque en esta cuenta no entraban los integrantes de las 45 compañíasde milicias de campaña. 85 No extraña, entonces, la visión que imperabaentre las autoridades de Madrid para quienes “cuasi con nada de estopuede contarse; no solo por su efectiva nulidad militar, sino porquebuena parte de tales milicias, como tal vez todas las de América, sóloexisten en las listas”, un diagnóstico repetido a pesar del paso de losaños y los sucesivos planes de reforma.86

En todo caso, lo importante es que la reforma miliciana sólo estabaen sus comienzos cuando todo el orden político y militar regional se viobruscamente alterado hacia 1806. Con la invasión británica, en la capitalel número de milicianos creció exponencialmente y para octubre de 1806sumaba 7.255 (1.142 hombres en la artillería, 4.538 de infantería y 1.575de caballería). Esa movilización, notable por su amplitud, había seguidolos clivajes sociales: de este modo, la antigua distinción entre cuerposde “forasteros” y de “vecinos españoles” aparecía reproducida yampliada por la formación de cuerpos por lugares de origen; a su vez, laque ya se conocía y practicaba entre éstos y los de castas o indios, ahorase ponía de manifiesto en la formación de de una unidad de “negroslibres” sino también de un cuerpo de “esclavos”.87 Esa tremendaampliación se había operado siguiendo el modelo de milicias “urbanas”y así lo reconocía claramente la junta de guerra celebrada el 12 de juniode 1807: “las tropas levantadas para la defensa de esta capital despuésde su reconquista no son milicias regladas, sino cuerpos voluntariosformados por la necesidad.”88 La dualidad del régimen miliciano queexpresaba la vigencia de tradiciones diferentes mostraba ahora toda suvigencia.

85 BEVERINA, Juan, El virreinato…, pp. 395-397.86 AZARA, Félix de, “Informe sobre la petición de las tropas hecha por el Virrey de Buenos

Aires para contrarrestar a los portugueses”, en Memorias… , pp. 104-109.87 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 340.88 BEVERINA, Juan, El virreinato…,p. 332.

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De esta forma, la intensa movilización estaba dando renovadavitalidad al modelo tradicional de “milicias urbanas” que era, endefinitiva, mucho más afín al previamente existente a la reforma militarborbónica que al régimen de milicias disciplinadas que se había intentadoinstaurar. Más aún, esta renovada centralidad de las milicias urbanasiba a afectar seriamente a la ya débil formación de las miliciasdisciplinadas: para decirlo con las palabras del subinspector generalPedro Arze en esos cuerpos se habían alistado

“individuos de las milicias regladas de Infantería y Caballería de ella,quedando por este motivo deshechos los dos regimientos que conaprobación de Su Majestad se establecieron aquí”.89

En la capital al menos, la masiva movilización se había convertidoen un serio golpe a los esfuerzos reformistas de las milicias. Pero, tambiénhabía cambios, al menos en los sistemas de entrenamiento: así lo anotabaal menos un anónimo soldado en su diario:

“Se a dado a saber a todos los nuevos cuerpos el modo de aser el ejercicioa la francesa moderna que todos los abitantes de Bs. As. estan aprendiendoel manejo del fusil, asta los colegiales y escuelas estan aprendiendolo.”90

A su vez, aunque se enfatizaba la condición de voluntarios de losmilicianos, lo cierto es que no faltaron medidas para su alistamientoforzoso: de este modo, el 20 de noviembre de 1806 se ordenó la inmediatapresentación de todos los individuos entre 16 y 50 años que no estuvieranalistados.91 Y, poco después, la orden volvió a repetirse incluyendo a losesclavos que no fueran imprescindibles.92 Más aún en febrero de 1807 laedad mínima de alistamiento fue rebajada a 14 años.93

El sostenimiento de esa enorme fuerza miliciana no sólo iba aconsumir buena parte de los fondos de la Caja de Buenos Aires sino quehabilitó la formación de relaciones clientelares. Algunos cuerpos, comolos Húsares de Pueyrredón, fueron formados, uniformados y mantenidospor sus jefes y lo mismo sucedió con el batallón de Cántabros Montañesessegún anotaba su jefe en su correspondiente razón de méritos.94

89 BEVERINA, Juan, El virreinato…, p. 34090 Diario de un Soldado, Buenos Aires, AGN, 1960, p. 51.91 AGN, IX, 8-10-8 f. 286-287.92 AGN, IX, 8-10-8 f. 293-294.93 AGN, IX, 8-10-8 f. 295-298.94 GELMAN, Jorge, Un funcionario en busca del Estado. Pedro Andrés García y la cuestión agraria

bonaerense, 1810-1822, Bernal, UNQ, 1997, pp. 49-52.

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Es dudoso que los intentos del virrey Cisneros en 1809 dereconvertir estos cuerpos urbanos en disciplinados llegaran a tener éxito,tanto por el contexto político como por la dramática escasez de oficialidadveterana. Según se informaba

“los principales son de edad tan avanzada que ya no pueden hacerservicio por tales desiertos y de las demás clases inferiores hay muchosinútiles.” 95

De esta manera, hacia 1810 José M. Salazar – el comandante delapostadero naval de Montevideo – no tenía dudas:

“todos los males de estas provincias de seis años a esta parte dimanabande la falta de fuerza militar veterana”.96

Este diagnóstico expresaba con claridad el acelerado debilitamientode las fuerzas veteranas virreinales antes de la revolución, aún en la ciudadque había sido su principal emplazamiento. Allí para 1806 no eran más de1.000 efectivos y en 1809 fue el virrey Cisneros quien dispuso el traslado ala península de los “excedentarios” de la Marina hallando no pocaresistencia entre los marinos. Era, además, una clara impugnación de unade las principales orientaciones de la reforma borbónica – como era laexpansión del sistema de milicias – y, sobre todo, de las decisión de reducirprimero y anular después los contingentes de refuerzo. Expresa, también,sus consecuencias políticas: con un ejército veterano debilitado, laampliación del sistema de milicias quedaba sin capacidad efectiva decontrolarlo y subordinarlo y podía autonomizarse. Lo que la experienciarioplatense estaba confirmando era que la eficacia de la reforma milicianadependía de la solidez de las fuerzas veteranas, una relación que a su vezexpresaba la que había entre poderes locales y superiores. En ambasdimensiones la reforma expresaba los límites que había alcanzado.

Epílogo

Estas consideraciones permitieron precisar algunas de lastradiciones militares del Río de la Plata a partir de las cuales se desarrolló

95 AZARA, Félix de, “Informe sobre la petición de las tropas hecha por el Virrey de BuenosAires para contrarrestar a los portugueses”, en Memorias… , p. 109.

96 José M. Salazar a Gabriel de Ciscar, Montevideo, 16 de julio de 1810, en Mayo Documental,Tomo XII, Buenos Aires, Facultad de Filosofía y Letras, 1964, pp. 187-188.

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la militarización revolucionaria. La intensa presencia de fuerzasveteranas marcó la vida urbana, sobre todo la de Montevideo perodurante mucho años también a Buenos Aires. Sin embargo, tambiénpermitió la forja de un tipo peculiar de caballería veterana (losBlandengues), reclutada y desplegada en el medio rural. A su vez, aunqueel “arreglo” de las milicias fue limitado, diversificó las tradicionesmilicianas. Se trataba de un conjunto abigarrado que incluía la quesuministraban las prácticas tradicionales y que de alguna manerapervivía en las milicias “urbanas” y en las “compañías sueltas”; latradición de las milicias indígenas, sobre todo guaraníes; la nuevatradición que se gestó en torno a las milicias “regladas”; la existencia deuna arraigada tradición de cuerpos milicianos de pardos y morenos; y,de algún modo también la tradición miliciana que perduró entre losBlandengues.

El Virreinato del Río de la Plata llegaba a la crisis imperial de 1810con fuerzas veteranas decrecidas, debilitadas y concentradas en escasospuntos. De todas ellas, la que aparecía como más consolidada y consistente–a pesar de todas las dificultades que afrontaba – era la menos veterana yla menos imperial de todas: los cuerpos de Blandengues. Por su parte, lasmilicias estaban en un momento de máxima expansión y portaban unaheterogénea y diversa tradición. Los intentos de perfeccionarlas,uniformarlas y subordinarlas a través de su transformación en “miliciasdisciplinadas” habían quedado cuanto mucho a mitad de camino yponían de manifiesto una extrema diversidad regional. Aún dentro delespacio de la Intendencia de Buenos Aires esa diversidad era notable yno puede ser soslayada. Por eso, no conviene extrapolar la situación –mucho mejor conocida, por cierto- de la capital virreinal al conjunto dela Intendencia y, menos todavía, al conjunto del Virreinato.

El análisis efectuado permite situar con mayor precisión lascaracterísticas y la naturaleza de las fuerzas que confrontaron durantelas guerras de la revolución. Y, aunque el tema merece un tratamientopormenorizado que no podemos ensayar aquí, conviene anotar algunosde sus rasgos para dar cuenta del imperio de las tradiciones coloniales yde las posibilidades que ofrecían.

La resistencia montevideana a la revolución no sólo se sustentóhasta la llegada de contingentes de refuerzo en las reducidas fuerzasveteranas que le quedaban sino también en las milicias de la ciudad y

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aún en parte de las rurales y en una porción de los Blandengues. De estemodo, la resistencia “realista” que se hizo fuerte en la ciudad expresabauna coalición social mucho más amplia que aquella que podían ofrecerlos europeos. Bien en claro lo ponía un bando del gobernador Vigodetde julio de 1812 cuando establecía que “Todos los habitantes y vecinosde sin distinción serán desde hoy soldados” y por ello debían “elegir”para prestar servicio alguno de siguientes cuerpos: el Fijo de BuenosAires, el de Dragones, los Blandengues, los voluntarios de Madrid ySevilla, las milicias provinciales de infantería, del comercio, de catalaneso de los “emigrados”.97

La elite de esta ciudad encontró en el fidelismo y en la estrechaalianza con las autoridades militares un camino para canalizar susaspiraciones autonomistas frente a la capital. Pareciera ser queMontevideo ratifica una situación más general advertida por J. Marchena:

“Dada la estructura del mando y dada también la composición de laoficialidad de las mismas y su estrecha vinculación con las elites locales,el comportamiento de las guarniciones en cuanto a una opción política,estuvo determinado por la postura que adoptara el patriciado local”.98

¿Qué puede decirnos la historia comparada de Montevideo yBuenos Aires al respecto? Existe consenso entre los historiadores enseñalar que a diferencia de la aristocracia limeña la elite de Buenos Aireshabría tenido escaso interés por acceder a estos cargos: aquí los militaresocupaban un segundo rango en la elite social, se hallaban en una situaciónde “aislamiento relativo” y ponían en evidencia fuertes tendenciasendogámicas de modo que fueron sobre todo los descendientes de losoficiales quienes optaron por seguir la carrera militar conformando una“estructura de comando cerrada”.99 Sin embargo, estas consideracionesparecieran ser más válidas para los últimos años coloniales que para losanteriores pues hasta la década de 1780 tanto los jefes veteranos comolos milicianos habían sido parte sustancial de las tramas de poder local.Esta situación, cambió en las últimas dos décadas de dominio colonial

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97 Gaceta de Buenos Aires, 31 de julio de 1812.98 MARCHENA FERNÁNDEZ, Juan, “La expresión de la guerra… p. 109.99 CAMPBELL, León, “Cambios en la estructura…, p. 245. KUETHE, Allan, “Las milicias

disciplinadas…, pp. 101-126. HALPERÍN DONGHI, Tulio: “Militarización…”, pp. 124-126. JOHNSON, Lyman, “Los efectos de los gastos militares en Buenos Aires colonial”, enHISLA, N° IX, 1987, pp. 41-57.

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pero volvió a cambiar decididamente a partir de 1806 a través del nuevoequilibrio de poder que generaron las jefaturas de los cuerpos milicianos.

Lo que es seguro es que estas apreciaciones no parecen válidaspara todo el espacio. Si no lo son para Montevideo – donde las relacionesentre la elite urbana y las jefaturas militares y navales eranextremadamente estrechas – menos aún, parecen serlo para las campañasdonde la presencia de tropas veteranas era no sólo reducida sino muchasveces inexistente. En ellas, aunque los hacendados tenían seriasdificultades para controlar a la población rural, por ello mismo vieronen las jefaturas de milicias o de Blandengues instancias adecuadas paraconsolidar su autoridad aunque este no fuera suficiente para asegurarlesun lugar frente a la elite urbana.100 De este modo, la distribución de lasfuerzas dibujó una geografía que habría de tener una notable incidenciaen las guerras de la revolución.

La tradición militar colonial incluía otro aspecto decisivo paraambas ciudades: la importancia del gasto fiscal destinado a estos fines.Era, como vimos, una dimensión muy antigua de esta tradición perohabía adquirido una enorme significación con la instauración delVirreinato. Como es sabido, fue factible a través de la transferencia derecursos desde las tesorerías altoperuanas a la Caja de Buenos Aires. Eneste sentido, la tradición militar había sido – y lo seguiría siendo en elsiglo XIX- parte esencial del patrón de acumulación de la elitemercantil.101 De esta forma, entre 1776 y 1805 el aumento del gasto seexplica, sobre todo, por los esfuerzos para mejorar las fortificaciones yla infraestructura naval pero a partir de 1806 casi completamente porlos gastos destinados a sueldos militares que crecieron hasta hacerseinsostenibles. Sin embargo, el sostenido incremento del gasto no resolviólas dificultades para reclutar la oficialidad y la tropa ni aseguró suvestuario, remuneración a tiempo y aprovisionamiento adecuado. Entales circunstancias, la masiva militarización miliciana posterior a 1806

100 MAYO, Carlos, “Landled but not Poweful: The Colonial Estancieros of Buenos Aires (1750-1810)” en Hispanic American Historical Review, Vol. 71, N° 4, 1991, pp. 761- 779. FRADKIN,Raúl O., “El gremio de hacendados en Buenos Aires durante la segunda mitad del sigloXVIII”, en Cuadernos de Historia Regional, N° 8, 1987, pp. 72-96.

101 Un meticuloso tratamiento de un ejemplo paradigmático en GELMAN, Jorge, De mercachiflea gran comerciante. Los caminos del ascenso en el Río de la Plata colonial, Huelva, UniversidadInternacional de Andalucía/ Universidad de Buenos Aires, 1996.

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provocó un aumento sustancial de las remuneraciones que empujó haciaarriba el nivel general de salarios. No extraña, por tanto, que las disputaspolíticas entre 1806 y 1810 tuvieran como uno de los ejes claves ladesmovilización de las milicias y sus niveles de su remuneración.

Pero, ¿qué sucedía fuera de estas ciudades? La experienciaborbónica también legaba otro componente a esa tradición. La Ordenanzade 1782 instituyó Intendentes “de Ejército y Provincia”, unadenominación que expresaba con claridad la concepción acerca del tipode gobierno – a la vez “político y militar”- que inspiraba la decisión. Porcierto, no era completamente nueva y resumía una larga experienciahistórica pero ahora se acentuaba y se generalizaba al punto que seintentó construir un gobierno de este tipo en esas áreas de nuevopoblamiento que tuvieron decisiva intervención en la movilizaciónpolítica de la era revolucionaria. En este sentido conviene recordar queFélix de Azara, quién había formulado precisas recomendaciones parareorientar la política de fronteras que incluían la formación de pueblos,el reclutamiento de los Blandengues entre hombres casados y laasignación de tierras en propiedad, también sostenía que

“como todo pueblo es un seminario de enredo, es preciso que a los diezaños primeros no haya casa capitular, alcaldes y cabildos, ni más jefeque el militar y que éste lo sea en todo.”102

El consejo expresaba no sólo una modificación sustantiva en laestrategia de poblamiento estratégico implementada que se habíaimpulsado desde la década de 1780 y que había dado lugar a la formaciónde una miríada de nuevos poblados, muchos de ellos convertidos envillas, dotados de cabildos y autorizados a organizar sus propias milicias.Se expresaba así toda una concepción del gobierno territorial que habríade perdurar notoriamente acentuada con la revolución.

Esos comandantes se fueron transformando en los personajescentrales de las áreas fronterizas y, como advertía Pedro A. García hacia1810 para la Guardia de Luján, todos los avances que se habían obtenidose debía completamente a la “eficacia de uno u otro comandante”: ellos

102 AZARA, Félix de, “Diario de un reconocimiento de las Guardias y Fortines que guarnecenla línea de frontera de Buenos Aires para ensancharla”, 1797, en DE ANGELIS, Pedro,Colección de Obras y Documentos relativos a la historia antigua y moderna de las Provincias delRío de la Plata, Buenos Aires, Plus Ultra, 1972, Tomo VIII, Vol. A, p. p. 159.

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habían sido quienes atrajeron soldados y población a su entorno lo queles permitía contar con 100 milicianos auxiliares “sin violencia nigravamen”. El arquetipo, para García, era un “comandante tan políticoy militar” como Francisco Balcarce, el primer integrante de un ampliolinaje militar bonaerense: auxiliaba de su peculio a los nuevos pobladores,los mantenía “distante de las parcialidades, confusión e ignorancia deun alcalde pedáneo, manejado tal vez por un charlatán que sólo sedistingue de los otros en saber formar muy mal cuatro renglones”.103 Enotros términos, Azara y García disponían de un diagnóstico bastantecoincidente. Sin embargo, once años después el mismo García ofrecíauno bien diferente y mucho más desencatado: denunciaba, entre otrosmales que padecía la población rural, “unas tenebrosas habitudes dedespotismo militar han aniquilado el ánimo del vecindario de campaña”.De este modo, la comisión que había inspeccionado la línea de fronteras

“tuvo la desgracia de no encontrar en toda la línea mas que uno solo quellenase las intenciones del gobierno. Todos los demás eran ciertamentecriminales, pero a ninguno se removió. Esta degradación de aquellosmilitares, propiamente de revolución, no puede mancillar el honor delcuerpo en general.” 104

Estamos, así, ante una de las dimensiones más opaca y menosconocida de la concepción de “gobierno político y militar” que habíaexpandido la reforma borbónica y que la revolución no solo hizo suyasino que llevó a su último término: el impacto de la reforma militar enlos poblados rurales. Inspirados por esa concepción las autoridadestardocoloniales habían logrado instaurar en un lugar central de la vidasocial de las áreas de frontera a los comandantes militares. Y, a través deellos, habían logrado extender enormemente el servicio de milicias. Eneste sentido, el ejemplo del sur entrerriano resulta emblemático: a finesde la década de 1790 allí estaban alistados un 30% de los varones adultos;la inmensa mayoría de estos milicianos residían fuera de los poblados ybuena parte eran indígenas provenientes de las misiones; para atraerlosal servicio, las autoridades debieron recurrir a pagar el prest en pesos deplata y al uso generalizado del fuero militar.105 Ese derecho a cobrar en

103 GELMAN, Jorge, Un funcionario en busca del Estado. Pedro Andrés García y la cuestión agrariabonaerense, 1810-1822, Bernal, UNQ, 1997, p. 100.

104 GELMAN, Jorge, Un funcionario…, pp. 174-175.105 DJENDEREDJIAN, Julio C., Economía…, Capítulo 8.

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moneda no era una conquista menor de los milicianos entrerrianos yexpresa bien su capacidad de negociación puesto que el entramado deproveedores que abastecía a las fuerzas movilizadas había convertidosus actividades en un peculiar equivalente del reparto forzado demercancías.106 La autoridad de los capitanes de milicia y del comandantemilitar en esta zona se había transformado en decisiva pero aquí ladotación de fuerzas veteranas era nula y la de Blandenguesextremadamente escasa: de este modo, el ejemplo entrerriano sugiereque incluso allí donde se avanzó en la reforma miliciana, el resultadofue parcial, seguramente no devino en la subordinación miliciana peroforjó una arraigada tradición de movilización miliciana para la defensalocal y una instancia primordial para la constitución de liderazgos locales.

Estos liderazgos iban a mostrarse influyentes en el comienzo de larevolución. El cuadro de situación lo pintaba con claridad Juan Michelenaen una a Salazar, comandante del apostadero de Montevideo, enviadadesde Colonia del 23 de abril de 1811:

“Esto esta muy próximo a la completa ruina. ¿Qué domina el legítimoGobierno? Montevideo y la Colonia, ¿y estos puntos a qué estánreducidos? al pequeño distrito de sus murallas. Tu mismo padecesequivocación pues me dices en tu apreciable que en la campaña se ha dehacer mas con la intriga, que con las armas: te engañas de medio a medio:la campaña la sujetarán las bayonetas, bien de tropas portuguesas quepidamos, o de las que de España vengan, y después de destruidos losinsurgentes, que componen todos los hombres habitantes de ella”.107

No podemos aquí tratar en detalle el cuadro de situación y lasrazones que lo explican. Sin embargo, no puede dejar de advertirse quela geografía política que esta carta describe reproduce – fiel ypuntillosamente – la geografía de la distribución de las fuerzas militaresen la colonia y su distinta naturaleza: Montevideo y Colonia, sedesprincipales de las reducidas fuerzas veteranas se mantuvieron fieles a laRegencia y lograron sumar las milicias de ambos emplazamientos y unaporción de las rurales.

Fuera de ellos, la insurgencia ganó rápidamente la partida. Esacampaña era el territorio de los Blandengues y de ellos la insurgencia

106 GELMAN, Jorge, “Un ‘repartimiento de mercancías’ en 1788: los sueldos ‘monetarios’ delas milicias de Corrientes”, en Cuadernos de Historia Regional, N° 3, 1985, pp. 3-17.

107 Gaceta de Buenos Aires, 23 de mayo de 1811

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oriental extrajo sus principales oficiales de comando y el núcleo de sufuerza armada. Pero en ella concitó la adhesión de las milicias rurales,sobre todo, de esas “compañías sueltas” que venían a ser la forma queadoptaban las milicias urbanas en la campaña y que sino fueron al menossuministraron el formato organizativo a la insurgencia oriental. A partirde ambas fuerzas el artiguismo conformó las “Divisiones Orientales”,su intento de transformar las milicias en un ejército mientras recurría, ycada vez con mayor intensidad, al apoyo de las milicias auxiliaresindígenas.

En Buenos Aires, en cambio, la revolución se nutrió principalmentede las milicias que emergieron de las invasiones inglesas y que erancuerpos de naturaleza híbrida construidos sobre el modelo de las miliciasurbanas pero de servicio permanente, remuneración continua, goce delfuero y sin subordinación alguna las escasísimas fuerzas veteranas. Apartir de ellas, la revolución intentó forjar ejércitos veteranos y para elloapeló inicialmente al modelo borbónico. En tales condiciones, los ejércitosque comandaba la revolución porteña estuvieron compuestosprincipalmente por fuerzas de infantería y mucho costó dotarlos de unacaballería que no fuera miliciana. La insurgencia oriental, en cambio,conformó una fuerza armada en la cual la caballería era absolutamentepredominante.

La transformación de las milicias en cuerpos veteranos fue uno desus principales desafíos de la revolución pero no fue el único. Ladirigencia revolucionaria también se embarcó en una masiva ampliaciónde las milicias e intentó, con mayor intensidad aún que las autoridadesborbónicas, convertirlas en milicias disciplinadas. No casualmente larevolución hizo suya el reglamento de 1801 para reglar a sus miliciaspero tampoco pudo evitar tener que lidiar con la heterogeneidad detradiciones milicianas. Es importante registrarla para evitar demasiadosimples y formalistas. Aunque la concepción que regía la formación demilicias asociaba las condiciones de vecino y miliciano – y cada vez loharía con la de ciudadano y miliciano- ello no había impedido queabarcaba también a las castas urbanas, a los pobladores de la campaña,a los indios. Por lo tanto, las milicias eran uno de los cauces que se abríanpara ampliar y disputar los derechos inherentes a la vecindad y, a travéssuyo, los de la ciudadanía. Pero, la impronta colonial no habría dedesaparecer y durante mucho tiempo la costumbre y la práctica de formar

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cuerpos milicianos separados se mantuvo, como también lo hicierondentro de las fuerzas veteranas.

La militarización revolucionaria debió operarse a partir de estasheterogéneas tradiciones. Por lo tanto, no puede ser consideradasimplemente como la transformación de los cuerpos milicianos enejércitos de veteranos. Y, sobre todo, no puede considerarse ni entendersede este modo porque al mismo tiempo que intentaba esta transformación(que suponía en buena medida forjar un ejército veterano siguiendo elmodelo borbónico), la revolución empujó la transformación de lasmilicias en “disciplinadas” pero no pudo evitar recurrir a lamultiplicación de las antiguas milicias “urbanas”… aunque ahora sellamaran “cívicas”. Se trata de una cuestión central pues el revitalizadosistema de “milicia urbana” adoptaba ahora nuevos ropajes ydenominaciones. De esta manera, para 1815 Buenos Aires no sólo contabacon milicias disciplinadas sino también con una “Brigada Cívica”organizada en tercios y bajo autoridad directa del Cabildo. A su vez, ensu campaña a los Regimientos de Caballería que contaban con planasmayores veteranas – generalmente reclutada entre los Blandengues – sesumaba un número indeterminado de “compañías sueltas también demilicias” en casi todos los pueblos. Por lo tanto, mientras muchosmilicianos eran convertidos en veteranos se multiplicaban también losmilicianos “disciplinados” pero también de los “cívicos” y los integrantesde las “compañías sueltas”.108 La forma de milicia anterior a la reformaborbónica resurgía transformada por las condiciones y las necesidadesdel proceso revolucionario: ahora incluía una decidida expansión alámbito rural y adoptaba nuevas denominaciones como “miliciapatriótica”, “milicia nacional”, “brigada cívica” o “guardia nacional”.

De esta forma, el Estatuto Provisional de 1815 dedicó el CapítuloII a las “Milicias Provinciales” y establecía que estarían regidas por elreglamento de 1801; en cambio, el Capítulo III estaba destinado a las“Milicias Cívicas”109 que tenían un objetivo preciso. “No deberá nunca

108 Pocos autores han hecho hincapié en esta cuestión. Con lucidez recientemente ha llamadola atención sobre este aspecto central ARAMBURO, Mariano José, Buenos Aires ciudad enarmas. Las milicias porteñas entre 1801 y 1823, Tesis de Licenciatura, Facultad de Filosofía yLetras, Universidad de Buenos Aires, 2008;

109 Se precisaba que todos los “habitantes del Estado nacido en América”, los extranjeros concuatro años de domicilio, los españoles europeos con carta de ciudadano y los africanos ypardos libres serían “soldados cívicos, excepto los que se hallen incorporados en las tropas

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la Brigada hacer servicio fuera de la Ciudad, y sus arrabales, pues deella toma la denominación de Cívica para defenderla.” Dos años después,el Reglamento Provisorio aprobado por el Congreso pretendía darlealcance “nacional”: su capítulo II estaba dirigido a aquellas milicias queahora eran denominadas “Nacionales” y repetía que continuaba vigenteel reglamento de 1801; el capítulo III estaba destinado a reglar “lasMilicias Cívicas”, disponía su creación “dentro del recinto” de lasciudades, villas y pueblos y que se integraran exclusivamente con“vecinos” que contasen con propiedades superiores a 1000 pesos, pordueños de tienda abierta o por cualquiera que ejerciera un oficio público.Estas “milicias cívicas” eran imaginadas como una fuerza de defensalocal, con una composición social más elevada y se disponía que sólotendrían goce del fuero los veteranos destinados a ellas como jefes,sargentos o cabos.

Lo importante, entonces, es que se pretendía establecer clarasdistinciones, no sólo entre veteranos y milicianos, sino también entrediferentes tipos de milicias, fueran las “provinciales” o “nacionales”(semejantes a las disciplinadas borbónicas) o las “urbanas” o “cívicas”(que mostraban la vigencia de una tradición miliciana anterior a lareforma revitalizada y atravesada por las experiencias vividas desde1806). La consagración de esta doble estructura miliciana, entonces,expresaba el reconocimiento de los límites que imponía la realidad asícomo testimoniaba la impronta de las tradiciones coloniales. Entre unosy otros tipos de milicias había diferencias sustanciales y dos nos parecenecesario volver a remarcar puesto que las autoridades revolucionariasafrontaron dilemas y problemas muy semejantes a las borbónicas: porun lado, las milicias “provinciales” o “nacionales” debían estar prestasa prestar servicio en un espacio que excedía con creces la defensa de lalocalidad; por otro lado, las primeras debían estar mucho más sujetas ysubordinadas al ejército veterano fungiendo como fuerzas auxiliares yauténtico ejército de reserva. Más aún, la misma pretensión de“disciplinar” las milicias en 1817 alude a la matriz borbónica de losejércitos revolucionarios. Prueba de ello era la vigencia tanto del

de línea y Armada.” Para este generalizado alistamiento se fijaba como edad mínima losquince años y como máxima los sesenta.

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reglamento de 1801 para regir las milicias como de las ordenanzas deCarlos III para regir los ejércitos.110

La distinción entre diferentes tipos de milicia no era un mero tributoa la tradición. Suponía una concepción que tenía un núcleo central y quebien se expresaba en el Reglamento de 1817: los integrantes de las milicias“nacionales” eran considerados “soldados del Estado” y, por tanto, sus“comandantes natos” debían ser los gobernadores-intendentes, lostenientes de gobernador y los subdelegados designados por el gobiernosuperior; en tanto “soldados del Estado”, estos milicianos debían “acudira la defensa del Estado y al auxilio y reposición de los Ejércitos de línea”.Esas “milicias nacionales”, entonces, debían fungir de ejército de reservay sus miembros podían pasar a las fuerzas veteranas. Muy diferente erala situación de las “milicias cívicas” que quedaban bajo el comando delos cabildos y que el reglamento imaginaba sólo “dentro del recinto” delas ciudades, las villas y los pueblos. Desde este punto de vista, la “miliciacívica” recogía la experiencia de los batallones de voluntarios de “vecinosespañoles” y de “forasteros” que habían existido desde el siglo XVII y,por eso mismo, se imaginó que fueran integradas por vecinos arraigadosy respetables, al estilo de las llamadas “milicias honradas” de lapenínsula.111

Se trataba, por tanto, de un complejo proceso que adaptabatradiciones mientras introducía innovaciones. En consecuencia, larevolución estaba impulsando un proceso de militarización que conteníauna notable ampliación de las fuerzas veteranas, un crecimiento mayorde la infantería frente a la caballería y un aumento sin precedentes delsistema de milicias regladas mientras multiplicaba las milicias “cívicas”

110 Gobierno Superior Provisional de las Provincias Unidas del Río de la Plata, Instruccionesde los Comisarios de Guerra de las Provincias Unidas del Río de la Plata, Buenos Aires, Imprentade los Niños Expósitos, 1812 y “Títulos de las Reales Ordenanzas que de orden de laExcma Junta se entresacan de ellas” [1814], en MAILLÉ, Arturo, La Revolución de Mayo através de los impresos de la época, Buenos Aires, Tomo V, 1966, pp. 355-529. LOZA, Emilio,“Organización militar, 1811-1813”, en LEVENE, Ricardo (dir.), Historia de la NaciónArgentina desde sus orígenes hasta la organización definitiva en 1862, Vol. V, Segunda sección,Buenos Aires, ANH, 1941, pp. 513-526.

111 ESDAILE, Charles, Napoleón contra España. Guerrillas, bandoleros y el mito del pueblo en armas(1808-1814), Buenos Aires, EDHASA, 2006; MOLINER PRADA, Antonio, La guerrilla en laguerra de independencia, Madrid, Adalid, 2004. THONE, John, La guerrilla española y la derrotade Napoleón, Madrid, Alianza Editorial, 1999.

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y las “compañías sueltas” de voluntarios. El dilema de la dirigenciarevolucionaria residía en que mientras cada vez más tenía al ejército“regular” como base social de sustentación no podía sino multiplicarlas fuerzas milicianas y depender de su colaboración. Las desalentadorasexperiencias que emergían de una fuerza estructurada mediante la levaforzada la obligó a apelar a las milicias, pero las consecuencias de estadecisión (la influencia política local, la necesidad de “negociar” lascondiciones del servicio a través de una compleja trama de mediaciones,la extensión del fuero que reforzaba el papel de los jefes, su reticencia aemprender campañas ofensivas, etc.) no tardaron en desalentarla.

Visto en conjunto, este proceso muy lejos está de expresarsimplemente un tránsito de la milicia a ejércitos “veteranos” y“profesionales”. Esta diversidad de tradiciones, por lo tanto, no fueanulada con la revolución al mismo tiempo que ella creaba otras nuevas.En consecuencia, parece necesario resistir tanto las dicotomíassimplificadoras como las continuidades lineales y las tentacionesnominalistas.

A primera vista, los ejércitos veteranos y las milicias parecen dospolos opuestos pero sólo adquieren esa imagen cuando se los piensacomo tipos ideales y se los analiza exclusivamente a partir de lasnormativas o de los discursos políticos de legitimación. Pero las prácticasno eran simplemente la expresión de esas normas o la materializaciónde esos discursos. Más que dos polos opuestos conviene pensar en uncontinuo inestable y cambiante de situaciones, un conjunto de formashíbridas sustentado en una diversidad de tradiciones que habilitabandiferentes usos. La historia revolucionaria y posrevolucionaria lo iba deponer claramente de manifiesto.

Apenas se repasan las trayectorias y los desafíos de los ejércitosrevolucionarios puede advertirse que el ejército borbónico ofrecía lamatriz a partir de la cual la dirigencia revolucionaria intentó forjar lossuyos. El intento parece haber sido incompleto y, a fin de cuentasfrustrado, pero signó el decurso de los antagonismos durante las guerrasde la revolución. Y, sobre todo, impregnó la visión que de ellos tenía laoficialidad revolucionaria y la propia imagen que ella quiso forjarse desí misma. Esa oficialidad había surgido de la convergencia de jefes demilicias, líderes locales, algunos oficiales de los ejércitos del Rey ytambién algunos mercenarios extranjeros, lo que traía aparejado no pocas

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tensiones.112 Sin embargo, la experiencia guerrera y política habíadesarrollado su autoconciencia como núcleo dirigente de la nuevasociedad. En este aspecto también la historia comparada puedesuministrar pistas y ayudar a recuperar el horizonte de los actores.

Unos pocos ejemplos permiten advertirlo. Hacia 1815, Carlos M. deAlvear no dudaba en asimilar las formas de hacer la guerra de los“anarquistas” con el “el estilo de los Cosacos.”113 Al año siguiente Juan J.Viamonte calificaba a sus enemigos entrerrianos de “TártarosOrientales”.114 En realidad, la idea no era nueva ya la había enunciado elgobernador de Montevideo Vigodet cuando dudada de la fidelidad delos Blandengues reclutados entre una población rural que vivía, segúndecía, “peor que tártaros”.115 De modo análogo, en 1816 era M. Belgranoquien equiparaba a los “montoneros” con los cosacos y asemejaba susdilemas a los sufridos por el Rey de Prusia y Napoleón contra ellos.116

Esta visión de la confrontación en el litoral revolucionario en claveorientalista hacía inevitable que los jefes porteños se vieran enfrentandolos desafíos de “la intemperie de los Desiertos”.117 De algún modo,entonces, a mediados de la década de 1810 se estaban configurando algunasde las claves interpretativas que serían parte sustancial de la lecturaromántica de la realidad rioplatense. Esta percepción del oponente definíatambién la autopercepción de esta dirigencia militar que afanosamenteintentaba construir un ejército de matriz borbónica cada vez más adaptadoal modelo napoleónico. La perspectiva comparada de estas guerras nosólo puede ser un recurso historiográfico prometedor sino que parece queformaba parte del universo mental de sus protagonistas.

112 Como señalaba José M Paz a propósito de Juan R. Balcarce, miembro de un destacadolinaje militar bonaerense: “Era de aquellos pocos americanos que desde el tiempo de lamonarquía había seguido la carrera de las armas y por consiguiente tenía la pretensión deser considerado como un veterano”, PAZ, José M., Memorias póstumas, Buenos Aires,Editorial Trazo, 1950, Tomo I, p. 21.

113 Carlos de Alvear, Relación de las fuerzas, Río de Janeiro, 27 de junio de 1815, ArchivoArtigas, Tomo XXX, pp.7-10.

114 Juan J. Viamonte al Director, 19 de marzo de 1816: Archivo Artigas, Tomo XXIX, pp.336-338.

115 BENTARCUR, Arturo, El puerto colonial de Montevideo. Los años de la crisis (1807-1814),Montevideo, Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación, 2006, p. 88.

116 Manuel Belgrano a Ignacio Álvarez Thomas, Rosario, 5 de abril de 1816, en Epistolariobelgraniano, Buenos Aires, Taurus, 2001, p. 291.

117 Javier de Viana al Gobierno, Buenos Aires, 26 de noviembre de 1814, Archivo Artigas,Tomo XVII, pp. 149-150.

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La redefinición de las fronteras:cuando “argentinizar” fue la consigna

Susana Bandieri*

A manera de presentación

“Asociar el término frontera al concepto de frontera militar o fronteraadministrativa sería mantenerse al margen de los progresos en las cienciassociales, particularmente si se trata de estudiar una frontera tan permeable comola propia” (S. Villalobos y J. Pinto Rodríguez, Comp., Araucanía. Temas dehistoria fronteriza, Temuco, Chile, Ediciones Universidad de la Frontera,1985: 6).

Hace ya varios años que quienes venimos estudiando la historiapatagónica en perspectiva regional, planteamos la necesidad dereorientar los estudios del fenómeno fronterizo para trascender losanálisis tradicionales, exclusivamente centrados en las cuestiones bélicasy en las hipótesis de conflicto derivadas de los diferendos limítrofesentre Argentina y Chile, para avanzar en la comprensión delfuncionamiento de la sociedad, la economía y la cultura en las áreas defrontera. De hecho, cuando se pretende realizar una aproximación quesupere la mera descripción histórica a la región más austral de AméricaLatina, incorporada definitivamente a la soberanía de los Estadosnacionales en la segunda mitad del siglo XIX, resulta imposibledesconocer el hecho de que la cordillera de los Andes sirvióhistóricamente, y desde las primeras etapas de ocupación indígena, deeje vertebrador de un espacio socialmente integrando, que actuó ysobrevivió por encima de los límites políticos y administrativosimpuestos al territorio luego de su conquista militar. No es posibleestudiar entonces la historia patagónica atendiendo solamente a sus

* Unidad Ejecutora en Red ISHIR-CEHIR/CONICET, Universidad Nacional del Comahue,Neuquén, Argentina ([email protected])

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límites territoriales, sin considerar la importancia de un área de fronteracon existencia propia donde se habría conformado, a lo largo del procesohistórico, un espacio social de singulares características, gran dinamismoy alta complejidad.

Ya en la etapa colonial –y seguramente antes si atendemos a losregistros arqueológicos-, los pueblos originarios manejaban una vasta redde caminos e intercambios que abarcaba ambas márgenes de la cordillera.Avanzado el siglo XVIII, un ancho corredor interregional, por el cualcirculaban ganados y bienes diversos, atravesaba el norte de la Patagoniaentre el Río de la Plata y Chile. Los grupos cordilleranos oficiaban deexcelentes intermediarios entre los ganados de las pampas argentinas y lademanda chilena, que requería de importantes cantidades de sal, carnes,cueros y sebo para su propio consumo y para su exportación al centrominero potosino y a otros asentamientos hispanos sobre el Pacífico Sur.En esas condiciones, los campos de las áreas andinas resultaban excelentespara el acondicionamiento de los ganados antes de someterlos al esforzadocruce de los Andes. Aunque las situaciones de conflicto estaban siemprepresente y violentos enfrentamientos se sucedían con regularidad, lasrelaciones entre las sociedades indígenas e hispano criollas seincrementaron a lo largo de todo el siglo XVIII, alcanzando niveles muyimportantes de intercambio económico, social y cultural.

Ya en el siglo XIX, los procesos independentistas de ambos paísesderivaron en mayores presiones territoriales y nuevos posicionamientosde los sujetos fronterizos en aras de mantener la dominación de losespacios cordilleranos hasta que, en la segunda mitad del siglo ymediante sendas campañas militares, se terminó por incorporardefinitivamente el espacio indígena a la soberanía de los respectivosEstados nacionales, Argentina y Chile, resolviendo el secular conflicto afavor de los sectores dominantes.

El efecto inmediato de la conquista militar fue el establecimientode los límites administrativos de los nuevos territorios incorporados ala soberanía estatal y el fortalecimiento de la idea de que la cordillera delos Andes, en tanto límite político, constituía una barrera aislacionista.En este sentido, se afirmaba su condición de “espalda” de un país cuyaorientación se pensaba exclusivamente hacia el Atlántico, desconociendolos contactos que desde antiguo caracterizaron el funcionamiento de lasáreas andinas.

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Esta visión formó parte incluso de la historia nacional construidaen esos años al servicio del proceso de consolidación del Estado-naciónargentino y perduró hasta la actualidad en variada bibliografía, tantohistórica como geográfica.1 Las investigaciones más recientes permitensin embargo demostrar que la débil presencia estatal en la región derivóen una marcada continuidad de tales relaciones hasta avanzado el sigloXX. Luego, posteriores etapas de consolidación de las respectivassituaciones nacionales, tanto en Chile como en la Argentina, llevaron ala aplicación de barreras económicas y políticas que, unidas a la carenciade una infraestructura moderna y adecuada en comunicaciones, cortaronde manera prácticamente definitiva el tradicional intercambio económicoy sociocultural entre ambos países, en un proceso gradual iniciado en ladécada de 1920, profundizado en los años 30 y concluido a fines de lasegunda guerra mundial. De hecho, puede decirse que recién al tomarforma concreta el régimen de industrialización sustitutivo deimportaciones que reemplazó al modelo agroexportador después de lacrisis de 1930, y definirse otras estrategias territoriales de cortenacionalista que derivaron en la preocupación por “argentinizar” laPatagonia, se tornó particularmente importante la consolidación de unmercado interno, y por ende, la afirmación de las fronteras en tanto límitesnacionales. Más adelante, períodos de fuertes disputas ideológicas ypolíticas, y las siempre latentes hipótesis de conflictos armados, actuaroncomo obstáculos que limitaron las posibilidades reales de una integracióneconómica y social entre ambos países, acentuando el rol de los límitesterritoriales en detrimento de la frontera como espacio de interacción.

La periferia andina

Tal y como venimos diciendo, sucesivos avances en lainvestigación histórica regional nos han llevado a sostener que el áreaandina patagónica tuvo una posición periférica y marginal respectodel modelo de inserción del país en el sistema internacional vigente,con fuerte orientación atlántica, lo cual habría derivado en lasupervivencia de los contactos socioeconómicos con las ciudades y

1 Romero, Luis Alberto, coord., La Argentina en la escuela. La idea de nación en los textos escolares,Buenos Aires, Siglo XXI, 2004.

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puertos del sur chileno.2 Por ese mismo motivo, mientras el ganadoovino era desplazado de la llanura pampeana a los territoriospatagónicos con litoral atlántico, como consecuencia del auge cerealeroy de la importancia de la carne refinada con destino al frigorífico, lasáreas andinas siguieron produciendo ganados destinados a satisfacerla demanda de los centros y puertos del Pacífico, en tanto manteníanuna muy débil inserción con el conjunto nacional. Un espacio comúnde inversiones de capital, explotaciones ganaderas, flujos de poblacióny variados vínculos socioeconómicos y culturales caracterizaronentonces a esta región fronteriza, aprovechando la permeabilidad delos Andes en algunos sectores de la Patagonia –particularmente losubicados en la actual provincia de Neuquén-, donde los pasos sonrelativamente bajos y facilitan el cruce de un lado a otro de la cordillera.

Más al sur, en la zona que los historiadores regionales han llamadola “región autárquica de Magallanes”, se dio una situación similar.3 Allítambién resulta evidente la expansión de los capitales y de los flujos deinmigración procedentes de Chile, principalmente de Punta Arenas yde la isla de Chiloé, hacia la zona de Santa Cruz y Tierra del Fuego,conformando una misma región que, al menos hasta la década de 1920,funcionó con una dinámica propia y relativamente desvinculada de loscentros políticos de los respectivos Estados nacionales: Buenos Aires ySantiago. A la luz de estos estudios, y al menos hasta esos años, lasignificativa dependencia económica de los territorios más australes deArgentina con el área de Magallanes y su capital Punta Arenas pareceindiscutible, al menos en lo que se refiere a la provisión de lanas y carnesovinas con destino a los mercados europeos. La posibilidad decomunicación directa con esos mercados a través del estrecho deMagallanes, facilitada por la inexistencia de impuestos aduaneros y ladébil presencia de ambos Estados en la región, favorecieron tal procesode integración.

2 Es variada y numerosa la producción de la autora en estos temas. A modo de síntesis,puede consultarse de S. Bandieri, Historia de la Patagonia, Buenos Aires, Sudamericana,2005.

3 Véase Elsa Barbería, Los dueños de la tierra en la Patagonia Austral, 1880-1920, Santa Cruz,Universidad Federal de la Patagonia Austral –UFPA-, 1995, y Mateo Martinic B., “Patagoniaaustral: 1885-1925 Un caso singular y temprano de integración regional autárquica”, en S.Bandieri, Coord., Cruzando la cordillera… La frontera argentino-chilena como espacio social,Neuquén, CEHIR-UNCo., 2001.

La redefinición de las fronteras: cuando “argentinizar” fue la consigna / Suzana Bandieri

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Se puede afirmar entonces que, en el mismo momento en que lasprincipales regiones ganaderas argentinas destinaban sus esfuerzos amejorar las razas carniceras con destino al frigorífico y a la exportaciónal mercado europeo del Atlántico, la ganadería patagónica se orientabacon doble dirección. Mientras en el sur, lanas y carnes ovinas se derivabanhacia los frigoríficos magallánicos y el puerto de Punta Arenas, en lasáreas andinas del centro y norte patagónico se comercializaban vacunosen pie para satisfacer la demanda de los centros del Pacífico. Cabedestacar la manifiesta preocupación de los funcionarios de esa etapapor cortar, sin éxito, las prácticas sociales vigentes entre las poblacionesdel interior rural, como aquella generalizada de casarse y anotar elnacimiento de los hijos en Chile, por ejemplo. Esto no era otra cosa queuna expresión más de la integración que, de hecho, existía alrededor delárea cordillerana, así como de la persistencia de una forma deorganización social y territorial vigente desde muy antiguo. Asimismo,en muchas áreas andinas patagónicas la provisión de bienes de consumodesde allende los Andes era una constante hasta avanzadas las dosprimeras décadas del siglo XX, así como también lo fue el uso de lamoneda de ese origen como el medio circulante mas generalizado.4

No hubo durante esa etapa, como podrá verse a continuación,avances significativos en el proceso de penetración estatal en la región,más allá de la acción represiva de los ejércitos sobre los grupos indígenas,de la fuerte centralización administrativa ejercida en el marco delgobierno de los territorios nacionales5 y de los evidentes esfuerzos de lajusticia federal por disciplinar a la sociedad local, pero las necesidadesbásicas de los habitantes de la Patagonia quedaron desatendidas porlargos años permitiendo, de hecho, la continuidad de las prácticas antesdescriptas.

4 S. Bandieri, “La Patagonia: Mitos y realidades de un espacio social heterogéneo”, en JorgeGelman, comp., La Historia Económica Argentina en la encrucijada: Balances y perspectivas,Buenos Aires, Asociación Argentina de Historia Económica-Prometeo Libros, 2006.

5 Los Territorios Nacionales fueron entidades creadas específicamente para la administraciónde las superficies ganadas al indio en la década de 1880 (Chaco y Patagonia). Sin alcanzarel status jurídico de las antiguas provincias argentinas, las autoridades de los territorios seelegían desde el poder central, lugar desde donde se administraban también las rentas. Sushabitantes no pudieron elegir sus gobernadores, como tampoco participar en las eleccionesde las máximas autoridades del país hasta mediados de la década de 1950.

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La penetración material

“…la conquista del desierto por las armas, que Usted ha realizado [refiriéndosea Julio Argentino Roca y su campaña militar contra los indios], no estácompleta, falta agregarle la conquista por el riel, para ‘argentinizar’ la Patagonia”(Ezequiel Ramos Mexía, Mis Memorias 1853-1935, Buenos Aires, Libreríay Editorial La Facultad. 1936:205)

En textos ya clásicos sobre la formación del Estado nacionalargentino6 se definen cuatro formas distintivas de penetración estatalen el proceso de construcción social y ejercicio del poder político a lolargo de la segunda mitad del siglo XIX, las que se denominan: represiva,cooptativa, material e ideológica.7 Hemos hecho mención expresa enotros trabajos al accionar coercitivo del Estado sobre las sociedadesindígenas y al fuerte control del poder central que implicó laperdurabilidad de la forma jurídica de los Territorios Nacionales en loque hace a la posibilidad de ejercer los plenos derechos de la ciudadaníapolítica a sus habitantes.8 Nos dedicaremos en este avance a lalocalización de obras y servicios públicos como elemento de penetraciónmaterial de fuerte carga simbólica a la hora de pensar en laprofundización del proceso de “argentinización” de la Patagonia.

El intento más temprano en este último sentido, aunque fracasadoen su mayor parte, lo constituyó el proyecto de desarrollo patagónicoelaborado por el ministro de obras públicas del presidente FigueroaAlcorta, Ezequiel Ramos Mexía, que se concretó en la “Ley de Fomentode los Territorios Nacionales” nº 5.559 del año 1908. El ministro formóparte del grupo de profesionales que, a comienzos del siglo XX, ingresó

6 Oscar Oszlak, La formación del Estado Argentino, Buenos Aires, Ed. de Belgrano, 1982, y“Reflexiones sobre la formación del Estado y la construcción de la sociedad argentina”, enDesarrollo Económico, Nº 84, Buenos Aires, IDES, 1982:531-545.

7 Estos textos de Oszlak, de matriz weberiana, son hoy discutidos por su miradaexcesivamente centrada en el rol del Estado en el proceso de construcción social. Esta mirada“desde arriba” quita sin duda protagonismo a los sujetos sociales que parecen no tenercapacidad de reacción alguna frente al mismo proceso. Sin embargo, las formas depenetración que el autor menciona pueden resultar un instrumento didáctico interesante ala hora de plantear el tema propuesto.

8 Este trabajo retoma algunos temas y debe considerarse continuación del presentado en elPrimer Encuentro de la Red Internacional Marc Bloch de Estudios Comparados Europa-AméricaLatina, realizado en la UNCPBA, Tandil, en mayo de 2006 (Véase S. Bandieri, “La dimensiónregional como alternativa analítica para pensar otros espacios y nuevas periodizaciones”,en S. Bandieri, G, Blanco y M. Blanco, Coord., Las escalas de la historia comparada, Tomo 2.Empresas y empresarios. La cuestión regional, Buenos Aires, Miño y Dávila, 2008).

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en la administración pública como una expresión más de los movimientosreformistas que sacudían por entonces al orden liberal, aún cuando secompartieran sus ideas de fondo. Los reclamos por una mayorintervención estatal en el orden económico habían logrado en esemomento un mejor posicionamiento, especialmente visible a partir delaño 19069 y, en ese sentido, deben interpretarse sus proyectos yconcreciones en la función pública nacional. Dentro del llamado grupode los “liberales reformistas” de principios del nuevo siglo, Ramos Mexíacompartió plenamente el lenguaje político en el que se expresaba elcontexto ideológico de la época, en cuanto a promover cambios yrenovaciones en el orden institucional a partir de las decisiones políticasque se tomasen desde el propio Estado, al cual se reservabanintervenciones diversas.10

Desde distintos lugares de la sociedad civil y del propio gobierno,miembros de la facción reformista planteaban la necesidad de incorporarnuevos rubros a la agenda de problemas que se debían resolver en laArgentina de la época. Distintos proyectos innovadores intentabansuperar las limitaciones percibidas en el modelo socio-económicovigente, reclamándose al Estado algunos cambios necesarios en el sistemapolítico y en las bases económicas y sociales del país. La formulaciónpolítica de la ley de fomento apoyaba una mayor intervención estatal enaquellas zonas – como los territorios nacionales – todavía ajenas al interésde los capitales privados. La propuesta de Ramos Mexía percibía lasdeficiencias del modelo en cuanto hacía al desarrollo igualitario de lasregiones y, sobre todo, cuestionaba la política agraria de los gobiernosconservadores. Las nuevas tierras públicas debían ser pobladas ycolonizadas y, para ello, el tendido de ferrocarriles estatales de fomentoresultaba una medida prioritaria. Pero el proyecto avanzaba incluso enpropuestas más reñidas con la ortodoxia liberal de la época, como lo

9 Las actitudes más decididas a favor del proteccionismo estatal que se tomaron a partir de1906 han sido reconocidas por varios autores, entre ellos Carlos Díaz Alejandro, Ensayossobre la Historia económica argentina, Buenos Aires, Amorrortu, 1975:275-279. Aunque losniveles reales de intervención estatal deben entenderse en términos de la época, resultaimportante reconocer la percepción que de ello tenían los actores, entre ellos el propioRamos Mexía, que se sentía formando parte de un proyecto de mayor intervencionismoestatal (E. Ramos Mexía, Mis Memorias, op. cit., 1936:254).

10 Eduardo Zimmermann, Los liberales reformistas. La cuestión social en la Argentina 1890-1916,Buenos Aires, Sudamericana, Editorial de San Andrés, 1995.

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demuestra la misión Bailey Willis y sus esfuerzos por estudiar el posibledesarrollo industrial de la zona.11

La ley de fomento contemplaba un amplio plan de obras públicasa desarrollarse en los territorios de Chaco, Formosa y la Patagonia. En elpensamiento de Ramos Mexía, el desarrollo de estas áreas requería deuna presencia muy activa del Estado nacional mediante la construcciónde líneas férreas de fomento que sirvieran a la consolidación del mercadointerno –por cuanto los ferrocarriles privados sólo cubrían las zonasproductoras de carnes y granos que les aseguraban mayores beneficios-, la realización de obras de navegación, la regulación de las crecientes yla canalización de los ríos, atendiendo también a su aprovechamientoenergético, así como la división y venta de las tierras fiscales bajo unaefectiva política de colonización y poblamiento. El vasto plan de obraspúblicas proyectado para los territorios nacionales se dividía en dospartes: aquellas que podían hacerse con el concurso financiero de lasgrandes compañías de ferrocarriles, que obtendrían a cambio un aumentoconsiderable de su tráfico, y las que no podían hacerse con ese apoyofinanciero por encontrarse fuera de su radio de interés.

Respecto de la Patagonia, tres líneas de penetración se pensaronpara los territorios del sur: los ferrocarriles estatales de San AntonioOeste a San Carlos de Bariloche, con una extensión a Valdivia, en Chile,y los de Comodoro Rivadavia y Puerto Deseado al lago Buenos Aires ya la zona cordillerana, para unir esta última con las rutas del este. Ello secompletaría con un trazado de trocha angosta de norte a sur que enlazaríalos fértiles valles andinos entre sí, y a estos con la costa a través de lostendidos anteriores, asegurando una fluida comunicación con lospotenciales mercados del Atlántico y del Pacífico. De esta forma sereconocía la tradicional articulación mercantil de las áreas andinaspatagónicas con el sur de Chile, que perduró según vimos sin mayoresvariantes hasta avanzado el siglo XX.

11 El ministro contrató al Ing. Bailey Willis, reputado miembro del Departamento deInvestigaciones Geológicas del gobierno de los Estados Unidos, para la realización de unaserie de estudios en la Patagonia, que incluían la instalación de industrias con fuentesenergéticas alternativas y renovables como el agua. Con innumerables cuestionesburocráticas se entorpeció la continuidad de la misión hasta que prácticamente concluyócon la renuncia de Ramos Mexía (S. Bandieri, “Pensar una Patagonia con dos océanos: elproyecto de desarrollo de Ezequiel Ramos Mexía”, en Quinto Sol, Revista de HistoriaRegional, UNLP, 2009).

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El proyecto fue desnaturalizado casi de inmediato cuando elministerio de hacienda modificó su estructura financiera. Mientras elplan de obras públicas de Ramos Mexía se sostendría a través de lacolonización de las tierras fiscales valorizadas por los ferrocarriles, elgobierno decidió solicitar a esos fines un empréstito. Si bien laconstrucción de la mayoría de los ferrocarriles proyectados se inició, sucosto pesó sobre la deuda pública y pocas veces se llegó al destinopropuesto. El fracaso del proyecto colonizador, en opinión de RamosMexía, incentivó la formación de latifundios muchas vecesimproductivos, desvirtuando la idea inicial de construir ferrocarriles queincentivaran el poblamiento de las tierras fiscales, como era el eje centralde la ley de fomento.

De los proyectos iniciales poco y nada se cumplió, por cuanto eltendido de rieles sólo permitió articulaciones parciales sin llegar nuncaa integrar a los distintos territorios patagónicos entre sí ni a cubrir lafranja cordillerana en su conjunto.12 En el norte de la región, el tendidode las vías férreas programadas alcanzó niveles algo más significativos.13

Luego de varios años sin avance alguno, el tendido finalmente concluyóen el lago Nahuel Huapi en el año 1934, coincidiendo con la puesta enmarcha del proyecto nacional de explotación turística de San Carlos deBariloche, sin que nunca se concretara la extensión transcordillerana.Varios años después, la población de Esquel, en el área andinachubutense, se convertiría en punta de rieles del ferrocarril de trochaangosta – más conocido como “la trochita” – que en Ingeniero Jacobaccise uniría con el anterior. Fue éste pequeño tramo la única expresión del

12 La primera de estas líneas, cuya construcción se inició en 1909, debía unir la costa con lacordillera entre Puerto Deseado y el lago Buenos Aires, para entroncar allí con la línea delNahuel Huapi. Del trazado original sólo se terminó en 1914 el tramo de 283 km entre elpuerto y la Colonia Las Heras. Del ramal a Colonia Sarmiento y Comodoro Rivadavia,sólo se habilitó en 1912 el tramo inicial entre el puerto y esta última localidad, cubriéndoseun recorrido adicional al servicio de una estancia de la zona. Otros tendidos de penetracióndel Ferrocarril Nacional Patagónico unirían mas tarde algunos puertos con áreas específicasdel interior regional. Un mapa de las líneas férreas de la Patagonia con los tramosproyectados por la Ley de Fomento y aquellos efectivamente construidos, puede verse enJosé María Sarobe, La Patagonia y sus problemas, Buenos Aires, Editorial Centro de EstudiosUnión para la Nueva Mayoría, 1999:289.

13 En 1910 se inició la construcción del ramal que debía unir el puerto de San Antonio Oestecon San Carlos de Bariloche a través de la meseta rionegrina para llegar luego a Valdivia.En 1917 los rieles llegaron a Ing. Jacobacci y en 1929 a Pilcaniyeu, en el territorio de RíoNegro, y allí se detuvieron hasta 1934.

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proyectado ferrocarril norte-sur que debía unir los fértiles vallescordilleranos.

Como parte del mismo plan, el problema del riego fue encaradodecididamente por el ministro Ramos Mexía a partir de la construcciónde un vasto sistema de canales y desagües. En 1910 se inició laconstrucción de las obras del dique sobre el río Neuquén –hoy diqueIng. Ballester- para derivar las crecientes y del canal de riego quepermitiría la puesta en producción inicial del valle inferior de ese río,concluidas en 1916, con lo cual se iniciaría el cambio productivo queharía de la fruticultura, años mas tarde, el cultivo por excelencia en elalto valle del río Negro. Un rol preponderante en ello cumplió la empresabritánica del Ferrocarril Sud, que financió poco más del 50% del costoinicial de las obras.14

Aun cuando los resultados, en este caso, fueron más efectivos, laconcepción central del proyecto en cuanto a la integración de losterritorios nacionales patagónicos, nunca se concretó. No caben dudasde que la decisión política respecto de una mayor intervención estatalen la Patagonia no estaba aún consolidada. Severos cuestionamientosdebió enfrentar el ministro a la hora de discutirse sus proyectos en elCongreso. Tanto los sectores vinculados a la exportación de lana comolos importadores de tejidos, así como el sistema ferroviario privado,asociados al viejo esquema de funcionamiento económico, se oponían acualquier modificación que implicara una pérdida de beneficios. Losferrocarriles estatales propiciados por Ramos Mexía eran sentidos comoposible competencia por los transportes ferroviarios que los capitalesingleses monopolizaban en el norte de la Patagonia. A la hora desancionarse la ley de fomento, según vimos, el Congreso cambió elproyecto inicial introduciendo importantes modificaciones. Los planesde expansión patagónica quedaron postergados por la imposibilidad deobtener fondos con destino a obras públicas nacionales, a la vez que seacusaba a Ramos Mexía de abusos y derroches presupuestarios en unainterpelación parlamentaria realizada en 1912, obligándolo a renunciar.

14 S. Bandieri y G. Blanco, “Pequeña explotación, cambio productivo y capital británico en elAlto Valle del río Negro”, revista Quinto Sol nº 2, Santa Rosa, UNLPam., 1998.

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La preocupación por “argentinizar” la Patagonia

Años más tarde, la preocupación por una más efectiva presenciaestatal en la Patagonia se volvía una realidad. En la década de 1920, laconexión con Chile era percibida todavía como una cuestión muyimportante y, ahora, peligrosa, habida cuenta de los conflictos obrerosproducidos en las estancias santacruceñas en los años 1921/22, de loscuales se culpaba, entre otros – y muy exageradamente, por cierto –, alos trabajadores anarquistas y comunistas procedentes de Chile. La faltade un “sentimiento de argentinidad” en los territorios patagónicosempezó a ser sentida entonces como un verdadero problema que habíaque solucionar, tema que se incrementó durante la década de 1930 conel fortalecimiento de las posiciones nacionalistas en los ámbitos degobierno.

Los funcionarios públicos – gobernadores, jueces, inspectores detierras y de escuelas, entre otros – argumentaban insistentemente a favorde la toma de una serie de medidas correctivas como eran la instalaciónde regimientos, la fundación de escuelas elementales, la formación demaestros del lugar, la obligación de denunciar los nacimientos en el país,la celebración de fiestas patrias y la ampliación y mejoramiento de lascomunicaciones. Con buen criterio, no desprendían la situación vigentede una presunta ocupación territorial ni de un avance de la soberaníanacional de un país sobre el otro, sino de las consecuencias lógicas deuna forma de organización social del espacio que fue incluso anterior ala fijación de límites entre las naciones y que guardaba relación directacon la formación de economías regionales complementarias, hechoatribuido, en muchos casos, a la lejanía de los centros de poder.Precisamente, esa preocupación por “argentinizar” llevó a algunosorganismos a tomar medidas específicas, como fueron la creación desucursales del Banco de la Nación Argentina en varios centros fronterizosde la región.

En mayo de 1934 también concluyó, como adelantamos, la líneaferroviaria entre el puerto de San Antonio y San Carlos de Barilocheiniciada en 1910, pero no ya como parte de un proyecto integrador de laPatagonia como el que se planteara en la ley de fomento de 1908, sino alservicio de un modelo de desarrollo turístico internacional manejadopor el propio Estado a través de la recientemente creada Dirección deParques Nacionales. Exequiel Bustillo, su primer director, cambió

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definitivamente el perfil fronterizo de la localidad de San Carlos deBariloche, convirtiéndola en un centro turístico de nivel internacional.15

De ese modo se pensaba actuar de manera más concreta en elfortalecimiento de la frontera y en la “argentinización” de los territoriospatagónicos.16 Los cambios en la urbanización de Bariloche, bajo el diseñodel arquitecto Alejandro Bustillo, hermano del anterior, se acompañaroncon una dotación importante de servicios (agua corriente, pavimento,cloacas, etc.) y una amplia red de caminos dentro del área del ParqueNacional. El Automóvil Club Argentino, el hospital regional, el Bancode la Nación Argentina, la avenida costanera y la catedral, concluida en1947, todos con idéntico estilo arquitectónico, propio de una aldea suiza,fueron parte del mismo proceso de modernización, con el acuerdo delas autoridades municipales que también se favorecieron con los cambios.Sin duda que estas importantes obras demandaron ingentes esfuerzospresupuestarios que la Nación estuvo dispuesta a hacer, en parte porlas conexiones personales de Bustillo con las administracionesconservadoras de la época, pero mayormente por el interés, ahoraexplicitado, de consolidar la jurisdicción argentina en las áreas fronterizasde la Patagonia, cuestión que se profundizó con el golpe militar de juniode 1943, que marcó el fin de la era Bustillo al cambiar el perfil elitista deBariloche por un turismo de carácter más popular. Pero su definitivaorientación hacia los centros argentinos ya estaba consolidada.17

La localidad de Neuquén, por su parte, adonde se había trasladadola capital del territorio de igual nombre a la llegada del Ferrocarril Sud,en el año 1904, no contó con conexión terrestre con el vecino territoriode Río Negro –con la sola excepción del puente ferroviario- hastaavanzada la década de 1930. Hasta entonces, un precario servicio debalsa sobre el caudaloso río Neuquén era el único medio para cruzarhombres y bienes y comunicar la capital con el resto del país. En el año1937 se inauguró, finalmente, el puente carretero que unió a este territoriocon el de Río Negro.

15 Laura Méndez, “Circuitos económicos y relaciones sociales en espacios de frontera. SanCarlos de Bariloche: de pueblo de frontera a centro turístico internacional (1880-1935)”.Tesis Doctoral, UNCPBA, Tandil, 2005, inédita.

16 Eduardo Bessera, Políticas de Estado en la Norpatagonia Andina. Parques Nacionales,desarrollo turístico y consolidación de la frontera. El caso de San Carlos de Bariloche (1934-1955), Tesis de Licenciatura, UNCo., agosto 2008, inédita.

17 Laura Méndez, Circuitos económicos y relaciones sociales…, op. cit., 2005.

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La creación de escuelas de frontera y la generalización de ritualesescolares18 también se intensificó en la década de 1930, cuando lanecesidad de crear una “identidad nacional” en los territoriospatagónicos fue declarada de interés prioritario por el Estado nacional.Estas escuelas, creadas en espacios rurales fronterizos, mayoritariamenteocupados por indígenas y pobladores de origen chileno –consideradoscomo “población problema”-, 19 eran entendidas, en tanto divulgadorasdel discurso patriótico nacional, como las herramientas más importantesen la construcción de un ideal colectivo de nación.20

La construcción de infraestructura en caminos y comunicacionesmediante el accionar de la Dirección Nacional de Vialidad, creada en1932,21 la edificación de puentes, la conclusión de líneas férreas y lacreación de organismos nacionales con intervención directa en la región,fue la respuesta a los “peligros” que para el nacionalismo de la épocaamenazaban no sólo a la cultura, sino también, y especialmente, alterritorio nacional. En ese mismo sentido, se incrementó la explotaciónde los recursos petroleros, gasíferos y carboníferos bajo el control delEstado, como veremos a continuación, y se crearon dependenciasmilitares en los espacios más estratégicos a los efectos de proteger lasupuesta vulnerabilidad de la soberanía nacional que se suponíaamenazada desde diversos frentes.22

18 Brígida Baeza, “Las prácticas sociales de conmemoración en el Departamento Tehuelches.Los actos cívicos en la época territoriana”, en Brígida Baeza y Daniel Marques (comp.),Resistir en la frontera. Memoria y desafíos de la sociedad de Gobernador Costa y el DepartamentoTehuelches, Comodoro Rivadavia, Municipalidad de Gobernador Costa y Subsecretaría deCultura de la Provincia de Chubut, 2003.

19 María C. Meccozzi, La escuela pública en una sociedad de frontera. La creación de la Escuela n º118 ¿Necesidad vecinal o imposición estatal?, trabajo presentado para la aprobación delSeminario de Historia Regional, carrera de Historia UNCo., Sede San Carlos de Bariloche,2006, inédito.

20 Destaca un documento del Consejo Nacional de Educación de 1930 “…la imprescindibletarea de argentinizar cada vez más a la Patagonia, de inculcar constantemente la enseñanzapatriótica y nacionalista, de infundir en las escuelas y en los vecindarios el culto a nuestroshéroes y símbolos, el amor a la libertad y veneración a nuestras instituciones” (El Monitorde Educación, Buenos Aires, 1930:132, cit. en Mecozzi, 2006:8).

21 La red de rutas y caminos terrestres construida por el Estado, unida al auge de la industriaautomotriz mundial, permitió afianzar la integración del territorio nacional. La ruta 3,que recorría la costa atlántica, y la 40, que bordeaba la cordillera sirvieron, en el caso de laPatagonia, para fortalecer la circulación regional de bienes y personas.

22 Varios regimientos se instalaron en diversas áreas de la Patagonia, en tanto que en 1938 secreaba Gendarmería Nacional como fuerza encargada de la vigilancia fronteriza.

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El Estado empresario

Otra modalidad importante a la hora de marcar una presencia muyactiva del Estado nacional en la Patagonia se vincula con la explotaciónde los recursos petroleros y gasíferos, especialmente importantes en lacuenca del golfo San Jorge, con centro en Comodoro Rivadavia, en elterritorio del Chubut, y en Plaza Huincul, en el territorio de Neuquén.En ambos casos se desplegó, sobre comienzos de la década de 1920, unimportante accionar estatal directamente vinculado a la“argentinización” de los yacimientos y a la generación de un fuertevínculo identitario de los trabajadores con las empresas y, por ende, conel Estado-nación. La cuestión se agudizó en las décadas de 1930 y 40,acorde con los avances en este sentido que promoviera el presidenteJusto en los territorios nacionales y a los intereses similares quesostuvieron los grupos militares que lideraron la revolución de 1943.

En esa misma dirección se dispuso, por decreto del Poder EjecutivoNacional del año 1944, la creación de una zona militar en ComodoroRivadavia con el objeto de proteger los recursos hidrocarburíferos de laregión, entendida como área de seguridad frente a los cambios en elcontexto internacional que implicaba el desarrollo de la Segunda GuerraMundial, próxima a definirse. Bajo el nombre de Gobernación Militar,la nueva división jurisdiccional perduró hasta el año 1955, favoreciendouna importante política de inversiones por parte del Estado. Entre lasfacultades de los nuevos gobernadores militares se privilegiaba un fuertecontrol social con el objeto de mantener el orden y la moral pública.

Para explicar este proceso debemos ubicarnos a comienzos de ladécada de 1920, cuando se produjo una caída coyuntural de los preciosinternacionales del petróleo que provocó el retiro de muchas de lasempresas instaladas en el país. Pero este comportamiento de lasinversiones privadas se relaciona también con un cambio de políticainiciado por el radicalismo en el poder, que insistió ante el Congresopara modificar la legislación hasta entonces vigente, excesivamentepermisiva, alentando la nacionalización y la explotación fiscal de losrecursos del subsuelo nacional. Ello derivó en la creación de la “DirecciónGeneral de Yacimientos Petrolíferos Fiscales” –YPF- en el año 1922 y enel decreto de enero de 1924 que ampliaba la reserva fiscal en los territoriosnacionales de la Pampa y Patagonia a una superficie de más de 32millones de hectáreas. Se establecían además normas estrictas para

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acceder a los cateos en las zonas no reservadas, trabando así la expansiónde las explotaciones privadas que para 1927 se había reducidodrásticamente.

Bajo la enérgica administración del Gral. Enrique Mosconi al frentede YPF se abrió en 1922 una nueva etapa, decisiva en el desarrollo delpetróleo nacional.23 La producción fiscal se duplicó y aumentóconsiderablemente la capacidad de almacenaje y transporte estatal conla flota petrolera argentina, a la vez que se inició la capacitación detécnicos y geólogos nacionales, consolidándose en este período laintegración vertical de la industria petrolera en manos del Estado.

Como forma de asegurar el control y la normal provisión depetróleo al mercado interno, se impondría desde el Estado una estructurade carácter militar a los yacimientos, lo cual daría característicasespecíficas al desarrollo de la actividad. Asimismo, se impuso una acciónreguladora del mercado interno por parte de la empresa estatal,acompañada por un fuerte control de la fuerza de trabajo.Simultáneamente, la empresa puso en marcha una serie de políticas debienestar y asistencia al trabajador –equiparables a las medidas“bismarckianas” adoptadas durante el Segundo Imperio Alemán-24 paraasegurar la producción y evitar los conflictos laborales. Control ycontención social fueron entonces una parte muy importante de la gestiónempresarial del Estado en esta etapa, iniciándose además una explícitapolítica para homogeneizar y promover la identificación de lostrabajadores petroleros con la empresa nacional. Esto se acompañó conel reclutamiento de mano de obra en las provincias del norte argentinopara reemplazar gradualmente a los inmigrantes extranjeros, a la vezque se desarticulaban las organizaciones obreras independientes quehabían protagonizado algunos conflictos en la etapa anterior. Lostrabajadores del petróleo fueron instalados en campamentos especialesdonde se ejercía un fuerte control por parte de la empresa, a la vez que

23 Para el desarrollo de estos temas, véase Daniel Cabral Marques y Edda Crespo, “Entre elpetróleo y el carbón: Empresas estatales, trabajadores e identidades sociolaborales en laPatagonia Austral (1907-1976)”, en Susana Bandieri, Graciela Blanco y Gladys Varela (dir.),Hecho en Patagonia… La historia en perspectiva regional, Neuquén, Serie Publicaciones CEHIR,EDUCO -Editorial UNCo.-, 2006.

24 Daniel A. Cabral Marques, “Las empresas estatales extractivas y la configuración deidentidades sociales ligadas al mundo del trabajo en la Patagonia Austral (1907-1955)”,tesis de Maestría en Historia, Universidad Nacional de Mar del Plata, marzo 2008, inédita.

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se satisfacían las necesidades básicas de las familias proveyéndoles deproveedurías para el abastecimiento de alimentos y vestimentas,viviendas, educación, salud y esparcimiento. La administración de YPFintervenía de diversas maneras en el manejo administrativo de losmunicipios cercanos, con una fuerte ingerencia en el caso de ComodoroRivadavia, como parte de un mayor control de la situación regional ensu conjunto.

Yacimientos Petrolíferos Fiscales, en calidad de agente estatal,participaba en todo el proceso productivo como una empresa integradaque controlaba los procesos de exploración, explotación, industrializacióny comercialización. Puede decirse que durante varios años, y pese a loscambios políticos, el Estado siguió ejerciendo una clara direccionalidadinterventora a través de sus empresas YPF y Gas del Estado, a las cualesse agregaría, en la década de 1940, la explotación de carbón en las Minasde Río Turbio y la creación de Yacimientos Carboníferos Fiscales – YCF–, produciendo efectos socioespaciales característicos a través delasentamiento permanente de mano de obra y del arraigo de numerososagentes de servicios en las zonas de explotación. En todos los casos serepetía el esquema del campamento o villa central donde se instalabanlas viviendas –divididas en sectores según fueran para el personaljerárquico o los obreros- y todos los servicios necesarios, incluidos salud,educación, clubes y otros espacios de sociabilidad, con lo cual seaseguraba la estabilidad de la fuerza de trabajo y se promovía laformación de una identidad comunitaria y de un sentido de pertenenciaque se trasmitía de generación en generación, donde los trabajadores sesentían miembros de una “gran familia” identificada con la empresaestatal y con la nación. Esto, a la vez que aseguraba al Estado unaorganización centralizada y bien disciplinada, promovía en los obrerosuna idea de pertenencia colectiva que los diferenciaba de otrostrabajadores, creando sus propias tradiciones identitarias que superabanincluso los límites territoriales que pudiese eventualmente haber entrelos yacimientos. Especial hincapié se hacía en que todos los trabajadoresvinculados a estas empresas estuviesen convencidos de estar realizandouna tarea muy importante para el desarrollo nacional. A esos mismosfines comenzó a festejarse todos los 13 de diciembre, a partir de 1947, la“Fiesta Nacional del Petróleo”. Importantes dosis de endogamia –casamientos entre miembros de las familias petroleras- se generaron por

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las mismas causas, así como fueron frecuentes variadas formasasociacionistas, muy visibles en la formación de cooperativas, clubessociales, cuadros de fútbol, etc.25

Conclusiones

No caben dudas de que el proyecto de una mayor intervenciónestatal en la Patagonia, propuesto por la ley de fomento de los territoriosnacionales formulada por Ezequiel Ramos Mexía en la primera décadadel siglo XX, no alcanzó el apoyo necesario de los grupos liberales quepor entonces controlaban el gobierno nacional, que seguramentecompartían la visión de la marginalidad periférica que estas áreas teníanpara el progreso argentino en ciernes, basado de manera casi exclusivaen el desarrollo agropastoril de la pampa húmeda.

Otra fue la situación cuando, con el auge del pensamiento nacionalistade las décadas de 1930 y 40, comenzó a visualizarse a la Patagonia como un“área problema” que requería de una urgente intervención del Estado paracompletar el proceso de “argentinización”, extremadamente débil todavíaen lo que hacía a la defensa de los intereses nacionales, especialmentereflejados en la amenaza territorial que parecía implicar la eventualexpansión chilena. El territorio estatal, por la creciente influencia delpensamiento geopolítico, se convirtió entonces en un elemento central a lahora de fijar identidades nacionales, y los antiguos espacios fronterizoscomenzaron a ser interpretados, y por ende incorporados por la sociedad,como verdaderos límites entre los Estados, ya sea en el sentido de una barrerade clausura del territorio o como una zona crítica de tensión y conflictos.Consecuentemente con esas imágenes, una serie de medidas “correctivas”empezaron a aplicarse en el caso patagónico.

Es así que las restricciones arancelarias para cortar definitivamenteel intercambio comercial espontáneo a través de la cordillera de los Andesimpuestas por el Estado nacional entre los años 1930 y 1945; la construcciónde rutas, puentes carreteros y ferrocarriles sobre mediados de la década

25 Estas características, además de las estrictamente económicas, deben tenerse especialmenteen cuenta a la hora de comprender las manifestaciones sociales producidas en la Patagoniaa raíz de la privatización de las empresas del Estado en la década de 1990, especialmenteen el caso de YPF donde la incidencia de la empresa en la economía y sociedad regionalera mayor y generaba más valor agregado.

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de 1930; la creación de la Dirección Nacional de Parques Nacionales en1934 bajo la gestión Bustillo, que cambió el perfil de pueblo de frontera deSan Carlos de Bariloche en centro turístico internacional; la conversión delos habitantes de los territorios nacionales en ciudadanos plenos de lanación en un demorado proceso que se extendió a lo largo de la década de1930 y se concretó recién a mediados de la década de 1950; la habilitaciónde sucursales del Banco de la Nación Argentina en las poblacionesfronterizas a lo largo de las décadas de 1930 y 40, la creación generalizadade escuelas de frontera en esos mismos años, la definición de áreas decontrol militar y la significativa presencia del Estado empresario en laexplotación de los recursos petroleros, gasíferos y carburíferos, son todoselementos que coinciden en época y marcan la necesidad de avanzar enuna nueva periodización para la definición de las fronteras como límitesen los espacios patagónicos, en directa relación con las formas depenetración más efectivas del Estado nacional a lo largo del siglo XX quecoinciden con afirmaciones territoriales y simbólicas de una presencia que,hasta entonces, y con pocas excepciones, era escasamente significativa.

La redefinición de las fronteras: cuando “argentinizar” fue la consigna / Suzana Bandieri

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

A fronteira manejada:apontamentos para uma história social dafronteira meridional do Brasil (século XIX)

Mariana Flores da Cunha Thompson Flores*Luís Augusto Farinatti**

Este artigo abriga uma reflexão sobre o tratamento historiográfico daquestão da fronteira no estudo da sociedade dos confins meridionais doBrasil, no século XIX. Realiza-se uma análise historiográfica para, a se-guir, propor um caminho ainda pouco explorado nesses estudos. Discu-te-se duas visões opostas: a “fronteira-barreira”, que isolaria populações;e a zona de fronteira completamente integrada, onde a existência de li-mites nacionais não teriam verdadeira influência nos processos sociais eeconômicos. Indo em outro sentido, a proposta apresentada neste traba-lho insiste na importância do estudo dos diversos grupos sociais dassociedades de fronteira, pouco visíveis nos estudos realizados até agora.Trata-se do estudo das maneiras como a situação de fronteira influenci-ava diferentemente atores com posições sociais diversas, como eles cria-vam estratégias para lidar com essa situação, como a fronteira podia as-sumir, assim, significados diversos e como isso mudava com o tempo.Dessa forma, propõe-se aqui a importância do estudo sistemático da pro-dução social da fronteira.

Introdução

A imagem do Rio Grande do Sul como uma terra de fronteira estáenraizada na historiografia. Os significados atribuídos a esse fato, po-rém, não gozam da mesma unanimidade. Da “fronteira-barreira”, quesepararia radicalmente os rio-grandenses de seus vizinhos platinos, pas-sou-se à idéia de uma zona de fronteira bastante integrada. Nas versões

* Doutoranda em História pela PUCRS.** Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria; doutor em História

Social pela UFRJ.

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mais radicais desta última abordagem, a alteridade entre populações eo limite político entre os Estados nascentes no século XIX foram esmae-cidas até o apagamento. A zona de fronteira tendeu, então, a ser vistacomo um espaço onde as populações fronteiriças desenvolveriam umaidentidade comum, mais importante até do que seus sentidos de per-tencimento a um ou outro país.

Neste trabalho, buscamos debater essas idéias e propor formasalternativas de abordar a história das populações que viveram na gran-de zona de fronteira que envolvia a área meridional do Rio Grande doSul, o norte do Uruguai e as províncias do litoral argentino, sobretudoCorrientes. Detemo-nos principalmente ao longo do segundo e do ter-ceiro quartéis do século XIX. Mais especificamente, analisamos aqui afronteira sudoeste do Rio Grande do Sul. Em sua parte “brasileira”, aregião abrangia o município de Alegrete, e os de Uruguaiana e Santanado Livramento, que se desmembraram daquele, respectivamente, nosanos de 1846 e 1857.1

Limites Instáveis

A expansão luso-brasileira sobre os territórios disputados com oImpério Espanhol, no oeste do atual território do Rio Grande do Sul,acelerou-se em 1801, com a incorporação da área dos “Sete Povos dasMissões”, a noroeste. Aquela estava longe de ser uma “terra de nin-guém”.2 Tribos de indígenas charruas e minuanos faziam daqueles cam-pos a sua morada. Tinham se tornado destros no manejo do cavalo, ar-rebanhavam gado e estabeleciam relações que podiam passar do en-frentamento ao comércio com os assentamentos portugueses, a leste,guaranis, ao norte/oeste e espanhóis, ao sul.3 Da mesma forma, havia

1 Neste período, o município de Alegrete englobava também as áreas onde se localizam hojeos municípios de Quaraí, Rosário do Sul e Manoel Viana, os quais obtiveram suasemancipações nos anos de 1875, 1876 e 1992. SILVEIRA, Hemetério José Velloso da. AsMissões Orientais e seus antigos domínios, 1979.

2 Sobre as atividades de arreamento e comércio de gado envolvendo animais vindos daquelaárea, ao longo do século XVIII, ver: HAMEISTER, Marta Daisson. O Continente do Rio Grandede São Pedro: os homens, suas redes de relações e suas mercadorias semoventes, 2002 e GIL, TiagoLuís, Infiéis Transgressores: os contrabandistas da fronteira (1760-1810), 2003.

3 Sobre alianças do minuanos com o líder Rio-grandense Rafael Pinto Bandeira em fins doséculo XVIII, ver: GIL, Tiago Luis. Infiéis Transgressores...,2003.

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mais de século que os guaranis missioneiros utilizavam a região para oestabelecimento de suas estâncias. Não se tratava simplesmente de ar-rear gado. Além disso, eles organizavam postos para amansar as reses eestabelecer o processo de criação. Era o caso, por exemplo, dos missio-neiros de Japejú, o mais meridional dos 30 Povos, que já desdobravamem quatro suas estâncias na desembocadura do rio Quaraí, em 1704.4 Aconformação da sociedade que se construiu naquela zona de fronteira,ao longo do século XIX, foi a resultante do choque e das relações manti-das por migrantes vindos de diferentes origens – tanto guaranis missio-neiros quanto luso-brasileiros, hispano-platinos, charruas e minuanos.

Ao sul dos Sete Povos, passando o rio Ibicuí, localizava-se a re-gião de boas pastagens povoada por grandes manadas de gado não do-mesticado, em uma área contínua que englobava o futuro território daregião da Campanha Rio-grandense e do norte da Banda Oriental. Nasprimeiras décadas do Oitocentos, houve uma aceleração no movimentode ocupação daquelas terras pelos luso-brasileiros.5 Esse processo se so-lidificou ainda mais porque a Banda Oriental tornou-se parte do Impé-rio Português (1821) e depois brasileiro, como Província Cisplatina.

Por sua vez, a independência do Uruguai, em 1828, ocorreu sem aformalização da fixação dos limites daquele país com o Brasil. Esta ofi-cialização somente se efetivou em 1851, mas continuou sendo alvo decontestações diplomáticas mesmo depois. No mesmo sentido, ao longode todo o século, as diplomacias de ambos os países, e também a daArgentina, seguiram pretendendo ampliar os territórios a custa de seusvizinhos. Porém, desde 1828, havia uma divisa provisória que era sus-tentada na prática. Embora pudessem haver controvérsias quanto a al-gumas áreas limítrofes, as autoridades uruguaias e brasileiras estavamestabelecidas e buscavam exercer sua jurisdição, cada uma de seu ladodo limite nacional. No seu extremo ocidental, que interessa mais direta-

4 MORAES, María Inés. La ocupación del espacio y la formación de paisajes agrarios en Uruguay,2006, p.p. 70-71.

5 Naturalmente, essa expansão não se deu sobre uma “terra de ninguém”. Desde muitoantes de 1801 os guaranis missioneiros e também diversos bandos de arreadores, formadospor súditos mais ou menos fiéis das coroas ibéricas, além de indígenas charruas e minuanos,cruzavam aquele espaço arrebanhando e comercializando gado. Ver: HAMEISTER, MartaDaisson. O Continente do Rio Grande de São Pedro: os homens, suas redes de relações e suasmercadorias semoventes., 2002 e GIL, Tiago Luís. Infiéis Transgressores: os contrabandistas dafronteira (1760-1810), ,2002.

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mente a este trabalho, a linha divisória era marcada pelo rio Quaraí. Ossúditos do Imperador eram os donos de muitas das terras e animais noEstado Oriental (como era designada a República do Uruguai na maio-ria dos documentos brasileiros), sobretudo nos territórios localizadosao norte do Rio Negro. Isso acabaria por colocar aquelas áreas em rela-ção direta com a região da Campanha Rio-grandense, ao longo de todoo século XIX.6

Por sua vez, a divisa entre o Brasil e a província argentina de Cor-rientes era mais estável, consubstanciada no Rio Uruguai. Também alihavia grande troca social e econômica, especialmente com o municípiobrasileiro de Uruguaiana, que tinha um porto sobre aquele rio.

Destaque-se que, além de terem que lidar com um nascente limitenacional, as populações daquela zona fronteiriça também experimenta-ram, mesmo após 1828, momentos de sobreposição de soberanias, comofoi o caso da área dominada pelas autoridades da República Rio-Gran-dense, nunca reconhecida pelo Império e que os governantes platinosreconheciam ou não, conforme sua própria conveniência. O mesmo acon-tecia, por exemplo, no Estado Oriental durante fins da década de 1840,quando existia um governo em Montevidéu, que dominava a cidade-porto, enquanto os opositores haviam estabelecido uma autoridade quese pretendia legítima em Cerrito, e governavam o interior.

Da fronteira-barreira à comunidade plenamente integrada

Desde cerca de 1925 até meados da década de 1970, os intelectuaisligados à chamada “matriz lusitana” da historiografia rio-grandense fin-caram pé na imagem da fronteira como barreira, como separação entreduas realidades distintas, no caso o Brasil e as regiões de fala espanholado sul da América.7 Para esta corrente, a linha divisória nacional assumia

6 BARRÁN, José Pedro; NAHUM, Benyamin. História Rural Del Uruguai Moderno, vol. I, 1967.BARRIOS PINTOS, Antonio. Historia de la Ganaderia en el Uruguay, 1971. SALA DE TOURON,Luzía; DE LA TORRE, Nelson; RODRÍGUEZ, José Carlos. Evolución Económica de la BandaOriental, 1967. SOUZA, Suzana Bleil. Os Homens da Fronteira: estancieiros e força de trabalhona fronteira norte uruguaya, 2002.

7 Ieda Gutfreind, propõe os conceitos de “matriz lusitana” e “matriz platina” como categoriasde análise, onde enquadra estes historiadores preocupados em buscar origens da sociedaderio-grandense. Enquanto a primeira “matriz” defendia que esta sociedade teria se forjadosob influência portuguesa, a segunda acreditava numa influência platina na sua formação.Segundo a autora, a “matriz lusitana” foi a que “falou mais alto, impondo sua voz, calando seus

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uma existência quase a-histórica, como se o destino do Estado Nacionalbrasileiro fosse, necessariamente, o de assumir a forma territorial quetomou depois. De viés claramente nacionalista, tais obras subestima-vam as trocas culturais e as relações sócio-econômicas do Brasil meridi-onal com o Prata hispânico. Além disso, argumentavam que a posiçãode “ponta-de-lança” brasileira, no sul da América, teria tornado os rio-grandenses ainda mais identificados com o Brasil e opostos aos “caste-lhanos” platinos.

Um bom exemplo dessa forma de pensar está na obra de MoysésVellinho, que atribuiu ao “espírito de fronteira” um caráter eminentementemilitar. O autor defendia que o constante “entrechoque com um inimigo”,ou seja, com o outro lado da fronteira-limite, possibilitara ao habitantedesse espaço a formação de um sentimento de pertencimento nacionale, conseqüentemente, o estabelecimento de uma relação de alteridadefrente ao estrangeiro. Nas suas palavras: “esse sentimento militante de fron-teira, curtido na guerra, em muitas guerras, iria crescer, expandir-se em senti-mento político de integração e solidariedade nacional. (...) Eis por que o Brasilse apresentava ao espírito do fronteiro como um só corpo.”8

Essa visão era diversa daquela sustentada por Alfredo Varella e deManoelito de Ornellas.9 Esses e outros autores apontaram a existência devinculações importantes entre a sociedade que se formava no sul do Bra-sil e seus vizinhos platinos. Porém, como observou Ieda Gutfreind, ape-sar de reconhecerem a influência platina no Rio Grande do Sul, esses his-toriadores também estavam guiados pela idéia pré-concebida de nação ede Estado, identificadas com a unidade territorial político-administrativa

adversários.” São considerados autores vinculados à “matriz lusitana”: Aurélio Porto, SouzaDocca, Othelo Rosa e Moysés Vellinho. Compondo a “matriz platina” a autora relaciona:Alfredo Varella, João Pinto da Silva, Rubens de Barcellos e Manoelito de Ornellas.GUTFREIND, Ieda. A Historiografia Rio-grandense, 1998. Sabemos que a análise propostapor Ieda Gutfreind já foi repensada alguns aspectos. Contudo, parece-nos que, enquantolevantamento abrangente da historiografia rio-grandense, ainda é um trabalho de extremarelevância. Uma pesquisa importante, nesse sentido de reavaliar o paradigma das matrizes,é a de Letícia Nedel que aponta para que esta cronologia aplicada à matriz platina, que seestende da década de 1920 até 1970, acaba por homogeneizar o grupo de autores, encobrindopontos de inflexão que ocorreram nesse ínterim. NEDEL, Letícia B. Um Passado Novo parauma História em Crise: regionalismo e folcloristas no Rio Grande do Sul (1948-1965), 2005. Tesede Doutorado.

8 VELLINHO, Moysés. Fronteira, 1975, p.211.9 VARELA, Alfredo. História da Grande Revolução, 1933 (6 volumes). ORNELLAS, Manoelito

de. Gaúchos e beduínos: origem étnica e formação social do Rio Grande do Sul, 1948.

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que o país possuía no tempo em que eles escreviam suas obras.10 Aquiinteressa salientar que, mesmo assim, esses trabalhos abriram espaço paraa superação da idéia da fronteira meridional como uma área onde a divi-sa nacional pudesse isolar as populações que viviam de ambos os lados.

Nesse sentido, seria mais correto considerar que havia apenas al-guns aspectos de divergências entre as “matrizes”, do que oposiçõesideológicas veementes. Isso pode ser atribuído ao fato de que ambas“partiam da idéia de nação e de estado, identificando-os com os limites políticos-administrativos. Em relação ao estado sulino, subestimaram o mobilismo, a ação,o movimento de áreas geográficas bastante extensas(...).”11 Nesse sentido, per-cebemos que havia uma noção geral de fronteira onde, em primeiro pla-no, o que valia era exaltar a condição “original” de brasileiros dos rio-grandenses.12

Mais recentemente, uma série de estudos vem situando o Rio Gran-de do Sul dentro do “espaço platino”, “região platina” ou “espaço fron-teiriço platino”.13 Além de fazer parte do processo de extensão colonialportuguesa e consolidação do Império brasileiro em terras meridionais,o Rio Grande do Sul integrou, também, um espaço de característicascomuns com a província de Buenos Aires, a Banda Oriental (atual Uru-

10 GUTFREIND, Ieda. Op.cit. p. 145-149.11 Idem, p. 196.12 Gutfreind aponta, ainda, que outros autores, como Caio Prado Júnior em Formação do

Brasil Contemporâneo, Guilhermino César em Contrabando no Sul do Brasil e Alice Canabravaem Comércio Português no Rio da Prata já mostravam uma vinculação inconteste da fronteirameridional com as regiões hispano-platinas. GUTFREIND, Ieda. Op.cit. p. 145-149.

13 Entre outros: LEITMAN, Spencer. Raízes Sócio-econômicas da Guerra dos Farrapos, 1979.OSÓRIO, Helen. Apropriação da Terra no Rio Grande de São Pedro e a formação do espaço platino,1990. REICHEL, Heloisa Jochims. Conflito e Violência na Campanha Platina: séculos XVIII eXIX, 1993. PADRÓS, Enrique Serra. Fronteira e Integração fronteiriça: elementos para umaabordagem conceitual, 1994. OSÓRIO. Helen. O espaço platino: fronteira colonial no século XVIII,1995. _____. O Império Português no Sul da América: estancieiros, lavradores e comerciantes,2007. SOUZA, Susana Bleil de. A fronteira do sul: trocas e núcleos urbanos - uma aproximaçãohistórica, 1995. PICCOLO, Helga. “Nós e os outros”: conflitos e interesses num espaço fronteiriço(1828-1852), 1997. REICHEL, Heloisa Jochims; GUTFREIND, Ieda. As Raízes Históricas doMercosul: a região platina colonial, 1996. GUAZZELLI, César Augusto. O Horizonte da Província:a República Rio-Grandense e os Caudilhos do Rio da Prata (1835-1845), 1998. PADOIN, MariaMedianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução, 2001. HAMEISTER,Martha Daisson. O Continente do Rio Grande de São Pedro: os homens, suas redes de relações esuas mercadorias semoventes, 2002. GIL, Tiago Luís. Infiéis Transgressores..., 2003. PANIAGUA,Edson Monteiro. Fronteiras, violência e criminalidade na região platina. O caso do município deAlegrete (1852-1864), 2003. SOUZA, Susana Bleil; PRADO, Fabrício Pereira. Brasileiros naFronteira Uruguaia..., 2004.

A fronteira manejada / Mariana Flores da Cunha Thompson Flores e Luís Augusto Farinatti

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guai) e as províncias do litoral argentino (Corrientes, Entre Rios e SantaFé). Apesar da heterogeneidade de abordagens dentre essas obras, elascompartilham a percepção de que havia profundas ligações sociais, eco-nômicas, militares, culturais e políticas entre as sociedades que habita-ram esse espaço, forjadas desde os tempos coloniais. Além disso, enfati-zam que havia muitas características comuns entre elas, como a presen-ça de áreas de boas pastagens naturais; o papel central, ainda que nãoexclusivo, desempenhado pela produção pecuária; a combinação de for-mas diversas de trabalho “livre”, escravo e familiar; a onipresença docontrabando; a existência de uma instabilidade institucional e de umaverdadeira endemia bélica nos séculos XVIII e XIX. Naturalmente, asrelações que permeavam esse espaço não excluíam o conflito. Este, emvariadas manifestações, foi também um traço estrutural da fronteira.

Essas obras recentes têm apontado o importante papel das intera-ções entre sujeitos muito diversos no processo de construção da socie-dade dessa fronteira. Desde os tempos coloniais e durante as primeirasdécadas do século XIX, antes que fossem praticamente dizimados, gru-pos indígenas charruas e minuanos adaptaram-se à presença de gran-des manadas de gado e sobreviviam desempenhando sua própria polí-tica de alianças, guerra e comércio com os diversos outros blocos popu-lacionais que os circundavam.14 Por sua vez, os guaranis missioneirostambém participaram ativamente da transformação da paisagem agrá-ria e fizeram parte dos exércitos em luta na primeira metade do séculoXIX: combateram nas hostes de Tomás de Rocamora, Rivera, Bento Ma-noel e, sobretudo, de Artigas. Infelizmente, ainda carecemos de estudosespecíficos sobre a forte participação que tiveram na composição da po-pulação que habitava os campos da fronteira, ao longo do Oitocentos.15

O mesmo se dá quanto aos escravos, forros e pretos e pardos livres, quecomeçam a ter sua presença analisada, mas que ainda reclamam traba-lhos mais profundos.16

No que se refere ao período colonial, uma série de autores têmreiterado o anacronismo do emprego da noção de fronteira assemelhada

14 GOLIN, Tau. A Fronteira, vol I, 2002, p.p. 235-236, 254, 266.15 Para os séculos XVII e XVIII, ver: NEUMANN, Eduardo Santos. Uma fronteira tripartida: a

formação do continente do Rio Grande – século XVIII, 2004.16 Ver: FARINATTI, Luís Augusto. Escravos do Pastoreio: pecuária e escravidão na fronteira

meridional do Brasil (Alegrete, 1831-1850), 2006.

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a uma linha divisória entre Estados Nacionais. Ao contrário, ganhouênfase a visão da fronteira como uma região, uma zona de encontro deáreas extremas que não isolava as populações, mas, ao contrário, as co-locava em contato.17 Por outro lado, em fins da época colonial, o termofronteira também era empregado para designar uma realidade geográfi-ca mais específica nos confins do Rio Grande de São Pedro. A vila deRio Grande representava o último núcleo urbano da colonização portu-guesa ao sul, e a vila de Rio Pardo tinha o mesmo papel, a oeste. Asregiões logo além dessas vilas eram designadas pelos contemporâneoscomo “Fronteira do Rio Grande” e “Fronteira do Rio Pardo”.18 O empre-go do termo fronteira para designar aqueles espaços indica que aqueleseram vistos como lugares instáveis, com a presença de “outros”, umaregião de onde vinha o perigo de ataques inimigos, mas sugere, tam-bém, que tais áreas eram vistas como campos possíveis para a expansãoda colonização. Sobre esses espaços controversos, o povoamento luso seestendia, estâncias eram organizadas, sesmarias doadas, posses estabe-lecidas, faziam-se arriadas de gado e contrabando de mercadorias.

Por sua vez, o limite nacional entre Brasil e Uruguai foi uma novi-dade do século XIX e demorou a instalar-se. Como já foi dito, ele aindaestava em fase de construção e consolidação, ao longo de boa parte doséculo. Além disso, os trabalhos recentes têm ressaltado que a linha divi-sória era porosa. Ou seja, ela continuou permitindo um fluxo constantede pessoas, idéias e mercadorias, além de ser atravessada por espessa teiade relações sociais entre habitantes dos dois lados. No Estado Oriental, asáreas ao norte do rio Negro estavam profundamente conectadas tantocom a grande zona pecuária no Brasil, que ia até o rio Ibicuí, como tam-bém com as charqueadas de Pelotas e com o porto de Rio Grande. Emcontraposição, durante o conflito farroupilha, os estancieiros da Cam-panha rio-grandense enviavam costumeiramente suas tropas de gado

17 Para uma visão geral dos debates sobre fronteira nas ciências sociais, ver: ZIENTARA,Benedickt. Fronteira, 1999. Ver também o apanhado historiográfico sobre os estudos norte-americanos em relação ao tema de fronteira em: DJENDEREDJIAN, Julio. Economía y Sociedaden la Arcadia Criolla: Formación y desarrollo de una sociedad de frontera en Entre Ríos, 1750 –1820, 2003, p.p. 12-22. O autor elabora uma importante reflexão que parte da a obra de F.J.Turner, passando pela escola dos “borderlands” até os debates atuais. Ver o clássico estudode: TURNER, Frederick Jackson. The frontier in American History, 1958.

18 OSÓRIO, Helen. Apropriação da Terra no Rio Grande de São Pedro e a formação do espaço platino,1990. GIL, Tiago Luís. Infiéis Transgressores..., 2003.

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para os saladeros de Montevidéu.19 Tais regiões também mantinham re-lações com as províncias argentinas de Entre-Rios e Corrientes, sobretu-do com as áreas em que essas províncias tocavam o rio Uruguai.

Parte da historiografia recente, porém, foi além de constatar a im-portância das relações entre sujeitos que habitavam as várias regiõesdessa grande zona de fronteira ou a semelhança sócio-econômica quecompartilhavam. De forma difusa em algumas obras e mais explicita-mente em outras, surgiu a noção de uma região de fronteira que “consti-tuía uma área sem limites para seus habitantes”20 e que acabava por confor-mar um espaço onde a população fronteiriça, de ambos os lados, estabe-lecia mais relações de identidade entre si do que com o restante dospaíses a que pertenciam. Essas idéias têm sido aplicadas, de forma bas-tnate incisiva, para as ligações do sul e sudoeste do Rio Grande do Sulcom a região norte da República do Uruguai. Como veremos, essa inter-pretação não se sustenta quando se passa ao estudo do material empíri-co e parece estar muito distante de explicar a experiência dos sujeitosque viveram naquela fronteira, ao longo do Oitocentos.

É certo que a fronteira não deve ser considerada como uma linhadivisória, mas sim como um espaço. O espaço deve ser compreendidocomo produto da ação humana, um locus onde atividades produtivas erelações sociais ocorrem e que, ele mesmo, se constrói e vai ganhandosignificado pela ação dos sujeitos históricos em um contexto social es-pecífico. Nesse sentido, concordamos que “a fronteira não é uma linha,mas um espaço que se define mais por seus atributos sócio-econômicos e o limi-te, como conceito, é essencialmente político.”21 Da mesma forma, também écorreto que a fronteira nacional era algo novo que buscava instituir-seno século XIX, e que os habitantes daquele espaço lidavam com essanovidade a partir de concepções que guardavam traços fortes de outraexperiência de fronteira: a fronteira colonial, em expansão.

Além disso, também parece certo afirmar que toda e qualquer fron-teira carrega consigo a característica intrínseca da ambigüidade, umavez que é “confins e limite de país, tanto separa Estados quanto os põem em

19 GUAZZELLI, César Augusto. O Horizonte da Província..., 1998.20 COLVERO, Ronaldo. Negócios na madrugada: o comércio ilícito na fronteira do Rio Grande do

Sul, 2004. p. 83.21 PICCOLO, Helga. “Nós e os outros”: conflitos e interesses num espaço fronteiriço (1828-1852),

1997. p. 218.

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contato”22. Embora a fronteira enquanto limite seja “uma abstração quenão tem existência real fora do mapa geográfico”23, levar em conta a questãoda contradição da fronteira, que tanto delimita quanto relaciona duascomunidades nacionais é fundamental para compreendê-la em quantoum espaço dinâmico. Para Enrique Padrós24, com ou sem o respaldoinstitucional as comunidades internacionais se relacionam e, nesse sen-tido, é possível afirmar que inexistem “fronteiras-barreiras” onde hou-ver um mínimo de população estabelecida. Assim, o cotidiano fronteiri-ço promove a integração das comunidades internacionais antes mesmode qualquer projeto oficial de integração. Se o Estado pretende que afronteira desempenhe o papel de controle/barreira, demonstra sua com-pleta alienação em relação à realidade.

Contudo, não é possível concordar quando se conclui a partir daíque, ao se relacionarem, as comunidades internacionais de fronteira aca-bam formando uma zona de transição com dinâmica própria, um “novoespaço”25, que se diferencia das características de origem dos países emcontato. Ou seja, afirmar que na região estudada houve o fenômeno apon-tado por Benedict Zientara, quando escreve que “as populações que vivemnuma zona de fronteira dão origem a uma comunidade fundada em interessesparticulares”26. O mesmo ocorre quando Suzana Bleil de Souza afirmaque a integração fronteiriça entre os habitantes da fronteira Brasil-Uru-guai foi plena até as primeiras décadas do século XX. Nas suas palavras:“nessa fronteira não existia ainda a percepção do ‘eu’ e do ‘outro’. A fronteiraera a grande comunidade do ‘nós’”27.

Já é ponto pacífico que é inviável tratar uma fronteira como umlimite efetivo entre duas comunidades. No entanto, acreditamos queconsiderá-la como um espaço de plena integração também é problemá-tico. Não se trata de negar as diversas relações de integração possíveisde se estabelecer em uma fronteira, contudo, não se pode esquecer aexistência de elementos que vão demarcando, de forma dinâmica a alte-

22 PADRÓS, Enrique Serra. Fronteira e Integração fronteiriça: elementos para uma abordagemconceitual, v.17. n.1/2, jan/dez, 1994. p. 68.

23 ZIENTARA, Benedikt. Fronteira. In: Enciclopédia Einaudi, 1989. p. 307.24 PADRÓS. Op. cit. p. 68-70.25 Idem. p. 66.26 ZIENTARA, Benedikt. Op. cit. p. 309. (Grifo nosso).27 SOUZA, Susana Bleil de. A fronteira do sul : trocas e núcleos urbanos - uma aproximação

histórica. In: Fronteiras no Mercosul. Porto Alegre : UFRGS, 1994. p. 78-89 p. 81.

A fronteira manejada / Mariana Flores da Cunha Thompson Flores e Luís Augusto Farinatti

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ridade dessas comunidades. O Estado, por exemplo, se faz presente nes-ses espaços através de um aparato burocrático específico e, justamente,por tratar-se de um território que está em constante contato com o “ou-tro”, faz necessário que o governo busque favorecer, reiterar ou instituirali algumas marcas de identidade ou pertencimento. Além disso, o sim-ples fato de viver na fronteira, mesmo que o sentimento de pertenci-mento nacional ainda seja algo frágil, demarca a questão da “estrangeiri-dade”, ou melhor, do ser estrangeiro, especialmente no século XIX, ondeo significado de uma fronteira vai se definindo como sendo o local devizinhança com outro país.28

Isso é certo ainda que consideremos que, de fato, não temos limi-tes nacionais consolidados até fins do século XIX. Podemos usar essetermo, mas sempre tendo em conta que, diferentemente de hoje, esseslimites propriamente nacionais estavam em construção, como os própri-os Estados Nacionais que ajudavam a compor. Naquela época, de fato,na fronteira entre Brasil, Uruguai e Argentina, não existiam fronteirasespecificamente nacionais, havia, isso sim, fronteiras as quais, o antro-pólogo Alejandro Grimson, denomina de “provinciais”. Neste sentido,mesmo que não houvesse ainda uma identidade nacional, não é possí-vel descartar a existência de outros tipos de identidade/alteridade. Por“provincial” o autor entende

“a la existencia de un poder regional com dinamica propia cuya inserción ‘naci-onal’ definitiva no se encontraba asegurada de antemano. Esas fronteras pro-vinciales existieron en términos economicos, de soberania, política y, creciente-mente, en términos identitarios”.29

28 GRIMSON, Alejandro. La Nación en sus limites – contrabandistas y exilados em la fronteraArgentina - Brasil, 2003, p. 24.

29 Idem. p.62-63. Essa idéia da fronteira e identidade provincial de Grimson, remete aoconceito de “regiões-provincias” de José Carlos Chiaramonte que demonstra que domomento logo após a independência do que viria a ser a Argentina (1816) até a queda deRosas (1852), não havia a possibilidade de se constituir uma nação em função da força dospoderes regionais (provinciais) que não davam espaço para a formação de um grupodirigente interprovincial. O fato é que esta “questão regional” é vista, em geral, como umempecilho à organização nacional. O que Chiaramonte busca mostrar é justamente quenão se trata de empecilho, uma vez que a possibilidade de nação nem mesmo estavacolocada, mas a organização em “província-região” foi o maior grau de coesão que a ex-colônia podia oferecer após a derrubada do poder colonial e, apesar da fragmentação,manteve o vínculo que possibilitou sua sobrevivência e a constituição posterior da nação.CHIARAMONTE, José Carlos. Mercaderes del litoral. Economia y sociedad en la Província deCorrientes, primera mitad del siglo XIX, 1991.

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Enfim, os trabalhos recentes elaboraram uma crítica correta e con-tundente às concepções de uma historiografia de matriz nacionalista,que havia consagrado a idéia de “fronteira-barreira”. Porém, é tambémnecessário ter cuidado para não cair no extremo oposto. É preciso aten-tar para o fato de que esse limite nacional, ainda que incerto e discutidoao longo do Oitocentos, ensejava que se buscasse instituir soberaniasdistintas de ambos os lados, e que os sujeitos precisavam lidar com essasituação. O limite nacional, por certo, não era uma barreira intransponí-vel e não impedia trocas e circulação de pessoas, mercadorias e idéias.Mas é imperioso reconhecer que esses movimentos que se faziam de umlado a outro eram diferentes dos que se faziam dentro de um mesmopaís. Para ficar com um exemplo: para um estancieiro do município bra-sileiro de Alegrete, levar gado para o Estado Oriental (a República doUruguai) implicava em cuidados com aspectos que não existiam quan-do se tratava de levá-lo para São Gabriel, o município vizinho, aindaque as distâncias pudesses ser as mesmas. Assim, os sujeitos que habi-tavam aquele espaço precisavam incluir em seus cálculos formas demanejar a fronteira.

Mesmo que a oficialização dos limites tenha demorado, a situaçãode fronteira não era nada indefinida ou nebulosa para os sujeitos quehabitavam aquele espaço, ao contrário, era algo conhecido e manejadopor aqueles atores. É exatamente por terem a clareza da existência des-ses limites que eles eram capazes de manejar a situação de fronteira aseu favor, como acontecia quando, como veremos, lançavam mão dasdiferentes identidades/alteridades que dispunham.

Na documentação que pesquisamos, encontramos freqüentemen-te a referência explícita àquele espaço como sendo a Fronteira30. Alémdisso, são comuns as falas que se utilizam da expressão “o outro lado”para designar o país vizinho ou “a linha de fronteira” para referir-se aolimite entre um país e outro.

Essas menções são bastante comuns em Processos Crimes de Apre-ensão de Contrabandos, sendo que o caso a seguir se presta bem paraservir como exemplo.

30 A utilização do termo Fronteira na documentação referente à Alegrete no século XIXtambém foi notada e apontada por Graciela Bonassa. GARCIA, Graciela B. O domínio daterra: conflitos e estrutura agrária na campanha rio-grandense oitocentista, 2005. p.13 (nota derodapé 3).

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No dia 11 de janeiro de 1851, “na Linha devisória do Quaray”, maisprecisamente no “Paço do Baptista”, Paulo Martins foi apreendido pordois Guardas Nacionais do destacamento do dito passo com uma carre-ta carregada de mercadorias que não haviam passado pelo controle al-fandegário. O referido Paulo alegou que “não tinha a intenção de cruzarpara o Estado Oriental” e nem de fazer negócio com as mercadorias. Emseu depoimento afirmou que:

“tendo vindo a esta Villa [refere-se a Alegrete] com huã carga de couros avender, alguns moradores da costa de Quarahin seus conhecidos, fizerão-lhediversas encommendas, que depois de compradas, o supplicante fez conduzir namesma carreta, em que trouxe os couros”.31

Conforme a explicação de Paulo Martins ocorreu que, quando re-tornou de Alegrete com as encomendas feitas por seus vizinhos, comomorava em Quaraí “muito próximo da linha de fronteira com o Estado Orien-tal”, ao se dirigir a sua casa acabou sendo confundido com um contra-bandista e preso pelos guardas.

As relações estabelecidas de um lado e outro do instável limitenacional, portanto, podem ser chamadas de “transfronteirças” “porqueatraviesan el límite material de la frontera política, y no porque las fronterassimbólicas vinculadas a la nacionalidad no sean significativas”32. Na perspec-tiva de Grimson, devemos considerar que é no âmbito dos vínculos in-terpessoais que são negociadas e disputadas as identidades existentes.

Enfim, cabe então perguntar: se não era uma zona cindida em duaspartes estanques, nem um espaço de plena integração, então como sedeve tratar esse espaço social de fronteira?

Manejar a fronteira

A proposta apresentada aqui consiste, em primeiro lugar, no estu-do da fronteira a partir das relações e experiências dos sujeitos e grupossociais que ali viveram. Nesse sentido, é preciso evitar tratar a fronteiracomo uma entidade homogênea, que pode ser classificada com apenasuma definição. Ao contrário, parece muito mais útil considerá-la atra-vés das inúmeras relações sociais que eram possíveis de serem estabele-

31 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 78. Nº2711.Ano 1851.

32 GRIMSON. Op.cit. p. 26.

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cidas naquele espaço. Sobretudo: há necessidade de perceber quais asimplicações concretas que a situação de fronteira trazia para os habitan-tes daquelas paragens, tanto na busca de resolução de problemas práti-cos (como a viabilização da economia pecuária ou do comércio atraves-sando a linha divisória), quanto nas implicações simbólicas (como a ques-tão da construção da alteridade e da identidade dos grupos sociais na-quele espaço).33

É necessário interrogar como os habitantes da fronteira, de suaparte, construíram significados e estratégias para lidar com o fato deviverem em um espaço conformado por uma zona de fronteira, com umlimite nacional de permeio. E mais, é preciso perceber que viver emuma fronteira era uma situação que propunha problemas e possibilida-des diversos para os agentes, conforme fosse a sua posição social. Era apartir dela que esses sujeitos inventavam modos de lidar com a existên-cia de um limite nacional, em processo de construção. Por exemplo, asfamílias abastadas da Fronteira, que contavam, entre seus integrantes,com estancieiros, comerciantes e oficiais militares tinham percepções acer-ca dessa situação e formas de lidar com ela, que eram diferentes, por exem-plo, daquelas articuladas por grupos subalternos como famílias de pe-quenos produtores, carreteiros, peões e escravos.34

Dessa forma, apresenta-se uma “fronteira dinâmica” capaz de, nummesmo espaço e tempo, revelar a constituição de variados significadospara diferentes agentes. Não nos referimos aqui a diferentes compreen-sões de fronteira, ou diferentes tipos, tais como “fronteira comercial”,“fronteira cultural”, “fronteira demográfica”, etc.; mas à construção dediferentes relações sociais dentro de um mesmo espaço de fronteira. Épreciso considerar todos os tipos de interações possíveis de serem esta-belecidas nesse espaço percebendo a existência de diferentes grupos cominteresses variados.

Não se deve restringir essas relações possíveis apenas às das duas“nacionalidades” em contato ou às relações que esses grupos fronteiri-

33 Uma abordagem muito próxima da proposta aqui é bem desenvolvida na recentedissertação de mestrado de Márcia Volkmer. VOLKMER, Márcia Solange. Onde começa outermina o território pátrio – Os estrategistas da fronteira: empresários uruguaios, política e aindústria do chraque no extremo oeste do Rio Grande do Sul (Quarai 1893-1928), 2007.

34 FARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na fronteirameridional do Brasil (1825-1865), 2007.

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ços estabelecem com seus Estados centrais. Os atuais estudos sobre fron-teiras – aqueles que já superaram as perspectivas mais tradicionais epercebem a fronteira como um espaço de integração – em geral não ex-pressam a heterogeneidade social e cultural das sociedades que analisame tomam a fronteira como um espaço que compreende estritamente rela-ções duais (entre as comunidades nacionais de fronteiras ou entre essascomunidades e os Estados). Certamente, “as disputas [e relações estabele-cidas] entre sectores sociales de la frontera son más que la forma local de losconflictos superpuestos entre estados naciones y entre estado y sociedad”35.

Se aceitamos que é preciso descer no nível da ação e interação dediferentes sujeitos e grupos para compreender a produção social da fron-teira no espaço e tempo estudados aqui, um segundo ponto surge a se-guir: as relações e significados atribuídos à fronteira pelos sujeitos eramdinâmicas. Eram dotados de historicidade e isso, por óbvio, deve entrarnas considerações dos historiadores.

De fato, as fronteiras não são espaços rígidos, pelo contrário, atu-alizam-se constantemente através de diversas práticas. Investigar umafronteira demanda estudar seu processo de contínua recriação, não orestringindo aos movimentos de avanços e recuos do limite geográfico epolítico, mas dando ênfase a como ela foi “cotidianamente producida, re-creada y repoducida por los diferentes agentes sociales que intervienen en eseespacio”36

Grimson trabalha com o conceito de “fronteirização”37, que é bas-tante elucidativo para a nossa perspectiva de análise. Este conceito apontapara o fato de que a fronteira nunca será um dado fixo, mas algo instá-vel, dinâmico e sempre disputado. E sendo produto histórico da açãohumana é, constantemente, re-significada, assumindo diferentes senti-dos para os diversos atores sociais em diversos contextos. Dessa forma,é possível perceber, em momentos históricos específicos, como essessujeitos se organizam e se relacionam demonstrando

“que las relaciones se estructuran por la posición que cada agente ocupa(...). Enespecial, nos sirve para pensar los contrastes entre distintas estructuras de lacoyuntura que derivan de políticas diferentes del Estado, de realidades económi-cas distintas y de intereses divergentes de los actores”38.

35 GRIMSON. Op.cit. p. 25-26.36 Idem. p. 25.37 Idem. p. 43-44.38 Idem. p. 45.

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É fundamental perceber que existem diferentes grupos de intera-ção, onde cada sujeito possui interesses particulares e situações socio-culturais específicas. Se os agentes estão sempre socialmente posiciona-dos, então essa posição certamente influencia na forma como a condi-ção de fronteira entrava em suas experiências. Esses grupos, ou sujeitos,podem estabelecer determinadas relações em certos momentos que po-derão parecer impossíveis e contraditórias em outros contextos. É o as-pecto da “fronteirização”, portanto, que possibilita que as diversas rela-ções entre os diversos grupos se refaçam constantemente, mesmo queassumindo características até mesmo incoerentes e opostas às relaçõesque havia anteriormente. Evidente que não é nada simples trabalharcom um esquema de heterogeneidade social e de incoerência, até mes-mo porque, como afirma o antropólogo norueguês Fredrik Barth: “so-mos treinados a suprimir os sinais de incoerência e de multiculturalismo en-contrados”39. Contudo, é necessário considerar que em cada momento ossujeitos estarão ocupando um determinado lugar e adotando um deter-minado procedimento. O posicionamento dos atores em um dado mo-mento nem sempre será condizente com posicionamentos anteriores,ou melhor: “cada pessoa está ‘posicionada’ em virtude de um padrão singularformado pela reunião, nessa pessoa, de partes de diversas correntes culturais,bem como em função de suas experiências particulares.”.40

Em qualquer momento, em função das “posições” ocupadas, avivência e as trocas na fronteira podem gerar efeitos negativos e positi-vos para seus sujeitos ou grupos sociais. Algum efeito produzido pelafronteira que pode ser utilizado a favor de certo grupo, também podeser elemento desestabilizador para outro. Ou nas palavras de Ricci eMedrano: “(...) al estudiar cada frontera debemos siempre hacer un balanceque venga a demonstrar los efectos negativos y los constructivos por ella provo-cados, mismo porque, esos efectos puedem invertir-se con el pasar del tiempo”41.O que significa que, em um momento específico, a relação de um deter-minado grupo com a condição de fronteira pode estar sendo produtiva,

39 BARTH, Frederik. A análise da cultura nas sociedades complexas, 2000. p. 109.40 Idem. p.137.41 RICCI. Maria Lucia de Souza Rangel e MEDRANO, Lilia Inês Zanotti de. El papel del

contrabando y la interacción fronteriza del Brasil sureño com el Estado Oriental delUruguay: 1850-1880, 1990. p.258.

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mas por tratar-se de um espaço dinâmico, sempre pode ocorrer a inver-são dessa situação.

Para apreender essa heterogeneidade e essa dinâmica, é precisoultrapassar as interpretações apriorísitcas, os modelos pré-concebidos apartir de frágeis bases empíricas e mergulhar na sociedade estudada.Mantendo sempre a aspiração de se atingir, ao final do processo, uma ex-plicação global, é necessário descer aos horizontes particulares e às inte-rações interpessoais (relações de conflito, negociação e solidariedade)colocando a necessidade da descoberta através de procedimentos ex-ploratórios, onde cada situação deve ser devidamente contextualizadae especificada, para que seja compreendida nos seus próprios termos.42

Uma análise desse tipo, com uma contextualização profunda decasos concretos, excederia as pretensões deste artigo. Porém, pensamosque seja útil, neste momento, apontar, ainda que superficialmente, comoalguns grupos e sujeitos históricos se relacionaram, a partir de seu posi-cionamento social, com a situação de fronteira estudada e como essasrelações assumiram um caráter dinâmico. Os exemplos dados a seguir,cremos, servem para embasar as hipóteses expostas até aqui, ao mesmotempo em que sugerem campos para investigações mais profundas, empesquisas futuras.

Os grandes estancieiros, os líderes militares e a fronteira

Ao longo do século XIX, houve a presença maciça de brasileiros,sobretudo rio-grandenses, proprietários de terras com gados no nortedo Uruguai, os quais, muitas vezes, também possuíam propriedades noRio Grande do Sul.43 Segundo Susana Bleil de Souza e Fabrício Prado,no ano de 1857 “estimava-se que os rio-grandenses possuíssem cerca de 30%do [norte do] território oriental”44. A região ao norte do Rio Negro eracomo uma “extensão dos campos de pastoreio do Rio Grande”45 e essa inver-nada de engorda dos gados era fundamental para o abastecimento dascharqueadas de Pelotas. Segundo um levantamento realizado em 1850,

42 BARTH. Frederik. Op.cit., 2000 p.177.43 SOUZA, Suzana Bleil de & PRADO, Fabrício Pereira. Brasileiros na fronteira uruguaia:

economia e política no século XIX, 2004.44 Idem. p.133. Grifo meu.45 Idem. p. 134.

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eram, pelo menos, 1.181 os brasileiros que tinham estâncias no Uruguai46.O expediente de possuir terras nos dois países podia permitir que sediminuísse os efeitos nocivos das guerras. Quando ela acontecia em umdos lados da fronteira, os estancieiros procuravam levar seu gado parao outro.47

No entanto, se por um lado era vantajoso manter propriedades noUruguai, por outro também havia complicações, uma vez que, freqüen-temente, estas propriedades eram alvo de embargos e confiscos empre-endidos por milícias de líderes uruguaios. Até o início da Guerra dosFarrapos (1835-1845), o Uruguai recebeu o afluxo de proprietários bra-sileiros e durante os primeiros anos do conflito, pode-se dizer que oscriadores rio-grandenses salvaguardaram suas reses nos campos orien-tais. Quando findou a guerra no Império, a debilitada economia rio-grandense necessitou lançar mão de seus gados “estocados” no país vi-zinho, no entanto, encontrou o Uruguai afundado em uma guerra civil eabastecendo-se do gado disponível nas propriedades rurais.

Em 1848, numa medida extremada na tentativa de reter o gado noUruguai quando a campanha encontrava-se devastada, o chefe blancoOribe proíbiu que se atravesse gado para o Rio Grande do Sul passandoa ser considerado contrabando tal prática. Contudo, não eram somenteas forças blancas que empreendiam tais embargos. Eram freqüentes asmesmas reclamações em função de ataques das tropas coloradas de Rive-ra. A partir desse momento, iniciavam-se as “califórnias”, expediçõescomandadas por estancieiros rio-grandenses que, alegando quereremcompensar o prejuízo acarretado por tal embargo, reuniam suas milíciasprivadas para adentrar na Banda Oriental, aprender gados e saquear pro-priedades. Essas agitações iam contra a postura política de neutralidadeadotada pelo Império, que não queria intrometer-se nos assuntos da jo-vem república uruguaia, e acabaram por gerar tensões diplomáticas.

Uma lista foi composta pelos comandantes de fronteiras, indican-do os prejuízos sofridos pelos proprietários brasileiros. Susana Bleil deSouza e Fabrício Prado apontaram que cerca de 9% dos declarantes es-tavam com seus bens embargados, enquanto outros 8% haviam aban-

46 SOUZA, Susana Bleil; PRADO, Fabrício Pereira. Brasileiros na Fronteira Uruguaia..., 2004,p.p. 130-131. Ver também: FARINATTI, Luís Augusto. Confins Meridionais..., 2007.

47 GUAZZELLI, César Augusto. O Horizonte da Província..., 1998.

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donado suas propriedades.48 Segundo essas listas, cerca de 17% dos pro-prietários brasileiros não estariam podendo usar suas estâncias uruguaiasnos anos finais da década de 1840. Naturalmente, os números descritosacima correm sério risco de estarem superestimados, já que buscavamressaltar as agressões que teriam sido perpetradas pelo governo “blan-co” e embasar possíveis indenizações. Todavia, ainda que os índices fos-sem menores, eles seriam significativos, uma vez que mesmo os propri-etários que estavam utilizando suas estâncias sofriam uma série de restri-ções quanto ao manejo e comercialização de seus rebanhos.49 Os embar-gos relatados nas listas tinham se dado, na maioria dos casos, porque osproprietários tentavam passar tropas, clandestinamente, para o Brasil.

Contudo, essa situação não era igual para todos os estancieirosbrasileiros que tinham interesses em terras uruguaias. Manoel José deCarvalho alegava que seu rebanho de 30.000 animais estava diminuídoem, pelo menos, 4.000 reses, em virtude das carneações feitas por umaforça militar do exército de Oribe. A maioria dos proprietários listadosdeclarava problemas semelhantes. Porém, há também outras em que oComandante da Fronteira apenas anotou “Ignoram-se os prejuízos quetem sofrido”. Por sua vez, ao lado do nome de Seginando Lopes, docampo e do gado que possuía, no espaço onde normalmente estavamrelatados os prejuízos sofridos pelos estancieiros, está uma anotaçãocuriosa: “tem percebido muitos lucros.”50 Essa insinuação de colabora-cionismo com os “blancos”, como também aquelas situações onde nãose sabem haver prejuízo apontam para o fato de que a reiteração daprodução pecuária naquela zona fronteiriça era condicionada pelas re-lações políticas que se estabelecia.

Enfim, a mesma fronteira que oferecia a esses proprietários a pos-sibilidade de manter propriedades rurais de ambos os lados e transitarcom seu gado a fim de estocá-lo onde lhes fosse mais conveniente, tam-bém poderia ser prejudicial à medida que estas propriedades e gadosficavam vulneráveis aos constantes conflitos que acometiam esse espa-ço. Em tal contexto, era impossível levar a cabo a produção pecuária emlarga escala sem atentar para o fato de que o limite nacional impunha

48 SOUZA, Susana Bleil; PRADO, Fabrício Pereira. Brasileiros na Fronteira Uruguaia..., 2004,p. 131.

49 Idem., 2004, p.p. 125-131.50 FARINATTI, Luís Augusto. Op. Cit, 2007.

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soberanias distintas e que as conjunturas políticas variavam de lado alado.

Foi exatamente a continuação da situação de guerra século XIXadentro que permitiu a reprodução da grande importância assumidapelos comandantes militares sul-riograndenses naquele contexto. Elesnão possuíam mais os poderes sobre a distribuição de terras e de gran-des butins em gado, como havia acontecido até a década de 1820. Con-tudo, a conservação da endemia bélica até, pelo menos, o final da Guer-ra do Paraguai, em 1870, permitiu que seguissem gozando de poder eprestígio. Comandavam recrutamentos, indicavam oficiais de segundalinha, conseguiam suprimentos e montarias para abastecer os exércitos,teciam suas próprias políticas de aliança com líderes militares orientais,correntinos e entrerrianos.51

Um equívoco comum nas obras que se referem à Fronteira Meri-dional do Brasil, é associar diretamente os grandes estancieiros com oschefes militares de segunda linha ou até do exército. De fato, se não atotalidade, pelo menos a larga maioria dos altos oficiais milicianos e,depois, da Guarda Nacional, eram grandes estancieiros. Porém, o con-trário não é verdadeiro. Entre as 16 maiores fortunas de uma amostra de205 inventários post mortem de Alegrete (o principal município pecuárioda Campanha Rio-Grandense), um tinha suas principais atividades cen-tradas no comércio e 15 na criação de gado.52 Destes, apenas 4 haviamocupado cargos de altos oficiais e 2 haviam sido tenentes sem nunca terocupado comando de fronteira ou mesmo de distritos militares. Os ou-tros 9 sujeitos jamais ocuparam qualquer cargo militar de primeira ousegunda linha. Entre eles estavam as duas principais fortunas da amos-tra pesquisada.

Isso não significa, por outro lado, que a produção pecuária esti-vesse desligada das atividades militares. Acontece que a ligação entreelas nem sempre se dava de forma direta. A maioria daqueles grandesestancieiros que nunca ocuparam postos de oficiais militares tinha ali-anças parentais, estabelecida via matrimônio, com estancieiros-milita-res: em geral um genro, cunhado ou o pai de alguma de suas noras.53

51 Idem. Especialmente o capítulo “4”.52 FARINATTI, Luís Augusto. Op. Cit, 2007.53 Idem.

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Estes últimos eram minoria entre os grandes estancieiros, mas tinhamuma posição privilegiada como mediadores das relações entre a guerra,a fronteira e aquela sociedade. Nesse sentido, tem sido ressaltado pelahistoriografia o grau de autonomia que eles conseguiam assegurar nocultivo de alianças individuais com outros líderes militares. Para ficarapenas com o exemplo mais eminente dessas alianças, citemos o casoamplamente conhecido das relações pessoais existentes entre o líder far-roupilha Bento Gonçalves e o chefe uruguaio Lavalleja.54

Os subalternos e os perseguidos pela justiça

Por sua vez, as populações subalternas também se movimenta-vam pelas áreas fronteiriças, em busca de melhores condições. Em estu-do sobre a família dos líderes militares Gumercindo e Aparício Saraiva,o historiador norte-americano John-Charles Chasteen fez uma interes-sante retrospectiva da trajetória de um grupo de pequenos produtoresatravés da Fronteira.55 Por volta de 1830, Francisco Saraiva e sua mulherMaria Angélica, avós de Gumercindo e Aparício, haviam decidido mi-grar do sul do Rio Grande e arrendar um campo em Cerro Largo, noEstado Oriental. Esse campo ficava em terras dos Correia, uma famíliade grandes estancieiros brasileiros. Francisco e Maria Angélica possuí-am apenas alguns poucos escravos e, nas novas terras, eram vizinhos dealguns de seus parentes, o que sugere que os laços parentais podiamestar na base dessa estratégia que envolvia movimentos transfronteri-ços. Lá ficaram até depois de 1845 quando, tendo Francisco já falecido,Maria Angélica e alguns de seus filhos voltaram para o Rio Grande doSul, aparecendo como proprietários de uma pequena parte de terras emArroio Grande, no extremo-sul da província rio-grandense.

Como observou Chasteen, é provável que o final do conflito Far-roupilha, em combinação com o aumento das violências da Guerra Gran-de, tenha influenciado a decisão da família em retornar ao Brasil. Se-gundo o autor, os filhos do casal que permaneceram no Uruguai podemter ficado arranchados em terras de parentes ou de outros estancieiros

54 PICCOLO, Helga. “Nós e os outros”: conflitos e interesses num espaço fronteiriço (1828-1852), 1997. p. 219.

55 CHASTEEN, John Charles. Fronteira Rebelde, 2003, p.p. 38-45.

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brasileiros, que parecem ter preferido seus compatriotas como agrega-dos. Um deles, de nome Francisco, como o pai, trabalhava como postei-ro em uma estância no Uruguai, durante a década de 1850.

Assim, movimentar-se de um lado a outro dos imprecisos limitesnacionais não parece ter sido uma exclusividade da estratégia dos maisricos estancieiros. No mesmo sentido, entre os peões que foram se em-pregar na Estância da Palma, pertencente ao Brigadeiro Ortiz, em Ale-grete, em 1853, estavam o “castelhano Alexandre” e o “castelhano Fer-nandez”.56 Sobrenomes de origem hispânica aparecem também, com fre-qüência, entre os peões de tropas que eram contratados por Manoel Joséde Carvalho para reunir o gado da sua Estância de Japejú, em Uruguaia-na, e começar a conduzí-lo para as charqueadas. Em contrapartida, en-tre os peões que empregava na estância que possuía no Estado Oriental,existiam diversos brasileiros.57 Veja-se bem, o limite nacional não impe-dia esses deslocamentos, mas os condicionava.

De outra parte, era comum que os perseguidos pela justiça em umdos lados da divisa nacional fugissem para o Estado vizinho. O fato deque a fronteira pode servir como fuga e esconderijo para aqueles quecometem crimes do outro lado sempre foi algo sabido pelos fronteiriçose, também, um recurso utilizado pelos que por ventura cometessem cri-mes, como o caso do entrerriano João Pedro “Sapato” que, em 1864 emQuaraí, roubou a casa de Manoel Justino de Oliveira e foi preso em San-tana do Livramento ao tentar evadir-se para o Estado Oriental.58 Nessesentido, freqüentemente as autoridades relacionaram a incidência dacriminalidade na fronteira com a grande presença de estrangeiros.

A possibilidade de cometer um crime e refugiar-se no outro paísera, na verdade, utilizada dos dois lados da fronteira, como em um casode “sedução de escravos”. O réu, o liberto “cabra Antonio”, roubou umaescrava (sua amante) e ambos fugiram para o Estado Oriental. Para tan-to, Antonio matou o dono da escrava, José Gonçalves Pereira, e feriu omenor Manoel, Dona Iria e o escravo Adão para empreender o rapto.59

56 APERS. Inventários post mortem. Alegrete. Cartório de Órfãos e Ausentes: M. 08, N. 111, A.1852.

57 APERS. Inventários post mortem. Alegrete. Cartório do Cível e Crime, m. 01, n. 07, a. 1853-7.58 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Quaraí. Maço 21, nº 752, 1864.59 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 80, nº2807, 1855.

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Nesse caso, a fuga para o Estado Oriental não só traria a liberdade paraa escrava, mas também serviria como esconderijo para o criminoso.

Casos de pessoas que cometiam crimes e tentavam refúgio no paísvizinho são bastante freqüentes na documentação e, na realidade, nãohá como verificar se mais brasileiros cometiam crimes e fugiam para oEstado Oriental e para Argentina, ou se o inverso. No entanto, em 1856,o presidente da província Jeronymo Francisco Coelho referia-se ao au-mento da criminalidade no Rio Grande do Sul apontando duas causasrelacionadas à presença da fronteira e aos estrangeiros:

(...) a facilidade com que esses criminosos se passam por qualquer ponto de nossavasta fronteira para os Estados vizinhos, com um dos quais somente temos tra-tado para a extradição, porém está sujeita a tão morosas formalidades, que com-pletamente inutilizam os fins do tratado; (...) criminosos dos Estados vizinhosvem clandestinamente para o nosso território aumentando o numero dos primei-ros (...).60

Esta perspectiva que relacionava a criminalidade aos estrangeirosparecia estar realmente difundida. Referindo-se à conduta moral da po-pulação do Rio Grande do Sul, o viajante francês Nicolau Dreys escreveo seguinte: “injusto seria atibuir-se exclusivamente aos filhos do Rio Grandealguns excessos que ali se podem cometer, quando a verdade é que são quasesempre aqueles excessos obras de estrangeiros”.61

É notável nos processos criminais instaurados nos municípios bra-sileiros da fronteira, o fato de que quando há um estrangeiro envolvidoa sua nacionalidade é constantemente referida. Isso não se dá apenas naqualificação do réu ou das testemunhas, mas na própria “fala” dos de-poentes e autoridades quando se referem a esses sujeitos. Quando eranecessário identificar a origem de sujeitos que habitam o outro lado dafronteira, a referência se faz das seguintes formas: o argentino ou o orien-tal “Fulano de tal”, ou correntino, quando prevalece a identidade pro-vincial. Não se pode deixar de perceber que há a nítida referência a umtipo de alteridade nesse procedimento e, sendo assim, a idéia, já critica-da, de que nessa fronteira a integração reinava a ponto de os fronteiri-ços constituírem uma identidade específica, que não conferia com ascaracterísticas de nenhum dos países em contato, fica fragilizada.

60 AHRGS. Relatório do Presidente da Província do Rio Grande do Sul. A-7.03.61 DREYS. Nicolau. Notícia descriptiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, 1961.

p.153.

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Os Escravos e a Fronteira

Em outro processo de “sedução de escravos”, aberto em 1856, ondeo réu era estrangeiro, o advogado do autor da ação, proprietário dosescravos seduzidos, faz menção à freqüência desse tipo de crime e aofato de que a maioria desses “sedutores” eram estrangeiros orientais.Em um trecho do documento diz o seguinte:

“Como são frequentes na Província estes factos de seducção de escravos, e con-ducção d’elles para os Estados vizinhos, perpetrados por aventureiros extran-geiros, que esquicidos da hospitalidade com que são recebidos entre nós, comfacilidade se prestão a causar grandes prejuízos aos proprietátios Brasileiros; háuma necessidade urgente de q. sejão punidos exemplarmente taes criminosos.”62

A escravidão havia sido abolida em 1842 no Estado Oriental e des-gastara-se mesmo antes em Entre-Rios e Corrientes. Durante as décadasde 1840 e 1850, a escravidão ainda desempenhava um papel estruturalna pecuária sulina.63 Naqueles anos, os senhores brasileiros seguiam le-vando seus escravos para suas propriedades no Uruguai, e buscavamdisfarçar a escravidão com contratos de trabalho, mas esse procedimen-to foi ficando cada vez mais difícil, tanto pela repressão das autoridadesuruguaias, quanto pela ação dos próprios escravos, que começavam ausar esse fator em seu proveito.64 Ou seja, se, para os senhores, esse fatofazia com que a fronteira trouxesse um ingrediente a mais nos cuidadosque precisavam desenvolver, para os escravos aquele espaço apareciacomo possibilidade de liberdade.

Segundo Helga Piccolo65, na “Relação dos escravos fugidos para o Es-tado Oriental pertencentes a diversas pessoas desta província” consta que noano de 1850 o número de escravos fugidos do Rio Grande do Sul foi de192. Em um levantamento feito nos Processos Crimes de Alegrete, San-tana do Livramento, Quaraí e Uruguaiana, entre os anos de 1850 e 1864,encontramos diversos processos de “sedução de escravos”. Os réus des-

62 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 81. Nº 2838,1856.

63 FARINATTI, Luís Augusto. Op. Cit, 200764 Sobre esses contratos ver: ZABIELLA, Eliane. A Presença Brasileira no Uruguai e os Tratados

de 1851 de Comércio e Navegação, de Extradição e de Limites, 2002, p.p. 82-98. BORUCKY,Alex; CHAGAS, Karla; STALLA, Natalia. Esclavitud y Trabajo – Un estudio sobre losafrodescendientes en la frontera uruguaya (1835-1855), 2004, p. 186.

65 AHRGS, Lata 531, Maço 1 – Estatísticas. Apud. PICCOLO, Helga. Op.cit. p.220.

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ses processos, os “sedutores”, são pessoas livres ou libertas que, a prin-cípio, têm motivações econômicas ao abraçarem tal empreitada, umavez que os escravos lhes pagavam pequenas quantias pelo “atravessa-mento”, como no caso de um pardo livre e peão, o baiano Clarimundo,que convenceu três escravos de seu patrão, Joaquim Marcelino Vascon-cellos, a fugirem para o Estado Oriental.66

Em outro processo, no entanto, não consta que houvesse tido ainterferência de alguém para incitar a fuga. Trata-se de uma tentativade insurreição e fuga de treze escravos. Neste caso, percebe-se que apossibilidade da liberdade do outro lado da fronteira estava colocadapara estes escravos mesmo sem a atuação de um “sedutor”.67

A fuga seguida de liberdade que a fronteira oferecia para os escra-vos, se por um lado era prejudicial aos proprietários de escravos, poroutro, obviamente, era positivo para os cativos.68 Porém, ao levar à riscaa noção de que num mesmo momento a situação de fronteira pode pro-porcionar efeitos negativos e positivos para seus grupos sociais, os sig-nificados da fronteira podem se inverter a qualquer momento. Dessaforma, é possível compreender o caso da parda Theodora, ocorrido em1859.69

Nascida no Estado Oriental e, portanto, livre ou liberta, lá viviacom João Bentaberry. Tendo vindo morar com sua madrinha no RioGrande do Sul, ocorreu que o marido de sua madrinha a vendeu comoescrava. O processo se deu entre João Bentaberry, amasio de Theodora,que queria sua companheira de volta, as pessoas que compraram a su-posta escrava e que não abriam mão de sua aquisição, e o juiz responsa-bilizado por ter permitido que a parda fosse vendida como escrava quan-do sabia que ela era uma oriental livre. Infelizmente, como não consta odesfecho do processo, não se sabe qual foi o destino de Theodora. No

66 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 78, nº2717, 1851.Além deste processo, os seguintes são semelhantes: Alegrete – Maço 77, nº 2697, 1850,Maço 189, nº 5512. Uruguaiana – Maço 60, nº2336, 1854. Santana do Livramento – Maço 38,nº1553, 1863.

67 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 85, nº2984, 1863.68 Ver importante trabalho recente de Silmei Petiz a respeito de fugas de escravos pela

fronteira. PETIZ, Silmei de Sant’Ana. Buscando a liberdade: as fugas de escravos da provínciade São Pedro para o além-fronteira (1815-1851), 2006.

69 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 83. nº 2901,1859.

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entanto, esse momento de sua vida ao qual tive acesso demonstra o di-namismo desse espaço, ou seja, a mesma facilidade que se coloca paraos escravos da fronteira rio-grandense de fugirem para o “outro lado” econquistarem sua liberdade, no sentido inverso, teve resultado negati-vo para uma parda desse mesmo lugar.

Outro exemplo das relações entre escravidão, liberdade e frontei-ra aparece em um estudo recente de Keila Grinberg. A autora analisouas ações de liberdade, todas bem sucedidas, movidas, na década de 1860,por escravos que transitaram na fronteira Brasil-Uruguai. Esses cativos,que pertenciam a senhores que tinham propriedades dos dois lados dolimite nacional, promoveram suas ações judiciais tendo como base a leide proibição do tráfico, de 1831. Os senhores da fronteira meridionalfaziam os escravos passarem de uma a outra propriedade, conforme anecessidade de seu trabalho. Quando retornavam do Uruguai para oBrasil, alguns escravos, começaram a impetrar ações de liberdade combase no fato de que haviam entrado no Brasil após a lei de 1831 e queeram, portanto, livres. Além disso, as decisões eram influeciadas pelo“princípio do solo livre”, ou seja, pela “idéia de que o solo livre podeconferir liberdade a um indivíduo”.70 Esse é um caso em que o manejoda fronteira se formalizou e se tornou explícito, mas estratégias menosformalizadas para lidar com aquela realidade deviam estar inscritas naspráticas correntes de muitos outros habitantes da zona de fronteira, comotemos tentado apontar aqui.

Comércio lícito e comércio ilícito na Fronteira

Também o comércio realizado nesse vasto espaço fronteiriço pre-cisava ter em conta a questão dos limites. Ali, a prática do contrabandoestava bastante disseminada. O contrabando exigia um aparato organi-zacional para que pudesse se reiterar. Ele era praticado por diversostipos de sujeitos, desde Companhias de Comércio que mantinham li-nhas regulares de importação de produtos e só pagavam as respectivastaxas quando eram apanhadas, até membros das camadas subalternas,que praticavam o comércio ilícito para vender pequenas quantidades

70 GRINBERG, Keila. Escravidão, alforria e direito no Brasil oitocentista: reflexões sobre a lei de1831 e o “princípio da liberdade” na fronteira sul do Império brasileiro, 2007, p. 279.

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de mercadorias ou apenas para consumo próprio. Em qualquer dos ca-sos, os agentes sabiam que aquela era uma transação ilegal, gerada pelaexistência de distintos códigos jurídicos engendrados por Estados espe-cíficos e que exigia uma estratégia própria para sua realização.71

Nesse sentido, os comerciantes da fronteira também se enfrenta-vam com questões de demarcação de identidade/alteridade. As tensõesexistentes entre eles, de ambos os lados, podiam ficar aparentes nos Pro-cessos Crimes de Apreensão de Contrabando quando os contrabandis-tas eram estrangeiros.

Em um processo de Autos Crimes de Execução de Contrabandoem Alegrete no ano de 185172, os réus, Helijalde & Hermanos, aparente-mente, tentaram um acerto com o Agente da Coletoria, João Chrisosto-mo da Fonseca, funcionário não autorizado a cobrar as taxas alfandegá-rias, para passar suas mercadorias. Os negociantes processados alega-ram em sua defesa o fato de serem estrangeiros imigrados há poucosanos e que, portanto, ignoravam as leis do país. Na sentença, que conde-na os réus por crime de contrabando, o posicionamento do juiz procuraenfatizar que os réus se tratavam de estrangeiros e dizendo que estescontrabandistas além de causarem “prejuízo a Fazenda Nacional” tambémcausam “grande mal aos negociantes deste lugar”. Os réus apelam da sen-tença e passam a basear suas alegações também em questões de “identi-dade nacional” dizendo que estavam sendo vítimas de perseguição porparte de negociantes e que este tipo de procedimento da justiça afastavaos estrangeiros trabalhadores deste país.

Em outro processo, no ano de 185273, o acusado de crime de con-trabando, o argentino Pedro Emílio Vidal, também sugere estar sofren-do perseguição, neste caso por parte do Inspetor da Alfândega ThomazFrancisco Flores, uma vez que sabia de outros comerciantes que tive-ram procedimento igual ao dele e que, no entanto, não tiveram suascargas apreendidas. Coincidência ou não, o que se pode apontar é queàs outras cargas de mercadorias que vinham junto com as de Pedro E.

71 THOMPSON FLORES, Mariana F. da C. Contrabando e contrabandistas na fronteira oeste doRio Grande do Sul (1851-1864), 2007.

72 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 78. Nº 2720.Ano 1851.

73 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Alegrete. Maço 78. Nº2729.Ano 1852.

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Vidal pertenciam a comerciantes brasileiros e portugueses com os quaisnada aconteceu.

Em 12 de fevereiro de 1851, a Câmara de Vereadores de Uruguai-ana elaborou uma proposta de Posturas para a participação de comerci-antes estrangeiros naquele município. O que justificava a necessidadede tal código de posturas era que:

“tomando em consideração que o commercio da mesma villa e seu termo he emgrande parte manejado por indivíduos estrangeiros, os quais ao mesmo tempoem que desfrutão por este lado todas as vantagens e gozos privativos aos cida-dãos brazileiros, estão izentos do serviço público de que estes estão onerados, eque a continuação de tal commercio he notoriamente nociva aos negociantesnacionaes, já porque a aglomeração de gêneros de negocio importados e dispostosnesse município pelo estrangeiro tem produzido o esmorecimento do comercionacional já porque aquelle commercio em lugar de concorrer para o progresso domunicípio contribue para seu decrescimento e ruina em razão de não ter estabi-lidade e permanecer só o tempo conveniente para a venda da factura, a qual seretirão os negociantes com o numerário desfalcando o município e a mesma Pro-víncia de sua riqueza intriseca.”74

Os comerciantes da fronteira tinham, nesse espaço, o privilégio,se podemos assim dizer, de fazer contrabando. No entanto, se os comer-ciantes rio-grandenses da fronteira podiam trazer produtos contraban-deados e lucrar as taxas de alfândega, ao mesmo tempo, deviam convi-ver com comerciantes do “outro lado” que se utilizavam do mesmo re-curso.

Contudo, essa utilização da diferença de “nacionalidade” consti-tui um recurso aplicado em situações específicas em que se mostra pro-fícua. Na realidade, em diversos processos fica perceptível a existênciade alianças entre comerciantes “nacionais” e estrangeiros, ou seja, nãohavia naturalmente, ou necessariamente, uma oposição entre esses doisgrupos de comerciantes. O fato de pertencer a outro país não constituium problema a priori, a diferença pode ser abertamente reivindicadaquando isto se fizer proveitoso, ou pode ser tranquilamente superadaem detrimento de outros interesses.

Dessa forma, sabendo que o recurso da reivindicação da identida-de nacional assim como pode ser utilizado pode ser suprimido, é im-portante ter em conta que os sentimentos de pertencimento não podem

74 AHRGS. Câmara Municipal de Uruguaiana – Correspondência Expedida. A.MU-337.Cx.182. Ano 1851.

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ser tomados como como ponto de partida para estabelecer algum pa-drão de comportamento ou associação desses fronteiriços. Ou seja, nãose deve explicar comportamentos das pessoas, de forma apriorística,por sua nacionalidade: por serem brasileiros, orientais, correntinos, ar-gentinos. Mas também não se deve pensar que essas identidades nãoparticipavam daquelas interações e conflitos. Eram manejadas de acor-do com a posição dos atores nas situações concretas, e era assim que seconstruíam, se reproduziam, se transformavam: em constante interaçãocom as relações sociais. Insistimos: não se deve esquecer que eram múl-tiplas e variadas as possibilidades de identidade/alteridade e que cadauma delas era manejada pelos fronteiriços dentro da sua posição, fazen-do com que a condição de fronteira se apresente de forma diferente paracada grupo em determinadas situações.

Considerações Finais

Em resumo, a zona de fronteira estudada era atravessada por umgrande número de relações sociais de diversos matizes. As populaçõesde ambos os lados não estavam isoladas. Moviam-se e migravam, elasmesmas, de parte a parte. Contudo, não há como considerar que essefato pudesse retirar de todo a importância da existência de um limitepolítico entre Estados nascentes, ao longo do século XIX. Ao contrário, aexistência de um limite nacional, ainda que instável, e de conjunturaspolítico-militares muito variáveis, tinham de ser levados em conta nasestratégias dos agentes históricos.

A situação de fronteira influenciava diferentemente a vida de ato-res socialmente posicionados; de acordo com essa posição eles elabora-vam estratégias para lidar com ela. Fazendo isso, entendiam a situaçãode maneira diferente e davam significados diversos a ela. Assim, a fron-teira podia ser, ao mesmo tempo, espaço de integração, de demarcaçãode alteridade, de perigo, de oportunidade, de liberdade. A relação dosdiversos sujeitos e grupos com a fronteira sugere que, como observouFredrik Barth, “pessoas situadas em posições diferentes podem acumular ex-periências particulares e lançar mão de diferentes esquemas de interpretação,ou seja, podem viver juntas, mas em mundos diferentemente construídos”.75

75 BARTH, Fredrik. Por um maior naturalismo na conceptualização das sociedades, 2000, p. 176.

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Ao invés de tratar os moradores da fronteira como uma categoriahomogênea (“os fronteiriços” ou “os brasileiros da fronteira”), que lhesemprestaria características a priori, é mais útil indagar-se sobre as for-mas pelas quais os atores e grupos socialmente posicionados tinhamvivências, produziam significados e estratégias para viver com/na fron-teira. E, de outra parte, inquirir as formas pelas quais essas vivênciasinfluenciaram nas próprias construções identitárias que eles elabora-vam. Ou seja, nos parece bastante pertinente dirigir o estudo para a aná-lise dos papéis desempenhados pela situação de fronteira nas ações erelações sociais dos sujeitos e, ao mesmo tempo, investigar a fundo aprópria produção social da fronteira.

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O comerciante, o estancieiro e o militar:noções divergentes de honra entre as elitesdo Rio Grande do Sul no início do século XIX

Karl Monsma*

Em novembro de 1829, o Alferes Boaventura José de Oliveira e suamulher, Isabel Francisca de Andrade, concordaram em vender sua Es-tância da Muzica ao comerciante Comendador João Francisco Vieira Bra-ga, morador da cidade-porto de Rio Grande, por 16 contos (16.000 mil-réis).1 Com esta compra, Vieira Braga, que havia enriquecido, em parte,com o aprovisionamento do exército brasileiro durante a Guerra Cis-platina, esta bem posicionado geograficamente para lucrar com a paz. Aestância consistia em mais ou menos seis léguas quadradas no atual mu-nicípio de Dom Pedrito. A localização perto da fronteira com o Uruguaiera conveniente tanto para a venda de gado às charqueadas de Pelotascomo para a compra e venda de gado contrabandeado.

Parece que João Francisco e Boaventura nunca haviam se conheci-do pessoalmente. Negociaram a venda por correspondência ao longode um período de dois meses e meio, com a ajuda do Marechal de Cam-po Sebastião Barreto Pereira Pinto, Comandante Interino do Exército doSul, que representou Vieira Braga. Na sua carta concordando com a ven-

* Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em História e Programa de Pós-Graduaçãoem Ciências Sociais, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo,RS, Brasil. Agradeço a ajuda do Dr. Gilberto Centeyo Cardoso, diretor da Biblioteca Rio-Grandense, e dos funcionários dessa instituição. Na fase inicial, esta pesquisa recebeu foifinanciada pela Comissão Fulbright (American Republics Research Program). Atualmenterecebe financiamento do CNPq (Bolsa Produtividade em Pesquisa e Auxílio à Pesquisa –processo 472722/2007-7).

1 Escritura, venda da Estância da Muzica a João Francisco Vieira Braga (doravante JFVB),São Gabriel, 10/04/1830, Biblioteca Rio-Grandense (BRG), Rio Grande, RS, Lata 28, QuestãoBoaventura José de Oliveira (QBJO). Com exceção de citações dos documentos, a ortografiados nomes (por exemplo, Yzabel, Joze) foi transcrita com a versão predominante hoje.

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da, Boaventura reclamou das despesas adicionais ocasionadas pela de-mora em fechar o negócio e disse que venderia a estância: “com a Con-dição Só q’ hei de reçeber o pro pagamto em S. Gabriel em prata e aSimme cobro de 300000 tanto mil rs qe Gastei Sem adiantar coza alguma”(grifo no original), dizendo também que por ocasião do primeiro paga-mento “façaremos Escritura o q’ agora não hé preçizo pois Basta Só a ma

palavra de honra Sendo mais Segura do q’ a ma propia firma”.2 JoãoFrancisco se queixou da dificuldade de pagar em prata, mas concordoucom essas condições. Alguns meses depois, efetuou o primeiro paga-mento e tomou posse da estância.

Vieira Braga devia dois pagamentos adicionais de 2 contos cada, aserem pagos com intervalos de um ano. As relações entre os dois ho-mens se azedaram quando Boaventura foi a Pelotas cobrar o segundopagamento um ano depois. Boaventura achava que o saldo seria pagoem prata. Depois alegou que o Marechal Barreto havia lhe garantidooralmente que Vieira Braga pagaria todo o preço da propriedade emprata. Mas Vieira Braga insistiu que devia os 4 contos restantes em mo-eda de cobre, apontando a escritura assinado por Boaventura por oca-sião do primeiro pagamento, que dizia que ele havia recebido 12 contosem prata, mas não especificava a natureza dos outros pagamentos. Areação ultrajada de Boaventura, porém, sugere que ele realmente espe-rava ser pago com moeda de prata. Com a ajuda de José Antonio Pimen-ta, publicou um artigo em um jornal de Porto Alegre difamando JoãoFrancisco e contando sua versão da disputa, emitindo, assim, um desa-fio público a Vieira Braga.

O artigo apareceu no Correio da Liberdade no dia 9 de julho de 1831,assinado pelo “Amigo dos Homens de bem”, e acusava Vieira Braga deser um tratante mentiroso, apesar de se apresentar publicamente comohomem honrado.3

Quasi nunca a honra e a probidade dos homens pode regularse pelocaracter, que o seu exterior nos representa: as mais das vezes se nos figu-rão taes, que parecia um attentado só a suposição de que serião capazesde faltar á verdade, aquelles mesmos, em cujo coração não reside maisque o embuste, e a mentira; e commumente soppomós indigno de com-metrer uma vileza o que, quando se tracta de seus interesses particula-

2 Boaventura José de Oliveira a JFVB, Estância da Muzica, 10/11/1829, L28, QBJO.3 Cópia em BRG, L28, QBJO.

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res, nenhuma duvida tem em os practicar com o maior descaramento,illudindo impunemente a fé de seus tractados e ajustes á sombra da pre-ponderancia, e representação que entre a sociedade tem injustamenteadquerido.

Para Boaventura, Vieira Braga usou a escritura da estância paraburlar seu acordo: “quiz o dito Braga paga-los em cobre apegando separa isto a um ponto mal entendido da Escritura”. Depois de uma dis-cussão, Boaventura, segundo seu relato, decidiu aceitar o cobre, masreservou o direito de continuar exigindo o pagamento em prata. VieiraBraga pediu para ele passar numa loja no dia seguinte para receber odinheiro, mas quando Vieira Braga apareceu no dia marcado com o es-boço de um recibo para Boaventura copiar, dizendo que receberia o di-nheiro depois, Boaventura se recusou a passar o recibo antes de receber.O cunhado de Vieira Braga, Domingos Rodrigues Ribas, entregou o di-nheiro de cobre em pagamentos menores ao longo dos dois dias seguin-tes e depois apresentou o esboço de um recibo que não mencionava anatureza da moeda usada no pagamento, “por assim convir aos interes-ses e boas intenções do Sr. Braga: porem Boaventura que já via a forma,porque o intentavão enganhar, passou sim o recibo, mas não segundo orascunho, que lhe foi dado: fez as declarações, que julgou convenientes”.Ribas aceitou o recibo com alguma relutância, mas reapareceu nessa noi-te com dois outros homens, “ordenando que se lhe passasse o recibo porum terceiro rascunho, que apresenta, ou do contrario se lhe entregasse odinheiro, para cujo effeito trazião já aquellas mesmas horas uma ponta denegros: e não se fiando no honrado Boaventura, que era capaz de quardarmilhões sem recibo, nem lhe queria confiar por uma noite uma somma,de que elle mesmo era proprietario”. Ribas só foi embora quando Boa-ventura entregou o dinheiro ao dono da casa onde estava hospedado.

Obrigou Ribas ao Dono da casa a ficar por depositario com manifestaafronta deste honrado homem [Boaventura], que em S. Francisco dePaula recebeo por esta occasião os maiores vexames, com espanto detodos as pessoas, que conhecem seus honrados sentimentos: [Ribas]cedeo por fim á razão, e se retirou; mas o honrado Boaventura, consi-derando de noite que era melhor entregar o dinheiro, e receber o reciboque passara, do que expor se a ser atacado, quando se retirasse, e rou-bado por similhantes salteadores, que até podião attentar contra a suavida, assim o fez.

Aparentemente Boaventura voltou para sua casa nova em São Ga-briel sem o dinheiro. Sentia-se profundamente insultado não somente

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pela tentativa de lhe pagarem em cobre, mas também pela suspeita efalta de educação que Ribas demonstrara. A ameaça de mandar um gru-po de escravos para forçá-lo a devolver o dinheiro era uma rejeição cla-ra da palavra de honra de Boaventura. Parece que foi por isso que eleacusou Ribas de ser um salteador, o que Ribas, por sua vez, interpretoucomo um insulto grave.

Voltando ao início da história, embora Boaventura tenha acusadoJoão Francisco de tentar fraudá-lo, não está claro que este queria enga-ná-lo, dada a obsessão com a lisura ou, pelo menos, em manter a apa-rência dela, evidente no resto da sua correspondência. João Franciscoentendia, ou disse que entendia, que somente o primeiro pagamento, de12 contos, devia ser de prata. O fato de que a escritura não especificavaa natureza dos 4 contos restantes sustentava sua interpretação. Por ou-tro lado, Boaventura, baseando-se nas palavras do Marechal Barreto,representante de Vieira Braga, acreditava que todo o preço da estânciaseria pago em prata. Ele prestou pouca atenção ao que estava escrito nocontrato porque, afinal, todos os envolvidos eram homens de honra, e oque importava para homens de honra era a palavra empenhada (oral-mente).

Para Boaventura, Vieira Braga era um comerciante urbano calcu-lista e sem-vergonha que queria se aproveitar das tecnicidades da pala-vra escrita para fraudar um homem de honra, que ainda acreditava quea palavra de um homem importava. No seu artigo, Boaventura e Pimen-ta usaram as palavras “honra” ou “honrado” 12 vezes, oito das quaispara descrever Boaventura. O texto só comentava a honra de João Fran-cisco Vieira Braga ironicamente.

Não se pode duvidar que o Sr. Braga desde o principio deste negocioteve sinistras intenções [...] Desmentir a todas as pessoas, que assistirãoao ajuste, pertendendo pagar em cobre, só porque na escriptura não estábem declarado, será o modo de proceder dos homens de honra!!! Ah, Sr.Redactor, se a palavra não obriga os homens, qual será a escriptura, queos obrigará!

Entretanto, se realmente acreditasse que Vieira Braga fosse umhomem sem honra, Boaventura não teria se dado o trabalho de escrevero artigo. Somente atacou a honra de João Francisco porque acreditavaque ele realmente tivesse honra a perder. Com efeito, dizia que JoãoFrancisco não merecia a honra que os outros lhe concediam, que lhefaltava o sentido de honra internalizado que gera sentimentos fortes de

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obrigação moral. Segundo Boaventura, João Francisco somente apresen-tava o aspecto honrado para esconder seu cerne interesseiro e calculista.A decisão de levar a disputa para a esfera pública e a descrição idealiza-da do homem honrado no artigo também sugerem que o conceito dehonra ressoava entre todas as elites da época. Não era somente umaobsessão de estancieiros interioranos.

Mas Vieira Braga e Ribas claramente se consideravam homenshonrados e defenderam sua honra na Justiça. Depois de o Júri de Acusa-ção decidir que o artigo realmente constituía “abuso de liberdade daimprensa”, eles processaram José Antônio Pimenta e, posteriormente,Boaventura José da Oliveira.4 Segundo a acusação formal preparada porseu advogado, “em detrimento da honra, e probidade com que em to-dos os tempos se tem distinguido [Vieira Braga e Ribas] acabão de seratrosmente calumniados, e injuriados”. O artigo estava cheio de insul-tos e mentia a respeito da forma do pagamento devido e do tratamentosofrido por Boaventura quando foi fazer a cobrança. Depois de repassaras “insolencias, injurias, e falsidades” do artigo, a acusação concluía que“ninguem deixará de notar no impresso denunciado o aluvião de injurias,que muito de proposito se cuspirão sobre o bom conceito, honra, e ca-racter [de Vieira Braga e Ribas].”5

Seria um erro acreditar que o avanço do mercado e dos cálculosracionais minava a importância da honra, que era fundamental para gran-des comerciantes como Vieira Braga e Ribas. Entretanto, as característi-cas mais salientes da honra mercantil eram um tanto distintas dos as-pectos da honra enfatizados no mundo rural de Boaventura. O desen-tendimento entre eles e o conflito dela resultante se derivaram, em gran-de parte, de noções distintas de honra. Para compreender a evolução des-te confronto, é importante indagar sobre a natureza da honra e por queela era importante na Província de São Pedro na primeira metade do sé-culo XIX.

4 Sobre o funcionamento dos júris na época, cf. Flory, 1981, p. 115-27.5 José de Paiva Magalhães Calvet, “Libello accusatorio […] contra o R. citado José Antonio

Pimenta”, 09/03/1832, BRG, L28, QBJO.

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A honra no Rio Grande do Sul imperial

A honra é uma avaliação da pessoa por parte de outros integran-tes da comunidade, mas também é internalizada na forma de um “sen-tido de honra”, que orienta o comportamento honrado (Stewart, 1994, p.9-21). Alguns pesquisadores definem a honra hierarquicamente, comodistinção e precedência (Pitt-Rivers, 1965, p. 19-77; Pitt-Rivers, 1968, p.503-11). Outros a percebem como a respeitabilidade básica ou um tipode consideração concedida por uma comunidade a todos os integrantesem conformidade com certas regras fundamentais (Campbell, 1964, p.268-97; Stewart, 1994). Neste sentido, a honra é o reconhecimento, porparte de outros, de que a pessoa possui um sentido de honra internali-zado. Este “direito ao respeito” é pré-requisito essencial para a honra nosentido da distinção e pode ser pensado como o “direito à honra”(Stewart, 1994).

A honra hierárquica é uma forma de capital simbólico (Bourdieu,1977, p. 171-83). Como a honra toma, tipicamente, formas bem diferen-tes para homens e mulheres, focaliza-se aqui somente a honra masculi-na. A honra hierárquica afere o valor social relativo de um homem, seuvalor para sua família, para parceiros de trocas, para sua comunidade,para seu país. Dado o direito básico ao respeito, os homens acumulam ocapital simbólico da honra por meio de uma conjunção de, por um lado,privilégio, riqueza e poder e, por outro, atos honrados, que demons-tram a internalização do sentido de honra e, muitas vezes, são facilita-dos pela posse de recursos e poder. Além de ser valorizada por si só, ahonra traz outros benefícios. Um homem honrado tem tanto os recursoscomo a fibra moral necessários para assumir e cumprir compromissos,o que significa que ele é um parceiro valioso e confiável para diversostipos de trocas (Bourdieu, 2000; Herzfeld, 1980). Portanto, a honra susci-ta a colaboração dos outros. O capital simbólico da honra serve comocrédito nas relações de troca que continuam ao longo do tempo (Bour-dieu, 1977, p. 80-81).

O capital simbólico, difícil de aferir e validado pela opinião dosoutros, pode evaporar rapidamente (Bourdieu, 1977, p. 181-82). Aque-les que não defendem sua honra contra desafios a perdem (Stewart,1994, p. 64-71). Nos grupos que valorizam a honra, os homens são bas-tante sensíveis a ofensas e só podem desconsiderar um desafio se pro-vir de alguém tão inferior que não merece uma resposta (Bourdieu,

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2000; Campbell, 1964, p. 280-81; Pitt-Rivers, 1965, p. 31). Em geral, ahonra pesa mais nos contextos onde lealdades pessoais são mais impor-tantes para a segurança e o sucesso (Pitt-Rivers, 1965, p. 58-61; Pitt-Ri-vers, 1968, p. 509-10; Schneider, 1971, p. 17).

As lealdades pessoais e a honra necessária para sustentá-las eramessenciais por vários motivos na Província de São Pedro do Rio Grandedo Sul no início do século XIX. Boa parte do campo era um mosaico depropriedades com limites vagamente definidos ou sobrepostos, e os quereivindicavam as mesmas terras frequentemente recorriam à violênciafísica e à intimidação ou lutavam na Justiça. A vigilância constante e acapacidade de mobilizar aliados no campo, na burocracia do Estado ena Justiça eram essenciais para proteger as terras contra as pretensõesde vizinhos. Defender as terras era uma questão de honra, prova de queum homem podia proteger o patrimônio familiar. Como um parente deJoão Francisco Vieira Braga escreveu durante uma disputa por terras,“jamais deixarei de sustemtar o meu direito, não olhando ao interece, esim a onrra, por não acobertar a nossa regineração, pr qm estamos obri-gados a dar a vida, pa flecidade de nossos vindouros.”6

Quando João Francisco Vieira Braga comprou a Estância da Muzicade Boaventura de Oliveira, uma parte das terras era contestada na Justi-ça.7 Boaventura havia recebido uma sesmaria de 3 léguas quadradas em1816, mas havia ocupado mais ou menos 6 léguas, e algumas partes dasterras adicionais eram disputadas por vizinhos (César, 1978, p. 25-27).Vieira Braga tinha confiança de que podia obstar qualquer ameaça à suaposse da estância. Ele era participante frequente de disputas na Justiça– tanto nas suas próprias como nas de outros –, mobilizando seus con-tatos no Estado para solicitar aos juízes decisões favoráveis. Informouseu capataz que a disputa sobre as terras da Estância da Muzica “henada, porque já mais posso deixar de ser ouvido para ser esbulhado dama propriedade”.8 Quando a Justiça era lenta, a violência e a intimidação

6 Francisco José Gonçalves da Silva a JFVB, Serrito (Jaguarão), 14/07/1821, BRG, L25. Cf.Bourdieu, 1977, p. 182, onde discute fenômenos análogos entre os Kabyle.

7 João Fernandes da Silva a JFVB, Estância da Muzica, 09/12/1832, BRG, L26; JFVB a JoãoFernandes da Silva, Rio Grande, 13/02/1833, BRG, L27, Copiador de cartas a João Fernandesda Silva.

8 JFVB a João Fernandes da Silva, São Francisco de Paula, 25/12/1832, BRG, L27, copiadorde cartas a João Fernandes da Silva.

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serviam para defender as terras. Em 1834, outro vizinho havia invadidouma parte da estância, e João Francisco exortou o capataz à ação vigorosa:

Devo prevenillo que se elle, ou qualquer outro tentar occupar algumterreno do que está dentro das devizas desse campo, vmce deve não con-sentir, requerendo logo ao Juiz de Paz para fazer conter a cada hum nosseus limites, e quando o Juiz deixe de fazer justiça (o que não he de espe-rar) em tal cazo deve vmce obstar com força a qualqr tentativa que fação,pois a Ley me permite assim fazelo, e eu respondo por todo o mal quelhe possa sobrevir.9

Proteger as terras que reivindicavam era importante tanto paraBoaventura como para João Francisco, mas os horizontes deste últimoeram mais amplos. A honra também era um recurso importante paramanter suas relações políticas e comerciais. Na ausência das institui-ções modernas de avaliação de crédito, a honra permitia a confiança nastrocas comerciais, servindo como garantia simbólica. Os grandes comer-ciantes da província de São Pedro se envolviam em muitas trocas a lon-ga distância e transações que se estendiam no tempo, sem correspon-dência imediata, mas sempre com parceiros conhecidos ou recomenda-dos por conhecidos. João Francisco mantinha relações duradouras comagentes no Rio de Janeiro e em Rio Grande (depois de se mudar paraPelotas). Ele emprestava dinheiro a estancieiros, charqueadores e co-merciantes sem mais garantia, em muitos casos, que a honra do devedor.

A manipulação astuta das relações pessoais era importante parainfluenciar os políticos e os funcionários do Estado. Seja qual for a coe-são que se possa identificar entre os bacharéis que ocupavam a maioriados altos cargos do Estado imperial, esses homens também estavam li-gados com as elites locais por laços de parentesco e troca.10 João Francis-co Vieira Braga arranjava a eleição de políticos, e em troca podia indicarseus preferidos para cargos locais. Sua eficácia como intermediário de-pendia de sua honra, que sintetizava sua influência e confiabilidade.

João Francisco Vieira Braga era um participante entusiástico des-se sistema de patronagem, embora só tenha alcançado o auge de sua in-fluência algumas décadas depois de seu conflito com Boaventura de

9 20/11/1834, BRG, L27, Rio Grande, Copiador de cartas a João Fernandes da Silva.10 Carvalho (1996) mostra a importância da formação e socialização comuns dos bacharéis

que entravam no serviço do Estado. Graham (1990) demonstra laços cruciais de dependênciamútua entre as elites políticas e as elites locais, sobretudo os fazendeiros.

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Oliveira. Os Vieira Braga ilustram as estratégias familiares econômi-cas e políticas comuns no Brasil imperial. Além de ser estancieiro ecomerciante, João Francisco ocupou vários cargos políticos. Na cidadede Rio Grande, foi juiz almotacel, tesoureiro do selo, vereador, adminis-trador do contrato do quinto dos couros e diretor da obra da nova alfân-dega; na década de 1830, foi juiz de paz em Pelotas, deputado na As-sembléia Provincial e vice-presidente da Província de São Pedro do RioGrande do Sul.11 Dois dos irmãos de João Francisco se formaram pelaAcademia de Direito de São Paulo: Antônio virou desembargador emPorto Alegre e Miguel, inspetor chefe da Alfândega de Rio Grande queJoão Francisco construíra (Magalhães, 1993, p. 126-7).12 Os outros qua-tro irmãos, Francisco, Manuel, Joaquim e Vicente, eram estancieiros nafreguesia de Boqueirão (atual São Lourenço do Sul), distrito do municí-pio de Pelotas, onde ocuparam vários cargos e podiam influenciar, senão controlar, quase qualquer eleição.

A relação política mais valiosa de João Francisco Vieira Braga,porém, era o genro de sua irmã, seu compadre o conselheiro AntônioRodrigues Fernandes Braga, bacharel que foi presidente da Provínciade São Pedro brevemente em meados da década de 1830, até ser depos-to pela Revolução Farroupilha, e depois virou desembargador na Corte.Depois da Guerra Farroupilha, João Francisco, que havia passado a maiorparte da guerra na Corte, usaria suas relações com Fernandes Braga eoutros contatos da Corte para se tornar intermediário chave entre o sulda província e o governo imperial. Esta posição dependia de sua honra,que servia como garantia de que ele era influente e confiável. Usar suasrelações (capital social) para fazer favores lhe rendia mais honra (capi-tal simbólico), que facilitava a ampliação de sua rede de relações. Porsua vez, tanto a honra como a rede de relações eram úteis nas suas tran-sações comerciais.

11 JFVB, Exposição sucinta dos serviços prestados a S. M. o Imperador e à Nação [1840]. In:Spalding, 1969, p. 134-8.

12 Miguel, que esperava enriquecer com o cargo, morreu naufragado menos de um ano depoisde tomar posse (Miguel Vieira Braga a Maria Angelica Barbosa, 01/11/1839, Rio Grande,BRG L26; Azevedo s. d., p. 84). Tanto Azevedo como Guilhermino César (1978) afirmamerroneamente que Miguel era filho natural de João Francisco Vieira Braga. As cartas dafamília Vieira Braga deixam claro, porém, que era irmão legítimo (Miguel Vieira Braga aMaria Angelica Barbosa, 01/11/1839, Rio Grande, BRG L26; JFVB a Vicente Manoeld’Espindula, Pelotas, 15/10/1874, BRG L29, Copiador 124).

O comerciante, o estancieiro e o militar / Karl Monsma

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Em suma, Vieira Braga tinha bons motivos para defender sua honracontra contestações. Não era uma obsessão irracional desvinculada depreocupações “reais”; era pré-requisito básico para trocas personaliza-das e, por isso, essencial para o sucesso em um mundo onde as relaçõespessoais eram as únicas que realmente importavam. João Francisco nas-ceu e cresceu nesse mundo, e a honra permeava suas disposições e es-quemas cognitivos. Portanto, não temos motivo para pensar que ele te-nha parado para calcular os custos e benefícios em potencial antes deresponder ao desafio de Boaventura. O mesmo se aplica a Boaventura.

Definições divergentes de honra

A natureza do duelo – no jornal e na Justiça – entre Boaventura eVieira Braga sugere definições divergentes de honra. Para estancieiroscomo Boaventura, que moravam nas suas propriedades, a grande maio-ria das trocas que não eram simples e imediatas envolviam a interaçãoface a face prolongada dispensando, portanto, contratos escritos e com-plexos. Posteiros e alguns outros trabalhadores recebiam salários men-sais, e agregados ganhavam acesso à terra em troca da proteção doslimites das propriedades e trabalho eventual. Todos os estancieiros quemoravam no campo também se envolviam em redes informais de trocacom outras elites rurais: colaboravam com vizinhos nos rodeios e naseparação dos rebanhos; emprestavam escravos para fazer currais ouconstruções; ajudavam na perseguição a ladrões ou escravos fugidos;votavam em políticos indicados por conhecidos em troca de favores dasautoridades locais indicadas por esses políticos.13 Todos guardavamcontas mentais de favores prestados e recebidos, e classificavam aque-les com quem interagiam como “amigos” confiáveis ou como ingratos

13 Esta breve descrição da vida nas estâncias se baseia principalmente nas instruções queJFVB preparou para seu capataz depois de comprar a Estância da Muzica e suacorrespondência subsequente com o capataz (JFVB, Instruções dadas ao Sr. João Fernandesda Silva capataz da Estância da Muzica, 28/07/1832, BRG, L27, Estância da Muzica[publicado, com alguns erros de transcrição, em César, 1978, p. 37-48.]; João FranciscoVieira Braga, Copiador de cartas a João Fernandes da Silva, 1832-5, BRG, L27, Estância daMuzica). Também aproveitei a correspondência dos irmãos Vieira Braga que viviam nassuas estâncias, sobretudo Vicente (BRG, L27). Veja também Bell, 1998; Cardoso, 1962;Chasteen, 1995, p. 21-35; Farinatti, 2007; Freitas, 1981; Laytano, 1950; Leitman, 1975; Lobb,1970; Maestri, 1984; Queiroz, 1977; Santos, 1984; Slade, 1971; Xavier, 1964.

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desleais e, portanto, desonrados. Mas manter contas escritas de favoresteria violado o espírito dessas trocas, sugerindo que a pessoa não confia-va nos outros e não queria conservar relações colaborativas duradouras(Blau, 1986, p. 88-114). A uma pessoa assim faltavam a lealdade e a capa-cidade de assumir compromissos que distinguiam o homem de honra.

Vieira Braga também se envolvia em trocas com pessoas que co-nhecia pessoalmente, mantinha relações duradouras com agentes e par-ceiros, e misturava os diferentes campos de troca, mas estava muito maisacostumado com obrigações escritas e complexas, que estendiam as tro-cas no espaço e no tempo, permitindo sua continuidade sem a interaçãoface a face. A estância era somente um dos seus investimentos diversifi-cados. Nessa época, ele tinha armazéns na cidade de Rio Grande e seidentificava principalmente como um comerciante que negociava comRio de Janeiro. Também comprava charque dos estancieiros e charque-adores da margem da Lagoa dos Patos e lhes vendia provisões.14 A faci-lidade com a palavra escrita e com a contabilidade era essencial para osucesso nesse mundo de parcerias, escrituras, fianças, títulos, juros etaxas de câmbio. Contas cuidadosas, contratos claros e atenção aos de-talhes, junto com a honestidade e a lealdade, tornavam um comercianteconfiável para seus parceiros de negócios e, portanto, eram constituti-vos da honra mercantil. Promessas gerais e verbais sugeriam desleixo efalta de comprometimento, não honra.

As elites rurais e urbanas também defendiam sua honra de ma-neiras distintas. John Chasteen apresenta evidências de que os homensda região da fronteira, inclusive estancieiros, geralmente defendiam suahonra com brigas de punhal (Chasteen, 1990, p. 47-64), mas as elitesurbanas preferiam brigar na Justiça ou nas colunas dos jornais. Ou seja,as elites urbanas duelavam com palavras, geralmente palavras escritas.Era comum os litigantes “desperdiçarem” dinheiro em recursos compoucas chances de sucesso; desistir por motivos meramente econômi-cos implicava covardia vergonhosa. Ganhar na Justiça significava hu-milhar os inimigos. Mais de 20 anos depois, quando ganhou uma causana Relação da Corte, João Francisco Vieira Braga escreveu: “Nada me

14 Cf. José da Costa Santos a JFVB, Fazenda de São Lourenço, 12/11/1821, 16 junho 1822, 12/08/1822, BRG, L25; Manoel Machado Pereira a JFVB, 31/08/1821, BRG, L25; FranciscoVieira Braga a JFVB, Rio de Janeiro, 03/08/1822, BRG, L25; Francisco Vieira Braga a JFVB,São Lourenço, 21/08/1828.

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póde ser mais agradavel do que triumfar dos meus adversarios, quetanto se empenhão em prejudicar-me.”15 Para atacar a honra de JoãoFrancisco, que morava longe, na cidade de Rio Grande, e teria despreza-do um desafio físico de qualquer maneira, Boaventura precisava emitirum desafio “urbano”, na forma da calúnia que publicou, mas isso aca-bou favorecendo João Francisco, que tinha muito mais experiência nouso de palavras e leis como armas.

O processo contra Boaventura e Pimenta por “abuso de liberdadede imprensa” e as evidências que Vieira Braga e seu advogado anexa-ram para provar que ele era um homem honrado enfatizam suas contascuidadosas e seu cumprimento exato de contratos. A acusação inicialafirma que o artigo com a crítica a Vieira Braga e Ribas inclui “expressoensafrontosas com o fito de deprimir sua fama, e credito”, e uma das pioresdelas é a declaração de que João Francisco “com o maior discaramentoilude a fé de seus tractados, e ajustes”.16 Para provar sua honra, JoãoFrancisco e Ribas solicitaram atestados de autoridades públicas e doscomerciantes de Porto Alegre e Rio Grande. Vinte comerciantes de Por-to Alegre assinaram uma declaração dizendo que Vieira Braga e Ribas“tem sempre merecido o melhor conceito, atenta a boa fé, probidade, ehonra com que se hão portado em todas as suas transaçoens mercan-tis”.17 Quarenta comerciantes de Rio Grande atestaram que Vieira Braga“sempre gozando de muito credito, e havido por mto exacto em suasContas, verdadeiro, e pontual no cumprimento dos seus contratos”.18 OMarechal Sebastião Barreto Pereira Pinto declarou, sobre Vieira Braga,que “tenho ouvido falar aos que com ele tem relassõens comerciáis com omaior elogio, pelo fiel, e cabál cumprimento dos seus trátos, e tranzas-sõens”.19 João Francisco também anexou atestados provando que haviasido eleito ou nomeado para vários cargos oficiais, que evidenciavamnão somente que ele era importante, mas também que era digno da con-fiança da monarquia e de seus pares.

15 JFVB a Antônio Rodrigues Fernandes Braga, Pelotas, 15/12/1857, BRG, L29. Vieira Braga tam-bém presumia que a outra parte recorresse para que o processo fosse julgado uma vez mais.

16 José de Paiva Maglhães Calvet, Libello accusatorio […] contra o R. citado José AntonioPimenta, 09/03/1832, BRG, L28, QBJO.

17 14/03/1832, BRG, L28, QBJO. A semelhança entre essa declaração e a acusação contraPimenta sugere que o advogado Calvet escreveu os dois documentos.

18 09/03/1832, BRG, L28, QBJO.19 Porto Alegre, 16/03/1832, BRG, L28, QBJO.

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As evidências que Boaventura apresentou para se defender nãoestão anexadas ao processo porque, depois que Pimenta apresentou umacarta de Boaventura assumindo a responsabilidade pelo artigo, o júriabsolveu Pimenta, e Vieira Braga e Ribas processaram Boaventura nacomarca de Cachoeira, onde Boaventura morava.20 Foi impossível loca-lizar o novo processo; portanto, não sabemos o resultado final deste con-flito. Entretanto, Boaventura, com a ajuda de Pimenta, havia apresenta-do seus argumentos no artigo, construindo uma narrativa para o tribu-nal da opinião pública em que um comerciante velhaco usou documen-tos enganosos para fraudar um estancieiro honesto, que sempre honra-va sua palavra. João Francisco, com a ajuda de seu advogado, apresen-tou uma narrativa para o juiz e o júri em que um comerciante meticulo-so, que sempre cumpria seus tratos e merecia a confiança do Estado e dopúblico, foi atacado injustamente por um rústico semialfabetizado quenão queria cumprir um ajuste formal. Ambos usaram suas noções dehonra para se apresentar de maneira favorável. Para a sorte de VieiraBraga e de Ribas, a primeira fase do julgamento aconteceu em PortoAlegre, onde os jurados eram homens da elite urbana como eles. Poroutro lado, é possível que o júri da comarca interiorana de Cachoeiratenha se identificado com a definição de honra de Boaventura.21

Coragem e dever cumprido

Poucos meses antes de encetar as negociações com Boaventura deOliveira sobre a compra da Estância da Muzica, João Francisco VieiraBraga sofreu outra afronta, desta vez de um oficial militar e de umamaneira bem menos pública, que fornece mais evidências sobre a natu-reza das diferenças nas noções de honra de segmentos distintos da elite.Ao fim da Guerra Cisplatina, muitos equipamentos e provisões milita-res ficaram na região da fronteira, e o exército requisitou bois dos es-tancieiros para removê-los. O oficial militar (aparentemente SargentoMaior) Antônio Francisco Pinto de Oliveira mandou tirar nove bois daFazenda da mãe de Vieira Braga, sem consultar a este, e deixou um reci-bo para posterior pagamento. Em resposta, Vieira Braga escreveu uma

20 Boaventura a José Antônio Pimenta, São Gabriel, 11/06/1831, BRG, L28, QBJO.21 Os júris geralmente eram dominados por integrantes das elites locais, que podiam influenciar

os jurados mesmo quando eles mesmos não serviam nos júris (Flory, 1981, p. 123).

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carta áspera a Pinto de Oliveira e outra reclamando dele ao Marechal deCampo Sebastião Barreto Pereira Pinto, o mesmo comandante que re-presentaria Vieira Braga nas negociações iniciais com o estancieiro Boa-ventura. Pinto de Oliveira respondeu a Vieira Braga com uma carta irô-nica, mas não abertamente insultuosa, e enviou outra mais maldosa aoMarechal Barreto Pereira Pinto, que a entregou a João Francisco.

Embora Pinto de Oliveira escrevesse como militar, suas noções dehonra eram parecidas em vários aspectos com as dos estancieiros da fron-teira, e parece que ele também era estancieiro, porque havia doado boispróprios. Pinto de Oliveira escreveu ao Marechal Pereira Pinto que VieiraBraga merecia a “ms austéra correcção”, mas, “lutando com= os meusEstimulos”, ele havia respondido de forma moderada à provocação deVieira Braga.22 Ele escreveu a Vieira Braga que este estava “fazendo denada huma comprida Estoria, e de huma mosca hum Elefante” e o lem-brou de que o exército fora a “Salvação dos haveres [dos moradores], e detodos os habitantes”. Ele mesmo havia contribuído com dez bois, “tanto pa

exemplo dos mais, como pelo interece q’ devia tomar na percizão, apezarde ficar exposto a pagar os meus Carretos, e comtudo me não queixo”.23

Pinto de Oliveira tentava envergonhar Vieira Braga, em vez dequestionar sua honra diretamente. Sua carta ao Marechal Pereira Pintoera bem mais insultuosa, mas não constituía um desafio direto a JoãoFrancisco porque não foi endereçada a ele e não era pública (Pitt-Rivers,1965, p. 25-7). A carta de João Francisco ao oficial Pinto de Oliveira era,segundo este, “o mais atrevido e insultante”.24 Vieira Braga foi o únicoestancieiro a protestar, mas Pinto de Oliveira de fato havia sido genero-so com ele e sua mãe aceitando os novilhos tambeiros que o capatazforneceu em vez de verdadeiros bois de trabalho. O motivo real da rai-va de João Francisco era um conflito anterior:

Este sugeito Exmo. Sn_r funda a sua contrariede sobre a ma inteireza pornão querer annuir ao mto q’ se empenhou pr escrita q’ conservo pa qe euobrase o ms excandalozo despotismo contra seu proprio Tio Nicolao Lo-

22 Antônio Francisco Pinto de Oliveira a Sebastião Barreto Pereira Pinto, Quartel do BomDesterro, 25/05/1829, BRG, L27, Correspondência especial.

23 Antônio Francisco Pinto de Oliveira a JFVB, Quartel do Bom Desterro, 13/05/1829, BRG,L27, Correspondência especial.

24 Antônio Francisco Pinto de Oliveira a Sebastião Barreto Pereira Pinto, Quartel do BomDesterro, 25/05/1829, BRG, L27, Correspondência especial. Infelizmente o acervo de VieiraBraga não inclui uma cópia da carta que mandou a Pinto de Oliveira.

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pes Soares, e fazendo=lhe ver a im=moralide da sua pertenção, sei qe

ficara vechadicimo, e ao mmo tpo meu declarado Inimigo.

Além do mais, Pinto de Oliveira havia suportado grande sofri-mento para cumprir sua missão, enquanto Vieira Braga vivia em con-forto na cidade de Rio Grande:

O q’ fis foi conduzir pesoalme a Boyada lutando com huma geral Inun-dação, e suportando o rigor de hum des=abrido temporal, molhado demanham athe a noite pelo interece q’ tomava de chegar a tempo de serútil da mma forma qe arostando=me a todos os perigos, tive a honrra deentregar a V.Exa. em S. Rafael o auxilio q’ pude levar de cavalhada, en-treto q’ João Braga no Ro Grde debaixo de coberta enchuta emtronizadona ms infatuada soberba, com= a penna na mão empregando os seusconhecidos talentos em sensurar dos qe andão expostos, e briozame tra-balhando, e os Hiates promptos pa voar ao ms minimo anuncio de Inimi-go, em lugar de rehunir-se a forsa armada [...] Eis os Eroes qe fazemGuerra em tempo de Pás.

Em contraposição a isso, os soldados desmobilizados haviam sido“afastados pr huma tropa de gado, mandando huns rolar=se dentre desurroens, outros em trages de mer”.

Apesar da falta de publicidade, que seria necessária para caracte-rizar este conflito como uma luta de honra, Pinto de Oliveira e VieiraBraga travaram um quase duelo pelas cartas, cada um tentando conven-cer o Marechal Barreto Pereira Pinto – o “juiz” neste caso – de sua hon-radez e da falta de honra do outro.

Pinto de Oliveira apresenta um conjunto de contrastes nítidos en-tre o mundo dele e o de Vieira Braga. Um trabalha; o outro critica. Umaguenta o vento e a chuva; o outro permanece enxuto e confortável. Umporta uma espada, mas é moderado; o outro usa uma pena, mas é des-controlado. Um enfrenta o perigo; o outro foge. Um coloca o dever e alealdade acima de tudo; o outro sacrifica seus próprios parentes paraobter vantagens. Transparecem aqui o respeito pela resistência física e odesprezo pela fraqueza e covardia que Norbert Elias (1996) identificacomo típicos dos códigos de honra de grupos guerreiros. Elias contrastaa honra guerreira com o “código moral” típico da burguesia, mas o usodas palavras “honra” e “honrado” por parte de Vieira Braga e Ribas paracaracterizar a si mesmos e suas práticas comerciais sugere que, para osgrandes comerciantes brasileiros do século XIX, honestidade e contas cui-dadosas integravam um código de honra comercial.

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Tanto Boaventura como Pinto de Oliveira afirmaram que VieiraBraga usava a palavra escrita para lesar e se aproveitar dos outros. Suascontas cuidadosas e a insistência em ser consultado sobre requisiçõesmilitares evidenciavam a falta de capacidade para confiar nos outros, oque mostrava que ele mesmo não era digno de confiança. Sua riqueza,influência e habilidades com a pena o tornavam ainda mais perigoso paraos homens honrados. Pinto de Oliveira também associava a confiabilida-de com a coragem e o trabalho duro, em contraposição à covardia e ao luxodo comerciante urbano embusteiro. Toda a maneira de viver dos ricos ur-banos era vagamente efeminada e, portanto, traiçoeira e desonrosa.

Conclusões

Em todos os três casos, a honra é uma avaliação pública da confi-abilidade do indivíduo e, portanto, de seu valor como parceiro em vári-os tipos de trocas, mas a maneira de avaliar a honra difere conforme ogrupo social em que cada indivíduo se insere, porque a natureza dasredes de relações e das trocas varia entre grupos. Para o estancieiro Boa-ventura, imerso em um mundo de relações locais face a face, a honra éevidenciada sobretudo pelo cumprimento da palavra, junto com a dis-posição de responder a insultos pessoalmente mediante a violência físi-ca. Para o militar Pinto de Oliveira, a honra se mostra pela coragem epela disposição de aguentar sofrimentos para cumprir o dever, justa-mente as qualidades que tornam um soldado confiável para seus com-panheiros e um oficial respeitado pelos subordinados. Para o comercian-te Vieira Braga, por outro lado, empenhado em construir e manter umaampla rede de relações a longa distância com outros comerciantes, compolíticos e com altos funcionários do Estado, o que envolve necessaria-mente a palavra escrita, a honra se prova pela contabilidade cuidadosae pelo cumprimento exato dos contratos. A defesa da honra, para VieiraBraga, é realizada preferencialmente pela palavra escrita, também nascolunas dos jornais ou nas peças processuais, e pode ser encomendada aoutros, principalmente advogados. Para desafiar o distante Vieira Bra-ga, o estancieiro e o militar precisavam usar a palavra escrita, a únicamaneira possível de atingir sua honra. Mas o comerciante gozava degrandes vantagens nos duelos de caneta que se seguiram.

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Los actores sociales de la ganaderíapatagónica: políticas públicas y formas

asociativas en las primeras décadas del siglo XX

Graciela Blanco*

Introducción

La Patagonia argentina comprende una extensa superficie al surde los ríos Colorado y Barrancas, sobre la que se conformaron a partirde 1884 cinco territorios nacionales en los que es posible observar unarealidad social, económica y cultural marcada por la diversidad y loscontrastes. Con importantes diferencias fisiográficas entre las áreasandinas, de meseta y costeras, los territorios fueron objeto de distintasformas de poblamiento, ocupación y puesta en producción a partir de1880, aunque orientadas centralmente por el desarrollo de la actividadganadera extensiva.

La organización político-administrativa de los nuevos territoriospatagónicos dependería del Estado nacional, el que a través del PoderEjecutivo fue estableciendo las pautas para su organización yfuncionamiento. Asimismo, fue desde el centro del país y del poder quese definieron y aplicaron las políticas públicas destinadas a distribuirlas tierras incorporadas al dominio soberano del Estado luego de lascampañas militares que despojaron a la sociedad indígena, procediendoal traspaso de las superficies a manos privadas. Como resultado de eseproceso de distribución/apropiación de las tierras públicas, en losterritorios del sur se fue definiendo un núcleo minoritario de grandespropiedades, con importante disponibilidad de capital y escasapoblación, que conviviría con un número muy significativo de pequeños

* Doctora en Historia, Profesora Adjunta de Historia Argentina en la Universidad Nacionaldel Comahue, Neuquén, Argentina. Investigadora Adjunta en el CEHIR-ISHIR-CONICET.

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y medianos propietarios, arrendatarios y ocupantes de hecho de camposfiscales, en un proceso que se fue desarrollando no sin tensiones.

Las políticas de los gobiernos radicales de la década del ’20,referidas sobre todo a las tierras públicas y al régimen aduanero,provocaron asimismo situaciones muchas veces cuestionadas poramplios sectores de productores. Sumado a ello, el impacto de laposguerra y de la crisis internacional de 1930 más adelante, otorgaronmayor visibilidad al conflicto y potenciaron la conformación deorganizaciones representativas de los productores, a través de las cualesse canalizaron mayoritariamente las demandas hacia el Estado nacional.Este trabajo plantea, en primer lugar, el análisis del proceso de ocupacióny distribución de la tierra en Patagonia, a partir de las políticas de losgobiernos nacionales en la materia y de los resultados de la aplicaciónde la legislación resultante. En segundo lugar, procura caracterizar losactores sociales que fueron configurándose a partir de las distintas formasde apropiación del recurso tierra y su puesta en explotación ganaderaextensiva. Finalmente, y teniendo en cuenta el funcionamientosocioeconómico regional, los cambios en las políticas de tierras yaduaneras y el impacto de la primera posguerra y de la crisis de 1930, laponencia intenta una primera aproximación a los conflictos emergentesy al accionar de las organizaciones corporativas surgidas en esos añosen la Patagonia.

La Patagonia se ocupa y la tierra se privatiza

Alvaro Barros, como coronel del ejército nacional en la fronterasur, expresaba en la década de 1870 lo siguiente: “Nadie pondrá en duda,esperamos, que la ganadería es la fuente de nuestra riqueza [...] y sinembargo, lejos de adelantar, en vez de enriquecer, vivimos en perpetuacrisis, bajo la cruel amenaza de la ruina. ¿Por qué? Porque la propiedadrural carece absolutamente de garantías. [...] resulta esencial para laconservación de nuestra amenazada riqueza y para su futuroenriquecimiento: 1º- Seguridad y garantías para la propiedad rural; 2º-Extensión de los campos de pastoreo. Para llegar a establecer lo primero(garantías sobre la propiedad rural) es necesaria la supresión de losindios, y la reforma práctica del sistema administrativo de la campaña.Para tener lo segundo (extensión de los campos de pastoreo), es

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indispensable también la supresión de los indios, a fin de entrar entranquila posesión de los campos de cuyo dominio ellos nos privan”.1

Este reclamo pronto sería parte del proyecto de Julio ArgentinoRoca y se concretaría con el avance militar sobre el espacio ocupado porla sociedad indígena y la consecuente incorporación de la Patagonia a lasoberanía nacional y a la explotación productiva. La finalización de lascampañas militares y la organización administrativa de los cincoterritorios nacionales del sur fue acompañada por una política de tierrasque terminaría beneficiando a determinados sectores socio-económicosy mostraría una clara contradicción entre un discurso que planteaba laintención de poblar y una realidad que no se correspondería con ello.

La incorporación coactiva de los territorios del sur se correspondióentonces con las necesidades expansivas del modelo agroexportador,que requería de la incorporación de nuevas tierras a la producción. Enese contexto y en función de las posibilidades productivas, laorganización social del espacio patagónico estuvo marcada en suscomienzos por el desarrollo de una actividad ganaderapredominantemente ovina, y en menor medida bovina y caprina, asícomo de una agricultura bajo riego en algunas áreas.

Las nuevas tierras del sur, ahora bajo el dominio soberano delEstado nacional, comenzarían a ser entregadas bajo distintas formas detenencia a partir de un conjunto de normas que legislaron la forma dedistribución del recurso.2 Con base en esas leyes liberales, en las dosúltimas décadas del siglo XIX se vendieron títulos públicos sobre lastierras a conquistar para financiar las campañas militares; se “premio” aquienes las llevaron a cabo; se promovió la colonización privadaotorgándose extensiones que variaron entre 40 y 80.000 ha y se remataronen Buenos Aires importantes superficies patagónicas. Como resultadode ello, los beneficiarios, en muchos casos miembros de las elites depoder económico y político del centro del país o estrechamentevinculados a ellas -Uriburu, Castells, Avellaneda, Sorondo, Alsina,

1 BANDIERI, Susana (2006), “Del discurso poblador a la praxis latifundista: La distribuciónde la tierra pública en la Patagonia”, en Mundo Agrario, Vol. 11, CEHR-UNLP, 1er. Semestre2006.

2 BANDIERI, Susana y BLANCO, Graciela (2009), “Política de tierras en los TerritoriosNacionales: entre la norma y la práctica”, en Graciela Blanco y Guillermo Banzato (comp.),La cuestión de la tierra pública en Argentina. A 90 años de la obra de Miguel Angel Cárcano,Rosario, Prehistoria Ediciones, en prensa.

Los actores sociales de la ganadería patagónica / Graciela Blanco

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Zorrilla, Repetto, Seeber, entre otros-, se transformaron en propietariosde grandes extensiones y especularon con su valorización enajenándolasalgunos años después. Pocos fueron los que pusieron las tierras asíobtenidas en producción. De este modo gran parte de las superficiespatagónicas y generalmente las que presentaban mayor aptitud para laexplotación ganadera fueron enajenadas y terminaron en poder de unospocos propietarios para fines del siglo XIX. Los intentos de democratizarel acceso a la tierra pública entregando superficies en pequeñas parcelas,para explotaciones ovinas en colonias que gozarían eventualmente delapoyo estatal, fracasaron por la desacertada elección de las tierras, lainsuficiente extensión de las unidades productivas proyectadas y la faltadel apoyo prometido.3

Con el cambio de siglo y en el marco del surgimiento de un gruporeformista dentro de los sectores en el gobierno, se derogaron todas lasleyes de tierras anteriores y se buscó, a través de una nueva ley en 1903,terminar con las irregularidades en la distribución del recurso. Pero yala mayor parte de la tierra, como se dijo, había sido entregada en lasdécadas previas, por lo que la venta de superficies en parcelas menores-2.500 ha- mostró una menor transferencia de tierras públicas enpropiedad y derivó, en algunos casos, en su posterior concentración porparte de quienes ya se habían instalado en la región. Mayor significacióntuvo la entrega de hasta 20.000 ha en arrendamiento, por cuanto la leyplanteaba la opción de adquirir la mitad de esa superficie en propiedadal finalizar el contrato. Esta modalidad sería muy importante en elterritorio santacruceño y en menor medida en el resto patagónico,transformándose en una de las formas de tenencia predominantes enlas primeras décadas del siglo XX junto a la propiedad ya consolidada oen combinación con ésta.4

La propiedad y el arrendamiento fueron entonces las formas detenencia centrales sobre las que se legisló. Los grandes propietarios/arrendatarios se constituyeron así en los actores sociales característicosdel espacio patagónico a partir del referido proceso de distribución y

3 BLANCO, Graciela (2001), “El Estado argentino en el desarrollo ganadero de Patagonia: ladistribución de la tierra y los inversores privados en Neuquén a principios del siglo XX”,en M. Valencia y S. Regina de Mendonça (organizadoras), Brasil e Argentina. Estado,Agricultura e Empresarios, Río de Janeiro, Vicio de Leitura/Universidad nacional de La Plata.

4 BANDIERI, Susana y BLANCO, Graciela (2009), en prensa, op.cit.

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apropiación de las tierras en las dos últimas décadas del siglo XIX. Entreellos se encontraban compañías públicas y privadas con sede en Londres,como la Sheep Farming -con campos también en Tierra del Fuego-, Lai-Aike y Monte Dinero en Santa Cruz; la Cía. De Tierras del Sur conextensiones en Chubut, Río Negro y Neuquén, entre otras, todas ellascontrolando superficies que iban desde 150.000 a 650.000 ha.5 Tambiénfueron importantes las sociedades anónimas organizadas en Chile porciudadanos de ese país e inmigrantes de diverso origen radicados allí -ingleses, alemanes, españoles, franceses, etc.-, que se constituyeronespecíficamente con el objeto de adquirir y explotar tierras en el surargentino y muy especialmente en las áreas andinas y en el sur de SantaCruz y Tierra del Fuego, áreas que reconocían una ancestral vinculacióneconómica y social con los espacios chilenos colindantes desdeConcepción a Punta Arenas. Nos referimos a la Sociedad Explotadorade Tierra del Fuego, la Sociedad Comercial y Ganadera Chile-Argentina,la Sociedad Ganadera Gente Grande, entre otras, con superficies similaresa las anteriores.6 Por último, empresarios provenientes de otras regionesde Argentina, especialmente del área pampeana, con más o menoscapital, también se transformaron en propietarios y/o arrendatarios enPatagonia: Jorge y Rodolfo Newbery, los hermanos Lafontaine, LuisZuberbuller, Teodoro de Bary, Fernando Zingoni, José Menéndez,Mauricio Braun, etc.7 Estos grandes propietarios/arrendatariosconvivieron con otros medianos y pequeños que compraron y/oarrendaron en las áreas no ocupadas entre las grandes propiedades o en

5 MIGUEZ, Eduardo (1985), Las tierras de los ingleses en la Argentina, 1870-1914, Buenos Aires,Editorial de Belgrano.

6 BARBERÍA, Elsa M. (1995), Los dueños de la tierra en la Patagonia Austral, 1880-1920, SantaCruz, Universidad Nacional de la Patagonia Austral; BANDIERI, Susana y BLANCO,Graciela (1998), “Propietarios y ganaderos chilenos en Neuquén: una particular estrategiade inversión (fines del siglo XIX y comienzos del XX)”, en Estudios Trasandinos, Año 2, nº 2,Santiago de Chile; BELFIORI, Martha C. (1977), “Tierra del Fuego. Destino de la tierrapública”, en KaruKinka. Cuaderno Fueguino, nº 19-20, Buenos Aires.

7 Un análisis particularizado de algunos de estos casos en BLANCO, Graciela y BLANCO,Mónica (2008), “Expansión de la frontera productiva y oportunidades para el crecimientoempresario en el espacio pampeano-patagónico”, en S. Bandieri, G. Blanco y M. Blanco,coord., Las Escalas de la Historia Comparada. Empresas y empresarios. La historia regional, TomoII, Buenos Aires, Miño y Dávila Edit.; BLANCO, Graciela (2009), “Un empresario ganaderoen un espacio periférico: las estrategias de acumulación de la familia Zingoni en Neuquén(primera mitad del S. XX), en Naveg@mérica. Revista electrónica de la Asociación Española deAmericanistas, Nº 2, Murcia, España.

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zonas con mayores dificultades para el desarrollo de una producciónrentable.

La contracara de estos propietarios/arrendatarios fueron los merosocupantes, aquellos que no poseían título legal sobre las superficies enlas que se instalaron. En muchos casos se trataba de descendientesdirectos de los antiguos dueños de la tierra –los indígenas-, despojadosy sometidos a las nuevas relaciones de producción; en otros, depobladores inmigrantes mayoritariamente chilenos, herederos de unasituación pasada y ahora intrusos del nuevo orden social. Todos ellosconvertidos a partir de entonces en crianceros con escaso ganado, muchasveces trashumantes, en serias condiciones de marginalidad social. Lalínea sur rionegrina, el norte neuquino y algunas áreas de la mesetachubutense y santacruceña fueron lugares en los que se asentaron estossujetos sociales. Ello llevó a que en 1899 el gobierno nacional autorizaraa los gobernadores de los Territorios a conceder el pago del derecho detalaje a quienes hicieran pastar sus ganados en los campos fiscales bajosu jurisdicción, con la declarada intención de conceder cierto respaldolegal a los ocupantes. En 1925, con argumentos similares, se estableciópor Decreto que los ocupantes de tierras fiscales debían solicitar permisosprecarios de ocupación a la Dirección General de Tierras, los que seríanconcedidos previo pago por año adelantado. Se hacía explícito quequienes no arrendaran o tuvieran estos permisos serían consideradosintrusos.8 También se intentó regularizar la situación de los ocupantesde hecho de tierras fiscales a partir de la aplicación de la ley de DerechosPosesorios, que sólo tuvo alguna incidencia en el valle inferior delterritorio de Río Negro, donde el 30% de los solicitantes ratificó laposesión.9

Sin embargo, la intención de conceder cierto respaldo legal a losocupantes difícilmente tuvo los resultados esperados debido a lasdeficientes condiciones de funcionamiento de las administracioneslocales en un territorio extenso y poco comunicado. Los ocupantes se

8 BLANCO, Graciela (2009), “Tierra y ganado en la Patagonia: políticas públicas yconflictividad en las primeras décadas del siglo XX”, en Anuario del Centro de EstudiosHistóricos “Prof. Carlos Segreti”, Córdoba, en prensa.

9 RUFFINI, Martha (2006), “Estado y propiedad de la tierra en el Territorio Nacional de RíoNegro; la cuestión de los ocupantes (1884-1892)”, en E. Cruz y R. Paoloni, (comp.), Lapropiedad de la tierra. Pasado y presente, Anuario del CEIC/3, Córdoba, Alción Editora.

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vieron empujados a instalarse con sus animales en tierras marginales encuanto a aptitud ganadera y muchas veces debían trasladarse con suganado, de acuerdo a las estaciones, a los campos altos de veranada olos más bajos de invernada. En algunos casos estos campos eran fiscales,pero en otros debieron indefectiblemente recurrir –por la intensidad delas privatizaciones en algunas áreas- al pago de pastaje o alarrendamiento a particulares para que sus animales pudieran alimentarsey sobrevivir. En ocasiones la realidad del ocupante era mucho mas duraaún. Se veía frecuentemente sometido al abuso de arrendatarios que lessubarrendaban la tierra -expresamente prohibido por ley- a precios altos,o de comerciantes, jueces de paz o policías que les cobraban talaje oarrendamiento, la mayoría de las veces sobre superficies en las que notenían derechos legítimos. No fueron pocos, asimismo, los casos en quefuncionarios menores malversaron bienes testamentarios o realizaronsecuestros ilegales de hacienda de quienes eran simples ocupantes dehecho. En el caso del reclamo de derechos posesorios, los gobernadoresy los jueces de paz de los territorios nacionales jugaron un papelprotagónico en la asignación de estas tierras, pues estaba a su cargocompilar la información necesaria, mediante la declaración de testigos,para comprobar el tiempo de ocupación de los peticionantes y el capitalinvertido.10 Su actuación fue discrecional y muchas veces impugnadapor los propios actores y por el Estado nacional, aunque no modificada.Los ocupantes sin título, que no alcanzaron la propiedad, fueron unaconstante en todo el proceso de expansión de la frontera como puedeverse en otros trabajos sobre el área bonaerense.11

10 Diversas fuentes –informes de dependencias públicas territorianas, notas, prensa,expedientes judiciales, etc.- dan cuenta de estas situaciones conflictivas al interior de lassociedades en formación. A modo indicativo, puede verse el análisis de algunas de ellasen los trabajos de PERREN, Joaquin, “Cuando la resistencia es invisible a los ojos.Repertorios de acción campesina en el Territorio Nacional del Neuquén (1885-1920)”; deARGERI, María E. “Hábitos masculinos, relaciones de poder y estatalidad. Río Negro,1880-1940”, y de FINKELSTEIN, Débora y NOVELLA, María M., “Actividades económicasy procesos de construcción social en las áreas andinas de Río Negro y Chubut”, todosincluidos en S. Bandieri, G. Blanco y G. Varela, Directoras (2006), Hecho en Patagonia. Lahistoria en perspectiva regional, Neuquén, CEHIR-EDUCO.

11 Con relación a este tema, véase particularmente el análisis de BANZATO, Guillermo (2005),La expansión de la frontera bonaerense. Posesión y propiedad de la tierra en Chascomús, Ranchos yMonte (1870-1880), Universidad Nacional de Quilmes, pp.100-110 y 175-195.

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Esta caracterización extremadamente sintética puede plantear unaimagen errónea de los sujetos sociales vinculados a la ocupación y puestaen producción de las tierras patagónicas, caracterizada por la presenciadominante de las grandes explotaciones por un lado y de los ocupantespor otro. Nada más lejos de una realidad que, cuando se profundiza enel estudio de diferentes casos, se muestra compleja, con una estructuraagraria heterogénea, con diversas formas de acceso a la tierra y a laproducción según el período en el que se iniciaron las explotaciones, eltipo de tenencia de la tierra, la disponibilidad de capital o acceso alcrédito, las condiciones de utilización de mano de obra y las posibilidadesde llegar con mayor o menor intermediación a los mercadosdemandantes.12 Simultáneamente, como en todo espacio “nuevo” en elque comenzaba a organizarse la vida económica, social, política einstitucional, se fue definiendo también en Patagonia, desde fines delsiglo XIX, un significativo sector comercial que articuló a través de susoperaciones mercantiles y financieras a todos los actores del ámbito ruraly rural-urbano. Asimismo, el Estado nacional fue lentamenteconsolidando su presencia en los territorios a través de las autoridadespolíticas y de control, como la justicia y la policía en un proceso lento yno exento de conflictos.13

La actividad ganadera en la organización social del espacio

Fue la actividad ganadera, como se dijo, la que caracterizó laincorporación de la mayor parte del territorio patagónico al modeloagroexportador vigente en Argentina durante la segunda mitad del sigloXIX y primeras décadas del XX. Los territorios con litoral marítimo, cuyospuertos naturales permitían una rápida conexión con los mercados delAtlántico, fueron escenario del corrimiento del ovino desde la llanurapampeana, situación que reflejan claramente los censos ganaderos

12 BLANCO, Graciela (2006), “Las explotaciones ganaderas en Patagonia: sujetos sociales,articulación comercial y organización socio-espacial”, en S. Bandieri, G. Varela y G. Blanco.,coord., op.cit.

13 BANDIERI, Susana (2005), “Asuntos de familia. La construcción del poder en la Patagonia:el caso de Neuquén”, en Boletín del Instituto Ravignani. Buenos Aires, UBA, segundosemestre, n. 28; LLUCH, Andrea (2004), Comercio, crédito y producción en el agro pampeano acomienzos del siglo XX. Los almacenes de ramos generales en el Territorio Nacional de la Pampa através de estudios de caso. Tesis Doctoral, Tandil, Universidad Nacional del Centro.

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nacionales a partir de 1895. Las tierras de la meseta y del área costeramás cercanas al mercado bonaerense como el norte de Santa Cruz,Chubut y Río Negro, fueron esencialmente productoras de lana cuyodestino era satisfacer la demanda de la industria textil europea. La lanaera trasladada a Buenos Aires o bien embarcada directamente a losmercados europeos desde los puertos costeros. En cuanto a lacomercialización de animales en pie, los ovinos -y en menor medidabovinos- criados en la región, eran trasladados desde algunasimportantes estancias del área a campos en propiedad o arrendamientoen la provincia de Buenos Aires, donde se los engordaba para su venta alos frigoríficos o en los mercados de Avellaneda o Liniers.14

Las zonas andinas en cambio –oeste de Neuquen y Río Negro ynoroeste de Chubut-, alejadas de los centros costeros y concaracterísticas fisiográficas que las hacían particularmente aptas parala producción de vacunos, se vincularon estrechamente con el área delPacífico, mostrando la pervivencia de circuitos económicos utilizadospor la sociedad indígena. Ello fue posible por la existencia de unmercado demandante constituido por los centros urbanos y lasagroindustrias del sur chileno, que sería cubierto por el ganado bovinode la región andino-patagónica; por las facilidades que los numerosospasos fronterizos de la región ofrecían para trasponer fácilmente lacordillera en muchas zonas; y por un régimen aduanero caracterizadocomo de “cordillera libre”. Esta vinculación comercial sería entoncesfundamental en las primeras etapas para el desarrollo de la actividadganadera en zonas alejadas de los centros atlánticos, que encontrabaen el mercado chileno las condiciones necesarias para la colocación desus productos. Contribuye también a explicar la importante inversiónque realizaron comerciantes y hacendados chilenos en la compra detierras en esas zonas.15

14 Véase BARBERIA, Elsa (1995), op.cit.; BLANCO, Graciela (2002), Tierra, ganado y empresasen Neuquén. Poder público e inversiones privadas (1880-1970). Tesis doctoral, UNLP;DUMRAUT, Clemente I. (1992), Historia de Chubut, Colecc. Historia de Provincias, PlusUltra, Buenos Aires.

15 Véase al respecto los siguientes artículos, incluidos en Bandieri, Susana, coord. (2001),Cruzando la Cordillera…La frontera argentino-chilena como espacio social, Neuquén, CEHIR-EDUCO: BANDIERI, Susana, “Estado nacional, frontera y relaciones fronterizas en losAndes norpatagónicos: continuidades y rupturas”; BANDIERI, Susana y BLANCO,Graciela, “Invirtiendo en tierras y ganados: capitales chilenos en la frontera norpatagónica”;NOVELLA, María Marta y FINKELSTEIN, Débora, “Frontera y circuitos económicos en elárea occidental de Río Negro y Chubut”.

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El área fueguina y el centro-sur de Santa Cruz, por su parte, fueronescenario de la llegada de algunos empresarios británicos instalados enlas Islas Malvinas, así como de una importante expansión de sectoreseconómicos provenientes del extremo sur de Chile que adquirieron y/oarrendaron tierras a ambos lados de la cordillera, instalaron más tardecasas comerciales e instituciones bancarias, abrieron caminos interioresy perfeccionaron el transporte marítimo, constituyéndose en losprincipales artífices del desarrollo de una ganadería ovina en esa regiónaustral, que producía lanas y carne ovina congelada para el mercadoeuropeo. Contribuyeron a ello la inexistencia de impuestos aduaneroshasta 1918 –excluida Tierra del Fuego-, el crecimiento de la navegaciónmarítima y de cabotaje por el estrecho y la débil presencia de losrespectivos estados nacionales en esos años.16

En cuanto a la organización del trabajo, dependiendo de laimportancia de las explotaciones se incrementaba el número detrabajadores con diferentes responsabilidades –administradores,mayordomos, capataces, etc.-. Con el objeto de utilizar al máximo losrecursos productivos disponibles –específicamente la tierra- y disminuirlas pérdidas producidas por riesgos climáticos o robos, era muy comúnla práctica de establecer en la estancia uno o más “puestos” ganaderos.El puestero, según la forma de pago acordada, establecía con el estancierocontratos que podían ser al tercio, al cuarto, de invernada o mensual.Aunque a veces se pactaba la percepción de un sueldo, en general setrataba de contratos de aparcería por el cual el propietario entregaba unpedazo de tierra –el puesto- con un determinado número de animales,encargándose luego de su comercialización. El puestero se comprometíaal cuidado de los mismos percibiendo una parte de los aumentos en elnúmero de ganado (la mitad, el tercio o el cuarto según el contrato), altiempo que la mayoría de las veces se desempeñaba como peón a sueldopara las actividades de rodeo y esquila en la estancia. Tradicionalmenteel puesto ha estado ligado al ganado ovino, pero en las áreas andinastambién se observa su utilización para el cuidado de vacunos. Los peones,por su parte, podían ser trabajadores permanentes o temporarios y

16 BARBERIA, Elsa Mabel (1995), op.cit.; y MARTINIC BEROS, Mateo (2001), “PatagoniaAustral: 1885-1925 un caso singular y temprano de integración regional autárquica”, enBandieri Susana, coord. (2001), op.cit.

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desempeñaban diferentes tareas en el establecimiento ganadero, aunquepaulatinamente fueron especializándose en algunas de ellas ydefiniéndose como alambrador, esquilador, enfardador de lana, etc. Enfunción de ello, podían ser trabajadores permanentes o temporarios.

La fuerza de trabajo libre era en la Patagonia mayoritariamentechilena –sobre todo en las primeras décadas- y en menor medida estabacompuesta por indígenas, inmigrantes muchas veces oriundos de los paísesde origen de los productores y pobladores de otras regiones del país. Enlo que hace a los trabajadores chilenos, estos mostraban una alta movilidadgeográfica determinada, a su vez, por las fluctuaciones del mercado laboraltrasandino y por las coyunturas políticas internacionales, lo que hizo quela oferta de mano de obra no fuera uniforme a lo largo de la primeramitad del siglo XX. Así, por ejemplo, cada vez que las relaciones argentino-chilenas se tensionaban, se producían importantes procesos migratorioshacia el país trasandino, o a la inversa cuando la situación económicachilena generaba desocupación.17

Si bien la ganadería ovina continuó expandiéndose en gran partedel espacio patagónico y el número de cabezas crecería a un ritmovertiginoso, debió sin embargo enfrentar numerosos problemasvinculados a la nuevas políticas de tierras; a factores climáticos –grandessequías o importantes nevadas que reducían las majadas y por ende laproducción-; a las fluctuaciones en el precio internacional de la lana; a lafalta de mano de obra en algunos períodos; o a políticas que establecíanretenciones aduaneras o afectaban el tipo de cambio para la exportación,frente a lo cual comenzaron a organizarse desde la década de 1910distintas organizaciones o sociedades rurales representativas de susintereses a través de las cuales canalizar sus reclamos al gobiernoterritoriano y al nacional.

Las políticas públicas y las formas asociativasen las décadas de 1920 y 1930

Con la llegada del partido radical al poder, en la figura de HipólitoIrigoyen, se modificaron algunos aspectos referidos a la política de tierras

17 BLANCO, Graciela (2002), op.cit.; BARBERIA, Elsa Mabel (1995), op.cit; LUIZ, María Teresay SCHILLAT, Mónica (1997), La frontera austral. Tierra del Fuego, 1520-1920, Universidadde Cádiz, España.

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públicas. Por un lado, se inició una investigación administrativa yparlamentaria a fin de descubrir irregularidades cometidas por el régimenconservador en la aplicación de las leyes de tierras, que puso especialénfasis en revisar las concesiones realizadas en el territorio de SantaCruz, donde importantes compañías de capitales chilenos habíanconcentrado considerables superficies. Se probó así la concentración yse decretaron las caducidades sobre numerosas concesiones dearrendamiento, opciones a compra y propiedades, pero la defensapresentada por los concesionarios fue dilatando la efectiva recuperaciónde las tierras y las caducidades nunca se concretaron, aunque generaronsin duda una preocupación.18

Por otro lado, el gobierno radical decidió suspender en 1917 laadjudicación de tierras en propiedad y entregarlas sólo en arrendamientoa título precario sin el derecho a compra de parte de la superficie. Estofue ratificado en años posteriores y sostenido por veinte años hasta quelos gobiernos conservadores dejaran sin efecto la medida. En cuanto alos ocupantes, en 1925 se autorizó a la Dirección General de Tierras aotorgar permisos precarios de ocupación de lotes pastoriles en territoriosnacionales, para lo cual debían pagar un año adelantado. Quienes noarrendaran ni tuvieran esos permisos serían considerados intrusos, comoya se adelantara.19

Pese a ello, la importante demanda de lana y el constante aumentoen los precios de los productos pecuarios durante la Primera GuerraMundial, incentivaron la ocupación y puesta en producción de las tierraspatagónicas aún no ocupadas, impulsando a muchos arrendatarios yocupantes a tomar el financiamiento ofrecido por las casas comercialesinstaladas en los territorios patagónicos con el fin de adquirir el plantelganadero inicial y la construcción de los edificios y mejorasindispensables -alambrados, aguadas, etc.-, instalándose en terrenos másáridos y alejados de los centros de comercialización. Fue precisamenteel optimismo generalizado de esos años y la disponibilidad de dinerocirculante, lo que llevó a las casas comerciales o sociedades anónimas –

18 Cfr. GIRBAL-BLACHÁ, Noemí (1989), Política de tierras, 1916-1930: ¿Reforma, orden o“reparación agraria”?, Buenos Aires, CEAL, Serie Conflictos y Procesos de la HistoriaArgentina Contemporánea nº 28; BARBERIA, Elsa M. (1995), op.cit.

19 BANDIERI, Susana y BLANCO, Graciela (2009), en prensa, op.cit.

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desde las muy importantes “Anónima Sociedad Importadora yExportadora de la Patagonia” o “Lahusen y Cía.”, hasta los llamadosbolicheros locales como la familia Zingoni- a conceder con liberalidad loscréditos solicitados por los estancieros ya instalados o los nuevospobladores.20 A esta política se sumaron los bancos privados existentesen los pueblos de la costa o el mismo Banco de la Nación Argentina. Lascondiciones eran en general desventajosas dado que en la mayoría delos casos los ocupantes no podían garantizar el préstamo con títulos depropiedad o contratos de arrendamiento. Los propietarios de casascomerciales, por su parte, recurrieron a distintos mecanismos para laprovisión de dinero a productores sin capital. En algunos casos formaronsociedades con los ocupantes, aportando lo necesario para la instalacióndel campo y distribuyendo las ganancias; en otros, otorgaron créditosque eran pagados con parte de la producción obtenida. También adquirióconsiderable importancia en esos años el llamado contrato de prendaagraria como garantía especial de préstamos en dinero, mediante el cualpodían prendarse máquinas, aperos e instrumentos de labranza, animalesde cualquier especie y sus productos y frutos, con activa participacióndel Banco Nación y de las casas comerciales. Para los años de 1930, granparte de la hacienda de estos productores se encontraba gravada como

20 La firma comercial comúnmente conocida como “La Anónima”, perteneciente a la sociedadque originalmente conformaron José Menéndez y Mauricio Braun, tuvo su sede central ypunto de abastecimiento de mercaderías en Punta Arenas hasta 1919, trasladando luegosu centro de operaciones a la ciudad de Buenos Aires. Contaba para esos años con sucursalesen los puertos atlánticos –Río Gallegos, Santa Cruz, San Julián, Comodoro Rivadavia yPuerto Madryn- y en diversos puntos el interior patagónico, con agentes en las principalescapitales europeas y con una flota propia para el traslado de los productos a importar yexportar. Lahusen y Cía., de origen alemán, fue fundada en 1881 en Buenos Aires para lacomercialización de lanas, comenzando pronto a recorrer el territorio patagónico y abrirsucursales de comercios de ramos generales, a la vez que centros para la compra de lanasy cueros en Comodoro Rivadavia, Trelew, Sarmiento, Nueva Lubecka, Puerto Madryn yEsquel, surtiendo a los productores de todos los materiales que requerían y comercializandosus lanas. Zingoni y Cía. S.A. fue fundada a principios del siglo XX por Fernando Zingonien el territorio de Neuquén, trasladando su sede central a la Capital Federal en el año1923. Para ese entonces, contaba con casas comerciales que abastecían parte importantedel interior del territorio -en Sañicó, San Ignacio, Las Coloradas, Catan Lil-, a la vez quededicaban al acopio y comercialización de la producción ganadera de un considerablenúmero de productores pequeños y medianos de la región. Todos ellos eran a su vezaimportantes ganaderos. Cfr. BARBERIA, Elsa Mabel (1995), op.cit., pp. 150-155; GracielaBLANCO (2002), op.cit., cap. V; Revista Argentina Austral, Año I, nº5, 1929, p. 17.

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garantía de los préstamos haciendo difícil la supervivencia de lasexplotaciones en momentos de crisis.21

La crisis de la posguerra trastocó ese estado de cosas y lospobladores se vieron imposibilitados de cumplir con sus obligaciones,situación que afectó también a las casas comerciales proveedoras decapital. De hecho, la posguerra trajo aparejado la caída en la demanda ylos precios de la lana, a lo que se sumó la aplicación de leyes quereservaban el comercio a los buques de bandera nacional provocandouna notoria disminución del transporte de cabotaje. Asimismo, losfrigoríficos existentes estaban instalados sobre la costa lo que dificultabay encarecía -por el notable costo de los fletes- la comercialización de lacarne.

Simultáneamente, el gobierno nacional realizó importantesmodificaciones en la política aduanera –en consonancia con políticassimilares del gobierno chileno para la misma época-, dejando sin efectoel sistema de “cordillera libre” y reimplantó en el sur el régimen aduaneropara los productos importados. Modificó así las condiciones existentespara el comercio con Chile, generándose un incremento extraordinariode los artículos alimenticios y de vestir y dificultades cada vez mayorespara comerciar con el país trasandino. Para 1920, los problemas semultiplicaron para productores y comerciantes, produciéndose la ruinaeconómica de muchos de ellos.22 En ese contexto, la constituciónsimultánea de un orden político en los territorios nacionales, con elpaulatino asentamiento del mandato estatal sobre una población de baseesencialmente rural, unida a la transformación del régimen económicoen un sentido claramente capitalista, fue generando una dinámica socialde particulares características donde el despliegue de la coerciónprovocaba distintas formas de resistencia y negociación.

En la década de 1920, comenzaron a hacerse sentir con fuerzadiferentes reclamos de los productores patagónicos a través depublicaciones locales, regionales y nacionales, así como de numerosos

21 BLANCO, Graciela (2003), op.cit., pp.244-262; BARBERIA, Elsa Mabel (1995), op.cit., pp.155 y sgtes.; FINKELSTEIN, Débora y NOVELLA, María M., op.cit., 2006.

22 Elsa M. BARBERIA (1995), op.cit.; Susana BANDIERI (2001), op.cit., pp. 345-374; GracielaBLANCO (2002), op.cit., cap. V; Graciela CISELLI (1999), Bailando al compás de la lana. Elovino: motor del desarrollo comercial de Puerto Deseado (1881-1944), Comodoro Rivadavia,UNPSJB, pp. 60-76.

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23 Un minucioso tratamiento de estos conflictos puede verse en los clásicos trabajos deBORRERO, José M. (1967), La Patagonia Trágica, Buenos Aires, Ed. Americana; y de BAYER,Osvaldo (1972), Los vengadores de la Patagonia trágica, Buenos Aires, Galerna, 3 tomos. Parauna buena síntesis, véase BANDIERI, Susana (2005), Historia de la Patagonia, Buenos Aires,Sudamericana, pp. 334-344.

petitorios dirigidos a las autoridades que eran presentadosindividualmente o canalizados a través de las corporacionesrepresentativas de los intereses ganaderos que se habían organizado paraentonces. Como se dijera, desde 1910 se habían comenzado a organizarsociedades Rurales en Puerto Deseado, Rio Gallegos, Esquel, ColoniaSan Martin, Valle del Chubut, San Julian, Santa Cruz, Neuquén, yCamarones, las que en la década de 1930 se unieron en la Federación deSociedades Rurales de la Patagonia. Las demandas incluían la rebaja enel canon de arrendamiento, la prolongación del plazo de pago de losmismos, la realización de mensuras de los lotes, la renovación de lasprendas agrarias, el otorgamiento de títulos de arrendamientos cuyassolicitudes no se habían resuelto para poder ofrecer mayores garantíasen la procuración de créditos, la baja en los fletes marítimos para eltransporte de la lana y la suspensión de los desalojos que sobre mediadosde la década se intensificaron en la Patagonia.

A estos reclamos de los productores, se sumarían los de los peonesrurales de Santa Cruz, cuya situación se había agravado comoconsecuencia de la escasez y encarecimiento de los productos deconsumo básicos, la disminución de los salarios por la abundantedisponibilidad de mano de obra no calificada y los efectos del procesoinflacionario, la estacionalidad de las tareas rurales y las durascondiciones de vida y de trabajo. En el marco de un crecimientosignificativo de la organización y de la lucha obrera a nivel nacional,se originó el primer reclamo de los trabajadores santacruceños enseptiembre de 1920, solicitando a los empresarios mejoras en lascondiciones de trabajo. El rechazo del petitorio fue seguido de unahuelga reprimida por los estancieros, con el apoyo de la policía delterritorio y las “guardias blancas” de la Liga Patriótica. Tras un acuerdoen el que arbitró el nuevo gobernador del territorio pero que fueincumplido por los sectores patronales, se inició en 1921 un movimientohuelgístico que se expandió por la Patagonia austral y fue duramentereprimido por tropas del ejército nacional.23

Los actores sociales de la ganadería patagónica / Graciela Blanco

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Al iniciarse la década de 1930 la situación se vería agravadapor la crisis internacional de esos años, con sus efectos sobre laeconomía agroexportadora, y por la inestabilidad política que provocóel derrocamiento de Yrigoyen en su segundo gobierno, todo lo cualrepercutió fuertemente en la Patagonia. Nuevamente la notoriadisminución de la demanda internacional de lanas y la baja de suprecio, el endeudamiento de los productores, la escasez de lasmercaderías de consumo básicas y el incremento de su costo, laquiebra de firmas comerciales pequeñas y las dificultades de losproductores menos capitalizados para comercializar sus animales,fueron una constante. Simultáneamente, los comerciantes y ganaderosmás importantes consolidaban su posición y el Estado nacionalavanzaba en el sentido de profundizar su presencia institucional yde control en los territorios nacionales, profundizando las medidastendientes a cortar los vínculos económicos de las áreas andinas conChile y terminar el funcionamiento espacial históricamente articuladoen torno a la cordillera de los Andes.

Una situación que hace eclosión por esos años es la relacionadacon la tenencia precaria de la tierra que habían planteado los decretosde los gobiernos radicales. Quienes accedieron a la tierra a partir deentonces o buscaron regularizar su situación mediante un contrato dearrendamiento o un permiso de ocupación, en su mayoría con escaso onulo capital disponible, se vieron ante la necesidad de designar gestoresque realizaran los trámites ante la Dirección de Tierras y Colonias en lacapital federal. Estos intermediarios contaban con información sobre lacalidad de los lotes, llevaban un control de terrenos libres y ocupados,mantenían vinculaciones con sociedades anónimas regionales y tenían–probablemente- la anuencia de empleados y funcionarios del organismoencargado de la distribución de la tierra pública. Su servicio implicabaun costo para el interesado en obtener una parcela. Quien no podía pagaresos servicios carecía de la información necesaria para evitar el acceso aterrenos de menor calidad o la superposición de solicitudes sobre losmismos que, más tarde, podía obligarlo a dejar el campo ocupado. Enese contexto, los llamados palos blancos y los traficantes de tierras se hicieronconocidos personajes del territorio patagónico. Los primeros solicitabany obtenían la concesión de tierras a partir de su círculo de relaciones yrápidamente las transferían a los interesados. Los segundos propiciaban

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el desalojo de lotes sobre los que había terceros interesados, denunciandoa sus ocupantes ante las autoridades y aprovechando las mejorasintroducidas por el poblador original. Algunas veces, incluso,renegociaban con éstos la recuperación del lote exigiendo unsobreprecio.24

Asimismo, la campaña emprendida por los gobiernos radicales encontra del latifundio improductivo y del acaparamiento de tierras alcanzósu máxima expresión en la presión ejercida sobre los grandespropietarios/arrendatarios cuyas concesiones fueron cuestionadas eincluso declaradas caducas y en los desalojos de aquellos pobladoresque arrendaban u ocupaban sin contrato alguno. En esa década de 1920,un importante número de pobladores en tierras fiscales, con todo sucapital invertido en mejoras y comprometidos con crecidas deudas,fueron desalojados o vivieron bajo la incertidumbre de que esaposibilidad se concretara, generalmente sin la sustanciación de un juicioy con la pérdida de las mejoras introducidas.25

En el contexto de la crisis económica de los años treinta, elMinisterio de Agricultura tomó algunas medidas que pretendían darrespuesta –aunque limitada y coyunturalmente- a los reclamosindividuales y colectivos de los ganaderos patagónicos. En 1931 se rebajóel canon de arrendamiento y el derecho de pastaje sobre tierras fiscalesen los territorios del sur para ese año, fijando el cálculo del mismo sobrela base de la capacidad de la tierra, las distancias al lugar de embarque oventa y la superficie arrendada. Al mismo tiempo, se creaba unaComisión Especial para el estudio de los problemas del sur, con el objetode adoptar las medidas necesarias para atenuar la profunda crisis deesos años. Tales medidas, sin embargo, no resultaron todo lo benéficasque se esperaba, por cuanto en su aplicación se estimó en exceso la

24 Véase BARBERIA, Elsa Mabel (1995), op.cit., pp.148-149; CISELLI, Graciela (1999), op.cit.,pp.44-45; Revista Argentina Austral, nº 74, agosto 1935, pp.20-21; “Memorial de la SociedadRural Argentina al Ministro de Agricultura de la Nación”, transcripto en Argentina Austral,Año VII, nº 31, marzo 1936, pp.29-32.

25 Las denuncias en ese sentido se observan de manera reiterada en diferentes publicaciones:Revista Argentina Austral, Año I, nº 9, marzo 1930, p. 14 y Año III, nº 34, abril 1932, pp.20-25; Periódico El libre del Sur, Esquel, 25 de enero de 1930. Véase especialmente el artículode FISCH, Ricardo, “No tomen tierras fiscales en sub-arriendo. No negocien con losconcesionarios. Carta abierta a los pobladores de la Patagonia”, Revista Argentina Austral,Año III, nº 32, febrero, 1932, pp. 20-21.

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capacidad ganadera de los campos, se computaron mal las distancias alos puertos de embarque, etc.26

Tanto la Sociedad Rural Argentina, como las restantes sociedadesrurales patagónicas y los gobernadores de los territorios, reclamaroninsistentemente en esos años en relación a la política de tierras públicas, ala reformulación de las condiciones de los arrendamientos –aumento delos plazos establecidos o posibilidades de renovación por nuevos períodos,fijación de las superficies concedidas en función de la capacidad productivay no de la extensión, reducción del canon-; a la disminución del monto acobrar por derecho de pastaje; y al restablecimiento del derecho a comprade hasta la mitad de la tierra arrendada que fijaba la ley de 1903 y que seencontraba suspendido desde hacía varios años. Así se expresaron en laConferencia de Sociedades Rurales celebrada en Puerto Deseado en febrerode 1932, en el Congreso de Municipalidades de los Territorios Nacionalesrealizado en Buenos Aires en julio de 1933, y en la Conferencia EconómicaTerritorial realizada en Río Gallegos en marzo de 1937.27

Esos años de la década de 1930 reflejaron, asimismo, el desarrollode un nacionalismo extremo que se ligaba a la idea de argentinizaciónde la población, muy presente en algunos funcionarios nacionales. Es elcaso del Director General de Tierras, Melitón Díaz de Vivar, quien enrespuesta a los cuestionamientos de los pobladores del sur y de susorganizaciones corporativas elevó un informe al Ministerio deAgricultura en el que se expresaba en estos términos:

“El Sud se llenó de compañías extranjeras en su mayor parte, y este eshoy el elemento que en toda forma se opone a que se cumpla la ley y lasdisposiciones en vigor, echando mano a cualquier recurso [...] Es muyconocida la influencia de personas o de compañías de los países limítrofesen las tierras fiscales: personas o compañías que no están aquí sinorepresentadas por sus administradores o capataces y que son por lógicapatriotas con su país [...]”. Y se preguntaba: “¿Conviene a nuestro paíseste elemento que aboga por el suyo, que gasta lo que recoge afuera y

26 Revista Argentina Austral, Año II, nº 20, febrero 1931, pp. 53-54. “Petición de la SociedadRural de Puerto Deseado al Ministerio de Agricultura”, transcripta en Argentina Austral,Año III, nº 27, sept. 1931, p. 53.

27 Revista Argentina Austral, Año VII, nº 82, abril 1936, pp. 34-42. “Memorial de la SociedadRural Argentina al Ministro de Agricultura”, Revista Argentina Austral, Año II, nº 19, enero1931, pp. 27-28; “Memoria de la Gobernación de Santa Cruz al Ministerio del Interior”, 9de agosto de 1932; Expte. nº 9628 de 1936, iniciado por la Secretaría de la Presidencia de laNación sobre reclamos presentados por el Gobernador del Territorio de Río Negro, AJLTN.

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que no tiene hijos en la Argentina? ¿Por qué no van estos allá, al terruñoque quieren y dejan a este país para los suyos?”.28

Para el año 1937, algunos cambios en el panorama político nacional,sobre todo la designación de Cárcano como Ministro de Agricultura,provocaron una modificación importante en la política de tierras en elsentido requerido por los pobladores del sur argentino. Ese año, comoparte de una decisión más profunda de incorporar la Patagonia aldesenvolvimiento económico del país, se dictó el decreto que restituyóel derecho a la compra de la mitad de la superficie arrendada. Pocodespués se dejó sin efecto la autorización efectuada a la Dirección deTierras para otorgar posesiones provisorias, permisos precarios oprovisionales de ocupación y se ofrecieron públicamente enarrendamiento las tierras fiscales, enviando a los gobernadores y a lassociedades rurales la nómina de los lotes disponibles. Se establecióasimismo dar preferencia a los solicitantes que tuvieran residenciaefectiva y permanente en el territorio y a los que justificaran poseerhaciendas propias. Simultáneamente, se establecieron los serviciosagronómicos y veterinarios, las estaciones experimentales y lasobservaciones meteorológicas, así como el asesoramiento técnico y losestudios para la mejor comercialización de los productos. Se proyectarontambién las obras públicas necesarias, a través de la Dirección Nacionalde Vialidad, para una mejor y más eficiente comunicación de las distintasregiones patagónicas con los puertos y centros de consumo.29 Todas estasmedidas se enmarcan precisamente en una política orientada a unamayor intervención del Estado en la economía, que incluía llevar adelanteun conjunto de medidas tendientes a la definitiva integración de losespacios regionales a la economía nacional y a la conformación yconsolidación de un mercado interno.

Esas políticas fueron percibidas por la mayoría de los pobladoresde la Patagonia de manera positiva y como síntomas de un cambio en larelación entre el Estado nacional y los territorios.30 Sin embargo, ello no

28 Revista Argentina Austral, Año VII, nº 81, marzo 1936, p. 40.29 “Memorial presentado al Ministerio de Agricultura de la Nación por las Sociedades Rurales

de la Patagonia”, Revista Argentina Austral, Año IX, nº 97, julio 1937, pp. 27-31; RevistaArgentina Austral, Año IX, nº 99, noviembre 1937, pp. 11-12.

30 Revista Argentina Austral, Año IX, nº 103, marzo 1938, p. 64. Se dedican 31 páginas de larevista al relato pormenorizado de la visita de Cárcano y a los discursos pronunciados porlos distintos responsables de las entidades representativas de los intereses de los pobladorespatagónicos.

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implicaría una convivencia sin tensiones a partir de entonces. De hecho,las organizaciones representativas de los productores patagónicoscontinuarían reclamando insistentemente, entre otras cuestiones, laliberación del control de cambios para la exportación de lanas, aduciendocondiciones desiguales de los productores sureños con respecto a losdemás ganaderos y productores del país; o el apoyo económico oficial através de subsidios como los otorgados en esos años a los productoresde otras zonas.31 Cabe recordar que, simultáneamente, en la década de1930 la sociedad patagónica multiplicaba sus acciones orientadas a lograrla incorporación de los territorios nacionales a la vida institucional delpaís, a partir del reconocimiento de los derechos políticos cuya concreciónvenía siendo largamente postergada.32

Consideraciones finales

La política estatal referida a las tierras públicas en las dos últimasdécadas del siglo XIX, se limitó básicamente a brindar seguridad a losempresarios a partir de un régimen legal de características fuertementeliberales, influyendo en ello el desconocimiento de la calidad yposibilidades de los terrenos transferidos a los particulares. Laabundancia, fácil acceso y bajos precios de la tierra y el escaso controlestatal posterior a la entrega, en combinación con el objetivo de losempresarios de generar ganancia incrementando la producción, generóel carácter extensivo de la actividad ganadera regional y elacaparamiento de terrenos, limitado sólo por la disponibilidad decapital y las vinculaciones con miembros del aparato estatal. Lasmejores tierras se vendieron a bajos precios y prácticamente sinexigencias en grandes superficies, con escasas inversiones; mientraslas tierras de menor calidad y peor ubicadas en relación a los centrosde consumo y transformación se ofrecieron a mayores costos, ensuperficies menores y con importantes exigencias en cuanto ainversiones. Este proceso no estuvo exento de conflictos, sobre todolos generados entre los ocupantes efectivos de los campos y los nuevos

31 Revista Argentina Austral, Año X, nºs 109, 114, 115 y 118 de 1938.32 Esos derechos políticos incluían la representación parlamentaria, gobiernos electivos,

cambios en el régimen municipal y el nombramiento de funcionarios con arraigo en laregión y conocimiento de la problemática patagónica.

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propietarios, característicos por otra parte de los movimientosexpansivos de la frontera interna.

Los cambios introducidos a principios de siglo por un sectorreformista dentro de los grupos liberal-conservadores en el poder, notuvieron un impacto lo suficientemente importante como para revertiruna estructura de la propiedad que en gran medida se había ya definido.Su consecuencia más significativa fue la conformación de un importantesector de arrendatarios en el espacio patagónico. Los gobiernos radicalesen cambio, en su decidida causa contra el régimen, buscaron diferenciarsede un pasado que consideraban ominoso sancionando algunas normasreferidas a las tierras públicas que poco o nada cambiaron la situaciónque se cuestionaba, aunque sí provocaron situaciones muchas vecesinjustas y ampliamente cuestionadas que perjudicaron a importantessectores de pequeños y medianos productores, arrendatarios u ocupantesde hecho de tierras fiscales. Igual efecto negativo tuvieron sobre estossectores otras políticas orientadas a consolidar el control estatal y laintegración de un mercado interno, al desarticular definitivamente elfuncionamiento socioeconómico que vinculaba las áreas andinaspatagónicas con el espacio chileno colindante. Estas políticas, unidas alimpacto de la posguerra y de la crisis internacional de 1930, otorgaronmayor visibilidad al conflicto y potenciaron la conformación de lasorganizaciones representativas de los productores que adquirieron unimportante protagonismo en la canalización de las demandas hacia elEstado nacional. Sin duda, las respuestas favorables obtenidas a lo largode los años ’30 por los productores patagónicos deben ser entendidas enel marco de las transformaciones políticas y económicas de esos años,de los cambios operados en la sociedad regional patagónica y de larelación de fuerzas puesta en juego por sus protagonistas.

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Aportes al estudio de la conformaciónde la propiedad moderna en Argentina.

Ni “feudal” ni “comunista”:El caso de la Provincia de Jujuy

Ana Teruel*María Teresa Bovi**

Luego de la desamortización:las condiciones de realización de la propiedad

La historiografía agraria latinoamericana que se ocupó de lastransformaciones de los derechos de propiedad territorial en el sigloXIX ha puesto énfasis en un proceso crucial, especialmente en los paísesde una fuerte base demográfica indígena: la denominadadesamortización y desvinculación de las tierras de comunidadesindígenas. Mucho se ha escrito sobre el tema poniendo en evidencia lacomplejidad y lo inacabado del proceso. En Argentina el interés queprestaron los historiadores a la suerte de las tierras de comunidadesindígenas con derechos de propiedad durante la colonia, es relativamentereciente y se ha reducido a quienes investigan problemáticas regionales,entendidas en este caso como las extra pampeanas. Sin embargo, en las

* Dra. en Historia. Investigadora Independiente del Consejo Nacional de InvestigacionesCientíficas y Técnicas (CONICET) en la Unidad de Investigación en Historia Regionalpartícipe de la Unidad de Investigaciones Socio Históricas Regionales (ISHIR). Profesorade la Universidad Nacional de Jujuy, Argentina. Autora de libros y artículos sobreproblemáticas relativas a historia agraria y a fronteras indígenas. [email protected]

** Prof. en Historia y en Ciencias Jurídicas y Políticas. Investigadora en formación en laUnidad de Investigación en Historia Regional-UNJu. Profesora de la Universidad Nacionalde Jujuy. Participa en proyectos de investigación sobre historia política.

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provincias del Noroeste, los estudios sobre la conformación de lapropiedad moderna no pueden prescindir del conocimiento de estoscambios en los derechos de propiedad operados entre la colonia y laRepública. Esa preocupación guía actualmente buena parte de nuestrasinvestigaciones.1

En esta ocasión nos preguntamos ¿cómo se reformulan los derechosde propiedad luego de consumada la expropiación de las comunidadesindígenas? La provincia norteña de Jujuy resulta un excelente laboratoriopara plantear la pregunta, pues su realidad socioeconómica en el sigloXIX es extraordinariamente compleja y variada, lo que permite tratar elproblema no sólo de las antiguas tierras de comunidad, sino de las nuevasfronteras abiertas a la colonización y de las haciendas en vías detransformación en modernos centros agroindustriales. Nos permitimosentonces tomar prestada la propuesta que formulara Rosa Congost, deestudiar “las condiciones de realización de la propiedad”, indagandosu dinamismo en el seno de la sociedad en movimiento, y recordandoque el tipo de derechos de propiedad que un Estado decide proteger enun momento determinado se halla en relación con los intereses concretosde unos grupos sociales específicos,2 que, agregamos nosotros, seencolumnan tras un proyecto determinado.

Decidimos entonces centrar el problema en un momento y un actorpolítico cruciales en el ordenamiento de la propiedad de la provincia.Crucial el momento, en tanto se intentaba sentar las bases del nuevoorden capitalista; crucial el hombre, tanto por la claridad de sus objetivoscomo por la resolución para lograrlos. Nos referimos a la gestión delgobernador Eugenio Tello en la década de 1880.

¿Quién era este hombre y actor político que trascendió al ámbitonacional y que en Jujuy se proyectó como promotor del ordenamiento

1 Este artículo es producto de la articulación de dos líneas de investigación: la del ordenpolítico y las referidas a las problemáticas de la propiedad de la tierra. El estudio se enmarcaen el proyecto “Jujuy en el espacio regional, de la Puna a las Yungas” de la UniversidadNacional de Jujuy. La ocasión es propicia para agradecer los comentarios y aportes denuestros colegas, tanto del mencionado proyecto, como los recibidos en el II Encuentro dela Red Internacional “Marc Bloch” de Estudios Comparados en Historia- Europa-AméricaLatina, realizado en la Pontificia Universidad Católica de Río Grande do Sul, Porto Alegre(Brasil), en octubre de 2008. Un especial agradecimiento a Rosa Congost por su estímulointelectual y su lectura de la versión preliminar.

2 Congost, Rosa, Tierras, leyes e historia. Estudios sobre “la gran obra de la propiedad”, Barcelona,Crítica, 2007.

Aportes al estudio de la conformación de la propiedad moderna en Argentina / Ana Teruel e María T. Bovi

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territorial, jurídico, económico y social modernizador? Hijo de uncomerciante español, nació en Jujuy en 1849 y continuó la actividad desu padre en medio de muchas otras: fue jefe de Telégrafos, por un períodomaestro en Catamarca, profesor en el flamante colegio Nacional de Jujuyy Diputado a la Legislatura Provincial por los departamentos deHumahuaca (1876-1878) y capital (1879, 1880, 1883). En 1881, siendosecretario de la Legislatura, casa con María Sánchez de BustamanteQuintana, vinculándose así con una de las familias tardo coloniales másdestacadas en el ámbito de la política local.

A los 34 años de edad asumía interinamente el ejecutivo provincial,cargo que ejerció a título de gobernador propietario entre 1883 y 1885.Durante su gobierno no sólo se ocupó del ordenamiento territorial, sinoque promovió una política de “modernización y progreso”, reflejada enla fundación de escuelas, entre ellas la Normal Nacional de señoritasbajo la dirección de la maestra norteamericana Juana Stevens; laprolongación del ferrocarril Central Norte de Tucumán a Jujuy3; ymodernas obras públicas.

Al finalizar su mandato se desempeñó como ministro delgobernador José María Álvarez Prado, hasta 1886, cargo que debió dejaral ser electo senador nacional para el periodo 1886-1895. Al mismo tiempoque ejercía la senaduría nacional era presidente de la Legislatura provincial(1887-1888) y diputado por los departamentos de Cochinoca (1886, 1889)y Valle Grande (1890, 1894). Luego fue designado sucesivamentegobernador del Territorio Nacional de Chubut (1895) y del TerritorioNacional del Rio Negro (1898). Murió en Buenos Aires en 1924.

Valga esta pequeña referencia para situar la amplitud del ámbitopolítico en el que se movía nuestro personaje, cuya actuación, sinembargo, hasta el momento no fue estudiada de forma integral. Antesde entrar de lleno al estudio del ordenamiento de la propiedad,dedicaremos un párrafo a la situación previa en la provincia.

3 Los jujeños sostenían la traza de Tucumán á Cobos, como estación intermedia, para seguirdespués hasta Salta, teniendo por objetivo final a Jujuy y Bolivia por la quebrada deHumahuaca, mientras que los salteños sustentaban la traza por la quebrada del Pasaje y elvalle de Lerma, teniendo por objetivo inmediato a Salta y desde ahí hacia Bolivia por laquebrada del Toro. Esta disputa, llevó a Tello a publicar un folleto titulado: Prolongacióndel Ferro-Carril C. Norte. Artículos publicados en “La Union” Demostrando la conveniencia depreferir la traza por Cobos, Jujuy, Imprenta de P. Sarapura, 1884, demostrando la convenienciaque sería, para la Nación y la provincia, la traza por Cobos.

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Caracterización de la estructura agraria de Jujuy

La cuestión de la propiedad de la tierra en la provincia de Jujuy,lindante con la República de Bolivia, tiene la complejidad de la de lasregiones andinas en general, con la cesura entre tierras altas y tierrasbajas, diferenciadas no sólo desde el punto de vista ecológico, sino porsus características, étnicas, sociales e históricas. Es importante lacompresión de este fenómeno pues las problemáticas que se planteanrespecto a la propiedad de la tierra son de diferente naturaleza en uno yotro lado. Intentaremos caracterizarlas de manera sintética.

Las tierras altas comprenden dos regiones de la provincia: elaltiplano o Puna, que se encuentra por encima de los 3.000 mts de alturasobre el nivel del mar; y la Quebrada de Humahuaca, históricamente uncorredor natural encerrado entre montañas, que comunica las tierrasbajas con las altas (ver Mapa). Ambas regiones fueron las de mayorpoblamiento en tiempos prehispánicos y también las dominadas por elincario. Asimismo fueron el objetivo de la conquista española, para poderasegurar el dominio del Tucumán, y sobre ellas se entregarontempranamente mercedes de tierras y encomiendas, a la vez que sereducía a sus habitantes en pueblos de indios con tierras comunales.

Sin embargo, la ciudad española cabecera de la jurisdicción, SanSalvador de Jujuy, fue fundada en las tierras bajas, en un fértil valle.Más al oriente, se abría la frontera con el Chaco, en tierras selváticas(Yungas o valles subtropicales) de transición hacia la llanura chaqueña.Esta región de frontera, habitada por indígenas de economía cazadorarecolectora, con un alto grado de movilidad, comenzó a ser penetradatardíamente, en la segunda mitad del siglo XVIII, con el asentamientode misiones, fuertes y haciendas que tuvieron, en su mayoría, origen enmercedes reales otorgadas como premio a los servicios prestados en lafrontera. A diferencia de las tierras altas, e incluso de las del valle deJujuy, la corona no reconoció nunca propiedad ni posesión de la tierra aestos indígenas. Por otra parte, durante las primeras décadas del sigloXIX, se consideraba el dominio de esta región aún incompleto y seguíadenominándosela como “frontera” o desierto, aunque fuese la zona másfértil de la provincia.

Las tierras más valiosas y apetecibles eran la de los vallestemplados cercanos a la ciudad de Jujuy, donde se practicaba laagricultura, para abastecer al mercado local, y la ganadería. Pero eran

Aportes al estudio de la conformación de la propiedad moderna en Argentina / Ana Teruel e María T. Bovi

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los alfalfares destinados al engorde del ganado en tránsito hacia el AltoPerú los que daban dinamismo a la región. Allí la propiedad fuepaulatinamente subdividiéndose, aunque subsistían grandes fundos. Engeneral, eran explotados directamente por sus propietarios, queempleaban mano de obra criolla (arrendatarios con obligación laboral,puesteros o simplemente jornaleros).

En cambio, en la región de frontera, la tierra tuvo poco valor porconsiderarse aún insegura, y, desde los comienzos de los asentamientosespañoles, se caracterizó por grandes dominios territoriales. Unas pocashaciendas producían rudimentariamente azúcar, mieles y aguardiente,a la vez que ensayaban el cultivo de productos tropicales, y criabanvacunos que se destinaban también al mercado altoperuano y local.Desde el siglo XVIII estas haciendas se habían servido de indígenas deorigen chaqueño, fundamentalmente para el trabajo temporario de lacosecha de caña de azúcar. En la década de 1870 esta región, que habíasido marginal en la provincia, adquirió relevancia con la modernizacióntécnica de las fábricas de azúcar asentadas en los departamentos de SanPedro y Ledesma, emprendida inicialmente con capitales de la vecinaprovincia de Salta y de Jujuy. Así, la existencia de los modernos ingeniosrevalorizó la propiedad, a la vez que su producción comenzó a generarrentas para el fisco cada vez más importantes. Mucho se discutió sobreel rol de estos ingenios como enclaves capitalistas en la provincia. Locierto es que generaron un mercado de mano de obra que superó prontosus límites y que fue a través de la producción azucarera que Jujuy seintegró al mercado nacional. Pero este es un desenlace de la historiaalgo posterior al período tratado, aunque fue este el momento de sunacimiento. Lo que nos interesa destacar es que estas haciendas, entransición hacia modernos ingenios, tuvieron una organización similara la del “central” cubano” o de las plantaciones e ingenios del litoralperuano, ejerciendo un absoluto dominio de los pueblos que seoriginaron en su interior, del comercio, de la administración territorial,y de todos los aspectos de la vida cotidiana de trabajadores y pobladoresde la región.

Tanto en los valles centrales, como en los subtropicales de frontera,las propiedades tuvieron su origen en mercedes coloniales o comprasrealizadas a la corona, luego trasmitidas hereditariamente o porcompraventa. En general, podemos decir que el advenimiento de la

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República no implicó demasiados cambios en el status de la propiedad,dado que no hubo tierras concedidas a los indígenas ni a los pueblos,salvo las ejidales de la ciudad capital, cuyo análisis excluimos acá. Estaera la situación en términos generales, sin embargo es necesario aclararalgunas situaciones puntuales. En lo que fue el curato Rectoral, y luegodepartamento Capital, en tierras ubicadas en sus bordes jurisdiccionales,hubieron dos pueblos de indios: el de Ocloyas (que había sidoencomendado y aparentemente había recibido tierras) y el de Yala. Másadelante veremos que sus descendientes se sumarán, en la segunda mitaddel siglo XIX, a los reclamos por la propiedad que iniciaron los pobladoresde la Puna y Quebrada de Humahuaca. La otra situación a destacar esque, en la frontera, las tierras de lo que había sido la misión jesuítica, yluego franciscana, de San Ignacio de los Tobas, ya en decadencia a finesde la colonia, fue en parte vendida al comandante del fuerte de Ledesma(ese fue el origen de la hacienda homónima); y, en los comienzos de laRepública, otra porción fue vendida a un inmigrante francés (Pablo Soria)y los sobrantes declarados fiscales en la década de 1820. En ninguna deestas transacciones se tuvo en cuenta a los indígenas, cuyo estadio de“salvajismo”, para lo cánones de la época, los mantenía en status demenores y necesitados de tutela.

Diferente fue la situación en las tierras altas, donde se centraronlos primeros debates republicanos en torno al carácter de la propiedad yde los dominios directo e indirecto. Habíamos anticipado que allí, durantela colonia, se había reducido a indígenas en pueblos con tierrascomunales, a la vez se habían establecido haciendas españolas quecontenían una buena parte de la población indígena en carácter de“arrenderos”, un régimen similar al del “colono” en Bolivia. Laconcentración de propiedad fue mayor en la Puna que en la Quebradade Humahuaca, pero ambas regiones fueron apetecidas por su papelimportante en el tránsito de animales y productos al Alto Perú, y por laexistencia de un considerable núcleo de población que proporcionabamano de obra por la “obligación de servicio personal” que implicaba elrégimen de arrendatario, a la vez que rentas por el derecho de pastaje opor practicar la agricultura, en la zonas donde la naturaleza lo permitía.

El comienzo del régimen republicano puso fin al tributo indígenay a la encomienda. Si bien ésta última ya tenía poca relevancia en elterritorio argentino, una de las excepciones fue la de la Puna, donde se

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había mantenido con vigor la de los indígenas de Casabindo y Cochinoca.La legislación avanzó luego sobre los cacicazgos y comunidades,ordenando, en 1825, dividir los terrenos entre los mismos indígenas atítulo de propiedad privada, medida que no se hizo efectiva hasta el año1838, cuando se dictó la ley de enfiteusis para la Quebrada deHumahuaca. Tras esta ley, las antiguas tierras comunales se consideraronfiscales por derecho de reversión, argumentando que la propiedad delas tierras indígenas durante la colonia, en última instancia, era del rey,mientras que los comuneros habían gozado de su usufructo a cambiodel pago del tributo. Por lo tanto, los indígenas originarios tendríanderecho preferencial al solicitar la concesión de los terrenos que antesocupaban, bajo el pago de un canon del 3% de su tasación. Inspirada enlas leyes de Castilla, según fundamentaban los legisladores en su decretoreglamentario de 1839, subsistía aún el concepto de los dominiosdivididos: el “dominio útil”, que ejercían los indígenas, y el “dominiodirecto”, que ahora pasaba al fisco provincial. Esta situación se mantuvohasta finales de siglo, sin embargo se dieron los primeros pasos hacia laplena propiedad en 1855, en los terrenos ejidales de los pueblos de laQuebrada, siempre que fueran “solares edificados”, que se entregaron atítulo de propiedad a sus ocupantes. En 1860 la ley de venta de tierraspúblicas fue el paso siguiente, permitiendo a los particulares (fueran ono enfiteutas), comprar al Estado el dominio directo.4

La enfiteusis afectó sólo a la Quebrada de Humahuaca, donde seevidenció una activa participación del Estado respecto al destino de lastierras de comunidad. Al contrario, en la Puna se mantuvo el status quohasta la década de 1870. Allí, para los indígenas de Casabindo yCochinota que habían poseído tierras en comunidad, la supresión de laencomienda les había significado que, de hecho, el antiguo tributo fueratransformado en un canon de arriendo. De esta manera, la familiaCampero, heredera de los ricos marqueses de Tojo, propietaria de la

4 Estudio más detallados sobre la enfiteusis en Jujuy se encuentran en Madrazo, Guillermo,“El proceso enfitéutico y las tierras de indios en la Quebrada de Humahuaca (Provincia deJujuy, República Argentina). Período Nacional”, en Revista Andes Nº 1, Salta, CEPIHA,Universidad Nacional de Salta, 1991; Bushnell, David, “La política indígena en Jujuy en laépoca de Rosas”, en Revista Historia del Derecho, Buenos Aires, Instituto de Investigacionesdel Derecho, 1977; y Díaz Rementería, Carlos J., “Supervivencia y disolución de lacomunidad de bienes indígena en la Argentina del siglo XIX”, en Revista Historia del Derecho“R. Levene”, 30, Buenos Aires, 1995.

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gran hacienda de Yavi, sumaba ahora las tierras de Casabindo yCochinoca como si hubiese obtenido merced sobre ellas.

En este caso no hubo participación estatal alguna para regularizarla propiedad, hasta el año 1872. Fue entonces cuando los indígenas deCochinoca y Casabindo, cuestionaron los títulos legítimos de propiedadde Fernando Campero. El gobierno provincial las declaró entoncesfiscales, dado que, efectivamente, el otorgamiento de la encomiendadurante la colonia no implicaba derechos de propiedad territorial. Elreclamo de los arrendatarios fue acompañado de levantamientos en todala Puna, que se extendieron durante tres años. Los rebeldes fueronderrotados, en 1875, en la batalla de Quera, pero dos años después, porfallo de la Suprema Corte de Justicia de la Nación, las tierras deCasabindo y Cochinoca fueron declaradas propiedad de la provincia,bajo los mismos argumentos que había posibilitado la enfiteusis en laQuebrada de Humahuaca.5 De esta forma, los antiguos arrendatarios deCampero, en Cochinoca y Casabindo, pasaron a serlo del fisco, mientrasque el resto de los pobladores puneños, de hecho la mayoría,permanecían bajo el régimen de “arrenderos” de otros grandes fundosparticulares.

Este breve panorama intenta reflejar la situación de la propiedadterritorial hacia 1870. Por esa época, y según el primer censo nacional,6

Jujuy tenía 40.379 habitantes, de los cuales 3.072 vivían en la ciudadcapital y una cifra algo superior en la aglomeración, considerada urbana,de la hacienda Ledesma. En el resto de la provincia ningún pueblosobrepasaba las 600 personas. Esta sociedad, eminentemente rural, secaracterizaba por la concentración de la propiedad territorial. El catastrodel año 1872,7 registraba 753 propiedades rurales en toda la provincia,

5 Para estudios puntuales sobre la problemática en la Puna, ver Madrazo, Guillermo, Hacienday encomienda en los Andes. La puna argentina bajo el marquesado de Tojo. Siglos XVII a XIX,Buenos Aires, Fondo Editorial, 1982; Rutledge, Ian, Cambio agario e integración. El desarrollodel capitalismo en Jujuy, ECIRA, 1987, Fidalgo, Andrés, ¿De quién es la Puna?, Jujuy, 1988;Paz, Gustavo, “Resistencia y rebelión campesina en la Puna de Jujuy, 1850-1875”, en Boletíndel Instituto de Historia Argentina y Americana Dr. Emilio Ravignani, III, Buenos Aires, 1991,entre muchos otros artículos del autor.

6 Primer Censo de la República Argentina. Verificado los días 15, 16 y 17 de setiembre de1869. Buenos Aires, Imprenta El Porvenir, 1972.

7 Archivo Histórico de la Provincia de Jujuy (en adelante AHJ). Catastro de las propiedadesurbanas y rurales de Jujuy, año 1872. Se trata de uno de los primeros catastros completos dela provincia, el anterior, de 1855, fue sumamente rudimentario.

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distribuidas muy irregularmente en las diferentes regiones, según puedeobservarse en el cuadro 1. En los valles centrales, cercanos a la capital, lamediana propiedad tenía una importante presencia, tanto en numero(representaban un 57% del total) como en valor fiscal (42%). Lasubdivisión de la propiedad se había producido sin injerencia estatal.En cambio, la parcelación en la Quebrada de Humahuaca fue fruto de laley de ventas de las tierras enfitéuticas. Allí encontramos una grancantidad de pequeñas parcelas (59%), probablemente en manos depobladores nativos que habían logrado comprarlas, que coexistían conun importante número de propiedades medianas (32%) y unas pocas,pero grandes haciendas, que significaban el 9% del total de propiedades,pero representaban el 49% del valor total de la tierra en la región.8

En cambio, tanto la Puna como los valles subtropicales presentabanuna gran concentración de tierras en manos de unos pocos propietarios.En el altiplano, 14 hacendados y el fisco provincial, tras la expropiacióna Campero, ejercían el dominio territorial de la región y concentraban el97% del valor fiscal de la tierra. El resto de las propiedades (sólo 15) eraunas pocas casas particulares y de comercio en los pueblos.

En los valles subtropicales, tres enormes haciendas azucarerasdominaban tierras y pobladores: Ledesma, San Lorenzo-CampoColorado y San Pedro. Como en el caso de la Puna, concentraban másdel 90% del valor fiscal. Al oriente de la región, en la zona de SantaBárbara, fuera del dominio azucarero, se extendían tierras dedicadas ala ganadería que la provincia consideraba fiscales y estaban en litigio.

La gestión de Eugenio Tello en Jujuy

“[El gobernador] Ve desde luego, que su territorio que tiene cincuentamil quilometros cuadrados, donde la naturaleza ha depositado el germende todas las riquezas, cuenta solo con cuarenta y tantos mil habitantes,tenemos pues desierta la mayor parte de la Provincia, y como unaconsecuencia de esto, el estacionarismo mas completo en todas las ramasdel progreso. Ve además que la Provincia encuentra un positivo obstáculopara su desarrollo en ciertos males de orden público, que tienen viciadala atmósfera social, figuran entre ellos ese espíritu violento que se ha

8 Teruel, Ana A., “La incidencia de la tenencia de la tierra en la formación del mercado detrabajo rural en la provincia de Jujuy, 1870-1910””, en Población y Sociedad, Nro 2, Tucumán,Fundación Yocavil, 1994.

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dado á las luchas políticas acarreando el consiguiente malestar; las faltasde las garantías constitucionales que protegen el derecho de propiedad,como sucede en la mayor parte de los Departamentos de la Puna yQuebrada donde se proclaman los perniciosos principios del comunismo;la capacidad de ladrones de profesión que infectan la Provincia, comouna amenaza positiva para el desarrollo de la industria primaria yfinalmente la vagancia que sustrae tantas fuerzas útiles al progreso delpaís.”9

Propiedad y trabajo, sostiene Bonaudo,10 eran los valores básicossobre los que se construiría el nuevo orden burgués en Argentina. En laprovincia de Jujuy, en el extremo Norte del país, la gestión gubernamentalde Eugenio Tello (1883-1885), a quien pertenecen las palabras citadas,fue el momento de inflexión más claro entre el antiguo y el nuevo orden.Pero a diferencia de Roca, quien en el discurso inaugural de su gestiónpresidencial, en 1880, consideraba al país libre de conmociones internas,Tello no podía decir lo mismo en 1883 respecto de su provincia.

Efectivamente, en Jujuy, la década de 1870 estuvo signada porconflictos internos entre los sectores que se aglutinaban alrededor de lavieja política provincial,11 por un lado, y aquellos que proponían llevar acabo la modernización. Los conflictos entre el poder ejecutivo y laLegislatura llevaron al gobierno nacional a intervenir la provincia en1870, 1877 y 1879. La elección, en marzo de 1880, de Plácido Sánchez deBustamante, garantía del apoyo de la provincia de Jujuy a la política delpresidente Roca, no superó las dificultades entre el poder ejecutivo y ellegislativo, provocando la renuncia del mandatario. Su sucesor, PabloBlas, quien respondía en el orden político nacional a la persona de DardoRocha, no tuvo mejor suerte con la Legislatura, elevando también él surenuncia al cargo de gobernador.12 Fue entonces cuando Julio A. Roca

9 Archivo Histórico de la Legislatura de Jujuy (en adelante AHLJ). Mensaje del Poder Ejecutivoa la Honorable Legislatura de la Provincia. Jujuy, Junio 22 de 1883. Caja Documentos Nº 39,Año 1883.

10 Bonaudo, Marta, “A modo de Prólogo”, en Nueva Historia Argentina. Liberalismo, Estado yorden burgués (1852-1880), Buenos Aires, Sudamericana, 1999, T. IV. p. 15.

11 El diario La Democracia los llamaba “…los apóstoles de la política vieja, de esa política deexpoliación y exclusión que ha mantenido a la provincia, en un deplorable atraso[...]”.Citado en Sánchez de Bustamante, Teófilo, Biografías Históricas de Jujuy, San Salvadorde Jujuy, Universidad Nacional de Jujuy, 1995, p. 342.

12 Paz, Gustavo, “El gobierno de los “conspicuos”: familia y poder en Jujuy, 1853-1875", enSábato, Hilda y Lettieri Alberto (Comps.) La vida política en la Argentina del siglo XIX. Armas,votos y voces, Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2003.

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actuó de artífice de un acuerdo entre las dos facciones tradicionalmenterivales en la provincia,13 por un lado la liderada por Domingo T. Pérez –presidente del “Club del Pueblo” y posterior jefe del partido autonomistaprovincial, y por el otro la de Eugenio Tello, quien ejerciendo lapresidencia de la Legislatura, asumía interinamente el ejecutivoprovincial.14

En virtud de esa alianza, Eugenio Tello fue elegido en mayo de1883 gobernador constitucional y Domingo Pérez ministro general degobierno, iniciándose en Jujuy un período de estabilidad política,habiéndose afianzado -mediante tal conciliación de facciones- elalineamiento de la política provincial con la del Estado nacional.15 Apartir de ese momento, será también en Jujuy el Partido Autonomistaquién se mantendrá en la esfera de la dirigencia política hasta 1918.

Programa de Tello

Los propósitos de su gobierno, así como el diagnóstico que hacede los males de la realidad provincial y de sus posibles soluciones, estánplasmados en sus dos primeros mensajes a la Legislatura (en 1883 y1884).16 Su objetivo no se diferencia mucho de lo que podría haberenunciado otro mandatario en la época:

“El P. Ejecutivo preocupado como se encuentra de promover el bienestary engrandecimiento de la Provincia se esfuerza en buscar los resortes

13 Alonso, Paula, “La política y sus laberintos: el Partido Autonomista Nacional entre 1880 y1886”, en Sábato, Hilda y Lettieri, Alberto (Comps.) La política en la Argentina del sigloXIX…op.cit.

14 Un mes después Tello escribía al Presidente Roca: “Desde el 18 del corriente estoyencargado del mando gubernativo de la Provincia. Comprendo a quien merezco el honor;debe estar seguro que la situación actual es robusta y respondera decididamente a losnobles propósitos de V.E… En el “Eco de Córdoba” he visto que me clasifican deGobernador equívoco. Es completamente desautorizado el dicho, y puedo asegurarle quenuestro amigo D. Juan Sola y yo le respondemos a V.E. de Salta y Jujuy; no por especulación,sino por simpatías y convencimientos”. Archivo General de la Nación. Carta de EugenioTello a Julio A. Roca, Jujuy, Abril 7 de 1883, Fondo General Julio A. Roca, Legajo 1258.

15 Paz, Gustavo, “La Provincia en la Nación, la Nación en la Provincia. 1853-1918”. En Teruel,Ana y Lagos, Marcelo (Dir.), Jujuy en la Historia. De la colonia al siglo XX, Jujuy, UNIHR –EDIUNJU, 2006.

16 AHLJ. Mensaje del Poder Ejecutivo a la Honorable Legislatura de la Provincia. Jujuy, Junio 22de 1883. Caja Documentos Nº 39, Año 1883 y Mensaje del Gobernador de la provincia al abrirlas sesiones de la Legislatura en Enero de 1884. Jujuy, Imp. De la Unión, 1884.

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que puedan imprimirle eficazmente una marcha progresiva por las víasde un adelanto moral y material para que así pueda ocupar el puestoque les corresponde entre las demás Provincias Argentinas.”17

Procurar el “adelanto moral y material” era casi un slogan de laépoca, pero lo que diferenció a Tello de otros gobernadores de laprovincia es que, en la consecución de tales propósitos, superó el planodiscursivo anunciando un amplio programa con reformas querápidamente puso en práctica.

Tello estaba indudablemente compenetrado de las corrientes depensamiento que sustentaron el orden nacional que empezaba aconstruirse, y en el que había colaborado aunque desde puestos sin mayornotoriedad.18 Era un liberal, pero fundamentalmente un hombre práctico.Si bien sus discursos enunciaban preceptos básicos del liberalismo, elnúcleo de los mismos no era la exposición teórica, sino las acciones aseguir, tal el espíritu positivista, en el aspecto que señala Hale, de que eldogma sostenía que la nueva sociedad, de carácter industrial, debía ser“administrada”, por hombres prácticos que conocieran las finanzas ysupieran preparar presupuestos.19

El diagnóstico que hace Tello de la realidad provincial se basaen su experiencia política previa, pero fundamentalmente en elconocimiento puntual producto de la observación personal. A los tresmeses de asumir el mando de gobernador emprendió una visita en laque recorrió todos los departamentos de la provincia. Habló con lospobladores, recogiendo sus quejas; con los propietarios, con los queejerció una mezcla de demostración de ejercicio de poder ynegociación; relevó el estado económico, la potencialidad y laproducción de cada localidad. A su regreso a San Salvador solicitó ala Legislatura licencia con la finalidad de trasladarse a la capital dela República, argumentando:

“[…] mi presencia en los Departamentos de la Provincia que acabo devisitar importa el compromiso de realizar obras urgentes, para cuya

17 AHLJ. Mensaje … 1883, op.cit.18 Tello decía haber iniciado su carrera pública en 1871 en calidad de fundador técnico de los

Telégrafos de la Nación, habiendo fundado también el telégrafo de Jujuy. Carta a BenjamínVillafañe, Buenos Aires, setiembre de 1924. Transcripta en Sierra e Iglesias, Jobino, Acercade la fundación del pueblo de San Pedro, Ediunju, 1996, p. 23.

19 Hale, Charles, “Ideas políticas y sociales en América Latina (1870-1930)”, en Bethell, Leslie(Ed.), Historia de América Latina, Barcelona, Crítica, 1991, T. 8.

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ejecución puede contribuir generosamente la Nación, ya que a la Provinciano le es posible atender a todas sus necesidades”20

Producto de su viaje al interior de la provincia es el diagnósticoque hace de la situación, tal como describimos a continuación,centrándonos en los aspectos relativos a la estructura agraria, al sustentolegal y a las finanzas:

Diagnóstico de la situación provincial

Poco antes de morir, en el ánimo de dejar constancia de su accionarpúblico, y en un momento donde volvían a agitarse los reclamos sobretierras y el fantasma del “comunismo” que el creía haber contribuido aeliminar, Tello escribió, en 1924, a Benjamín Villafañe, entoncesgobernador de Jujuy, diciéndole: “Jujuy era feudal y lo reconstruí”.21

Efectivamente, aquello que Tello denominaba feudal, era una sociedadde rasgos señoriales, caracterizada, desde el punto de vista de lasestructuras agrarias, por la hacienda latifundista que permitía a suspropietarios disponer de un poder que aseguraba el control de tierras yhombres. Si bien el carácter de la hacienda era diferente según la regiónde la provincia que se tratara, había rasgos comunes inherentes a estetipo de propiedad, que son lo que Tello expuso ante la Legislatura en1883 y 1884. Allí decía:

“Con excepción de la Capital y de los dos Perico, en los demás lapropiedad se halla concentrada. Hasta el extremo de que en San Pedro,Ledesma, Rinconada, Santa Catalina, Valle Grande y Yavi, la capital decada uno de esos departamentos pertenece a un solo propietario.

Siendo depresivo de la dignidad de un pueblo este régimen […]”22

Esto implicaba la imposibilidad de autonomía de los gobiernosmunicipales respecto de los propietarios de los fundos en los que se

20 AHLJ. Caja Documentos N°39, Año 1883. Nota del 1° de octubre de 1883.21 Carta a Benjamín Villafañe, 1924, en Sierra e Iglesias, Jobino, Acerca de la fundación…,op.cit22 AHLJ. Mensaje … 1884., op.cit. Administrativamente la provincia se dividía en

departamentos. Estos eran, en tiempos de Tello, cuatro en la región de la Puna (SantaCatalina, Rinconada, Yavi y Cochinoca), tres en la Quebrada de Humahuaca ( Tumbaya,Tilcara y Humahuaca); otro, el de Valle Grande, en la zona transicional entre ésta y laregión de valles subtropicales o Yungas (donde estaban los de Ledesma y San Pedro); ytres más en los valles bajos y templados cercanos a San Salvador de Jujuy (Capital, Pericodel Carmen y Perico de San Antonio).

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encontraban inmersos los pueblos, un límite al poder del Estado que seconsideraba intolerable en una nación moderna. Pero Tello veía tambiéngerminar en el latifundio otros dos males. El más urgente y acucianteera la subversión de los arrendatarios de origen indígena quecuestionaban la legitimidad de los títulos de propiedad:

“Sabéis y consta de documentos que hasta el día en que me encargué delgobierno, el derecho de propiedad era públicamente desconocido en granparte de la Puna y Quebrada.Como sobre ese derecho reposa el orden social, y sobre el orden social elconstitucional, resultaba que desaparecido aquel, esta provincia no estabaen condiciones de Estado confederado.”23

Pero no menos importante para el Gobernador era el hecho de quelos latifundios inmovilizaban la tierra como factor de atracción depoblación. A tono con Avellaneda, cuyas propuestas y postulados seguíafielmente,24 intentaba regularizar los derechos de propiedad adquiridosdurante la colonia

“Las mercedes de grandes extensiones de terreno que concedían los Reyesde España, traían consigo una condición muy difícil de cumplir. Era lade poblar las tierras. No se poblaban y de ahí provenían las nuevasmercedes, las confusiones de límites, los pleitos y por fin la inseguridadde la propiedad, constantemente amenazada por la posible subversión.Una merced importaba una donación condicional, establecida en elantiguo sistema de poblar. Así lo confirma luminosamente nuestropublicista argentino, el Dr. Avellaneda.”25

Una vez regularizados los derechos de propiedad sería posibleabocarse al fomento de la población, ofreciendo tierras fiscales, si fueranecesario en forma gratuita, a los inmigrantes, pero también dando laposibilidad de acceder a la propiedad a los pobladores nativos,gestionando la subdivisión y venta,

“Y por mas claro que parezca, debo insistir en recordar que la tierra baldíano constituye la riqueza de un Estado. La tierra en sí, con los tesoros quela naturaleza ha depositado en su seno, de nada vale, si el genio delhombre no la cultiva y explota esos tesoros. Poblar es enriquecerse, asícomo gobernar es poblar.

23 AHLJ. Mensaje … 1884, op.cit24 Nos referimos al Estudio sobre las leyes de tierras públicas, de autoría de Nicolás Avellaneda,

del año 1865.25 AHLJ. Mensaje … 1883, op.cit.

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Busquemos entonces población que cultive los inmensos terrenos de quese trata; traigamos hombres que al radicarse en ellas, paguen contribución,consuman efectos sujetos a impuestos y promuevan una corrienteabundante de importación y exportación. Así habremos alcanzado unpositivo adelanto industrial y económico.¿Y cómo atraemos esa población industriosa? Muy fácilmente. Despuésde vender preferentemente por precios módicos, á los actuales ocupantesque reconocen al fisco como exclusivo propietario, fracciones de terrenossuficientes para la industria primaria, que es a la que se dedican, tenemostodavía espacio bastante para llamar á la inmigración extranjera.”26

Tello citaba a Avellaneda en su discurso y retomaba la idea básicade Adam Smith: la tierra por si sola, no constituye riqueza. Tampococonvenía al Estado la venta de grandes extensiones de tierras fiscalescomo recurso financiero, sino que la tierra debía ponerse al servicio dela producción, creando propietarios industriosos y responsables, queconsuman, produzcan y paguen impuestos.

“[…] solamente con la importación de pobladores industriosos, que sedistingan por sus hábitos de trabajo, conseguiremos una doble conquista:una moral, al tener ciudadanos virtuosos y otra económica, al garantirun considerable aumento de la renta pública. Para ello busquemos unestímulo y un aliciente que los atraiga á estas regiones. El no puede serotro que la tierra […]”27

Al promover esta política, Tello se refería especialmente al destinode tierras del oriente de la provincia, lindantes con el Chaco (SantaBárbara), que estaban en litigio entre la provincia y unas pocas personasque alegaban poseer su propiedad. Pero esta era una parte del problemade la propiedad en Jujuy. La otra cuestión, que el gobernador veía conpreocupación, era la falta de regulación de los derechos de propiedaden las regiones de población indígena andina, que había tenidoreconocimiento de tierras durante la colonia. Estaba aún muy fresca lamemoria del alzamiento de los indígenas puneños de 1873; es más, elmismo Tello había formado parte de las tropas gubernamentales que losofocaron en la batalla de Quera. El reclamo de los arrendatarios de loslatifundios de la Puna, a los que se sumaban otros de la Quebrada deHumahuaca y de Valle Grande, no había disminuido; en realidad nohacía más que incrementarse desatando continuas denuncias de falsedadde los títulos de propiedad de los poseedores de latifundios.

26 Ibid.27 Ibid.

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“Parece un sueño que en la república Argentina se hable de comunismo,y sin embargo es sabido que en el año de 1873 brotó una idea de funestasconsecuencias entre los indígenas de la Puna; la denuncia de los terrenosque consideraban fiscales. La idea hirió como un rayo a la raza indígena,que se conserva casi originaria, pero no ya con el carácter de simpledenuncia, sino proclamando públicamente el comunismo, fundado enque “Dios había creado el mundo para todos sus hijos”, y llegó vez quedesconocieran abiertamente órdenes emanadas de la Justicia Federal” 28

Era necesario, a ojos del gobernador, y en general de toda la élitedirigente jujeña, cortar de raíz estas veleidades “comunistas”. De másestá decir que este comunismo agitado como fantasma no respondía alas ideas de Marx, sino que los indígenas alegaban haber poseído tierrasen comunidad durante la colonia, tierras que ahora denunciaban comofiscales, en una estrategia que le permitiera terminar con la opresión delos patrones, y que había dado buenos resultados en el caso de las deCochinoca tras el fallo de la Suprema Corte de Justicia en 1877.

Pero ni “feudal” ni “comunista”, el nuevo orden debía basarse enel estricto respeto por la propiedad privada unívoca. La originalidad deTello consistió en vislumbrar que la solución al problema no era sólo lacoerción, a la que también acudió,29 sino que a la par atendió los reclamosde los arrendatarios indígenas, prestó oídos y falló en los casos dedenuncias contra la legitimidad de títulos de las tierras en cuestión. Sibien en todos los casos reconoció la validez de los derechos de suspropietarios, obligó a los mismos a demostrarlos, y luego de ello ordenóreconocerlos y cumplir con el pago del respectivo canon dearrendamiento. Pero dado que en la mayoría de estos casos se trataba depropietarios ausentistas y los arrendatarios eran los productores directos,decidió convertirlos en propietarios de parcelas, intercediendo para quepudiesen comprar las fincas, en el convencimiento de que “el propietarioplanta, cultiva, edifica y transforma, por que le guía un interéspermanente”. De esta manera los convertía en gendarmes de lapropiedad privada:

28 AHLJ. Mensaje …1884, op.cit.29 En su mensaje de 1883 anunciaba haber ordenado “el recojo de las armas dispersas en

toda la Provincia, para cortar el germen de frecuentes alarmas; ha intimado a los quedesconocen el derecho de propiedad, que serán sometidos por la fuerza de las armas, sicontinúan en sus amenazadores propósitos; debe disponer una pesquisa general de losladrones que merodean en la Provincia, cometiendo frecuentes robos de ganado” AHLJ.Mensaje … 1883, op.cit.

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“Entre nosotros que aun no ha desaparecido el espíritu de socialismo, esmenester criar apóstoles del trabajo que como dueños de la tierra respeteny hagan respetar el derecho de propiedad, que es el fundamento sobreque reposa el orden social.”30

Por otra parte, el firme propósito de Tello era dotar a la provinciade los instrumentos legales del nuevo orden para poder implementarlos principios del Código Civil e imponer claramente la nueva propiedad.Pero ocurría que, según sus palabras:

“Para la generalidad, nuestras leyes son letra muerta, porque no hancirculado lo bastante, y porque están agotadas las ediciones.Desde que me encargué del gobierno, recibo de las Provincias yDepartamentos frecuentes pedidos de nuestras leyes, y paso por eldisgusto de no satisfacerlos, porque no tenemos ejemplares.” […]Mientras que otras provincias vienen obedeciendo a un plan de reformas,nosotros carecemos hasta de lo esencial. El enjuiciamiento civil, como lodijo bien el ex gobernador Dr. Blas, no comprende disposiciones parajuicios de litis espensas [sic, se refiere a litisexpensas], de discernimientosde tutelas, de prestación de alimentos, de división de cosas comunes, deherencia vacante; y aún el título de las testamentarias de aplicaciónfrecuente, es deficiente.”31

Faltaban códigos de procedimiento, código rural, registro oficialde leyes, y hasta archivos gubernamentales. Su breve gestión fue activatambién en ese sentido, dotando a la provincia del archivo gubernamentaly del poder judicial, además de una compilación de leyes y decretos.Convencido que las disposiciones oficiales que garantizaban los interesesagrícolas y ganaderos eran insuficientes y aisladas y, siendo “laagricultura y ganadería las principales fuentes que constituyen la riquezapública, es de nuestro deber fomentarlas, dictando leyes, ante todoproteccionistas de aquellas”; 32 para lo que nombró una comisión queestudiara el Código Rural de Salta a fin de implementarlo en Jujuy,aunque su sanción fue bastante posterior (1893).33

El otro pilar del nuevo orden lo constituía la renta estatal. Es yasabido que a partir de 1853 las provincias cedieron los impuestos

30 Ibid.31 Ibid.32 AHLJ. Caja Documentos N° 41, Año 1885. Nota del Poder Ejecutivo Provincial a la

Honorable Legislatura del 4 de marzo de 1885.33 AHJ. Registro Oficial. Compilación de Leyes y Decretos de la Provincia de Jujuy. T III

1869-1886, Jujuy, Imprenta tipográfica de José Petruzzeli, 1887. Ley del 17 de marzo de1885 ordenando una comisión para la redacción del Código Rural.

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aduaneros a la Nación recibiendo en compensación subsidios, a la vezque comenzaron el proceso de reemplazar los antiguos impuestoscoloniales por nuevas contribuciones. El impuesto a la propiedadterritorial y a la mobiliar (ganadería y agricultura) fue una de ellas, sinembargo el presupuesto de Jujuy se componía en más de un 40% de lossubsidios nacionales.34

“La Provincia de Jujuy por entero produce cuarenta mil pesos de rentaanual, tiene cuarenta mil habitantes. Esto es: la renta esta en relación aun peso por cada uno.Es triste decirlo, que como estado confederado, no produzca de renta nila mitad de lo que produce la Municipalidad de la ciudad de Salta.Seguramente que la causa de esto está en la falta de población, que traeconsigo la falta de producción.”35

Pero no sólo era la falta de población potencialmente contribuyente,sino aún lo imperfecto de los catastros y la evasión de propietarios yproductores. Tello lo sabía, como sabía también de la resistencia queocasionaba la regulación de los impuestos. Finalmente, fue recién durantesu gestión que se ordenó que los pagos y la contabilidad se hicieran enpesos nacionales, supliendo los pesos bolivianos que corríanhabitualmente.

La tarea de “sentar un nuevo orden burgués”, tal como la describeBonaudo a nivel nacional en el período transcurrido entre 1853 y 1880,es emprendida sistemáticamente en Jujuy en esa última década y Tellojugó un rol muy importante al menos en lo que se refiere a la regulacióne imposición de los principios de la propiedad privada, que es lo quepuntualmente nos interesa tratar acá.

Tello y el ordenamiento de la propiedad en la provincia

Autonomía de los pueblos

Uno de los aspectos más importantes por los que es recordada lafigura de Tello en la provincia es la fundación de pueblos. Ya habíamosadelantado que en su mensaje de 1884 el gobernador planteaba la

34 Boto, María Salomé, “Política de recursos jujeña durante el proceso de conformación delestado nacional: 1853-1885”, en Campi, Daniel (coord.), Jujuy en la Historia. Avances deInvestigación, Jujuy, UNJu, 1993. Vol. I

35 AHLJ. Mensaje … 1883, op.cit.

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urgencia de dar solución a la autonomía de los pueblos, ya que tanto enlos valles subtropicales como en la Puna eran propiedad de loshacendados, lo que para el gobernador era un estado “depresivo de ladignidad” y también signo de “feudalismo”. Si bien contaba con uninstrumento legal para disponer expropiaciones, una ley de 1870 por laque se declaraba “expropiables por causa de utilidad pública los terrenosocupados por los pueblos de Valle Grande, Yavi, Rinconada; Cochinoca,Casabindo, Santa Catalina, San Pedro, Ledesma, Perico del Carmen yPerico de San Antonio”,36 Tello intentó en lo posible no confrontar conlos propietarios, utilizar el mecanismo de la expropiación sólo en loscasos donde no hubiera otra solución, y recurrir a la fundación de nuevospueblos en otros.

Si bien la referida ley no se había puesto en práctica hasta la llegadade Tello al gobierno, ya para esa época los pueblos de Perico del Carmeny de San Antonio en los valles templados, habían alcanzado autonomíaterritorial. Faltaba arreglar la cuestión en la Puna y en los departamentosazucareros.

En la Puna el tema se tornaba espinoso por lo sensible de lasituación desde la década de 1870, dados los cuestionamientos de partede los arrendatarios a los derechos de propiedad de los hacendados, dela negativa a pagar arriendos y los múltiples reclamos elevados al poderejecutivo y judicial. El fallo de la Corte Suprema de Justicia de 1877 en elcaso de Cochinoca y Casabindo, había sentado un importanteantecedente en cuanto a la posibilidad de ilegitimidad de los títuloscoloniales. Pero no era el propósito de Tello alentar ataques a lapropiedad considerada “legítima”, más aún cuando la provincia mismase había convertido en propietaria de las tierras expropiadas a Camperotras ese fallo judicial y, en ese carácter, comenzaba a afrontar también laresistencia de los nativos a pagar arriendos. Dotar de autonomíaterritorial a los pueblos, trazar las tierras de ejido y entregar a sushabitantes títulos de propiedad era un primer paso para limitar lasatribuciones de los hacendados. En el departamento de Cochinoca lamedida fue de fácil resolución, ya que la fundación que dispuso Tellopara la villa cabecera, en Abra Pampa, se hizo en tierras fiscales. Fundadacon el nombre de Siberia Argentina, en 1883, la Legislatura autorizaba

36 Registro Oficial…, op.cit. Ley del 8 de abril de 1870.

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al poder ejecutivo a “ceder gratuitamente en propiedad a los particularesque deseen edificar, lotes de terrenos para casas y solares, debiendo loscesionados pagar el derecho territorial correspondiente”.37 En el mismodepartamento Tello ordenó, en 1884, la fundación de otro pueblo, con elnombre de Patricios, en el lugar conocido como Puesto del Marqués. Alcontrario, en el departamento de Yavi, la villa homónima era el centrode la hacienda de la familia Campero, la misma que había sidoexpropiada en Cochinoca. Aquí Tello decidió buscar otra solución,desplazando la capital del departamento a otro sitio. Luego de recorrerla región y decidir que La Quiaca, en el camino hacia Bolivia, donde sehallaba la Aduana Nacional, era el punto adecuado, obtuvo la cesióngratuita por parte del propietario de la finca, Ascencio Quispe, parafundarla capital del municipio. El proyecto fue sometido a laLegislatura,38 sin embargo dicha fundación no se concretó hasta el año1907, cuando La Quiaca se convirtió en terminal del Ferrocarril CentralNorte. Respecto a los otros dos pueblos de los departamentos de Rinconaday Santa Catalina, si bien en su mensaje de 1884 Tello dice haber dispuesto“el señalamiento, mensura, delineación y amojonamiento del área deterreno destinado para pueblo y ejidos”, estos continuaron inmersos enlas haciendas.

Otras dos villas más fueron fundadas en la provincia. En laQuebrada, en el departamento de Humahuaca, la de Uquía, previaindemnización a sus propietarios.39 En el departamento de Valle Grande,zona de transición entre las tierras altas y las bajas, el pueblo homónimo,tras la cesión gratuita a la provincia que hicieron los campesinos alcomprar la gran finca que abarcaba casi toda la superficie departamental.Más adelante nos referiremos a ello.

En los valles cálidos del oriente las tierras estaban bajo absolutodominio de las haciendas azucareras. Pero a diferencia de las de la Puna,

37 Decreto de la Honorable Legislatura de 14 de agosto de 1883. Ibid. Tello manifestaba quela fundación de ese pueblo se haría cuando la Honorable Legislatura le prestase aprobación,por ser de su exclusiva atribución decretar la creación de pueblos, villas y ciudades, segúnlo establecido en el art. 38, Inc. XIX de la Constitución provincial. AHLJ. Caja DocumentosN° 40, Año 1884. Nota del Poder Ejecutivo a la Honorable Legislatura, 14 de enero de1884.

38 AHLJ. Caja Documentos N° 40, Año 1884. Nota de Tello dando cuenta de sus gestionespara fundar el pueblo de La Quiaca, en los terrenos que le fueron cedidos por AscencioQuispe, 14 de enero de 1884.

39 Registro Oficial…, op.cit. Creación de la villa de Uquía, Ley del 7 de marzo de1885.

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estas haciendas eran explotadas activamente por sus propietarios,estaban en pleno proceso de modernización tecnológica y sus ingeniosazucareros empezaban ya a emerger como el sector económico máspromisorio de la provincia. Los poblados de San Pedro y de Ledesma,se habían formado en el núcleo de estas haciendas, donde se encontrabanlas respectivas “salas” o residencia principal de los propietarios y, en suproximidad, las fábricas de azúcar, las proveedurías y las viviendas deempleados y trabajadores. Durante la visita que realizó a la provincia, apoco de asumir su mandato, Tello se trasladó a San Pedro, y tras largasnegociaciones con su propietario, Miguel Francisco Aráoz, obtuvo suinicial consentimiento para efectuar la expropiación de las tierrasdestinadas a trazar la nueva villa. Cuando años después Tello se referíaa este episodio, lo recordaba como uno de los principales triunfos de sugestión por la resistencia inicial de Aráoz, a quien le dijo “este pueblo esuna toldería de indios”,40 refiriéndose efectivamente a las tiendas quelos nativos del Chaco, ocupados en la zafra, asentaban en lasproximidades. Pero seguramente no fue el argumento del progreso dela civilización lo que convenció al propietario, sino la determinación delgobernador y promesas de apoyo en gestiones a nivel nacional destinadasa apresurar la llegada del ferrocarril a Jujuy, indispensable para que elazúcar local pudiera acceder al mercado nacional.

Así, por decreto del 30 de julio de 1883 Tello disponía la expropiaciónde terrenos para la fundación del pueblo de San Pedro, delegando en elhijo del propietario su mensura y delimitación de tierras para solares yejidos. A pesar de la aparente aceptación, la resistencia de Aráoz semanifestó a través de la dilación de la tarea encomendada, por lo cual elgobernador comisionó a otra persona para que la hiciera, lo que reciénfinalizó en 1885. Los terrenos expropiados pasaron a poder de la provincia,que no asumió directamente la indemnización pues la ley de 1870, queautorizaba al poder ejecutivo a efectuar estas operaciones, preveía que“La expropiación se perfeccionará a medida que se presenten al PEinteresados, solicitando la adjudicación de los solares delineados,abonándose entonces al propietario el precio fijado a aquellos”.41 Así sedispuso que los interesados en adquirirlos pagaran directamente alpropietario, bajo cierto control del gobierno de la provincia.

40 Carta a Benjamín Villafañe, en Sierra e Iglesias, Jobino, Acerca de la fundación…, op.cit.41 Registro Oficial…, op.cit. Ley del 8 de abril de 1870.

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En el caso de Ledesma, el Gobernador procedió de manera similar,expropiando los terrenos y ordenando delinear el pueblo en 1883. Alaño siguiente debió reiterar por otro decreto la orden,42 ya que supropietario, Ovejero, empleó la misma táctica de dilación que habíaintentado Aráoz, pero con más éxito, pues mientras que la fundación deSan Pedro como pueblo autónomo se logró, no ocurrió lo mismo enLedesma, donde recién en 1901 se efectivizó la donación de tierras porparte de la empresa para lo que se denominó “Pueblo Nuevo”, hoyLibertador General San Martín. ¿Que resortes movió el propietario deLedesma, que no tocó Aráoz, para evadir la ley? ¿Tello mismo lo consintióo fueron los gobernadores posteriores? Hasta el momento no se hahallado documentación que permita discernirlo, aunque es un clásicotópico en la historiografía provincial el poder que ejercieron los ingeniosy los vínculos de sus propietarios a nivel provincial y nacional.

Este episodio, al igual que las dificultades para la autonomía delos poblados de la Puna, ilustra sobre el peso de la estructura socio-económica que prevalecía en la provincia y sobre los escollos yresistencias que pudo haber afrontado Tello al intentar sentar lapropiedad moderna.

Un aspecto interesante a destacar es que, tanto en la ley de 1870como en los decretos para la fundación de pueblos, todavía secontemplaban tierras para dotarlos de “ejidos o pastos comunes” y, enlos casos de expropiación, esas tierras, que no podrían ser vendidas atítulo individual, serían pagadas por la provincia. Es decir que aún secontemplaba el acceso de los vecinos de las villas a pastos comunes.Aparentemente el espíritu desamortizador no había llegado más que ala propiedad indígena y religiosa.

Subdivisión y venta de latifundios a los arrendatarios

Tello participaba de aquella generación de argentinos que habíanconcebido el nuevo orden como una república de ciudadanospropietarios, que contribuyeran al fisco y defendieran con las armas lanación. La impronta de los principios del liberalismo era muy clara ensu pensamiento y acción respecto al entendimiento de la propiedad como

42 Registro Oficial…, op.cit. Decreto del 18 de abril de 1884.

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principio básico del orden y del progreso: sólo al propietario le muevenlas ansias de mejorar sus fundos. La consecución del progreso individual,contribuiría al de la nación, a la vez que se convertiría al ciudadanopropietario en un defensor de ese orden, en la medida en que éste ledemostrara ser el más propicio.

Quizás la nota de mayor singularidad de Tello dentro de loshombres de su generación fue la coherencia de su acción con esteprincipio. Esta nueva nación de propietarios incluiría no sólo a losposibles inmigrantes, que ya de por sí eran entendidos como portadoresdel espíritu del trabajo y el progreso, sino también a los nativos. En estesentido Tello pareciera escapar de los diagnósticos pesimistas respeto alo que se podía esperar de la población originaria. Aún así, delineó unapolítica diferenciada para unos y otros; mientras que postulaba que alinmigrante se le debía dar tierra en forma gratuita, nunca consideró estemecanismo para los nativos desposeídos, pero sí los alentó y propició,incluso con la ayuda financiera del Estado, para que compraran la tierra.

Sin duda estas medidas no pueden ser analizadas fuera del contextoen el que se produjeron, de la amenaza del “comunismo” por parte delos indígenas arrendatarios, y de las características de las haciendasinvolucradas. No se trataba de las del oriente azucarero en marcha haciael modelo capitalista, sino de aquellas que encarnaban el viejo modelo“feudal”, a decir del gobernador, “haciendas de arrenderos”, al decir deMadrazo,43 resabios del orden colonial.

También resabios del orden colonial eran los argumentos con quelos nativos defendían sus derechos a la tierra. En dos interesantespeticiones al Ejecutivo provincial44, una de 1881 elevada por los“naturales y vecinos” de Rodero-Negra Muerta (departamento deHumahuaca)45, y otra por los del departamento de Valle Grande, en 1882,se denunciaban como terrenos públicos dichas tierras, en las que, decían“moramos desde nuestros antepasados”. Los fundamentos de ambosreclamos, basados en las Leyes de Indias, son idénticos, y adjudicaban

43 Madrazo, Guillermo, Hacienda y encomienda en los Andes…, op.cit.44 Fue gobernador en el periodo 01/04/80 a 15/03/82 el Dr. Plácido Sánchez de Bustamante,

y desde 16/03/82 a 17/03/83 el Dr. Pablo Blas.45 AHJ. Caja de documentos Nº 2, Año 1881. Denuncia de las tierras de Rodero, Negra Muerta

ubicadas en las tierras del departamento de Humahuaca, julio de 1881.

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el despojo (se dice textualmente pérdida del dominio directo) a lasituación posterior a la guerra de independencia:

“Como indios y naturales de Valle Grande teníamos tierras propias yestábamos amparados por las Leyes de la Recopilación de Indias pagandotributos para vivir tranquilos según nos consta un padrón formado en elaño 1806 por un Gobernador llamado Martín Flores y mas recibos que sepagaron los tributos a S.M. del Rey hasta el año 1811; pero vino la guerrade la independencia, desconociendo nuestros derechos y después deservir con nuestras personas y bienes ha resultado que se los han quitadonuestras tierras a nuestros padres […]”.46

Los petitorios fueron acompañados por la acción directa. Durantediciembre de 1882 hubo gran agitación en esas regiones. El Comisariode Humahuaca envió telegramas al Gobernador diciendo que “se habíanreunido como 400 indios y que repartían la noticia de que Maidana habíallegado de Buenos Aires con un Dr. para que les reparara las tierras.Que en Santa Catalina Laureano Saravia los estaba entrenando yuniformando. Que tramaban lanzarse contra la capital y que también sehabían sumado los habitantes de Valle Grande”. Los dos líderesnombrados habían sido partícipes de la rebelión de la Puna de 1872, porlo que es de imaginar la alarma con que se recibió la noticia. Finalmentelos cabecillas fueron detenidos.47

Estos sucesos ocurrieron unos meses antes de que Tello asumierala gobernación de la provincia. Pero fue durante su mandato en quefalló por la cuestión de la propiedad de las tierras denunciadas comofiscales en Valle Grande. Después de un estudio de los títulos depropiedad, que debieron presentar los denunciados, y de una visita aldepartamento, Tello dictaminó, en agosto 16 de 1883:

“[…] después de haberme cerciorado de los lugares denunciados, de cercao desde la distancia; después de haber estudiado los títulos de propiedadmencionados; después de haber meditado con el juicio que conviene aun alto magistrado de la provincia; después de haber comprendido quedifícilmente vendrá a estos lugares de despeñaderos horribles otrogobernador, por lo mismo convenía un estudio detenido y dar opinionesaunque sean oficiosas, para procurar evitar tanto pleito y tantas molestiasque se viene originando y complicando desde habrá más de cien años;

46 AHJ. Caja de documentos Nº 1, Año 1882. Nota al Gobernador de la provincia de Jujuy, 27de abril de 1882.

47 AHJ. Caja de documentos Nº 2, Año 1882. Telégrafo Nacional, correos enviados del 10 al15 de diciembre de 1882.

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después de haber observado que los indígenas están fanatizados por tenerla propiedad de las tierras denunciadas y que es un mal social que se haconvertido en un atroz comunismo, difícil de combatirlo, después dehaber visto que la manera fácil de traerlos al orden es inclinarles el respetoa la propiedad, pero que si quieren ser dueños de la tierra, el gobernadorles ayudará para que las compren a su dueño. Fallo declarando que loslugares que se expresan denunciados por fiscales, no son fiscales, y estánen el deber de abonar sus arriendos y reconocer a sus actuales propietarioso poseedores mientras que no las adquieran legalmente por compra o deotro modo. Para perpetua memoria de esta resolución dese al registrooficial y notifíquese a quienes corresponda […]”48

Tello cumplió su promesa gestionando la compra a Benita Costasde Valle, en 1884, de una de las mayores fincas de Valle Grande,recabando el dinero necesario entre sus arrendatarios. “Los indígenashan hecho los más ingentes sacrificios para reunir el dinero, dando losmás pobres de ellos hasta cuatro pesos, en el interés de tener un palmode tierra”, informaba el gobernador a la legislatura, a la vez quesolicitaba se les exima del pago de la alcabala, por ser pobres y porhaber demostrado patriotismo y generosidad al ceder gratuitamente ala provincia para pueblos cinco áreas de terreno en Pampichuela,Caspalá, Santa Ana, Valle Grande y Calilegua.49 La operación seconcretó bajo la figura de pro-indiviso, parcelándose en el año 1887,bajo responsabilidad del ya ex gobernador, comisionado para entregarlas boletas respectivas.50

En cuanto al otro caso, el denunciado por los arrendatarios deRodero-Negra Muerta, involucraba a un personaje muy importanteen la política provincial, José María Álvarez Prado, quienadministraba la finca en calidad de esposo de Filomena Padilla dePrado, viuda de Macedonio Graz. En su gestión como gobernador,entre 1874 y 1876, Álvarez Prado había comandado las tropas quederrotaron a los puneños en Quera. Durante el mandato de Tellopresidió un tiempo la Legislatura y fue electo gobernador para elperíodo 1885-1887, cuando Tello fue ministro de gobierno y luegopresidente del órgano legislativo. Si bien el expediente sobre lacuestión se había cerrado en 1882, con fallo favorable a Filomena

48 AHJ. Caja de documentos Nº 1, Año 1882.49 AHLJ. Caja Documentos N°41, Año 1885. Nota del 13 de enero de 1885.50 Registro Oficial…op.cit. Decreto del Poder Ejecutivo, 25 de noviembre de 1886.

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Padilla de Prado, 51 durante la gestión de Álvarez Prado- Tello, losarrendatarios compraron la hacienda.52

Finalmente, el tercer caso de subdivisión de una hacienda porcompra de sus arrendatarios es el de Yoscaba, en la Puna (departamentode Santa Catalina) también ríspido en cuanto a sus orígenes, pues sudueña, Corina Aráoz, residente en Salta, era la viuda de FernandoCampero (propietario de la gran hacienda de Yavi y damnificado tras laexpropiación de Cochinoca y Casabindo). Eugenio Tello intercedió antela propietaria y ante el Banco de la Nación para que otorgara un créditocon garantía del Estado Provincial, de manera que, en 1886, losarrendatarios pudieron comprar la finca.53

En los tres casos se trataba de tierras poco apetecibles, salvo paralos campesinos que las habitaban. También de haciendas cuya propiedadhabía sido largamente cuestionada, lo que nos hace suponer que lasolución alentada por Tello no sólo era favorable a los nativos, sinotambién a los propietarios, cuya situación se volvía cada vez menossostenible. Así, al regularizar la propiedad, Tello aseguraba el orden:

“Sin que importe jactancia puedo decir que hemos salvado del naufragio,porque ahora los indígenas están sometidos, reconocen el derecho depropiedad, respetan el principio de autoridad, y algo más, están prontosa sostener mi gobierno en caso necesario.”54

51 Si bien José María Álvarez Prado reconocía en sus escritos de defensa de la propiedad desu esposa que no había título originario de merced, decía que constaba que en 1772 GregorioZegada la compró a María Isabel Murguía mediante escritura pública extendida en Españay luego ratificada en Jujuy. Macedonio Graz, la había comprado a los herederos de Zegadaen 1862 y a su muerte quedó en poder se su viuda, Filomena Padilla de Prado. AHJ. Cajade documentos Nº 2, Año 1881.

52 AHLJ. Caja Documentos N° 43, Año 1887. Nota al gobernador, 4 de junio de 1887, de loscompradores de la finca Rodero.

53 AHLJ. Caja Documentos N° 42, Año 1886. Nota al Gob. de la provincia, 13 de octubre de1886, de José María Maidana, a nombre propio y de sus representados en la cuestión de lacompra de la finca Yoscaba, solicitando se les exima del pago de alcabala. En 1887 elgobernador, José María Álvarez Prado, exonera del pago de los derechos de transferenciaa sus compradores. AHLJ. Caja Documento N° 43, Año 1887. Nota del Poder Ejecutivo a laHonorable Legislatura, enero 28 de 1887. Para un estudio con más detalles ver Paz, Gustavo,“Tierra y resistencia campesina en el Noroeste Argentino. La Puna de Jujuy, 1875-1910”,en Barragán Rosana et al, Bolivia y América Latina en el siglo XIX, La Paz, Institute Francaisde Etudes Andines, Coordinadora de Historia, 1997 y Cardoso, Esteban, Historia Jujeña.Batalla de Quera. Edición del autor, Jujuy, 2000.

54 Mensaje del Gobernador de la provincia al abrir las sesiones de la Legislatura en Enero de 1884.Jujuy, Imp. De la Unión, 1884.

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Tierras fiscales y colonización

Hacia la década de 1880 la provincia poseía una considerablecantidad de tierras, que habían sido declaradas fiscales en diferentesmomentos y regiones. Las de la Quebrada de Humahuaca, en 1839cuando se dictó la ley de enfiteusis. Las de Cochinoca y Casabindo, en laPuna, tras el fallo judicial de 1877. Las de Santa Bárbara, en los vallessubtropicales hacia el Chaco, que habían sido declaradas fiscales en 1873y, nuevamente, durante el gobierno de Tello, en 1883. Los tres casosinvolucraban a diferentes actores y circunstancias, por lo que lostrataremos por separado.

Respecto a las tierras enfitéuticas, Tello alentó la compra deldominio directo a quienes tenían su tenencia, de manera de perfeccionarla plena propiedad, posible desde la ley de 1860 ya mencionada. El cobrodel canon enfitéutico no había significado un ingreso de muchaconsideración para el fisco provincial, $400 bolivianos en los años 1881,1882 y 1883, que significaban menos del 1% de los ingresos totales. En elaño 1885 ingresaron $1.157 moneda nacional (equivalente a 1.606 bol.)en calidad de redenciones enfitéuticas y $173 m/n (equivalente a 240bol.) por el canon de aquellas cuyo dominio directo conservaba elEstado.55 Esto hace suponer que fue en este período donde se pusoprácticamente fin a la enfiteusis.

Respecto a las de Casabindo y Cochinoca, Tello no introdujomodificaciones a lo dispuesto por la ley de 1880 que establecía:

“Art. 1° Las tierras dejadas por disposiciones reales a las antiguascomunidades de los pueblos de Casabindo y Cochinoca, que se handeclarado propiedad de la Provincia por sentencia de la Suprema CorteNacional, se reservan en el dominio de la Provincia, para que susproductos por pastajes y arriendos que paguen sus actuales ocupantes ylos demás que en adelante quieran establecerse en ellas, formen parte dela renta del Tesoro Público Provincial.Art. 2° El expresado arrendamiento se pagará sobre el número de ganadosde toda especie que los ocupantes tuvieren, a razón de 6 reales por cadaciento de ovejas y cabras y medio real por cabeza de ganado vacuno,caballar, llamas o burros […]”56

55 Registro Oficial…, op.cit. Renta General de la Provincia. Hasta 1884 los presupuestosprovinciales se hicieron en bolivianos, a partir de 1885 en moneda nacional, a un cambiode 0,72 pesos argentinos por cada boliviano.

56 Registro Oficial…, op.cit. Ley del 8 de abril de 1880.

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En estos casos se ejerció toda la coerción necesaria para imponerel reconocimiento de la propiedad del fisco, dado que la renuencia alpago de arriendos continuaba y estos significaban un ingreso nadadespreciable, alrededor de $2.500 bolivianos en 1883 y 1884. En 1885, yadurante el mandato de Álvarez Prado (Tello Ministro de Gobierno), sedictó el decreto del 26 de diciembre de 1885, fundado en que:

“El PE de la provinciaHabiendo denunciado en nota del 2 de este mes, el Comisionado cobradorde arriendos fiscales de Casabindo y Cochinoca, Julián Benicio, quealgunos locatarios resisten al pago de arriendo, causando con el malejemplo y sus consejos la desmoralización de los demás; lo que importaa infracción a la ley del 8 de abril de 1880, tiende a restablecer losperniciosos efectos de la comuna o sea el desconocimiento público de lapropiedadDecretaArt. 1. Los Comisionados de las tierras públicas que no estuviesen dadasen enfiteusis, expulsarán de ellas en el término legal a los locatarios queresistan el pago de sus arriendos, procediendo sumariamente en laprueba, sin perjuicio del embargo y remate de bienes para cubrir la deuda,gastos y costas que se originen, conforme a la ley del 15 de marzo de1883.”57

Pero las mayores expectativas del gobernador se depositaban enlas tierras del oriente de la provincia, en pleito con quienes alegaban supropiedad, y sobre las que Tello planificaba instalar colonias deinmigrantes ultramarinos.

“Esta última región es pues la mas importante de la Provincia, abarcandopróximamente una extensión de mil doscientas leguas cuadradas, y sinembargo es la menos productiva y poblada, á tal extremo que en el añopasado apenas ha producido de renta al tesoro de la Provincia, lainsignificante suma de doscientos sesenta pesos.Ella se presenta al cultivo del café, de la caña de azúcar y del algodón; albeneficio del kerosene y la cría de ganado, como fuentes inagotables deriqueza. Estos hermosos territorios, que prometen un gran porvenir parala industria y que se prestan a esa clase de producciones, puede decirsecon fundamento, que tienen un fácil contacto con los mercados del mundo,por su proximidad al río Bermejo, cuya navegación es un problema deposible solución.”58

57 Registro Oficial…, op.cit. Decreto 26 de diciembre de 1885. Recién en 1891, el gobierno dela provincia decidió poner en venta estas tierras.

58 Mensaje 1883…op.cit.

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El pleito no involucraba a las haciendas azucareras, sino a aquellastierras más hacia el Chaco que habían sido objeto de mercedes coloniales,cuya validez el gobierno provincial no reconocía pues no se habíacumplido con la condición de poblarlas. Tello decidió avanzar sobreestas tierras reiterando la ley que las declaraba fiscales y autorizaba alpoder ejecutivo a vender todos aquellos terrenos o estancias que seencontraran despoblados, como así los que hubiesen sido poblados con“posterioridad a la fecha en que fueron declarados administrativamentedel dominio de la provincia, por decreto gubernativo del año 1850” y lasque estuviesen pobladas con anterioridad a dicha declaratoria, sinreconocer propietario particular alguno con justo título. Se aclaraba queen la venta serán preferidos los actuales poseedores y que se reservaríahasta 50 leguas cuadradas para que fueran cedidas gratuitamente ainmigrantes agricultores.59

La cuestión de estas tierras de Santa Bárbara y Maíz Gordo generómucho ruido en la provincia y, finalmente, los latifundistas másimportantes lograron conservarlas, para poco años después venderlas,fraccionadas, entre otros, a Ovejero, propietario del ingenio Ledesma.El intento de Tello ocasionó denuncias, tanto por considerar a la leyinconstitucional, como por sospechas de negociaciones emprendidas porel gobernador para obtener la expropiación. Así lo sostenía Tomás R.Alvarado en 1890 en carta a Domingo Pérez, en la que se quejaba por laconfiscación de sus terrenos y acusaba que:

“U. sabe que el Gobernador Eugenio Tello hizo dictar la famosa Lei de18 de Diciembre de 1883 confiscando las tierras de Santa Bárbara i MaízGordo, propiedad de los S S. Iriarte i Lozano ofreciendo lotes como en laTablada á los Diputados que la sancionaron como ofreció al Gral Roca,Presidente entonces, i á muchos otros para que le ayudaran á consumarel despojo mas atentatorio que puede cometerse en un estado argentino.”60

Continuaba su larga carta denunciando negociaciones de Tello enlas referidas tierras durante su gestión como senador nacional. Aunqueno poseemos documentación que nos permita dilucidar qué elementosde veracidad pudiera contener tal la denuncia, citamos la carta por

59 Registro Oficial…, op.cit. Ley del 18 de diciembre de 1883. Declarando fiscales los terrenosal este de la Totorilla y los existentes en Santa Bárbara y Maíz Gordo.

60 Archivo Domingo T. Pérez. Carta de Tomás R. Alvarado a Domingo Pérez. Buenos Aires,septiembre 3 de 1890.

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ilustrativa de los intereses que se movilizaban en el caso y la permanenciade Tello en la política provincial finalizada su gestión como gobernador,potenciada por sus conexiones en la política nacional.

Consideraciones finales

Sin duda la época y el actor político analizados significaron lacoronación en Jujuy de un largo camino hacia la consolidación de lapropiedad privada. La primera etapa del camino ya estaba desbrozada alasumir Tello la gobernación, nos referimos a la desamortización de lapropiedad y la expropiación de los terrenos comunales indígenas. Lasegunda etapa, cuyos inicios podemos fijar en la gestión de Tello, intentólegitimar la propiedad resultante de las primeras reformas y sentar nuevasbases para evitar los conflictos sociales peligrosos para el nuevo ordenbasado en la imposición de las normas capitalistas y la incorporación dela provincia al mercado nacional.

Podemos resumir la política implementada por el gobernadorsegún las soluciones que vislumbró a los considerados “males” queaquejaban a la provincia. Frente a la estructura agraria de ancien régime,“feudal” según sus palabras, propició la subdivisión de los latifundioscuyos productores directos eran campesinos subsumidos en una relacióncon los propietarios de la tierra, casi de servidumbre. En los casostratados, en los que sus gestiones al respecto llegaron a término, se atuvoa un principio que consideraba basal: el respeto por la propiedad privada.Así, ante las pruebas presentadas por los indígenas en torno a losantecedentes inmemoriales de ocupación de esas tierras y posteriordespojo durante la colonia o en los tempranos tiempos republicanos; ylos títulos originarios de compra o mercedes presentados por quienesoficiaban de propietarios de dichos fundos, optó siempre por legitimara éstos últimos. No obstante, y en consideración al malestar social ycontinuos conatos de sublevaciones, consideró que la solución era tornara estos “arrenderos” en propietarios, pero operando siempre dentro delas leyes del nuevo orden, esto es: propiciando la compraventa, que sinla mediación del Estado y el otorgamiento de créditos, hubiese sidoimposible. De esta forma terminaba con otro de los males: “las veleidadescomunistas”. Tello intentaba erradicar de raíz, entre los indígenas, lamemoria y las ansias de retornar a un antiguo orden de posesión de la

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tierra en común. Quiso transformarlos en campesinos propietarios yconvencidos defensores de las bondades de la propiedad privada;ciudadanos productivos y activos contribuyentes del fisco.

A esta altura del relato, el lector seguramente se preguntará si lologró. La historia posterior demuestra que no completamente, en primerlugar porque sólo en algunos lugares puntuales los “arrenderos” llegarona comprar la tierra. En partes donde esto ocurrió, como en el caso deValle Grande, los conflictos se apaciguaron. En otras subsistieron, comoen la Puna, donde hubieron casos en los que la diferenciación socialdentro del campesinado posibilitó que antiguos “arrenderos”, ahora co-propietarios, fueran concentrando tierras y volvieran a reproducir elesquema de servidumbre sobre sus antiguos pares. Sin embargo esta nofue la situación general, sino la pervivencia de los antiguos latifundiosen las tierras altas, por lo que los reclamos y conflictos se prolongaronhasta 1949 cuando el presidente Perón decretó su expropiación.61

Pero retomemos el hilo del momento tratado. Es importantedestacar la política diferencial de Tello respecto a los latifundios y acomo lograr esa capa social de pequeños y medianos productoresagropecuarios. En lo que veníamos describiendo, queda claro que elgobernador consideraba perjudiciales socialmente e improductivas enmanos de latifundistas a estas propiedades predominantes en las tierrasaltas, y que la vía para crear pequeños productores libres era la comprade la tierra. Se trataba de la población nativa.

En el caso de la apetecible población inmigrante, portadora delespíritu del trabajo y del progreso, el acceso a la propiedad debería sergratuito, pues la intención era radicarla en las regiones más despobladas,de antigua frontera con el Chaco, potencialmente rica pero aún salvaje.En este caso, para revertir tales tierras a la esfera fiscal, sí se cuestionaronlos títulos de propiedad de quienes decían haberlas recibido en mercedescoloniales y no las habían poblado. La resistencia de los damnificados atales medidas fue grande y los logros gubernamentales escasos.

61 La persistencia del problema en las tierras altas de la provincia durante los gobiernosradicales, en la década de 1920, es tratada en Fleitas, M.S. y Teruel, Ana, “Política ymovilización campesina en el norte argentino. La cuestión de la tierra indígena en elproceso de ampliación de la democracia” en Revista Andina, Centro Bartolomé de Las Casas,Cuzco, Perú, Nº 45, segundo semestre del 2007, pp. 41-65.

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Pero había en la provincia un tercer tipo de latifundio: el de losingenios azucareros. A estas empresas apostaba Tello, en particular, y ladirigencia política, en general, como vía de desarrollo en la provincia.Allí la concentración de la propiedad no era percibida como negativa,sólo bastaba que las villas que habían tenido su origen en el seno de lashaciendas azucareras perdieran ese carácter de feudalidad y obtuviesensu autonomía territorial. Ello implicaba tocar intereses de los propietariosazucareros, a quienes si bien se les garantizaba una indemnización, selos privaba del control directo de la población. Pero la pérdida bien seresarcía con el apoyo gubernamental para asegurar que el azúcar pudieraser competitivo en el mercado nacional.

Por último, a fin de ponderar los cambios ocurridos en lapropiedad, es interesante comparar dos registros de propiedad territorialpertenecientes a momentos inmediatamente previos y al final del períodotratado. En ambos casos se excluye a las propiedades de San Salvadorde Jujuy, la ciudad capital de la provincia.

Cuadro 1. Variación del número de propiedades privadas registradasen Jujuy entre 1872 y 1904

Región Catastro 1872 Catastro 1904

Quebrada de Humahuaca 353 1.421

Valles centrales 322 1.115

Valles subtropicales o yungas 48 792

Puna 30 338

Total provincia 753 3.667

Fuente: Teruel, Ana A., “La incidencia de la tenencia de la tierra en la formación del mercado detrabajo rural en la provincia de Jujuy, 1870-1910”, en Población y Sociedad, Nro 2, Tucumán,Fundación Yocavil, 1994

El notorio aumento del número de propiedades se debe a diferentesfactores que formaron parte de la expresa política de Tello y de algunosde los gobernadores que le sucedieron: perfeccionamiento de losmecanismos de registro catastral cuyo objetivo era la recaudación del

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impuesto territorial, transformación de los enfiteutas de la Quebrada deHumahuaca en propietarios de pleno dominio, subdivisión de latifundios(claramente perceptible en la Puna y en los valles subtropicales dondeincluimos al departamento de Valle Grande), venta de terrenos fiscalesy nuevas propiedades registradas en las villas cuya fundaciónmencionamos a lo largo de este trabajo.

Si bien la brevedad del mandato gubernamental, establecido endos años en ese entonces, puede poner en juicio cuánto es dable atribuira Tello de estas reformas, debemos recordar que una característica delrégimen político dominante a fines del siglo XIX era la continuidad, yaún la superposición, en otras funciones gubernamentales. El senadoera el lugar por excelencia de la permanencia en el poder, tan es así queBotana lo denomina “invernada de gobernadores”.62 Muchas de lasreformas descriptas que fueron iniciadas durante la gestión de Tello comogobernador, tuvieron su concreción años después. Ello habla tambiénde toda una generación de políticos partícipes de las mismas ideas eintereses. En este sentido creemos que Tello, por la claridad de supensamiento y la energía con que actuó, es la punta del iceberg quepermite vislumbrar el programa modernizador en torno a la propiedaden Jujuy.

62 Botana, Natalio, El Orden Conservador. La política Argentina entre 1880 y 1916, Buenos Aires,Sudamericana, 1979.

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Anexos

Mapa: Jujuy en el espacio Sudamericano.

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Mapa: Provincia de Jujuy en la actualidad.Departamentos y regionalización propuesta.

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El desierto y sus confines. Contexto y narrativaen la Descripción Amena de la

República Argentina de Estanislao Zeballos

Sandra Fernández*

Cuando el viajero miró hacia atrás y vio que el caminoestaba intacto, se dio cuenta de que sus huellas no loseguían, sino que lo precedían.

Misterios del Tiempo de Alejandro Jodorowski**

Breve introducción

El epígrafe de este artículo en realidad no es un fragmento literario,es una minificción1. Mínimo en su brevedad sintetiza la percepción yconcepción de la obra de Zeballos. Así poco más de veinticinco palabrasdilucidaban crudamente la imagen de la forma estética y expresivaelegida por este autor y hombre político: para Estanislao no había sidoimportante lo pasado, (visto, oído y relatado), sino la ejemplaridad desus relatos en lo por venir. El norte dentro de su obra de viaje nuncaestuvo puesto en las expectativas del impacto de lo exótico, no retomaplenamente la experiencia y modelo Humboltiano para exponer sucuadro de sensaciones de viaje, no es tampoco sólo la perspectivapragmática de los viajeros de la “vanguardia capitalista”: el horizontede Zeballos era impulsar un modelo del que se sentía parte y actor

* CONICET – Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas-/UNR –UniversidadNacional de Rosario – Argentina. [email protected] [email protected]

** Citado en La extrema brevedad. Microrrelatos de una y dos lìneas de David Lagmanovich(2006).

1 Los microrelatos son ejemplos de lo minúsculo, sus apenas dos líneas despiertandesconcierto pero también admiración de lectores y críticos. Reducen a un mínimo laexpresión y se convierten en la mayoría de los casos en metáforas comprensivas.

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fundamental, en donde el desierto operaba como una frontera discursivaque imponía con palabras lo que materialmente era imposible aún demensurar.

Zeballos delineó sus obras como un gesto político -casi podríamosdecir que fue un acto de propaganda- que tendría como principalinterlocutor a la clase política del momento, encarnada en la figura centralde Roca. Pero Zeballos, aún en los tempranos ochenta era un hombrepúblico que también transitaba los caminos de la ciencia2, con múltiplescontactos en el mundo editorial3. Conocedor del desarrollo creciente delpúblico lector, que ampliaba sus espacios de lectura más allá de losmatutinos y las gruesas bibliotecas de la oligarquía, Zeballos conocíaque sus textos también iban a contar con un público más extenso,partícipe de un mercado editorial que se delineaba y crecía con el pasode los años y con la consecuente transformación social del ingreso a lamodernidad.

Esta evolución llegaría a su cenit durante las primeras décadasdel siglo XX, con la exaltación de la prensa escrita, la aparición de lasrevistas ilustradas y culturales, y las novelas por entregas; con laconsagración de los escritores y periodistas como profesionales de lapalabra, y con la inevitable estructuración de un campo de lectores quesuperaba ampliamente los sectores ilustrados de las elites. Cabeconsignar que muchas de estas alternativas editoriales recibieronestímulos oficiales, otras respondieron a mecenas privados, otras tantasfueron publicaciones de autor, pero no importa cual fuera el origen dela inyección de recursos que les permitiera salir a la luz, todas ellas se

2 A comienzos de 1872 ingresa a la Universidad de Buenos Aires iniciando conjuntamentelas carreras de abogacía y ciencias exactas. Por esta época funda, con sólo 18 años, la Sociedadde Estímulo Científico (1872), que será más tarde la Sociedad Científica Argentina. Al volverde su viaje siguiendo la avanzada de Roca funda en 1879, un nuevo espacio en dondevuelven a anudarse las estrategias de gestión y gobierno con el discurso y la accióncientíficos: el Instituto Geográfico Argentino –luego Instituto Geográfico Militar-, del cualserá presidente durante los primeros años.

3 Por ejemplo durante la epidemia de fiebre amarilla (1871), en la que tiene una activaparticipación, entabla relación con José C. Paz, en ese entonces secretario de la Comisiónde Salubridad, y propietario del diario La Prensa. El vínculo con la familia Paz y su diariocontinuaría hasta su muerte. De esta relación Zeballos elaboraría uno de sus perfiles másdefinidos: el de periodista, llegando a ser jefe de redacción y director del diario de suamigo, cargo al que renuncia en 1877, manteniendo siempre la condición de redactor aúncuando realizaba las más variadas actividades políticas y profesionales.

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encargarían de alimentar los anaqueles de una vasta red de bibliotecaspúblicas y privadas, personales y colectivas4.

Por lo tanto existía algo en los pasos de Zeballos alrededor de suDescripción Amena de la República Argentina que invocaba una textualidadprofundamente impregnada del contexto político-ideológico de la época.La explícita estructuración de sus textos en torno de una voluntad deconcebirlos como ejemplos vívidos del antes y el después de la efectivaorganización del Estado le permitieron explorar tanto el relato de viajecomo la descripción informativa –profusa por cierto-, científica yburocrática de esos cambios; a la par de considerarlos como reza su títulocomo una pintura amena, capaz de seducir e informar didácticamente aun gran público.

Por otro lado la extensa obra de Zeballos es una obra que habla dela frontera, desde una acepción propia de un intelectual de la segundamitad del XIX en tanto parte, segmento de un país que divide locivilizado, lo habitado, de lo que todavía no ha sido colonizado, deldesierto: el desierto considerado como ausencia, el desierto pensadocomo espacio vacío5. Desde este costado la frontera es lo que separa lacivilización de la barbarie, desde una clásica oposición sarmientina porcierto, oposición que también representa el enfoque de buena parte dela ilustración criolla americana. Idea de forntera que tal como afirmaDavid Weber (1998:147-171), era mutuamente compartida tanto por loshispano-criollos como por los indígenas, y en su espacio ambos grupos

4 Por ejemplo Noemí Girbal-Blacha y Diana Quattrocchi-Woisson (1998: 20) destacan que enel veinte aniversario de la revista Nosotros, la publicación expresaba que era la única en sugénero que había sobrevivido sin auxilios del gobierno o sin ayuda pecuniaria de sociedadesespecializadas en el cultivo de alguna disciplina o en la propaganda de alguna tendencia.Hay que resaltar además que existían figuras que funcionaron como mecenas, y que en larealidad actuaban como fuentes de financiamiento alternativo. A pesar de lo descripto nose hallaban aún extendidas plenamente las grandes editoriales, quedando aún en la figuradel editor librero la salida de buena parte de la producción editorial, sin obstar para quecomenzara a delinearse cada vez más la profesionalización de la figura del editor.

5 Mónica Quijada (2002:105) expresa claramente la influencia de Turner en las definicionesde frontera expresadas en los disccionarios anglosajones, influencias que no son constatadaspor la autora en iguales textos españoles, pero que sin embargo son emergentes de unasensibilidad de la población americana: “Y digo sorprendentemente, porque está claro en toda ladocumentación hispanoamericana, tanto colonial como republicana, que ésta es la conceptualizaciónde la frontera que más presente está en el ánimo de los pobladores de la sociedad mayoritaria, es de-cir, el margen del territorio poblado por occidentales y modificado por los ritmos de la ocupación. Setrata tanto de un espacio como de una suerte de línea civilizatoria, que en Hispanoamérica está aveces señalada por la presencia de lo militar”.

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la visualizaban, operaban sobre ella y actuaban en función de ella; yambos grupos, en definitiva, la transgredían.

Describir amenamente: la obra y sus contornos

El ingreso al Colegio Nacional le permite a Zeballos atisbar en susdeseos literarios y periodísticos. Escribe en esta etapa, su primera novela– Zálide o el amor de los salvajes (1866) – totalmente influenciada por lostemas relativos del “desierto” y sus habitantes autóctonos. Asimismodurante ésta experiencia funda el periódico estudiantil “El Colegial”, elcual dirige y es donde escribe buena parte de sus editoriales. Habíacomenzado la primera fase de su preparación.

Posteriormente se lanzó de lleno a la descripción de viaje,estructurada en su mayor obra: Descripción amena de la RepúblicaArgentina6, completando esta tradición con otras dos novelas: Callvucuráy la dinastía de los Piedras (1884) y Painé y la dinastía de los Zorros (1886).

Su Descripción amena de la República Argentina tiene tres tomos queaparecieron secuencialmente a lo largo de la década de 1880. Viaje al paísde los araucanos se publica en 1881; La rejión del trigo y A través de lascabañas se editaron respectivamente en 1883 y 1887. Cada uno de ellostransitan diferentes tópicos pero su conjunto representa la completacosmovisión del espacio pampeano desde la óptica de Estanislao.

Si pensamos en esta obra de forma integral observamos que supropósito fue mostrar la versatilidad de un espacio: “la pampa”; espacioque Zeballos conocía muy bien desde su infancia7 y que se había

6 Zeballos, Estanislao, Descripción amena de la República Argentina, 3 Tomos, Buenos Aires,Peuser, 1881-1883-1888.

7 Especialmente en la parte inicial de La rejión del trigo, Zeballos describe en distintosfragmentos sus recuerdos infantiles y de su primera adolescencia en los campos deDesmochados, pago cercano a Rosario, su lugar de nacimiento, y que a posteriori de lacolonización se conocería como el área de La Candelaria dentro de la línea del ferrocarrildel oeste-santafesino. Recordemos que su familia no provenía de la elite colonial santafesina,y su nacimiento en Rosario fue fortuito, producto de los traslados de su padre. EstanislaoZeballos padre, había sido Teniente Coronel del General López, y esta cercanía hizo quefuera nombrado capitán del puerto de Rosario en diciembre de 1848. Dos años más tarde –1851- en tanto activo adherente a la causa urquicista se asienta de forma más o menosdefinitiva en la ciudad portuaria, donde va a radicar a su familia, formada a partir delmatrimonio con Felisa Juárez y Correa, y desde donde además iba a ejercer como Juez dePolicía. Como parte de su carrera burocrática el padre de Zeballos es enviado en 1861 aMontevideo, donde se traslada junto con su familia, para regresar en 1863 nuevamente a

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El desierto y sus confines. Contexto y narrativa... / Sandra Fernández

encargado de recorrer en sus escapadas científicas8 o acompañando laretaguardia del ejercito de Roca9. Por ello siempre la “pampa” comodesierto, como frontera, como confín, o como mejor ejemplo detransformación es el teatro ideal para sus descripciones.

En las tres obras, el espacio narrativo conferido al relato de viajees importante pero muchas veces no central. Hay marcadas diferenciasentre lo que Zeballos relata como sus experiencias viandantes en cadauno de los tomos de la Descripción…; en Viaje al país de los araucanosevidentemente se conforma como núcleo central de su texto; en La rejióndel trigo es el prologómeno ideal con significativas alusiones a su propiamemoria, con referencias muchas veces colocadas dentro de un planosensible, para un extensísimo informe sobre la evolución de lacolonización en Santa Fe; en A través de las cabañas pasa a ser simplementeun relato autojustificatorio del periplo sobre las tierras del extremo sursantafesino recientemente ganadas al “desierto”.

Rosario. En el ambiente rosarino de la Confederación la familia Zeballos anuda los lazosque marcarían buena parte de la trayectoria de Estanislao. Muerto su padre en julio de1865, la Cámara de Representantes de la provincia le acuerda una pensión, y obtiene laprotección de Oroño, al momento gobernador de Santa Fe, siendo el propio Nicasio Oroñoquien propone su nombre, para acceder a una banca dentro del Colegio Nacional.

8 Su activa participación en una asociación como la Sociedad Científica Argentina le permiteincursionar en un área de la arena pública sumamente sensible en la sociedad moderna: eldiscurso y el análisis científico. Es allí en donde comienza a tener relación con el amplioespectro de jóvenes argentinos lanzados de lleno a las distintas facetas de la modernidad.Se relaciona, por ejemplo con Francisco Moreno en distintas trabajos conjuntos o auspiciandoa través de la Sociedad Científica los primeros viajes de exploración de este último a laszonas de los ríos Negro y Limay, llegando hasta Nahuel Huapi. En este camino es el propioZeballos quien continuando con estas prácticas en 1876, realiza en colaboración con Reid yMoreno “Una excursión orillando el Río Matanzas” y publicando en ese mismo año su estudiogeológico de la provincia de Buenos Aires. Por estos años es designado como miembroHonorario del Círculo Científico. Culminando estas actividades en 1878 presenta el informesobre el túmulo prehistórico de Campana, a partir de las exploraciones realizadas un añoantes con el Ing. Pedro Pico, dando lugar a partir de esta excavación al inicio sistemático porparte de la Sociedad Científica, de las investigaciones arqueológicas en el país.

9 En 1879 acompañado de su hermano el teniente Federico Zeballos y un fotógrafo, con losinstrumentos indispensables para levantar una carta de los territorios recorridos inicia suprimer viaje importante, supuestamente a sus expensas a la norpatagonia. En su recorridoencuentra en un médano cerca de la laguna Guiñe-Malal, el archivo del gobierno de SalinasGrandes: comunicaciones de campaña entre el gobierno argentino y los caciques araucanos,las cartas de los jefes de frontera, las cuentas de comerciantes que ocultamente servían alos “vándalos”, las listas de las tribus y sus jefes, dependientes del cacicazgo de Salinas, laspruebas de la complicidad de los araucanos en las guerras civiles, diccionarios, las cuentascorrientes con los comerciantes. Recoge abundante información que sería luego sustancialal momento de escribir Viaje al país de los araucanos, dedicado al gobierno nacional.

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Sin lugar a dudas Zeballos narra la “pampa” y le otorga sentidofundamentalmente luego de haberla “vivido”10, aunque no hay quedesconocer por cierto las influencias de lecturas realizadas. Dada suformación dentro del Colegio Nacional y su posterior interés científico,varios textos de los considerados de ineludible lectura debieron pasarpor sus manos. Entre ellos casi con certeza se puede pensar en el Viaje alas regiones equinocciales del Nuevo Continente de Alexander von Humboldt(París, 1807). Es conocido que los escritos de Humbolt tuvieron un altoimpacto en las elites criollas americanas11 y permitieron que aparecieratodo una serie de escritos volcados a su evocación o mejor aún a la casirepetición de su canon descriptivo. La perspectiva científica de Humboldtsumada a su prosa poética donde la naturaleza americana cobra vida,fue también un elemento muy significativo en la difusión de su obra.Por lo tanto su valor científico, su presencia estética, hicieron de Viaje…un texto común dentro de la enseñanza y la difusión de conocimiento.

Basta citar entre ellos los Viajes por Europa, Africa y América deDomingo F. Sarmiento12, en donde el sanjuanino no sólo repasa aHumboldt recurriendo a su libro para los epígrafes, sino en la elecciónde las formas narrativas más allá de la interesante construcción de sutexto a partir de largas cartas a sus amigos sudamericanos. Por elcontrario en la Descripción amena…, realizada casi cuarenta años mástarde de la de Sarmiento, Zeballos escasamente retoma los elementoscentrales de la tradición humboldtiana. Las huellas de Humboldt puedenrastrearse en él a través de su vocación científica, y el esfuerzo puesto enintentar hacer de sus textos una obra literaria, pero éstos son sus límites,las fronteras intelectuales que no rebasa, y que no intenta superar13.

Así si el trasfondo científico puede evocarse en Zeballos a travésde la obra Humboldt, su pragmática narrativa tiene vínculos directos

10 Específicamente este tópico fue analizado en el texto La región del trigo de Estanislao Zeballos,de libro de viajes a catálogo de mudanzas de Fernández y Navarro (2004)

11 Es conocida su influencia estética en intelectuales tan importantes como Bello y Sarmiento.Un exquisito análisis de estos vínculos se encuentra en el ahora ya clásico texto de MaryLouise Pratt (1997) Ojos Imperiales.

12 Los Viajes por Europa, Africa y América 1847-1849 de Sarmiento fueron publicados en dostomos, en 1849 y 1851 respectivamente. El cuerpo del trabajo consta de 11 cartas a amigosde Sarmiento, un ensayo donde relata exhaustivamente su viaje por los Estados Unidos, ymás de 100 páginas de minuciosas rendiciones de cuentas.

13 Lejos está Zeballos de lo que Pratt (1997: 216) reconoce en Humboldt como “la estética de losublime” en directa relación a la exquisita descripción planteada por el barón en sus Viajes…

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El desierto y sus confines. Contexto y narrativa... / Sandra Fernández

con los sucesivos libros escritos por los viajeros de la “vanguardiacapitalista”14, venidos a las tierras argentinas con afán pragmático yeconomicista15.

Como bien afirma Pratt estos viajeros solían adoptar en sus escritosuna postura conscientemente anti-esteticista, donde la naturaleza teníabastante menos interés para estos aventureros económicos que el quehabía tenido para Humboldt y sus seguidores más refinados. Ladescripción negativa del paisaje donde por ejemplo la pampa eraconscientemente vista y narrada como un desierto era aplicada tambiénal mundo social americano. Así la sociedad hispanoamericana en suconjunto era imputada de atrasada, de indolente y, en especial, de incapazpara explotar los numerosos recursos naturales de que disponía. Susformas de vida basadas en la subsistencia, los sistemas de intercambiono monetarios y las economías regionales autosuficientes representabanuna humillación para el capitalismo en plena etapa expansiva. El discursode los autores de la vanguardia capitalista estaba claro: América debía sertransformada en un escenario de trabajo y eficiencia; su población colonial debíadejar de ser una amorfa y venal masa indolente, carente de ambición, jerarquía,buen gusto y dinero, para convertirse en mano de obra asalariada y en mercadopara los bienes de consumo metropolitanos. En alguna medida estos objetivospodían ser compartidos por los criollos ilustrados que pretendíanorganizar los gobiernos y proyectos en sus respectivos territorios, en talsentido aunque no impugnaron este discurso tampoco lo hicieron propio,en principio porque no eran la vanguardia capitalista sino sus anfitriones, ypor ello expresaron por otros medios sus aspiraciones republicanas ymodernizadoras (Pratt 1997: 259/271).

La interpretación sobre la vanguardia capitalista desarrollada porPratt, entra en discusión o mejor aún se complementa con la que AdolfoPrieto16 publicaría cuatro años más adelante. Para Prieto son la lectura

14 Ver específicamente los textos citados de Pratt (1997) y Prieto (1996).15 Fue común que numerosos viajeros ingleses –personal técnico, empleados de grandes

compañías, diplomáticos y funcionarios de menor cuantía, aventureros y empresarios-realizaran durante la primera mitad del siglo XIX un periplo que se iniciaba en el Río de laPlata, transitaba por la pampa argentina, llegaba a Cuyo desde donde se cruzaba a Chile yposteriormente se partiera a Perú, desde donde al final se regresaba a Europa.

16 Los viajeros ingleses y la emergencia de la literatura argentina de Adolfo Prieto es editada porSudamericana en 1996; la primera edición de Pratt en inglés es publicada por Routledgeen 1992 [es la que Prieto cita], y su versión castellana es de la editora de la UNQ de 1997.

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de estos autores como John Miers, Francis Bond Head, Joseph Andrews,Edmond Temple, Samuel Haigh, las que influyen directamente sobre laorganización de una literatura vernácula de la mano de figuras comoMármol, Echeverría, Alberdi y Sarmiento.17 Ambos introducen la nociónde que la perspectiva de los intelectuales criollos se encontró influenciadapor efecto de acción, reacción y reflejo de la producción de una literaturade viajes metropolitana, por cierto heterogénea que dejó sus rastros enlas formas de escritura adoptadas por estas generaciones de autores yhombres públicos americanos.

Esta visión pragmática, totalmente centrada alrededor del ingresode América, y en especial de Argentina a la modernidad, es retransitadaen todas las obras de Zeballos. Aunque Estanislao reserva siempre unlugar a lo científico, también a lo familiar -muchas veces de la mano dela anécdota- siempre su descripción de viaje sobre el espacio y laspersonas queda contrastada con la ferviente necesidad de que la “nación”ingrese al mundo del progreso. Así si la transformación necesaria no haocurrido aún, Zeballos elige lamentarse largamente por la incapacidadde “nuestro pueblo” para encontrar el rumbo de la integración con elmundo capitalista18; por el contrario si en tanto observador advierte queestos cambios considerados “fundamentales” se han concretado o están

El objetivo de Prieto tal como lo indica en su introducción es identificar algunos de loslectores de los viajeros ingleses al Río de la Plata, en esencia Alberdi, Echeverría, Gutiérrez,Mármol y Sarmiento, siguiendo el “sistema de citas reproducido o inferido de sus propios escritosposteriores…de una serie que para ellos, con más naturalidad que para nosotros, recortaba el tejidoglobal de la literatura de viajes… Desde luego, no el enunciado de la percepción de la serie pero síla insistencia en ese enunciado pretende convertirse en una de las categorías de análisis del presenteestudio… (Prieto, 1996: 22)

17 Recordemos rápidamente que la interpretación central de Pratt sobre este tema es que lainfluencia estética de Humboldt sobre la intelectualidad criolla, en tanto compuesta porsujetos con ascendientes marcadamente europeizantes, es estética y científica, y que conllevala firme convicción de una reinvención de América. Para esta autora la influencia de losviajeros de la vanguardia capitalista en este plano es ínfimo debido a su visión excesivamentepragmática del mundo americano originada en el objetivo económico de sus exploraciones.Para Prieto, por el contrario, muchos de estos viajeros resultan centrales en la conformaciónliteraria del grupo de intelectuales argentinos que vive la transición de las guerras civiles yla organización del Estado nacional. Pero si la perspectiva de Pratt es marcadamentecontextualista, con un sustrato de análisis antropológico muy fuerte, la posición de Prieto,se reconoce, desde los tiempos de El discurso criollista en la formación de la argentina moderna(1988, 2006), en una tradición de análisis literario temporalmente situado.

18 Esto puede observarse muy contundentemente en el primero de los tomos de la descripciónamena: Viaje al país de los araucanos.

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en vías de serlo, se sentirá satisfecho y no escatimará palabras para hablarde las ventajas que se han conseguido19.

Por otro aunque no existan certezas de la lectura de Viajes deSarmiento, Zeballos también se refleja en la obra de sanjuanino. Elesfuerzo por pensar un espacio, y constituirlo a través de la palabra seconcibe como una misión civilizadora; luego estará la propaganda y laconsagración de un discurso como ejemplo de la acción del gobierno;esto que en trabajos anteriores hemos significado como la particularmirada “oficial” de un viajero como Zeballos20. En este sentido Zeballosy por supuesto también Sarmiento definen su diferencia, para permitirun autoreconocimiento y fundamentalmente para ser reconocidos porlos demás, en este borde expresado en el conflicto desierto/civilización,en donde la definición del otro no se plasma desde el aislamiento sinoprecisamente desde le contacto de ahí la importancia de los «ethnicboundaries» fijados por Barth (1969, 1991), que implican también espaciosdonde se produce la competencia por los recursos, y de allí la negacióndel otro como figura empática. Son estos recursos los que recrudecen lamirada de estos intelectuales criollos que varias décadas más tarde de larevolución se constituyen en las palabras autorizadas para relatar yconfigurar esa frontera entre la barbarie y la civilización21.

Por otro lado tanto Zeballos como Sarmiento se constituyen comoobservadores sociales, que en su condición de miembros de los sectoresdominantes locales, fijan lo que miran y describen desde esa condición. Porlo tanto esa mirada que construyen sella una imagen homogénea y coherentede su discurso: la idea del desierto, la fuerte percepción de lainconmensurabilidad de la pampa, la recurrente figura del espacio vacío yla negación del “otro” americano en la forma del indígena y el criollo pobre.

Pero esta perspectiva no se advierte con tan meridiana claridad enla comparación de Viajes y Descripción…, sino en la paridad entre esta

19 Específicamente estas afirmaciones pueden encontrarse en La Rejión del Trigo y A través delas Cabañas; pero también han sido abordadas por Ernesto Bohoslavsky (2008).

20 Esta condición de “viajero oficial” que caracteriza el accionar de Estanislao Zeballos puedeencontrarse desplegada en sendos textos de Fernández y Navarro (2004, 2002), y Navarroy Fernández (2001).

21 Zeballos también se consagra como un viajero que observa Europa en un texto manuscritode comienzos del siglo XX Diario de Viaje a Europa (1903-1904), conservado en el Archivode Luján (Buenos Aires) que lleva su nombre. Sobre este escrito se puede consultar dosexcelentes trabajos de Rogelio Paredes (1997a, 1997b)

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última y la obra fundamental de Sarmiento: el Facundo. El lugar comúnen ambos es el desierto; pero si Sarmiento monta el escenario de Facundo,mejor aún del conflicto de la civilización y la barbarie, fundamentalmentesobre el espacio pampeano que no conocía sino por mentas al momentode la publicación de su obra más conocida22, Zeballos lo realiza siempresobre un territorio que ha transitado.

Volviendo a la comparación con el libro de viajes de Sarmiento,este es un sugestivo relato de la mirada de un americano europeizadosobre ciudades y países considerados los mejores espejos para reflejar ycomparar la realidad latinoamericana23.

En el caso de Zeballos, este autor trama un texto de viaje sobre lo“conocido”, es decir sobre un contexto que a pesar de las dramáticastransformaciones que estaba registrando presenta un sustrato anteriorcomún y reconocible; desde una perspectiva estrictamente moderna quelo considera como tensión de búsqueda y cambio, y que plasma estaexperiencia en escritura e imágenes. Entonces por un lado se encuentraesta pampa anterior, hecha desierto, y por otro la nueva pampa, rebosantede vacas, cereales y europeos trabajadores.

Por ello los textos reunidos en la Descripción amena... condensandistintas líneas de acercamiento respecto de la narración de viajes. EnViaje al país de los araucanos, Zeballos se consustancia con una perspectivaque lo tiene como el observador-descriptor de la avanzada del

22 “Sabe usted que no he cruzado la pampa desde Buenos Aires, habiendo obtenido la descripción deella de los arrieros sanjuaninos que la atraviesan todos los años, de los poetas como Echeverría, y delos militares de la guerra civil. Quiérola, sin embargo, y la miro como cosa mía. Imagínomelayerma en invierno, calva y polvorosa en verano, interrumpida su desnudez por bandas de cardalesy de viznagas” fragmento de la carta de Sarmiento a Juan María Gutiérrez, fechada enMilán el 6 de mayo de 1847, que forma parte del texto Viajes… p. 348 [SARMIENTO,Domingo Faustino (1981) Viajes, Ed. de Belgrano, Buenos Aires, pp. 621; Texto tomado dela publicación en Santiago de Chiles por la “Imprenta de Julio Belin y Cía”, en 1848, bajo eltítulo de VIAJES EN EUROPA, AFRICA Y AMERICA. El Diario de Gastos se reproducede la edición del “Museo Histórico Sarmiento”], citado por Adolfo Prieto (1996: 183).

23 De hecho el libro de Sarmiento es uno de los primeros grandes textos de viaje que abordanesta perspectiva realizando a través de sus largas cartas un ejercicio comparativo de lasrealidades europeas, norafricanas y especialmente estadounidenses con las sociedadescriollas americanas de la primera mitad del siglo XIX. Quizás para este último caso unantecedente de importancia fuera el texto de Chateaubriand, Viaje a la América, de 1832;conocido en los círculos literarios de Hispanoamérica. Para Prieto (1996: 170) eseconocimiento había impregnado la obra de Alberdi no sólo a partir de la obra deChateaubriand, sino también de Hugo y Lamartine: el romanticismo estaba allí, al alcancedel “poder de plasmación poética de la naturaleza sobre todos sus hijos”.

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“progreso”. Allí nos presenta un desierto conquistado, pero desierto aún.La naturaleza, el paisaje son elementos básicos en su descripción, y sepresentan como el continente de los que “no eran” y los que “ya no son”–por sobre todo indios y criollos pobres-. Mientras que en La rejión deltrigo y A través de las cabañas Zeballos se esfuerza por revelarnos undesierto ya transformado, ya aggiornado a los cambios que la inteligencianacional venía proponiendo. Se deleita en mostrar con detalles estaevolución, en detenerse en el montaje discursivo entre la pampa de suniñez, amenazada por las tribus indígenas y esa pampa ahora “prodiga”ejemplo de colonización y progreso (Fernández y Navarro, 2004).

De este modo Descripciones… representa la cosmovisión discursivade Zeballos en torno del modelo de estado y nación consolidado a partirde 1880 y centrado en esta oposición binaria de civilización y barbarieque por otra lado recorre buena parte de la literatura vernácula delmomento, y también la del relato de viaje típico del siglo XIX.

Las huellas que preceden al autor

Estanislao Zeballos nace en una coyuntura muy especial de laArgentina del siglo XIX: el proceso de constitución del Estado nacional,específicamente durante los primeros años del ensayo de laConfederación Argentina, que enfrentaba la secesión de la provincia deBuenos Aires. Si su nacimiento se correspondía temporalmente con elproceso abierto por las expectativas generadas por Urquiza en el marcode hacer viable su proyecto de gobierno; su primera juventud seencontraría condicionada por los avatares de la construcción del Estadoahora unificado.

En 1866 llega a Buenos Aires gracias al impulso dado por la elitesantafesina, que veía en el joven Zeballos la encarnación del proceso deconsenso entre facciones iniciado en la década del sesenta. Lasobligaciones de Zeballos no eran institucionalmente hablando unacuestión de estado, sino que pueden ser observadas desde un planosimbólico. El rol del que es investido Estanislao es el de ser un jovenrepresentante de la elite santafesina que busca congraciarse con elgobierno nacional. La formación de jóvenes dirigentes en el clima defrágil unidad que proporcionaban los primeros años de la organizaciónnacional era un objetivo central para superar la apenas reciente antinomia

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entre porteños y provincianos. La fortaleza de esta posición es tal que seevidencia con meridiana claridad en las propias palabras de Zeballos:“En este Colegio en 1866 se reunían un grupo de niños reclutados en la capitalprovisional y en todas las provincias de la República. La administración Mitre-Costa anhelaba la nacionalización de los ideales en aquellos tiempos deenardecidos localismos”24.

Pero la instancia del Colegio Nacional era sólo un peldaño en lacarrera que Estanislao pretendía. Si bien sus pasiones se inclinaban entorno de la exploración, la observación de la naturaleza, su historia ysus fenómenos, no pretendía postergar otros hitos como el periodismo,la literatura, y en especial una formación profesional que le abriera nosólo las puertas a un mejor pasar económico, sino en especial que fuerala llave para un intercambio relacional tanto en términos sociales comopolíticos.

Zeballos cubrió las expectativas puestas en él integrándoseactivamente a la vida pública. Sus múltiples tareas y funciones así lodemuestran; pero la balanza de gratitudes hacia los que habían hechoposible su recorrido no se inclinó directa e inmediatamente hacia suscomprovincianos. Fundamentalmente en el juego de compensacionesZeballos reservaría un lugar destacado para los sobresalientes hombresde ese Estado nacional que se estaba construyendo y que se sentíanprotagonistas de este proceso. Para ello Zeballos se concibe y se proyectacomo un hombre público que debe su esfuerzo a la nación, no a suprovincia natal. El excesivo apego provinciano no se vislumbra en susacciones. La obligación sentida por Zeballos era para con la república yla correspondencia que él experimenta tendría que ver con el ritmoentrecortado y peligroso del intercambio de ayudas y servicios. AsíZeballos, aún en estos años de juventud, se constituiría personal ypúblicamente a través de una fuerte y creciente participación dentro dela clase dominante.

Zeballos multiplica sus esfuerzos en la década de 1870. Su precozy vertiginosa vida pública se disocia en diferentes actividades entre lascuales la narración de experiencias y relatos de viaje ocupan buena partede su producción escrita. Como dijimos más arriba es también en esa

24 Zeballos, Estanislao, En la niñez y en la muerte. 1866-1909 en Revista de Derecho, Historia yLetras, Buenos Aires, Tomo 33, Buenos Aires, 1909, pp. 447- 448.

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década iniciada en los años setenta en donde Estanislao Zeballos conpoco más de veinte años inicia una carrera política y burocráticaascendente y multifacética, que resume buena parte de las aspiracioneshegemónicas del sector al cual representaba. Al volver de su viaje tras elejército de Roca funda en 1879, un nuevo espacio en donde vuelven aanudarse la vidriera pública con las estrategias y deseos privados: elInstituto Geográfico Argentino25, del cual será presidente durante losprimeros años. También comienza la escritura de los sucesivos tomosde Descripción amena… y se vuelca a una decidida y activa participacióndentro de la política oligárquica. En el levantamiento contra Avellanedaes secretario de Mitre, en 1879 es elegido diputado para la Legislatura deBuenos Aires26. A comienzos de 1880 en los levantamientos por lascandidaturas de Roca o Tejedor se incorpora a las fuerzas gubernamentalesde Entre Ríos, Santa Fe y Córdoba al mando del coronel Racedo. Enseptiembre de 1880, Zeballos es elegido diputado nacional (1880-1884)por el distrito federal en una lista del Partido Republicano. Se oponedecididamente a la política de Roca, por ello en 1882 trata de impugnarlos diplomas de diputados roquistas por haber sido electos mediante elfraude, lo que le implica no ser reelecto en el período siguiente, su lugaren la lista lo ocupa Ataliva Roca. Entre 1884-1888 es diputado nacionalpor Santa Fe, aspirando en 1885 a la candidatura a la gobernación de SantaFe sostenido por el Partido Constitucional, confrontando con lascandidaturas de José Gálvez (Club del Pueblo) apoyado por el roquismo,y la de Agustín de Iriondo. Entre 1888 y 1889 es reelecto como diputadonacional. Renuncia para ser ministro de Relaciones Exteriores (1889) deJuarez Celman; después de 1890 renuncia pero Pellegrini lo confirma enel cargo, para continuar con la problemática de límites con Chile.

Entre 1888 y 1894 permanece ausente del país, ya que es nombradocomo delegado argentino ante la Corte permanente de arbitraje de LaHaya; además en 1893 es designado como ministro plenipotenciario enWashigton por el problema de límites con Brasil, aunque en 1895 antelas duras críticas emitidas por su actuación, renuncia.

25 La institución ha continuado su quehacer hasta el presente siendo en la actualidad elInstituto Geográfico Militar, que por otra parte conserva un importante archivo sobreEstanislao Zeballos.

26 Es elegido por el Centro Popular, una tercera fuerza que concurre a los comicios con unalista de conciliación entre mitristas y autonomistas, y otra de autonomistas puros,encabezada por él mismo y por José C. Paz.

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Entre 1898 y 1904 no participa en política ya que se había convertidoen un opositor de Roca, criticando abiertamente abiertamente su políticaexterior, pero también el paternalismo presidencial llegando a presentarademás un programa de reconstrucción nacional, con las siguientes bases:moralización administrativa, reorganización de la vida política de lospartidos y resurrección y robustecimiento de las autonomías provinciales,y rechazando los pactos de mayo (1902) con Chile. En este tiempointensifica su actividad dentro de la Revista de Derecho, Historia y Letras,y en sus estudios de abogado de Buenos Aires, Rosario y Bahía Blanca.

En 1906 vuelve a la cartera de Relaciones Exteriores llamado porFigueroa Alcorta. Resistencias internas (los roquistas y los republicanosde Emilio Mitre y el diario La Nación) y externas: el canciller del Brasil-Rio Branco-, dada la vocación armamentista de Zeballos, lo llevan arenunciar en 1908.

Entre 1912-1916, con la Ley Saenz Peña es elegido nuevamentediputado nacional por Capital Federal como candidato del Partido de laUnión Nacional, presidiendo la Cámara de Diputados por ser unapersonalidad “neutral”. Todas estas actividades las va desarrollandoconjuntamente con la docencia en el Colegio Nacional, el Colegio Militar,el Liceo Naval y la Universidad de Buenos Aires (donde llega a ser decanode Filosofía y Letras, y de Derecho), y una multitud de cargos de gestiónque van desde minúsculas evaluaciones para el gobierno de Santiagodel Estero, hasta ocupar la Dirección de Correos y Telégrafos. Siempreinteresado por propiciar y actuar distintas entidades asociativas decarácter científico y profesional27, y por sobretodo en ser protagonistaen ellas, en el final de su vida (1919) funda la Rama Argentina de laInternational Law Association, que presidió desde entonces y hasta sufallecimiento en Europa (Liverpool, 1923), a donde se dirigía para presidirun congreso jurídico internacional luego de una gira académica por losEstados Unidos, invitado por el Institut of Politics de la Universidad deHarvard para participar en su ciclo “Conferencias de Williamstown”.

Como se observa Zeballos se constituye en una buena síntesis delhombre moderno de fines del siglo XIX y principios de XX argentino.Esta diversidad de actividades encuentra un eje ordenador que trasciendea todas ellas e incluso al actor, y este es el grupo al que pertenece. Si por

27 Internacionalmente fue miembro de la Real Academia Española, la Junta de Historia yNumismática Americana y del Institut du Droit International.

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un lado esta heterogeneidad es un denominador común en los miembrosde esta elite dirigente, por otro es necesaria para legitimar la pertenenciaa la misma.

Una dispersión similar a sus tareas aparece en la obra de Zeballos.Escribe artículos periodísticos, relatos de viaje, trabajos de carácteretnográficos y descriptivos, obras de derecho público y privado y textossobre los temas más diversos. La coherencia está dada nuevamente poresa elite dentro de la cual y para la cual escribe y que necesita darsedeterminadas pautas culturales e ideológicas. Su madurez intelectual ypolítica se desarrolla a la par del Estado que se estaba gestando;correspondiéndose su obra con la asceleración que el paso de la nuevanación imponía.

En la vorágine de los acontecimientos de la vida pública del cambiofinisecular decimonónico, Zeballos cuidó con especial esmero su perfilintelectual y científico. Para ello no sólo se vinculó activamente con loshombres del grupo dirigente participando en la arena política,disputando su espacio dentro del gobierno, procurándose su ámbito delegitimidad y gestión, sino buscando y obteniendo un reconocimientodentro de actividades propias de un hombre de letras y de ciencia.

Es que tal como afirma Halperín (2000: 56) los nuevos intelectualesbuscaban deslindarse de una identidad construida a partir de supertenencia a uno de los subsectores de la elite, reivindicando en cambioun lugar eminente como premio de su excelencia en tanto intelectuales;su formación ahora los autorizaba a elaborar ideas y conocimientos acercade la sociedad, a partir de un esfuerzo de análisis que proclama como suúnico objetivo la búsqueda de la verdad.

Sus textos fueron una piedra angular en este su proyecto de vida;pero no debemos descuidar tampoco su tarea como periodista yfundamentalmente la que resulta su empresa más emblemática y tambiénmás tardía: la Revista de Derecho, Historia y Letras28. Como referencia

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28 Fundada y dirigida por Zeballos se edita por primera vez en 1898 y se prolonga en 76extensos volúmenes hasta su muerte en 1923. En rigor la revista contiene ensayos de interésacadémico y público, redactados por el mismo Zeballos y varios de sus contemporáneosargentinos y extranjeros. En sus páginas se publicaron decenas de artículos, algunos deellos de trascendencia para la historia intelectual argentina. Merecen destacarse el famosoensayo crítico de José Ingenieros acerca del libro de Juan A. García “La Ciudad Indiana”, eltrabajo de Ramos Mejía “Las multitudes argentinas”.Un trabajo específico sobre esta publicación es el realizado por Gisela Galassi, Julieta Lópezy Gabriela Contreras (2004).

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cabe consignar que para Zeballos esta publicación se constituía como elescenario de los “espíritus selectos”29, aquellos capaces de interpretar yllevar adelante las metas trazadas por la organización de la nación; yestos no eran más que sus pares, formados y firmemente consolidadosen las lides públicas, como él en las últimas décadas del siglo XIX. Larevista cierra la parábola de Estanislao y sus huellas con el lema resaltadoal comienzo de cada uno de sus tomos: scribere est agere.

La rejión del trigo

De las tres obras que componen la Descripción Amena, La rejióndel trigo descolla por representar como ninguna el cotejo entre el antes ydespués de la aplicación proyecto de modernización. Las discrepanciasentre el territorio de Desmochados30 de la temprana juventud de Zeballos,lábil y permeable frontera del centro-sur santafesino, zona de contactoentre criollos e indios, y la consolidada “región del trigo” de los añosochenta del siglo XIX, poblada de inmigrantes, sembrada de trigo yrecorrida por el ferrocarril se convierte en el eje del discurso de Estanislao.

Tal inquietud se recorre a lo largo de todo el texto; texto de pocomás de 330 páginas, estructurado en base a tres líneas argumentales: laanécdota, el viaje y los informes oficiales. En el inicio Zeballos introducela anécdota de su niñez y su primera juventud, reafirmando el canonliterario que como afirma Nicolás Rosa (2001: 25) es modelo de viajeiniciático que siempre comienza en anécdota pero que no resigna en ellala real dramatización de la aventura humana. Así la breve anécdotaenreda al relato de viaje, narración que se precia en describir los cambiossuscitados en el paisaje de la pampa santafesina; la pampa transformadade su niñez, poblada de hombres extranjeros laboriosos, revestida de

29 “Consideramos un deber y un honor ofrecer estas páginas a todos los espíritus selectos quecontribuyen a la civilización argentina y americana con una brillante y severa devoción a las letras”(...) en sus páginas no hallaran hospitalidad las disertaciones frías sin ideales y sin forma” Revistade Derecho, Historia y Letras, Tomo I,Buenos Aires, 1898, p. 5.

30 Desmochados es el nombre que en el siglo XIX se le daba a la región al sur/sur-oeste de laciudad de Rosario. Esta área fue la privileðgiada como área de colonización por losproyectos de influyentes empresarios privados. Su cercanìa con el puerto fluvial de Rosario,hizo que tempranamente se la uniera con el ferrocarril y que se diagramaran sucesivasofertas colonizadoras en las tierras antes dedicadas a la ganadería, y que en la prácticarepresentaban un área de contacto con los grupos de pueblos originarios de la extensa“frontera” sur argentina.

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trigo, próspera y pródiga. Del viaje en carro de su infancia, al viaje entren, del galope inseguro por los caminos abiertos con indios asechando,al trote cancino por la estetizada campiña segura y feliz, donde lasevocaciones a la forntera están totalmente ausentes.

Superado el viaje, la dos terceras partes de su libro reproducen,como piezas de su gran rompecabezas, informes oficiales de diversaíndole, recorriendo desde la población, la agricultura, hasta laurbanización y el ferrocarril. Aquí se elude intencionalmente la narraciónde la experiencia viandante, adquiriendo relevancia la información oficialvinculada más a la propaganda de los órganos de gobierno encargadoscon fruición a recolectarla.

Sin embargo no debemos confundirnos, estas dos últimas partessólo adquieren relevancia en la medida de esta introducción que Zeballosmonta, donde la anécdota, pero también la reconstrucción del recuerdoson las poderosas imágenes sobre la que edifica su argumento dereificación del ingreso a la modernidad.

Persiguiendo el cánon humboldtiano inaugura su textodescribiendo su concepción geográfica de la nueva repúblicasudamericana, muy anclada por cierto a las divisiones configuradasdurante los tiempos del rosismo y la Confederación:

“La República Argentina estaba dividida en dos grandes agrupacionesgeográficas: el Interior y el Litoral; y entre el Interior y el Litoral mediaba laextensión inmensa de la Pampa” (p.13)

Pero también su relato redunda en torno de una nueva cartografíasensible que imponía desde fines de los años cuarenta la calificación dela Pampa como desierto, y por consiguiente como territorio valdío, esdecir sin presencia blanca y carente de “civilización”. Por ello larecurrencia justificatoria a los vívidos recuerdos del ayer, de su tempranajuventud, es donde esta imagen se exalta. Su memoria está imbuida deun presente en donde ese pasado sólo puede ser evocado negativamente.El recuerdo de Zeballos no es romántico, no existe una mirada bucólicay contenida de la pampa del ayer, sino por el contrario en el contraste serefuerza la persuación en torno de las bondades de la modernidad.

“En 1878, á los catorce años, volví á la Candelaria y no vagaron los ojos en aquelsolitario desierto que durante mis primeros años crucé cien veces, cuando lapoblación apenas asomaba tímidamente concentrándose en fortines, y losaraucanos recorrian los campos y no era posible alejarse á cien metros de latrinchera sin peligro de la vida!”(p.27)

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El abrazo al desierto

Nos ahoga el desierto! El desierto es la muerte, la barbarie, la soledad cuandomenos! p. 181.

Zeballos recorre en su texto la transitada imagen del relato de viajealrededor del desierto. Esta idea de ausencia sobre un territorio que noha sido ocupado vehementemente por el hombre blanco es un lugarcomún para las descripciones del siglo XIX. Su homologación con lamuerte, mejor aún con el ahogo de la muerte, e inmediatamente con labarbarie, una barbarie más cercana a la crueldad que a la incultura, lepermiten llevar al lector transitivamente a la fácil antítesis sarmientina.Sin embargo Zeballos propone una pista más sugestiva y aparentementemás ingenua, la soledad también es sinónimo para el desierto. ParaZeballos como para tantos descriptores del diecinueve la otredad es untema Hrecurrente. Sistemáticamente la constitución desde la descripcióny la calificación del “otro” permite mediante una operación lógica perotambién material autoreferenciarse desde un lugar de poder. En estecaso no sólo la del hombre blanco europeo que recorre tierras “ignotas”del planeta, sino como el representante de un proyecto, de un modeloque debe ser impuesto en el espacio social pampeano. La soledad essíntoma y reflejo a la vez de la condición de este proyecto en las décadasde la consolidación del Estado nacional. Como síntoma se va a verexplicitado en que ahuyentado el indígena, incorporado el extranjero,aún no se ha completado la construcción del nuevo ciudadano argentino,porque lo que Zeballos señala como criollos distan bastante aún de esteideal y se constituyen muchas veces sólo como el referente metonímicode la patria. Así para Zeballos, en palabras de Halperín, el desierto en susoledad espera la nación. En tanto reflejo es más visceral, ya que es elpropio narrador el que esta solo y describe sin punto de referencia paraidentificarse, lo que ve no es parte de su mundo real e ideal; bajo esa luz,está solo.

La barbarie también recorre el tiempo. Es la barbarie de su niñezen la pampa que rodea a Rosario:

“Al caer la tarde del 25 de setiembre de 1864 palpitaba una extraña agitación enlas estancias de los distritos limítrofes de los Desmochados y la Candelaria,sobre ambas márgenes del rio Carcarañá. Los chasquis volaban de unestablecimiento a otro y entre estos mismos y sus esparramados puestos.Los peones corrian en sus mejores caballos recojiendo las haciendas vacunas...Las pesadas tropas de carretas con sus innumerables boyadas, los árreas con sus

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tropillas de preciosas y adiestradas mulas, las caravanas de carros que corriansobre el haz de este desierto, sirviendo al intercambio del Litoral con toas lasregiones del interior, ... acampaban al pié mismo de las azoteas; y de todos ladosconverjian á refujiarse en ellas grupos de familias atribuladas y sollozantes..[...]Los indios habian burlado la vigilancia de la línea y acampaban en las orillas dela zona poblada de los Desmochados y de la Candelaria.[...]Qué solemne horror el de estos dias! Los campos talados, arrebatados los ganados,cautivas las familias, horrendamente inmolados los jóvenes mas apuestos yvigorosos del lugar! La comarca estaba envuelta en el silencio de los cementeriosy en los hogares y en la pampa se sentia el espanto de la muerte!” (pp. 25-26)

Y es la barbarie que secunda a las prósperas colonias cercanas aRosario.

“Hace diez años que esta comarca era constantemente perseguida y ensangrentadapor los indios. El peligro ha desaparecido ya y solamente quedan como resabiosentre el vulgo, los temores de nuevas irrupciones de los bárbaros.” (p. 147).

Barbarie que ya no es sólo desarticulada por el Estado, sino que escompelida a retirarse por la avanzada de los colonos.

“Durante mi visita á las colonias reinaba, en las más fronterizas, cierta alarma,producida por un invasión de montaraces. Dos jóvenes colonos se habianaventurado con sus rifles á perseguir á los bárbaros hasta las guaridas selváticas,y cuando se temblaba por ellos, regresaron victoriosos, introduciendotriunfalmente hasta la plaza del Pilar una carrada de cadáveres: eran siete indiosmuertos por ellos! “ (p. 147).

La persecución es cacería, es victoria y es triunfo; y en su crueldadtambién el fiel reflejo de un desierto habitado por futuros muertos. Allíla idea de vacío, de nada es compelida por el acto de desaparición delotro. El desierto no esta vacío, sino que está lleno de “otros” que sóloson en la medida de su exterminio.

En el relato de Zeballos también aparece otro ingrediente; esedesierto depositario de la barbarie no sólo es pampa, es, también en lasriberas del Paraná y orillas de los bosques chaqueños, selva. En tal sentidoEstanislao Zeballos retoma colateralmente en su descripción una de lasmanifestaciones principales de la otredad en el pensamiento europeo: ladistinción entre tierras tropicales y tierras templadas. Zeballos plantea,tal como afirma David Arnold (2000), un nuevo giro a la otredad, la decomprenderla en su dimensión conceptual y no sólo física; de este modollamarle “los trópicos” a una parte del planeta se convirtió con el paso de

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los siglos en una manera occidental de definir, con respecto a Europa algoculturalmente ajeno y ambientalmente distintivo. Las selvas existían sóloen yuxtaposición mental a la normalidad percibida en las tierras templadas.

“En otro lugar había sido sorprendido en los bosques un colono italiano por unatribu viajera. No tenía armas y los bárbaros lo asaltaban, enristrando sus lanzas,en son de mortal amenaza. Pero el colono llevaba un instrumento de cobre yempezó á tocar un vals. Los indios sorprendidos al principio se dividieron en dosbandos. Pedían los unos la muerte del cautivo, mientras otros y entre ellos todaslas mujeres, defendían su vida, abogaban por su libertad y escuchaban extasiadosla música improvisada” (p. 147-148).

También introduce en alguno de sus párrafos la seducción de labarbarie por la cultura. Secundario en el juego de oposiciones instaladapor Zeballos, el antagonismo entre barbarie y cultura se enfrenta con loscondicionamientos simbólicos típicos de la literatura de viajes del s. XIX.La cultura va de la mano del varón blanco, quien en el relato de Zeballospuede interpretar música y así defenderse de los indígenas. La barbariese fragmenta y adquiere visos de naturaleza comprensiva de la mano delas mujeres, capaces de dar cuenta del sentimiento y del cuidado; y dondefinalmente, en el juego de trasposiciones, tal naturaleza identificada conlas benefactoras figuras femeninas, será seducida y controlada por eserepresentante del mundo europeo.

Estos elementos señalados además actuarán como telón de fondodel objetivo último de Zeballos: la consolidación del modelo de desarrolloagroexportador. Así describirá a los colonos inmigrantes no sóloreferenciándose en el enfrentamiento con el indígena, sino además entanto héroes y paradigmas del proyecto político encarnado por el propioZeballos.

“El alimento de nuestro organismo es la población, y apenas nos ocupamossubsidiariamente del tópico, aguardando que nos devore la anemia!Reacción! Brazos! Brazos! Brazos! Esta debe ser la bandera que nos apasione, yaque hasta ahora solo nos fascinan las luchas electorales, porque se resuelven endistribución de empleos y comodidades!Todos los grandes problemas argentinos están subordinados al problema de lapoblación. Sin ella no hemos de ser ricos, sin ella no seremos libres, sin ella noavasallaremos la barbarie de los desiertos que forman las seis octavas partes de laNación.” (p. 181).

Lejos de ser metafórico el lema “gobernar es poblar” transita deforma explícita las páginas escritas por Zeballos. Como nunca, su visita

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a las colonias santafesinas le sirve de excusa para machacar sobre talesafirmaciones31.

“No obstante, la bondad del clima de los terrenos feraces y bosques exuberantes,esta rejión ha sido poblada con lentitud, por los peligros y desgracias que soliaocasionar la proximidad de los indios, dia á dia mas reducidos y alejados delteatro de aquella civilización progresista” (p. 145)

Al solemne horror de los días pasados, en claroscuro Zeballoscontrasta el auge de la civilización, ya que no sólo se había alejado elfantasma de los malones de forma definitiva, sino casi como un efectomágico las comarcas santafesinas habían mutado en un muy breve lapsoen el paradigma del proyecto colonizador.

“En Santa Fé se apoya la zona principal colonizada, que caracteriza propiamentela Rejión del Trigo. En el departamento de la capital florecen, efectivamente, lasprincipales colonias de la República...” (p. 145)

Volviendo al problema del indio retomado consecuentemente porZeballos a lo largo de su obra, es de resaltar que existe en la descripcióntrazada por este autor un abuso de procedimiento manifestado en laausencia en torno de la consideración nostálgica por el paisaje abierto,la vida sin frontera, y aún la épica del combate con el indio. DuramenteZeballos de nuevo abunda sobre los cánones clásicos de civilización vs.barbarie en la imposibilidad de su texto y de sus ideas de combinar lasarticulaciones de otros discursos.

“Pocos años hace que los campos del Salado eran temidos y permanecían solitarios.Hoy la estancia los domina por completo, su valor ha crecido un trescientos porciento y la colonia de estrangeros se lanza á ellos, adivinadora audaz del porvenir”(p. 149).“Sobre estas llanuras cubiertas de pasto fuerte, con pequeños bosques á la margendel Paraná, á veces arenosas, escasamente recorridas por aguas superficiales,con lagunas dulces, que se secan enjugadas por terrenos ávidos... han levantadolos colonizadores el gran monumento de la Civilización Agrícola Argentina. “(p. 150)

El antagonismo se arrastra también hacia la figura del inmigrante.En su llegada es pobre, ignorante, corto, está sólo y desvalido, suminoridad trasciende la decisión del viaje, la ruptura con su comunidady sus tradiciones. El exclusivo contacto con la pampa transformada lo

31 Para ampliar este tópico ver el texto “Zeballos, la parábola de la narración. Un estudio de‘La rejión del trigo’ como libro de viaje” de Sandra Fernández y Fernando Navarro (2002).

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convierte en una figura ejemplar, ahora es otro. Es que el modelo nosólo transfigura el paisaje, no sólo expulsa al indio, no sólo solapa almundo rural de la Confederación y el rosismo, muda al sujeto socialprivilegiado en el esquema oficial de desarrollo:

“...Mirad al colono en el muelle, pobre, desvalido, conducido hasta allí despuésde haber sido desembarcado á espensas del Gobierno, sin relaciones, sin capital,sin rumbos ciertos, ignorante de la geografía argentina y de la lengua castellana,lleno de zozobras...Venid ahora conmigo á ver á este mismo inmigrante en el primer grado de sutransformación social. Hélo aquí! Sale á recibirme en su hogar, porque tiene yaun hogar. Su espontaneidad y la expresión de alegría sincera de su semblantetostado y percudido, dicen con verdad el bienestar de su alma. ¡Cuán hermoso esel contraste! Oídlo!...El hombre es robusto, hábil y moral. No tiene vicios, ni veleidades” (p.34)

La representación del mundo que Zeballos proyecta está en directaconcordancia con el lugar que el hombre ocupa en el mismo. Para ellonada mejor que partir de una diferenciación o más aún, unacontraposición como la que narra. La segunda imagen provista para elcolono esta directamente relacionada con el concepto de progreso, yratifica el desarrollo de la cosmovisión de Zeballos. Este paisajedisciplinado y domesticado del mundo colonial, donde los hombresnuevos que lo habitan se convierten en simbólicos estandartes de lapropaganda de Estanislao, y justamente al convertirse en elementosemblemáticos, son epicentros y disparadores a su vez de un conjunto derepresentaciones tendientes a la construcción de lo real. Tal como afirmaBalandier (1992) la producción de estas imágenes, su manipulación yreordenamiento no hacen más que conducirnos a la presentación de susociedad y legitimación.

“Es aquí donde el viajero puede recorrer sorprendido cuarenta leguas de tierrade Norte á Sur y cincuenta de Este a Oeste, por entre calles de plantaciones decereales festoneadas de zanjas, álamos y sauces, deteniéndose á cada paso en lasconfortables moradas de los colonos, que se suceden cada quinientos metros ydistraido por los grandes establecimientos industriales, dónde se prepara ócomplementa la elaboración del suelo. […]“He aquí la rejión … que he recorrido dos veces con embeleso y con patrióticoenternecimiento: en el invierno, cuando los rastrojos presentaban el aspectosombrío de un país quemado que revive, en el Verano, cuando relampagueabanlos trigos sazonados, como espigas de oro. “ (p. 150).

Para Zeballos además este contexto El marco oportuno yconveniente se encontraba protegido en los ejes centrales del proyecto

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del Estado argentino, desde la letra de la Constitución Nacional y desdela práctica política y social implementada por sus hombres públicos.

“No existe país sobre la tierra dónde los estrangeros gocen de mayor amparo deestímulos mas positivos y de privilegios mas atrayentes y completos que en laRepública Argentina.Conservan desde luego su nacionalidad y su religión, al amparo de unaconstitución adelantadísima, que ofrece sus derechos y garantías á todos loshombres del mundo que quieran habitar el suelo argentino.” (p. 182).“La igualdad ante la ley es un hecho para todos los habitantes, no solamente enla distribución del impuesto, sinó en el uso y el goce de todos los derechos civiles.Así, los estrangeros son admitidos en los empleos públicos, sin mas condicionque la de idoneidad para desempeñarlos; y el pueblo argentino es en este sentidotan liberal y generoso que el Congreso, interpretando sus aspiraciones confidelidad, rechazaba en 1882 un proyecto de ley que tendia á excluir á losestrageros de los empleos políticos y administrativos. “ (p. 182-183).

La nación y la república amparan el arraigo del extranjero puesbien como dice Zeballos éste es tanto más sólido, cuanto mayor es elbienestar moral y respeto que se le brinda al inmigrante, pero talescualidades sólo pueden ser aprehendidas en tanto y en cuanto se leagregue la abundancia y la facilidad de bienes materiales. El inmigrantessólo podrá aspirar a ser ciudadano si es próspero; sino seguirá siendosólo un inmigrante más. La dicotomía no se presenta en ser argentino oextranjero, criollo o inmigrante sino en la coyuntura de una identidadbasada en la propiedad y la acumulación económica.

“Ver en la tierra de su hospedage el tránsito libre y honrado de la bandera quecubrió su cuna, es reunir todas las satisfacciones morales, hermanadas la dichadel hogar con las alegrías cívicas, por la conjunción en el lugar de su residenciadel culto de la familia y de la propiedad con el amor de la Pátria.¿Y cómo lograrlo? Aclimatando, por decir así, el emblema, los próceres, las ideasy las obras del estragero en nuestro suelo. “ (p. 184-185).

Zeballos asume esa sociedad colonial del sureste santafesino comoun fenómeno posible de explicar la realidad de la identidad que sepretendía trazar desde el modelo de nación que lo involucra directamente,parcializándola al referir sus condiciones de producción a unadeterminación absoluta; sólo es posible hacer visible a esos individuosque se apropian de un “mundo” en “conversación” con los otros sólo entanto pares, en un contexto modélico. Los colonos se “apropian” deluniverso de la frontera, su acción la desconfigura, la corre, la civiliza.

“Los hijos de suizos, alemanes, franceses ó italianos que predominan en la coloniay generalmente de madres argentinas, hablan las lenguas de sus padres y el

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castellano; y como tipos fisonómicos ostentan los rasgos vigorosos de los bretones,con todas sus virtudes para la tarea agrícola y para la vida social. “ (p. 158-159).

El carácter de la relación individuo-sociedad propuesta porZeballos no presupone una paridad relacional. En su relato la identidadse reafirma en relación con otras identidades, resaltando su distintividad,y necesitando como condición crear desde fuera una conciencia decomunidad o por lo pronto algún grado de ella.

Esa acción para Zeballos no es más que la concreción de unaconducta apropiada que lleva implícita una serie de elementos que nohacen más que delinear el perfil deseado para los pobladores de lapampa. Zeballos no solamente modifica la percepción de la cotidianeidadde la campaña sino que también en aras de esta reconstrucción, deja delado aspectos de dicho acontecer que tiñeron buena parte de la vidadecimonónica32.

Este bagaje simbólico mediatizado por un tono moralizante dibujala senda por la cual transita la modelización de las conductas individualesy colectivas, las mismas, atravesadas por la justificación científica y laracionalidad económica actúan como catalizadores de adhesiones alsistema de valores, a través del cual la interiorización de aquellos conducedirectamente a una acción común (Baczko, 1991).

En esta reelaboración del mundo de Eulojia Llanos, Zeballos exaltael ideal del expansionismo como empresa, en el estricto sentido de estetérmino. El progreso se evidencia en la transformación productiva y enla racionalidad económica como referente de legitimación.

“...Los talleres mecánicos, los molinos, la viabilidad escelente, lasmáquinas agrícolas, los buques que ensayan la navegación del Carcarañáhenchidos del fruto de sus comarcas, todo esto encanta al argentino, le infundefé en los soñados destinos de la Pátria, le revela la nueva faz de nuestra sociabilidadcon un movimiento vertiginoso que subyuga unas veces y aturde las otras...”(p. 36)

En esta lógica el rol del inmigrante es el marcado por lalaboriosidad, como referente de conducta apropiada: “Estos espectáculos

32 La mayor parte de los escritos de época dan cuenta de un estilo de vida peculiar, de unespacio y un tiempo signados por luchas independentistas conflictos civiles, disponibilidadde hombres para la pelea, ámbitos de sociabilidad relacionados con el juego y el alcohol,que perfilan y se constituyen en elementos inherentes de una cotidianeidad marcada porla presencia de una violencia vivida como natural. (Diodati-Liñán, 1993)

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edificantes son comunes en la colonia Candelaria, cuyo sistema exige al colonomas que aptitudes y voluntad...” (p. 35); y contrariamente a las anterioresestrategias discursivas del autor aparece el desempeño de los viejosresidentes del lugar. En la voz de Eulojia se traza el recorrido de los quehabían sabido esperar algo de las consecuencias mediatas de launificación nacional.

Sin embargo estas narraciones marcan un nuevo punto de inflexiónalrededor del discurso y modelo hegemónico.

“Así la colonia Candelaria es una lección para los que se ocupan en Sur Américade la colonización. Es la obra esclusiva del capital particular, que no recibiójamás subsidios oficiales, transformando una estancia de diez leguas solitaria yensangrentada ayer, en una campiña europea, cuyo espectáculo edifica de talsuerte las vecindades que todo el Depantamento del Rosario se llena de labradoresformados por su ejemplo y que tienen mas de veinte leguas cuadradas bajo aradoy segadora...” (pp. 35-36)

En todo el relato de Zeballos es posible encontrar en forma explícitala sofisticación alcanzada por la ideología del colonialismo del siglo XIXen un discurso plagado de moralizaciones y ejemplos. Zeballos nuncahabilita la posibilidad en este escrito de enfrentar, aún sutil oingenuamente, el concepto mismo de civilización con el que, en últimainstancia, se justifican y habilitan estos proyectos. La reproduccióndiscursiva de Zeballos es llana, por momentos hasta cándida pero efectivaa la hora de imponer la “oficialidad” de un discurso elaborado desde untexto que pretende introducir el relato de un viaje.

Finalmente los atributos señalados por Zeballos se tornabanvigorosos y plenos en el escenario de la pampa regenerada. El paisaje entanto naturaleza adquiría en términos humboldtianos su condición deprotagonista, ya que no se puede separar de su contexto histórico y subúsqueda de difuminación con el todo.

La fibra cívica, exaltada con los resplandecientes progresos, precipitaba laspalpitaciones del corazon y la civilización agrícola, abriéndome su seno, me llenabade patriótico orgullo. Parecíame que el grandioso espectáculo de la Pamparegenerada por el brazo del hombre, vestia su esplendor de gala para incitarme átomar la pluma y saludar la transformación de la República; y palpitaban en mimemoria, como una vaga y misteriosa melodía que se oye en sueños, las palabrasdel himno: Al Gran Pueblo Argentino, Salud! “ (p. 167).

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La frontera del tiempo descripta amenamente

En toda la obra de Zeballos la idea general de desarrollo y progresocontenida en la incorporación de la Argentina a la división internacionaldel trabajo era clara y decisiva, es en La rejión del trigo donde emerge conpoderosa fuerza la carga comparativa de las transformacionesevidenciadas sensiblemente por el autor. En tal sentido Zeballos introduceel tratamiento de la sociedad tradicional de las primeras décadasindependientes como una parábola, en donde la anécdota, la descripcióndiacrónica del paisaje y la experimentación del cambio político, y por endela transformación social se confunden en una articulación contenidasingularmente en la imagen de una mujer, Eulojia Llanos.

“Era de su número Doña Eulojia Llanos, de una familia de estancieros del distritode los Desmochados, comarca frecuentemente invadida por los araucanos, teatrode conmovedoras desgracias y de sangrientos episodios” (p. 14)

De este modo Zeballos asocia simbólicamente a la sociedad anteriora Pavón y a la naturaleza “casi bárbara”, aún no devenida en paisaje conla figura femenina de una ilustre matrona del interior, en un juego endonde sus contornos expresan no sólo la idea de un paisaje virreynal ypostindependiente, sino la cruda oposición entre razón y sentimiento.

“Sufragio Popular y Gobierno Libre eran para Doña Eulojia términos delSanscrito, frases de una lengua, cuya existencia misma ignoraba” (p. 16)

Recordemos que la asociación de lo femenino con la naturaleza es untópico sumamente transitado en los análisis de estos últimos años, aún enlos estudios sobre viajeros, pero singular para el tratamiento de los textosde Zeballos. En tal sentido Eulojia, alma sensible, perspicaz administradoradel hogar familiar, es incapaz de comprender el ideario de la Ilustracióntamizado por la revolución de la independencia y los años de guerra civil.

“El gobierno era para ella un hombre...” (p.16)“Ella ignoraba el origen y el fin de la Autoridad, y solamente había reconocido,después de los Virreyes, tres Señores, tres Potestades, tres Gobiernos: DonEstanislao López, en los tiempos heróicos de Santa Fé, Don Juan Manuel deRosas bajo la Tiranía, y el general Don Justo José de Urquiza en la Éra de laLibertad” (p.17)

Los ecos de la representación ciudadana, la división de poderespautadas por la Constitución de 1853, no recorren, en los ojos de laEulojia, descripta por Zeballos, el análisis de un mundo que setransforma. Pero más aún Zeballos otorga a la figura de Eulojia la

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33 El propio Zeballos describe en su libro su paso por la casa de Eulojia Llanos (p.22).

representación de una sociedad de antiguo régimen condicionando lacomparación con la modernidad sobre cuatro líneas claramentedelineadas: régimen de gobierno, modelo económico, relaciones socialesy transfiguración del espacio.

“Aquella época [la de la juventud de Eulojia] define en Santa Fé la luchaencarnizada entre el espíritu primitivo y las nuevas ideas, entre los hábitoscoloniales, modificados por el sentimiento de la Pátria y por las influencias socialesy políticas de los caudillos, y los altos designios del Progreso...” (p. 19)“Esta victoria debía transformar á Santa Fé en tierra nueva, arada por las fuerzasde una reacción europea, no completa todavía, pero siempre en progreso: ypresajiaba el predominio en la población, en las industrias y en la sociabilidad,de los elementos inmigrados, que hallaban en la tierra de la Buena Esperanza supaís de promisión” (p.19)“Las consecuencias se hicieron sentir con los caracteres odiosos de una calamidad.Es peculiar de los hombres primitivos y de las sociedades embrionarias huir de laluz que redime como de la llama que quema, y Doña Eulojia fue de las primerasque maldijo la victoria de los gringos y de los agentes del progreso que la habíanasegurado, y que para ella eran como el granizo para los sembrados” (p.20)“La imaginación adormecida de aquella mujer, que había nacido en la Pampa ycriádose á la sombra de los sonrientes sauces del rio Paraná, despertaba iluminadapor la fosforescencia del dolor, y recorria el campo mutilado [por el trazado delferrorarril] de los Desmochados, el camino solitario del Norte, la huerta sinquinoa, el horno sin pan y la Pátria de los Lopez cruzada por los porteñosvencedores” (p. 21)

Estos párrafos se muestran como una secuencia histórica delegitimación de Estanislao y su mundo normalizado por la modernidad.En la confrontación se encuentran el mundo de Eulojia, a la vez su mundode la niñez33, y su nuevo mundo levantado con el afán de los cambiosprogresivos que finalmente transformarán a las gentes y los espacios alcompás de la innovación.

Sin embargo el asunto nos mueve a preguntarnos sobre quecimientos Zeballos construye esta simple pero eficiente red designificaciones, canalizadas en dos ejes: el recuerdo y la nostalgia.

El recuerdo del viaje, inscripto en el relato es, el viaje como recuerdoo más bien el recuerdo como viaje. Viaje que es inicio (como comienzo)y retorno, implica que el tiempo es memoria del espacio y posibilidadde otro tiempo que se avisora. Es en este desarrollo de la temporalizaciónque la contigencia del pasado se borra, se anula, aunque no se olvida,por la promesa de lo nuevo que está por estallar.

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Renato Rosaldo (1991:71-87) introduce el noción de nostalgiaimperialista para caracterizar la peculiar paradoja de desear o recuperardesde la descripción aquello a lo que se ha alterado o destruidointencionalmente, en muchos casos empleando la fórmula del “anheloinocente”, tanto para capturar la imaginación de la gente como paraesconder su complicidad con la dominación a menudo brutal.

De este modo es posible pensar las imágenes textuales de Zeballosreduciéndolas al anhelo inocente planteado por Rosaldo a simplementeanhelo, donde sólo la regeneración de lo que se ha alterado se utiliza encódigo de búsqueda de legitimación personal y colectiva. En tal sentidola mirada sobre lo que se perdió es solapadamente nostálgica, contenidaen el progreso oportuno marcado por la transfiguración de un mundorural regional suscitadas al calor de los cambios sostenidos por el ingresoal capitalismo.

“– Bendito sea Dios, hijito! ¡Qué te habia é conocer! ¡Estás hecho un porteño!Y ¿cómo no te habiais de hacer gente entre esos hombres tan buenos?...Mi sorpresa era completa. Habia en la casa de Doña Eulojia una transformaciónradical y era precisamente en su espíritu.La Unificación Nacional por la incorporación de Buenos Aires, que Doña Eulojiahabia anatematizado en 1862 con acento sacerdotal, era ahora para ella la causaeficiente de los grandes adelantos de la Pátria, que habian proporcionado á sufamilia el bienestar y la abundancia...” (p. 39)

Es que la Eulojia de Zeballos supera tal como afirma Williams (2001:63) lo que parece ser un orden antiguo, una sociedad “tradicional”, quecontinúa apareciendo, como una idea, hasta cierto punto basada en laexperiencia, en comparación con la cual puede medirse el cambiocontemporáneo. Sin embargo, el uso de la referencia retrospectiva tienesu propia lógica; ya que el cambio es tan extendido y prolongado queresulta muy sencillo percibir una transformación fundamental de la vidarural pampeana, pero donde a su vez en muy difícil definir el punto deinflexión donde este cambio se plasma.

“Ella me esplicó los sucesos de los últimos tiempos que habían sido parte ámodificar sus vistas. La casa estaba alquilada á comerciantes de Buenos Aires.El campo de los Desmochados habia sido vendido por una suma fabulosa, conrelacion á los precios de 1864, y el comprador era un rico hacendado de OtraProvincia34. Además sus nietos eran vecinos acaudalados y negociantes en laColonia Candelaria.” (p. 39)

34 “Así llaman los paisanos de Santa-Fé á Buenos Aires” (p.36)

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Siguiendo este argumento la estrategia de Zeballos para desmontareste “ayer” consagrado a el mundo tradicional es la resignificación deEulojia, con la traslación de su significado hacia la “Patria” y la “Nación”.

“Hé dicho que la Pátria Vieja, como ella la llamaba, se le aparecía bajo la formade un caudillo victorioso y espléndido, López ó Urquiza. La Pátria Nueva, BuenosAires incorporada á sus hermanas é imponiéndoles su influencia despues de labatalla de Pavon, era también un hombre para ella. Era aquel Capitan que, alfrente de las huestes vencedoras en la estancia de Palacios, habia desfilado porlas calles del Rosario, las banderas desplegadas y al aire los himnos militares.”(p. 40)

Concientemente Zeballos se identifica con la clásica idea decivilización transmitida en los relatos de viajeros de la primera mitadsiglo XIX, relatos e idea que como enuncia Prieto (1996:11-23) contribuyena elaborar un perfil en la literatura de argentina inmediatamenteposterior35, haciendo hincapié en sus enunciados de la insistencia deesta idea.

Además la naturaleza escasamente literaria de sus obras, permiteque el acento sobre su trabajo sea colocado en el carácter ejemplar,didáctico, científico y propagandístico. Dicho de otro modo, lo que seevidencia en Zeballos es la escasa ingenuidad, en la casi torpezadeclarativa puesta en tensión en sus relatos, alrededor del “benéfico”impacto de la modernización.

“El retrato de Mitre estaba en aquel hogar antiguo, como las bayonetas porteñasen los cuarteles del Rosario: por el derecho irresistible de la Victoria” (p.17)“Al retirarse fijó los ojos en la pared al lado del nicho de la virgen, y su fisonomía,plácida y triste, se iluminó de improviso con resplandores de ira y de venganza,y precipitándose sobre el retrato del general Mitre, lo arrancó de la pared, corrióal patio y lo arrojó al pozo, gritando con rabia epiléptica: -Este es!”36 (p. 22)

La recuperación del retrato de Mitre, personificación del progresooportuno, es el reflejo discursivo de la máxima ejemplar de Zeballos:ahora existe una identidad civilizada, que a través de la razón y tambiénde las “mejoras” en las condiciones materiales de vida, se procrean y se

35 Recordemos que en su obra Prieto (1996) trabaja específicamente sobre Echeverría, Mármol,Alberdi y Sarmiento.

36 “El episodio que narro es rigurosamente exacto. Mi familia habia salido del Rosario á pasar unatemporada de campo y yo vivia en casa de Doña Eulojia Llanos para no perder el colejio. Entoncestuvo lugar esta escena de que fuí testigo. Mitre habia inaugurado personalmente los trabajos delferro-carril Central y esto era para mi noble y vieja amiga el mayor pecado del general” (p. 22).

El desierto y sus confines. Contexto y narrativa... / Sandra Fernández

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extienden en la antes refractaria sociedad del interior. Es que siguiendoa Ricoeur la identidad de una persona, de una comunidad, está hechade estas identificaciones con valores, normas, ideales, modelos, héroes,en los que la persona y la comunidad se reconoce; de este modo elreconocerse dentro de contribuye al reconocerse en (Ricoeur, 1993:116).

La frontera política también se ha alargado, los resabios urquisistas,los ecos federales, la memoria de las guerras civiles se diluyen en esemomento delineando nuevos bordes, nuevos límites y nuevos intersticiosde representación

La región del trigo: un discurso confinado

“…quién no dijera que ese es el mérito y el objeto de un viaje, en el queel viajero es forzosamente el protagonista, por aquella solidaridad delnarrador y la narración, de la visión y de los objetos, de la materia deexámenes y la percepción…” Sarmiento, Viajes

Zeballos es un tipo particular de observador, que impone unacomparativa distancia con la región del trigo que nos describe en sutexto de viajes. Su vuelta al pasado (su pasado en el paisaje santafesino)no abunda melancólicamente en lo que se ha perdido con el “progreso”sino que es el espejo donde mirar los sucesos contemporáneos; y sumirada presente es legítima en la medida en que se constituye enparadigmática para la Argentina Moderna.

Su poderoso montaje textual es sencillo. En él no aparece laanotación científica, ni la efusión estética, ni la preocupación humanística.Su relato de confidencias y peripecias personales son simplementeexcusas frágiles para introducir su pragmática línea de tratamiento. Esen el acto de exteriorización del relato donde Zeballos se reconoce, serecuerda , se reflexiona y se proyecta.

Deliberadamente Zeballos se identifica con la clásica idea decivilización transmitida en los relatos de viajeros de la primera mitadsiglo XIX, relatos e idea que como enuncia Prieto contribuyen a elaborarun perfil en la literatura de argentina inmediatamente posterior. “Scribereest agere”, reza en cada uno de sus escritos posteriores, a manera de“anexos” a sus relatos de viajes, escribe compulsivamente para mostrar,para convencer, para concretar en escritos aquello que en la realidad seresistía a materializarse.

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Toda la fuerza retórica desplegada por Zeballos se funda en lafigura de la antítesis. La expresiva dialéctica de lo mismo y lo diferente,del desierto y la civilización, del indígena y el blanco, del criollo y elextranjero, están alertando de que urge una intervención para no perderel tren en el despliegue del progreso; en esa clave el gran relato de viajesde Zeballos es el gran relato de la administración discursiva de lo otro,del Otro.

Por eso la frontera en Zeballos no está presentada desdeexclusivamente la territorialidad del espacio, sino en una serie deelementos que también componen una aplicación más variada y rica delconcepto. Metafóricamente la frontera funciona como una aspiracióndel modelo del que Estanislao formaba parte, en tanto borde que debíacorrerse de la mano del propio Estado pero también de los sujetos queencarnaban los ideales de ese mismo Estado; por un lado los hombrespolíticos y por otro también los ejecutores de base del programa losinmigrantes. En idéntico sentido la frontera además es un confíndiscursivo contra un pasado que tendía a sobrevivir demasiado más alláde Caseros, representado en las formas de vida, las relaciones de podery sociales de la campaña santafesina de las décadas post-revolucionarias.

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El desierto y sus confines. Contexto y narrativa... / Sandra Fernández

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El desierto y sus confines. Contexto y narrativa... / Sandra Fernández

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Los mecanismos de asistencia oficialen el último ciclo de las migraciones gallegas

hacia la Argentina*

Nadia Andrea De Cristóforis**

Introducción

Los estudios migratorios se presentan como un campoparticularmente fértil para profundizar las reflexiones en torno a losproblemas de la comparación y de la elección de la escala de análisis. Enlos últimos años, la historiografía sobre el tema ha demostrado la riquezade las miradas comparativas, en sus diferentes variantes o modelos. Deeste modo, se han desarrollado una gran diversidad de perspectivas:desde aquellas más lineales (el seguimiento de un grupo migratorio,contrastando su situación en la sociedad de partida con la lograda en elámbito de destino), hasta aquellas de tipo convergente (la indagación

* Este trabajo forma parte de los siguientes proyectos de investigación: UBACyT S830 (UBA);PICT 2006 Nº 1641 (Agencia Nacional de Promoción Científica y Tecnológica) y PIP 114-200801-00216 (CONICET). Una versión preliminar del mismo fue aceptada para supublicación en la Revista População e Família, del Centro de Estudos de DemografiaHistórica da América Latina (CEDHAL), de la Universidade de São Paulo. Quisieraexpresar mi agradecimiento a Alicia Bernasconi, Xosé Manoel Núñez Seixas y Pilar CagiaoVila, por sus valiosas orientaciones en relación con la búsqueda documental y bibliográficaligada a este estudio.

** Doctora en Historia por la Universidad de Buenos Aires. Investigadora del ConsejoNacional de Investigaciones Científicas y Técnicas de la Argentina y de la Universidad deBuenos Aires, donde también ejerce la docencia. Miembro del Comité de redacción deEstudios Migratorios Latinoamericanos y del Consejo consultivo de la Revista do Corpo Discentedo Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS. Editora, junto con Alejandro Fernández,del libro Las migraciones españolas a la Argentina. Variaciones regionales (siglos XIX y XX),Buenos Aires, Biblos, 2008. Autora de Proa al Plata: las migraciones de gallegos y asturianos aBuenos Aires (fines del siglo XVIII y comienzos del XIX), Madrid, CSIC, e/p. Publicó ademásdiversos trabajos sobre la inmigración española en la Argentina, en medios académicosnacionales y extranjeros. [email protected]

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de distintos colectivos migratorios, en el marco de un mismo espacio dellegada) o divergente (el examen de una misma corriente migratoria,pero en diferentes áreas receptoras).1 El empleo de estos dos últimosenfoques se ha revelado como muy valioso, al favorecer la identificaciónde los aspectos específicos y generales de determinados flujos depoblación, alentando los ejercicios explicativos tendientes a clarificarlas similitudes y diferencias existentes entre los mismos.

En cuanto al problema de la escala de la comparación, ya en sucélebre artículo de 1928 Marc Bloch introducía la noción de “mediosocial”, aludiendo a la posibilidad o conveniencia de utilizar un marcomás flexible y dinámico que el determinado por los Estados nacionales,capaz de superar las limitaciones impuestas por estos últimos.2 Comotantos otros campos historiográficos, el de las migraciones ha ofrecidointeresantes oportunidades para repensar la cuestión de la escala, yasea en el sentido de la clásica dicotomía macro-micro, o en la diversidadde recortes (continental, nacional, regional, provincial, municipal,parroquial, entre muchos otros) desde los cuales pueden ser concebidoslos procesos migratorios.3 De este modo, se ha logrado avanzar en elanálisis crítico de las vías por las cuales se constituyen dichos recortes:por un lado, por la imposición burocrático-administrativa, quecondiciona la producción de la documentación histórica; y por otro lado,por el reconocimiento de zonas de coherencia cultural, política yeconómica, a partir del tratamiento cuanti y cualitativo de la informaciónque brindan las fuentes. Si bien esta última estrategia es más compleja ylaboriosa, resulta más atractiva que la primera, en la medida en quecontribuye a generar una visión más genuina y completa de losfenómenos indagados.

A lo largo de este trabajo examinaremos un fenómeno históricoque nos permitirá volver a plantear los problemas que acabamos de

1 Nancy L. Green, “L´histoire comparative et le champ des études migratoires”, en AnnalesESC, Nº 6, 1990, pp. 1341-1344; Idem, “The Comparative Method and PoststructuralStructuralism – New Perspectives for Migration Studies”, en Journal of American EthnicHistory, Vol. 13, N° 4, 1994, pp. 13-16.

2 Marc Bloch, “Pour une histoire comparée des sociétés européennes”, en Mélanges Historiques,París, S.E.V.P.E.N., 1963, pp. 17-18.

3 V. al respecto las recientes observaciones de Fernando Devoto, en el prefacio a la obraeditada por Nadia De Cristóforis y Alejandro Fernández, Las migraciones españolas a laArgentina. Variaciones regionales (siglos XIX y XX), (“Colección La Argentina Plural”), BuenosAires, Ed. Biblos, 2008, pp. 9-11.

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mencionar (el de la escala y el de la comparación), desde nuevascoordenadas espacio-temporales. Trataremos de comprender cómooperaron los mecanismos de asistencia oficial, en el último ciclo de lainmigración gallega en la Argentina. Para ello, analizaremos elfuncionamiento del Instituto Español de Emigración, que tuvo a su cargola implementación de las políticas gubernamentales en materia demigración. También examinaremos el papel desempeñado por laComisión Católica Española de Migración, que colaboró con el citadoorganismo, en los procesos de reagrupación familiar continental yultramarina. El propósito será indagar hasta qué punto la acción oficialy su entramado institucional incidieron sobre la conformación ycaracterísticas socio-demográficas de los flujos del noroeste hispánicoque se dirigieron a la Argentina.

Sabido es que luego del fin de la Segunda Guerra Mundial, lascorrientes españolas hacia el exterior se revitalizaron progresivamente,manteniendo como destinos predominantes los países hispanoamericanos(hasta 1960) y posteriormente, los europeos (desde 1961). Entre 1946 y1958 las principales regiones que contribuyeron a alimentar estos flujosfueron Galicia y Canarias. La primera aportó un 46% a las corrientes condirección a Hispanoamérica, mientras que la segunda, un 12%.4 Además,en el mencionado período Galicia presentó la tasa emigratoria más elevada(76, por cada diez mil habitantes censados en 1950), en comparación conel resto de las regiones peninsulares.5

El último ciclo de inmigración gallega en la Argentina tuvo lugaren este contexto de recuperación de la emigración española haciaAmérica, entre 1946 y los primeros años de la década de 1960.Lamentablemente, aún no se ha podido cuantificar con exactitud elnúmero de gallegos que arribaron a la Argentina en esta etapa, debidoa algunos problemas que presentan las fuentes disponibles (porejemplo, la no especificación de la procedencia regional, en el caso delas Estadísticas del Movimiento Migratorio de la Dirección Nacional deMigraciones), o a la falta de una sistematización completa de lainformación contenida en otra valiosa documentación (los libros de

4 Salvador Palazón Ferrando, Capital humano español y desarrollo económico latinoamericano.Evolución, causas y características del flujo migratorio (1882-1990), Valencia, Institut de Cultura“Juan Gil-Albert”, 1995, p. 294.

5 Op. cit.

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desembarco). Por indicios indirectos,6 presumimos que los gallegosfueron el principal grupo peninsular, desde un punto de vista regional,como lo habían sido desde los inicios del largo ciclo inmigratorio europeohacia la América austral, a partir de 1830. Además, suponemos que elritmo de sus llegadas se habría incrementado hasta comienzos de ladécada de 1950 (siguiendo la pauta de los españoles en general), paradecaer posteriormente de manera paulatina (ver el Gráfico 1). Decualquier modo, lo que se ha logrado comprobar es que la Argentinaperdió atractivo como destino migratorio gallego a partir del inicio delos años sesenta, momento en que la mayor parte de las corrientesoriginadas en el noroeste hispánico comenzó a dirigirse hacia paíseseuropeos, tales como Alemania, Suiza, Francia, Holanda, Inglaterra oBélgica, entre otros.7

De este modo, a lo largo de nuestro artículo privilegiaremos la escalaregional de análisis, aunque combinándola con otras (nacional, provincialo parroquial), cuando el estudio lo requiera. Al mismo tiempo,intentaremos dejar planteados algunos ejercicios comparativos: por unaparte, nuestra mirada sobre las corrientes gallegas tendrá comopresupuesto el modelo divergente al que aludíamos inicialmente, siendofactible proseguir el examen en relación con otros destinos americanosdonde los procesos de reagrupación familiar cobraron gran importancia,como el venezolano o brasileño. Por otra parte, nuestro argumento sedesarrollará en torno a una constante confrontación entre elcomportamiento de las corrientes gallegas “asistidas” (concentrándonosen las que tuvieron lugar entre 1957 y 1963) y las “espontáneas”(especialmente, las de 1924, 1949 y 1950). También contrastaremos lascaracterísticas y dinámica de los flujos migratorios españoles en general ygallegos en particular. En definitiva, exploraremos algunas variables queofrece la historia comparada en el campo de los estudios migratorios,brindando resultados preliminares de investigación, que podránprofundizarse con indagaciones de más largo alcance.

6 Nos referimos a los informes de diferentes funcionarios representantes del gobierno españolen la Argentina, que se conservan en el Archivo del Ministerio de Asuntos Exteriores deMadrid, España (en adelante, AMAE).

7 Entre 1960 y 1967, Alemania recibió el 42% de los emigrantes gallegos que se salieron hacia elViejo Continente, Suiza el 33%, Francia el 16% y Holanda, Inglaterra y Bélgica, tomadosconjuntamente y junto con otros destinos minoritarios, el 9%. Cfr. Francisco Sánchez López,Emigración española a Europa, Madrid, Confederación Española de Cajas de Ahorros, 1969, p. 32.

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1. La emigración asistida: el Plan de Reagrupación Familiar

A mediados de la década del cincuenta, y tras el fin de la etapa demás fuerte aislamiento internacional, el gobierno franquista logró unacierta rehabilitación y aceptación en el exterior, que favoreció, entre otrascuestiones, su ingreso en la ONU en 1955 y en el ComitéIntergubernamental para las Migraciones Europeas (CIME), en 1956.8

Este reposicionamiento en la política exterior se acompañó de una nuevaatención a los problemas “domésticos” (los conflictos sociales y elestancamiento económico), que amenazaban la estabilidad del régimen.Para garantizar la continuidad y supervivencia de este último, Francoimpulsó la implantación de una nueva política económica, concebidapor una elite tecnocrática y destinada a lograr el desarrollo económicodel país, su modernización e integración en el seno del capitalismomundial.9

Este giro de la política económica coincidió con una nueva visiónacerca del papel de la emigración en general. Esta última comenzó a serconcebida como un acto esencialmente individual y radicalmente libre,pero que requería la intervención y fiscalización del Estado. Sólo esteúltimo podía garantizar la efectivización del derecho a emigrar, al brindaral potencial emigrante la información y asistencia necesarias para salir

8 El CIME tuvo su origen en una Conferencia reunida en Bruselas en diciembre de 1951, enla cual se resolvió crear un instrumento para restaurar el equilibrio entre las “nacionessuperpobladas” y las “insuficientemente pobladas” por medio de la migración organizaday asistida de los europeos. La participación de España en el CIME fue producto de largasnegociaciones, que se iniciaron en 1952 y se prolongaron por varios años. Algunos aspectosque dificultaron esta incorporación fueron, entre otros: el monto de la cuota que debíaaportar España al CIME, o la posibilidad de que este último terminara trasladandorefugiados republicanos, a países que no fueran los latinoamericanos, de lengua castellana.Cfr.: AMAE, R 5283, Exp. 16 (1945-1957), Dirección General de Asuntos Consulares,“Participación de España en el Comité Intergubernamental provisional para losmovimientos migratorios de Europa”, 21 de abril de 1952; AMAE, R 5283, Exp. 16 (1945-1957), Dirección General de Política Económica, “Participación de España en el ComitéIntergubernamental provisional para los movimientos migratorios de Europa”, Madrid,28 de mayo de 1952.

9 Sobre los aspectos comentados en este párrafo y en el siguiente, v. los clarificadores trabajosde María José Fernández Vicente, Émigrer sous Franco. Politiques publiques et stratégiesindividuelles dans l´émigration espagnole vers l´Argentine et vers la France (1945-1965), Lille,ANRT, 2005, pp. 83-93; e Idem, “En busca de la legitimidad perdida. La política deemigración del régimen franquista, 1946-1965”, en Estudios Migratorios Latinoamericanos,Año 19, Nº 56, 2005, pp. 15-22.

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del país natal e instalarse en el de destino.10 Además, dentro del gobiernoempezó a cobrar fuerza la idea de que la emigración debía contribuir aldesarrollo económico, no sólo amortiguando los efectos más negativosde los planes de estabilización (en especial, las elevadas tasas dedesempleo), sino también estimulando el crecimiento, a través de lallegada de remesas, que significaban un importante aporte de divisaspara la economía española.

En esta coyuntura donde existía un importante consenso parafortalecer el papel del Estado en la canalización de la emigración españolahacia el exterior, en función de objetivos de desarrollo más generales,algunos sectores del ala más liberal y modernizadora del régimenfranquista y la Iglesia promovieron el surgimiento de un organismoestatal encargado de asumir el conjunto de competencias en materia deemigración. Por Ley de 17 de julio de 1956 fue creado el Instituto Españolde Emigración (IEE), que fue adscripto al Ministerio de Trabajo a partirdel 9 de mayo de 1958. Según lo establecido por la Ley de 1956, el IEEtenía la finalidad de realizar la política emigratoria del gobierno,promoviendo en cada momento las medidas necesarias y una accióntutelar en beneficio de los españoles que decidieran migrar. En estesentido, el IEE debía ocuparse de estudiar los problemas ligados a laemigración, asesorar al gobierno sobre las disposiciones a adoptarse enla materia, organizar los flujos colectivos y las repatriaciones, facilitar alos emigrantes la obtención de medios económicos e instrumentos detrabajo, intervenir en la contratación de pasajes, proporcionargratuitamente la documentación necesaria para el traslado y asistir a losmigrantes en su lugar de destino.11

El IEE contaba con dos entidades colaboradoras para el desarrolloy ejecución de planes y programas migratorios: la Organización Sindical,en lo que se vinculaba a los emigrantes temporales y fronterizos, y laComisión Católica Española de Migración (CCEM), en lo atinente a losprocesos de reagrupación familiar. Estos últimos habían concitado la

10 Carlos Ma. R. de Valcárcel, “Conferencia”, en Ministerio de Trabajo, Instituto Español deEmigración, II Congreso de la emigración española a ultramar, Madrid, 1960, p. 59; AMAE, R9621, Exp. 7 (1958-1967); Álvaro Rengijo Calderón, “Emigración y empresas privadas”,Conferencia pronunciada en la Cámara Oficial de la Industria de la provincia de Madrid,18 de noviembre de 1965, p. 2.

11 Ministerio de Trabajo, Memoria de la labor realizada en 1958, Libro IV, Instituto Español deEmigración, Madrid, 1960, p. 10.

Los mecanismos de asistencia oficial en el último ciclo de las migraciones... / Nadia A. De Cristóforis

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atención del gobierno desde tiempo atrás, cuando eran percibidos comoel mejor mecanismo para estimular los flujos de españoles hacia elexterior. En efecto, ya desde 1948, momento en que se discutían lascondiciones para la firma del Tratado de Emigración con la Argentina,surgieron dentro de las órbitas oficiales argumentos a favor de unaemigración basada en el “llamado” de un emigrante establecido enultramar, al resto de su familia o a sus paisanos. Las razones que seesgrimían en ese entonces para favorecer este tipo de corriente eranvarias: el hecho de que los emigrantes trasladados en virtud de unllamado gozarían de libertad y de mejores informaciones para buscarun trabajo, dentro de la sociedad de destino (evitando caer en manos deempleadores especuladores, como los que podían actuar en el caso de laemigración contratada); la asistencia y ayuda que podían ofrecer los yaestablecidos en ultramar, al recién llegado (favoreciendo una integraciónno traumática al ámbito de acogida); o el beneficio que supondría parael Estado español no tener que correr con los gastos de posiblesrepatriaciones, en la medida en que aquel que se desplazaba por elllamado de un pariente o conocido podía encontrar en estos últimosredes de contención para su inserción en la nueva sociedad.12 Haciamediados de la década de 1950 los fenómenos de reagrupación familiarse justificaban con motivos similares, con el matiz de que la preocupacióndel gobierno por las repatriaciones había crecido, desde el momento enque una ley del 18 de julio de 1956 responsabilizó al Estado español dela repatriación de los emigrantes que así lo requerían, con el únicorequisito de que estos últimos demostraran que no poseían los medioseconómicos para financiarse el viaje por sí mismos.13

Los programas de reagrupación familiar puestos en marcha por elIEE tenían como finalidad declarada atender a imperativos moralesligados a la emigración, aunque, como ya aclaramos, existieron razoneseconómicas que estimularon su organización. Dichos planes estuvieron

12 AMAE, R 2052, Exp. 39, José María de Areilza (Embajador de España en la Argentina),“Sobre proyecto relativo a la emigración española en la Argentina”, Buenos Aires, 3 demarzo de 1948; AMAE, R 1731, Exp. 3, Informe sin fecha.

13 Ma. Emelina Martín Acosta, “Emigración canaria a Argentina: algunos ejemplos de laComisión Católica Española de Migración, a mediados del siglo XX”, en Pilar Cagiao Vilay Eduardo Rey Tristán (eds.), De ida y vuelta. América y España: los caminos de la cultura.Simposio Internacional de la Asociación Española de Americanistas, Santiago de Compostela 2 y 3de septiembre de 2005, Universidade de Santiago de Compostela, 2007, p. 393.

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encaminados a revitalizar las corrientes humanas hacia Francia y haciadistintos países americanos. El programa relacionado con estos últimoslogró un amplio alcance y se institucionalizó por un acuerdo entre elCIME y el IEE, en 1956. Contó desde sus inicios con la colaboración de laComisión Católica Española de Migración, que a través de susDelegaciones Diocesanas, quedó a cargo de localizar a las personasreclamadas, informarlas y orientarlas hasta el momento de su embarque.El espacio de acción privilegiado por la Iglesia, para llevar adelante estastareas, fue la parroquia: en ella reclutaba a sus asistentes (en general,mujeres que ayudaban en la búsqueda de las personas reclamadas) ydifundía su pastoral sobre la emigración.

2. La doctrina eclesiástica sobre la emigración

Hacia mediados del siglo XX las disposiciones pontificias en materiade emigración eran abundantes y poseían una larga data. Sin embargo, en1952, a instancias del Papa Pío XII, la doctrina eclesiástica sobre la emigraciónfue sistematizada e institucionalizada en una nueva Constitución Apostólica,la Exsul Familia, que estableció la pauta de actuación pastoral con losemigrantes hasta fines de la década del sesenta. El objetivo principal de laExsul Familia era la asistencia espiritual de los emigrantes de distintasnacionalidades, sin descartar, en un segundo plano, el socorro material. Lanueva regulación fue justificada en el contexto del crecimiento de los flujoshumanos, tras el fin de la Segunda Guerra Mundial, y en el imperativo decontemplar y dar solución a los problemas planteados por las migraciones.14

El cuidado espiritual de los emigrantes quedó confiado a un órgano de laSanta Sede, la Sagrada Congregación Consistorial, que se articuló con lasdemás instituciones que actuaban en el campo de la emigración (de carácterinternacional, nacional, diocesano o parroquial) a través de un nuevo oficio,el Delegado para las obras de emigración.15

14 Parágrafo 78, Título segundo, “Exsul Familia”, en Comisión Católica Argentina deMigraciones, Iglesia y Migraciones. Documentos, Buenos Aires, Ediciones CCAM-CEMLA,1988, p. 40.

15 Parágrafos 82, 83 y 84, Título segundo, “Exsul Familia”, en Comisión Católica Argentinade Migraciones, op. cit., p. 41-46. Para un interesante análisis sobre las disposicionescontenidas en la Exsul Familia, en relación con la emigración italiana, v. Alicia Bernasconi,“De Pergamino a La Boca en veinte años: los Scalabrinianos y la asistencia a los inmigrantesitalianos, 1940-1961”, ponencia presentada en las Xº Jornadas Interescuelas / Departamentosde Historia, Rosario, 20 al 23 de septiembre de 2005, inédita.

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En la Exsul Familia la emigración fue concebida principalmentecomo un derecho de las personas, que tenía que ejercitarse libremente.Sin embargo, la emigración, como derecho natural del hombre, quedósubordinada en su ejercicio al bien común de los Estados involucradosen el proceso migratorio (el de partida y el de llegada).16 Incluso más, enconsonancia con la tendencia que se registraba en las esferasgubernamentales de varios países europeos, la Exsul Familia reconocía yadmitía el papel de los Estados en el proceso migratorio, rol quepodríamos caracterizar como “facilitador” y “tutelar”.

A través de la mencionada Constitución y de diversasmanifestaciones discursivas, la Iglesia expresaba en todo momento supreocupación por los “problemas” derivados de la emigración y asumíala función de velar por la solución de los mismos. Según la Santa Sede,los principales inconvenientes eran los religiosos y morales, por eldebilitamiento de la autoestima y la pérdida de la dignidad humanaque en general involucraba el desplazamiento hacia una tierra extraña.Además, otro motivo de alarma era la influencia que otras religiones o“ideologías ateístas y materialistas” podían ejercer sobre los emigrantes,conduciéndolos a debilitar su fe en Cristo y a cuestionar el ordenestablecido por Dios.17 Estas consecuencias no deseadas de la emigraciónllamaban la atención de las autoridades eclesiásticas de distintos paísesy regiones europeos.18 Dentro de Galicia se destacaban los dilemasinvolucrados en las salidas hacia el exterior, en especial, las que teníancomo destino el Viejo Continente, donde según la institución eclesiástica,los emigrados quedaban expuestos a la influencia de protestantes ycomunistas y terminaban perdiendo su fe y quebrantando sus vínculosmaritales.19

16 Parágrafo 62, Título primero, “Exsul Familia”, en Comisión Católica Argentina deMigraciones, op. cit., p. 32.

17 Secretaría de Estado de Su Santidad, “Carta dirigida al Presidente de la Junta de las SemanasSociales de España”, en Semanas Sociales de España, XVIII Semana – Vigo-Santiago – 1958,Los problemas de la emigración española, Madrid, 1959, pp. 15 y 16.

18 Para un examen de las preocupaciones derivadas de la situación de los migrantes italianosen Argentina, en la segunda posguerra, V. Alicia Bernasconi, “Los MisionerosScalabrinianos y la inmigración de la última posguerra en Argentina en la perspectiva deL´Emigrato Italiano (1947-1956)”, en Estudios Migratorios Latinoamericanos, Año 16, Nº 49,2001, pp. 615 y 616.

19 Boletín Oficial del Arzobispado de Santiago de Compostela, 20 de noviembre de 1956, p. 599,citado por Xosé Luis Mínguez Goyanes, “Emigración e xerarquía eclesiástica (1952-1969).Unha aproximación á cuestión”, en Estudios Migratorios, Nº 3, 1997, p. 141.

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En función del diagnóstico crítico realizado, la Iglesia se propusoasumir ciertas tareas, tendientes a mitigar los problemas observados:preparar espiritualmente a los emigrantes, con el objeto de que lograranuna armoniosa y rápida integración en la sociedad de destino; ayudarloscon informaciones seguras y provechosas sobre los contratos de trabajo;evitarles gastos injustificados en la tramitación de los documentos yfacilitar los procesos de reunificación familiar.20 Además, la Iglesia insistíaen la necesidad de lograr una mejor coordinación de las actividadesdesplegadas por las diferentes organizaciones católicas, encargadas deimplementar la política sobre migración, a través de la acción de unaentidad supranacional.21 De hecho, desde 1951 existía una ComisiónInternacional Católica de Migración, que tenía como unos de sus objetivosla expansión de las organizaciones católicas nacionales a ella asociadas.En este contexto general el IEE alentó la participación de la ComisiónCatólica Española de Migración en la conducción de los flujos peninsulareshacia el exterior. La CCEM reflejaba y defendía los principios de la ExsulFamilia sobre la emigración, entendiéndola como un derecho natural delhombre, pero supeditada al bien común del colectivo social. Comoafirmaba el Director de la CCEM, Monseñor Fernando Ferris: “Algo queno puede perderse nunca de vista es que la emigración debe mirar al biendel individuo, cuya libertad hay que respetar, siempre naturalmente queel Bien Común no exija su sacrificio”.22 Monseñor Ferris también reconocíalos problemas suscitados por la emigración y clarificaba el papel que laIglesia estaba llamada a cumplir. En este sentido, mantenía que lainstitución eclesiástica no podía fomentar la emigración, sino que debíaprocurar que discurriera por cauces humanos y cristianos, evitando losriesgos, previniendo peligros y remediando males acaecidos.23

Ahora bien, más allá de estos elementos doctrinarios subrayados,la Iglesia en general y la CCEM en particular cumplieron un rol específicodentro del fenómeno emigratorio hacia el exterior, a partir de la puestaen marcha de los planes de reagrupación familiar. A continuación nosdetendremos en el funcionamiento de la CCEM, en vinculación con el

20 Secretaría de Estado de Su Santidad, art. cit., pp. 16 y 17.21 Ángel Orbegozo (Publicista de la Oficina de Información y Estadística de la Iglesia),

“Organizaciones nacionales e internacionales para la solución de los problemasmigratorios”, en Semanas Sociales de España …, cit., p. 247.

22 Ultramar, Nº 9, junio de 1960, Oficina de América, La Coruña, s./p.23 Ibidem.

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Plan de Reagrupación Familiar con ultramar, que es el que nos interesaparticularmente.

3. El papel de la CCEM dentro delPlan de Reagrupación Familiar con ultramar

¿Por qué motivos la Comisión Católica Española de Migración quedóa cargo de la implementación del Plan de Reagrupación Familiar conultramar, dentro de España? En primer lugar, dicho programa parecíasatisfacer uno de los fines planteados por la doctrina católica en materiade migración: la estabilidad moral y social de los sujetos trasladados y delresto de su familia. La reconstitución de los núcleos familiares eravisualizada como un mecanismo eficiente para lograr un estilo de vidaorientado por los principios éticos establecidos por la Iglesia. El IEE estabadispuesto a asumir los costos económicos de tales reagrupamientos (entreotros, la disminución en las remesas enviadas por emigrados en ultramar),o los culturales (la progresiva desvinculación de los emigrados de supatria), en función del criterio de evitar la separación de las familias, queera percibida como una situación perjudicial y engendradora deinnumerables males.24

En segundo lugar, debemos recordar que en la década de 1950 sehabía producido un acercamiento entre el franquismo y los sectoreseclesiásticos que habían impulsado la implementación de un nuevomodelo de desarrollo económico, con lo cual existían condiciones paraque los últimos fueran llamados a desempeñar un papel más importantedentro de las políticas gubernamentales sobre migraciones, a través delpedido de colaboración con el IEE.

En tercer lugar, la Iglesia española poseía una importante presenciaa nivel parroquial, con lo cual, estaba preparada para actuar dearticuladora entre la esfera pública y la población en general. En efecto,hacia 1957 el delegado del CIME en España, el Sr. Storich, se manifestabaasombrado por la eficacia con que la CCEM llevaba a cabo la tarea dereagrupación familiar dentro de Galicia, y relacionaba estos resultadospositivos con el carácter de la organización eclesiástica peninsular y elelevado grado de colaboración prestado por un gran número de sus fieles:

24 Carlos Ma. R. de Valcárcel (Director General del IEE), “Conferencia”, cit., p. 67; Institutode Estudios Políticos, Emigración: Política Social y seguridad social, Madrid, 1960, p. 21.

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Esa red capilar de la Comisión llegando hasta las parroquias más pequeñases en verdad admirable. En ese viaje a Vigo también me llamó la atenciónel ver a las señoritas de la mejor sociedad gallega preocupadas por cuidary atender a los emigrantes, con un cariño que sólo la caridad de estasmujeres de auténtico espíritu cristiano vinculadas a las tareas de la CCEMpuede explicar. Este volcarse de la sociedad por los emigrantes no lo habíavisto en ninguna parte. También me llamó la atención la diligencia con seefectúan las localizaciones de las familias de los emigrados. Yo, que conozcobien Galicia, sé que los pueblos son una serie de caseríos, alejados unos deotros hasta kilómetros, y sin apenas vías de comunicación; en el centro oen un extremo del valle está la iglesia. El localizar allí un apellido, que serepite hasta el infinito en la comarca, es casi imposible; pues bien, estosDelegados de la Comisión Católica lo han logrado.25

Para la puesta en marcha del Programa de Reagrupación Familiar,la CCEM dispuso de sesenta y cuatro oficinas diocesanas, tresprovinciales, ocho de asistencia en puertos de embarque y una OficinaCentral en Madrid, todos ellas destinadas a preparar social y moralmenteal emigrante que deseaba partir.26 Además, unas 20.000 parroquiasespañolas prestaron su colaboración. Los curas párrocos fueronimportantes en el desempeño de diversas tareas: la solución de problemasen la documentación necesaria para que el reclamado pudiera partir, laorganización de la colecta anual que se llevaba a cabo en ocasión del“Día del Emigrante” o la información y asesoramiento a los potencialesmigrantes, entre otras. También actuaron como intermediarios entre estosúltimos y sus familiares en ultramar.27 En efecto, como afirmó MaríaEmelina Martín Acosta, muchas veces las esposas de los emigrantes quese encontraban en situación crítica en su tierra natal, por la falta derecursos económicos, acudían al párroco, pidiéndole ayuda para localizara su marido en ultramar. El cura escribía entonces a la oficina de laComisión Episcopal de Madrid, informando del domicilio presuntivodel emigrado. En la Comisión consultaban las listas de los párrocos de

25 “Entrevista con Mr. Storich, delegado del C.I.M.E. en España”, en Boletín Informativo de laComisión Católica Española de Migración, Nº 10, Abril-Junio de 1957, Madrid, p. 4.

26 Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración, Nº 11, Septiembre de 1957,Madrid, pp. 8-10.

27 Para un trabajo de gran interés, sobre la acción de los sacerdotes como mediadores en elproceso inmigratorio y en la inserción laboral de trabajadores friulanos en Villa Flandria,en la Argentina, v. Mariela Ceva, “Los mediadores religiosos en la inmigración detrabajadores friulanos a Villa Flandria en la segunda posguerra”, en Alicia Bernasconi yCarina Frid (eds.), De Europa a las Américas. Dirigentes y liderazgos (1880-1960), (Colección“La Argentina Plural”), Buenos Aires, Ed. Biblos, 2006, pp. 113-125.

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las Diócesis americanas y enviaban una carta a aquel religioso quesupuestamente estaba próximo al emigrado, con el fin de que lo visitaray lo convenciera de la necesidad de reagruparse con los suyos.28

Sin embargo, y más allá de cómo se gestara el “llamado”, elPrograma de Reagrupación Familiar suponía la sucesión de algunospasos formales: el emigrante instalado en América reclamaba a su/spariente/s en el Consulado español correspondiente (de maneraespontánea, o impulsado por el cura de su parroquia de procedencia y/o resto de su familia, como acabamos de señalar). El Ministerio deAsuntos Exteriores de Madrid entregaba las cartas de llamada recibidasa la Oficina Central de la CCEM. Esta última trataba de conectarse conlos reclamados, a través de las Delegaciones diocesanas y de lasparroquias. El IEE, la Dirección General de Seguridad y lasrepresentaciones diplomáticas de los países americanos en España debíancolaborar con la tramitación de la documentación, en especial, cuandola obtención de esta última se tornaba compleja, en el caso de las mujeressolas o con menores, que se trasladaban por el llamado de sus maridos,padres u otros parientes. Una vez preparados para la partida, losreclamados debían ser conducidos al puerto, recibiendo la adecuadaasistencia en lo referente al hospedaje y a los últimos trámites antes delinicio del viaje. Las listas de los embarcados eran enviadas por avión alpuerto de destino, donde las Comisiones Católicas de Inmigración o loscapellanes de emigrantes estaban responsabilizados de conducir a losrecién llegados junto con sus familiares o conocidos, con el objeto defavorecer su adaptación dentro de la nueva sociedad.29

En el caso argentino, la organización eclesiástica destinada a acogera estos inmigrantes enmarcados en el Plan de Reagrupación Familiarera bastante débil o presentaba un incipiente desarrollo. En primertérmino, la Comisión Católica Argentina de Inmigración (CCAI) fuefundada en 1953 y recién a partir de 1962 comenzó a intervenir en eltraslado de españoles. Para el último año mencionado había facilitadoel desplazamiento de veinte peninsulares y había contribuído con el iniciode los trámites migratorios de otros cincuenta. Como podemos apreciar,

28 Ma. Emelina Martín Acosta, cap. cit., p. 396.29 “Plan de reagrupación de familias”, en Boletín Informativo de la Comisión Católica Española

de Migración, Nº 26, Diciembre de 1958, Madrid, p. 6.

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estas cifras eran muy exiguas. La CCAI se encargaba principalmente dela asistencia a refugiados que huían de los regímenes comunistas, comolos húngaros o yugoslavos, o de ofrecer préstamos para viajes, con laintermediación de la Comisión Católica Internacional de Migración odel Alto Comisionado de las Naciones Unidas.30 En segundo término,en la época analizada no se han registrado misioneros españoles deemigrantes en la Argentina. Las evidencias que disponemos para el año1963 ponen de manifiesto que mientras que otras colectividadesextranjeras instaladas en nuestro país tenían una minoritaria presenciade misioneros de su propia nacionalidad (por supuesto, insuficiente enrelación con el número total de emigrantes de la colectividadcorrespondiente), la española carecía por completo de ellos.31 Estocontrasta con el caso de otros países de destino de la emigraciónpeninsular, donde existían sacerdotes españoles dedicados a asistir alos migrantes (en Brasil, por ejemplo, había nueve en 1968 y en Venezuelao Australia, en el mismo año, dos).32 Esta débil estructura eclesiásticadestinada a acoger a los inmigrantes españoles no impidió sin embargoque los peninsulares incluídos en el Plan de Reagrupación arribaran anuestro país y se integraran a su sociedad. Creemos que fueronprincipalmente las familias y conocidos ya emigrados los que orientarony facilitaron el proceso de desplazamiento desde el ámbito de destino,si bien en el espacio de partida otras organizaciones internacionales ynacionales, laicas y religiosas, colaboraron con el mismo.

La participación en el Programa de Reagrupación Familiar suponíaciertas ventajas económicas, para el emigrante. Por un lado, una reducciónen el coste del pasaje, que guardaba proporción con el grado de parentesco

30 Pbro. Antonio Orehar (Tesorero de la CCAI y Director Nacional de la ColectividadEslovena), “La obra de la C.C.A.I. y la Jornada de la Inmigración”, en Inmigración eIntegración, Terceras Jornadas de Estudio de la Comisión Católica Argentina de Inmigración,Buenos Aires, 1964, pp. 54 y 55. Para un estudio preliminar sobre las tareas desempeñadaspor la CCAI en la segunda posguerra cfr. Daniela La Pietra y Abelardo Jorge Soneira,“Iglesia y migraciones: un balance de 50 años. El caso de la Comisión Católica deMigraciones (1951-2001)”, en X Jornadas sobre Alternativas Religiosas en América Latina, BuenosAires, 2000, disponible en: http://www.ceil-piette.gov.ar/areasinv/religion/relpub/jornadas/IIcom1/1soneira.html.

31 P. Ernesto Milan (Secretario General de la CCAI), “El Apostolado inmigratorio en laArgentina”, en Inmigración e Integración, cit., p. 52.

32 “Ultramar”, en Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración, s/Nº, 22 demarzo de 1968, Madrid, p. 8.

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existente entre el reclamado y el emigrado. Para ello, se establecieron tresgrupos de reclamados, que se beneficiaron en distinta medida con eldescuento.33 Por otro lado, la Comisión Internacional Católica de Migraciónofrecía un sistema de préstamos de viaje, que era gestionado por la CCEM.El préstamo cubría alrededor del 75% del valor del billete. El resto lo poníael emigrante, quien debía devolver la cantidad que había recibido, sinrecargo ni interés, una vez instalado en el país de destino, a partir deltercer mes de su llegada, y en dieciocho mensualidades.34 Según el balancerealizado por la CCEM, sobre la marcha de este sistema, desde comienzosde 1957 y hasta el 31 de marzo de 1958, la distribución por países dedestino de estos préstamos arrojaba como resultado una preeminenciade Brasil (38 emigrantes que se dirigieron a este último país sebeneficiaron de estos préstamos), seguido por Colombia (27), Venezuela(25), Canadá (18), Argentina (13), Uruguay (11), Santo Domingo(5),Chile(3), Perú (3) y Australia (2).35 El balance correspondiente al año1961 dio como resultado un absoluto predominio de Brasil (1.084préstamos), seguido por Canadá, Venezuela, Perú, Colombia, Australia,Argentina (esta última, con 59 préstamos) y demás naciones.36 Losproblemas de este sistema de financiamiento eran que, si bien como sepuede apreciar por las cifras comentadas, la cantidad de préstamosotorgados tendió a aumentar con el transcurso del tiempo, los mismosresultaban de cualquier modo insuficientes, en virtud de la demandaexistente. Por otra parte, la distribución de dichos fondos se restringía ofavorecía a determinados países de destino y categorías de migrantes,es decir, no respondía a un criterio de repartición equitativa.37

33 Los del Grupo A (cónyuge del llamante, hijos menores de 18 años, hijos mayores de 18años incapacitados para el trabajo, novias casadas por poder antes de embarcar) no debíanpagar nada. Los del Grupo B (padres del llamante, padres políticos, hijos mayores de 18años, abuelos, nietos, hermanos huérfanos menores de 18 años, pupilos sometidos a latutela del llamante) abonaban en España 30 dólares, y los del Grupo C (otros parientes ycompañeros de profesión u oficio del reclamante), 50 dólares. En todos los casos, elreclamante en ultramar debía pagar 40 dólares. Además, el CIME cobraba a todos losvarones emigrantes, comprendidos entre los 18 y 50 años, unos 10 dólares, que debíanabonarse en España. Cfr. “Plan de Reagrupación de Familias”, Boletín Informativo de laComisión Católica Española de Migración, Nº 22, agosto de 1958, Madrid, p. 6.

34 Ultramar, Nº 9, junio de 1960, Oficina de América, La Coruña, s./p.35 “Préstamos de viaje”, en Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración,

Nº 18, abril de 1958, Madrid, p. 7.36 “Préstamos de viaje concedidos a través de la Comisión Católica Española de Migración

en 1961”, en op. cit., Nº 64, febrero de 1962, Madrid, p. 10.37 Ángel Orbegozo, art. cit., pp. 247 y 248.

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Una última ventaja para los migrantes que se trasladaban a laArgentina con intervención de la Comisión Internacional Católica deMigración (y de las organizaciones nacionales asociadas a ella) consistía enla exención del pago de derechos consulares, del mismo modo que ya seprocedía con las personas que se desplazaban al mencionado país, a travésdel CIME.38 Tengamos en cuenta que desde 1953 la Argentina manteníacon esta última institución programas de reagrupación familiar y deatracción de mano de obra industrial y rural, cuyos principales beneficiarioseran los italianos y españoles, con peso variable según los años.39

4. Los orígenes y destinos de los migrantes de la CCEM

En cuanto a las provincias de origen de los emigrantes españolesacogidos al Plan de Reagrupación Familiar, contamos con la informacióncorrespondiente a los embarques efectuados en 1959, como se puedeapreciar en el Cuadro 1 del Anexo. En este último también figuran lassalidas transoceánicas de españoles entre 1946 y 1958, según susprovincias de procedencia, con el objeto de contrastar las áreas de origende los flujos más espontáneos que tuvieron lugar entre 1946 y 1958 y losasistidos, que se desarrollaron en el marco del mencionado programa.Si bien la comparación sugerida adolece de algunos problemas (en lascorrientes de 1946 a 1958 se contabilizaron los embarques hacia todoslos destinos y en las de 1959, sólo hacia las naciones americanas incluídasen el Plan de Reagrupación Familiar;40 en el primer caso se trata de unperíodo y en el segundo, sólo de un año) nos permite esbozar algunasconclusiones preliminares sobre la cuestión planteada.

En relación con los flujos desplegados entre 1946 y 1958, el mayornúmero de migrantes era oriundo de Pontevedra, La Coruña, Santa Cruzde Tenerife y Orense (en orden decreciente), mientras que en el caso delPlan de Reagrupación del año 1959, la mayor parte procedía de SantaCruz de Tenerife, La Coruña, Pontevedra y Madrid (en orden también

38 Decreto Nº 14.549, 21 de noviembre de 1960. Cfr. AMAE, R 6220, Exp. 94, José MaríaAlfaro, “Exención pago derechos consulares”, Buenos Aires, 28 de noviembre de 1960.

39 Dirección Nacional de Migraciones de la Argentina (Buenos Aires), Estadística 1953-1971;Idem, Inmigración, Año II, Nº 5, Buenos Aires, 1960.

40 Ello no modifica demasiado los parámetros de comparación, dado que entre 1946 y 1958los principales destinos de la emigración española fueron los americanos.

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decreciente). La coincidencia en la preeminencia de la provincia deCanarias y las dos de Galicia resulta de gran interés. Por un lado,recordemos que estas tres unidades jurisdiccionales poseían puertos deembarque con una histórica vinculación con América. Por otro lado, laCCEM había instalado en dichas provincias importantes servicios deasistencia al emigrante y en particular, en los puertos de Vigo, La Coruñay Santa Cruz de Tenerife (los otros puertos y aeropuerto en los que teníapresencia la CCEM eran Barcelona, Cádiz, Las Palmas, Bilbao, Santandery Barajas).41 El hecho de que el componente principal de las corrientesasistidas se originara en áreas que ya tenían una larga tradiciónemigratoria con destino a América, confirmaría que en realidad laestructura de la CCEM se apoyó en las redes emigratorias preexistentesy que su acción fue más eficiente justamente en las provincias donde lassalidas espontáneas había alcanzado una importante dimensiónnumérica desde las primeras décadas del siglo XIX.

Dentro de Galicia, la distribución de los emigrantes del Plan deReagrupación Familiar, por provincias de origen, fue similar a la presentadapor los emigrantes de los flujos espontáneos examinados (un predominionotorio de Pontevedra y La Coruña, seguidas por Orense y Lugo, en ordendecreciente –ver el Cuadro 1-). Ello estaría avalando una vez más la idea deque en lo relativo a su procedencia, las corrientes asistidas de 1959mantuvieron grandes líneas de continuidad con las de los años precedentes.

Desde 1956 y hasta 1965 la CCEM colaboró con el reagrupamientofamiliar de unos 67.498 españoles, que se dirigieron a los diferentes paísesamericanos beneficiados con el programa (Venezuela, Brasil, Argentina,Uruguay, Colombia, Chile y Paraguay),42 según las cantidades consignadasen el Cuadro 2. Como queda de manifiesto en este último, los destinosque recibieron más migrantes del Plan de Reagrupación Familiar, a lolargo de casi una década, fueron Venezuela y Brasil.43 Ahora bien, resultainteresante señalar que los balances realizados en los primeros años deeste programa indicaron que la Argentina fue inicialmente el principalespacio receptor de los embarcados (ver el Cuadro 3) lo que podría ser laexpresión de un fenómeno de reagrupación familiar que contó en una

41 Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración, Nº 11, septiembre de 1957,Madrid, pp. 8-10.

42 Cabe aclarar que con el transcurso del tiempo, otros países quedaron incluídos de maneramás informal dentro del plan (por ejemplo: Panamá, Costa Rica y Ecuador).

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primera etapa con un gran desarrollo en relación con nuestro país, paraluego fortalecerse en naciones como Venezuela y Brasil, al compás delas variables condiciones económicas, sociales y políticas prevalecientesen cada una de ellas.

5. Los gallegos que tramitaron su traslado a la Argentinaa través de la CCEM

Lamentablemente, hasta el momento desconocemos el númeroexacto de inmigrantes gallegos que arribaron a nuestro país dentro delPlan de Reagrupación Familiar gestionado por la CCEM. Ladocumentación que permitiría tener una idea aproximada de esta cantidad,las fichas elaboradas por los curas párrocos españoles, sobre cadaindividuo reclamado desde América,44 están dispersas (en distintosorganismos e instituciones) o desaparecidas, y además, sólo dan cuentade aquellos embarques programados (pero no necesariamenteconcretados). Asimismo, la preocupación por sistematizar la informacióncontenida en estas fichas es relativamente reciente, en consonancia con elhasta ahora limitado interés por las vinculaciones entre emigración eIglesia, dentro del ámbito peninsular.45 Contrariamente a lo ocurrido enotros países emigratorios, como Italia, por ejemplo, la preocupación porel papel de la Iglesia en el proceso emigratorio español aún no ha logradoun amplio desarrollo, ni desde el lado de la sociedad de partida ni desdelos diferentes países de recepción. En relación con la acción particular dela CCEM en la segunda posguerra, las investigaciones también son escasas:disponemos de un trabajo que la considera en función de la relación entre

43 Por el momento no podemos reconstruir el número anual de españoles embarcados dentrodel Plan de Reagrupación Familiar, según los diferentes países de destino, por lagunasexistentes en las fuentes de información disponibles.

44 En el caso de Galicia, esas fichas debían ser enviadas a la Delegación Diocesana de Santiagoo a las oficinas provinciales de La Coruña o Pontevedra. V. Xosé Luís Mínguez Goyanes,art. cit., pp. 164 y 165.

45 Una importante excepción a esta última tendencia comentada está dada por los trabajos deÓscar Álvarez Gila. Cfr. de este autor: “Apuntes historiográficos para el estudio del clerorioplatense”, Separata de Qué es la Historia de la Iglesia, XVI Simposio Internacional de Teologíade la Universidad de Navarra (Colección “Simposios Internacionales de Teología”, Nº 16),Pamplona, 1996, pp. 387-396; Idem, “La vinculación entre clero e inmigración vasca enArgentina: razones y formas”, en Hispania Sacra, Vol. 50, Nº 102, 1998, pp. 557-587; Idem,“La emigración de clero secular europeo a Hispanoamérica (siglos XIX-XX): causas yreacciones”, en Hispania Sacra, Vol. 53, Nº 108, 2001, pp. 559-576, entre otros.

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la jerarquía eclesiástica y la emigración en Galicia y otro donde se laexamina en vinculación con la salida de canarios a la Argentina, a mediadosdel siglo XX.46 De cualquier modo, consideramos que faltarían estudiosde mayor alcance, tendientes a examinar el funcionamiento de la CCEMen un contexto más extenso, tomando en consideración distintos gruposmigratorios y diferentes destinos, con propósitos comparativos.

Sin embargo, y a un nivel documental, resulta de interés destacarque el Arquivo da Emigración Galega (Santiago de Compostela) se hapropuesto rescatar las fichas de la CCEM, al menos en lo relativo a losemigrantes del noroeste hispánico, logrando hasta el momento recuperaruna copia de las fichas que se encontraban en la Oficina Provincial de LaCoruña. Esta fuente es muy valiosa, por los datos personales que aportasobre los reclamados desde distintos destinos americanos. A partir delas fichas correspondientes a los gallegos llamados desde Argentina,entre 1957 y 1963 (inclusive), hemos tratado de indagar algunos rasgossocio-demográficos de un universo de 731 personas (muestra elegida alazar). Se trata de sujetos que pretendían partir para nuestro país, aunqueno sabemos con certeza si en todos los casos lo hicieron finalmente.Algunos de ellos aprovecharon los préstamos de viaje que ofrecían losorganismos católicos de emigración, mientras que otros se beneficiaroncon los descuentos en los pasajes, característicos del Plan deReagrupación Familiar, ya comentados anteriormente. De cualquiermodo, se dificulta conocer con exactitud las proporciones de loscomprendidos en cada una de estas dos situaciones.

Si nos concentramos en el conjunto indagado, podemos afirmarque la mayoría estaba constituído por mujeres (61%) y el resto porvarones (39%). Este predominio del componente femenino estabavinculado con el mecanismo básico que sustentaba el Programa deReagrupación Familiar (los “llamados”, como ya hemos visto). Losparientes que predominaron en la realización de estos reclamos fueronlos padres, hermanos, cónyuges e hijos (en orden decreciente), enespecial, los de sexo masculino (Ver el Cuadro 4). Cabe destacar que elcaso gallego se diferencia del español en general, donde los llamadoseran efectuados por hijos, cónyuges, hermanos y padres (en orden

46 Xosé Luís Mínguez Goyanes, art. cit., pp. 127-169; Ma. Emelina Martín Acosta, cap. cit.,pp. 391-401.

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decreciente).47 Sería de interés indagar si la emigración asistida de finesde la década de 1950 se articuló principalmente con los flujos de losaños posteriores a la Segunda Guerra Mundial o con los anteriores aldesencadenamiento de la Guerra Civil Española. Por el momento nosinclinamos a suponer que un gran número de los padres reclamantes delos gallegos analizados podría haber arribado en la inmediata posguerra.

Las proporciones de casados y solteros eran iguales, en el grupo deemigrantes gallegos de ambos sexos examinado (46% en cada caso), siendoel porcentaje de viudos mucho menor (8%). Entre los españoles de ambossexos, reclamados desde Argentina en 1959, eran más numerosos los solteros(52%), seguidos por los casados (41%) y los viudos (7%). El elevadoporcentaje de casados entre los gallegos, arriba señalado (46%), constituyela expresión de un flujo asistido que involucraba el reagrupamiento defamilias, sobre la base de la existencia de una red bastante densa de familiaresy conocidos ya establecidos en nuestro país. La comparación con lacomposición por estado civil de las corrientes gallegas de entreguerras,donde no operaban mecanismos impersonales de fomento de lasreagrupaciones familiares y donde los casados de ambos sexos alcanzabansólo al 38%, permitiría reforzar la idea anteriormente esbozada.48

En cuanto a las edades, en los flujos asistidos de 1957 a 1963 tuvomayor peso el grupo comprendido entre los 15 y 29 años (ver el Gráfico2). Sin embargo, si comparamos la composición por edades de estascorrientes tardías, en contraste con las más tempranas de 1924 (Cuadro5), comprobaremos que la proporción de los jóvenes de 15 a 29 años enlos flujos asistidos era mucho menor que en el caso de los espontáneos,al tiempo que en estos últimos el porcentaje de niños y ancianos erabastante más bajo que en los primeros.

47 Para el caso español que comentamos en este párrafo y en otros subsiguientes, nos basamosen la información disponible, correspondiente al año 1959 (Cfr. Ministerio de Trabajo,Memoria de la labor realizada en 1959, cit., pp. 46 y 47). Si bien la comparación entre el casogallego y el español adolece de limitaciones (se fundamentará en datos de un período -para los gallegos- y de un año -para los españoles-), creemos de interés aludir a algunasconclusiones provisorias que se desprenden de la misma.

48 El dato presentado se obtuvo a partir del estudio de 973 inmigrantes gallegos que ingresarona la Argentina en el primer trimestre de 1924, a partir de la información que contiene la“Base de Datos” del Centro de Estudios Migratorios Latinoamericanos (Buenos Aires,Argentina). En los párrafos que siguen, cuando hagamos referencia a los inmigrantes de1924, aludiremos siempre a los datos suministrados por esta “Base de Datos”. Agradecemosa Alicia Bernasconi por facilitarnos la consulta de la misma.

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Más de la mitad de los gallegos reclamados entre 1957 y 1963 (63%)desempeñaban en su tierra natal actividades de tipo primario (enespecial, se reconocían como “labradores”, “agricultores” o “marineros”)y un 27% podrían ser clasificados como artesanos y operarios (en estegrupo predominaban las “modistas”, “costureras”, “carpinteros” y“mecánicos”). La importante proporción de migrantes dedicados a tareasde índole primaria también estuvo presente entre los gallegos de 1924 ydentro de otro conjunto de gallegos examinado por nosotros, arribado ala Argentina en los primeros trimestres de 1949 y 1950, con porcentajesque alcanzaron al 58%, en el primer caso, y 57%, en el segundo, lo quesugeriría importantes continuidades en cuanto a la inserción socio-profesional de los universos de migrantes indagados.49

En relación con los destinos hacia los cuales pensaban dirigirselos gallegos que tramitaron su traslado a través de la CCEM,prevalecieron la Capital Federal y la Provincia de Buenos Aires (demanera conjunta acapararon el 97% de los migrantes en consideración)(Cuadro 6). En general, los destinos declarados de estos gallegoscoincidían con los de los reclamantes. Dentro de la Provincia de BuenosAires, los ámbitos de mayor atracción fueron los Partidos del ConurbanoSur, en especial, Avellaneda y Lanús. Recordemos que, según los estudiosde Ruy Farías, Avellaneda (que antiguamente incluía a Lanús) poseíauna larga tradición como espacio de asentamiento de los inmigrantesdel noroeste hispánico, que se puede remontar a fines del siglo XIX.50

Ninguno de los otros Partidos del Conurbano o del resto de la Provinciade Buenos Aires alcanzaron un peso tan importante, como Avellaneday Lanús. El papel de la Capital Federal y la Provincia de Buenos Airescomo destinos preferenciales también fue constatado en el caso de losflujos gallegos de principios de 1949 y de 1950, donde ambasjurisdicciones absorbieron conjuntamente el 96% de los 928 inmigrantes

49 Para el examen de los gallegos llegados a la Argentina en los primeros trimestres de 1949y 1950 (ver también el párrafo que sigue) empleamos los libros de desembarco, queactualmente se encuentran en el Archivo General de la Nación (Argentina).

50 Entre 1890 y 1930 los gallegos constituían alrededor del 70% de los españoles establecidosen Avellaneda. V. Ruy Farías, “Peones, obreros y jornaleros: patrones de asentamiento einserción socioprofesional de los gallegos en Avellaneda y Lanús, 1890-1930”, en Idem(comp.), Buenos Aires Gallega. Inmigración, pasado y presente, Temas de Patrimonio CulturalNº 20, Buenos Aires, Comisión para la Preservación del Patrimonio Histórico Cultural dela Ciudad de Buenos Aires, 2007, pp. 83-90.

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examinados. Esta localización urbana o semi-urbana, en la ciudad deBuenos Aires o en ámbitos próximos a la misma, entraba en tensión conuno de los objetivos que había orientado la política migratoria de losgobiernos argentinos desde la Segunda Guerra Mundial (y que teníasus raíces en ideas de la élites dirigentes del siglo XIX): la canalización yarraigo de la inmigración en el agro. En efecto, a partir de 1946, y másfuertemente a comienzos de la década del cincuenta, el peronismo sepreocupó por estimular la inmigración que pudiera insertarse en tareasagropecuarias, además de aquella compuesta por técnicos y obrerosespecializados para la actividad industrial.51 Esta inclinación por lainmigración con destino rural perduró luego de la caída de Perón, loque pone en evidencia que los procesos de reagrupación familiar nosiempre satisficieron todos los principios o prioridades establecidos enlas políticas migratorias argentinas de la época.

6. Conclusiones

El último ciclo de la emigración gallega a la Argentina comenzótras el fin de la Segunda Guerra Mundial y se cerró de manera paulatinaen los primera mitad de 1960. En una etapa inicial, la recuperación delas corrientes del noroeste hispánico hacia el exterior se basóprincipalmente en la fuerza de los mecanismos de traslado espontáneos,en especial, la reactivación de cadenas migratorias que habíanpermanecido adormecidas durante los prolongados años deenfrentamientos bélicos (la Guerra Civil española y la Segunda GuerraMundial). Pero desde mediados de la década de 1950 empezaron a cobrarfuerza los mecanismos de asistencia impersonales, sustentadosformalmente en el estímulo estatal y en el accionar de institucionesinternacionales y nacionales, laicas y religiosas.

En efecto, a partir de 1956 el gobierno franquista delegó en elInstituto Español de Emigración (que luego fue adscripto al Ministeriode Trabajo) la tarea de estudiar y fomentar los flujos hacia el exterior, enel marco de la implementación de políticas económicas de desarrollo

51 En 1952 se llegó a establecer que a partir del 22 de febrero de ese año no se concederíanpermisos de ingreso a la República, a aquellos recién llegados que quisieran radicarse dentrode un radio de cien kilómetros de la Capital Federal (a excepción de los parientes en primergrado que vinieran a integrar núcleos familiares o trabajadores especializados que arribarancon un contrato y garantías de colocación). Decreto Nº 3.721, 22 de febrero de 1952.

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que atribuyeron nuevas funciones a las salidas de personas y a lamovilidad humana en general. El IEE se apoyó en la CCEM para llevara cabo los planes de reagrupación familiar acordados con el CIME, dadoque existían condiciones ideológicas y políticas que favorecieron porprimera vez un acercamiento formal entre una institución gubernamentaly otra religiosa, con el fin de asistir y canalizar las corrientes haciaultramar. Detrás de la declarada preocupación por los aspectos moralesy espirituales involucrados en la lógica de reagrupamiento familiar seescondían motivos económicos más profundos, que condujeron al IEE adepositar en la CCEM la responsabilidad de llevar adelante el programaen cuestión. La última institución mencionada cumplió de manera eficazcon el cometido encomendado, valiéndose de la red capilar de lasparroquias, que fueron el espacio privilegiado de su actuación.

A partir del análisis del papel desempeñado por la CCEM en elámbito gallego hemos comprobado que, más allá de la intervención formalde los poderes públicos y eclesiásticos en el proceso emigratorio, el mismose siguió apoyando en gran medida en la vitalidad de los lazos establecidosentre el emigrado y sus familiares y conocidos en el noroeste hispánico.De allí que la emigración asistida adquiriera una dimensión numéricamayor en las provincias donde la espontánea ya tenía un amplio desarrollo,por condiciones geográficas (cercanía a la costa y a los puertos) o históricas(larga tradición de vinculaciones con ultramar, motivada en factoreseconómicos, sociales y culturales). Una vez más, los flujos hacia América,esta vez canalizados por el Estado y la Iglesia, se vertebraron en funciónde las redes primarias transoceánicas preexistentes.

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Los mecanismos de asistencia oficial en el último ciclo de las migraciones... / Nadia A. De Cristóforis

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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina

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ANEXO

Gráfico 1: Emigración española transoceánica y hacia la Argentina (1946-1965)*

* En el período analizado, se entiende por “emigración transoceánica” la que se dirige a América.Fuente: César Yáñez Gallardo, La emigración española a América (S XIX y XX). Dimensión ycaracterísticas cuantitativas, (Colección “Cruzar el Charco”), Colombres, Fundación Archivo deIndianos, 1994, pp. 37, 38 y 76 (Nos basamos en las cifras de las estadísticas españolas que brindaeste autor y no en las argentinas).

Cuadro 1: Distribución provincial de la emigración española, luego de laSegunda Guerra Mundial

Provincias de Emigración Porcentajes Emigración Porcentajes Oficinas de laorigen de los transoceánica del total dentro del del total CCEM en puertosemigrantes (1946-1958) (Columna 2) P.R.F. (1959) (Columna 4) o aeropuertos

Santa Cruz deTenerife 63.373 11,2% 2.016 20,1% Puerto

Pontevedra 84.092 14,9% 1.351 13,5% Puerto

La Coruña 83.592 14,8% 1.317 13,2% Puerto

Madrid 27.406 4,9% 658 6,6% Aeropuerto

Orense 55.713 9,9% 564 5,6% —-

Barcelona 48.427 8,6% 505 5,0% Puerto

Las Palmas 6.141 1,1% 489 4,9% Puerto

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Oviedo 30.562 5,4% 326 3,3% —-

Lugo 35.368 6,3% 317 3,2% —-

León 10.170 1,8% 307 3,1% —-

Granada 9.273 1,6% 267 2,7% —-

Valencia 12.000 2,1% 163 1,6% —-

Málaga 6.693 1,2% 154 1,5% —-

Santander 6.508 1,2% 136 1,4% Puerto

Almería 8.394 1,5% 130 1,3% —-

Sevilla 3.179 0,6% 107 1,1% —-

Salamanca 3.988 0,7% 106 1,1% —-

Zaragoza 3.975 0,7% 88 0,9% —-

Vizcaya 13.185 2,3% 87 0,9% Puerto

Alicante 3.900 0,7% 85 0,8% —-

Burgos 3.063 0,5% 70 0,7% —-

La Rioja 3.597 0,6% 55 0,5% —-

Albacete 536 0,1% 54 0,5% —-

Córdoba 1.512 0,3% 52 0,5% —-

Guipúzcoa 4.751 0,8% 51 0,5% —-

Murcia 2.484 0,4% 50 0,5% —-

Cádiz 2.783 0,5% 46 0,5% Puerto

Baleares 6.614 1,2% 45 0,4% —-

Tarragona 1.658 0,3% 45 0,4% —-

Valladolid 1.230 0,2% 41 0,4% —-

Zamora 4.051 0,7% 37 0,4% —-

Navarra 4.331 0,8% 36 0,4% —-

Lérida 1.228 0,2% 30 0,3% —-

Jaén 1.057 0,2% 26 0,3% —-

Cáceres 911 0,2% 25 0,2% —-

Palencia 762 0,1% 20 0,2% —-

Toledo 593 0,1% 19 0,2% —-

Ciudad Real 504 0,1% 18 0,2% —-

Ávila 743 0,1% 15 0,1% —-

Guadalajara 326 0,1% 14 0,1% —-

Huelva 328 0,1% 13 0,1% —-

Huesca 440 0,1% 12 0,1% —-

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Soria 783 0,1% 12 0,1% —-

Gerona 1.283 0,2% 11 0,1% —-

Badajoz 486 0,1% 9 0,1% —-

Teruel 606 0,1% 9 0,1% —-

Álava 835 0,1% 7 0,1% —-

Cuenca 218 0,0% 7 0,1% —-

Segovia 221 0,0% 4 0,0% —-

Castellón 657 0,1% 3 0,0% —-

Total 564.530 100,0% 10.009 100,0% —-

Fuentes:

Columna 2: Salvador Palazón Ferrando, Capital humano español y desarrollo económico latinoamericano.Evolución, causas y características del flujo migratorio (1882-1990), Valencia, Institut de Cultura “JuanGil-Albert”, 1995, p. 295.Columna 4: Ministerio de Trabajo, Memoria de la labor realizada en 1959, Libro IV, Instituto Españolde Emigración, Madrid, 1960, p. 48.

Cuadro 2: Personas trasladadas dentro del Plan de Reagrupación Familiar,según países de destino (1956-1965)

Países de destino Nº personas reagrupadas

Venezuela 24.344

Brasil 18.588

Argentina 15.259

Uruguay 6.037

Colombia 1.630

Chile 1.331

Paraguay 171

Panamá 78

Costa Rica 55

Ecuador 5

Total 67.498

Fuente: “Reagrupación familiar en ultramar”, en Boletín Informativo de la Comisión Católica Españolade Migración, Nº 109, Marzo-Abril de 1966, Madrid, p. 7.

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Cuadro 3: Personas trasladadas dentro del Plan de Reagrupación Familiar,según países de destino (1956-1959)

Países de destino Nº personas reagrupadas Nº familias reagrupadas

Argentina 10.626 4.938

Venezuela 9.004 4.331

Brasil 7.335 3.800

Uruguay 3.129 1.441

Colombia 677 379

Chile 559 293

Paraguay 79 33

Costa Rica 3 2

Total 31.412 15.217

Fuente: “Resumen del Plan R. F.”, en Boletín Informativo de la Comisión Católica Española de Migración,Nº 39, Enero de 1960, Madrid, p. 7.

Cuadro 4: Parentesco del reclamante en la Argentina con el reclamado en Galiciao en España en general (Plan de Reagrupación de Familias)

Españoles reclamados (1959) Gallegos reclamados (1957-1963)

Reclamantes Nº % Nº %

Padres 251 16% 210 30%

Hermanos 291 19% 158 23%

Cónyuges 341 22% 119 17%

Hijos 377 24% 90 13%

Otros 303 19% 125 18%

Total 1.563 100% 702 100%

Fuentes:Columna 2: Ministerio de Trabajo, Memoria de la labor realizada en 1959, Libro IV, Instituto Españolde Emigración, Madrid, 1960, p. 46.Columna 4: Arquivo da Emigración Galega, Fichas de la Comisión Católica Española de Migraciónde La Coruña, 1957-1963.

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Gráfico 2: Distribución por edades de 704 migrantes gallegos (de ambos sexos)que tramitaron su traslado a la Argentina a través de la CCEM (1957-1963)

Fuente: Arquivo da Emigración Galega, Fichas de la Comisión Católica Española de Migración deLa Coruña, 1957-1963.

Cuadro 5: Distribución por edades de los gallegos de ambos sexos, arribados ala Argentina de manera espontánea (1924) o que tramitaron su traslado por laCCEM (1957-1963)

Gallegos “espontáneos” Gallegos “asistidos”(1er. trimestre 1924) (1957-1963)

Grupos de edades Nº % Nº %

0-14 100 9% 217 31%

15-29 585 55% 255 36%

30-44 259 24% 113 16%

45-59 104 10% 70 10%

60 y + 14 1% 49 7%

Totales 1.062 100% 704 100%

Fuentes:Columna 2: Base de Datos del CEMLA.Columna 4: Arquivo da Emigración Galega, Fichas de la Comisión Católica Española de Migraciónde La Coruña, 1957-1963.

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Cuadro 6: Destinos declarados de 697 migrantes gallegos que tramitaron sutraslado a la Argentina a través de la CCEM (1957-1963)

Destinos Destinos deslindados Nº emigrantes %

Capital Federal y Pcia. Bs. As. Capital Federal 4 0,6%Buenos Aires* 394 56,5%GBA Norte** 21 3,0%GBA Sur 201 28,8%GBA Oeste 41 5,9%Resto Pcia. Bs. As. 17 2,4%

Córdoba 1 0,1%

Rosario 11 1,6%

Entre Ríos 3 0,4%

Mendoza 2 0,3%

Santa Cruz 2 0,3%

Total 697 100,0%

* Resulta imposible discernir si se trataba de la Capital Federal o la Provincia de Buenos Aires.** GBA: Gran Buenos Aires.Fuente: Arquivo da Emigración Galega, Fichas de la Comisión Católica Española de Migración deLa Coruña, 1957-1963.

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Elites, políticos e instituições políticas:o Estado Novo no Brasil, de novo

Adriano Codato*

O título deste capítulo merece, antes de qualquer coisa, uma ex-plicação preliminar. Por que o Estado Novo “de novo”? Porque acreditoque seja necessário e urgente voltar ao estudo desse subperíodo da histó-ria política nacional para compreender mais e melhor um ponto capitaldo processo de transformação capitalista do Brasil: a reestruturação douniverso das elites – políticas, econômicas, ideológicas e sociais – naprimeira metade do século XX. Dados os paralelismos óbvios e as afini-dades ideológicas entre as elites intelectuais do Brasil e da Argentinaentre os anos 1920 e 1940 (que envolvem os diagnósticos sobre a crise, asalternativas aventadas, as representações da nação, a imagem projetadade si etc.)1, este texto deve servir também como um roteiro resumido dequestões que podem ser postas à historia e à historiografia argentina atítulo de comparação.

Essa volta ao Estado Novo sugerida aqui tem a ver com a necessi-dade de recuperar a dimensão histórica dos estudos políticos. Esse pro-grama de pesquisa não é um projeto puro e simples de combate ao pre-sentismo da Ciência Política nacional, nem um apelo contra o quantita-tivismo, ora dominante nas Ciências Sociais brasileiras. Na realidade, oque se pretende, neste curto ensaio, é enumerar alguns princípios inter-pretativos geradores de novas hipóteses de pesquisa. Trata-se, em resu-mo, de recombinar alguns elementos – conhecidos e desconhecidos –

* Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR);doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

1 Ver, em especial, José Luis Bendicho Beired, Sob o signo da nova ordem: intelectuais autoritáriosno Brasil e na Argentina. São Paulo: Edições Loyola, 1999; e Tulio Halperin Donghi, LaArgentina y la tormenta del mundo: ideas e ideologías entre 1930 y 1945. Buenos Aires: SigloXXI, 2004.

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para recriar uma nova agenda de pesquisas orientadas empiricamente eque possa servir de base para relevar semelhanças e diferenças entre ahistória política brasileira e a história política argentina.

Este ensaio está organizado em quatro partes. Na primeira, desta-co o que me parece um ponto cego importante nas análises tradicionaissobre as transformações do capitalismo no Brasil: o papel e o lugar dospolíticos profissionais. Esse tópico tem a ver não apenas com as óbviasmodificações ocorridas no campo político no pós-1930, com a redefini-ção de mandantes e mandados, mas constitui (ou melhor: pode consti-tuir) uma porta de entrada útil para entender as mudanças no própriocampo do poder. Daí o seu principal interesse.

Na seqüência, isolo o que me parecem ser duas variáveis chavepara toda essa discussão: a organização burocrática do regime ditatorial e,aí dentro, a questão, já bem discutida, da representação formal de interes-ses. O caso é que esses dois assuntos e principalmente a relação entreeles foram tematizados em função apenas de dois agentes sociais “fun-damentais”: os trabalhadores urbanos e os empresários industriais. Ela-boro uma explicação sobre por que os políticos profissionais, tão impor-tantes no regime anterior (1889-1930), sumiram do mapa – da historio-grafia e da sociologia, não da História.

Na terceira parte deste ensaio lembro que as soluções corporativis-tas e clientelistas, em oposição ao liberalismo oligárquico como o métodousual de solução de conflitos políticos e agregação e expressão de inte-resses e sociais durante a República Velha, não resolvem, por si só, aquestão mais delicada que é a de que fazer enfim com as antigas e outro-ra influentes classes políticas regionais.

A última seção do ensaio enfatiza a existência de uma pluralidadede aparelhos político-burocráticos, construídos para fazer frente, ou vi-abilizar, a presença e a participação de diferentes grupos de elite. Elesestão na origem da mudança, decisiva, dos critérios de recrutamentopara a constituição da nova elite estatal que deve comandar o processode construção do Estado nacional no Brasil depois de 1930. Nas conclu-sões, proponho a retomada de uma agenda de pesquisa e um métodomais adequado a ela e aos temas aqui discutidos.

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I. Campo do poder e fundamentos do poder

Ninguém ignora que entre os anos 1930 e 1945, grosso modo, houveuma redefinição da hierarquia entre os grupos dominantes (elites agrá-rias, industriais, comerciais), redefinição essa que repercutiu inclusive eprincipalmente sobre a “classe política” brasileira. É suficiente recordaraqui três acontecimentos, mais ou menos simultâneos, que tiveram umainfluência direta sobre o ordenamento dos políticos de carreira e da suacarreira política. Em primeiro plano, a substituição das lideranças tradi-cionais, graças à ascensão dos “revolucionários” de 1930; como conse-qüência dessa troca, o processo de nacionalização das forças políticas,que concluiu o ciclo dos partidos políticos regionais e pôs fim à hege-monia inconteste do Partido Republicano Paulista. Isso se deu em meioà transformação do Estado federal num Estado “forte” (isto é, com grandecapacidade de intervenção na economia e na sociedade), graças à cons-tituição de um aparelho de poder centralizado.

Esses eventos, resumidos bruscamente aqui, tiveram um alcancemaior do que se imagina. Houve, em grande medida, não só uma modi-ficação da posição dos atores no campo político, mas uma metamorfosedo próprio campo do poder2. Da mesma maneira, houve não só uma mu-dança da ideologia política dominante (do liberalismo oligárquico parao estatismo autoritário), mas dos fundamentos do poder (recursos políti-cos, predicados sociais, capacidades econômicas), o que terminou poralterar mesmo os princípios de legitimidade e os modos de operação dosistema político.

Há, todavia, um ponto cego na literatura sobre “os anos Vargas” eem especial sobre essa fase do “período populista” (1930-1964). Poucostrabalhos acadêmicos se dedicaram a estudar as elites políticas e, espe-cialmente, analisar de maneira mais detida o papel e o lugar dos políticos

Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto

2 O campo do poder é a fração do espaço social global composta pelas formas mais eficazes(“dominantes”) de capital. É um artifício teórico para diferenciar os tipos dominantes decapital. Os capitais que formam o campo do poder variam historicamente em função dahistória e o estado das relações de força entre as espécies de capital (e por derivação, entreas classes relativas a tais capitais). Por isso, qualquer definição que postule que “o campodo poder é formado pelos capitais x, y, z” é falsa. O campo do poder não passa de umartifício teórico para esclarecer melhor a estrutura do topo da pirâmide social. Já o campopolítico corresponde estritamente aos espaços sociais onde opera e é eficaz o capitalpropriamente político. Ver, entre outras referências, Pierre Bourdieu, La noblesse d’État:grandes écoles et esprit de corps. Paris: Les Éditions de Minuit, 1989, p. 371 e segs.

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profissionais no processo de transformação capitalista da sociedade brasileira.Além de tudo, o assunto mais geral que serve de moldura e viabilizaesse processo – as transformações político-institucionais do Estado e doregime depois de 1930 e durante o Estado Novo – está faz um bom tem-po fora da agenda de pesquisas da Ciência Política e da Sociologia Polí-tica brasileiras. A idéia corrente é que se trata de um tema já suficiente-mente debatido pela Historiografia e (aparentemente) esgotado.

Voltemos ainda que por um momento à história política do período.

II. A historiografia, a história e os políticos de profissão

Na cerimônia de instalação da Assembléia Constituinte, em 15 denovembro de 1933, Getúlio Vargas leu um volumoso relatório adminis-trativo. Aí se incluíam os gastos dos Ministérios da Guerra e da Viação,o dispêndio anual com as compras de café, a reestruturação da ferroviaCentral do Brasil, a questão dos limites de fronteira, as obras contra assecas, e por aí afora. Antes de revisar os prodígios do Governo Provisó-rio (1930-1934), o redator julgou que seria adequado enfeitar o texto comum tratado de história política do Brasil, um balanço sobre a conjunturapós-revolucionária e uma aula sobre “O Estado moderno”. Ao abordaro assunto do recém editado Código Eleitoral, uma antiga reivindicaçãodos “revolucionários” de 1930, o Presidente lembrou o seguinte:

A composição do Estado, como aparelho político e administrativo, pres-supõe, nos regimes democráticos, a legitimidade da representação po-pular. Conhece-se, sobejamente, em que consistia essa representação,antes do movimento revolucionário [de 1930]: alistamento inidôneo, elei-ções falsas e reconhecimentos fraudulentos. Ora, o que legitima o poder é oconsentimento dos governados; logo, onde a representação do povo falha,este poder será tudo, menos órgão legal da soberania da Nação3.

Esses tópicos – a estrutura do Estado, o caráter do regime, o tipo delegitimidade –, reunidos no capítulo da reorganização política do País,serão o assunto imprescindível dos anos trinta no Brasil e as variaçõesquanto ao modo de medir o “consentimento dos governados”, ou me-

3 Getulio Vargas, Mensagem lida perante a Assembléia Nacional Constituinte, no ato de suainstalação, em 15 de novembro de 1933. In: ______. A nova política do Brasil. Rio de Janeiro:José Olympio, 1938, vol. III: A realidade nacional em 1933; Retrospecto das realizações dogoverno (1934), p. 28-29; grifos meus.

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lhor, de dirigir a participação dos chefiados, desde as elites até as mas-sas, será a paixão dos protagonistas e dos cientistas da política dessaépoca. Tanto é assim que tanto a história política quanto a história dasidéias políticas do primeiro governo Vargas (1930-1945) têm como baseterapias institucionais e reformas constitucionais fundamentadas em umasérie de objetivos comuns entre ideólogos e a nova classe dirigente. Eramais do que urgente organizar a Nação, orientar o Povo, fortalecer oEstado e desenvolver o País. Nesse sentido, o Estado Novo, o regimeque enfim viabilizou esses propósitos, não foi certamente a realizaçãoplena de uma idéia, mas seu figurino não ficou muito distante das aspi-rações práticas dos teóricos do autoritarismo4.

Da engenharia política que resultou desse encontro entre os no-vos agentes políticos e intérpretes do Brasil nos anos 1930 e 1940, doispontos são mais relevantes e constituem o ponto de partida da minhadiscussão: a organização institucional do regime ditatorial e, dentro dela,a questão política e ideológica da representação de interesses em con-textos “não democráticos”.

As duas variáveis – instituições e interesses – estão conectadas. Aestrutura do regime (mais do que suas práticas “informais”) condicio-na, em sentido amplo, as formas e os mecanismos de representação. Es-sas variáveis, por sua vez, impõem, de maneira estrita, os parâmetrosdo programa – em grande parte improvisado, diga-se – de recrutamen-to e remanejamento de indivíduos e grupos no universo das elites polí-ticas, alterando tanto sua hierarquia, quanto sua ecologia, isto é, suasrelações com o meio ambiente político.

A primeira relação causal (entre a forma do regime e o modo derepresentação de interesses) já foi bem estudada pela Sociologia Políticae pela História Política brasileiras. Contudo, a maioria das análises de-dicou-se a explicar o comportamento político e a estrutura que moldaesse comportamento de dois agentes sociais, apenas: os trabalhadoresurbanos, controlados pela estrutura sindical oficial e/ou pelo populis-mo presidencial, e os empresários industriais, submetidos a formas “cor-porativistas” de representação de interesses5. Como o Estado Novo já

Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto

4 Para essa constatação, ver, entre outros, Daniel Pécaut, Os intelectuais e a política no Brasil:entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990, p. 46 e segs.

5 Para uma discussão abrangente desse tópico, ver Maria Antonieta P. Leopoldi, Política einteresses: as associações industriais, a política econômica e o Estado na industrializaçãobrasileira. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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foi, sintomaticamente, assimilado a um regime político sem política (aopinião é de Thomas Skidmore6) e, por dedução, sem políticos (excetoaqueles que gravitavam em torno do Presidente e que faziam, por su-posto, a política da Presidência), a ausência dos mecanismos liberais derepresentação de interesses (partidos, eleições, parlamentos etc.) dissi-mulou o lugar e o papel da “classe política” sem que ela tivesse, toda-via, sido anulada ou houvesse simplesmente desaparecido7. Como con-seqüência, os políticos profissionais tornaram-se ora invisíveis, ora se-cundários, ora importantes apenas porque integravam, através das In-terventorias Federais nos estados, um esquema político cujo objetivo emeios os ultrapassavam intencionalmente: a nacionalização das estru-turas de dominação através da centralização do poder executivo no Exe-cutivo federal.

O sumiço dos políticos de carreira dos estudos políticos é um as-sunto em si mesmo. Por que essa percepção? Basicamente por dois mo-tivos, arrisco. Em primeiro lugar porque a tentação mais comum é a deassimilar “política” à “política democrática”, esta definida restritivamen-te como “competição eleitoral”. Em segundo lugar porque se preferiuacreditar que durante esse período a “administração” de uma burocra-cia em vias de se profissionalizar substituiu a “política” dos grupos deinteresse.

Focado nas classes fundamentais, esse ponto de vista não deixa deser curioso, já que a historiografia política do período 1930-1937 (oumesmo do período 1937-1945) foi durante bom tempo, e em grande par-te, uma crônica tradicional dos acontecimentos políticos tradicionais,reduzidos a alguns personagens políticos, ou “atores”, e a suas ações/opções “estratégicas”. Testemunha disso são os vários estudos descriti-vos e os ensaios políticos sobre esse intervalo de tempo. Refiro-me aquiaos trabalhos, muitíssimo bem documentados, de Hélio Silva e EdgardCarone, mas também aos ensaios clássicos de Virginio Santa Rosa (O

6 Ver, para a fundamentação dessa opinião, Thomas E. Skidmore, Brasil: de Getúlio Vargasa Castelo Branco, 1930-1964. 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 61-62.

7 Em seu depoimento ao CPDOC, o ex-deputado do PSD pernambucano e ministro daAgricultura do governo Café Filho, José da Costa Porto, ressalta “uma coisa curiosa” e quefreqüentemente não tem chamado a atenção dos analistas: “o golpe de 10 de Novembroacabou com a política mas não podia acabar com as lideranças políticas. As liderançascontinuaram”. Valentina da Rocha Lima (coord.), Getúlio: uma história oral. 2ª. ed. Rio deJaneiro: Record, 1986, p. 135.

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sentido do tenetismo), Barbosa Lima Sobrinho (A Verdade Sobre a Revoluçãode Outubro de 1930), José Maria Bello (História da República), Pedro Cal-mon e tantos outros8.

III. Clientelismo, corporativismo, parlamentarismo:limites da solução antiliberal

Tendo essas informações bibliográficas em mente, gostaria de in-sistir sobre outras razões para entender o problema de por que “os polí-ticos” têm usualmente ficado de fora dos estudos de Sociologia Políticaquando se trata de explicar a configuração do espaço político entre 1937e 1945, o que inclui suas regras escritas (suas instituições) e não escritas(sua lógica implícita), e a serventia dos seus operadores para a naciona-lização da política brasileira e a “modernização” do capitalismo brasi-leiro.

Antes de tudo em toda essa discussão há um ponto no horizonte eque valeria a pena ter sempre presente, já que ele joga, nesse contextohistórico, um papel capital: a formação e a transformação do Estadonacional brasileiro no pós-1930 Não é possível entender o processo ne-cessariamente complexo de State building sem ter presente todos os (oua maioria dos) agentes sociais, seus lugares e seus papéis, já que nemtudo decorre “do capitalismo” e das suas metamorfoses.

Quando se retoma um assunto central para esse período – quaissão os novos meios e modos da representação de interesses – é possível mos-trar que a reconstituição do processo político brasileiro no pós-1930 im-plica com algumas interpretações da política brasileira do pós-1930. Es-sas lições, ao tratarem do mesmíssimo problema, não dão a devida aten-ção para o alcance e as conseqüências das várias soluções institucionaisformuladas pelo Estado Novo ao longo de seu desenvolvimento para

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8 Ver a compilação de Ana Lígia Medeiros e Mônica Hirst (orgs.), Bibliografia histórica: 1930-45. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. Para uma análise dos efeitos do campopolítico sobre a historiografia do campo político (Virginio Santa Rosa, Barbosa LimaSobrinho, José Maria Bello, Pedro Calmon etc.), consultar Vavy Pacheco Borges, Anos trintae política: história e historiografia. In: Freitas, Marcos Cezar de (org.), Historiografia brasileiraem perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, p. 159-182. Um comentário da produção sobre ahistória regional e sua submissão à ideologia oficial do regime pode ser lido em SandraJatahy Pesavento, Historiografia do Estado Novo: visões regionais. In: Silva, José LuizWerneck da (org.), O feixe e o prisma: uma revisão do Estado Novo. Rio de janeiro: Zahar,1991, p. 132-140.

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fazer frente a vários tipos de interesses – sociais, econômicos, sindicais,burocráticos etc. –, insistindo quase sempre ou na vigência do clientelis-mo tradicional, ou na supremacia do corporativismo estatal, por oposição,ou em substituição, ao parlamentarismo liberal.

Ninguém ignora que o corporativismo, tendo assumido fumos dedoutrina oficial do Estado9, não se limitou, no Estado Novo, a ser umahomenagem à ideologia da moda – como testemunham aliás o sindica-lismo de Estado e a Justiça do Trabalho. Entretanto, ele nunca se conver-teu num princípio de organização da sociedade ou num sistema com-pleto de governo, como em outros países. Isso se deveu, possivelmente,não a dificuldades operacionais, mas à ausência de um único projetopara vincular os grupos e classes sociais, através de suas “entidades”,ao aparelho do Estado. Alvaro Barreto anota, a propósito, a existênciade pelo menos quatro modelos distintos de “corporativismo”, sustenta-dos por quatro tipos de forças distintas: os políticos profissionais, oempresariado paulista, os intelectuais e os tenentes10. Numa situaçãoassim em geral a resultante é nenhuma.

Por sua vez, o clientelismo foi muitas vezes concebido e apresen-tado como o custo político a ser pago às oligarquias tradicionais em tro-ca da racionalização de algumas práticas e de algumas partes do apare-lho do Estado. Mesmo Eli Diniz, que não desconhece a complexidadeda “estrutura de poder” do Estado Novo (a existência de diversos níveis

9 Cf. o artigo 140 da Constituição de 1937: “A economia da produção será organizada emcorporações, e estas, como entidades representativas das forças do trabalho nacional,colocadas sob assistência e proteção do Estado, são órgãos deste e exercem funçõesdelegadas de poder público”. Citado a partir de Walter Costa Porto, A Constituição de1937. Brasília: Escopo, 1987, p. 72.

10 Ver Alvaro Augusto de Borba Barreto, Representação das associações profissionais noBrasil: o debate dos anos 1930. Revista de Sociologia e Política, n. 22, p. 119-133, 2004. “Duasquestões estiveram em pauta e em torno delas formaram-se os diferentes grupos emdisputa: a natureza das organizações e a função que ocupariam no aparato estatal. A defesada organização e administração autônomas das entidades foi a bandeira de luta doempresariado, notadamente o industrial, frente ao governo de Vargas e a seus apoiadores,que queriam disciplinar e definir o processo de formação das associações de classe. [...]No que tange ao papel a ser exercido pelas entidades, havia duas opções: funçõesdeliberativas ou consultivas, a chamada “representação parlamentar” ou em “conselhostécnicos”. No primeiro grupo, militava um amplo leque de personagens, em que sedestacavam: o governo Vargas, o Clube Três de Outubro, o Bloco do Norte, mais a bancadaconstituinte dos empregados e a maioria da dos empregadores. A favor da segunda idéiaapareciam vários intelectuais e, principalmente, o CIESP-FIESP, que atuou ao lado daChapa Única por São Paulo Unido” (p. 129).

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decisórios com comandos próprios e clientes distintos), bem ao contrá-rio, chama a atenção para ela, não vê, por exemplo, no esquema Inter-ventorias/Departamentos Administrativos e no sistema dos conselhoseconômicos “corporativos” instituições específicas submetidas a lógicasespecíficas. Ao que parece, elas são tão somente formas diferentes domesmo processo de transposição do conflito político (no primeiro caso)e do conflito social (no segundo) para o aparelho do Estado como umrecurso funcional, ao lado de todos os outros tentados no primeiro go-verno Vargas (racionalização burocrática, centralização decisória, refor-ço da autoridade nacional etc.), para fundamentar e ampliar sua “auto-nomia relativa”11.

Na realidade, as disposições práticas, as fórmulas institucionais eos arranjos políticos que valem para os conselhos de política econômicae suas respectivas agendas decisórias não valem, ipso facto, para acomo-dar as antigas e outrora influentes classes políticas regionais. Elas nãosão apenas a parte menor do problema visto que a viabilidade da trans-formação capitalista do país depende também disso e da nova equaçãopara recrutar e conformar, a partir da velha elite política, a futura eliteestatal.

IV. Por uma visão sociológica das instituições do Estado

Todavia, o defeito mais grave da maior parte das análises políti-cas sobre o período não, penso, é desconhecer a multiplicidade de apa-relhos estatais e a variedade de interesses e, por extensão, de métodosde agregação de interesses a eles conectados (clientelismo, corporativis-mo, parlamentarismo). Está antes em reconhecer a existência de dife-rentes “órgãos políticos” e derivar essa variedade a partir das funções“constitucionais”, isto é, legais, formais desses órgãos.

O formalismo jurídico dessas visões, onde o exemplo nativo podeser encontrado nas várias “teorizações” a respeito da superioridade daorganização política do Estado Novo diante da Constituição de 1934,está justamente em desconsiderar que a existência de aparelhos políticos

Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto

11 Eli Diniz, O Estado Novo: estrutura de poder; relações de classes. In: Fausto, Boris (org.),História geral da civilização brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 3º. vol. Sociedade ePolítica (1930-1964). 5ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991, p. 107-120, especialmente.

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diferentes (interventorias, departamentos administrativos, conselhos téc-nicos, órgãos de assessoria, aparelhos ideológicos) decorre da presença deforças políticas diferentes, e não o contrário. Logo, quanto mais elites, maisaparelhos; e não quanto mais aparelhos, mais elites.

Sobre isso, Gaetano Mosca lembra, com o perdão do sociologis-mo, que o equilíbrio entre os aparelhos de Estado ou a subordinação deum aparelho a outro é o resultado do equilíbrio ou da subordinação dasdiferentes frações da “classe dirigente” entre si12. O estudo de determi-nadas instituições deveria ao menos ter presente as forças sociais deter-minadas que animam tais instituições.

A opinião de Mosca sugere que devemos ter sempre em vista trêsaspectos ao tratar dos problemas referidos à “classe política” e à repre-sentação de interesses: i) a profusão de elites políticas (e suas lutas inter-nas); ii) a multiplicidade de interesses a representar (e suas discrepâncias);e iii) a quantidade de aparelhos políticos (e, em especial, seus tipos) quecanalizam, e às vezes redefinem, essa elites e esses interesses. A topo-grafia do sistema estatal e a maior ou menor complexidade das institui-ções políticas do regime político – bem como as formas de representa-ção admitidas como mais legítimas, mais eficientes, mais eficazes –mudam, segundo elem conforme muda o “comportamento” dessas va-riáveis.

Isso posto, não se julga adequadamente essa temporada da histó-ria política nacional se não se repensa quais são os direitos de entradano universo das elites, isto é, os meios e os modos de ingresso no microcos-mo político, ele próprio em plena transformação.

Os meios compreendem, resumidamente, as pré-condições (os“atributos”) que um grupo de elite tem de exibir para ter acesso à arenapolítica. Eles tanto são sociais, isto é, envolvem origem, formação, profis-são etc., quanto políticos, ou seja, envolvem cargos, postos e posições nacarreira pública. Os modos abrangem as instituições ou, mais propria-mente, os mecanismos institucionais que servem de caminho (as “ave-

12 É o que se depreende, por exemplo, da seguinte passagem: “[...] um órgão político, paraser eficaz e limitar a ação do outro, deve representar uma força política, deve ser aorganização de uma autoridade e uma influência social que represente algo na sociedade,frente à outra que se encarna no órgão político que se deve controlar”. Gaetano Mosca, Laclase política. México: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 194-195.

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nidas”, na expressão de Anthony Giddens) para que os profissionais dapolítica se constituam como tais13.

Visto que o sistema político, em especial durante o regime do Es-tado Novo, era muito fechado e burocratizado, é impossível referir-seao processo de recrutamento das elites políticas sem pensar nas instituiçõesestatais (e em sua configuração particular) que o tornaram possível. Nessecaso específico, minha suposição é que o critério de recrutamento (o“como”) deve ser bem mais importante que a fonte de recrutamento (o“quem”), sem que se possa, evidentemente, desconsiderá-lo. De todaforma, o modo de ingresso e suas exigências implícitas e explícitas con-tribuem decisivamente para modificar o próprio perfil da elite.

A meu ver, a vantagem, ao levantar esse problema, é que se podeindicar tanto a função social quanto o significado político dos aparelhosburocráticos que dão acesso privilegiado ao universo político. Por outrolado, quando se identifica os locais de ingresso no jogo, pode-se isolar,para fins de análise, o grupo de elite eleito e apontar, o mais fielmentepossível, as “qualidades” (social backgrounds) que o tornaram apto parao exercício do poder. Esse procedimento metodológico, por assim dizer,permite não só localizar e identificar esse agente social que aparente-mente desapareceu durante a ditadura do Estado Novo, mas mostrarcomo, quando e onde a elite política pôde metamorfosear-se em eliteestatal.

Conclusões

A Revolução de 1930 e em especial o Estado Novo (1937-1945) sãomomentos de redefinição das hierarquias na estrutura social e no uni-verso das elites políticas. O regime ditatorial viabilizou, graças ao auto-ritarismo que bloqueou outras alternativas políticas, uma tripla conver-são: i) do predomínio das elites estaduais para o predomínio das elitesnacionais; ii) do arranjo político garantido por um Estado federal para umarranjo político garantido pelo Estado centralizado; e iii) a conversão deuma economia baseada exclusivamente no capitalismo comercial para umaeconomia baseada progressivamente no capitalismo industrial.

Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto

13 Ver Anthony Giddens, Elites in the British Class Structure. In: Stanworth, Philip e Giddens,Anthony (eds.), Elites and Power in British Society. Cambridge: Cambridge University Press,1974, p. 4.

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O segundo e o terceiro processos foram entendidos pela literaturaespecializada como os processos de “construção do Estado brasileiro” ede “modernização do capitalismo nacional”, respectivamente. Já as trans-formações no mundo político, cuja face mais visível e mais espetacularfoi o declínio dos partidos da oligarquia e das lideranças tradicionais,foram percebidos ora como conseqüência lógica dessas macro-transfor-mações, ora como pré-requisito histórico necessário para impor um novoprojeto de desenvolvimento. Sustentamos que tanto a construção dacapacidade estatal de intervenção na vida social nacional, quanto as trans-formações propriamente econômicas no pós-30 não podem ser explica-das inteiramente sem entender o destino dos políticos profissionais nanova estrutura de dominação.

Esse novo enfoque, ou mais exatamente, esse novo/velho objetorecuperado permite repensar duas questões mais amplas do que aque-las referidas exclusivamente às trocas de lugar entre grupos de elites epartidos na cena política e à comutação da ideologia política liberal-oligárquica pelo autoritarismo burocrático.

Há, nesse momento, tanto uma reforma do campo do poder quantodos fundamentos do poder. Nesse sentido, seria especialmente útil conhe-cer o perfil da nova classe política nacional que pilota os aparelhos doEstado. Estudos prosopográficos ou biografias coletivas são, no caso, oinstrumento mais adequado para avaliar a profundidade e a direçãodessas mudanças sócio-políticas. Um programa de pesquisa – compara-tivo – bem poderia começar daqui.

Referências bibliográficas

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