exercícios de livros didáticos de matemática financeira e suas

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ANAIS DO VI SIPEM RESUMO ABSTRACT 15 a 19 de novembro de 2015 Pirenópolis - Goiás - Brasil Palavras-chave: Keywords Exercícios de Livros Didáticos de Matemática Financeira e suas Fronteiras com Situações do Cotidiano e de Ambientes de Trabalho 1 Maria Rachel P. Pessoa P. de Queiroz, 2 Jonei Cerqueira Barbosa Apresentamos neste estudo uma análise sobre exercícios de livros didáticos de Matemática Financeira. Nosso objetivo foi estabelecer características de exercícios de livros didáticos de Matemática Financeira que sinalizem possíveis fronteiras com situações do cotidiano e de ambientes de trabalho. Para isso, analisamos três livros didáticos selecionados a partir de informações obtidas de uma universidade federal e de universidades estaduais no Estado da Bahia. Observamos, como resultado, que os enunciados dos exercícios, os dados utilizados e exercícios que envolvem processo decisório, podem promover (mais, ou menos), o cruzamento de fronteiras entre a Matemática Financeira disciplinar e as práticas do cotidiano e de ambientes de trabalho. We present in this study an analysis on exercises from Financial Mathematics textbooks. Our goal was to find out textbook exercises characteristics of Financial Mathematics that suggest possible borders with everyday situations and workplace. For this, we analyzed three textbooks selected from those indicated by a federal university and state universities in the state of Bahia. As a result, we observed that the statements of the exercises, the data used and exercises involving decision making might promote (more or less), the crossing of boundaries between academic Financial Mathematics and everyday practices or workplaces. 1 Universidade do Estado da Bahia – Brasil [email protected] 2 Universidade Federal da Bahia – Brasil [email protected] Exercícios; Matemática Financeira; livros didáti- cos; fronteiras; cotidiano; ambientes de trabalho Exercises; Financial Mathematics; textbooks; boundaries; everyday; workplace.

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Page 1: Exercícios de Livros Didáticos de Matemática Financeira e suas

ANAIS DO VI SIPEM

RESUMO

ABSTRACT

15 a 19 de novembro de 2015 Pirenópolis - Goiás - Brasil

Palavras-chave:

Keywords

Exercícios de Livros Didáticos de Matemática Financeira e suas Fronteiras com Situações do Cotidiano e de Ambientes de Trabalho 1Maria Rachel P. Pessoa P. de Queiroz, 2Jonei Cerqueira Barbosa

Apresentamos neste estudo uma análise sobre exercícios de livros didáticos de Matemática Financeira. Nosso objetivo foi estabelecer características de exercícios de livros didáticos de Matemática Financeira que sinalizem possíveis fronteiras com situações do cotidiano e de ambientes de trabalho. Para isso, analisamos três livros didáticos selecionados a partir de informações obtidas de uma universidade federal e de universidades estaduais no Estado da Bahia. Observamos, como resultado, que os enunciados dos exercícios, os dados utilizados e exercícios que envolvem processo decisório, podem promover (mais, ou menos), o cruzamento de fronteiras entre a Matemática Financeira disciplinar e as práticas do cotidiano e de ambientes de trabalho.

We present in this study an analysis on exercises from Financial Mathematics textbooks. Our goal was to find out textbook exercises characteristics of Financial Mathematics that suggest possible borders with everyday situations and workplace. For this, we analyzed three textbooks selected from those indicated by a federal university and state universities in the state of Bahia. As a result, we observed that the statements of the exercises, the data used and exercises involving decision making might promote (more or less), the crossing of boundaries between academic Financial Mathematics and everyday practices or workplaces.

1Universidade do Estado da Bahia – Brasil [email protected]

2Universidade Federal da Bahia – Brasil [email protected]

Exercícios; Matemática Financeira; livros didáti-cos; fronteiras; cotidiano; ambientes de trabalho

Exercises; Financial Mathematics; textbooks; boundaries; everyday; workplace.

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Alguns estudos (BARROSO; KISTEMANN JR., 2013; DUARTE et al., 2012; FANTINELLI,

2010; HERMÍNIO, 2008; ROSETTI JÚNIOR; SCHIMIGUEL, 2011) que apresentam discussões

sobre livros didáticos de Matemática Financeira no Brasil apontam para o distanciamento entre

os conteúdos estudados em ambientes formais de escolarização e o conhecimento relacionado

ao cotidiano e ao mundo do trabalho em livros didáticos.

Entendemos como Matemática Financeira qualquer prática1 que envolva o estudo,

cálculo ou procedimentos com “valores datados” (DRAKE; FABOZZI, 2009; KUHNEM; BAUER,

1996). A expressão “valores datados” significa que o dinheiro e o tempo são variáveis para o

cálculo de valores monetários (BUDI, 2008; DRAKE; FABOZZI, 2009; KUHNEM; BAUER, 1996).

São objetos da Matemática Financeira os juros, os descontos, as equivalências de capitais, as

anuidades e as amortizações, dentre outros, visto que relacionam a variação de valores

monetários em função do tempo.

No presente artigo, apresentaremos os nossos resultados baseados numa análise

sistemática realizada sobre três livros didáticos do Ensino Superior selecionados2. Justificamos

este estudo pelo nosso interesse em oferecer a professores e autores de livros didáticos uma

análise sobre exercícios que possivelmente são abordados em práticas de sala de aula.

Embora nosso interesse inicial tenha sido desenvolver insights para cursos da área de

negócios (a exemplo de Administração, Economia e Ciências Contábeis), admitimos que os

resultados podem também inspirar práticas relacionadas à formação de professores que

ensinam matemática.

Apresentaremos a seguir algumas ideias teóricas que subsidiaram a presente pesquisa

que relatamos e que também serão utilizadas para delinear nosso objetivo em termos mais

precisos.

Rosetti Júnior e Schimiguel (2011) concluíram que o foco de livros didáticos do Ensino

Médio está na “resolução de problemas” semirreais com aplicação direta das fórmulas

apresentadas, sem discussão dos significados financeiros a eles relacionados. Entretanto, a

partir desses resultados, entendemos que, possivelmente, esses “problemas” aos quais eles se

Introdução

Os Exercícios e suas Implicações para o Ensino e Aprendizagem de Matemática Financeira

1Assumimos aqui, provisoriamente, o conceito de prática como um fazer compartilhado por pessoas em grupos sociais, agindo e interagindo conforme os costu-mes desse grupo. A seguir apresentaremos essa definição de acordo com WENGER (1998). 2Os critérios de seleção adotados serão detalhados na seção de procedimentos metodológicos.

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referem, se enquadram no que denominamos de exercícios semirreais, pois, se necessitam

apenas de aplicação direta de fórmulas e não apresentam discussões financeiras, não se

constituem de fato “problemas” para os alunos.

Situações semirreais são aquelas que são inventadas com base nas situações reais

(SKOVSMOSE, 2000). Porém, observamos que essas “realidades inventadas” podem se afastar

ou se aproximar mais daquelas às quais se pretende imitar. Por exemplo, Barroso e Kistemann

Jr. (2013), após leitura crítica sobre livros do Ensino Superior, destacaram a artificialidade de

exercícios semirreais, nos quais se prioriza a exploração dos conteúdos previamente

apresentados, em detrimento de situações mais parecidas com aquelas do cotidiano e do

ambiente de trabalho. Eles também apontaram que “a metodologia abordada pelos seus

autores ainda prioriza, substancialmente, uma síntese teórica seguida de exemplos resolvidos e

exercícios propostos para o aluno” (p. 468). Afirmaram também que “o foco do ensino está

em propiciar técnicas e procedimentos para o aluno resolver problemas” (p. 468), o que,

segundo eles, significa “encontrar a resposta certa” (p. 468).

Os exercícios e “problemas” resolvidos e/ou propostos em livros didáticos são reificações

de práticas distintas que se relacionam com a Matemática Financeira disciplinar. Utilizamos o

conceito de prática proposto por Lave e Wenger (1991), que se refere a fazeres

compartilhados por sujeitos em comunidades sociais que interagem segundo costumes e

objetivos comuns que identificam esses grupos. Dessa forma, consideramos que há distintas

práticas de Matemática Financeira, a depender do contexto no qual seus participantes

interagem, a exemplo da Matemática Financeira praticada em ambientes educacionais, em

bancos, em empresas de uma forma mais geral, em comunidades científicas, etc.

Ao mesmo tempo, compreendemos que essas práticas, embora distintas, podem

apresentar características comuns ou que perpassam suas fronteiras. Seguindo Wenger (1998),

consideramos como fronteiras, características que demarcam determinadas práticas, que as

diferenciam de outras. Porém, membros participantes de mais de uma prática, ao se deslocar

entre elas, podem estabelecer formas de participação que tornam suas fronteiras menos

demarcadas. Também, objetos reificados numa determinada prática podem ser utilizados em

outra, proporcionando experiências de participação semelhantes em práticas distintas.

Seguindo as ideias teóricas de Wenger (1998), compreendemos as reificações como o

resultado de experiências, histórica e socialmente estabelecidas, congeladas em materialidades

que podem representar produtos (tais como, modelos matemáticos, ferramentas, leis, regras,

códigos, símbolos, softwares, procedimentos, etc.) ou processos (como codificar, nomear,

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interpretar, descrever, reformular, etc.). Ao mesmo tempo que as reificações possuem um

caráter estático conferido pelo próprio conceito, também possuem um caráter dinâmico, na

medida em que esse teórico considera que as práticas e as experiências resultantes da

participação de seus membros se transformam continuamente.

Porém, ao utilizar os exercícios reificados nesses livros, estudantes/leitores os interpretam

e utilizam de formas diferentes, transformando-os nos seus usos. Portanto, também admitimos

que, possivelmente, professores e estudantes podem utilizar os exercícios desses livros sob uma

forma de participação ativa, interpretando-os de formas distintas daquelas que seriam

esperadas pelos autores, ou mesmo, levantando discussões não contempladas nos mesmos.

Por exemplo, a partir de exercícios que admitem uma única resposta certa, como aqueles

citados nos resultados dos estudos de Rosetti Júnior e Schimiguel (2011) e Barroso e

Kistemann Jr. (2013), podem propor formas alternativas de solucionar o problema de acordo

com contextos distintos.

Dada a discussão que desenvolvemos até este ponto, já estamos em condições de re-

apresentar o objetivo da pesquisa em termos mais precisos: estabelecer características de

exercícios de livros didáticos de Matemática Financeira que sinalizem possíveis fronteiras com

situações do cotidiano e de ambientes de trabalho. A seguir, explicitaremos os procedimentos

de coleta e análise de dados utilizados no estudo.

A pesquisa utiliza uma abordagem qualitativa (DENZIN; LINCOLN, 2005) por se tratar de

uma investigação sobre os significados que interpretamos sobre os exercícios resolvidos e

propostos em três livros didáticos utilizados no Ensino Superior.

Esses livros foram selecionados a partir das bibliografias constantes nos programas de

curso recolhidos numa universidade federal e nas universidades estaduais baianas para cursos

da área de negócios, bem como na consulta a professores que ministram Matemática

Financeira nesses cursos. Essa consulta foi feita via e-mail, a fim de obter destes informações

sobre quais livros eles de fato usam para preparar suas aulas e/ou indicam para seus alunos.

Selecionamos para análise aqueles que constassem em, pelo menos, dois dos planos de

curso recolhidos e duas das listas fornecidas pelos professores respondentes. Como resultado

desse processo, os livros selecionados, o que chamaremos aqui de corpus, para análise foram

os seguintes: Matemática Financeira, dos autores Washington Franco Mathias e José Maria

Procedimentos Metodológicos

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Gomes (2011); Matemática Financeira, de Carlos Patrício Samanez (2010) e Matemática

Financeira, de José Dutra Vieira Sobrinho (2013).

Fizemos a codificação do corpus, linha a linha, página a página do livro texto, anotando

nos próprios exercícios os seguintes aspectos: as relações com o cotidiano e uso da linguagem

do mercado financeiro; algumas classificações dos seus tipos (por exemplo, se eram resolvidos

com aplicação direta de fórmula, em um ou mais de um passo, referências à semirrealidade,

etc.) e de suas soluções; as interpretações dos autores; dentre outros.

Anotamos todo tipo de interpretação sobre esses exercícios, criando códigos que

poderiam ser úteis para a formação de possíveis categorias. De acordo com Charmaz (2005),

codificar significa atribuir rótulos que simultaneamente categorizam, sintetizam e explicam

cada segmento de dados, constituindo-se como o primeiro passo para além das proposições

estabelecidas nas interpretações analíticas. De acordo com as propriedades desses códigos,

geramos as categorias que serão apresentadas a seguir.

Todos os exercícios analisados foram baseados em situações semirreais (Skovsmose,

2000) e admitiam apenas uma resposta correta. Vamos apresentar, nesta seção, características

dos exercícios analisados que nos permitiram concluir sobre possíveis fronteiras da Matemática

Financeira neles reificada com situações do cotidiano e de ambientes de trabalho. Essas

características foram organizadas de acordo com as seguintes categorias:

Fronteiras em enunciados e dados de exercícios

Fronteiras nas resoluções em problemas de decisão

Fronteiras em enunciados e dados de exercícios

Há enunciados de exercícios, que embora se refiram a situações financeiras que ocorrem

no cotidiano, indicam comandos diretos para realização de cálculos que dependem somente

do uso de uma fórmula; não se referem a situações específicas, nem a pessoas (físicas ou

jurídicas) fictícias. Por exemplo, vamos observar o exercício 11, da página 110 do livro de

Mathias e Gomes (2011), na figura 1 a seguir.

Características dos Exercícios de Matemática Financeira

Figura 1 – enunciado de exercício com comando direto, sem situação específica

Fonte: Mathias e Gomes (2011)

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Nesse caso, a carência de exemplos de situações mais específicas no enunciado,

principalmente, permite que possamos dizer que esse exercício, embora semirreal, se aproxima

mais dos tipos de exercícios que Skovsmose (2000) classifica como aqueles da “matemática

pura”, ou seja, aqueles que são formulados em termos estritamente matemáticos

Outro exercício (12) da página 113 do mesmo livro (MATHIAS; GOMES, 2011), mostrado

na figura 2 a seguir, requer o mesmo tipo de operação, ou seja, cálculo de equivalência de

taxas, mas é enunciado da seguinte maneira:

Nesse caso há uma situação mais específica envolvida e embora o cálculo de equivalência

se assemelhe ao do exercício mostrado anteriormente, a conclusão do exercício depende de

uma interpretação relacionada à decisão sobre as alternativas de rentabilidade.

Uma observação comum a todos os exercícios analisados é o fato dos dados fornecidos

neles serem perfeitamente ajustados para sua resolução. Isto é, não encontramos exercícios

nos quais faltassem dados para sua resolução nem dados excedentes. Além disso, os dados

dos exercícios apresentados nos livros didáticos analisados são fictícios, elaborados para esses

exercícios semirreais (SKOVSMOSE, 2000). Porém, também observamos variações nos dados

para resolução, no que se refere à proximidade com dados do cotidiano e de ambientes de

trabalho.

No exercício retirado do livro do Samanez (2010, p. 44) e apresentado na figura 5 a

seguir, o valor para a taxa anual se distancia bastante do cenário de taxas de aplicação

praticadas nos bancos brasileiros na atualidade, incluindo o ano de publicação do livro,

produzindo um montante que representa mais que o dobro do valor aplicado em 9 meses

apenas.

Figura 2 – enunciado de exercício envolvendo situação específica Fonte: Mathias e Gomes (2011)

Figura 5 – exercício com dados fictícios distantes de valores da atualidade

Fonte: Samanez (2010)

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Já no exemplo 3.17 da página 49 do mesmo livro, mostrado na figura 6 a seguir, o dado

referente à caderneta de poupança se aproxima bastante da taxa aplicada no cotidiano nos

últimos anos3.

Há também exercícios que misturam dados de situações fictícias com dados reais,

inclusive com o registro da fonte desses dados (não registramos exemplos aqui, por limitação

de espaço).

Concluindo, há uma variação marcante entre situações inventadas nos enunciados dos

exercícios analisados. Variam desde aquelas que se assemelham mais a exercícios da

matemática pura (Skovsmose, 2000), passando por situações inventadas possíveis, mais

simples ou não muito comuns, até aquelas que conseguem se aproximar mais das situações

cotidianas e/ou de ambientes de trabalho. Porém, embora não fosse o nosso foco analisar

quantidades, a própria dificuldade em encontrar modelos como esse último nos permite

concluir que eles são mais raros nesses livros. Os exercícios não apresentaram falta de dados,

nem dados excedentes; em geral, os dados são fictícios, mas encontramos, em alguns (poucos)

deles, dados mais próximos aos do cotidiano e alguns dados reais como parte das situações

inventadas.

Fronteiras nas resoluções em problemas de decisão

Nos problemas que envolvem decisão, alternativas são calculadas de um ponto de vista

meramente financeiro, às vezes, sem considerar contextos, situações pessoais, ou mesmo,

situações mais parecidas com as que observamos no cotidiano. Por exemplo, no exercício 12

da página 151 do livro de Mathias e Gomes (2011), mostrado na figura 8 a seguir, há uma

situação fictícia que envolve decisão.

Figura 6 – exercício com dado que se aproxima de valores atuais Fonte: Samanez (2010)

3Conforme informação retirada do site da Caixa Econômica Federal em 30/10/13, 6% ao ano é o rendimento mínimo da poupança no Brasil nos últimos 150 anos.

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Podemos observar que, após os cálculos, o autor conclui que a melhor alternativa é a

primeira porque possui o menor valor atual. O valor atual é um parâmetro financeiro para

avaliação de investimentos e assim considerado, conduz à resposta correta anunciada no

exercício. Porém, a primeira alternativa apresenta um fluxo de pagamento menos uniforme,

tanto do ponto de vista do período entre as parcelas, quanto do valor, apresentando uma

parcela discrepante no 12o mês, que representa um desembolso grande de uma só vez.

Sabemos, do senso comum, que desembolsos mais vultosos, são evitados, tanto por pessoas,

quanto por empresas, porque podem surpreender um consumidor que não se prepara para

liquidar essa dívida, ou porque representam um capital empatado para empresas que

dependem de recursos financeiros para capital de giro. Considerando esses possíveis contextos

e a diferença de pouco mais de 1% do total do valor atual entre as duas alternativas, podemos

dizer que, embora do ponto de vista meramente financeiro, a primeira alternativa fosse

melhor, a escolha pela segunda seria uma possibilidade real numa situação cotidiana.

Não foram observadas avaliações críticas ou sociais nos exercícios resolvidos, mesmo em

situações que podiam suscitá-las (não pudemos apresentar exemplos aqui por limitação de

espaço).

Enfim, nos problemas de decisão observados nos livros, as formas de resolução

consideram aspectos meramente financeiros e conduzem o leitor sempre a uma única resposta

Figura 8 – exercício que envolve decisão Fonte: Mathias e Gomes (2011)

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certa. Não observamos exercícios desse tipo que considerassem contextos ou situações

pessoais, nem desenvolvessem análises sócio-críticas. Desse modo, concluímos que os

exercícios que envolvem processo decisório, que por sua natureza, podem possibilitar

experiências mais próximas do cotidiano e de ambientes de trabalho, não são explorados em

suas potencialidades.

Seguindo Skovsmose (2000), podemos dizer que há variações nos exercícios, desde

aqueles se aproximam mais de referências à matemática pura, até aqueles que se referem à

realidade.

Os exercícios que se aproximam mais da matemática pura (Skovsmose, 2000), nos

indicam uma intenção dos autores de promover caminhos para explorar os conteúdos

estudados numa lógica para dar certo. Ou seja, na medida em que são utilizados dados

perfeitamente ajustados, enunciados que demandam cálculos mais diretos, problemas de

decisão que envolvem argumentos meramente financeiros e para os quais há uma única

resposta correta, dizemos que os exercícios promovem experiências entre estudantes/leitores

de manutenção da ordem escolar. Nesse caso, dizemos que são reificações de práticas

estabelecidas na Matemática Financeira disciplinar que se aproximam mais de práticas da

comunidade científica.

Por outro lado, exercícios que enunciam situações mais parecidas com aquelas

vivenciadas no cotidiano e em ambientes de trabalho, que utilizam dados parecidos com os

dados dessas práticas num determinado contexto temporal, ou que utilizam dados reais,

mesmo que em situações inventadas, podem promover experiências que se aproximam mais

das que são praticadas no cotidiano e em ambientes de trabalho.

Como são reificações, os exercícios, por si só, não determinam as possíveis formas de

participação dos estudantes e professores. Porém, eles podem promover (mais, ou menos)

experiências que permitam que esses sujeitos possam cruzar as fronteiras do ambiente

educacional, em direção a ambientes profissionais e do cotidiano. Por exemplo, nos exercícios

que envolvem decisão, há espaço para que professores possam fomentar discussões nesse

sentido.

De acordo com Zevenbergen (2011), em ambientes profissionais, os problemas a serem

solucionados são mais complexos, dependem de situações específicas, de avaliações críticas e,

Discussão

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geralmente, há múltiplas soluções, requerendo tomadas de decisão que dependem do

contexto. Observamos que poucos exercícios analisados promovem possibilidades para que

estudantes e professores vivenciem formas de participação que são típicas daquelas que

requerem os problemas aos quais Zevenbergen (2011) se refere.

De acordo com os dados analisados na seção anterior, observamos que os enunciados

dos exercícios, os dados neles utilizados e exercícios que envolvem processo decisório podem

promover, mais, ou menos, o cruzamento de fronteiras entre a Matemática Financeira

disciplinar e práticas do cotidiano e de ambientes de trabalho. Considerando que as fronteiras

de determinada prática são as características que as diferenciam de outras, esse cruzamento

pode acontecer quando sujeitos se movem entre práticas distintas e quando objetos reificativos

de uma prática são utilizados noutra. Mesmo considerando que cruzamentos de fronteiras

envolvem transformações que dependem de cada contexto, também compreendemos que

esses cruzamentos podem promover experiências que conectam práticas distintas. Observando

que cursos na área de negócios pressupõem uma preparação para o trabalho,

compreendemos que esta e novas pesquisas sobre livros didáticos de Matemática Financeira

podem sinalizar para os autores desses livros e professores da disciplina, outros tipos de

exercício e formas de participação em sala de aula que podem potencializar essa preparação.

Conclusões

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Referências

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