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Travessa 1º de Março, 424 Centro - CEP: 66052-015 Tel.: (91) 3219-3487 / 3219-3487 [email protected] 1 EXMO. SR. DR. JUIZ DE UMA DAS VARAS FEDERAIS DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ, A QUEM COUBER POR DISTRIBUIÇÃO. MUNICÍPIO DE BELÉM , pessoa jurídica de direito público, CNPJ nº 05.055.009/0001-13, vem, mui respeitosamente, através de sua advocacia pública infra-assinada, conforme decretos de nomeação (anexos ), com fundamento nos art. 5º, ‘caput’, e 12, ‘caput’, ambos da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, mover AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA contra o INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS NO ESTADO DO PARÁ IBAMA/PA , estabelecido nesta cidade, à Av. Cons. Furtado, nº 1303, expondo os seguintes fatos e fundamentos: I - SÍNTESE DOS FATOS. 1. A nossa Belém, o Pará, o Brasil e mesmo o mundo, foram surpreendidos com a notícia de que o Círio de Nazaré seria mutilado em 2014, a partir de uma determinação do IBAMA, ora Requerido, proibindo a mais que centenária queima dos fogos de encerramento das festividades sob a pífia argumentação de querer relacionar a morte de alguns periquitos (meia dúzia no período, desconsiderando o crescimento vegetativo dos mesmos e sustentabilidade de séculos) por conta dos fogos de artifício. A determinação do IBAMA foi externada na forma de “decisão interlocutória” em processo administrativo relacionado a uma autuação em 2013, tendo como autuado

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Page 1: EXMO. SR. DR. JUIZ DE UMA DAS VARAS FEDERAIS DA … · verdadeira e plenamente humano. É ‘o estilo de vida comum’ que caracteriza os diversos povos; por isso é que se fala de

Travessa 1º de Março, 424 – Centro - CEP: 66052-015

Tel.: (91) 3219-3487 / 3219-3487 [email protected] 1

EXMO. SR. DR. JUIZ DE UMA DAS VARAS FEDERAIS DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO

ESTADO DO PARÁ, A QUEM COUBER POR DISTRIBUIÇÃO.

MUNICÍPIO DE BELÉM, pessoa jurídica de

direito público, CNPJ nº 05.055.009/0001-13, vem, mui respeitosamente,

através de sua advocacia pública infra-assinada, conforme decretos de

nomeação (anexos), com fundamento nos art. 5º, ‘caput’, e 12, ‘caput’,

ambos da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, mover AÇÃO CIVIL

PÚBLICA, COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA contra o INSTITUTO BRASILEIRO

DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS NO ESTADO DO PARÁ

– IBAMA/PA, estabelecido nesta cidade, à Av. Cons. Furtado, nº 1303,

expondo os seguintes fatos e fundamentos:

I - SÍNTESE DOS FATOS.

1. A nossa Belém, o Pará, o Brasil e mesmo

o mundo, foram surpreendidos com a notícia de que o Círio de Nazaré

seria mutilado em 2014, a partir de uma determinação do IBAMA, ora

Requerido, proibindo a mais que centenária queima dos fogos de

encerramento das festividades sob a pífia argumentação de querer

relacionar a morte de alguns periquitos (meia dúzia no período,

desconsiderando o crescimento vegetativo dos mesmos e sustentabilidade

de séculos) por conta dos fogos de artifício. A determinação do IBAMA

foi externada na forma de “decisão interlocutória” em processo

administrativo relacionado a uma autuação em 2013, tendo como autuado

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“Obras Sociais da Paróquia de Nazaré” (fl. 57 do processo

administrativo nº 02018.000793/2014-15 MMA/IBAMA NÚCLEO DE

COMUNICAÇÕES ADMINISTRATIVAS – PA, anexo).

2. Diante de tal notícia e da relevância e

interesse público histórico, cultural, artístico e econômico dentre

outros que a matéria tem com especial enfoque à sociedade belenense,

foi-se a ver do que se tratavam os autos administrativos relacionados,

encontrando-se o processo administrativo nº02018.000793/2014-15

MMA/IBAMA NÚCLEO DE COMUNICAÇÕES ADMINISTRATIVAS - PA, como autos onde

houve um “despacho interlocutório”.

3. O referido ato foi exarado em um

processo administrativo que tinha como objeto uma autuação em 2013, e

que tratou o Círio de Nazaré, na expressão de seu espetáculo de fogos,

como se fosse um evento particular, que pertencesse à Paróquia de

Nazaré e tivesse começado um dia desses, não interagindo nem com os

órgãos federais relacionados à cultura, um deles o Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, que titulou o Círio

de Nazaré como patrimônio Imaterial do Brasil, quanto menos então

considerou o respeito à sociedade, demais órgãos privados e públicos

relacionados em outras esferas, ou a UNESCO, que a partir de tratado

internacional do qual o Brasil é signatário reconheceu o Círio de

Nazaré como patrimônio imaterial de toda a humanidade.

4. Incrementando à pior a surpresa, veio

com o verificar que todos os espectros que levaram ao “despacho

interlocutório” do IBAMA partiram de um relatório da SEMMA que não

prevaleceu, sendo usado de modo inválido, eis que não homologado,

posto que excedendo para vícios e contradições insanáveis reconhecidas

pela alçada máxima da própria Secretaria referida.

5. Todavia, ao receio do ato, a Paróquia

de Nazaré pode acabar sendo levada a descaracterizar o Círio de Nazaré

como se hoje ainda fosse de domínio religioso estrito à Paróquia,

ofendendo a humanidade enquanto descaracterização das marcas que,

reconhecidamente, geram identidade e socorrem o caminho humano

cultural como verdadeira segurança de existir em tempo de tantas

mudanças.

6. Em síntese, os fatos.

II – DA LEGITIMIDADE E DO INTERESSE DE

AGIR DO MUNICÍPIO DE BELÉM

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7. A Lei no 7.347/85 confere a este

Município legitimidade para propor a presente ação civil pública.

Dispõe o ‘caput’, do art. 5º, do mencionado texto legal, verbis:

“Art. 5º. A ação principal e a cautelar poderão ser propostas

pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios.

Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública,

fundação, sociedade de economia mista ou por associação (...)”

(grifo nosso).

8. No caso em apreço, é indubitável,

portanto, a legitimidade do Município de Belém para a propositura da

presente ação, mesmo porque a matéria tratada nesta peça versa sobre

danos causados a uma legítima manifestação da cultura da cidade,

patrimônio cultural brasileiro, assim decidido pelo IPHAN, que colocou

sob proteção legal a Festa do Círio de Nossa Senhora de Nazaré com

todas, absolutamente todas, as suas manifestações culturais, enquanto

dimensão da proteção ao meio ambiente, na forma do disposto no art.

216, II, da CF/88, das Leis nºs 8.029/90 e 8.113/90 e Decretos

5.040/04 e 3.551/00.

9. Logo, é assunto que diz respeito,

diretamente, aos interesses da Municipalidade de Belém, dando-lhe

legitimidade para postular em juízo, na forma do art. 3º, do CPC c/c

art. 1º e incisos, da Lei nº 7.347/85.

III - CONSIDERAÇÕES INICIAIS

10. Passamos a capitular os fatos, o

direito e a dimensão social afetada, primeiramente localizando o “fato

social total” em sua historicidade e fenômeno de cultura humana.

III.1. HUMANIDADE E CULTURA.

11. Analisando a cultura e o direito numa

perspectiva evolucionária, buscando uma “conciliação” entre as

disciplinas em geral e rejeitando qualquer possibilidade de

compreensão da cultura sem compreensão da complexidade da mente humana

e com a mesma força afirmando o direito como evolução contínua, o

então Professor Pós-doutor e Procurador do Trabalho ATAHUALPA

FERNANDEZ, para além de uma perspectiva da antropologia clássica, após

visitar o antropólogo Pascal Boyer, dimensionou:

“Aquilo que explica a recorrência de certas representações

religiosas, e culturais em geral, não é, portanto, a simples

exposição dos indivíduos aos seus respectivos entornos, senão que

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também tem sua explicação na estrutura cognitiva humana. Em algum

momento de nosso passado filogenético foi necessário, para a

adaptação de nossa espécie a esse entorno peculiar, desenvolver

capacidades cognitivas que detectaram com grande facilidade

elementos estranhos ou que violassem nossas expectativas

intuitivas.” (DIREITO, EVOLUÇÃO, RACIONALIDADE E DISCURSO

JURÍDICO: “A realização do direito” sob a perspectiva das

dinâmicas evolucionárias, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto

Alegre, 2002, p. 97)

12. Destarte, o fenômeno da cultura e sua

alimentação a partir dos eventos de fé no divinal são constantes por

todo o planeta, chegando o Professor Doutor Roque de Barros Laraia, a

constatar conclusivamente, na premissa da umbilical ligação da

existência evolutiva do homem com a sua peculiar existência cultural,

como uma característica da espécie humana:

“A cultura desenvolveu-se, pois, simultaneamente com o próprio

equipamento biológico e é, por isto mesmo, compreendida como uma

das características da espécie, ao lado do bipedismo e de um

adequado volume cerebral.” (CULTURA: UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO,

10ª edição, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1995, p. 59)

13. Ainda em vista da abrangência do

conceito de cultura e sua relação com fenômenos que têm como origem a

característica da espécie humana de ter fé, trazemos da sintética e

inicial coletânea de conceitos de cultura de Edvino A. Rabuske

(Antropologia Filosófica, 8ª ed., Petrópolis, Vozes, 2001, pp. 46, 47

e 48), os seguintes autores:

a) Conceito de Edward B. TYLOR.

“Cultura: este todo complexo, que inclui conhecimento, fé, arte,

moral, lei, costume e outras capacidades e hábitos, adquiridos

pelo homem enquanto membro duma sociedade” (Primitive Culture,

1871, vol. I, 1).

b) Conceito da Conferência Episcopal de PUEBLA.

“Com a palavra ‘cultura’ indica-se a maneira particular como, num

povo, os homens cultivam suas relações com a natureza, entre si

mesmos e com Deus, de modo que possam chegar a um nível

verdadeira e plenamente humano. É ‘o estilo de vida comum’ que

caracteriza os diversos povos; por isso é que se fala de

“pluralidade de culturas”.Assim entendida, a cultura abrange a

totalidade da vida de um povo: é o conjunto de valores que o

animam e de contravalores que o debilitam, e que, ao serem

partilhados em comum por seus membros, reúnem a estes sobre a

base de uma única ‘consciência coletiva’. A cultura abrange

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também as formas, através das quais esses valores ou

contravalores se exprimem ou se configuram, isto é, os costumes,

a língua, as instituições e estruturas de convivência social,

quando não impedidas ou reprimidas pela interferência de outras

culturas dominantes.O essencial da cultura é constituído pela

atitude com que um povo afirma ou nega uma vinculação religiosa

com Deus; pelos valores ou contravalores religiosos. Estes se

referem ao sentido último da existência e têm sua raiz naquele

foco mais profundo, onde o homem encontra resposta às perguntas

básicas e definitivas que o questionam, e as encontra tanto numa

orientação positivamente religiosa, , como também, por outro

lado, numa orientação atéia” (Evangelização no Presente e no

Futuro da América Latina. Conclusões da Conferência de PUEBLA.

Ed. Paulinas, 1979, n. 264, 265 e 267).

14. A presente visitação conceitual-

científica visa destacar a premissa de que, essencialmente para a

identidade de um povo, a cultura, verdadeira característica distintiva

da espécie humana, é constituída em grande parte pela atitude com que

um povo afirma ou nega uma vinculação religiosa com Deus e todos os

fenômenos que daí decorrem no manto social.

III.2. O CÍRIO, A RAZÃO E A CULTURA

HUMANA.

15. Pode ser de primeira reação reflexiva

o caminhar mental pelo prisma da transcendência em relação ao Círio,

na perspectiva de que o fenômeno parte do acontecimento que, não se

amoldando à expectativa intuitiva do crente Plácido José de Souza1,

interagente, foi raiz de um “fato social total”2 com crescente dimensão

1 “Talvez a Imagem foi esquecida por um romeiro, de volta de Vigia, no ponto em que Plácido a descobriu;

pois ali era o ponto dos viajantes beberem água.” (Guia da Basílica de Nazaré, Em Comemoração dos 25

Anos da Coroação Pontifícia da Imagem de Nossa Senhora de Nazaré, 1953 – 15 de agosto – 1978, n. 2)

2 “(...) tudo se mistura, tudo o que constitui a vida propriamente social das sociedades que precederam as

nossas – até as da proto-história. Nesses fenômenos sociais “totais”, como nos propomos chamá-los, exprimem-se, ao mesmo tempo e de uma só vez, toda espécie de instituições: religiosas, jurídicas e morais – estas políticas e familiais ao mesmo tempo; econômicas – supondo formas particulares de produção e de consumo, ou antes, de prestação e de distribuição, sem contar os fenômenos estéticos nos quais desembocam tais fatos e os fenômenos morfológicos que manifestam estas instituições.” (Marcel Mauss, Ensaio sobre a dádiva, forma e razão da troca nas sociedades arcaicas in Sociologia e antropologia, v. 2, São Paulo, EPU/EDUSP, 1974, p. 41)

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vista até os hodiernos, como registrara da bibliografia o Antropólogo

e Professor Raymundo Heraldo Maués3:

“Um dia errava nas matas da tortuosa estrada do Utinga, hoje

transformada na bela avenida Nazaré, um destemido caçador que,

acossado pela sede, em vão buscava um igarapé onde bebesse. Na

infrutífera pesquisa descobriu umas pedras cobertas de virentes

trepadeiras, entre as quais, em uma espécie de nicho natural,

deparou com uma pequena imagem da Virgem de Nazaré.

Tomando de surpresa, supersticioso e crente, viu o caçador

naquele achado um fato sobrenatural que o seu cérebro não podia

explicar; e logo acudiu-lhe à mente a ideia de conduzir a imagem

para a sua pobre choupana” (Vianna 1904: 230 apud O HOMEM QUE

ACHOU A SANTA: Plácido José de Souza e a devoção à Virgem de

Nazaré, Alves Gráfica e Editora, Belém, 2009, p. 18)

16. A noção de transcendência a que nos

referimos supra é de conotação “teológica” (Cf. J. Ferrater Mora,

Dicionário de Filosofia, Tomo IV, 2ª edição, Edições Loyola, São

Paulo, 2004, p. 2911). Por isso e ao propósito, o título deste tópico

chama para a visão racional em nosso olhar sobre o Círio de Nazaré,

eis o histórico viés dualista onde a razão veio em passos de

autonomizar-se da fé4, com diferente enfoque mesmo para a definição de

transcendência5.

3 Vendo o momento como a exigir apenas a sintética abordagem da origem do Círio de Nazaré, apenas

registramos, como o próprio autor citado faz, “sobre as dúvidas ainda existentes – e que talvez nunca venham a ser sanadas – a respeito de determinados fatos históricos relativos ao começo da devoção a Nossa Senhora de Nazaré, Belém.” (idem, ibidem, pp. 20-21) 4 O Filósofo Professor Doutor da USP Juvenal Savian Filho, em critica preambular à encíclica Fides et ratio,

assim resgata quanto ao dualismo referido: “Com o projeto fundante de uma nova racionalidade proposto por Descartes e com a irrenunciável Aufklärung de Kant, a filosofia retira seu centro do ponto que coincidia com o centro da fé e, propriamente por isso, impossibilita qualquer pretensão a um movimento circular entre ambas, pois a fé tem seu centro em Deus, o transcendente pessoal, enquanto a concepção moderna de razão o tem no homem. Daí virá o porquê de a modernidade não ter grandes interesses por pensar o transcendente da fé, pois a transcendência que a razão moderna apregoa é de outra ordem: é de ordem lógica ou metodológica. Como, então, pretender um movimento circular entre dois pontos que não se dirigem de modo equidistante para um mesmo centro? Uma distinção desse gênero provoca dois movimentos circulares independentes, um centrado em Deus, outro, no homem, parecendo possível dizer que a filosofia moderna, ao determinar a sua própria natureza em função do sujeito no qual subsiste a filosofia (e não mais em função do objeto ao qual ela se refere), opera uma cisão irremediável entre o saber da razão e o saber da fé. Por conseguinte, se se quiser fazer ou pensar algo com base na Fides et ratio, esse algo terá de respeitar uma cláusula, qual seja, a de não querer reconciliar duas coisas irreconciliáveis como parecem ser a fé e a concepção moderna de razão.” (Juvenal Savian Filho, Fé e Razão: uma questão atual?, São Paulo, Edições Loyola, 2005, p. 108). 5 “Assim, pode-se afirmar que para Kant transcendente não é o que extrapola os limites da experiência

possível, mas o que precede toda experiência, tornando possível o próprio conhecimento da experiência. ‘Si

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17. E neste caminhar da história, temos

que a própria Igreja Católica, ao tratar da cultura no Século XX, já

fez firme posição quanto à devida inviolabilidade e o respeito ao

produto da razão humana enquanto campo autônomo em relação à fé.

Marcado, assim, um tempo onde a Igreja Católica Apostólica Romana,

para além de si, voltou seu olhar ao mundo contemporâneo, baliza a

Constituição Gaudium et spes (1965), em seu n. 59:

“Pois a cultura, uma vez que deriva imediatamente da natureza

racional e social do homem, tem uma constante necessidade de

justa liberdade e de legítima autonomia, de agir segundo os seus

próprios princípios para se desenvolver. Com razão, pois, exige

ser respeitada e goza de certa inviolabilidade, salvaguardados,

evidentemente, os direitos da pessoa e da comunidade, particular

ou universal, dentro dos limites do bem comum.

O sagrado Concílio, recordando o que ensinou o Primeiro Concílio

do Vaticano, declara que existem ‘duas ordens de conhecimento’

distintas, a da fé e a da razão, e que a Igreja de modo algum

proíbe que ‘as artes e disciplinas humanas [...] usem de

princípios e métodos próprios nos seus respectivos campos’;

‘reconhecendo esta justa liberdade’, afirma por isso a legítima

autonomia da cultura humana e sobretudo das ciências.” (Gaudium

et Spes: texto e comentário , São Paulo, Paulinas, 2011 (Coleção

revisitar o Concílio), pp. 147-148)

18. O reconhecimento e respeito à cultura

humana pela Igreja Católica, cujo livre exercer é marca de liberdade

em uma sociedade, é comentado por D. Hugo da Silva Cavalcante (OSB),

Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense,

de Roma, exatamente sobre o reproduzido texto canônico extracodicial:

“A Igreja, aceitando ‘a legítima autonomia da cultura humana e

especialmente das ciências’, reconhece também a liberdade

acadêmica de cada um dos estudiosos na disciplina da sua

competência, de acordo com os princípios e os métodos da ciência,

a que ela se refere, segundo as exigências da verdade e do bem

comum.” (A LEGISLAÇÃO UNIVERSAL EXTRACODICIAL DO CÓDIGO DE

DIREITO CANÔNICO, São Paulo, Edições Loyola, 2010, p. 131)

el conocimiento fuese transcendente, conoceria cosa externas; si fuese inmanente, sólo conocería ideas (lo que hay en mí). Mas el conocimiento es transcedental, es decir, conoce los fenómenos, las cosas en mí, lo que se me aparece como fenómeno’” (Renato Vasconcelos Magalhães, A Filosofia do Direito em Kant, Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25>. Acesso em: 23 set. 2014).

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19. Assim, Arquidiocese de Belém, Obras

Sociais da Paróquia de Nazaré e Diretoria da Festividade de Nazaré em

apresentação à proteção do Estado, por respeito à cultura em admitida

realidade que, guardando suas inerentes conexões, há de ter seu

existir próprio em relação à Igreja, eis que resultado da natureza

racional e social do homem, expressão justa de liberdade e de legítima

autonomia segundo os seus próprios princípios, fez por reconhecer à

declaração formal que o Círio, em seus múltiplos aspectos, dimensões e

especial modo de ocorrer há mais de dois séculos, faz-se em patrimônio

imaterial, bem cultural da sociedade brasileira:

“AVISO No - 2, DE 20 DE AGOSTO DE 2004

Na forma e para os fins do disposto no § 5º do art. 3º do Decreto

nº 3.551, de 04 de agosto de 2000, o INSTITUTO DO PATRIMÔNIO

HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL - IPHAN, dirige-se a todos os

interessados para avisar que está em trâmite no âmbito deste

Instituto o processo administrativo nº 01450.010332/2004- 07, que

se refere à proposta de registro do “Círio de Nossa Senhora de

Nazaré”, na cidade de Belém, Estado do Pará, como Patrimônio

Cultural Brasileiro, apresentada pela Arquidiocese de Belém,

Obras Sociais da Paróquia de Nazaré e Diretoria da Festividade de

Nazaré. A instrução técnica do processo foi concluída na forma do

Parecer da Senhora Gerente de Registro, do Departamento de

Patrimônio Imaterial, que diz em síntese: “A Festa do Círio de

Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará, é uma celebração

constituída de vários rituais de devoção religiosa e expressões

culturais, cujo clímax ocorre na procissão do Círio, no segundo

domingo de outubro, a cada ano, desde 1793. O objeto do registro

foi definido a partir da identificação de seus elementos

essenciais - aqueles sem os quais o Círio não existiria -,

mencionadas ainda as expressões associadas à festa que não estão

sedimentadas pelo tempo e pela tradição. Aplicaram-se, para

tanto, os critérios de continuidade histórica e da tradição que

se reitera e atualiza, mantendo para os devotos o vínculo do

presente com o passado, chegando-se à definição dos seguintes

elementos essenciais desta celebração: as procissões da

Trasladação e a do Círio; as imagens da santa, a original e a

peregrina; a corda e a berlinda; o almoço do círio; o arraial; as

alegorias da procissão do Círio; a feira e os brinquedos de

miriti; as cerimônias e a procissão do Recírio. Além destes, são

mencionadas, descritas e documentadas no processo todas as demais

expressões de devoção associadas e os outros bens culturais

agregados à festa, que são constitutivos do Círio Contemporâneo.”

O trabalho produzido contém elementos que motivaram a emissão de

parecer favorável à inscrição do Círio de Nossa Senhora de Nazaré

no Livro de Registro das Celebrações. A presente comunicação tem

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por finalidade tornar público o ato que se quer praticar, e

permitir que, no prazo de 30 (trinta) dias contados desta

publicação, qualquer interessado apresente a sua manifestação.

AMPARO LEGAL: Constituição da República Federativa do Brasil, de

05 de outubro de 1988, art. 216 (inciso II); Lei nº 8.029 de 12

de abril de 1990; Lei nº 8.113, de 12 de dezembro de 1990;

Decreto nº 5.040, de 07 de abril de 2004 e Decreto nº 3.551, de

04 de agosto de 2000.

Localização da manifestação cultural: Cidade de Belém, Estado do

Pará. Superintendência Regional Responsável: 2ª Superintendência

Regional Superintendente Responsável: Dr. Cristóvão Fernandes

Duarte PRAZO PARA MANIFESTAÇÃO DOS INTERESSADOS: 30 (trinta)

dias. CORRESPONDÊNCIA PARA: Conselho Consultivo do Patrimônio

Cultural - Presidente - SBN, Quadra 02, Edifício Central Brasília

- 6º andar - Brasília - Distrito Federal - CEP: 70040-904.

SÉRGIO DA SILVA ABRAHÃO Presidente Substituto” (DOU de 24.8.2004,

Secção 3, pp. 7-8)

20. Conforme Certidão do IPHAN (anexo) que

corresponde à síntese do conteúdo do devido processo de registro junto

ao ente federal de nº01450.010332/2004-07 (e Anexos), ainda no ano de

2004, houve o registro pugnado, de acordo com decisão proferida na 44ª

reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, realizada em

30.9.2004, ficando o registro com a data de 5.10.2004, reconhecendo,

como já o era6, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, Patrimônio Cultural

do Brasil:

“Titulação

A Presidenta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional, na qualidade de Presidente do Conselho Consultivo do

Patrimônio Cultural, no uso de suas atribuições, e em decorrência

da inscrição no Livro de Registro das Formas de Expressão em 5 de

outubro de 2004, confere o título de Patrimônio Cultural do

Brasil ao Círio de Nossa Senhora de Nazaré.” (anexo)

21. Consoante destaca o próprio IPHAN, por

meio do “Dossiê IPHAN I {Círio de Nazaré}”, fruto de trabalho do

proficiente corpo técnico do órgão e de instituições externas7, eis,

aí, um especial dever do Estado brasileiro ao tratamento distinto:

6

7 Elaboração do dossiê para Registro do Círio de Nazaré: equipe técnica iphan, departamento do patrimônio

imaterial Supervisão (Ana Cláudia Lima e Alves – gerente de registro, Ana Gita de Oliveira – gerente de identificação e Maria das Dores Freire – consultora; apoio, Fabíola Nogueira Gama Cardoso;

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“O reconhecimento de um bem de natureza imaterial como patrimônio

cultural brasileiro, por meio do Registro, atribui a ele valor

representativo da cultura e da identidade brasileiras.

Ao chancelar determinada manifestação cultural com esse título, a

União assume tanto a responsabilidade de acompanhar os possíveis

desdobramentos e reflexos desse ato sobre o bem, quanto o

compromisso com a sua preservação. Compromisso este que se traduz

na sua divulgação e valorização, e também na recomendação de

ações para sua salvaguarda.” (ob. cit., p. 76)

22. O IPHAN, ainda adverte, que o dever de

preservar o Círio de Nazaré8, enquanto patrimônio cultural brasileiro

em seu especial modo de acontecer, não autoriza ninguém, nem mesmo a

Organização do Círio, o Município, o Estado ou qualquer órgão Federal

a dispor desse modo, modificando-o, dado o dever de preservar, como

destaca ao deixar clara a amplitude de destinatários do dever acima

descrito:

“Tais recomendações destinam-se a todos que, direta ou

indiretamente, desempenham algum papel na gestão e organização do

Círio, inclusive os órgãos municipais, estaduais e federais que

recebem atribuições na procissão ou nas demais celebrações e

eventos associados à festividade e que podem, de alguma maneira,

contribuir para a sua continuidade.” (idem, ibidem)

23. Após finalização do dossiê relacionado

em 20059 pelo Ministério da Cultura, seguiu o Estado brasileiro

10 na

2a superintendência regional, Coordenação-geral Maria Dorotéa de Lima; apoio administrativo, Sirley Nascimento Santana, Raimundo Nonato Cardoso e Lucimar Florêncio de Castro; revisão e organização dos registros audiovisuais, Nívia de Morais Brito; equipe externa, Consultoria de antropologia Raymundo Heraldo Maués; elaboração do texto, Márcio Couto Henrique, Maria Dorotéa de Lima e Raymundo Heraldo Maués; fotografias e registros audiovisuais, Luiz Braga Kâmara Kó – reprodução imagens antigas Acervo da Diretoria da Festividade de Nazaré Fotos INRC/Círio – 2a SR/Iphan; imagens antigas, Museu da Universidade Federal do Pará, Museu do Círio Arquivo Público do Pará, Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico/RJ, Basílica de Nazaré Cúria Metropolitana, Coleção Particular Victorino Chermont de Miranda; pesquisa iconográfica, Flávio Nassar Coaracy, Luana do Carmo Elleres, Ana Carolina Sarmento Ferreira, Maria Luiza Faria Nassar, Tatiana Lima; pesquisa histórica e cronologia, Claudia Aline Pires, Elielson Rodrigues da Silva, Gilmar Matta da Silva, Márcio Couto Henrique, Paulo Roberto Rodrigues Benjamin. 8 Ricardo Frugoli e Marielys Siqueira Bueno registram: “o Círio de Nazaré, a festa dos paraenses, é a

primeira manifestação religiosa a ser reconhecida como bem cultural de natureza imaterial pelo Instituto de Patrimônio Histórico Nacional – IPHAN – em 2004, tendo se tornado também, patrimônio da humanidade na Oitava Reunião Anual do Comitê Intragovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, em 4 de dezembro de 2013, que resolveu pela inclusão do Círio na Lista Representativa do Patrimônio Cultural da Humanidade” (O Círio de Nazaré (Pará, Brasil): relações entre o sagrado e o profano in Turismo & Sociedade, v. 7, n. 1 - Dossiê: Megaeventos, Curitiba, janeiro de 2014. p. 135) 9 Encontram-se no sítio (pesquisado às 18h16 de 28.9.2014)

http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/spi/plano_plurianual/avaliacao_PPA/relator

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candidatura posta junto à UNESCO do Círio de Nossa Senhora de Nazaré a

Patrimônio Mundial, o que teve grande participação, incluindo a Ordem

dos Advogados do Brasil Seção Pará11, em vista do seguimento até que:

io_2005/05_PPA_Aval_programas_MinC.pdf as avaliações da concepção, da implementação e dos resultados obtidos pelos programas gerenciados pelo MinC em 2005. O Programa “Cultura e Tradições: Memória Viva” (página 225), tem como atividade importante implementada: “... atividades importantes foram implementadas pelo programa: (...) • Finalização dos dossiês e do registro do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, de Belém/PA, e do Samba de Roda do Recôncavo Baiano, este último candidato à III Proclamação de Obras-Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco (...)” 10 O IPHAN publicou em português o Manual de Referência relativo à Preparação de candidaturas para o

Patrimônio Mundial (UNESCO Brasil, Iphan, Brasília, 2013). O Manual, antes disponível apenas em inglês e

francês, consolida a experiência do Centro do Patrimônio Mundial na gestão de candidaturas e visa difundir

a Convenção e de estimular a cooperação internacional no campo do patrimônio sendo parte da estratégia

de implantação do Centro Lucio Costa, criado pelo IPHAN e reconhecido pela UNESCO como um dos seus

centros de Categoria II. No referido Manual, esclarece a UNESCO que:

“Uma candidatura a Patrimônio Mundial é, em essência, o formulário oficial de inscrição para o status de

Patrimônio Mundial. É um documento enviado à UNESCO pelo Estado-parte ou por dois ou mais Estados-

parte no caso de candidaturas transnacionais.”

11

“Transformar o Círio de Nossa Senhora de Nazaré em Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade.

Esse foi o objetivo do encontro realizado hoje (23) entre a Associação Brasileira dos Advogados Católicos – ASSBRAC e o Arcebispo Metropolitano de Belém, Dom Alberto Taveira. Durante a reunião o presidente da ASSBRAC, José Roberto Maia Bezerra entregou ao Arcebispo de Belém, Dom Alberto Taveira um documento (prévio), contendo todos os argumentos legais para que o Círio de Nazaré seja reconhecido como um Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade. Segundo Maia, anos atrás, no primeiro mandato do presidente Lula, o então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, atual na época levou um documento à Brasília, que deu o pontapé inicial ao processo. Depois disso, disse Maia, ‘não souberam o que aconteceu como processo’. Para Dom Alberto Taveira a proposta é muito bem aceita pela Arquidiocese. ‘A aprovação dessa proposta seria um reconhecimento importante para o povo paraense’. O projeto será encaminhado ao Ministério da Cultura. O documento assinado por todos que integram a Comissão Mista Especial, Presidentes da ASSBRAC, OAB-PA e Arcebispo de Belém, também será apresentado à Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), que terá a tarefa de aprovar as medidas necessárias para que o Círio de Nazaré seja então mencionado como Patrimônio Cultural e Imaterial da humanidade. ‘Isso representa um marco mundial e passará a ser mencionado junto ao Vaticano’. Disse Maia Bezerra. ‘O Círio de Nazaré reúne, hoje, milhares de pessoas de todos os credos, que fazem questão de participar da maior festa religiosa do mundo’, relata o presidente da ASSBRAC. Durante a reunião estiveram presentes o Arcebispo Metropolitano de Belém, Dom. Alberto Taveira, Presidente da ASSBRAC, João Roberto Maia, Diretora secretária Adjunta Nacional da ASSBRAC e Presidente da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica - Seção Pará, Ana Maria Chaves, a Diretora Nacional de Cultura da ASSBRAC, Hilda Bezerra e o Jurista e o Ouvidor Geral da OAB-PA, Oswaldo Coelho Filho. O Caso

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“A Festa do Círio de Nazaré, realizada em Belém (PA), bem

registrado pelo IPHAN em outubro de 2004, foi inscrita na Lista

Representativa do Patrimônio Cultural da Humanidade da UNESCO em

dezembro de 2013, durante a oitava seção do Comitê

Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial,

realizada em Baku (capital do Azerbaijão).” (do sítio oficial do

IPHAN, pesquisado às 19h14 de 28.9.2014, em:

http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=182

19&sigla=Institucional&retorno=detalheInstitucional)

III.3. DOSSIÊ IPHAN I {CÍRIO DE NAZARÉ}:

“A PRESENÇA DOS FOGOS DE ARTIFÍCIO NOS CÍRIOS É ALGO ESSENCIAL”.

24. Como registrou o IPHAN no dossiê (ob.

cit.) gerado ao processo de reconhecimento do Círio de Nossa Senhora

de Nazaré como patrimônio imaterial do Brasil, os fogos estão

presentes na história e no modo de acontecer social da manifestação,

sendo, como o diz o ente, essenciais a sua caracterização:

“A origem dos fogos no cortejo parece ser mais antiga do que a

alegoria do castelo medieval que passou a ser mais tarde o carro

dos fogos, em substituição aos clarins de cavalaria. Tanto os

clarins, como os fogos, tinham a finalidade explícita de anunciar

ao povo, que a aguardava, a aproximação da romaria e, ao mesmo

tempo, servir de guia aos que conduziam a berlinda, quanto ao

adiantamento da vanguarda da procissão. Fazendo uma analogia com

os préstitos carnavalescos, era também uma espécie de ‘abre-alas’

ou ‘comissão de frente’.

(...) a presença dos fogos de artifício nos círios é algo

essencial e faz parte das homenagens que a santa recebe durante a

realização do préstito.” (ob. cit., p. 16)

25. Outros momentos do dossiê onde o IPHAN

destaca a relação com os fogos de artifício:

“No século xix, a proximidade do Círio aumentava a procura por

fogos, velas, tecidos e outros adereços, o que não passava

despercebido pelos comerciantes da época, que aproveitavam a

O primeiro órgão a se mobilizar sobre o Círio de Nazaré foi o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Técnicos do órgão reuniram informações a respeito do Círio como: fotografias, informações e cartas de apoio de grupos envolvidos na festividade e dossiê e, em 2004, conseguiram que o Círio ganhasse destaque nacional como patrimônio nacional de natureza imaterial.” (Círio de Nazaré pode virar Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade, 23.11.2010, disponível no sítio oficial da OAB/PA, consultado às 19h de 28.9.2014: http://oabpa.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=647:cirio-de-nazare-pode-virar-patrimonio-cultural-e-imaterial-da-humanidade&catid=30:noticias&Itemid=110)

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oportunidade para aumentar seus lucros graças ao fervor religioso

dos devotos.” (ob. cit., p. 17)

“’A idéia de vir para Ananindeua surgiu de um cidadão dono de um

posto de gasolina de nome Ribeiro, proprietário do posto Tokyo.

Nesse ano, ele solicitou à diretoria que a imagem viesse até

Ananindeua. E foi assim que começou. O principal objetivo da

celebração é para que as pessoas sintam-se mais próximas de Nossa

Senhora, tenham oportunidade de prestar esta homenagem da maneira

como elas querem, por meio da queima de fogos, flores, caminhada,

da peregrinação’, diz Odon Carlos, organizador do traslado.

O primeiro traslado da imagem de Nossa Senhora de Nazaré em carro

aberto ocorreu em 1997. A partir desta data é que a romaria

rodoviária começou a sair da igreja matriz de Ananindeua. “O

sentido é fazer com que as pessoas mais distantes daqui da

Basílica de Nazaré também tenham contato, sintam mais de perto o

que é a romaria rodoviária”, diz José dos Santos Ventura, membro

da diretoria da festa.

(...)

No dia seguinte, após uma missa, a berlinda com a imagem da santa

é conduzida até um carro do corpo de bombeiros, seguindo na

romaria” (ob. cit., pp. 39-40)

“Em 1990 um carro de som foi utilizado para convidar os devotos

moradores da rodovia Augusto Montenegro, por onde passa a

romaria, a renderem suas homenagens à Nossa Senhora de Nazaré. A

romaria começou a crescer e as pessoas passaram a decorar as

frentes de suas casas e ruas com balões, flores, faixas e queimas

de fogos em homenagem à imagem da santa. No mesmo ano foi

colocado um caminhão da Texaco para conduzir a imagem, já que a

empresa apoiou financeiramente a realização da romaria.” (ob.

cit., p. 40)

“No sábado que antecede o Círio, após terminar a romaria

rodoviária, é celebrada uma missa no trapiche de Icoaraci. Logo

em seguida, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré é transportada

para o navio balizador da Marinha, Guarnier Sampaio, que zarpa

conduzindo a imagem num altar armado na proa. O navio é seguido

de perto por centenas de barcos. Partindo de Icoaraci, a romaria

fluvial perfaz um percurso de 10 milhas náuticas na baía do

Guajará, até o porto de Belém, terminando no local conhecido como

escadinha do cais do porto. Ao longo do percurso, a imagem de

Nossa Senhora de Nazaré recebe muitas homenagens, como o

lançamento de pétalas de rosas e de papel picado de helicópteros

e ultraleves, e a queima de fogos, por devotos, nas margens da

baía do Guajará.” (ob. cit., p. 42)

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“Durante o trajeto, muitas homenagens são prestadas à Nossa

Senhora de Nazaré, sendo que as principais são promovidas pelo

Banco do Brasil e pelo Sindicato dos Estivadores e dos

Arrumadores do cais do porto de Belém, com um espetáculo de fogos

de artifício. No decorrer dos últimos anos, o aumento do número

de participantes dessa procissão, sobretudo de jovens, é bastante

significativo. É voz corrente que o aumento do número de

promesseiros na corda da trasladação e na própria procissão está

ligado ao clima mais agradável à noite, à beleza do espetáculo

dos fogos no período noturno e ao crescimento surpreendente do

número de pessoas na procissão principal do Círio, na manhã

seguinte, o que faz com que muitos participem apenas da procissão

noturna. Os jovens, no intuito de conseguirem graças (na sua

ampla maioria, a aprovação no exame do vestibular), participam da

caminhada da trasladação segurando a corda até o mercado Ver-o-

Peso e, com o restante do povo, conduzem a berlinda para a

Catedral da Sé” (ob. cit., p. 45)

III.4. OS FOGOS DE ARTIFÍCIO E SUA

INTRINCAÇÃO COMO SINAIS DE SIGNIFICADO NA CULTURA HUMANA E SUAS

TRADIÇÕES

26. A premiada escritora, membro da

Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e Professora Raquel Maria

Carvalho Naveira, conta de uma história que é muito comum a nós,

enquanto viventes da história Brasileira:

“O fogo nos faz lembrar várias comemorações; o dia de São João é

comemorado com a fogueira. Em muitos acontecimentos festivos são

usados fogos de artifício, sendo cada um mais belo que o outro.

Também os índios gostam muito de usar o fogo, eles dançam em

volta do mesmo para festejarem suas vitórias e suas crenças.” (O

GUARANI E A INTERDISCIPLINARIDADE, Cadernos do Congresso Nacional

de Lingüística e Filologia do Círculo Fluminense de Estudos

Filológicos e Lingüísticos - XI Círculo Fluminense de Estudos

Filológicos e Lingüísticos Em Homenagem a Joaquim Mattoso Câmara

Jr., Outros Trabalhos do XI CNLF, Vol. XI, N° 04, RIO DE JANEIRO,

2007, p. 123)

27. Os fogos são um modo que o homem, ser

cultural, encontrou de jogar ao céu o fogo, de iluminar a noite, de

amplificar as vozes e as palmas, caracterizar a movimentação cósmica e

muito mais relações que geram ligações com o fogo cheias de

significado12, como esta vista a partir dos índios Mbyá-Guarani:

12

Rememorando a origem dos fogos de artifício, e numa visão do processo cultural da humanidade, Simon

Werrett explica que simples fogos de artifício também adicionaram comoção para o mistério e festivais

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“(...) o principal motivo pelo qual os Mbyá mantêm o fogo como

partícipe dos acontecimentos diários é explicado pela fala de uma

Mbyá-Guarani: “minha mãe disse que o fogo é como nossa mãe. Se

não tem fogo, ficamos tristes”. Essa colocação é reforçada pelo

Opyguá, que tece um discurso sobre a importância do fogo:

Tatá nhande Guarani rekó – Deus fez o fogo para nós e o fogo é

como a nossa mãe e nós temos que ficar perto do fogo sempre. Por

exemplo, um Karaí pode rezar para Deus perto do fogo, pode

queimar petyguá (cachimbo ritual) dentro da casa. Os brancos

acham que para nós ficar perto do fogo faz mal, mas não é. A

gente faz comida com o fogo, faz petyguá, a gente não pode viver

sem o fogo. A fumaça não faz mal para o pulmão, porque sai de

casa. O fogo é para a toda vida – tatá nhande rekó re. (Opyguá do

Tekon Koenju).

Um Juruá (não índio, que trabalha com assistência às comunidades)

entrevistado considera que os Mbyá têm vergonha do cheiro de

fumaça, pelo preconceito que sofrem ao andar de ônibus e conviver

com os “brancos”. Por esse motivo, certa vez pediram uma casa

onde não fariam fogo. Porém, acabaram percebendo que não

conseguiam viver assim e arrancaram o assoalho de madeira, para

poder fazer fogo dentro de casa. Considera-se que essas

informações são de grande valia para a compreensão da relação

entre o fogo e a cultura, podendo auxiliar no diálogo com os

juruá que prestam assistência às comunidades. Também podem

esclarecer a necessidade desse elemento no convívio diário,

representada não apenas por sua função, mas por seu significado

afetivo.” (Nauíra Zanardo Zanin, Aspectos simbólico-culturais e

continuidade das construções Mbyá-Guarani in RS índio:

cartografias sobre a produção do Conhecimento [recurso

eletrônico}, org. Gilberto Ferreira da Silva, Rejane Penna, Luiz

Carlos da Cunha Carneiro, EDIPUCRS, Porto Alegre, 2009, p. 191)

28. É lugar comum no país a incorporação

pelas tradições culturais vigorantes dos fogos de artifício, vistas as

sagrados ligados ao cristianismo, como representação do som e da aparição do celestial e imagens de meteoros que mediam o céu e a terra: “Gunners did not originate the festive use of fireworks. Crackers were known around the globe, and more complex fireworks had been employed in war and celebrations since their invention by the chinese in the twelfth century. (...) Simple fireworks also added drama to mystery plays and holy festivals at Christian religious sites, imitating the sound and appearance of celestial and meteoric scenes that mediated between heaven and earth. (...)” (Fireworks: pyrotechnic arts and sciences in European history, Lybrary of Congress Cataloging-in-Publication Data, 2010, p. 16)

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raízes indígenas e as influências de miscigenação que trazem em comum

relações com esta forma de expressão e significados. Por exemplo,

Fernando Oliveira de Moraes registra sobre a festa do Divino em Mogi

das Cruzes:

“Cabe ao festeiro a tarefa de confeccionar em casa, ou mandar

fazer fora, a bandeira do Divino, procurando sempre superar em

beleza a do ano anterior. ‘A minha bandeira foi minha mulher que

bordou inteirinha. Neste ano, estão participando da confecção da

bandeira a mãe e filhos da festeira. Ela fez questão de

confeccionar a dela, mas tem gente que manda fazer fora. É um

problema de cada um’, explica Campos. Entretanto, essa bandeira

ainda não está benta. Ela será benta durante a abertura do

Império.

Durante o primeiro ato oficial da festa, a abertura do Império,

ex-festeiros e devotos realizam um grande cortejo e se reúnem na

casa do festeiro, ao som de banda de música e muitos fogos de

artifício. Depois, dirigem-se para a praça da catedral, onde,

todos os anos, é montando o Império. Existe grande expectativa

por parte dos devotos para conhecer a arrumação do Império é

aberto e a bandeira do festeiro, que são feitas segundo seu

gosto. O Império é aberto e bandeira benzida pela autoridade

eclesiástica, de preferência o bispo ou o vigário da catedral, na

presença de autoridades civis da cidade, como prefeito, o vice-

prefeito ou secretário de cultura do município. Nesse momento, os

músicos da folia do Divino cantam a abertura do Império. Começa

oficialmente a Festa do Divino.” (destaques nossos, A festa do

divino em mogi das cruzes: folclore e massificação na sociedade

contemporânea, Fapesp, São Paulo: Annablume, 2003, p. )

29. Grande fonte de nossas origens

culturais é Portugal13, por razão da força da história, com tradição à

13 Sobre a importância dos fogos em Portugal e sua relação com as celebrações: “Fireworks in

Portugal are a serious business. They have achieved an amazing level of artistry and are used in

every significant celebration. In larger cities they are grand affairs, intricately coordinated to

music, lights, and dancers in the foreground. Fireworks even sometimes adorn parade floats. In

one elaborately choreographed parade whose theme was sea monstes from the Age of the

Descoveries, Chinese drangon-type puppets were carried by 20 or more marchers with attached

fireworks that sizzled and popped and shot sparks. There is much to be admired here, both for the

rockts in the air that explodein dazzling patterns and changing colors as for ones on the ground,

that when lit swirl and whiz as painted wooden figures chop wood or hoe an imaginary field. A

Portuguese fireworks display is not to be missed for its unusual crativity and fine crafsmanship!

Some larger cities and towns are famous for their extravagante celebrantions or significance as

pilgrimage destinations. In Matosinhos (near Porto), 300,000 people visited the Bom Jesus

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qual agora nos reportamos. A Professora Doutora Susana Gastal, observa

na cidade do Porto que, ao lado do patrimônio de uma arquitetura

invejável, listada pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade, existe

anualmente a Festa de São João, que envolve profundamente toda

sanctuary in the three-day period. Even when the sanctuaries are located away from population

centers where acesss is difficult, they attract a phenomanal number of worshipers. São Bento da

Porta Aberta, for example, is secluded in the Gerês Mountain, yet in one morning alone 10,000

celebrants arrived on foot for a festival that lasted five days. The city Tomar, the original seat of

the Knights Templar (founded in 1119), is known for its spectacular religious procession of the

Tabuleiros, an event so elaborate an time-consuming to organize it happens only every four years.

The religious procession of the Tabuleiros comprises 400 young girls in White dresses, each

balancing a tray that forms the base for a precarious tower of bread decorated with flowers,

ribbons, and sheaves of wheat, topped with a crown and cross or a paper dove to symbolize the

Holy Spirit. The towers can weigh up to 30 pounds, and some are tal as the girls who carry them,

so they are accompanied by boys dressed in black and White who help them balance the load.

The town is bedecked with intricate paper decorations strung across the main thoroughfares,

perhaps a candlelight procession on the final night as the religious statues are returned to their

sanctuaries, topped off with a fireworks spectacle. The next day the bread is blessed by the priest

and distributed to local families.

Redondo, a town in the Alentejo, known for its thematically decorated streets during its festa

celebration. Neighbors join together to choose a theme based on local history or the regional

harvest and create elaborate an detailed scenarios in twisted and cut crepe paper. Common

themes include sheep shearing, honey gathering, wine making, and cork harvesting. Cunningly

wrought figures, animals, and flowers fountains and rivers for a dazzling display of color and

ingenuity. Nightly concerts in the town square and, of course, fireworks add to the festivities and

draw crowds from great distances.

Saint Vincent is the patron saint of Lisbon in 1195. The city celebrates the Festa dos Santos

Populares (São Pedro, São João, and Santo António) all through the month of june with outdoor

music festivals, folkloric dance competitions, parades, fireworks, and street parties nearly every

night. Festa do Santo António begins on the evening of June 12 and continues through the night

and the next day. The highlight takes place on June 12 with the Marchas Populares when dozens

of communities march along the Avenida da Liberdade with the culminating arraial in the Alfama

the same night. During the night a great crush of people meandre through the narrow streets and

staircases of the Old Alfama district (one of the few neighborhoods to survive the earthquake in

the eighteenth century, retaining its medieval layout of tiny streets, staircases, and hidden

courtyars) to gather along the ramparts of Saint Jorge’s castle built high on a hill overlooking the

city and the Tejo River to Watch the fireworks display.” (Carlos A. Cunha and Rhonda Cunha,

Culture and customs of Portugal (Culture and customs of Europe), Library of Congress Cataloging-

in-Publication Data, 2010, pp. 56-57)

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população local há pelo menos setecentos anos. Utilizando o tratamento

dado por Castells ao tema, verifica-se na tradição a permeação

relevante ao agir cultural dos fogos de artifício:

“Alberto Pimenta (1971, p. 20) comenta em texto datado de 1905,

que ele é ‘de um tempo [...] em que o São João do Porto se

dividia em dois volumes, o do povo, nos Campos da Cedofeita; o

dos burgueses, no arraial da Lapa’. No largo da Lapa, as pessoas

sentavam em bancos vindos da igreja para dali assistir aos fogos

conduzidos pelos ‘fogueteiros’. Na Cedofeita havia bailaricos

sobre a relva, num local, então, descampado, mas Pimenta o coloca

como arraial dos soldados e rameiras que comiam “nas baiucas dos

vendeiros, as ‘espetadas’ e as postas de peixe frito” (PIMENTA,

1971, p. 20).

(...)

Os fogos, iluminando o rio e a ponte, junto a Ribeira, foram

sucesso, tornando-as pela primeira vez como cenário. Nesse ano,

houve, ainda, a presença de ‘grande número de forasteiros,

chegados de toda parte [...]’, conforme o jornal Ilustração

Portuguesa (apud PACHECO, 2004, p. 63), mas, principalmente, de

Aveiro, Coimbra e Ovar.

(...)

Barracas de comes e bebes diversas, louça, tiro ao alvo, cascata,

ornamentação, iluminação e “fogos de artifício, que queimado na

Serra do Pilar, constitui sempre apoteose de cor e luz emoldurado

num lindo cenário...” (FERRO, 1971, p.53).

(...)

Todos acham importante ver os fogos de artifício. Mas também tem

a ver com o local onde o São João nasceu e, dali, se estendeu

pelos vizinhos.” (Festa e Identidade: o São João do Porto in

ANTARES, vol. 5, nº 9, jan./jun. 2013, pp. 189-193 (Programa de

Doutorado em Letras)

30. Visitando outros dois grandes

geradores de influência para a cultura mundial, vamos à historiadora

britânica Lisa Jardine14, que destaca para os Estados Unidos da América

14

Lisa Anne Jardine é Profesora de Historia do Renacimiento, Diretora do Centre for Editing Lives and Letters

e do Centre for Interdisciplinary Research in the Humanities da Universidade de Londres e preside a Human Fertilisation and Embryology Authority (HFEA) e o British Science Association, do qual é membro honorária, tendo sido também membro do Conselho da Royal Institution, da Royal Historical Society e membro honorária da King's College, Cambridge, e Jesus College, Cambridge. É Doutora Honoris Causa em Letras da University of St Andrews, Sheffield Hallam University, Open University, e Doutora Honoris Causa em Ciência da University of Aberdeen. Foi curadora do Victoria and Albert Museum e do Chelsea Physic Garden, perita

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e para a França a relação dos fogos de artifício com a liberdade,

marca constante ano a ano em festejos nesses países, remontando à

história dos próprios processos revolucionários de libertação desses

povos, cada um ao seu modo e até antes disso (tradução nossa15):

“Por séculos os fogos e a liberdade têm parecido aos americanos

se como um sinônimo. Um observador nos diz que quando George

Washington foi empossado como primeiro Presidente da América em

abril de 1789, ‘todos os sinos na cidade badalaram um ressoar de

alegria, e a cidade foi iluminada (com fogos) à chegada da

noite’.

Então, você deve ter prensado que a República da França – onde a

Revolução que culminou na queda do absolutismo monarca de Luís

XVI começou no mesmo ano que Washington assumiu a Presidência da

America – teria abraçado a comoção e o prazer de uma exibição

pública de fogos para marcar importantes momentos também. Na

realidade, a França continuou a ter uma profunda desconfiança

deles até o tardar do Século XIX.

(...)

O problema para eles foi que as extremamente custosas e

elaboradas exibições de fogos tinham sido uma característica

distintiva de ostentação da monarquia Francesa mostrando sua

riqueza e poder no palco nacional e internacional por séculos

da Royal Society, cátedra da Human Fertilisation and Embryology Authority do Reino Unido. Recebeu o Francis Bacon Award in the History of Science do California Institute of Technology em 2012, Bacon Medal pelo prêmio no encontro annual da History of Science Society em San Diego (2012) e British Academy President's Medal. 15

O texto original: “For centuries fireworks and freedom have seemed to Americans to be almost synonymous. An eyewitness tells us that when George Washington was installed as America's first president in April 1789, ‘all the bells in the city rang out a peal of joy, and the city was illuminated [with fireworks] in the evening’. So you might have thought that Republican France - where the Revolution that culminated in the downfall of the absolutist monarchy of Louis XVI began in the same year that Washington assumed the American presidency - would have embraced the drama and delight of public firework displays to mark important

moments too. In fact, the French continued to have a deep mistrust of them until the late 19th Century. (...) The problem for them was that extremely costly and elaborate firework displays had been a distinctive feature of the French monarchy's ostentatious display of its wealth and power on the national and international stage for centuries (...) It was not until 1880, that legislation was passed to make 14 July the pre-eminent annual national holiday in France. The law was made official on 6 July, 1880, and the ministry of the interior made a point of recommending to prefects that the day should be ‘celebrated with all the brilliance that the local resources allow’ in every French town and village.”

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(...)

Não ocorreu antes de 1880, que a legislação passou a a fazer do

14 de Julho o feriado nacional preeminente da França. A lei foi

feita oficialmente em 6 de Julho, 1880, e o Ministro do Interior

fez um ponto recomendando para Prefeitos que o dia deveria ser

‘celebrado com todo o brilho que os recursos locais permitem’ em

toda cidade da França e povoado.” (BBC News Magazine, 13 de

Agosto de 2010, acessado em 26.9.2014 às 14h39 in

http://www.bbc.co.uk/news/magazine-10963263)

31. No caso da cultura do povo da ilha de

Malta, em relação às procissões e festas16, ligadas a eventos

paroquiais, com transição histórica relevante retratada e analisada

por Jeremy Boissevain (Universidade de Amsterdam)17, salta a expressão

16

Segundo Mark-Anthony Falzon e Christine M. Cassar, já no abstract de sua obra, as festas, como chamam

em Malta a celebração anual dos Santos Padroeiros católicos na cidade e nos povoados, continuam e hoje,

já sob novas configurações sociais, emergem novos conflitos. Setores da classe média chegam a questionar

os sons da tradição diante das leis limitadoras, porém, o autor constata que “é correto dizer que não há

festa sem fogos de artifício. Eles constituem parte do multissensorial Gesamtkunstwerk: a força de

penetração deles significa que eles fomentam a festa aos corpos individuais; a estrutura de som deles é

temporária ...”: “Festa is what people in Malta call the annual celebration of town and village Catholic

patron saints. Fireworks, including loud petards, are one of its ingredients. Anthropologists working in

Malta have tended to think of them as a sort of aural backdrop to festa. The point of the article is to

foreground the sound of fireworks as an anthropological object in its own right. It is correct to say that

there is no festa without fireworks. They constitute part of its multisensory Gesamstkunstwerk: their

penetrative power means that they purvey festa to individual bodies; their sound structures its temporality;

there is much sonic rivalry between different festa groups; and they spatialize festa in a way that renders

their location ambiguous. Fireworks are “sound” to some and “noise” to others. For the latter, they go

against the (largely middle-class) expectations of a “proper” soundscape. The contest is played out in the

form of discourses on gender as well as the notion of “moderation,” itself seen as a corollary of a European

modernity.” (What´s in a Bang? Fireworks and the Politics of Sound in Malta, apud

http://sac.sagepub.com/content/early/2014/01/17/1206331213509531.abstract)

17 Tradução nossa do texto original em inglês:

“In 1976 I was confronted with a puzzle when I returned to Malta to film the Holy Week celebrations in Naxxar. The Good Friday celebration had expanded greatly since I had last seen it in 1961. I learned that this expansion was general, and that the annual festas celebrating parish saints had also grown. In 1965 I had predicted that such celebrations would decline. I saw this decline as the result of long-term secularising developments reflecting general European trends (cf. Bras 1955:480-481 and Stacey 1960:72-73). In the early 1960s there were sound reasons to suppose that processions and festas would decline and that

parochial rivalry would abate (Boissevain 1965:78-79). Heavy emigration was sapping the manpower

needed to staff brass bands, manufacture fireworks, erect festa decorations and take part in processions.

Relaxation of boy/girl segregation and growing interest in football were drawing young men out of the

band clubs and firework factories. The intense conflict between the Church and the Malta Labour Party

seriously affected the ability of villagers to organize celebrations. Finally, I thought liturgical reforms would

reduce religious pageantry, especially Good Friday celebrations and annual festas. The second Vatican

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popular com impacto distinto quanto ao volume e sonoridade dos fogos

de artifício:

“Em 1976 eu fui confrontado com um quebra-cabeça quando eu

retornei para Malta para filmar as celebrações da Semana Santa em

Naxxar. A celebração da Sexta Feira Santa tinha expandido

imensamente desde a última vez que eu a tinha visto em 1961. Eu

aprendi que esta expansão foi geral, e que a celebração anual das

festas dos Santos Padroeiros tinham também crescido. Em 1965 eu

tinha previsto que tais celebrações declinariam. Eu vi este

declínio como o resultado de desenvolvimentos de um longo prazo

de secularização refletindo tendências gerais europeias (cf. Bras

1955:480-481 and Stacey 1960:72-73).

No início dos anos 60 haviam boas razões para supor que

procissões e festas declinariam e que a rivalidade paroquial

reduziria (Boissevain 1965:78-79). Pesada emigração estava

minando a força de trabalho necessária para o pessoal das bandas

de música, manufatura de fogos de artifício, do erigir das

decorações da festa e integrar as procissões. O relaxamento da

segregação entre garoto e garota e o crescente interesse pelo

ecumenical Council had propagated a more Christocentric worship. The liturgical accent was to fall more

clearly on events which celebrated Christ´s salvation. These were to be given preference over feasts of

saints, many of whom were downgraded if not eliminated (Knox 1966: 122 seguintes). In short, there were

strong arguments to support the prediction that religious pageantry in Malta would decrease, as it had

elsewhere in Europe.

I was wrong. Although celebrations held simultaneously in all parishes (such as St. Joseph The Worker, the

Holy Rosary, Corpus Christi and the Sacred Heart of Jesus) had indeed declined, festas and Good Friday

processions, which are purely parochial, have grown. Why then should the scale of such parochial events

increase?

(...)

Traditional spectacles that celebrate the community, provide a familiar cooperative activity and a release

from tension and uncertainly. At the same time such provide an explicit sense of identity. After nearly a

thousand years of identifying with Europe, and viewing North Africa as sinful, heathen, evil and dangeours,

Maltese were told by the socialist government to turn their backs on Europe, to look to North Africa, to

study Arabic, and to embrace their ‘blood-brothers’ in Lybia. Yet in September 1980, angered by Libyan

threats to Maltese off-shore oil operations, Mintoff broke with Qaddafi and sent Libyan diplomats, military

advisors, students and tourists packing. Overnight the new blood-brother became public enemy number

one. These rapid changes have made many people insecure, uncentrain of who they are and where they

are going. Clear-cut parish membership, participation with one´s neighbours in century –old rituals and

loyalty to community provide an unambigous sense of belonging. The search for identity then, in a changing

uncertain world, must also be regarded as one of the factors contributing to increased community ritual.”

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football foram traçando a saída dos jovens homens dos clubes de

bandas e fábricas de fogos de artifício. O intenso conflito entre

a Igreja e o Partido do Trabalho de Malta afetou seriamente a

habilidade dos povoados de organizar celebrações. Finalmente, eu

pensei que reformas litúrgicas reduziriam a pompa religiosa,

especialmente as celebrações da Sexta Feira da Paixão e festas

anuais. O Segundo Concílio Ecumênico do Vaticano tinha propagado

uma adoração mais Cristocentrica. A ênfase litúrgica estava para

cair mais claramente em eventos que celebravam a salvação de

Cristo. Estes estavam a receber preferência em relação a festas

de santos, muitas delas foram rebaixadas senão eliminadas (Knox

1966: 122 ff.). Em síntese, haviam argumentos fortes para

sustentar a previsão de que a pompa religiosa em Malta

diminuiria, como o tinha em todo o lugar na Europa.

Eu estava errado. Embora celebrações mantidas em todas as

paróquias contido simultaneamente em todas as paróquias tenham

realmente declinado, festas e as procissões da Sexta Feira da

Paixão, que eram puramente paroquiais tinham crescido. Por que

deveria a escala de tais eventos paroquiais ter crescido?

(...)

Espetáculos tradicionais que a comunidade celebra, proporciona

uma atividade cooperativa familiar e a descarga da tensão e

incerteza. Ao mesmo tempo, assim, proporciona um senso explícito

de identidade. Após aproximadamente mil anos de identificação com

a Europa, e vendo a África do Norte como pecaminosa, infiel, má e

perigosa, o governo socialista disse aos malteses para virarem

suas costas para a Europa, para olhar para a África do Norte,

para estudar árabe, e abraçar seus “irmãos de sangue” na Líbia.

Ainda em setembro de 1980, irados pelas ameaças da Líbia às

operações maltesas de petróleo em alto-mar, Mintoff rompeu com

Qaddafi e enviou os diplomatas libaneses, observadores militares,

estudantes e um bloco de turistas. De um dia para o outro o novo

irmão de sangue se tornou inimigo público número um. Essas

mudanças rápidas têm feito muitas pessoas inseguras, incertas de

quem elas são e para onde elas estão indo. Definição como membro

da Paróquia, participação como seus vizinhos em rituais de

séculos e lealdade com a comunidade proporcionam um não ambíguo

senso de pertencente. A busca por identidade então, num mundo

incerto e mutante, deve também ser considerada como um dos

fatores contribuindo para o elevado do ritual da comunidade.”

(Ritual Escalation in Malta in Religion, power and protest in

local communities: the Northern Shore of the Mediterranean, ed.

By Eric R. Wolf; Herbert H. Lehmann, Berlim; New York; Amsterdam,

Mouton, 1984, p. 163 e 177)

III.5. IDENTIDADE E HISTÓRIA

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32. Com olhos, agora, para o Grão Pará,

leciona o escritor e Professor João de Jesus Paes Loureiro da

peculiaridade de nossa cultura, destacando momentos históricos de

autoafirmação e resistência que ajudam a entender, enquanto marco de

união e solidariedade, porque manifestação cultural do Círio só fez

crescer em seus mais de dois séculos:

“A cultura amazônica apresenta uma fisionomia intelectual

artística e moral, própria e constituída no decorrer da história

regional. Ao longo dessa história, certos processos sociais

concorrem também para reforçar o fértil manancial do imaginário,

ou são por ele sustentados. (...)

A cabanagem foi o movimento que representou a rebelião do da

Amazônia contra a dominação portuguesa, que mantinha o controle

político e econômico da região, tendo uma duração que vai desde

os inícios de 1820, até, aproximadamente, 1840. Ultrapassa,

portanto, o momento da Independência, que não rompera

concretamente esse tipo de relação. Ela representa a culminância

de todo produto de aspiração a uma independência real, visto que

a classe dominante, formada de políticos e comerciantes

portugueses, criara barreiras à adesão de população à vitoriosa

Independência do Brasil, com relação a Portugal. A adesão do Pará

à Independência só aconteceu um ano após, os cargos mais

importantes da administração pública continuaram sob controle dos

portugueses. Esse comportamento de resistência das elites

regionais tem raízes históricas também no isolamento da região e

em sua ligação direta e mais intensa com a metrópole, na Europa,

no período colonial, do que com o resto do Brasil. A cabanagem

foi culminância de todo um processo de aspiração nativo de

autodeterminação, momento de união de classes subalternas,

intelectuais, parte do clero e das elites nacionalistas, na luta

por ideais concretos de libertação. Uma revolução dos caboclos,

índios, negros, por meio da qual o povo chegou ao poder e nele se

manteve durante algum tempo. Uma revolução que envolveu o campo e

a cidade, deixando as populações ribeirinhas e urbanas

aterrorizadas, semeando epopeias de heroísmo, luta e morte, na

realidade e no imaginário da população. História resguarda na

memória do povo, basicamente, pela tradição oral.” (João de Jesus

Paes Loureiro: obras reunidas: Poesia I., Escrituras Editora, São

Paulo, 2001, pp. 78-79)

33. Eis, aí, parte do entender da

identidade guardada pelo Círio, enquanto local de encontro de todos os

setores sociais, solidariedade e marco dos costumes e tradições

paraenses nas suas várias dimensões. Elucida bem a força social

relacionada, que nem o risco de vida retira as pessoas das suas

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tradições, como conta, remetendo-se ao ano de 1957, sob o título

“Aviões no Círio”, Lúcio Fávio Pinto:

“A gripe asiática ameaçava ser a maior inimiga do Círio de Nossa

Senhora de Nazaré. Por causa da epidemia, as autoridades

recomendaram ao povo que evitasse o ajuntamento na procissão. Mas

quando a madrugada avançou no rumo da manhã, milhares de pessoas,

como sempre, se aglomeravam na romaria para prestar sua homenagem

à padroeira do Estado e agradecer por graças recebidas.

A “asiática” não deu o ar da sua graça. No lugar da gripe

epidêmica, surgiram nos céus os aviões da Esquadrilha da Fumaça

da FAB para sua apresentação acrobática. Foi um sucesso tão

grande quanto o estrondo dos fogos preparados pelos estivadores.”

(Memória do Cotidiano – Volume 3, Belém, Edição do Autor, 2010,

p. 40)

III.6. CULTURA E CONSTITUIÇÃO :

CONSTITUIÇÃO E CULTURA

34. Como já tratado, falar de cultura

passa por necessariamente considerar a recorrência na cultura humana

do que diz à relação com a fé e do que decorre da relação que se

estabelece com o Deífico. Destarte, a transcendência teleológica aqui,

ganha aspecto imanente18 e que se propaga em alcance social como

18 Em um paralelo, na visão sistêmica que hoje irriga o pensamento científico e é evoluída por Fritjof Capra,

Niklas Luhmann Humberto Maturana, Francisco Varela, dentre outros expoentes, temos uma interessante semelhança entre a imergência da cultura na transcendência para o fim de trazer à razão e à norma o fenômeno social fruto da fé humana, observada esta imergência em si como fenômeno de autopoiese, e as relações entre transcendência e imanência no plano da própria razão humana que descrevemos nas palavras de Jean Wahl: “Quando estamos na transcendência, não vemos mais a imanência. Uma sinfonia, em certo sentido, se reduz a vibrações, mas esta verdade não é válida para quem ouve e admira a sinfonia. A sinfonia tem um significado que transcende a verdade das proposições matemáticas, que, sob certo ponto de vista, a explicam. Da mesma forma, quando se atinge o ponto máximo do movimento da transcendência, não há mais separação entre imanência e transcendência. Portanto, não há possibilidade de pensar a imanência sem a transcendência nem transcendência sem imanência. É preciso concebê-las com uma penetrando na outra e a outra reenglobando a primeira. Não podemos pensar a transcendência senão pensando que, de certa maneira, somos imanentes nela (o que se poderia chamar de imergência) e não podemos pensar a imanência senão pensando que, de certa maneira, lhes somos transcendentes. A imergência á a imanência da imanência na transcendência. A emergência, como define Alexander é a transcendência da imanência em relação à imanência. Existe entre a transcendência e a imanência um conjunto de relações que parecem contraditórias. Existe uma luta entre a transcendência e a imanência, se é verdade que não nos encontramos diante de uma transcendência que simplesmente sanciona, mas diante de uma transcendência que rompe o próprio élan por ela suscitado (...) Há um movimento de transcendência dirigido para a imanência; quando a transcendência se transcende a si mesma. Talvez a maior transcendência seja a que consiste em

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fenômeno que a razão conhece, gozando de especial proteção da ordem

jurídica pátria e internacional.

35. Diante dos novos desafios do

multilevel constitutionalism e pretendendo, ainda, jogar luzes sobre o

atual processo de construção europeia, J. J. Gomes Canotilho vê na

“Teoria da Constituição como Ciência da Cultura” o caminho para o

processo evolutivo demandado, reforçando e amplificando esta “relação

de simbiose obrigatória” entre cultura e Constituição, o que ao caso

traz mais consideração quanto ao alto grau de proteção que deve

merecer a cultura em um sistema constitucional, no prisma em que o

futuro constitucional se delineia por um espaço-tempo da historicidade

constitucional curvo, em certo sentido, como o é o próprio espaço

tempo, segundo o mesmo afirma (Cf. “Brancosos” e

interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a

historicidade constitucional., 2ª ed., reimpressão, Edições Almedina

S. A., Coimbra, 2012, p. 9). Assim, vai se amplificando, reforçando e

se fazendo cada vez mais atual a teoria da constituição como cultura,

na ênfase da construção häberliana:

“Numa viagem que fez a Itália, em 21 de Março de 2000, para

participar num Congresso Internacional de História, Peter Häberle

lembrou que algumas manifestações só podiam ter lugar em Atenas e

Roma. Referia-se, como é bom de ver, a eventos históricos e

culturais cujo tema fosse nada mais nada menos que a cultura. O

título da sua intervenção, Verfassung als Kultur, explicitava já

o leitmotiv de algumas das suas preocupações científicas actuais:

a teoria da Constituição como ciência da cultura. Ele próprio

lembrava alguns títulos da sua peregrinação cultural: “Verfassung

als öffentlichen Prozess” (3.ª ed., 1998), “Verfassungslehre als

Kulturwissenschaft” (2.ª ed., 1998), “Rechtsvergleichung als

Kultur-wissenchaft”. Podemos acrescentar outros trabalhos:

“Europäische Rechtskultur” (1994), “Kulturpolitik in der Staat –

ein Verfassungsauftrag” (1979), “Kulturverfassungsrecht im

Bundesstaat” (1980), “Kulturstaatlichkeit und

Kulturverfassungsrecht” (1982). Gostaríamos de participar no

programa de uma “Teoria da Constituição como Ciência da Cultura”

arrancando da proposta básica de abertura cultural que alberga no

seu seio sedimentação (tradição), transformações (inovações) e

pluralidades (pluralismos). Na construção häberliana, a teoria da

constituição como cultura é, simultaneamente, um modo teorético

de combater posições ainda hoje esquistadas na literatura

transcender a transcendência, isto é, recair na imanência.” (Sur l’idée de transcendance in Existence humaine et transcendance. Neuchatel, Ed. De La Baconnière, 1944, pp. 34-38. Cahiers de Philosophie (Être et Penser)

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juspublicística (e não só): formalismo, estatismo, decisionismo,

positivismo.” (Idem, Ibidem, pp. 263-264)

36. A Constituição Federal de 1988

inaugurou um novo paradigma com respeito ao patrimônio cultural

brasileiro, reconhecendo-lhe maior riqueza e complexidade, ao

estabelecer, em seus artigos 215 e 216, que ele se compõe tanto de

bens de natureza material quanto imaterial. Apoiado no marco

constitucional da década de oitenta, ano a ano, o patrimônio imaterial

– cujos bens são a expressão dos modos de criar, fazer e viver das

várias comunidades formadoras da sociedade brasileira e são

transmitidos, no tempo e no espaço, de pai para filho – vem angariando

visibilidade. Todavia, foi preciso aguardar o limiar do século XXI

para que tivéssemos uma legislação específica para a preservação

desses bens culturais de tipo novo e, sobretudo, para que as políticas

públicas para sua apreensão e defesa começassem a se firmar (cf.

Patrimônio imaterial : disposições constitucionais : normas

correlatas : bens imateriais registrados / Organização:

Flávia Lima e Alves, Senado Federal, Subsecretaria de Edições

Técnicas, Brasília, 2012, p. 11).

37. Édis Milaré destaca a evolução

constitucional quanto à abrangência conceitual da proteção ao

patrimônio cultural, pressuposta a proteção enquanto objeto do Direito

Ambiental, seu abranger de obra:

“A institucionalização da tutela jurídica do patrimônio cultural,

iniciada com a Carta de 1934 e aprimorada nas que lhe seguiram,

recebeu tratamento acabado e inovador na Constituição de 1988,

cuja regra básica se encontra no seu art. 216, incs. I a V,

verbis:

‘Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens da natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,

portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos

diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais

se incluem:

‘I – as formas de expressão;

‘II – os modos de criar, fazer e viver;

‘III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

‘IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços

destinados às manifestações artístico-culturais;

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‘V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,

paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico

e científico.’

Rompeu-se, como se vê, com uma tradição do Direito Constitucional

brasileiro que, desde 1934, limitava-se a declarar protegidos

bens de valor histórico, artístico arqueológico e paisagístico,

sem procurar, entretanto, definir a abrangência desses conceitos.

Sob a denominação ‘Patrimônio Cultural’, a atual Constituição

abraçou os mais modernos conceitos científicos sobre a matéria.

Assim, o patrimônio cultural é brasileiro e não regional ou

municipal, incluindo bens tangíveis (edifícios, obras de arte) e

intangíveis (conhecimentos técnicos), considerados

individualmente e em conjunto; não se trata somente daqueles

eruditos ou excepcionais, pois basta que tais bens sejam

portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos

diferentes grupos que formam a sociedade brasileira.” (Direito do

Ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência,

glossário, 7ª ed. rev., atual. e reform., Editora Revista dos

Tribunais, São Paulo, p. 317-318)

38. O direito ao meio ambiente, tanto em

sua dimensão cultural como natural, está inserido na terceira geração

de direitos humanos como ensina Paulo Bonavides, por consagrada

classificação construída. Esses direitos “têm primeiro por

destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”

(Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008,

p. 569).

39. Destarte, como preleciona André Ramos

Tavares:

“A Constituição brasileira, desde o art. 1º, dá especial

relevância ao tratamento dos direitos humanos. Nela é possível

verificar que a dignidade da pessoa humana constitui um dos

fundamentos do Estado brasileiro. Neste passo, na lição do mestre

português Jorge Miranda, tem-se que ‘A Constituição confere uma

unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema

dos direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa

humana, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim

da sociedade e do Estado’(...)

O Texto Constitucional promoveu verdadeiro alargamento do

conjunto de direitos e garantias, para incluir no rol dos

direitos fundamentais do homem tanto direitos civis como direitos

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políticos e sociais. Para além disso, consagrou os denominados

direitos e interesses coletivos e difusos.

(...) Pelo art. 60, § 4º, os direitos e garantias fundamentais

constituem núcleo intangível da Constituição, só modificável

mediante nova manifestação do poder constituinte originário”

(Curso de direito constitucional, 9ª ed. rev. e atual., Saraiva,

São Paulo, 2011, pp. 557-558)

40. A Convenção do Patrimônio Mundial é um

tratado internacional entre os Estados-parte das Nações Unidas. Ela

busca identificar, proteger, conservar, apresentar e transmitir às

futuras gerações o patrimônio cultural e natural de Valor Universal

Excepcional. Ao ratificar a Convenção, cada país promete conservar não

apenas os sítios de Patrimônio Mundial situados em seu território, mas

também proteger seu patrimônio nacional com a obrigação dos Estados-

parte de emitir relatórios regulares para o Comitê do Patrimônio

Mundial sobre o estado de conservação de seus bens inscritos como

Patrimônio Mundial. A Convenção do Patrimônio Mundial está fundada no

reconhecimento de que o patrimônio cultural e natural está entre os

bens inestimáveis e insubstituíveis, não apenas de cada nação, mas da

humanidade, e em que a perda por deterioração ou desaparecimento de

qualquer um desses valiosos bens constitui um empobrecimento do

patrimônio de todos os povos. Para garantir ao máximo a identificação,

proteção, conservação e apresentação adequadas do patrimônio mundial,

os Estados-membros da UNESCO adotaram a Convenção para a Proteção do

Patrimônio Mundial Cultural e Natural19, conhecida como Convenção do

Patrimônio Mundial, em 1972. Quando um bem inscrito na Lista do

Patrimônio Mundial é ameaçado por perigos sérios e específicos, o

Comitê cogita colocá-lo na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo20.

41. O Brasil também, pelo Decreto nº

5.753/2006, promulgou a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio

Cultural Imaterial, adotada em Paris, em 17 de outubro de 2003, e

assinada em 3 de novembro de 2003. O referido Tratado Internacional

ratificado pelo Brasil tem dentre suas finalidades o respeito ao

patrimônio cultural imaterial das comunidades, grupos e indivíduos

envolvidos, estabelecendo:

“Artigo 1: Finalidades da Convenção

19 O Brasil pelo Decreto n.º 80.978, de 12 de dezembro de 1977 promulgou a Convenção Relativa à

Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972. 20

Cf. Manual de Referência relativo à Preparação de candidaturas para o Patrimônio Mundial, UNESCO Brasil, Iphan, Brasília, 2013, pp. 16-17.

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A presente Convenção tem as seguintes finalidades:

a) a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial;

b) o respeito ao patrimônio cultural imaterial das

comunidades, grupos e indivíduos envolvidos;

c) a conscientização no plano local, nacional e

internacional da importância do patrimônio cultural imaterial e

de seu reconhecimento recíproco;

d) a cooperação e a assistência internacionais.”

42. Dispondo sobre medidas de salvaguarda

do patrimônio cultural, garante, ainda, à sociedade:

“Artigo 13: Outras medidas de salvaguarda

Para assegurar a salvaguarda, o desenvolvimento e a

valorização do patrimônio cultural imaterial presente em seu

território, cada Estado Parte empreenderá esforços para:

(...)

d) adotar as medidas de ordem jurídica, técnica,

administrativa e financeira adequadas para:

i) favorecer a criação ou o fortalecimento de

instituições de formação em gestão do patrimônio cultural

imaterial, bem como a transmissão desse patrimônio nos foros e

lugares destinados à sua manifestação e expressão;

ii) garantir o acesso ao patrimônio cultural imaterial,

respeitando ao mesmo tempo os costumes que regem o acesso a

determinados aspectos do referido patrimônio;

(...)”

43. Os tratados internacionais, as

convenções e os acordos, pressupõem o cumprimento de boa-fé pelos

Estados signatários. É o que expressa o velho brocardo Pacta sunt

servanda. A observância dessa prescrição é o que permite a

coexistência e a cooperação entre nações soberanas cujos interesses

nem sempre são coincidentes. Os tratados e outros acordos

internacionais preveem em seu próprio texto a possibilidade de

retirada de uma das partes contratantes se e quando não mais lhe

convenha permanecer integrada no sistema de reciprocidades ali

estabelecido (cf. STF, ADPF 172-MC-REF, Rel. Min. Marco Aurélio, voto

da Min. Ellen Gracie, julgamento em 10-6-2009, Plenário, DJE de 21-8-

2009). O status normativo supralegal dos tratados internacionais de

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direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação

infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou

posterior ao ato de adesão" (cf. STF, RE 466.343, Rel. Min. Cezar

Peluso, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-12-2008, Plenário,

DJE de 5-6-2009, com repercussão geral. No mesmo sentido: HC 98.893-

MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-6-

2009, DJE de 15-6-2009; RE 349.703, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes,

julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009. Em sentido

contrário: HC 72.131, Rel. p/ o ac. Min. Moreira Alves, julgamento em

23-11-1995, Plenário, DJ de 1º-8-2003. Vide: HC 84.484, Rel. Min.

Ayres Britto, julgamento em 30-11-2004, Primeira Turma, DJ de 7-10-

2005).

III.7. DIREITO AMBIENTAL INDISSOCIÁVEL:

MEIO AMBIENTE NATURAL E CULTURAL.

44. O Procurador-Chefe da Procuradoria

Federal junto ao Instituto Brasileiro de Museus, Mestre em Direito

Público Jamerson Vieira, identifica que a doutrina majoritária e a

jurisprudência pátria tem o patrimônio cultural como parte do Direito

Ambiental, sendo o meio ambiente de ser visto de maneira indivisível e

unitária:

“A doutrina majoritária e a também jurisprudência pátria

consideram o Direito do(ao) Patrimônio Cultural como espécie

integrante do Direito Ambiental, num sentido amplo. Este

posicionamento produz efeitos práticos imediatos, resultando na

aplicação de instrumentos jurídicos de proteção comuns aos dois

campos do direito, como será demonstrado mais adiante.

A propósito do tema Fiorillo (2003; 20/23) destaca que o conceito

de meio ambiente engloba os seguintes aspectos:

(i) natural, constituído do solo, água, ar atmosférico,

fauna e flora;

(ii) artificial, consistente no espaço urbano construído e

equipamentos públicos;

(iii) cultural, compreendo o patrimônio cultural

propriamente dito, conforme definição dada pelo art. 216, da

Constituição Federal; e, finalmente,

(iv) do trabalho, relativo ao local onde as pessoas

desenvolvem suas atividades laborais, com remuneração ou não.

Desse modo, a abordagem do Direito Ambiental sob cada um dos

aspectos mencionados se opera para fins didáticos, tendo por

critério classificatório a identificação dos valores

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preponderantes em cada situação fática e dos bens e objetos da

tutela jurídica perseguidos.

Entretanto, o meio ambiente deve ser visto de maneira indivisível

e unitária, em vista do escopo maior que é proteger a vida

saudável, promovendo o desenvolvimento equilibrado, a cidadania,

o respeito à dignidade da pessoa humana, em síntese os valores do

Estado Democrático de Direito e também os objetivos republicanos

fundamentais (CF, arts. 1º e 3º).” (Revista brasileira de direito

ambiental, v. 7, n. 28, Fiuza, São Paulo, out/dez, 2011, p. 153-

184)

45. A Procuradora Federal Solange de

Holanda Rocha21, em trabalho que bem conta e posiciona no direito

internacional a matéria, conciliando com o direito nacional,

corrobora:

“O conceito unificador de Patrimônio Mundial, com suas

qualificações natural e cultural, foi criação da Convenção

relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de

1972. Na lição de Silva, com alicerce na doutrina de Kiss, o

interesse comum da humanidade sobre os bens desse patrimônio é o

“traço comum” entre eles, ou seja, é o elemento que unifica ambas

as categorias sob o mesmo signo. A Convenção em foco dispõe em

seu preâmbulo que o desaparecimento do patrimônio cultural e

natural constitui um empobrecimento nefasto do patrimônio de toda

a humanidade. Neste sentido, Silva explica que os interesses

comuns da humanidade na proteção de bens culturais decorrem da

ideia de sobrevivência, de tradicionalismo, de romantismo, de

enriquecimento espiritual, científico e histórico, de fonte de

prazer e contemplação, entre outros elementos.

(...)

É dessa integração de cultura e natureza que surge a noção de

meio ambiente cultural ou patrimônio ambiental cultural. Como é

cediço, o meio ambiente não está limitado à natureza e ao

equilíbrio ecológico, pois abrange elementos criados pelo ser

humano, de maneira que toda a riqueza que compõe o patrimônio

ambiental transcende a matéria natural e incorpora também um

ambiente cultural, revelado pelo patrimônio cultural20.” (A

PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO PATRIMÔNIO MUNDIAL, CULTURAL E NATURAL

E O PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO, acessado em 27.9.2014 às

21

A autora ainda revela que esta visão do direito ambiental tem se irrigado pelas normas infraconstitucionais: “A associação entre patrimônio natural e cultural também foi albergada como princípio norteador da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, cujas ações e atividades dirigidas à consecução de seus objetivos devem observar o reconhecimento, a valorização e o respeito à diversidade socioambiental e cultural dos povos e comunidades tradicionais, conforme expresso no art. 1º, I, do Anexo do Decreto nº 6.040/200723.” (Idem, ibidem, p. 6)

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20h30, disponível em

www.agu.gov.br/page/download/index/id/19787242, pp. 3 e 6)

46. É o mesmo princípio que protege a

natureza e a cultura como existências indissociáveis do meio ambiente,

seres de uma mesma realidade protegida, não cabendo, assim, ventilar-

se de hierarquia ou sobreposição entre os mesmos.

47. A institucionalização da tutela

jurídica do patrimônio cultural, iniciada com a Carta de 1934 e

aprimorada nas que lhe seguiram, recebeu tratamento evolutivo-inovador

na Constituição de 1988.

III.6. DO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO

48. Anderson Furlan e William Fracalossi

escrevem sobre o Princípio da Participação no Direito Ambiental que:

”O princípio da participação assenta-se sobre dois pressupostos

inafastáveis: a) informação; e b) educação ambiental. A

Declaração do Rio/92 colocou o enunciado do princípio da

participação de forma apropriada: ‘Princípio n. 10. A melhor

maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação,

no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível

nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações

relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades

públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades

perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de

participar em processos de tomadas de decisões. Os Estados devem

facilitar e estimular a conscientização e a participação pública,

colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado

acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos,

inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de

danos’.” (Direito Ambiental, Forense, Rio de Janeiro, 2010, p.

100)

49. Porém, se o IBAMA não respeitou nem a

própria esfera federativa em que está inserido, ignorando as

competências do IPHAN e tratados internacionais ratificados pelo

Brasil sobre a matéria, quanto menos aplicou e respeitou o princípio

da participação em matéria ambiental, memorando a crítica de

Lassalle22.

22

“Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder; a verdadeira

Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país regem, e as Constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam

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III.8. DA REALIDADE ATUAL E OS VÍCIOS DO

PROCEDIMENTO ADOTADO PELO IBAMA NO CASO.

50. Conforme informações prestadas pelo

Sr. Secretário Municipal de Meio Ambiente:

“(...) informar da inobservância do preceito procedimental quanto

a necessidade de Homologação do Relatório 419/2013 DCA/DMF,

comprometendo sua eficácia, pelos fatos e fundamentos a seguir

expostos:

a) Primeiramente, registro que estive pessoalmente no local,

acompanhando os acontecimentos daquele dia, trazendo logo para

quem circunstanciou pessoalmente tudo a incoerência do modo pouco

elucidativo e passional visto no teor do Relatório de

Fiscalização nº 419/2013-SEMMA, que, afora uma verdadeira

dramatização, ousou uma análise que de análise nada tem, já que

tratou a questão ambiental de modo reduzido, atécnico, e

completamente desprovida de substrato científico ou de uma linha

de estudos e levantamentos sistêmicos coerentes e válidos. Do

pouco de fatos em relatório ante ao mais de “achismos” e

dramatização incabível em assunto que exige precisão técnica;

b) Os valores registrados por Decibelímetro variaram de 69,75 a

94,24db, sendo que os maiores valores (85,44db e 94,24db), foram

registrados no momento da queima dos fogos de artifícios (22h00-

22h12m).

c) No mesmo relatório de fiscalização, consta a informação sobre

a “morte de 06 (seis) indivíduos de Periquito-da-asa-branca

(Brotogeris versicolurus), provocada pela queda/trauma

proveniente sobre o sobrevoo destas aves, motivado pela

interferência do sonar das aves diante do estampido do show

pirotécnico”.

No entanto, considerando as alegações e fatos consubstanciados no

Relatório, passo à análise e à conclusão a seguir:

a) é de conhecimento público e de acompanhamento nosso,

pela SEMMA, que morrem diariamente periquitos na região albergada

pela fiscalização em comento, mesmo sem os fogos ou show

musicais, aparecendo rotineiramente na praça de igual modo como

naquele dia, sendo inclusive causas naturais cuja quantidade de

amostragem não reflete uma magnitude lesiva que dê ensejo a

necessidade de qualquer embargo ou sanção ao Círio de Nazaré

quanto aos espetáculos de fogos;

b) o relatório trabalha por hipótese e suposição no que

usou análise precária e inservível ao assunto, pois com 18

fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social” (Ferdinand Lassalle, Que é uma

Constituição?, Editorial Villa Martha, Porto Alegre, 1980, p. 72).

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(dezoito) servidores no local, é inaceitável estimar que haveriam

mais periquitos mortos em telhados ou acima de prédios, sem

qualquer circunstanciamento, como era a própria finalidade da

ação;

c) se até hoje os periquitos não estão ameaçados de

extinção, é claro indício da consumação da adaptação vista desde

Darwin, ponto de partida que tem e deve ser considerado para uma

análise e estudos sérios, pois se a urbe trouxe o mal, trouxe a

reação genética de seleção da espécie, onde os indivíduos com

maior resistência persistiram em detrimento da inexistência de

herança genética dos não adaptados que sucumbiram, gerando uma

seleção de genes mais fortes aos descendentes, ou a praça à

frente da Basílica (CAM) teria grande parte da sua área com

milhares de periquitos mortos, o que não ocorreu, sem qualquer

dimensão de impacto à espécie; e

d) em medições de decibéis em dias onde não há a

festividade são verificadas medidas até significativamente

maiores que as aferidas naquele relatório, como é de conhecimento

das nossas ações, só em razão da atividade urbana no entorno, o

que mais vulgariza a pretensão de, para mais que relatar, por uma

posição tendenciosa e infundada sobre a questão ambiental

envolta;

Em Conclusão, tenho que o relatório assumiu um tom

passional, tendencioso, indo para além dos dados a uma avaliação

ambiental atécnica e isolacionista, sem integrar o contexto

ambiental já existente, estando assim prejudicado.

O excesso de adjetivação, omissão de dados, deturpação

do caráter de relatório com suposições, opiniões e parâmetros que

descaracterizam a isenção necessária à visão científica quanto à

matéria não devem se repetir, servindo o presente para orientação

dos setores quanto aos parâmetros que devem ser adotados na

elaboração de relatórios.

O dever da SEMMA é de proteção ambiental, entendido o

meio ambiente como a inseparável consideração da natureza e da

cultura, tendo como norte a sustentabilidade, harmonização e

existência mútua, tudo de acordo com a mais atual visão jurídica

e social do direito ambiental.

De outro lado, pela ausência de vídeos ou áudios que

permitam uma nova verificação, fica impossível nova providência

relacionada neste momento, principalmente porque, tendo estado no

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local e dos dados poucos dados efetivamente consignados, NADA DE

NOVO OU DE ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL É TRAZIDO PARA CONSIDERAÇÃO

SOBRE O ASSUNTO.

Ademais informamos que através do Processo nº 6451/14

de 21.08.14, a Diretoria da Festa do Círio de Nazaré, requereu o

Licenciamento Ambiental do evento Círio Musical, para o qual foi

licenciado através da LEFS 347/2014 de 18.09.14, ingressando

também com o pedido do Show Pirotécnico através do Processo

6411/14 de 20/08/14, o qual se encontra em analise técnica nesta

SEMMA, a luz da Resolução 237/97 do CONAMA, a Lei Municipal

7.990/00, dentre outros normativos aplicados ao licenciamento do

evento.”

51. Como visto, se de um lado tramitou e

foi deferido pedido de Licença Ambiental, Processo nº 00006411/2014,

na Secretaria Municipal de Meio Ambiente – SEMMA, este em análise

atual que viu o atendimento das cautelas ambientais aos fogos de

artifício, de outro, o relatório utilizado pelo IBAMA, relativo a um

contexto de 2013, sequer foi homologado no âmbito da SEMMA.

52. A autora do pedido de Licença, OBRAS

SOCIAIS DA PAROQUIA DE NAZARÉ, requereu seu pedido fundamentando-o

conforme as exigências do Parecer Técnico nº 002/DCL/CDA/SEMMA de

24/09/2013, confeccionando inclusive, o PROJETO DE INSTALAÇÃO E

EXECUÇÃO DE SHOW PIROTÉCNICO (anexo).

53. Observe que o Projeto em comento

atendeu todos os requisitos previamente estabelecidos no Parecer

Técnico nº 002 da SEMMA, inclusive com a confecção de Laudo Químico de

Fogos, emitidos pela China e traduzido para o português, conforme

exige o Exército Brasileiro, mapa de onde serão lançados os fogos e,

por fim, as referências, quantidades e tipos de fogos que serão

utilizados, localização em cada andaime, distâncias de segurança.

III.8.1. VÍCIOS I: DA COMPETÊNCIA

MUNICIPAL PARA TRATAR DO TEMA - LEGISLAÇÃO REGENTE DA MATÉRIA.

54. Como se vê, em 2013, quem realizou a

investigação foi a Secretaria Municipal de Meio Ambiente – SEMMA, que

inclusive, havia emitido Licença Especial de Fonte Sonora – LEFS º

495/2013, a partir da qual foram elencadas determinadas condicionantes

para realização do show musical e pirotécnico, havendo acompanhamento

e fiscalização.

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55. Do mesmo modo, em 2014, quem tudo

verifica é a SEMMA quanto aos quesitos para a adequação sustentável do

uso dos fogos de artifício no Círio.

56. Em que pese a competência comum para a

proteção do meio ambiente consagrada no art. 23 da CRFB/1988, a

própria Constituição definiu que lei complementar estabeleceria normas

de cooperação entre União, Estados e Municípios, entendendo-se como

normas de cooperação, aquelas correlata aos procedimentos

administrativos, inclusive de fiscalização e aplicabilidade de sanções

administrativas.

57. Neste sentido, foi editada a Lei

Complementar nº 140/2011 para determinar as competências

administrativas, a qual consagrou um dispositivo essencial à

compreensão do fenômeno da repartição de competência no âmbito

ambiental, isto é, quando se está diante de um processo administrativo

punitivo, decorrente de infração ambiental, como o que originou o

teratológico “não licenciamento pelo IBAMA e autuar” quanto aos fogos

de artifício do Círio , em vicinal falta de legalidade. Ao art. 17 do

referido diploma, in verbis:

“Art. 17. COMPETE AO ÓRGÃO RESPONSÁVEL PELO LICENCIAMENTO OU

AUTORIZAÇÃO, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade,

LAVRAR AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL E INSTAURAR PROCESSO

ADMINISTRATIVO PARA A APURAÇÃO DE INFRAÇÕES À LEGISLAÇÃO

AMBIENTAL COMETIDAS PELO EMPREENDIMENTO OU ATIVIDADE LICENCIADA

OU AUTORIZADA.” (destaques nossos)

58. Nas ações de licenciamento e

fiscalização a regra geral para o exercício do poder de polícia é a de

que o ente licenciador é quem detém a atribuição de fiscalização.

59. Observe-se ainda, que o §3º do artigo

acima autoriza que qualquer ente federativo exerça a fiscalização dos

empreendimentos e atividades potencialmente poluidores, porém, no caso

de cometimento de ilícito ambiental, prevalecerá sempre a competência

de autuar ao ente competente que fez o licenciamento em hipóteses como

a vertente.

60. Desta forma, excede o IBAMA ao se

imiscuir na competência da Secretaria Municipal de Meio Ambiente-

SEMMA:

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“§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício

pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da

conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou

potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais

com a legislação ambiental em vigor, PREVALECENDO O AUTO DE

INFRAÇÃO AMBIENTAL LAVRADO POR ÓRGÃO QUE DETENHA A ATRIBUIÇÃO DE

LICENCIAMENTO OU AUTORIZAÇÃO A QUE SE REFERE O CAPUT.” (destaques

nossos)

61. Na mesma linha de raciocínio, é

forçoso enaltecer que, da mesma forma, o IBAMA ao invés de provocar a

SEMMA, optou pela medida teratológica tomada à inobservância do que

determina o §2º do art. 17 da LC 140/2011:

“§ 2º Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da

qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do

fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou

mitigá-la, COMUNICANDO IMEDIATAMENTE AO ÓRGÃO COMPETENTE PARA AS

PROVIDÊNCIAS CABÍVEIS.” (destaques nossos)

62. Não obstante, se a Lei Complementar nº

140/2011 foi editada no sentindo de dar plena efetividade ao disposto

no art. 23, incisos III, VI e VII do caput e parágrafo único da

CRFB/1988, qualquer entendimento diverso dos dispositivos acima

especificados, padece de legitimidade/legalidade e devem ser

imediatamente restabelecidos seus cumprimentos.

63. Ainda, o IBAMA somente poderia atuar

de forma supletiva no presente caso, nas hipóteses do art. 15, da LC

140/2011, que não se configuram:

“Art. 15. Os entes federativos devem atuar em caráter supletivo

nas ações administrativas de licenciamento e na autorização

ambiental, nas seguintes hipóteses:

I - inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio

ambiente no Estado ou no Distrito Federal, a União deve

desempenhar as ações administrativas estaduais ou distritais até

a sua criação;

II - inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio

ambiente no Município, o Estado deve desempenhar as ações

administrativas municipais até a sua criação; e

III - inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio

ambiente no Estado e no Município, a União deve desempenhar as

ações administrativas até a sua criação em um daqueles entes

federativos.”

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III.8.2. VÍCIOS II: DA COMPETÊNCIA DO

IPHAN.

64. De uma só passada, o IBAMA, ainda, ao

menosprezar a unicidade da proteção ao meio ambiente em cultural e

natural, suprimiu a competência legal do IPHAN e, mesmo, ofendeu o

dever federal de proteção aos bens culturais sem mínimo respeito ao

sistema legalmente posto ao tema:

“Art. 2o O IPHAN tem por finalidade institucional proteger,

fiscalizar, promover, estudar e pesquisar o patrimônio cultural

brasileiro, nos termos do art. 216 da Constituição Federal, e

exercer as competências estabelecidas no Decreto-lei no 25, de 30

de novembro de 1937, no Decreto-lei no 3.866, de 29 de novembro

de 1941, na Lei no 3.924, de 26 de julho de 1961, na Lei no

4.845, de 19 de novembro de 1965, no Decreto no 3.551, de 4 de

agosto de 2000, na Lei no 11.483, de 31 de maio de 2007 e no

Decreto no 6.018, de 22 de janeiro de 2007 e, especialmente:

I - coordenar a implementação e a avaliação da política de

preservação do patrimônio cultural brasileiro, em consonância com

as diretrizes do Ministério da Cultura;

II - promover a identificação, a documentação, o reconhecimento,

o cadastramento, o tombamento e o registro do patrimônio cultural

brasileiro;

III - promover a salvaguarda, a conservação, a restauração e a

revitalização do patrimônio cultural protegido pela União;

IV - elaborar normas e procedimentos para a regulamentação das

ações de preservação do patrimônio cultural protegido pela União,

orientando as partes envolvidas na sua preservação

V - promover e estimular a difusão do patrimônio cultural

brasileiro, visando a sua preservação e apropriação social;

VI - fiscalizar o patrimônio cultural protegido pela União, com

vistas a garantir a sua preservação, uso e fruição;

VII - exercer o poder de polícia administrativa, aplicando as

sanções previstas em lei, visando à preservação do patrimônio

protegido pela União;

VIII - desenvolver modelos de gestão da política de preservação

do patrimônio cultural brasileiro de forma articulada entre os

entes públicos, a sociedade civil e os organismos internacionais;

e

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IX - promover e apoiar a formação técnica especializada em

preservação do patrimônio cultural.” (destaques nossos, ESTRUTURA

REGIMENTAL DO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO

NACIONAL, conforme Anexo I do Decreto nº6.844/2009)

65. Ao atuar visto do IBAMA, o Círio não

revela seu caráter de patrimônio da humanidade, terceira geração de

direitos humanos e historicidade que marca um elo persistente das mais

variadas dimensões das tradições de um povo pelo tempo. O IBAMA deu

tratamento monstruoso, mutilando o Círio de Nazaré como quem, ainda

ilegalmente, intervém ditatorialmente em um evento de particular, o

que já seria abuso em nosso regime constitucional.

III.8.3. VÍCIOS III: NOVO LICENCIAMENTO DA

SEMMA PARA O ANO DE 2014.

66. Premissas de 2013 não são as mesmas em

2014. Como visto, a SEMMA promoveu nova interação com o responsável

pelos fogos, promovendo o competente licenciamento eis o apresentado

adequado, com a análise e fé necessária ao seu propósito da

sustentabilidade no meio ambiente urbano, em concílio do cultural e

natural. Destarte, perícia e avaliações da realidade de 2013 não

servem ante à nova e atual avaliação QUE NÃO É OBJETO DE QUALQUER

QUESTIONAMENTO.

67. Porém, o IBAMA sem qualquer diligência

digna da relevância dos valores em jogo, mantem-se em uma gravidade de

elementos de 2013, já fragilizados, inclusive, pelo aqui demonstrado,

ignorando o novo licenciamento, fruto da atual realidade verificada

pelo órgão competente à avaliação e fiscalização, que é a SEMMA.

68. Ao mesmo tempo, pelas informações da

SEMMA, não se demonstrou coerência quanto aos nexos de causalidade

estabelecidos para as conclusões em 2013, nem houve alteração

considerável da realidade de rotina ante aos transitórios eventos de

poucos minutos de duração, havendo ainda uma série de inconsistências

e excessos no relatório apresentado em 2013, que NÃO FOI AO CABO

HOMOLOGADO NO ÂMBITO DA SEMMA .

III.9 - SUSTENTABILIDADE E O CÍRIO.

69. Como visto, o meio ambiente objeto de

proteção abrange a cultura e a natureza, de modo indissociável. Assim,

para além de qualquer visão de colisão, a visão holística de

integração é que traz o norte da sustentabilidade para permear a

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aplicação do princípio da proteção ao caso, valendo-nos do estudioso

Rubens Harry Born :

“Quando usarmos o termo sustentabilidade, deve estar implícita a

expressão sociedades sustentáveis, pois abrange a integridade dos

recursos e processos ambientais naturais, com base em sistemas

políticos plurais (democráticos). A expressão deve ser

necessariamente compreendida no plural porque, no Instituto Vitae

Civilis, bem como num grande universo de ONGs do movimento

ambientalista mundial, abraçamos a perspectiva de um mundo

ambientalmente sadio, onde as diversidades biológica, cultural,

étnica, racial e religiosa são parte integrante dos pressupostos

de sustentabilidade.” (destaques nossos, ARTICULAÇÃO DO CAPITAL

SOCIAL PELO MOVIMENTO AMBIENTALISTA PARA A SUSTENTABILIDADE DO

DESENVOLVIMENTO NO BRASIL in Meio ambiente no século 21: 21

especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de

conhecimento, coordenação André Trigueiro, Sextante, Rio de

Janeiro, 2003, p. 109)

70. Assim, é que emerge a reflexão sobre a

sustentabilidade e o Círio, considerando-se os elementos de

perspectiva histórica e a convivência com a espécie de periquito-de-

asa-branca brotogeris versicolurus versicolurus, que vem se dando

pelos séculos da manifestação popular no cenário de adaptações do

desenvolvimento urbano de Belém, sem qualquer prejuízo à

sustentabilidade, ou o Estado brasileiro não teria afirmado em

apresentação da candidatura do Círio à Patrimônio da Humanidade, no

âmbito da UNESCO:

“As condições atuais de sustentabilidade do bem cultural

são muito boas, por isso as medidas de salvaguarda são

voltadas para a implantação de ações para evitar ameaças

potenciais, já identificadas, e não para a resolução de

problemas imediatos.” (anexo)

71. Em relevante trabalho científico que

gerou dados justamente sobre a espécie e sua relação com os espaços

urbanos em Belém23, incluída aí a Praça Santuário, confirma-se que a

23 Paulo Cesar Rodrigues Costa, Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Colegiado do Curso de

Licenciatura em Ciências Biológicas, da Universidade Federal do Pará, como requisito parcial para a

obtenção do grau de Licenciado em Biologia. Orientadora: Profª Drª Maria Luisa da Silva. Departamento de

Biologia - CCB – UFPA, Avaliadores: Prof. Dr. Jacques M. E. Vielliard do Departamento de Zoologia, Unicamp e Profª.

Drª. Maria Auxiliadora Feio Gomes do Departamento de Biologia, UFPA, COMPORTAMENTO ALIMENTAR E

DINÂMICA POPULACIONAL DO PERIQUITO-DE-ASA-BRANCA Brotogeris versicolurus versicolurus (AVES –

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espécie, não integrante do rol dos animais em risco de extinção, como

é cediço, é evolutivamente muito bem adaptado ao meio ambiente urbano

da cidade, decorrendo ser o psitacídeo mais numeroso:

“O periquito-de-asa-branca Brotogeris versicolurus versicolurus

(P.L.S. Muller, 1776) é bastante visível em ruas, avenidas,

praças e áreas verdes de Belém, Pará, sendo o psitacídeo mais

numeroso (Sick, 1997). Vivem em bandos de 8 a 50 indivíduos,

muito barulhentos e sobrevoando a cidade e executam migrações

curtas, ao que parece, à procura de frutos; alguns bandos são

bastante numerosos (mais de 100 indivíduos) (Novaes & Lima,

1998).” PAULO CÉSAR RODRIGUES DA COSTA, ‘in’ COMPORTAMENTO

ALIMENTAR E DINÂMICA POPULACIONAL DO PERIQUITO-DE-ASA-BRANCA

Brotogerisversicolurus versicolurus (AVES – PSITTACIDAE) NA

CIDADE DE BELÉM, PA”

72. Mais, no mês de outubro, é quando se

chegou à maior contagem em um dia, de 6.065, na Praça Santuário, e que

se o Círio em todas as suas manifestações (incluindo os fogos de

artifício) trouxesse nestes séculos algum mal à espécie, inimaginável

a persistência dessa realidade (idem, ibidem):

“Foram realizadas 46 visitas à Praça Santuário, cerca de 3

visitas por mês, com exceção do mês de junho, na qual foi

realizada apenas uma visita. A figura 27 mostra a variação no

número de periquitos contados por visita. O dia 04 de junho de

2005 foi registrado o menor número de periquitos: 1.898, enquanto

que em 21 de outubro de 2005 foi registrado o maior número de

periquitos contados, 6.065. Além das variações do número de

indivíduos contados, ocasionado pelos períodos reprodutivos e

pós-reprodutivos, outros fatores como período de adaptação dos

observadores à metodologia aplicada, dificuldades de realizar

contagens durante as chuvas, contagens realizadas por apenas 2

observadores (quando necessário seria no mínimo 04 pessoas) e a

dificuldade de se contar os bandos de periquitos, que são aves

relativamente pequenas e que se emaranham em bandos de até 80

indivíduos, também influenciaram na variação dos indivíduos

contados. Apesar disso, podemos verificar uma variação ao longo

do ano no número de indivíduos que utilizam a praça Santuário

como dormitório. A partir do mês de maio, início da estação

reprodutiva, ocorre um decréscimo na média de periquitos contados

nos meses, com 2.430 indivíduos. Nos meses seguintes, junho e

julho apresentaram médias de 1.898 e 2.337, respectivamente. O

PSITTACIDAE) NA CIDADE DE BELÉM, PA (anexo) disponível em (acessado às 13h35 de 30.9.2014):

http://www.ufpa.br/lobio/Monografias.html.

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mês de outubro apresentou a maior média, com 5.700 indivíduos”

idem

73. Reforça, ainda, pelo aspecto

alimentar, tanto a adaptação da espécie como seu destaque em números

(idem, ibidem):

“Com a constante perturbação dos ambientes naturais e com

introdução de plantas exóticas em áreas urbanas e semi-urbanas,

uma nova situação vem sendo criada para as aves, que encontram

novas fontes de recursos alimentares nestes locais (Marcondes-

Machado et al., 1994). Devido à facilidade de encontrar

alimentos, por apresentar uma dieta que inclui espécies de

plantas introduzidas pelo homem, B. v. versicolurus tornou-se uma

espécie comum em áreas urbanas. Nosso estudo mostrou que B. v.

versicolurus apresenta uma dieta muito variada, na qual

encontramos itens como insetos, frutos, flores, brotos e

sementes. Nossas observações corroboram com Roth (1984), que

classifica a maioria dos Psitacídeos como “frugívoros não

especializados”, alimentando-se de frutos e sementes. Como

apresentamos aqui, é o caso de B. v. versicolurus e talvez um dos

fatores que contribuem para o seu sucesso reprodutivo nas áreas

urbanas.” ibidem

74. Daí não estranhar que o próprio IML no

laudo questionado relacionado ao evento em 2013, que está nos autos do

processo administrativo do IBAMA, eis derivar de premissas já

desfundadas pela própria SEMMA, nos termos da evolução interna que

teve o tema, tem seu perito a reconhecer o caminho de indeterminação

até da causa da morte dos animais que foram encontrados,

descredibilizando, mesmo, sua relação com os fogos de artifício, eis

que colocados em razoável distância, inclusive pela própria proteção

das pessoas:

“Entretanto, apesar do relatos acerca dos acidentes envolvendo

animais, pouco há publicado a respeito de necropsia e lesões em

animais vivos.” (Laudo 010/2014, página 02, destaques nossos).

75. A estrutura preparara para os fogos de

artifício em 2013 ficou a 175 metros de distância da Praça Santuário,

como noticiou a Semma para aquele ano do evento, só desvanecendo razão

pelo que mesmo destaca o prejudicado laudo do IML:

“Durante uma explosão, a energia liberada para o meio envolvente

do explosivo gera um aumento da pressão pela quantidade de gases

em expansão criando uma ‘onda de choque’ ondulatória e com

propagação radial e centrifuga, decrescendo sua velocidade a

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partir do ponto de explosão” (Laudo 010/2014, página 02,

destaques nossos).

76. Critica-se, ainda, que um laudo de

tamanha responsabilidade tenha a ousadia de “imaginar”, “adivinhar”,

considerar o inexistente num “achismo” quando não foram encontradas

mais aves do que os rotineiros quantitativos obtuários verificados da

volumosa espécie, para determinar que outros “teriam caído em cima de

prédios”. Nesse nível de imaginação incompatível com um trabalho de

circunstanciar e periciar, fica que o próprio nexo de causalidade não

é mostrado para o número de aves da espécie mortos encontrados, número

comum ainda em dias que não são do evento, conforme os meses e suas

concentrações de indivíduos da espécie, como consta das informações

trazidas pela SEMMA.

77. E na virada ao ano novo? _ Pergunta-

se, porque não se vê nenhuma repercussão da atuação do IBAMA em

amplitude muito maior de fogos de artifício em todos os locais da

cidade, do Estado, da orla brasileira, do Brasil como um todo, e, para

além das competências do órgão, o mundo como um todo, mas que guarda

como lugar de encontro os tratados internacionais em matéria

ambiental. Se tal prática desequilibrasse a visão de sustentabilidade,

por responsabilidade crescente das nações com o tema, jamais seria a

prática cultural mundial uníssona que é.

78. De outro lado, se é possível

encontrarmos vastos registros sobre problemas relacionados a incêndios

pelo uso irresponsável dos fogos de artifício, NÃO SENDO O CASO E NADA

A RESPEITO SENDO SEQUER PONDERADO NO CASO, após vigorosa pesquisa, NÃO

FOI POSSÍVEL ENCONTRAR NENHUM REGISTRO DE AMEAÇA A QUALQUER ESPÉCIE DO

PLANETA NA RELAÇÃO COM A SONORIDADE PELOS TRANSITÓRIOS USOS CULTURAIS

DE FOGOS DE ARTIFÍCIO.

79. Ao mesmo tempo, dentro da ligação em

uno siamês da cultura e natureza no conceito de meio ambiente, na

perspectiva de sustentabilidade, nem há de se ventilar colisão de

princípios, pois trata-se de um único princípio. Pelo posto, poderia

se especular, no máximo, colisão entre princípio (proteção ao meio

ambiente cultural) e regra (limite de decibéis por alguns minutos

superado), no qual se impõe o princípio, se fosse o caso de acontecer

esse ano o ultrapassar de limite, eis que pela tecnologia em fogos de

artifício na modernidade e os cuidadosos parâmetros evolutivos que

acompanha a SEMMA, a perspectiva só alarga melhores práticas no uso

cultural do meio de expressão.

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IV – DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA - DOS

DANOS IRREPARÁVEIS COM A DESCARACTERIZAÇÃO DE UM PATRIMÔNIO

CULTURAL/IMATERIAL DO BRASIL E PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE E DA

PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.

80. Com as alterações efetivadas no Código

de Processo Civil, passou a ser possível que a parte na relação

processual, no pedido exordial, uma vez existindo prova inequívoca e

convencendo-se o juiz da verossimilhança da alegação, conceda, total

ou parcialmente, a tutela antecipada, desde que haja fundado receio de

dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, I, do CPC).

81. O primeiro grande objeto da presente

ação é a declaração da ilegalidade do ato administrativo perpetrado

pelo IBAMA, que sem competência legal para tanto, se arvorou de

mutilar uma manifestação religiosa que é declarada patrimônio cultural

do povo brasileiro pelo IPHAN e patrimônio da humanidade, pela UNESCO,

e isto com todos os seus elementos e manifestações, o que inclui os

chamados fogos de vista do encerramento das festividades,

considerando-se, em consequência, ineficaz o teratológico embargo

ilegalmente determinado pelo Requerido.

82. Tem, ainda, o pedido, o objeto de

buscar a tutela jurisdicional para que sejam cumpridos, pelo

Requerido, todos os dispositivos legais citados e/ou colacionados

nesta peça de começo e que tratam, precipuamente, da competência e do

respeito com que devem ser tratadas as manifestações culturais

tombadas pelo IPHAN e pela UNESCO, que não podem, e tampouco devem,

ser descaracterizadas por uma ação isolada, ilegal de um órgão

absolutamente incompetente para o trato do tema como o IBAMA, ao que

restou comprovado.

83. Reforçando ainda mais a plausibilidade

do pleito do Autor, leciona LUIZ GUILHERME MARINONI, no artigo

OBSERVAÇÕES SOBRE A TUTELA ANTECIPATÓRIA, publicado na REVISTA DE

PROCESSO Nº 79, PÁGINA 105/110, que:

“A técnica antecipatória permite que se dê tratamento

diferenciado aos direitos evidentes e aos direitos que correm

risco de lesão. O direito que pode ser evidenciado de plano exige

uma tutela imediata e o legislador responde a tal necessidade

tornando viável a antecipação quando, evidenciado o direito, a

defesa é exercida de modo abusivo. No caso de risco de lesão, a

tutela antecipada funda-se na probabilidade da existência do

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direito e no fundado receio de dano irreparável ou de difícil

reparação. (...) (...).

É possível a concessão da tutela antecipatória não só quando o

dano é apenas temido, mas igualmente quando o dano está sendo ou

já foi produzido.”

84. No caso analisado, há a prova

inequívoca, notória, aliás, que também é a prova pré-constituída, e

que permite, por si só ou em conexão com outras também já existentes,

pelo menos em juízo provisório, definir o fato, isto é, tê-lo como

verdadeiro, o que é comprovado com a documentação que instrui essa

exordial.

85. A lesão de difícil reparação é

caracterizada, justamente, pela possibilidade de ser levado avante o

embargo imposto pelo Requerido a tolher expressão ínsita à

manifestação cultural religiosa, reconhecida pelo IPHAN e pela UNESCO,

que seria, assim, descaracterizada, eis que um dos seus mais

importantes elementos, os fogos de vista do encerramento das

festividades, por uma medida absolutamente ilegal, posto que, além de

feita por agente incompetente, viola as regras de proteção de um bem

imaterial. A par disto, a confecção dos fogos envolve contrato com os

fornecedores e há a necessidade de um prazo mínimo a ser observado

para a manufatura dos fogos nos termos exigidos pela licença da SEMMA

para o ano de 2014, o que também justifica, plenamente, o pedido de

tutela antecipada.

86. Os prejuízos no que atendem a

constituída realidade que o espetáculo tem com a economia, o turismo e

a geração de renda para a sociedade local, podem ser dimensionados

pelo que revelam os Professores da USP Edson Leite, Maria Cristina

Caponero e Simone Perez em precioso trabalho24:

“Francisco de Assis Costa, Pesquisador e economista,

procurou entender o acontecimento religioso sob o ponto de vista

da economia, sem esquecer suas peculiaridades. De acordo com ele,

24

In COMUNICAÇÃO, REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS INTELECTUAIS: UMA PERPECTIVA GLOBAL, Centro

Estudos Interculturais (CEI) do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP),

disponível em (acessado à 13h57 de 30.9.2014):

http://books.google.com.br/books?id=ZzOvAwAAQBAJ&pg=PT511&dq=Estado+do+Par%C3%A1,+o+C%C3%

ADrio+%C3%A9&hl=pt-

BR&sa=X&ei=LuEqVJm1N4O5ggS_hoEo&ved=0CEYQ6AEwBg#v=onepage&q=Estado%20do%20Par%C3%A1

%2C%20o%20C%C3%ADrio%20%C3%A9&f=false.

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a economia do Círio corresponde a R$ 2,1 bilhões em renda e

receita bruta; são gerados cerca de 295 mil empregos, que rendem

um total de R$ 166 milhões em salários. Em tributos são R$ 6,5

milhões. Tudo isso implica em uma participação de 3,5% no PIB

anual de Belém (Costa, 2008). Os devotos, segundo Costa,

movimentaram, em 2000, R$ 310,5 milhões em transações diretas,

volume que subiu para R$ 394,4 milhões em 2005, e para quase R$

500 milhões em 2007. Orçamento de mais de R$ 1 milhão, mais de 60

mil turistas por ano e retorno financeiro de R% 500 milhões.

Para o turismo do Estado do Pará, o Círio é um de seus

principais atrativos. São pessoas que vêm à festa não somente

motivadas pela fé, mas também para conhecer a região, através de

pacotes com roteiros complementares que oferecem a oportunidade

do turista vivenciar sua devoção e ainda conhecer Belém e o

entorno, Isso ajuda a fortalecer o chamado turismo cultural e o

religioso não apenas naquele Estado como também em âmbito

nacional. Segundo números do IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística) 7% dos viajantes brasileiros têm

predileção por roteiros religiosos. Esse índice sobe para 11%

entre os nordestinos. Em Belém, no período de 2000 a 2007, o

número de visitantes de outros Estados e países saltou de 678 mil

para 851 mil. Eles estão inseridos nos quase 167 milhões de

cristãos que peregrinam anualmente pelo mundo, e desse total,

80%, ou seja, 133,6 milhões se colocam de seus países de origem

para participar de cultos e eventos religiosos relacionados com

Nossa Senhora (SALGADO, 2009).

A festa é desde 2004, registrada pelo IPHAN (Instituto de

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) como patrimônio

cultural imaterial brasileiro. Sua grandiosidade é tal que faz

com que seja a única festa brasileira auferida pelo DEIEESE

(Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos

Socioeconômicos), que estima que em termo de impactos globais, o

Círio injete quase meio bilhão de reais na economia paraense,

dado que confirma os números apresentados por Costa (2008). Dados

do DIEESE também apontam que, no período do Círio, o comércio tem

um de seus melhores desempenhos anuais. O consumo no mês de

outubro, quando é realizada a festa, só perde para o Natal.

Segundo Silvio de Lima Figueiredo (2005), esta

mercantilização não esta presente apenas nas manifestações

culturais, mas também na recepção de fluxos turísticos pelos

hotéis e restaurantes da cidade. Nesta época, o fluxo de

embarcações, ônibus, aviões, aumenta consideravelmente. Todo o

Estado está envolvido nas atividades do Círio e os municípios

participam direta ou indiretamente da festa, como é o caso de

Abaetetuba.

Produtos Tangíveis para Satisfazer o Intangível

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Costa (2008) afirma ainda que há um mercado de bens

simbólicos e materiais que movimenta milhões de reais, são velas,

imagens, santinhos, escapulários, círios, berlinda, flores,

lembranças, artesanato, brinquedos de Miriti, cheirinho do Pará,

frutas e comidas típicas. São mercadorias produzidas durante todo

o ano, mas que recebem um mercado consumidor capaz de esgotá-las

no decorrer dos dias da festa. É justamente esse mercado de bens

simbólicos que faz do Círio de Nazaré uma festa religiosa que

impulsiona a economia local.

Nesse sentido, os bens materiais deixam de ser vistos como

algo que serve somente para atender às necessidades físicas, eles

também têm “outro uso importante: também estabelecem e mantêm

relações sociais”, como assinalam Mary Douglas e Baron Isherwood

(2006).

Pesquisa realizada pela Rede de Pesquisa em Sistemas e

Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist) do Instituto

de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ),

com apoio do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

(SEBRAE) Nacional, mostra que na celebração do Círio de Nazaré se

altera o ato de consumir, posto que influi na disposição e na

forma do consumo, a exposição requer a produção, em sentido

palpável material e tangível, dos símbolos, da representação,

santos, imagens, pingentes, algo material que sustente a fé no

imaterial, no intangível.De um passado de milagres se alimentam

as esperanças de um futuro abençoado. O Círio de Nazaré é a

oportunidade de vivências que aproximam, sob os auspícios da

confissão católica, essas duas realidades mentais; a fé

alicerçada no passado e da esperança antevista como futuro tocado

pela divindade.

Cada Indivíduo é uma Unidade de Consumo

Os estudos da RedeSist. Apontam ainda que na experiência

do Círio, o ato de vivenciá-lo perpetrado por cada crente seria o

ato de consumo do produto derivado do processo produtivo deste,

cada vivência subjetiva, seria uma unidade absorvida (de

consumo). Uma unidade de consumo nas quais tem os que vão ao

Círio para ver, os que pedem os que agradecem os que querem

conferir a festa, indagá-la, ou sentir o espetáculo. A formação

de capital simbólico e a reprodução do Círio – cada unidade de

vivência, cada unidade de audiência, ao mesmo tempo em que

satisfaz uma necessidade subjetiva, individual, agrega memória e

tradição e, portanto, significado histórico e cultural ao Círio

(como história), podendo ser interpretado como mecanismo de

formação do capital simbólico (BOURDIEU, 1974) que fundamenta a

própria produção do Círio ( como momento). Seu consumo produz, em

si, um milagre: amplia o objeto consumo a cada edição.

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Absorvido, o Círio se torna memória – passado – ao mesmo

que promessa-futuro-, como tal, contrato. E, assim, terá que ser

como resultado de ter sido. Ele terá que ser para que as

esperanças hoje formadas como um devir de promessas sejam amanhã

relatadas em cera, em barro, em madeira, em suor, em sangue, em

lagrimas e risos, como realidade alcançadas (COSTA, 2008).

Na Pesquisa da RedeSist, Costa (2008) afirma que o turismo

religioso católico estaria gerando um movimento complexo de

hibridização do sagrado (fé, devoção, sofrimento) e do

profano(consumo,lazer, festa). Portanto, a festa do Círio de

Nazaré é a demonstração clara de que assim como o conceito de

cultura, o campo de atuação das empresas que apostam na economia

criativa é bastante amplo: desde um artesão que se

profissionaliza para ganhar mais durante as festividades, até um

designe que se encanta pelas possibilidades do bambu, passando

pelos músicos e pelos cineastas que querem se livrar das amarras

dos projetos de financiamentos.”

87. A plausibilidade jurídica do pleito de

interesse primário da sociedade foi longamente demonstrada nesta

exordial, onde foi feita uma análise da situação dele, notadamente,

dos prejuízos que o ato do Requerido traz à comunidade de Belém,

inserida que está no Estado do Pará, e, mais do que isto, traz aos

interesses difusos da coletividade que não podem ser privados de ver a

inteireza de sua manifestação cultural - reconhecida nacional e

mundialmente - por um simples ato de gabinete do Requerido, que o

lavrou sem atentar para a legislação regente da matéria, reforçando-

se, portanto, ainda mais, a necessidade da antecipação da tutela, nos

termos do art. 273, I, do CPC.

88. Verifica-se, pois, que os requisitos

para a concessão da tutela antecipada estão presentes e preenchidos no

caso em debate, quais sejam: a) verossimilhança da alegação; b)

fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

89. Em sede de ação civil pública a

antecipação da tutela ganha maior relevância em face do fato de que

ela visa tutelar interesses difusos, coletivos e coletivos ‘lato

sensu’, bens de vida de toda a sociedade, como ocorre no caso ‘sub

examen’.

90. Inegável, ainda, a presença, na

vertente questão, do direito, em razão da mais cristalina

inobservância de diversos preceitos constitucionais de proteção à

cultura, bem como de diversas normas legais, bem como do ‘periculum in

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Tel.: (91) 3219-3487 / 3219-3487 [email protected] 49

mora’, visto que a mantença do teratológico embargo administrativo,

por muito tempo, impedirá que os fornecedores possam manufaturar os

fogos de acordo com as exigências da Secretaria Municipal de Meio

Ambiente - SEMMA.

91. Está em jogo, portanto, questão de

relevante interesse público, de toda a coletividade de Belém, com

direito verossímil, face às provas acostadas, devendo-se assim

privilegiar este, com fulcro no princípio da supremacia do interesse

público, antecipando-se a tutela pretendida.

92. Isto posto, presentes os requisitos

necessários à concessão da tutela antecipada, requer o Município de

Belém, com base no art. 12, da Lei nº 7.347/85, o seu deferimento,

‘inaudita altera pars’, para fins de tornar SEM EFEITO E INEFICAZ O

MONSTRUOSO EMBARGO ADMINISTRATIVO DO IBAMA, LIBERANDO A MAIS QUE

CENTENÁRIA TRADIÇÃO DOS FOGOS DE VISTA DO ENCERRAMENTO DAS

FESTIVIDADES DO CÍRIO DE NOSSA SENHORA DE NAZARÉ, NA EXATA FORMA DE

SEU RECONHECIMENTO PELO IPHAN E PELA UNESCO E DE TODA A LEGISLAÇÃO

REGENTE DA MATÉRIA, CITADA/TRANSCRITA NESTA PEÇA, PROTETORA DA

INTEGRIDADE DA MANIFESTAÇÃO CULTURAL.

93. Requer, ainda, com supedâneo no art.

12, § 2º, da Lei nº 7.347/85, para o caso de descumprimento da ordem

judicial, independentemente da desobediência, a cominação da multa

diária de R$-30.000,00 (trinta mil reais).

V – DO PEDIDO FINAL

94. Concedida a tutela antecipada

pleiteada, meritoriamente, para retirar EFEITOS DO MONSTRUOSO EMBARGO

ADMINISTRATIVO DO IBAMA aos fogos do Círio (decisão interlocutória

administrativa à fl. 57 dos autos administrativos do IBAMA, anexo),

sob pena da multa diária referida, requer o Município de Belém requer:

a) citação do Réu, para, querendo,

contestar a ação, sob pena de revelia;

b) seja intimado o Ministério Público

Federal, na forma da lei;

c) a decretação da total procedência da

presente ação, no sentido de ser anulado o ato administrativo que

determinou o embargo da queima de fogos nos encerramentos das

festividades do Círio de Nossa Senhora de Nazaré e/ou qualquer outro

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ato do Suplicado que venha a descaracterizar a manifestação cultural

do povo de Belém e do povo paraense e brasileiro em sua inteireza,

incluindo o próprio processo administrativo nº02018.000793/2014-12; e

d) a condenação do Réu ao pagamento dos

ônus da sucumbência.

95. Protesta-se por todos os meios de

prova em direito admitidos, tais como: juntada de novos documentos,

inquirição de testemunhas, perícias, etc.

96. Dá-se à causa o valor de R$-30.000,00.

97. Endereço de intimação do patrono do

Autor: Trav. Primeiro de Março, 424 – Secretaria Municipal de Assuntos

Jurídicos.

P. Deferimento.

Belém, 30 de setembro de 2014.

ANTONIO ALBERTO TAVEIRA DOS SANTOS - OAB/PA Nº 9.793

Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos - SEMAJ

DANIEL PAES RIBEIRO JÚNIO - OAB/PA Nº 8.855

SUB-CHEFE CÍVEL DA PROCURADORIA JUDICIAL DA SEMAJ

LUIZ NETO – OAB/PA Nº 3.943

Procurador do Município de Belém.