experiÊncia operÁriaoperÁrios no palco – o teatro anarquista na primeira repÚblica

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- 1 - Universidade Nove de Julho – Uninove Curso: História Disciplina: História do Brasil III (2012-1) Professor responsável: Geraldo José Alves Luisa Leinns Ribeiro dos Santos – RA: 911120319 – 3º Semestre – Manhã TEMÁTICA: A EXPERIÊNCIA OPERÁRIA OPERÁRIOS NO PALCO – O TEATRO ANARQUISTA NA PRIMEIRA REPÚBLICA A abolição da escravidão, ocorrida em 1888 lançou no mercado de trabalho uma classe que se encontrou desamparada. Eles, os negros, precisavam conseguir emprego para sua subsistência. Além do emprego, que estava escasso, ainda precisaram disputar o que encontravam com um grupo social que emergia nos primeiros anos da República, os imigrantes. Esses frutos da política de embranquecimento da elite paulista, eram atraídos pela expansão cafeeira que vivia o Brasil, e buscavam aqui melhores condições de vida. Do crescimento industrial da década de 1880 e da Proclamação da República em 1889, emergiu no Brasil uma nova classe, o proletariado. De acordo com Cláudio Batalha, a participação da mão de obra européia ficou principalmente concentrada nos estados de São Paulo e no Sul, e a mão de obra negra foi mais significativa no restante do Brasil. Esse proletariado viu surgir uma esperança em participar das decisões políticas, com “certo entusiasmo quanto às novas possibilidades de participação” (CARVALHO, 1987:12), assim, “os operários, ou parte deles, tentaram se organizar em partidos” (CARVALHO, 1987:23),mas foram inúmeros os fatores que dificultaram a organização e a luta dos operários, entre eles a Constituição, onde mendigos e analfabetos não podiam exercer o poder do voto. Em termos numéricos na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, apenas 20% da população brasileira poderiam realizá-lo, os 80% restantes foram excluídos. (CARVALHO, 1987:85). A condição de vida da classe operária era precária e nas fábricas tinham uma jornada cansativa, como nos mostra Nicolau Sevcenko: “[...] O próprio cotidiano dos operários era marcado por uma violência repressiva latente e estrutural no mercado de trabalho paulista. Fosse pela excessiva oferta de mão-de-obra na maior parte do tempo, fosse pelas rivalidades étnicas convenientemente exploradas, fosse ainda pela alta rotatividade dos empregados mantida como política das fábricas, os operários se encontravam sempre num quadro adverso. Acima de tudo, a disciplina nas fábricas e as longas jornadas de trabalho, marcadas pela vigilância implacável, pela multas, humilhações,

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  • 1. -1-Universidade Nove de Julho UninoveCurso: HistriaDisciplina: Histria do Brasil III (2012-1)Professor responsvel: Geraldo Jos AlvesLuisa Leinns Ribeiro dos Santos RA: 911120319 3 Semestre ManhTEMTICA: A EXPERINCIA OPERRIAOPERRIOS NO PALCO O TEATRO ANARQUISTA NA PRIMEIRA REPBLICAA abolio da escravido, ocorrida em 1888 lanou no mercado de trabalho umaclasse que se encontrou desamparada. Eles, os negros, precisavam conseguiremprego para sua subsistncia. Alm do emprego, que estava escasso, aindaprecisaram disputar o que encontravam com um grupo social que emergia nosprimeiros anos da Repblica, os imigrantes. Esses frutos da poltica deembranquecimento da elite paulista, eram atrados pela expanso cafeeira que vivia oBrasil, e buscavam aqui melhores condies de vida.Do crescimento industrial da dcada de 1880 e da Proclamao da Repblica em1889, emergiu no Brasil uma nova classe, o proletariado. De acordo com CludioBatalha, a participao da mo de obra europia ficou principalmente concentrada nosestados de So Paulo e no Sul, e a mo de obra negra foi mais significativa norestante do Brasil.Esse proletariado viu surgir uma esperana em participar das decises polticas, comcerto entusiasmo quanto s novas possibilidades de participao (CARVALHO,1987:12), assim, os operrios, ou parte deles, tentaram se organizar em partidos(CARVALHO, 1987:23),mas foram inmeros os fatores que dificultaram a organizaoe a luta dos operrios, entre eles a Constituio, onde mendigos e analfabetos nopodiam exercer o poder do voto. Em termos numricos na cidade do Rio de Janeiro,por exemplo, apenas 20% da populao brasileira poderiam realiz-lo, os 80%restantes foram excludos. (CARVALHO, 1987:85).A condio de vida da classe operria era precria e nas fbricas tinham uma jornadacansativa, como nos mostra Nicolau Sevcenko: [...] O prprio cotidiano dos operrios era marcado por uma violncia repressiva latente e estrutural no mercado de trabalho paulista. Fosse pela excessiva oferta de mo-de-obra na maior parte do tempo, fosse pelas rivalidades tnicas convenientemente exploradas, fosse ainda pela alta rotatividade dos empregados mantida como poltica das fbricas, os operrios se encontravam sempre num quadro adverso. Acima de tudo, a disciplina nas fbricas e as longas jornadas de trabalho, marcadas pela vigilncia implacvel, pela multas, humilhaes,
  • 2. -2- proibies, punies, demisses sumrias e, no caso das crianas, por espancamentos e castigos fsicos, fazia os jornais operrios e comunitrios falarem em regimes de gals e escravido. (SEVCENKO, 1992:144)A situao nas ruas tambm no era muito diferente do modo repressivo das fbricas.(Sevcenko, 1992: 145).Com todas essas alteraes, o campo das mentalidades tambm atingido e entre ofim do sculo XIX e incio do sculo XX, circularam por todo o pas, vrias correntes deidias, das quais podemos citar o positivismo, o liberalismo, socialismo e anarquismo.Jos Murilo de Carvalho retrata isso com muita clareza em seu livro OsBestializados: A Repblica no produziu correntes ideolgicas prprias ou novas vises estticas. Mas, por um momento houve um abrir de janelas, por onde circularam livremente idias que antes se continham no recatado mundo imperial [...] misturavam-se sem muita preocupao lgica ou substantiva, vrias vertentes do pensamento europeu. Algumas delas j tinham sido incorporadas durante o Imprio, como o liberalismo e o positivismo; outras foram impulsionadas como o socialismo; outras ainda foram somente ento importadas como o anarquismo (CARVALHO, 1987:24)Com o intuito de combater o governo, a classe operria se dividiu em duas principaisideologias: os socialistas e os anarquistas. Segundo Carvalho, a ideologia socialistaacreditava que era possvel democratizar a Repblica, com uma proposta mais ousadado que aquela que predominava nos histricos. E a ideologia anarquista rejeitavaradicalmente o sistema que os rejeitava (CARVALHO, 1987:37) e surgiu a partir domomento em que houve um desencanto por conta da ausncia de sensibilidade donovo regime em relao s reformas democratizantes. O que levou o anarquismo a suplantar o socialismo na preferncia de muitos militantes operrios deve-se menos as caractersticas do tipo de trabalhador que militava nesse movimento e muito mais s condies polticas do Brasil da Primeira Repblica. (BATALHA, 2003:172)O presente estudo buscar analisar a cultura dos operrios anarquistas no teatro esua contribuio para a formao de uma conscincia de classe.UMA ARMA DESTINADA A FAZER REBELDESOs imigrantes que vinham para a Amrica a partir da segunda metade do sculo XIX,com o objetivo de trabalharem na lavoura e mais tarde na indstria, traziam consigo,a doutrina anarquista.
  • 3. -3- Os europeus foram recebidos como homens que traziam para c sua fora de trabalho. O pas ignorou durante muito tempo que alm dessa fora, esses homens traziam uma cultura prpria e, conseqentemente sua prpria arte [...] criaram o seu espao cultural dentro da cidade. Durante pelo menos trs dcadas cantaram as suas canes na lngua do pas de origem e construram bairros com uma fisionomia mediterrnea, escreveram e publicaram os seus jornais e encenaram, todos os sbados as peas que representavam as suas aspiraes de trabalhadores oprimidos [...]. (VARGAS, 1980:13)A classe operria como uma realidade histrica, essa classe unida em favor de umacausa surgiu de um processo conflituoso segundo Claudio Batalha, marcado poravanos e recuos, isso que confirma seu carter de classe, essa organizao, estemovimento. E esse movimento que ganha fora nos primeiros anos da Repblicatendo um discurso contra a elite, o Estado e o autoritarismo. Este autoritarismo paraos anarquistas, o fator principal no distanciamento que se criou entre os homens.(FACCIO, 1991:III.1)Antes do final do sculo XIX comeou a se formar no Brasil o teatro social libertrio,mas foi a partir de 1900 que ganhou impulso e avanou junto com o movimentooperrio e os grupos anarquistas.Para Maria Thereza Vargas, compor versos, ou escrever textos dramticos, era direitodado a todos dentro da doutrina anarquista. Segundo Hardman e Vargas, dentre aproduo escrita no Brasil, as peas que mais se destacaram foram de Neno Vasco,Mota Assuno, Avelino Fscolo, Pedro Catallo e Marino Spagnolo.Cada operrio compunha o teatro e o desenvolvia de acordo com a sua especialidade.A cultura e o lazer era algo que tambm necessitava ser satisfeito na classe operria,no sendo apenas um bem da elite, mas devido falta de recursos, as encenaeseram precrias, e o figurino, por exemplo, era simples, pois faltava dinheiro e o tempoque os operrios passavam nas fbricas no lhes permitiam confeccionar algo especialpara cada representao. Vale ressaltar aqui, que as mensagens transmitidas erammais importantes que a caracterizao.O Teatro social era visto pelos anarquistas como meio de propagar suas ideologias. Para o fortalecimento das relaes entre eles e o revigoramento constante de suas idias e momentos de luta, foram criadas associaes de socorro mtuo, federaes operrias, centros de cultura, e neste surgiram grupos dramticos que se apresentavam nas ocasies em que havia palestras, cantos e bailes. (VARGAS, 2009:XI)Ainda sobre isso, Luiza Faccio em sua dissertao de mestrado Libertrios noTeatro, diz:
  • 4. -4- Na luta pela construo de uma conscincia crtica operria, os militantes anarquistas elegeram o teatro como uma forma de chegar ao pblico. Alm dele, [...] promoviam ainda festivais, conferncias e em todas essas atividades a cultura era pensada fundamentalmente como meio de emancipao, e como tal, deveria ser fortalecida para resistir aos males da ordem dominante e fosse como um campo de treinamento para a comunidade do porvir. (FACCIO, 1991: V.1)O teatro meio, uma arma destinada a fazer rebeldes (HARDMAN, 1984:90). Assim queriam os anarquistas, exercitar uma arte que fosse a expresso de um momento vivido, um exerccio atento s falhas da sociedade, suas contradies e violncias. Uma dramaturgia perfeita, portanto, seria aquela cujas palavras conseguissem tecer amostras de vida, de certa forma ainda incompletas enquanto no conquistassem o direito de se tornarem livres, no sentido amplo da palavra, e atravs dessa conquista atingissem a existncia plena, como um direito (VARGAS, 2009:X).Usado como forma de conscientizar as pessoas, havia uma preocupao por parte deseus idealizadores em preparar o povo para a vivncia em uma nova sociedade,aquela em que eles pretendiam construir. Destinado a corrigir falhas, o teatropretendia fazer com que a sociedade fosse mais justa e igualitria. Para isso erapreciso operar sobre a conscincia do espectador e comov-los ao identificar o queestava sendo encenado com seus problemas cotidianos. A forma que elesconsideravam mais eficaz para alcanar seus objetivos era lutar contra a opresso eacabar com velhas supersties que envolviam, por exemplo, a ptria, a propriedadee a religio. Tomada como uma farsa, a vida impe ao intelectual anarquista uma opo esttica pelo desmascaramento dos farsantes o que transforma o palco ou a rua num lcus dramtico marcado pelo drama e pela tragdia, esta ltima pelo apelo popular das solues radicais contra o poder e os poderosos enquanto indivduos ou instituies (FACCIO, 1991:V.10)Avelino Fscolo em sua pea O Semeador levanta todos os pontos fracos de uma svez, ele aponta o dinheiro como o pai supremo da injustia contra o trabalhadorbraal, o responsvel em grande parte pela opresso que sofre a mulher, pela faltaproposital de instruo, pela devastao do solo e pelo mau uso da terra (VARGAS,2009:XVI). Uma vez compreendido o ideal fundador dessa comunidade por aqueleshistoricamente excludos do direito de gerncia do prprio destino, nada mais os farretornar a situao de opresso em que viviam (FACCIO, 1991:V.22).Todos os dramaturgos citados neste texto tinham uma certeza quanto a sua parcelade responsabilidade a construo dos homens e mulheres que construiriam um novomundo. Sendo este, portanto o principal objetivo do teatro operrio anarquista,
  • 5. -5-construir na classe, no movimento, na organizao um sentimento de luta e deconcretizao de seus ideais.CONCLUSOAs grandes expectativas quanto a Primeira Repblica foram transformadas eminsatisfao da populao operria gerando neles uma grande desiluso conformeafirma Cludio Batalha. A partir desse momento surgiram vrios grupos paracombater o autoritarismo do Estado. A ideologia anarquista se destacou na classeoperria e contribuiu para formar uma conscincia no proletariado de reivindicar ecombater todas as formas de domnio sobre eles. Um dos principais meios depropagao dessas idias foi o teatro social, composto por operrios, ele denunciavaas falhas da sociedade e do momento vivido.
  • 6. -6-REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:BATALHA, Claudio Henrique de Moraes. Formao da classe operria e projetos deidentidade coletiva, in: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org.)- O Brasil Republicano I: O Tempo do Liberalismo Excludente. Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, 2003, pp. 161-189.CARVALHO, Jos Murilo de. Bestializados: O Rio de Janeiro e a Repblica que no foi.So Paulo: Companhia das Letras, 1987FACCIO, Luiza. Libertrios no teatro. Campinas: UNICAMP, 1991HARDMAN, Francisco Foot. Nem ptria nem patro, SP: Brasiliense, 2. ed., 1984RODRIGUES, Edgar. Os anarquistas: Trabalhadores italianos no Brasil, SP: Global,1984SEVCENKO, Nicolau. Orfeu exttico na metrpole: So Paulo, sociedade e cultura, nosfrementes anos 20. So Paulo: Companhia das Letras, 2009.VARGAS, Maria Thereza (org.). Antologia do teatro anarquista, SP: Martins Fontes,2009VARGAS, Maria Thereza. Teatro operrio na cidade de So Paulo, SP: SecretariaMunicipal de Cultura, Departamento de Informao eDocumentao Artsticas, Centro de Pesquisa de Arte Brasileira, 1980.