experiência consciente e cérebro

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Como a experiência consciente pode afetar o cérebro? 1 http://cogprints.org/2750/01/JCSVelmans2001.final.htm Max Velmans, Departamento de Psicologia, Goldsmiths, University of London, New Cross, London SE14 6NW, England. Journal of Consciousness Studies, 9(11), 2002, pp.3-29. (Artigo produzido para edição especial) RESUMO No nosso dia-a-dia, aceitamos que possuímos controle consciente de algumas de nossas ações, e que a parte de nós que exerce esse controle é a mente consciente. A medicina psicossomática também assume que a mente consciente pode afetar os estados corporais, amparada na evidência de que a utilização de sugestão imagética, hipnose, biofeedback 2 e outras “intervenções mentais” podem ser utilizadas em diversos tratamentos. Entretanto, não há qualquer teoria aceita a respeito da interação entre a mente o corpo, e isso tem um efeito negativo sobre a aceitação da causação mental na ciência, na filosofia e em diversas áreas da prática clínica. 1 Traduzido por Pedro Rocha de Oliveira, Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2 O biofeedback é uma forma de medicina alternativa que consiste, fundamentalmente, em apresentar ao paciente, em tempo real, medições de seus processos corporais (tais como pressão sangüínea, temperatura, taxa de batimentos cardíacos) visando aumentar sua consciência e o controle das atividades fisiológicas a eles relacionadas. (Nota do Tradutor.)

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Tradução de artigo do filósofo Max Velmans sobre o problema da causação mental.

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Como a experincia consciente poderia afetar o crebro

Como a experincia consciente pode afetar o crebro?

http://cogprints.org/2750/01/JCSVelmans2001.final.htm

Max Velmans, Departamento de Psicologia, Goldsmiths, University of London, New Cross, London SE14 6NW, England.Journal of Consciousness Studies, 9(11), 2002, pp.3-29. (Artigo produzido para edio especial)RESUMO

No nosso dia-a-dia, aceitamos que possumos controle consciente de algumas de nossas aes, e que a parte de ns que exerce esse controle a mente consciente. A medicina psicossomtica tambm assume que a mente consciente pode afetar os estados corporais, amparada na evidncia de que a utilizao de sugesto imagtica, hipnose, biofeedback e outras intervenes mentais podem ser utilizadas em diversos tratamentos. Entretanto, no h qualquer teoria aceita a respeito da interao entre a mente o corpo, e isso tem um efeito negativo sobre a aceitao da causao mental na cincia, na filosofia e em diversas reas da prtica clnica. Os relatos biomdicos tipicamente traduzem os efeitos da mente em termos de efeitos do funcionamento do crebro, explicando, por exemplo, as interaes em termos da interconexo e do controle recproco dos sistemas cortical, neuroendcrino, autonmico e imunolgico. Tais relatos so instrutivos, mas so implicitamente reducionistas, e evitam responder a questo sobre como as experincias conscientes podem ter efeitos corporais. Por outro lado, os relatos no-reducionistas precisam lidar com trs problemas: 1) O mundo fsico parece causalmente fechado, o que parece no deixar espao para a interveno consciente. 2) Ningum consciente do seu prprio processamento cerebral/corporal e, sendo assim, como seria possvel controlar esse processamento conscientemente? 3) As experincias conscientes parecem acontecer tarde demais para afetar causalmente os processos com os quais esto obviamente relacionados. O presente artigo sugere que o controle mental consciente precisa ser parcialmente entendido em termos das operaes voluntrias da mente pr-consciente, e que isso permite um relato do determinismo biolgico que compatvel com a experincia do livre arbtrio.

O que precisa ser explicado

A suposio de que possumos uma mente consciente que controla nossas funes e aes voluntrias aceita como verdadeira na vida quotidiana, e est profundamente enraizada em nosso sistema tico, poltico e legal. O efeito potencial da mente sobre o corpo tambm aceito como no-problemtico pela medicina psicossomtica. Em princpio, h quatro maneiras diferentes segundo as quais o corpo/crebro e a mente/conscincia podem entrar em relaes causais. Pode haver causas fsicas para estados fsicos, causas fsicas para estados mentais, causas mentais para estados mentais e causas mentais para estados fsicos. importante estabelecer que formas de causao so eficazes na prtica, e isso no apenas para aprofundar nosso entendimento das interaes entre mente e corpo, mas tambm para tratar devidamente algumas doenas.

Dentro da medicina convencional, a causao fsicafsica tomada como dada. Conseqentemente, o tratamento adequado para desordens fsicas alguma forma de interveno fsica. A psiquiatria considera a eficcia da causao fsica-mental como dada, e da se segue que o tratamento adequado para desordens psicolgicas pode envolver drogas psicoativas, neurocirurgia, e a por diante. Muitas formas de psicoterapia consideram a causao mental-mental como dada, e assumem que as desordens psicolgicas podem ser minoradas atravs de talking cure, sugesto imagtica, hipnose e outras formas de interveno mental. A medicina psicossomtica assume que a causao mental-fsica pode ser eficaz (psicognese). Conseqentemente, sob determinadas circunstncias, uma desordem fsica (por exemplo, a paralisia histrica) pode exigir uma interveno mental (psicoteraputica). Dadas as numerosas evidncias de que todas essas interaes causais de fato acontecem (c.f. textos citados por Velmans, 1996a), como que podemos compreend-las?

Evidncia clnica da eficcia causal dos estados mentais conscientesOs problemas colocados pela causao mental-fsica so particularmente complicados, pois a cincia materialista reducionista geralmente toma como dado que a operao dos sistemas fsicos pode ser inteiramente explicada em termos fsicos. Contudo, h uma grande quantidade de evidncias apontando para que os estados da mente podem afetar no apenas estados mentais subseqentes, mas tambm estados do corpo. Por exemplo, Barber (1984), Sheikh et al. (1996), e os textos citados por Sheikh (2001) tratam de evidncias de que a utilizao da sugesto de imagens, a hipnose e o biofeedback podem atuar de forma teraputica em diversos casos mdicos.

Uma das evidncias mais desconcertantes a de que, sob determinadas condies, uma gama de funes corporais automticas, incluindo a taxa de batimentos cardacos, a presso sangnea, a atividade vasomotora, os nveis de glicose sangnea, a dilatao da pupila, a atividade eletrodrmica, e o funcionamento do sistema imunolgico podem ser influenciados por estados conscientes. Em alguns casos, esses efeitos so surpreendentes. Baars e McGovern (1996), por exemplo, relatam que

A influncia global da conscincia exemplificada pelo surpreendente fenmeno do treinamento por biofeedback. H evidncias muito fortes que apontam para o fato de que qualquer neurnio individual, ou qualquer populao de neurnios, podem vir a ser controlados voluntariamente atravs da apresentao de feedback consciente de suas taxas de disparo. Por meio de um pequeno eletrodo em forma de agulha introduzido na base do polegar, cria-se uma conexo com uma unidade motora individual: uma fibra muscular controlada por um neurnio motor vindo da espinha dorsal, e uma fibra sensria que retorna at ela. Quando o sinal da fibra muscular amplificado, convertido em um clique sonoro, e tocado em um alto-falante, o paciente pode aprender a controlar esta sua unidade motora individual uma nica, em meio a milhes de outras em cerca de dez minutos. Alguns pacientes precisam de apenas trinta minutos de prtica para aprender a imitar o rufar de tambores com essa unidade motora individual! Entretanto, se o sinal de biofeedback no consciente, o aprendizado no acontece. Um feedback subliminar, distraes do sinal de feedback ou um mtodo de feedback atravs de estmulos habituais fazem com que o paciente seja incapaz de adquirir o controle. Uma vez que esse tipo de aprendizado funciona apenas para sinais conscientes de biofeedback, parece que a conscincia cria um acesso global a todas as partes do sistema nervoso. (p. 75)A evidncia mais bem aceita dos efeitos dos estados mentais no resultado mdico , sem dvida, o chamado efeito placebo, que bem conhecido por todo praticante e pesquisador de medicina. Foi estabelecido que o simples fato de receber um tratamento, e de ter confiana na terapia ou no terapeuta, tem, em si mesmo, efeito teraputico em diversas situaes clnicas (c.f. Skrabanek e McCormick 1989 e Wall, 1996). Como acontece com outros casos de aparente interao mente/corpo, h interpretaes conflitantes dos processos causais envolvidos. Por exemplo, Skrabanek e McCormick (1989) afirmam que os placebos podem afetar indisposies (illnesses a maneira como as pessoas se sentem), mas no doenas (diseases disfunes orgnicas). Ou seja, eles aceitam a possibilidade da causao mental-mental, mas no da causao mental-fsico.

Entretanto, Wall (1996) cita evidncias de que tratamentos placebo produzem mudanas orgnicas. Hashish et al. (1988), por exemplo, descobriram que a utilizao de uma mquina de ultra-som com aparncia impressionante no reduz apenas a dor, mas tambm a inchao e a rigidez da mandbula depois da extrao de dentes de siso, tanto em casos em que a mquina efetivamente produz ultra-som, quanto em casos em que no posta para funcionar. Wall tambm observou que os placebos podem remover a sensao de dor acompanhando disfunes orgnicas bem-definidas, e no apenas a sensao de desconforto, ansiedade, etc., que podem acompanh-las.

Como observaram McMahon e Sheikh (1989), a ausncia de uma teoria aceitvel da interao mente-corpo, no interior da filosofia e da cincia, tem um efeito prejudicial na aceitao da causao mental por diversas reas da prtica e da teoria clnica. Reciprocamente, a ampla evidncia da causao mental dentro de alguns cenrios clnicos forma parte dos dados que precisam ser explicados por qualquer teoria adequada a respeito da relao mente/conscincia-corpo/crebro.

Alguns relatos teis sobre a causao mentalOs problemas tericos que envolvem a causao mental so muito bem ilustrados por estudos a respeito da sugesto imagtica. De acordo com Sheikh et al. (1996), a sugesto imagtica pode ser uma ferramenta eficaz na aquisio de controle mental sobre os estados corpreos de uma pessoa (a taxa de batimento cardaco, a presso sangnea, a atividade vasomotora, e da por diante). Ela tambm pode afetar outros estados mentais, desempenhando uma importante funo na hipnose e na meditao. Mas como que imagens efmeras podem afetar o material esponjoso dos crebros? E atravs de que mecanismos as imagens conscientes afetam outros estados conscientes?

Na prtica clnica, os efeitos da sugesto imagtica sobre o crebro, o corpo e outras experincias conscientes so muitas vezes explicados aos pacientes em termos de redirecionamento de ateno, que so ligados de maneira mais ou menos plausvel operao dos mecanismos biolgicos conhecidos. Por exemplo, em seu programa de induo do controle da dor, Syrjala e Abrams (1996) explicam a eficcia da sugesto imagtica em termos da teoria da dor conhecida como controle de porto:

Embora a mensagem com a dor comece na sua perna, voc s sentir a dor se o seu crebro receber a mensagem de dor. A mensagem de dor parte do local onde a ferida est localizada e se move ao longo dos seus nervos at o crebro. Estes nervos entram na coluna espinhal, onde se conectam com outros nervos, que ento enviam as informaes para o crebro. As conexes na coluna espinhal e no crebro agem como portes. Estes portes ajudam voc a no ter que prestar ateno a todas as mensagens transitando pelo seu corpo o tempo inteiro. Por exemplo, nesse exato momento, voc est me escutando, e no est notando a sensao na sua perna, embora essas sensaes estejam l, caso voc queira prestar ateno nelas. Se voc est caminhando, voc pode perceber as sensaes nas suas pernas, mas no na sua boca. Uma das maneiras de bloquear os portes da dor com medicamentos. Mas voc tambm pode bloquear os portes preenchendo-os com outras mensagens. Voc pode fazer isso tocando no seu ombro e, ento, esfregando-o com fora. O ato de esfregar enche o porto com outras mensagens, e voc sente menos dor. isso que tambm acontece quando voc fica com dor de cabea e ento se ocupa com alguma coisa que exige muita concentrao. Voc esquece a dor de cabea porque os portes esto cheios com outras mensagens. A sugesto imagtica uma maneira de preencher os portes. Voc pode escolher sentir dor se voc precisar, mas, a qualquer momento, voc pode encher o porto com certos pensamentos e imagens. Nosso objetivo descobrir o que podemos usar para melhor encher os seus portes. (p. 243)

Este relato muito bem formulado em termos do valor prtico para os pacientes, mas no d muitos detalhes a respeito dos verdadeiros mecanismos envolvidos. E tampouco serve como um relato geral a respeito da causao mental em situaes que parecem exigir uma compreenso mais sofisticada do intrincado balano recproco dos relacionamentos mente/crebro/corpo. A evidncia de que os processos involuntrios podem, s vezes, ser colocados sob controle voluntrio, por exemplo, parece obscurecer a separao clssica entre as funes voluntrias e automticas do sistema nervoso, e estende o escopo potencial do processamento cerebral. E a evidncia de que a sugesto imagtica pode, algumas vezes, ter efeitos corporais que lembram os efeitos das prprias situaes imaginadas, sugere que a distino clara e convencional entre a realidade psicolgica e a realidade fsica pode no ser muito clara uma vez que as imagens so respondidas tanto pelo corpo quanto pelo crebro. Kenneth Pelletir (1993) expressa o problema da seguinte maneira:

As pessoas que tm asma espirram quando vem flores de plstico. As pessoas com doenas terminais ficam vivas at depois de um evento significativo, como se tivessem se forando a viver at uma cerimnia de formatura, um aniversrio, ou um feriado religioso. Um ataque cardaco repentino e fatal se segue a um surto de raiva. Pessoas especialmente treinadas podem voluntariamente controlar funes corporais involuntrias, tais como a atividade cerebral do crebro, os batimentos cardacos, o sangramento, e at a resposta corporal s infeces. A mente e o corpo esto indissociavelmente conectados, e sua contnua interao exerce uma influncia profunda sobre a sade e a doena, a vida e a morte. As atitudes, as crenas, e os estados emocionais, desde o amor e a compaixo at o medo e a raiva, podem disparar reaes em cadeia que afetam a qumica sangnea, a taxa de batimento cardaco, e a atividade de cada clula e sistema de rgos no corpo desde o estmago e o trato gastrintestinal at o sistema imunolgico. Tudo isso, hoje, j so fatos incontestveis. Entretanto, ainda h muita discusso a respeito da extenso da influncia que a mente pode exercer sobre o corpo, e tambm sobre a natureza de tal relao. (p. 19)

Um caminho produtivo para uma compreenso mais profunda dessas relaes a compreenso biomdica tradicional, que envolve um entendimento mais completo das conexes e controle recproco entre os sistemas cortical, neuroendcrino, autonmico e imunolgico. Tais conexes foram amplamente investigadas pela psiconeuroimunologia. Depois de uma detalhada reviso desta pesquisa, Watkins (1997) conclui que

Aparentemente, o sistema imunolgico no pode ser pensado como auto-regulatrio. Praticamente todos os aspectos da funo imunolgica podem ser modulados pelo sistema nervoso autonmico e os neuropeptdeos de produo central. Esses caminhos neuroimunomodulatrios eferentes so, por sua vez, modulados por inputs aferentes provindos do sistema imunolgico, do crtex e dos centros emocionais lmbicos. Assim, o crebro e o sistema imunolgico comunicam-se em um complexo fluxo bidirecional de citosinas, esterides e neuropeptdeos, que compartilham informaes e regulam as funes uns dos outros. Isso permite que os dois sistemas respondam de maneira integrada aos desafios do ambiente, sejam eles imunolgicos ou comportamentais, mantendo, assim, o balano homeosttico. (p. 15)

Ento, por que a causao mental continua sendo um problema?

Estasdescobertas inovadoras e suas conseqncias prticas para o desenvolvimento da medicina da mente-corpo exigem investigaes cuidadosas. importante observar, entretanto, que tais relatos explicativos rotineiramente traduzem as interaes mente-corpo em termos de interaes crebro-corpo. A no ser que estejamos preparados para aceitar que a mente e a conscincia no so nada alm de processos cerebrais, temos que observar que tais tradues passam por cima dos clssicos problemas mente/corpo que j esto colocados pelo controle mental voluntrio normal. Como a sugesto imagtica poderia afetar o sistema autonmico ou imunolgico um mistrio, mas o processo pelo qual um desejo consciente de levantar um dedo faz com que esse dedo se levante j igualmente misterioso. Por qu? H muitas razes, mas vou me deter apenas em trs delas:

Problema 1. O mundo fsico parece estar causalmente fechado.

Como observei acima, aceita-se, comumente, na cincia, que a operao dos sistemas fsicos pode ser inteiramente explicada em termos fsicos. Por exemplo, se examinamos o crebro humano desde uma perspectiva externa de terceira pessoa, possvel, em princpio, acompanhar os efeitos de estmulos de entrada (input) desde o sistema nervoso central at sua conseqncia final ou output, sem encontrar, na cadeia de causao, qualquer interrupo que pudesse ser preenchida pela conscincia. De fato, os correlatos neurais da conscincia, em tese, preencheriam qualquer interrupo nas atividades do crebro que potencialmente pudessem ser preenchidos pela conscincia. Em qualquer caso, se algum inspeciona a operao do crebro desde o lado de fora, no capaz de observar nenhuma a operao de nenhuma experincia subjetiva. E tampouco parece haver necessidade de se apelar para a existncia da experincia subjetiva de modo a dar conta da atividade neural que podemos observar. O mesmo acontece quando pensamos no crebro como um sistema em funcionamento descrito em termos de processamento de informao, ao invs de ser descrito em termos neurais. Uma vez que o processamento que ocorre dentro de um determinado sistema e exigido para se realizar uma determinada funo est suficientemente bem especificado em termos processuais, torna-se desnecessrio adicionar uma vida consciente interna para fazer o sistema funcionar. Em princpio, a mesma funo, operando segundo a mesma especificao, poderia ser realizada por uma mquina no-consciente.

Problema 2: Se no somos conscientes de nosso prprio processamento crebro/corpo, como pode haver algum controle consciente deste processamento?

Quo consciente o controle consciente, voluntrio? surpreendente que muito pouca gente se preocupa em fazer essa pergunta. Podemos estar cientes (aware) do fato de que a sugesto de imagens relaxantes pode diminuir nossa taxa de batimentos cardacos, mas no estamos cientes de como ela alcana tal efeito, e tampouco, em se tratando do biofeedback, estamos cientes de como a conscincia pode controlar o disparo de um nico neurnio motor. Nem ao menos temos conscincia de como controlar o sistema articulatrio em nosso falar consciente quotidiano! A produo de fala uma das tarefas mais complexas que os seres humanos so capazes de realizar. Ainda assim, no estamos cientes de nenhuma forma dos comandos motores enviados a partir do sistema nervoso central, e que viajam pelas fibras eferentes para invervar os msculos, e tampouco da programao motora complexa que permite a coordenao e o controle muscular. Na fala, por exemplo, a lngua pode chegar a fazer at 12 ajustes de forma por segundo ajustes que precisam ser rapidamente coordenados com outras mudanas rpidas e dinmicas no sistema articulatrio. De acordo com Lenneberg (1967), em um minuto de discurso, de 10 a 15 mil eventos neuromusculares acontecem. Entretanto, apenas os resultados desta atividade (o discurso aberto, overt speech) normalmente entram na conscincia.

O controle pr-consciente da fala poderia, evidentemente, ser o resultado de uma atividade consciente anterior: por exemplo, o planejamento do que dizer poderia ser consciente, particularmente quando estamos expressando alguma idia nova, ou expressando alguma idia velha de uma nova maneira. Geralmente, considera-se que a produo de fala envolve, numa combinao hierrquica, os sistemas de semntica, sinttica e controle motor, e as intenes comunicativas so traduzidas, por eles, na fala conforme a percebemos, segundo um processo que indubitavelmente atua de cima para baixo. necessrio um certo esforo para planejarmos o que dizer e traduzirmos o contedo conceitual no-verbal em formas lingsticas. Mas at que ponto esse planejamento consciente? Vejamos.

Diversos tericos observaram que os perodos de planejamento conceitual, semntico e sinttico so caracterizados por interrupes no fluxo da fala, o qual, normalmente, tende a ser relativamente contnuo (Goldman-Eisler, 1968; Boomer, 1970). O neurologista John Hughlings Jackson, por exemplo, sugere que a quantidade de planejamento exigida depende de se a fala uma fala nova ou uma fala velha. A fala velha (frases bem-conhecidas, etc.) exigem pouco planejamento, e relativamente contnua. A fala nova (que envolve dizer coisas de uma nova maneira) exige planejamento, e caracterizada por pausas de hesitao. Fodor, Bever e Garrett (1974) chamam ateno para o fato de que, a, tambm ocorrem pausas para respirao (interrupes no fluxo de fala causados pela inspirao). Entretanto, as pausas para respirao geralmente no coincidem com pausas de hesitao. As pausas para respirao sempre ocorrem no incio e no fim dos constituintes lingsticos mais importantes (tais como oraes e frases), de modo que estas pausas esto aparentemente coordenadas com a organizao sinttica de tais constituintes em uma estrutura oracional ou frasal. Tal organizao , em grande medida, automtica e pr-consciente. Em contraste, as pausas de hesitao tendem a ocorrer dentro de oraes e frases, e parecem estar associadas com a formulao de idias, com a deciso de que palavras melhor expressam o sentido que desejamos veicular, e assim por diante. Se esta anlise est correta, o planejamento consciente de o que dizer deveria estar evidente durante as pausas de hesitao, e um pequeno exame do que experimentamos durante uma pausa de hesitao pode resolver de vez essa questo. Tente voc mesmo. Durante uma pausa de hesitao, podemos experimentar uma certa sensao de esforo (talvez o esforo de expressar algo de forma apropriada). Mas nada nos revelado a respeito dos processos que formulam as idias, traduzem-nas em uma forma adequada para a expresso na linguagem, buscam e encontram palavras na memria, ou avaliam quais palavras so mais apropriadas. Em suma, nada nos revelado a respeito do planejamento semntico ou conceitual nas pausas de hesitao, da mesma forma que nada nos revelado a respeito do planejamento sinttico nas pausas para respirao. O fato de que um processo exige um esforo de processamento no significa que tal processo consciente. Inclusive, em certo sentido, s somos conscientes do que queremos dizer depois que o dizemos!

particularmente surpreendente que podemos dizer a mesma coisa dos pensamentos verbais conscientes. Isto , a mesma situao se aplica quando formulamos nossos pensamentos numa fala oculta (covert speech) utilizando-nos de imagens fonticas, anteriormente sua expresso. Uma vez que algum tem um pensamento verbal consciente, manifestado na experincia sob a forma de imagens fonticas, os processos cognitivos complexos exigidos para gerar este pensamento, inclusive o processamento exigido para codific-lo em uma imagem fontica, j foram operados. Ou seja, a fala oculta e a fala aberta tm uma relao similar para com os processos que as produzem. Em nenhum dos dois casos os processos complexos antecedentes esto abertos nossa introspeco. Deve ficar claro que isso se aplica igualmente aos processos que geram as detalhadas combinaes espaciais, cores, formas, tamanhos, movimentos e sons e odores que acompanham uma cena visual imaginada.

Problema 3: As experincias conscientes parecem chegar tarde demais para afetar causalmente os processos aos quais eles obviamente se relacionam

Na produo da fala aberta e da fala oculta (pensamentos verbais), a experincia consciente que normalmente associamos com tal processamento segue-se ao processamento com o qual est relacionada. Diante disso, temos que nos perguntar em que sentido esses processos conscientes so conscientes. A mesma questo pode ser feita com relao aos processos voluntrios mais bsicos, e prpria volio consciente.

J sabido, h algum tempo, que os atos voluntrios so precedidos por uma lenta alterao em sentido negativo do potencial eltrico (medido no couro cabeludo) conhecido como potencial de prontido (readiness potential), e que tal alterao pode preceder o ato por cerca de um segundo ou mais (Kornhuber e Deeke, 1965). Isoladamente, esse fato no diz nada a respeito da relao entre o potencial de prontido e o desejo experimentado de realizar um ato. Para tratar desta questo Libet (1985) formulou um experimento no qual pedia a diversas pessoas que anotassem o instante em que experimentavam um desejo de realizar um determinado ato (uma simples flexo do pulso ou dos dedos), relacionando o incio do desejo experimento com a posio espacial de um ponto rotatrio em um osciloscpio de raios catdicos, que varria a periferia do rosto como um ponteiro de segundos de um relgio. Assim, foi registrado um potencial de prontido que precedia o ato voluntrio em cerca de 550 milissegundos, e precedia o desejo experimentado (de flexionar o pulso ou os dedos) em cerca de 350 milissegundos (pois os atos espontneos no envolvem planejamento prvio). Isso sugere que, assim como o prprio ato, o desejo experimentado (de flexionar o pulso) pode ser uma das conseqncias ou sadas (outputs) dos processos cerebrais (anteriores) que realmente selecionam uma dada resposta. Se este o caso, ento a volio consciente pode no ser necessria para uma tal escolha (pr-consciente), da mesma forma que a conscincia de nossa prpria fala no necessria para sua produo. E provvel que o mesmo se aplique a atos voluntrios mais complexos, tais como o controle voluntrio de funes automticas atravs de sugesto imagtica e do biofeedback, conforme discutimos acima.

O impasse terico atual

Conforme foi observado, h uma extensa evidncia clnica e experimental de que a experincia consciente pode afetar os processos crebro/corpo, e a importncia da experincia consciente corretamente tomada como dada na vida quotidiana. Em certo sentido, isso pode ser explicado por um melhor entendimento biomdico dos relacionamentos mente/crebro/corpo. Mas em um sentido mais profundo, as tentativas atuais de se entender o papel da experincia consciente encontram-se diante de um impasse. Como podem as experincias ter influncia causal em um mundo fsico que causalmente fechado? Como possvel controlar causalmente algo de que no estamos conscientes? E como que as experincias podem afetar processos que as precedem? Os relatos dualistas-interacionistas sobre o relacionamento conscincia-crebro, segundo os quais uma conscincia que existe de forma autnoma aparece como capaz de influenciar o crebro, nem mesmo reconhecem esses problema a respeito do como e, obviamente, no podem sequer comear a lidar com eles. Os materialistas reducionistas tentam passar por cima desses problemas desafiando a exatido, a eficcia causal e at a existncia de experincias conscientes. Esse gesto terico faz com que no seja necessrio responder as perguntas sobre o como, mas, alm disso, nega a validade da evidncia clnica e desafia o senso comum. Procurei apresentar uma crtica detalhada das diversas formas de dualismo e reducionismo em um outro trabalho, e no repetirei essa crtica aqui. O que apresentarei, a seguir, ser uma maneira de superar o impasse sem dualismo nem reducionismo.

Monismo ontolgico combinado a dualismo epistemolgico Como podemos reconciliar a evidncia de que as experincias conscientes so causalmente eficazes com o princpio de que o mundo fsico causalmente fechado? Uma maneira simples aceitar que, para cada indivduo, h uma vida mental, mas duas maneiras de reconhec-la: o conhecimento em primeira-pessoa e o conhecimento em terceira-pessoa. Desde uma perspectiva de primeira pessoa, as experincias conscientes parecem causalmente eficazes. Desde uma perspectiva de terceira-pessoa, as mesmas seqncias causais podem ser explicadas em termos neurais. No o caso que a viso desde uma perspectiva est certa e a outra est errada. As perspectivas so complementares. As diferenas entre como as coisas aparecem de uma perspectiva de primeira versus de terceira pessoa tem a ver com as diferenas nos arranjos observacionais (observational arrangements as maneiras atravs das quais uma pessoa sendo observada e um observador externo acessam os processos mentais dessa pessoa).

Vejamos como isso funciona na prtica. Suponhamos que voc forme a imagem relaxante de estar deitado em um campo verdejante em um dia de vero, e ento comece a sentir a diferena que isso causa na produo de um estado relaxado, fazendo com que sua respirao fique mais lenta, removendo a tenso do seu corpo, e da por diante. Voc faz um relato causal do que est acontecendo, baseado no que experimenta. Desde a minha perspectiva de observador externo, eu tambm posso observar o que est acontecendo, mas o que eu observo ser um pouco diferente. Posso medir os efeitos da sua respirao e tenso muscular; contudo, por mis que analise o seu crebro, no serei capaz de observar a imagem que voc est experimentando. O mais perto que eu poderia chegar seriam os correlatos neurais do sistema visual, reas de associao, e assim por diante. Independentemente disso, se eu pudesse observar todos os eventos neurofisiolgicos que operam no seu crebro de modo a produzir seu estado corporal relaxado, eu poderia dar um relato fsico completo do que est acontecendo. Sendo assim, voc agora teria um relato de primeira-pessoa do que est acontecendo que faz sentido para voc, e eu teria um relato de terceira-pessoa do que est acontecendo que faz sentido para mim. Mas como esses dois relatos se relacionam? Para entender isso, precisamos examinar cuidadosamente a relao entre sua imagem visual e seu correlato.

Os correlatos neurais da experincia consciente

Embora saibamos pouco a respeito da natureza fsica dos correlatos neurais das experincias conscientes, h trs restries funcionais plausveis impostas pela prpria fenomenologia da conscincia. As experincias da conscincia humana normal so representacionais (a conscincia fenomenal sempre de algo). Diante disso, razovel admitir que os correlatos neurais de tais experincias so tambm estados representacionais.

Embora essa suposio no fique sempre explicitada nas teorias da conscincia, ela amplamente tomada como dada pela teoria psicolgica. A psicofsica, por exemplo, assume como dado que qualquer aspecto discriminvel das experincias (uma mudana de cor, luminosidade, tom, etc., suficientemente intensa para ser perceptvel) tambm ser codificado no crebro. O mesmo se aplica a contedos mais complexos da conscincia, nas diversas teorias cognitivas que associam (ou identificam) tais contedos com informaes armazenadas na memria primria (funcional), informaes no foco de ateno, informaes em um espao de trabalho global, e assim por diante.

Um estado representacional deve, claro, representar algo, quer dizer, ele precisa ter um determinado contedo. Para que um dado estado fsico seja um correlato de uma dada experincia, plausvel assumir que ele representa a mesma coisa (de outra maneira, ele no seria um correlato daquela experincia).

Finalmente, para que um estado fsico seja o correlato de uma dada experincia, razovel supor que ele tem o mesmo gro, ou seja: para cada atributo discriminvel da experincia, haver um estado fsico distinto e correlato. Uma vez que cada experincia e seus correlatos fsicos representam a mesma coisa, segue-se que cada experincia e seu correlato fsico codifica a mesma informao a respeito desta coisa. Isso quer dizer que so representaes com a mesma estrutura de informao.

Se essas suposies esto bem fundadas, sua experincia e os correlatos neurais que eu observo relacionam-se um com o outro de uma maneira muito precisa. O que voc experimenta toma a forma visual ou alguma outra forma imagtica, acompanhada pelas sensaes ligadas ao fato de se estar deitado na relva em um dia de vero. O que eu observo a mesma informao (a respeito da cena visual) codificada nos correlatos fsicos que voc experimenta no seu crebro. A estrutura de informaes do que voc e eu observamos idntica, embora seja exibida ou formatada de maneiras muito diferentes. Do seu ponto de vista, a nica informao que voc tem sobre o seu estado mental o contedo imagtico e as sensaes acompanhantes que voc experimenta. Do meu ponto de vistas, a nica informao que voc tem (sobre seu prprio estado mental) a informao que eu vejo codificada no seu crebro. A maneira como a sua informao (sobre o seu prprio estado) exibida aparece de forma bem diferente para voc e para mim, pela simples razo de que os arranjos observacionais atravs dos quais acessamos essas informaes so completamente diferentes. Desde a minha perspectiva externa de terceira pessoa, eu posso apenas acessar as informaes codificadas na sua mente/crebro atravs dos meus sistemas visuais ou exteroceptivos, auxiliados pelo equipamento apropriado. Atravs desses meios, eu posso detectar a informao exibida sob a forma de codificaes neurais, mas no sob a forma de experincias acompanhantes. Enquanto voc mantm o seu foco na cena imaginada, voc no pode observar os correlatos neurais dela no seu prprio crebro (para isso, voc teria que usar o meu equipamento). De qualquer maneira, a informao nestes correlatos exibida naturalmente sob a forma da cena imaginada da qual voc tem a experincia.

Como realmente a nossa mente? Ser que, desde a minha perspectiva de observador externo, eu posso assumir que o que voc experimenta no realmente nada alm dos correlatos fsicos que posso observar? Ser que, desde a minha perspectiva externa, eu sei melhor do que voc o que est acontecendo na sua mente/crebro/conscincia? No. Eu conheo algo a respeito dos seus estados mentais que voc no sabe (sua encarnao fsica). Mas voc conhece algo a respeito deles que eu no conheo (a manifestao deles na sua experincia). Essas informaes de terceira e de primeira pessoa so complementares. Precisamos do seu relato de primeira pessoa e do meu relato de terceira pessoa para termos um relato completo do que est acontecendo. Se isso est correto, a natureza da mente revelada por ambas as suas maneiras de aparecer. No se trata ou da experincia fsica ou da experincia consciente, uma experincia ao mesmo tempo fsica e consciente (dependendo dos arranjos observacionais). Por falta de um termo melhor, podemos descrever esta natureza como psicofsica. Se combinarmos isso s caractersticas representacionais sugeridas acima, podemos dizer que a mente um processo psicofsico que codifica informaes, desenvolvendo-se ao longo do tempo.

Uma maneira inicial de dar sentido s interaes causais entre a conscincia e o crebro

Esta breve anlise de como os relatos de primeira e terceira pessoa relacionam-se um com o outro pode ser usado para dar sentido s diferentes formas da interao causal que so tomadas como dadas na vida quotidiana ou sugeridas na literatura clnica e cientfica. Os relatos que utilizam a causao fsica-fsica descrevem eventos inteiramente dentro de uma perspectiva de terceira pessoa (so relatos de terceira pessoa puros). Relatos que empregam a causao mental-mental descrevem os eventos inteiramente dentro de uma perspectiva de primeira pessoa (so relatos de primeira pessoa puros). Relatos que empregam causao fsica-mental e mental-fsica so relatos de perspectiva mista que empregam alterao de perspectiva (perspectival switiching Velmans, 1996b). Tais relatos comeam com uma descrio de causas vistas desde uma perspectiva (de primeira ou de terceira pessoa) e ento alteram para uma descrio de efeitos vistos desde a outra perspectiva. Para entendermos relatos deste tipo, precisamos reconhecer que ocorreu uma alterao de perspectiva.

Os relatos de causao fsica-mental comeam com eventos vistos desde uma perspectiva de terceira pessoa e, ento, mudam para como as coisas aparecem desde uma perspectiva de primeira pessoa. Por exemplo, um relato causal da percepo visual comea com uma descrio em terceira pessoa do estmulo fsico e do sistema visual, mas ento muda para um relato de primeira pessoa sobre o que o sujeito experimenta. Os relatos de causao mental-fsica fazem uma mudana no sentido oposto. Desde o seu ponto de vista subjetivo, por exemplo, as imagens que voc est experimentando esto fazendo com que a taxa de seus batimentos cardacos diminua e que o seu corpo relaxe (efeitos que posso medir). Se eu pudesse identificar os correlatos neurais exatos do que voc experimenta, eu poderia fornecer um relato inteiramente de terceira pessoa dessa seqncia de eventos (em termos de representaes de ordem mais alta que, desde cima, possuem efeitos em outros estados do crebro e do corpo). Mas o relato de perspectiva mista, na verdade, oferece uma descrio imediatamente mais til daquilo que est acontecendo em termos das coisas que voc pode fazer (manter um dado estado mental, aprofund-lo, alter-lo, e assim por diante).

Em princpio, fontes de informao complementares de primeira e terceira pessoa podem ser encontrados sempre que os estados corporais ou da mente/crebro forem representados de alguma maneira na experincia subjetiva. Um paciente pode, por exemplo, atravs de sentimentos e pensamentos, obter uma compreenso a respeito da natureza de um problema psicolgico que um clnico, por sua vez, pode investigar observando seu crebro ou comportamento. Numa diagnose mdica, um paciente pode ter acesso a alguma disfuno atravs de um interoceptor, produzindo sintomas tais como a dor e o desconforto, enquanto que um mdico poderia ser capaz de identificar a causa atravs de seus exteroceptores (olhos, ouvidos, etc.) auxiliados por instrumentos mdicos. Em se tratando de estados conscientes e seus correlatos neurais, o clnico tem acesso encarnao fsica dessas condies, enquanto que o paciente tem acesso a como tais condies so experimentadas. Nestas situaes, nem a informao de terceira pessoa disponvel ao clnico nem a informao de primeira-pessoa disponvel para o paciente automaticamente privilegiada ou objetiva no sentido de estar livre de observador. O clnico meramente relata o que observa ou infere a respeito do que est acontecendo (usando os meios disponveis) e o paciente faz a mesma coisa. Estes relatos de primeira e terceira pessoa da vida mental ou dos estados corporais do paciente so complementares e mutuamente irredutveis. Tomados conjuntamente, oferecem um quadro psicofsico global da condio sendo analisada.

As experincias conscientes so representaes globais e atuais formadas pela mente/crebro

Conforme espero, o que acabo de expor d uma indicao inicial de como podemos reconciliar a evidncia de que as experincias conscientes parecem causalmente eficientes com o princpio de que o mundo fsico est causalmente fechado. Mas h dois outros problemas, ambos difceis de resolver. Como que as experincias conscientes podem ser causalmente eficazes se elas vm tarde demais para afetar os processos da mente/crebro aos quais elas parecem estar obviamente relacionadas? E como que os contedos da conscincia afetam os estados da mente e do corpo, visto que no somos conscientes dos processos biolgicos que governam estes estados?

Minha sugesto que, para resolver estes enigmas, necessrio comear aceitando-se os fatos, ao invs de varr-los para baixo de algum obscuro tapete terico. Por que as experincias chegam tarde demais para afetar os processos da mente/crebro aos quais parecem estar relacionadas? Pela simples razo de que a experincia se relaciona mais proximamente aos processos que a produzem. A percepo visual se torna consciente uma vez que o processamento visual resulta em uma experincia visual consciente; o processamento cognitivo se torna consciente uma vez que produz a fala interna que forma um pensamento consciente; e assim por diante. Uma vez que tais experincias surgem, os processos que as produziram j aconteceram. Em vista disso, vale perguntar: o que a conscincia est efetivamente contribuindo para a percepo consciente, para a fala consciente, para o pensamento consciente, para o controle voluntrio consciente, e assim por diante?

Conforme observei acima, estou me baseando na suposio de que as experincias conscientes so representaes. Algumas experincias representam estados do mundo externo (experincias exteroceptivas), algumas representam estados do corpo (experincias introspectivas), e algumas representam estados da prpria mente/crebro (volies, pensamentos sobre pensamentos, etc.). As experincias tambm podem representar eventos passados, futuros e imaginrios, por exemplo, na forma de pensamentos e imagens.

Seja qual for seu contedo representacional, as experincias atuais (current) tambm dizem algo importante a respeito do estado atual de nossa mente/crebro que ela atualmente tem percepes (percepts), pensamentos, imagens, etc., de um determinado tipo, e que ela formou representaes atuais com aquele contedo particular, em oposio a outros contedos quaisquer. Por exemplo, os pensamentos que entram em nossa conscincia em um dado momento representam o estado atual de nosso prprio sistema cognitivo, uma vez que revelam, em uma forma passvel de relato, quais das diversas cognies possveis so atualmente o foco da ateno. Se seus pensamentos so conscientes, e eu lhe pergunto no que voc est pensando, voc pode me dizer. Da mesma forma, um mundo pacfico que voc visualmente imagina, e suas sensaes conscientes a respeito dele, representam um estado representacional atual e voluntariamente produzido (alm de respostas afetivas a ele) dentro dos seus prprios sistemas visual, cognitivo e afetivo e se eu quiser saber como so essas representaes, voc pode me dizer.

Por que ns no temos experincias mais detalhadas dos processos que produzem tais experincias conscientes, ou dos funcionamentos detalhados de nossos prprios corpos, mentes e crebros? Porque, para propsitos normais, no precisamos deles! Nossa necessidade primria interagir de forma eficiente com o mundo externo e uns com os outros e, para isso, os processos atravs dos quais chegamos s representaes de ns mesmos no mundo, ou que governam os diversos ajustes adaptativos e internos que temos que fazer, podem ser deixados no automtico. Um exemplo disso a bem aceita transio de habilidades do mbito consciente para o mbito inconsciente quando aprendemos a desempenh-las bem (como, por exemplo, ler, ou dirigir um carro). As representaes globais que temos de ns mesmos no mundo, de qualquer maneira, oferecem uma representao razovel, til, e precisa do que est acontecendo.

Como dar sentido ao papel causal dos contedos da conscincia

Conforme observado acima, as experincias normais so sobre algo, isto , elas representam entidades, eventos e processos no mundo externo, o corpo e a prpria mente/crebro. Na vida quotidiana, tambm nos comportamos como realistas ingnuos, quer dizer: tomamos os eventos que experimentamos como sendo os eventos que realmente esto acontecendo, muito embora cincias tais como a fsica, a biologia e a psicologia possam representar os mesmos eventos de maneiras muito diferentes. Para propsitos do dia a dia, a suposio de que o mundo apenas conforme o experimentamos nos serve muito bem. Quando jogamos bilhar, por exemplo, seguro assumir que as bolas so lisas, esfricas, coloridas e produzem movimento umas das outras por impacto mecnico. Precisamos apenas julgar o ngulo preciso no qual a bola branca tem que bater na vermelha para poder encaapar a vermelha. Uma descrio em termos de mecnica quntica da microestrutura das bolas ou das foras que exercem umas sobre as outras no vai fazer com que algum jogue melhor.

Quer dizer que o mundo experimentado no o mundo em si mesmo e no nossa experincia das bolas que governa o movimento das prprias bolas. As bolas conforme experimentadas e suas interaes percebidas so representaes globais de entidades que existem autonomamente e de suas interaes, e representaes conscientes de tais entidades ou eventos apenas podem ser formadas uma vez que existam, ou depois que tenham acontecido. O mesmo pode ser dito dos eventos e processos que experimentamos como ocorrendo em nossos prprios crebros ou mentes/corpos. Quando recolhemos a mo rapidamente ao tocar em um ferro quente, experimentamos a dor (na mo) como causa do que fazemos, mas a ao de reflexo, na verdade, acontece antes que a experincia de dor tenha tempo de se formar. Isso tambm pode acontecer com movimentos voluntrios. Suponhamos, por exemplo, que se espera que voc aperte um boto assim que voc sinta um estmulo ttil aplicado sua pele. Um tempo de reao tpico de 100 ms, mais ou menos. Apenas alguns poucos milissegundos so necessrios para que um estmulo na pele chegue superfcie cortical, mas Libet et al. (1979) descobriu que so necessrios 200 ms para ficarmos cientes do estmulo. Se isso realmente assim, a reao precisa acontecer pr-conscientemente, embora experimentemos a ns mesmos como respondendo depois que sentimos algo tocando a pele. A mente/crebro exige tempo para formar uma representao consciente de uma dor, ou de algo que toca a pele, e da resposta subseqente. Embora as representaes conscientes coloquem, adequadamente, a causa (o estmulo) antes do efeito (a resposta), tanto o estmulo quanto a resposta j aconteceram quando as representaes so formadas.

Assim como as interaes entre bolas de bilhar experimentadas representam seqncias causais no mundo externo, mas no so eventos em si mesmas, as interaes experimentadas entre nossas sensaes, pensamentos, imagens e aes representam seqncias causais dentro de nossos corpos e crebros, mas no so eventos em si mesmos. Os pensamentos, imagens e sensaes que nos aparecem quando ficamos cientes de algo so, por um lado, gerados por processos em nossos corpos e mentes/crebros e, por outro, representam os estados atuais destes processos. Pensamentos e imagens representam o contnuo estado de jogo de nossos sistemas cognitivos; as sensaes representam nossas reaes internas (positivas e negativas) a determinados eventos e nossos julgamentos com relao a eles (ver Mangan, 1993, e a discusso acima).

Em suma, as representaes conscientes de eventos internos, corporais e externos no so os prprios eventos, mas, geralmente, representam aqueles eventos e suas interaes causais suficientemente bem para permitir um entendimento razoavelmente exato do que est acontecendo em nossas vidas. Embora no sejam mais que representaes de eventos e de suas interaes causais, podemos utiliz-los, para propsitos quotidianos, como se fossem estes eventos e suas interaes causais. Quando jogamos bilhar, podemos planejar uma tacada sem a ajuda da fsica. Embora nosso conhecimento de nossos prprios estados internos no seja incorrigvel, quando experimentamos nossos pensamentos verbais expressos em fala aberta ou oculta normalmente sabemos tudo que precisamos saber sobre o que pensamentos atualmente sem a ajuda da psicologia cognitiva. Quando experimentamos a ns mesmos como tendo atuado impulsionados pelo amor ou pelo medo, normalmente temos um entendimento adequado de nossa motivao, embora um neuropsiclogo possa reconhecer a utilidade de fornecer um relato de terceira pessoa sobre as emoes em termos de seus substratos neurais nos sistemas neocortical, subcortical, dienceflico, mdio-cerebral, etc. (Watt, 2000). E quando nos imaginamos na relva verde em um dia de vero e nos sentimos relaxados, estamos, normalmente, certos quando acreditamos que o estado mental que est representado em nossa imaginao produziu um efeito corporal real. Para a vida quotidiana, no importa que no entendamos como tais cenrios imaginados so construdos por processos mentais pr-conscientes ou como exercem seu controle desde cima no sistema mente/crebro/corpo. No verdade que uma representao de nvel mais baixo (microscpica) sempre melhor que uma macroscpica (no caso das bolas de bilhar). E tampouco os relatos de terceira pessoa so sempre melhores que os de primeira pessoa (quando descrevem ou tentam controlar nossos pensamentos, imagens e emoes). O valor de uma dada representao, descrio ou explicao s pode ser avaliado luz dos propsitos para os quais ele deve ser usado.

Quem est no controle?

A diferena entre funes corporais voluntrias e involuntrias uma espcie de sabedoria popular aceita em toda parte, inclusive sob a forma da distino entre sistema nervoso voluntrio e automtico nos textos mdicos. Como mostramos acima, alguns processos que so normalmente involuntrios tambm podem se tornar parcialmente voluntrios, uma vez que so representados na conscincia (atravs de biofeedback, sugesto imagtica, e assim por diante); mas se no estamos cientes de forma detalhada do funcionamento de nossos prprios corpos e crebros, e se a conscincia chega tarde demais para afetar os processos aos quais ela se relaciona mais imediatamente, como se explica tal fato? Levemos em considerao os dilemas colocados pelos experimentos promovidos por Libet et al. (1979) a respeito da volio consciente, os quais descrevi acima. Se o crebro se prepara para executar uma ao cerca de 350 milissegundos antes do desejo consciente de agir aparecer, ento como essa ao poderia ser consciente, e como ela poderia ser voluntria? A anterioridade do potencial de prontido no indica que a ao determinada pr-conscientemente, e automaticamente, por um processamento que ocorre na mente/crebro?Consideremos, primeiramente, o aspecto consciente. A deciso de agir (indexada pelo potencial de prontido) tomada pr-conscientemente, mas se torna consciente no momento em que ela se manifesta como um desejo de fazer algo na experincia consciente. O desejo, ento, se torna consciente da mesma maneira como nossa percepo desta PALAVRA consciente. Assim como ocorre com o desejo, uma vez que voc se torna consciente desta PALAVRA, as anlises fsicas, sintticas e semnticas exigidas para reconhec-la j aconteceram. De qualquer forma, uma vez que voc se torna consciente do desejo ou da PALAVRA, os processos mentais/cerebrais fazem uma transio desde um estado pr-consciente para um estado consciente e apenas quando isso acontece que voc se d conta conscientemente do que est acontecendo.

Mas como que um ato que executado pr-conscientemente pode ser voluntrio? As aes voluntrias implicam a possibilidade de escolha, ainda que se trate de uma escolha baseada na disponibilidade de informaes internas e externas, alm de necessidades e objetivos correntes. As aes voluntrias tambm so potencialmente flexveis e capazes de criarem situaes novas. Na literatura psicolgica, essas propriedades so tradicionalmente associadas ao processamento controlado, e no ao processamento automtico, ou ento ao processamento focal e atentivo, e no ao processamento pr-atentivo ou no-atentivo. Ao contrrio do processamento automtico ou pr-atentivo, tanto o processamento controlado (na execuo de atos) quanto o processamento focal-atentivo (na anlise de entradas) so entendidos como sendo conscientes. Nenhuma das informaes acima depe contra esta sabedoria tradicional. Nos experimentos de Libet, a experincia consciente aparece cerca de 350 milissegundos depois do incio dos processos pr-conscientes que so indexados pelo potencial de prontido. Isso est relacionado ao tempo da experincia consciente em relao aos processos que a geram, bem como ao papel restrito que ela pode desempenhar uma vez que tenha sido gerada. Entretanto, nada depe contra a natureza voluntria do processamento pr-consciente. Pelo contrrio, o fato de que o ato conscientemente parece ser voluntrio e controlado sugere que os processos que geraram a experincia so voluntrios e controlados, uma vez que as experincias conscientes geralmente proporcionam representaes razoavelmente precisas a respeito do que est acontecendo (ver discusso acima). Isso se aplica igualmente natureza voluntria de processamentos mentais mais complexos, tais como a auto-regulao, as operaes automodificadoras de nossas mentes psicofsicas evidenciadas pelos efeitos da sugesto imagtica consciente, a meditao e o biofeedback. Em resumo, minha sugesto que a sensao de que somos livres para escolher ou para exercer controle compatvel com a natureza do que est realmente acontecendo em nosso sistema nervoso central, seguindo processos que fazem uma seleo dentre as opes disponveis, de acordo com necessidades, objetivos, estratgias disponveis e clculos das conseqncias provveis, e assim por diante. Se, por um lado, admito que tais processos operam de acordo com princpios fsicos determinados, a arquitetura de sistema que os encarna permite a habilidade de exercitar a escolha, a flexibilidade e o controle que experimentamos uma forma de determinismo biolgico que compatvel com o livre arbtrio experimentado.

Sendo assim, quem est no controle? Quem escolhe, tem pensamentos, gera imagens, e assim por diante? Habitualmente, pensamos a respeito de ns mesmos como sendo a parte consciente de ns mesmos (our concious selves). Mas deve ficar claro, a partir do que expus acima, que as diferentes facetas da nossa parte consciente so geradas por aspectos de nossas mentes pr-conscientes, e representam aspectos dela. Quer dizer que somos ao mesmo tempo os processos pr-conscientes e os resultados conscientes. Vistos desde uma perspectiva de terceira pessoa, nossos prprios processos mentais pr-conscientes parecem ser atividades neuroqumicas e fsicas em nosso crebro. Vista introspectivamente, desde uma perspectiva de primeira pessoa, nossa mente pr-consciente parece um espao pessoal, vazio, desde o qual os pensamentos, imagens e sensaes surgem espontaneamente. Ns somos tanto uma coisa quanto a outra e isso exige uma alterao em nosso centro de gravidade percebido para um outro em que a parte de ns que conscientemente experimentada (our consciously experienced self) se torna a ponta visvel de nossa mente pr-consciente embutida.

APNDICE: A CONSCINCIA NO NADA ALM DE UM ESTADO DO CREBRO?

Por muito tempo, suspeitou-se de que h uma relao causal entre a mente ou a conscincia e o crebro. Por exemplo, Hippocrates de Cos (460-357 a.C.) escreveu que

O homem deveria saber que, do seu crebro, e apenas do seu crebro, que surgem nossos prazeres, alegrias, risos e piadas, bem como nossas tristezas, dores, pesares e medos. atravs dele, especialmente, que pensamos, vemos, ouvimos e distinguimos o feio do belo, o bom do mal, o prazeroso do desprazeroso, em alguns casos utilizando o costume como um critrio, em outros casos percebendo-os segundo sua utilidade. No outra coisa que nos torna loucos ou delirantes, que nos inspira com medo e pavor, seja de dia ou seja de noite, e nos traz a insnia, enganos inoportunos, ansiedades sem objetivo, distraes e atos que so contrrios ao hbito. (Jones, 1923, citado em Flew, 1978, p. 32).

Entretanto, a afirmao de que a mente ou a conscincia no nada mais do que um estado do crebro muito mais radical. Se esta afirmao puder ser justificada, ento os problemas fundamentais ao redor do relacionamento mente-crebro e do relacionamento conscincia crebro (em sua forma moderna) poderiam ser solucionados. Claramente, se a conscincia no nada mais que um estado do crebro (digamos, um estado-C), seria possvel entend-la desde o quadro j existente da cincia natural. As relaes causais entre a conscincia e o crebro seriam traduzidas em relaes causais entre estados-C e outros estados cerebrais, e as funes da conscincia seriam simplesmente funes dos estados-C dentro da economia global do crebro. Os mtodos para investigar a conscincia seriam, ento, mtodos de terceira pessoa do tipo j desenvolvido na neuropsicologia e na cincia cognitiva. Tendo todas essas conquistas em vista, muitas das teorias filosficas e cientficas da conscincia, nos ltimos 30 anos, assumiram, ou tentaram demonstrar, que alguma forma de materialismo reducionista verdadeiro.

Como as experincias conscientes poderiam ser estados cerebrais?

Dadas as aparentes diferenas entre os qualia das experincias conscientes e os estados cerebrais, est longe de ser bvio que as experincias e os estado so a mesma coisa! Fisicalistas tais como Ullin Place (1956) e J. J. C. Smart (1962) aceitaram a existncia dessas diferenas aparentes. Tambm aceitaram que descries de estados mentais e descries de seus estados cerebrais correspondentes no so idnticas em significado. Entretanto, afirmaram que, com o avano da neurofisiologia, ser descoberto que estas descries so afirmaes a respeito da mesma coisa. Ou seja, uma identidade contingente, e no uma identidade lgica, ser estabelecida entre a conscincia, a mente e o crebro.

Smart (1962) resume sua posio nos seguintes termos:

Primeiramente, observemos mais de perto a tese de que as sensaes so estados cerebrais. Esta tese no a mesma coisa que defender que, por exemplo, iluso de ptica, ou dor, significam a mesma coisa que processo cerebral X (onde X substitudo por uma descrio de um determinado processo cerebral). O que ela diz que se iluso de ptica, ou dor, so relatos a respeito de processo, tratam-se relatos a respeito de processos cerebrais. Da se segue que a tese no afirma que afirmativas a respeito das sensaes podem ser traduzidos em afirmativas a respeito de processos cerebrais. Tudo que ela afirma que, na medida que uma afirmativa a respeito de uma sensao um relato a respeito de alguma coisa, essa alguma coisa um processo cerebral. As sensaes no so nada para alm ou por cima dos processos cerebrais. (p. 163. Os itlicos so meus).

Ou seja, necessrio fazer uma distino entre como as coisas parecem ser, como elas so descritas, e como elas realmente so. importante lembrar que ainda no foi feita nenhuma descoberta que reduz a conscincia ao crebro. O fisicalismo, portanto, parcialmente uma expresso de f, baseada em precedentes de outras reas da cincia, e o foco dos argumentos em defesa desta posio tm cado sobre os tipos de descobertas que precisam ser feitas para que o reducionismo seja verdadeiro.

C. D. Broad observou, em 1925, que o materialismo aparece em trs modalidades: radical, redutivo e emergente. O materialismo radical afirma que o termo conscincia no se refere a nada real (na filosofia contempornea, esta posio normalmente chamada eliminativismo). O materialismo redutivo aceita que a conscincia no se refere a nada real, mas acredita que a cincia vai descobrir que aquilo que real no nada alm de um estado (ou funo) do crebro. O emergentismo tambm aceita a realidade da conscincia, mas afirma que ela uma propriedade de alto nvel dos crebros: ela supervem sobre a atividade neural, mas no pode ser reduzida a ela.

O propsito do presente Apndice no fazer uma avaliao completa dessas posies (o que j foi feito em Velmans, 2000, captulos 3, 4 e 5), mas pode ser til indicar por que eu no as adoto. Assim, para ilustrar, farei uma lista dos problemas que o fisicalismo precisa solucionar, de algumas das solues mais plausveis que o fisicalismo encontrar para esses problemas, e de alguns dos problemas que tais solues apresentam.

O que o reducionismo no-eliminativo precisa demonstrar

Consideremos que, em certo sentido, nossas experincias conscientes so reais. Para cada um de ns, nossas experincias conscientes so fenmenos observveis (dados psicolgicos) que podemos descrever com diversos graus de exatido na linguagem ordinria. As experincias de outras pessoas podem ser construes hipotticas, uma vez que no podemos observar suas experincias da maneira direta como podemos observar as nossas prprias, mas isso no faz com que nossas experincias sejam igualmente hipotticas. E tampouco nossas experincias conscientes so teorias ou psicologias populares (folk psychologies). Pode ser que tenhamos teorias quotidianas sobre o que experimentamos, e, atravs de insights mais profundos, podemos melhorar essas teorias, mas elas no substituiriam, ou necessariamente melhorariam, as prprias experincias.

Em essncia, ento, a afirmao de que as experincias conscientes no so nada alm de estados cerebrais, uma afirmativa que diz que um determinado conjunto de fenmenos (experincias de primeira-pessoa do amor, do dio, do cheiro da grama cortada, a cor do pr-do-sol, etc.) no nada alm de um outro conjunto de fenmenos (estados cerebrais, vistos desde a perspectiva de um observador externo). Dadas as extensivas diferenas aparentes entre experincias conscientes e estados cerebrais, pode ser pedir demais que concordemos imediatamente com essa afirmativa. Formalmente, precisamos estabelecer que, apesar das aparncias, as experincias conscientes so ontologicamente idnticas aos estados cerebrais.

A histria da cincia est repleta de exemplos de fenmenos que, vistos desde uma determinada perspectiva, acabaram tornando-se idnticos a fenmenos aparentemente diferentes vistos de uma outra perspectiva. Um exemplo clssico disso a maneira como a estrela da manh e a estrela da tarde acabaram tornando-se idnticas (pois descobriu-se que ambas so o planeta Vnus). Mas ver a conscincia desde uma perspectiva de primeira pessoa, e ento desde uma perspectiva de terceira pessoa, muito diferente do que ver o mesmo planeta de manh e de noite. Desde uma perspectiva de terceira pessoa (a perspectiva externa do observador), no temos acesso direto experincia consciente da pessoa sendo observada. Conseqentemente, no possumos dados de terceira pessoa (a respeito da prpria experincia) que podem ser comparados ou contrastados com os dados de primeira pessoa. As investigaes neurofisiolgicas esto limitadas, a princpio, ao isolamento dos correlatos neurais ou das causas antecedentes de determinadas experincias. Isso seria um avano cientfico muito importante. Mas o que isso poderia nos dizer a respeito da natureza da prpria conscincia?

Argumentos e falcias reducionistas mais comuns

Os reducionistas comumente afirmam que se pudermos descobrir as causas neurais ou os correlatos da conscincia no crebro, ento isso estabeleceria a prpria conscincia como sendo um estado cerebral (ver, por exemplo, Place 1956 e Crick 1994). Chamemos os dois aspectos desta afirmao de argumento da causao e argumento da correlao. Minha sugesto que tais argumentos so baseados em uma falcia bastante bvia. Para que a conscincia no seja nada alm de um estado cerebral, ela precisa ser ontologicamente idntica a um estado cerebral. Entretanto, a correlao e a causao no estabelecem uma identidade ontolgica. Estes relacionamentos tm sido persistentemente confundidos na literatura. Por isso, eu gostaria de tornar essa diferena um pouco mais clara.

A identidade ontolgica simtrica; isto , se A idntico a B, ento B idntico a A. A identidade ontolgica tambm obedece a Lei de Leibniz: se A idntico a B, ento todas as propriedades de A so tambm propriedades de B, e vice-versa (por exemplo, todas as propriedades de a estrela da manh tambm so propriedades de a estrela da tarde).

A correlao tambm simtrica; se A correlato a B, ento B correlato a A. Mas a correlao no obedece a Lei de Leibniz; se A correlato a B, no se segue que todas as propriedades de A e B so a mesma. Por exemplo, a altura, nos seres humanos, correlata ao peso, mas a altura e o peso no tm o mesmo conjunto de propriedades.

Em contraste, a causao assimtrica. Se A causa B, no se segue que B causa A. Se uma pedra que atirada em uma lagoa faz com que a gua fique cheia de marolas, no se segue que as marolas na gua causam o fato de a pedra ser atirada na lagoa. E a causao no obedece a Lei de Leibniz (pedras que voam e marolas na gua tm propriedades diferentes).

Uma vez que as bvias diferenas entre causao, correlao e identidade ontolgica tenham sido completamente exibidas, as fraquezas do argumento da causao e do argumento da correlao se tornam claros. Sob condies apropriadas, pode-se demonstrar que os estados cerebrais causam experincias conscientes ou so correlatos delas, mas da no se segue que as experincias conscientes no so nada alm de estados (ou tampouco funes) do crebro. Para demonstrar isso, seria necessrio estabelecer uma identidade ontolgica na qual todas as propriedades da experincia ontolgica e dos estados cerebrais correspondentes so idnticas. Infelizmente para o reducionismo, nenhuma propriedade de experincias ou, no mximo, poucas propriedades de experincias (descritas adequadamente) parecem ser idnticas a estados cerebrais.

Resumindo: as causas e correlatos da experincia consciente no podem ser confundidas com sua ontologia. Vrias posies no-reducionistas, tais como o interacionismo dualista epifenomenalista e a teoria moderna do duplo-aspecto concordam com o fato de que a conscincia (nos seres humanos) causalmente influenciada por eventos neurais e correlata a eles, mas tais posies negam que a conscincia no nada alm de um estado do crebro. Uma vez que nenhuma informao sobre a conscincia est disponvel para a investigao neurofisiolgica do crebro, alm das suas causas e correlatos neurais, difcil enxergar como as pesquisas neste campo podero resolver a questo. A nica evidncia a respeito daquilo com que as experincias conscientes se parecem vem de fontes de primeira pessoa, as quais consistentemente sugerem que a conscincia algo alm da atividade neuronal, ou algo mais que tal atividade. Diante disso, minha concluso que, atravs desta estratgia, no se pode fazer o reducionismo funcionar (c.f. Velmans, 1998).

Falsas analogiasDiante desta dificuldade, os reducionistas normalmente voltam-se a analogias a partir de outras reas da cincia, onde um relato causal redutivo de um fenmeno levava a um entendimento de sua ontologia, o qual muito diferente da sua fenomenologia. Francis Crick (1994), por exemplo, estabelece que, na cincia, o reducionismo ao mesmo tempo comum e bem sucedido. Descobriu-se que os genes, por exemplo, no so nada alm de molculas de DNA; ento, na cincia, esta a melhor maneira de se proceder. Se, por um lado, ele reconhece que os qualia experimentados (em primeira pessoa) colocam um problema para o reducionismo, ele sugere, por outro lado, que possvel, ao longo do tempo, descrever os correlatos neurais de tais qualia. E, se pudermos entender a natureza dos correlatos, poderemos entender as formas correspondentes de conscincia. Atravs destes meios, a cincia vai demonstrar que Voc no nada alm de um monte de neurnios!

Do que foi exposto acima, deve se seguir que encontrar os correlatos neurais da conscincia no ser suficiente para reduzir as pessoas a neurnios! A reduo da conscincia ao crebro tambm muito diferente da reduo dos genes ao DNA. No desenvolvimento da gentica, os genes, inicialmente, eram entidades hipotticas cuja existncia era inferida para que se pudesse dar conta de regularidades observadas na transio das caractersticas dos pais para sua descendncia. A descoberta de que os genes so molculas de DNA demonstra como, algumas vezes, descobre-se que uma entidade terica uma entidade real. Uma descoberta semelhante foi feita para as bactrias, que eram as causas inferidas das doenas, mas que puderam ser vistas depois que o microscpio foi desenvolvido. Os vrus permaneceram hipotticos at o desenvolvimento do microscpio eletrnico, que, ento, permitiu sua observao. Estes so casos genunos de reduo materialista (de entidades tericas para entidades fsicas).

Seria absurdo enxergar experincias conscientes como entidades hipotticas, esperando que seus substratos neurais sejam descobertos para que, ento, elas se tornem reais. As experincias conscientes so fenmenos de primeira pessoa. Para aqueles que as tm, elas proporcionam o prprio tecido da realidade subjetiva. No precisamos esperar os avanos da neurocincia para sabermos que fomos picados por uma abelha! Se as experincias conscientes fossem meramente hipotticas, os problemas mente-corpo, particularmente os problemas colocados pelas propriedades fenomenais dos qualia, deixariam de existir.

Ullin Place (1956) d ateno especial causao, em detrimento da correlao. Conforme ele observa, hoje em dia entendemos que os raios no so nada alm de cargas eltricas movendo-se atravs da atmosfera. Mas a mera correlao dos raios com descargas eltricas no suficiente para justificar essa reduo. Conforme ele argumenta, o que justifica a reduo que saibamos que o movimento de cargas eltricas pela atmosfera causa o que experimentamos como sendo um raio. De forma similar, pode-se dizer que uma experincia consciente um dado estado cerebral uma vez que sabemos que um estado cerebral causou a experincia consciente.

Tratei, acima, da falcia do argumento da causao. Mas a analogia com o raio sedutora porque ela parcialmente verdadeira. Quer dizer, para os propsitos da fsica, verdade que os raios podem ser descritos como nada alm da movimentao de cargas eltricas. Mas h trs coisas que precisam ser levadas em conta nesta situao, no apenas uma. Essas trs coisas so: um evento no mundo, um observador, e uma experincia resultante. A fsica est interessada na natureza do evento no mundo. Entretanto, a psicologia est interessada em como este evento fsico interage com um sistema visual para produzir um raio experimentado sob a forma de um claro de luz repentino no mundo fenomnico. Pode-se dizer que este raio experimentado representa o mesmo evento no mundo que a fsica descreve como uma movimentao de cargas eltricas. Mas no se pode dizer da prpria fenomenologia da experincia que ela no nada alm do movimento de cargas eltricas! Antes do aparecimento de formas de vida com sistemas visuais neste planeta, possivelmente no havia uma tal fenomenologia, embora as cargas eltricas que hoje do lugar a essa experincia j existissem.

Em suma, o fato de que a movimentao de carga eltrica causa a experincia dos raios no garante a concluso de que a fenomenologia da experincia no nada alm da movimentao de carga eltrica. E tampouco a descoberta das causas neurofisiolgicas das experincias conscientes garante a reduo da fenomenologia dessas experincias a estados do crebro.

Dado que os exemplos de reduo da perspectiva de primeira pessoa para a cincia de terceira pessoa (DNA, raio, cor, calor, etc.) no so, de fato, exemplos de redues da perspectiva de primeira pessoa, temos que admitir que, talvez, um materialismo no-redutivo seria mais apropriado. Por exemplo, de acordo com Searle (1987, 1992, 1994a, 1997), os estados conscientes no podem ser redescobertos (hoje ou em qualquer outro momento) na linguagem neurofisiolgica. Ao invs disso, eles precisam ser descritos exatamente como parecem ser. Searle, por exemplo, acredita que a subjetividade e a intencionalidade so caractersticas essenciais da conscincia. Os estados conscientes possuem uma intencionalidade intrnseca, isso , o fato de que eles so sobre algo intrnseco a eles. De acordo com Searle, isso distingue os estados conscientes de representaes fsicas tais como frases escritas em uma pgina. Os leitores conscientes podem interpretar estas frases como se elas fossem a respeito de algo (representaes fsicas deste tipo so dotadas de uma intencionalidade como-se), mas elas so apenas marcas em um pedao de papel, no so, em si mesmas, sobre nada. A subjetividade, da mesma forma, diferente de tudo mais que h na biologia e, em certo sentido, uma das coisas mais surpreendentes da natureza. (Searle, 1994a, p. 97). No obstante, ele mantm que os estados conscientes so apenas caractersticas de alto nvel do crebro.

Emergentismo

No dualismo clssico, a conscincia pensada como uma substncia ou entidade imaterial diferente, em seu gnero, do mundo material, com uma existncia que independente da existncia do crebro (embora, na vida normal, ela interaja com o crebro). O emergentismo, sob a forma de um dualismo de propriedades, retm a viso de que h diferenas fundamentais entre a conscincia e a matria fsica, mas v essas diferenas como tipos diferentes de propriedades do crebro. Quer dizer que a conscincia no redutvel, mas sua existncia ainda dependente dos funcionamentos do crebro e, de acordo com Searle, uma tal propriedade no-redutvel do crebro ainda fsica.

Searle (1987), por exemplo, afirma que a causalidade no deve ser confundida com a identidade ontolgica (que o que eu fao em minha crtica ao reducionismo, conforme a expus acima), e sua abordagem ao fisicalismo parece ser uma das poucas que leva essa distino a srio. A lacuna entre o que causa a conscincia e o que a conscincia pode ser ultrapassada, conforme ele sugere, por um entendimento de como as micropropriedades se relacionam com as macropropriedades. A liquidez da gua causada pela maneira como as molculas de H2O deslizam umas sobre as outras, mas no nada mais que (uma propriedade emergente de) o efeito combinado desses movimentos moleculares. Da mesma forma, a solidez causada pela maneira como as molculas se ligam umas s outras nas grades cristalinas, mas no passa do efeito (emergente) de alto nvel de tais ligaes. De forma similar, a conscincia causada pela atividade neuronal no crebro, e no nada alm do efeito emergente de alto nvel de tal atividade. Quer dizer que a conscincia apenas uma macropropriedade fsica do crebro.

O argumento de Searle bem atraente, mas precisa ser examinado com cuidado. O crebro sem dvida tem macropropriedades fsicas de muitos tipos. Da mesma forma que outros sistemas fsicos, sua microestrutura fsica suporta uma macroestrutura fsica. Entretanto, a macropropriedade fsica dos crebros que mais proximamente anloga solidez e a liquidez a esponjez, e no a conscincia! H, claro, outras macropropriedades como uma maior relevncia psicolgica: por exemplo, os padres de fluxo sangneo captados por varreduras PET ou as atividades magnticas e eltricas detectadas por fMRI e EEG. Mas por que se deveria considerar que um aumento de fluxo sangneo constitui a subjetividade, ou por que um potencial eltrico ou um campo magntico deveria ser como alguma outra coisa? Enquanto algumas dessas propriedades sem dvida correlacionam-se com as experincias conscientes, h poucas razes para se supor que elas so ontologicamente idnticas s experincias conscientes.

Tambm seria possvel questionar como o dualismo de propriedades de Searle poderia realmente ser uma forma de fisicalismo. Searle insiste que a conscincia um fenmeno fsico, produzido pelo crebro, no mesmo sentido como a vescula biliar produz bile. Mas ele tambm afirma que a subjetividade e a intencionalidade so caractersticas definitrias da conscincia. Ao contrrio dos fenmenos fsicos, a fenomenologia da conscincia no pode ser observada desde o lado de fora; ao contrrio dos fenmenos fsicos, ela sempre sobre algo. Assim, mesmo quando aceitamos que a conscincia , em algum sentido, causada pelo crebro, ou que ela emerge dele, por que dizer que ela uma coisa fsica, em oposio a uma coisa mental ou psicolgica? O mero gesto de se colocar uma etiqueta diferente na conscincia, ou tir-la do mbito das micropropriedades e coloc-la no mbito das macropropriedades, no estreita a lacuna entre crebros objetivos e experincias subjetivas.

Em suma, demonstrar que o crebro tem macropropriedades fsicas que supervem s suas micropropriedades uma coisa; identificar essas macropropriedades fsicas com as propriedades da conscincia outra coisa! Searle, conforme demonstrado acima, tenta resolver essa questo com um passe de mgica, simplesmente declarando que as experincias conscientes intencionais so estados fsicos. Mas isso no ajuda muito. A ontologia desses novos estados fsicos no realmente clarificada pelo simples gesto de trocar seus nomes. E tampouco a transio de coisas menores para coisas maiores (de micropropriedades para macropropriedades) realmente explica como os crebros materiais, vistos desde uma perspectiva de terceira pessoa, poderiam ter, eles mesmos, uma perspectiva consciente de primeira pessoa! E permanece o problema de como esses extraordinrios estados subjetivos e intencionais nunca poderiam interagir com os estados fsicos comuns.

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Traduzido por Pedro Rocha de Oliveira, Departamento de Filosofia, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.

O biofeedback uma forma de medicina alternativa que consiste, fundamentalmente, em apresentar ao paciente, em tempo real, medies de seus processos corporais (tais como presso sangnea, temperatura, taxa de batimentos cardacos) visando aumentar sua conscincia e o controle das atividades fisiolgicas a eles relacionadas. (Nota do Tradutor.)

Literalmente, cura pela fala. Originalmente, a expresso foi utilizada por uma paciente de histeria para descrever seu prprio processo de cura, processo este acompanhado por Sigmund Freud, e ao qual ele se refere como o caso da srta. Anna O. (N. do T.)

Embora variantes do fisicalismo eliminativo/redutivo e do funcionalismo (a teoria de que a conscincia no nada alm de um estado ou funcionamento do crebro) sejam comumente adotadas na filosofia e na cincia atuais, a reduo da fenomenologia consciente a estados ou funes do crebro esbarra com dificuldades bem conhecidas. Procurei apresentar uma anlise detalhada das foras e fraquezas de diversas formas de fisicalismo eliminativo, redutivo e emergente, e tambm do psicofuncionalismo (o funcionalismo na psicologia cognitiva) e do funcionalismo computacional (o funcionalismo na filosofia e na inteligncia artificial) em Velmans (2000), captulos 3, 4 e 5. Artigos on-line tratando de vrias das dificuldades presentes, por exemplo, no trabalho de Searle, Dennett, Armstrong, Block e Tye tambm esto disponveis a partir do arquivo CogPrints (http://cogprints.soton.ac.uk/) ver Velmans (1998, 2001a, 2001b). Dada a atual prevalncia do fisicalismo, tambm tratei de resumir algumas das minhas razes para no adot-lo no Apndice abaixo.

Deve-se observar que este fechamento fsico no exclui necessariamente uma causao de cima para baixo. Estados ou funes cerebrais de mais alto nvel podem, por exemplo, coagir estados e funes de mais baixo nvel, mais ou menos da mesma maneira como um software de computador coage e controla a ativao do hardware da mquina. O software, assim como o funcionamento cerebral de nvel mais alto, mais bem descrito em termos funcionais (isto , como um sistema de processamento de informao), mas isso no altera o fato de que o software est inteiramente incorporado no hardware fsico, e exerce seus efeitos causais atravs de sua incorporao nesse hardware.

Ver a discusso inicial deste assunto em Velmans (1991a).

Conforme observado por Libet, o desejo experimentado segue o potencial de prontido, mas precede o ato motor em si mesmo em cerca de 200 milissegundos, ou seja, em um tempo suficiente para que o desejo possa ser conscientemente vetado antes do ato ser executado. De uma forma que lembra a relao entre os desejos libidinosos que partem do id inconsciente de Freud e o controle exercido pelo ego consciente, Libet sugeriu que o incio de um ato voluntrio e o desejo que o acompanha so desenvolvidos pr-conscientemente, mas a conscincia pode, ento, atuar como um tipo de censor que decide se o ato ser de fato realizado ou no. Esta uma possibilidade interessante, mas ela exige que faamos uma pergunta bvia: se o desejo de realizar um ato desenvolvido pr-conscientemente, por que que a deciso de censurar o ato tem seus prprios antecedentes pr-conscientes? Libet (1996) afirma que isso no precisa se passar quando o controle voluntrio impe uma alterao em um desejo que j consciente. Ainda assim, pode parecer muito estranho que um desejo de se fazer algo tenha antecedentes pr-conscientes, enquanto que um desejo de no se fazer algo no os tenha. Acontece que h evidncias relacionadas diretamente com essa questo. Karrer, Warren e Ruth (1978), e Knttinen e Lyytinen (1993), por exemplo, descobriram que a conteno de movimentos irrelevantes est associada com uma lenta subida positiva no potencial de prontido.

Isso poderia ser testado utilizando-se dos procedimentos de Libet, examinando a relao do potencial de prontido com um desejo experimentado de controlar uma dada funo corporal atravs da sugesto imagtica ou do biofeedback.

C.f. Velmans (2000) captulos 2,3,4 e 5 e o Apndice do presente artigo.

Devido limitao de espao, s serei capaz de apresentar uma introduo de como resolver esses problemas. Um tratamento mais detalhado oferecido em Velmans (2000), captulo 11.

Os correlatos neurais de uma dada experincia acompanham ou ocorrem conjuntamente (co-occur) com as experincias dadas, e so, por definio, o mais prximo que podemos chegar a essas experincias desde uma perspectiva de observador. Isso as diferencia das causas antecedentes (tais como a operao da ateno seletiva, ligao, etc.) que podem ser consideradas as condies prvias necessrias e suficientes para uma dada experincia no crebro humano.

Minha suposio de que as experincias conscientes normais so representacionais orientada por uma epistemologia Realista Crtica (desenvolvida em Velmans, 2000, captulo 7) e no por qualquer compromisso com a viso de que os estados mentais no so mais que computaes a respeito de representaes (uma tese que atualmente est sendo disputada). Se, por um lado, no espao, aqui, para expor detalhadamente o Realismo Crtico, vale pena observar que no h nada misterioso a respeito das experincias serem representaes de entidades e eventos fora ou dentro de nossos prprios corpos e crebros que diferem, em alguns aspectos, das representaes alternativas destas entidades e eventos que nos so dadas pela cincia (isto , pela fsica). Os processos perceptuais provavelmente desenvolveram-se em resposta a presses evolutivas, e selecionam, atendem e interpretam informaes de acordo com as necessidades adaptativas do ser humano. Conseqentemente, eles precisam apenas fornecer um modelo de subconjunto de informao disponvel. Ao mesmo tempo, nossos modelos perceptivos precisam ser teis: caso contrrio, improvvel que os seres humanos teriam sobrevivido. Dado tudo isso, parece razovel assumir que, com exceo de iluses e alucinaes, as experincias produzidas por processamento perceptual so representaes parciais, aproximadas mas, ainda assim, teis do que est realmente l. O ponto de vista que defende que algumas experincias conscientes so representacionais no sentido de serem intencionais (o fato de que elas so experincias de algo), de qualquer forma, amplamente aceito na filosofia da mente desde que Brentano resgatou esta noo medieval no sculo XIX. De acordo com alguns filsofos, nem todas as experincias so intencionais. Searle (1994b), mantm, por exemplo, que uma sensao de dor ou um sbito sentimento de ansiedade, em casos em que a ansiedade no tem objeto, no so intencionais. (p. 380). Em Velmans (1990, 2000), eu defendo que uma experincia consciente no precisa ser a respeito de um objeto externo especfico para ser representacional. Ela pode, por exemplo, representar um estado de nosso prprio corpo, ou uma reao global a um evento real, imaginado ou relembrado. A dor que sentimos, por exemplo, representa (em nossa experincia de primeira pessoa) um dano real ou potencial ao corpo e, normalmente, ela muito precisa, pois, normalmente, est subjetivamente localizada em um lugar onde o corpo sofreu alguma leso. Uma sensao de ansiedade uma representao de primeira-pessoa de um estado de nosso corpo ou crebro que sinaliza um perigo verdadeiro ou potencial, e assim por diante. Vistos desta forma, todos os estados conscientes so a respeito de algo. A esse respeito, eu adoto o mesmo ponto de vista que desenvolvido por Tye (1995).

Essa suposio da equivalncia funcional entre experincia consciente e correlato neural (definida em termos de processamento de informao) um ponto de convergncia entre teorias que, sob outros aspectos, so amplamente divergentes (fisicalismo, funcionalismo, teoria do duplo aspecto dual-aspect theory). Conforme Gardner (1987) indi