exercicios de estilo de raymond queneau em portugues

101
I T ,1, ,I " " 1. 1 RAYMOND QUENEAU ,I EXERCicIOS DE ESTILO Tradu<;ao, apresenta<;ao e posfacio: LUlZ REZENDE , I 1 1 ): ,Ii Imago Ii I

Upload: roseli-nery

Post on 05-Jul-2015

3.917 views

Category:

Documents


13 download

TRANSCRIPT

Page 1: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

I

T,1,

,I

""

1.

1 RAYMOND QUENEAU

~ ,I

EXERCicIOS DE ESTILO

Tradu<;ao, apresenta<;ao e posfacio: LUlZ REZENDE

,

I

1

1 ): ,Ii ImagoIi I

Page 2: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

GO/lyright © Editions Gallimard 1947

Titulo Original:

Exercises de Style

Capa: VICTOR BURTON

Apow: Embaixada da Frant;a no Brasil

CIP-Brasil. Catalogat;iio-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Queneau, Raymund, 1903-1976 Q51e Exercicios de estilo / Raymund Queneau; tradUl;iio,

apresentat;iio e posfacio, Luiz Resende. - Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995.

(Colet;iio Lazuli)

Tradut;iio de: Exercises de style Inclui anexos e bibliografia ISBN 85-312-0480-1

1. Literatura experimental. 1. Rezende, Luiz. II. Titulo. III. Sene

CDD - 848.07 95-1895 CDU - 840-8(07)

Reservados todos os direitos. Nenhuma parte desta obra podera ser reproduzida por fotoc6pia, microfi/me,

processo (otomedinico 'ou eletr6nico sem permissiio expressa da Editora.

1995

IMAGO EDITORA LTDA. Rua Santos Rodrigues, 201-A - F.stacio

20250-430 - Rio de Janeiro - RJ - Tel.: 293-1092

Impressa na Brasil Printed in Brazil

SUMARIO

EEserevendo Que Se Vira Eserevedor, 11

- Luiz Rezende

Anota<;:ao, 19 Em Duplieata, 20 Litotes, 21 Metaforicamente, 22 Retr6grado, 23 Surpresas, 24 Sonho, 25 Profecias, 26 Sinquises, 27 Areo-iris, 28 Gineana Verbal, 29 Hesita<;:oes, 30 Precisoes, 31 o Lado Subjetivo, 32 Outra Subjetividade, 33 Relato, 34 Palavras-Valise, 3S Negatividades, 36 Animismo, 37 Anagramas, 38 Distin<;:oes Neeessarias, 39 Pareoteleutas, 40 Versao Ofidal, 41

Page 3: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

'\ \

,rJ.

Gustativo, 84Texticulo De Orelha, 43 . Tcitil, 85Onomatopeias, 44

Analise L6gica, 45 Visual, 86 f,Insist~ncia, 47 Auditivo, 87

Nao Sei De Nada, 49 Telegrafico, 88 Presente, 50 Ode, 89 Acontecendo, 51 Permutac,;6es de Grupos de 5 a 9 Letras, 90 Preterito, 52 Permutac,;6es de Grupos de 4 a 8 Palavras, 91

lmperfeito, 53 Helenismos, 92 Alexandrinos, 54 Conjuntos, 93 1'6s-Alexandrinos, 55 Reacionario, 94 Poliptotos, 56 Pai-dos-Burros, 96 Ap6copes, 57 Hai Ku" 98 Afereses, 58 Haikikai, 98 Sfncopes, 59 ..) Versos Livres, 99 Quer Dizer, Ne, 60 Feminino, 100 Exclamac,;6es, 61 Ttanslac,;ao, 102 Entao, 62 Lipogramas, 103 Empolado, 63 Galicismos, 106 Povao, 64 Pr6teses, 107 Ocorrencia, 65 Epenteses, 108 Comedia, 67 Paragoges, 109 Apartes, 69 Metateses, 110 Parequese, 70 Gramatica Transformativa, 111 Fantasmatico, 71 Troca-Troca, 114 Filos6fico, 73 Nomes Pr6prios, 115 Ap6strofe, 75 Lingua do Pe, 116 Desajeitado, 76 \~ ~ Poucas-verdades, 117 Desenvolto, 78 Macarr6nico, 118II Parcial, 80 Da (Quase) na Mesma, 119

\ Soneto, 82 Para os Franceses, 120II

I>Olfativo, 83 Trocadilhos, 122

Page 4: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

Botanico, 123 Medicinal, 124 Gastronomico, 125 Zool6gico, Injurioso,

126 127 EESCREVENDO QUE SE VlRA ESCREVEDOR

Impotente, 128 P6s-Tudo, 129 Luiz Rezende

Probabilista, 130 Retrato, 131 Geometrico, 132 Sertanejo, 134 Interjei<;6es, 136 Precioso, 137 Inesperado, 139

I. J~

Ao ouvir as fugas de Bach em concerto, lei pelos anos 30, Raymond Queneau teve a ideia de criar urn equivalente litereirio, constitufdo por uma serie de varia<;6es em torno de urn tema bern simples. Durante'a guerra, para distrair-se urn pouco de seus projetos "serios" e de suas atividades editoriais, pos-se a escrever os primeiros exercicios, em torno de uma discussao entre dois passageiros a bordo de

Agora que Voces Jei Leram, - Luiz Rezende

142 I ':\

urn onibus. Ap6s ter composto urn "Dodecaedro", pensava em parar, mas acabou contagiado pela pr6pria ideia e con­tinuou a serie ate chegar aos 99, "nem muito, nem pouco demais: 0 ideal grego". Em 1948, os Exercicios de Estilo foram

Anexos publicados pela primeira vez em forma de livro, e logo

Exercicios de Estilo Possfveis, Exercicios Brasileiros

Papo de Botequim, 167 Pisando na Jaca, 170 Brasileirinho, 172 Tupinacara, 175 Samba do Crioulo Doido,

161

177

I

1\

Ii i~-' ).

inspiraram uma pe<;a dos Irmaos Jacques, 0 que assentou sua popularidade e refor<;ou a do autor. Raymond Queneau era, entao, com Sartre e Prevert, urn dos decanos da boemia circulando pelo Saint-Germain-des-Pres existencialista, "alto e forte contra 0 vento da besteira", segundo a elogiosa f6rmula de Juliette Greco, que emplacou urn grande sucesso transformando em can<;ao seu poema "Si tu t'imagines".

Inspirado pelo convfvio encontrado na Grecia entre dois Dei Samba, 179 registros de linguagem, com primazia do dem6tico sobre a

lfngua pura, Queneau vinha tentando a defesa e ilustra<;ao

Bibliografia, 181 f'> do frances falado desde 0 come<;o dos anos 30, e chegou a propugnar urn neo-frances:

11

Page 5: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

Mezalor, mezalor keskon nobtyin! Sa dvyin incrouayab, pazordiner, ranversan, sa vouzaalor indse droldaspe dontonrvyin pa. On Irekone pudutou, Ifranse, amesa pudutou, sa vou pran toudinkou unalur ninversanbarbase stupefiant. Avredir, semem maran. Jerlu toudsuit Ie kat lign sidsu, jepapu manpeche de mmare.

1

No comecinho dos anos 70, veio a reconhecer, nao sem uma pontinha de nostalgia, que a norma culta estava im­pregnando a fala popular, e atribuiu 0 fenomeno ainfluen­cia da televisao.

Em 1958, surgiu Zazi no metro, livro que ganhou urn premio de humor negro e virou filme de Louis Malle, alem de oferecer a Queneau seu primeiro e tinico real sucesso de estima popular.2 Para contar a hist6ria de Zazi, garota pro­vincial e mais desbocada que chofer de caminhao, Queneau lan<;a moderadamente mao do seu neo-frances. 0 sucesso foi tanto que por pouco nao apaga a figura do criador; a partir dai, Queneau virou, antes de mais nada, 0 "pai de Zazi".

C;a se chante aussi, la chaussette: meia sUja tambem se canta. 0 problema e extrair do cotidiano "sua veia poetica, seu pequeno heroismo". Georges Perec, pr6ximo de Que­neau, definia esse projeto como a busca do infra-ordinario: "talvez possamos finalmente fundar nossa pr6pria antropo­

1 Mais alors, mais alors, qll'est-ce qll'on n'obtient! (:a devient incroyabIe, pas ordinaire, renversant, t;a, valis alors, lin de ces droies d'aspect dont on ne revient pas. On Ie reconnait pIlls dll tOllt, Ie frant;ais, ah, mais pIlls dll tOllt, t;a ValiS prend tOlit d'lIrl colip line allllre invraisembiabIe, c'est stllpefiant. A vrai dire, c'est mbne marranl. J'ai reill tOlit de sllite Ies qllatre /ignes ci-dessllS, Fai pas pll m'empecher de me marrer ("Ecrit en 1937", retomado em Batons, chiffres, Iettres, p. 22). Em portugues: "Tal, iai, ukekida! Ficadupiru, nadave custrossu kiagetchile, egrassadu paca, neda prassigura. Pareci ate chinuki, vaive tupiniki, essigeitchinhu koladu, feitukoT<;:u beescritu, legau prakaralhu ..."

2 A (boa) tradw;:ao brasileira de Zazie no metro e de Irene Cubric e foi editada pela Rocco, em 1985.

logia: a que falara de n6s, buscara em n6s 0 que tanto fomos pilhar nos outros. 0 end6tico, em vez do ex6tico" (apud Souchier, 1991, p. 12 - ver a Bihliogra(ia, ao final deste volume). Trata-se de uma poetica estudadamente esponta­nea, com mais rima do que razao, como assinala Jean-Yves Pouilloux (1991), mas nos melh6res casos, quando a rima concebe a razao, abre-se urn espa<;o de linguagem motivada onde se opera uma rela<;ao, digamos magica, entre fala e mundo. 0 laborioso plumitivo descasca chavoes, prover­bios e lugares comuns, guarda a polpa para uso renovado e varre os escombros de urn golpe de pena que, for<;osamente, deixa tra<;os textuais.

Queneau e ainda capaz de escrever roteiro para docu­mentario de encomenda, cantando as maravilhas do estire­no em alexandrinos! Sua produ<;ao poetica, sob a aparencia par6dica, multiplica eXigencias e recursos formais, como no caso dos Cem mil hilhoes de poemas, 10 sonetos cujos 14 versos podem ser livremente associados, 0 que resulta, como 0 titulo indica, em 1014 sonetos - cada verso vern ' escrito numa lingueta recortada, de forma que a pagina se compoe de catorze linguetas independentes, que podem ser viradas uma a uma (como em certos livros infantis).

I Em 1960, criou-se, sob sua inspira<;ao, 0 Ouvroir de

Litterature Potentielle, ou Oulipo. Nao sem humor, 0 nome se refere aos atelies (ouvroires) de corte e costura das freiri­nhas. Quanto a literatura potencial, trata-se de pesquisar matrizes formais que possam em seguida encontrar aplica­<;ao em obras literarias. I-Ching, Tan'), jogos ret6ricos do periodo alexandrino, formas poeticas dos trovadores pro­ven<;ais ... e, sobretudo, recursos 16gico-matem<'lticos. 0 gru­po, que teve seu periodo aureo nos anos 60, e incluia, entre

I- outros, Halo Calvino e Georges Perec, continua existindo, e

12 13

Page 6: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

ja publicou tres atlas para expor seus achados. Para Que­neau, fade jogos, 0 "realismo matematico" e uma forma de conjurar a desgrac;:a ou, ao menos, de torna-Ia suportavel, provisoriamente relegada a urn nicho da consciencia inati­vo.

"E escrevendo que se vira escrevedar": C'est en ecrivant qu'on devient eeriv~ron. 0 homem adorava esta frase, a ponto de fazer dela urn lema, farjado por ele a partir do proverbio frances c'est en (orgeant qu'on devient (orgeron, "forjando se faz 0 farjeiro", derivado por sua vez do latim (abricando fit (aber. Ela resume admiravelmente a etica do trabalho arte­sanal que define as relac;:6es entre Queneau e a literatura.

Relendo Hegel, como tantos outros de sua gerac;:ao, Queneau via na Hist6ria "a ciencia da desgrac;:a humana". A tragedia e cotidiana e difusa; conta-Ia exige, nessas circuns­tancias, urn que de humor, sob pena de uma insuportavel narrac;:ao reduzida a desfiar mazelas. "Quando 0 narrador sarri e desdenha a morte, chamam seu relata urn 'romance c6mico', mas 0 'tom leve' empregado e, na verdade, urn resquicio de grac;:a numa paisagem de catastrofe ..." Desen­ganado como 0 anjo da Hist6ria. '''Gente feliz nao faz hist6ria'; nao e s6 trocadilho. A(s) desgrac;:a(s) formam todo ocampo narrativo".

Matthieu Galley, falando da enormidade e da "indigen­cia agressiva" dos trocadilhos de Queneau, ja os tinha assimilado a certo espirito de escola primaria. Se 0 ubuesco Jarry tern urn que de adolescente, e 0 humor derivadode Lautreamont aos surrealistas urn negrume para la de adulto, a peculiaridade de Queneau talvez esteja nessa ~alicia que, mesmo no auge da vulgaridade, guarda certa inocencia e candura. Seu primeiro critico, Jean Queval, aproveitou a homofonia quase perfeita entre reerear e reeriar - reereer e

14

reereer -, para estabelecer uma analogia entre espirito de escola e trabalho literario, ambos funcionando sob 0 impe­rio de aparentes contrarios, disciplina e distrac;:ao. Mas que tal ludismo nao nos engane; como diz Queneau, num eco dantesco, "quem entra aqui deve aceitar todo e qualquer jogo de - e sobre - palavras". Enquanto se joga, 0 inferno fica esquecido. E, pela etica queneliana do riso, tentemos, enquanto isso, matar a charada, para nao terminarmos arreganhando os dentes num esgar inenarravelmente ama­

relo.

,1

15

Page 7: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues
Page 8: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

ANOTA(7AO

No 6nibus S, em hora de aperto. Urn cara de uns 26 anos, chapeu mole com cordao em vez de fita, pesco<;:o comprido demais, como se tivesse sido esticado. Sobe e desce gente. 0 cara discute com a vizinho. Acha que e espremido quando passam.

Tom choramingas; jeito de pirra<;:a. Mal v~ urn lugar vago, carre para se aboletar.

Duas horas depois, vejo a mesmo cara pela Pa<;:o de Roma, defronte it esta<;:ao Sao Lazaro. La vai com outro que diz: "Voc~ devia p6r mais urn batao no sobretudo". Mostra onde (no decote) e como (para fechar).

19

Page 9: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

EM DUPLICATA

Por volta do meio da jornada e em torno de meio-dia, pula e subo na plataforma e balcao traseiros de urn onibus e transparte para todos repleto e lotado da linha S, que vai da Contrescarpe e Contra-escarpa ao Campeta e Champer­ret. Percebo e nota ali e nesse lugar urn jovem homem e adolescente passado, ridiculo assaz e grotesco a bastante: pesco<;o magro e gogo descarnado, fio e cordao em torno do chapeu e tapa-miolos. Apos e depois de urn bate-boca e empurra-empurra, ele diz e profere em tom e voz choramin­gantes e lacrimejantes que seu vizinho e co-passageiro insis­te e persiste em esprem€'-lo e importuna-Io sempre e a cada vez que desce e salta urn gaiato alguem. Isso e tal coisa dita e feita e pepois e assim que abriu e botou a boca e a trombone no onibus e no mundo, precipitou-se e dirigiu-se para e rumo a urn lugar e banco recem e no instantinho mesmo livrevago.

Duas horas e cento e vinte minutos mais tarde depois, eu a reencontro e minha pessoa v€' a mesmo novamente de novo na Cour de Rome e Pa<;o de Roma em face da gare Saint-Lazare e defronte aesta<;ao Sao Lazaro. Esta e encon­tra-se com urn amigo e companheiro que a incita e aconse­lha a par e botar mais urn batao e suplementar ossa no seu manto sobretudo.

LITOTES

" Eramos poucos tantos a deslocar-nos em conserva, dos

quais urn, ligeiramente aquem de maduro e com ar de rarefeita intelig€'ncia, sugeriu, alga veementemente e par urn lapso de instante ao, se ouso dizer com certo abuso, cavalheiro que se encontrava a mui discreta distancia de si, conjeturas sabre a comportamento, qUi<;a libado, deste ultimo; quase continente, absteve-se de verba e renunciou aposi<;ao ereta. Nao houve largo esperar antes de reaperce­b€'-lo num repente.

Estava em singular companhia e discorriam sabre im­plementos de moda.

20 21

Page 10: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

, \

\

METAFORICAMENTE

o astro apolineo parecia ter imobilizado seu tao celere curso em zenital posic;ao e dardejava implacavel no meri­diao escaldante como as dunas de Copacabana, exasperando a sufoco da massa compacta num cole6ptero de alva abd6­men, tal sardinhas em lata, quando urn girafoso e glabro pinto lanc;ou-se a escamac;ao de uma delas, das menos saracoteantes, com repentina arenga que nos ares desfral­dou-se umida de protesto. Em seguida, aspiradopor vacuo oportuno, subito e volatil partiu ao poleiro.

Revi-o todavia, cronometricas revoluc;oes passadas, pe­ripateteando em m6dica comunhao e difuso sensa no ma­linc6nico dedalo onde a urbe se traduz em metafora coletiva, reduzido entretanto a espirrar toda sua arrogancia por obra de somenos batao.

RETROGRADO

"Aa sobretudo bern poderia voc~ acrescentar urn batao", disse-lhe a amigo. Foi em plena pac;o de Roma. Pouco antes ao aconselhado vira eu, avido sabre vago assento se precipitando mal expresso seu mau protesto contra a vizinho cujos gestos, alegava, extrema agrediam­lhe as extremos ao sabor do fluxo de entrada e saida de passageiros. Trazia a descarnado jovem ridiculo chapeu. Na traseira plataforma: era.

No, ao meio-dia lotado, S, tudo comec;ara.

22 23

Page 11: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

, f \

SURPRESAS

Que aperto na traseira! E aquele fulaninho, iiihh que cara de bobo, e que arzhlho mais ridiculo! Sabe 0 que ele fez?! Nao e que deu de emburrar, s6 porque - atrevido 0

senhorito! - la muito de vez em quando, no lufa-Iufa, urn cidadao dos mais honestos dava umas encostadinhas! Caca­rejou 0 quanta p6de e depois saiu escafedido para ir-se aboletar num lugar vago, ainda quentinho! Que displante! Em vez de deixa-Io para uma senhora!

Duas horas depois, adivinhem quem eu vejo defronte a esta~ao?! 0 pr6prio! 0 mocetao! Ouvindo dicas de roupa! De urn amigo!

Nao da para acreditar! 0 amigo era urn gato, nem te conto! E entendido em moda como ninguem...

\ r

SONHO

T udo era bruma nacarada, sombras multiplas onde avultava urn jovem, vejo nitidamente seu rosto encarapita­do num conspicuo pesco~ao, que salientava seu carater mais para covarde que cabrao. No lugar da fita do chapeu, urn fio tran~ado. P6s-se a discutir com urn individuo indistinto; depois, como que amedrontado, sumiu num corredor escu­

roo Em outra parte do sonho, esta andando sob 0 sol a

prumo defronte aesta~ao Sao Lazaro, com urn companheiro que the diz: "Voce devia botar outro botao no sobretudo".

Ai eu acordei.

24 25

Page 12: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

----

PROFECIAS

Meio-dia Vira, e voce estara na plataforma traseira de urn 6nibus com passageiros saindo pelo ladrao, onde perce­beni urn raparigo ridiculo, de pesco<;o esqueletico e cordao algum no feltro mole. Esse jovem ficara desassossegado, pois pensara que espreme-Io ha, de prop6sito, urn senhor, e tal ate repetir-se-a sempre que subira ou descera alguem do 6nibus.

Protestos havera, e serao proferidos em voz que se alteara, mas tao incondicional sera seu desdem que 0 ad­moestado nao se rebaixara a responder. Em panico, 0 rapa­rigo escafeder-se-a sob 0 nariz do algoz e escarrapachar-se-a num lugar que vago ficara.

Voce de reve-Io ha, pouco mais tarde, no pa<;o de Roma, defronte a esta<;ao Sao Lazaro. Urn amigo estara com ele, e dir-Ihe-a palavras tais que seus ouvidos escutarao: "0 sobre­tudo nao assentara direito como presente. Para 0 futuro, pora outro botao".

SiNQUISES

Ridiculo raparigo, que eu me vendo lotado urn dia em 6nibus da linha S, por tra<;ao talvez 0 esticado pesco<;o, no chapeu cordao eu urn percebi. Arrogante e em lacrimejante tom, que contra 0 senhor ele ao seu lade protesta, encontra se. Encontr6es the pois dada este, vez gente cada que desce. Vago senta sobre e se se urn lugar dito precipita, isto. Pa<;o no de Roma, dou mais com ele ouvindo tarde, duas horas que no seu sobretudo outro botar, aconselha-o urn amigo botao.

26 27

Page 13: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

ARco-iRIS

La vai na boh~ia de urn anibus marrom de gente urn rapazelho escandalosamente borrado: pescoc;o indigo, bar­bante rosa no chapeu malva. Vermelho de raiva, destrata num tom verde bilioso urn senhor que nao amarela e, ao ver a coisa preta, 0 almofadinha fica branco de susto e prefere azular para alvo assento.

Na hora em que todos os gatos sao pardos, eu 0 reen­contro em frente a uma estac;ao furta-cor. Roxo de inveja, urn amigo diz que deve par urn botao turquesa para dar mais corpo a seu manto cereja.

GINCANA VERBAL

Usar: dote, baioneta, inimigo, capela, atmosfera, Bastilha, correspondencia.

Eu estava urn dia na plataforma de urn onibus pequeno demais para transportar 0 dote de Mucuripe Rua, filha do ilustre EngQ Reinaldo Cons6rcio ]ardim, grac;as a quem a Companhia Municipal de Transportes Coletivos (e.M.T.e.) tanto fez para aumentar 0 espirito gregario do usuario amigo, nao de sentar-se na baioneta de urn inimigo, apesar dos ditos populares malevolentes, mas de transportar-se em intima e sudoripara companhia, ainda que eu tenha visto por la, nesse dia, urn jovem assaz ridiculo, que levava jeito, mesmo nao sentando, e que de repente atacou, com voz a capella, urn senhor instalado em suas costas e que nao era sacristao. Tendo assim feito pesar a atmosfeFa, deixou cair a Bastilha.

Duas horas mais tarde, reencontrei-o dando voltas por ai com urn companheiro que 0 aconselhava a par mais urn botao no sobretudo, conselho que podia muito bern ter sido dado por correspond€lncia..

2928

Page 14: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

HESITA(x5ES

Onde foi, nao sei muito bern... em uma igreja, uma lata de lixo, uma fossa comum? Urn 6nibus talvez... Havia ali ... mas 0 que e mesmo que havia ali? Favas, lombrigas, goia­bas? .. Vai ver que caras... Com carne em volta, quer dizer, provavelmente vivas. E, mais ou menos isso ... Gente num 6nibus. Uma das caras ... ou melhor, urn cara e nao uma cara... nem metade... dava ... na vista? A vista? .. Nao sei mais como nem porque. Por sua redondeza? Sua grande grandeza? Sua megalomania? Ou melhor. .. mais exatamen­te ... por sua pouca idade e muito ... queixo? Nariz? Dedao? Nao: pesco<;ao ... de todo tamanho, e urn chapeu mUito, muito estranho. Ai entao, ne ... qUis querela ... e, algo as­sim... com alguem por ali - Velho? Crian<;a? Homem? Mulher? A coisa acabou... ela bern que deve ter acabado se acabando ... eu acho pelo menos ... de urn jeito ou de outro... vai ver que urn dos dois fugiu, ou os dois, sei lao

Alias, pensando bern, acho ate que vi ele de novo, pode ser. .. mas onde? .. Quer dizer, 0 cara... nao 0 outro, 0

querelento ... e, 0 de chapeu... Ai ne ... ele andava por ali, quer dizer, sozinho nao, ne ... tinha muita gente ... nao, com ele nao ... 0 que e que era mesmo? Uma igreja? Uma fossa comum? Urn centro comercial? .. Eles iam pra la e pra ca... mas acho que nao era coisa de grupo ... s6 que devia ter alguem, acho ate que ... e, amigo, conhecido, sei la, ne ... e se diziam qualquer coisa, mas 0 que? 0 que? 0 que?

30

PRECISOES

.....

As 12:17 min, num 6nibus da linha Scorn 10 m de

comprimento, 2,1 m de largura e 3,5 m de altura, evoluindo a 3,6 km do ponto de partida e lotado com 48 pessoas, urn individuo de 27 anos 3 meses e 8 dias, medindo 1,72 m e

pesando 65 kg, de sexo insignificante, que portava sobre a cabe<;a urn chapeu de 17 em de altura com 0 cone de materia

m6rbida circundado por urn cordao de 35 em de compri­mento, interpelou urn homem de 48 anos 4 meses e 3 dias

de idade, 1,68 m de altura e 77 kg de peso, atraves de 14

palavras cuja enuncia<;ao durou 5 s e que faziam alusao a deslocamentos invQluntarios de 15 a 20 milimetros. Em

seguida foi sentar-se a 2,1 m do palco onde ocorrera 0

acontecimento relatado.

Ap6s urn lapso de 118 min, 0 primeiro individuo men­

cionado encontrava-se a 10 m da esta<;ao Sao Lazaro, sendo esta distancia considerada a partir da entrada para os trens

de suburbio, e deslocava-se longitudinalmente em ambos

os sentidos de urn vetor cujo raio era de 30 m, em sincronia harm6nica com individuo analogo, 28 anos de idade, 1,70

m de altura, 71 kg de peso, aplicado em emissao verbal constituindo 15 palavras, semanticamente referenciadas ao

deslocamento projetado de 5 em, na dire<;ao zenital, de urn circulo perfurado com aplica<;6es vestimentares de 3 em de

diametro.

31

Page 15: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

o LADO SUBJETIVO

Minha indumentaria, nos idos de hoje, punha-me pando de orgulho, posta que estava inaugurando urn cha­peu inedito, muito jeitoso, que amoldara a meu gosto infalivel: urn complemento perfeito ao mantO de caxemira fulva que tenho em tao alta conta. Encontrei X na passarela da esta<;ao Sao Lazaro, no inicio achei 6timo t~-lo como testemunha enquanto brilhava no meio do vulgo, mas ele, s6 para estragar meu prazer, foi logo tentando me convencer de que meu sobretudo e fendido demais e que preciso acrescentar urn botao; e bern verdade que 0 maledicente, por mais que procurasse, nao encontrou nenhum reparo a fazer ao cobre-coco, 0 galao tran<;ado que apliquei e mesmo demais.

Pouco antes, eu pusera no devido lugar urn cafajeste que me brutalizava sem prop6sito, culpa desses imundos omnibi, tao atulhados e populaceos justa nas horas em que me e azado utiliza-Ios.

OUTRA SUBJETIVIDADE

HOje, na plataforma traseira do 6nibus, ia ao meu lado urn desses ranhosos como ja nao se faz mais, gra<;as a Deus! Senao eu ainda matava urn! Esse af, urn moleque de uns vinte e seis, trinta e nove arros, me irritava especialmente, nao tanto por causa do pesco<;ao de peru desplumado, mais pela fitinha cor-de-beringela enrolada no chapeu mambem­be. Ah, sacripanta de uma figa!

Bern, 0 6nibus ia lotado, e eu aproveitava 0 empurra-em­purra do sobe-e-desce para entrar de cotovelo no lombo dele. Terminou se escafedendo, 0 covarde! Pena, mal tive tempo de dar uns pisoes nos seus arpeus, iam ficar roxos feito 0 chapeu ridfculo que ia levando. Faltou dizer tambem, para ensinar umas verdades ao almofadinha, que faltava urn botao no seu horrivel sobretudo decotado demais.

32 33

Page 16: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

RELATO

Certa manha por volta do meio-dia, na plataforma traseira de urn onibus quase lotado da linha S - hoje em dia 84 - circulando nas imedia<;6es do parque Monceu! percebi urn personagem de pesco<;o comprido demais com urn chapeu de feltro mole circundado par urn galao de trancinhas no lugar da tira. 0 indivfduo interpelou de chofre seu vizinho, pretendendo que este ultimo espezinha­va-o propositalmente sempre que subiam au desciam pas­sageiros, ap6s a qu~ abandonou a discussao para jogar-se num recem-vago lugar.

Duas horas mais tarde, revi-o defronte a esta<;ao Sao Lazaro conversando animadamente com urn amigo que a aconselhava a diminuir a fenda do sobretudo em algum alfaiate assaz competente para por mais alto, talvez, urn batao.

PALAVRAS-VALISE

Eu platonibus formava co-multitudinariamente em es­pa<;o-tempo lutecio-zenital avizinhando urn longipescocf­neo serranhento e encordesmiolado. Talcujo apostrofava urn qualqueranonimo, "0 sr. me propespreme", a que jaculado, vagossentou-se vorazmente. Em aItera espa<;ocro­nia, revi-o em peripateticomercio com X que the dizia: "Voc~ precisa botambotar mais alto sobretudo". Eporquex­plicava-lhe como.

34 35

Page 17: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

I

"

NEGATIVIDADES

N ao era navio nem aviao, mas urn meio de transparte terrestre. Nao era de manha nem denoite, mas ao meio-dia. Nao era caduco nem bebe, mas rapaz. Nao era fita nem barbante, mas urn galao tran~ado. Nao era procissao nem mutirao, mas empurra-empurra. Nao era mau nem amavel, mas ranzinza. Nao era verdade nem mentira, mas pretexto. Nem de pe nem de boca, mas querendossentar-se.

Nao era ontem nem amanha, mas para ja. Nem a Luz nem a Central, mas Sao Lazaro. Nem conhecido nem desco­nhecido, mas camarada. Nao e piada nem mentira, mas dica de amigo: nunca acredite em con~elho traduzido.

ANIMISMO

Era uma vez urn chapeu marrom, de feltro mole e abas l'afdas, com uma trancinha em volta para enfeitar, urn chapeu entre outros, cujo destaque aleat6rio era mais devi­do as desigualdades do solo e asua repercussao pelas rodas do veiculo autom6vel que 0 transpartava, a ele 0 chapeu. A ('ada parada, as idas e vindas dos circunstantes causavam Ilde, 0 chapeu, movimentos laterais ocasionalmente assaz pronunciados, 0 que terminou par irrita-lo, ele 0 chapeu. F.xprimiu entao sua ira 16 dele chapeu par intermedio de lima voz nem urn pouco de feltro, e que se the articulava a ele, 0 chapeu, numa disposi~ao estrutural cuja ov6ide de ressonancia, 6ssea, irregularmente perfurada e recoberta com uma camada qualquer de materia animal situava-se sob si, si 0 chapeu. Depois foi sentar-se, se 0 chapeu, sem por nem tirar.

Umas duas horas mais tarde, a pouco mais de metro e meio do nive! do solo, em deslocamento continuo defronte aesta~ao Sao Lazaro, la estava ele, 0 chapeu. Urn desmiolado dizia que devia por outro botao no sobretudo ... Outro botao ... e sobretudo ... dizer isto a ele!. .. E de se comer 0

chapeu! ...

36 37

Page 18: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

ANAGRAMAS

Nos naum roah de soamas urn pito nuds setienveis sona qeu suspoia urn dengar copes<;:o e urn achupe ronado de drodio no gular da tifa, braviga moe urn trouo saposgreia que eel causava de elh espermer de porpisoto. Tendo assim congiranhado, se crepitipa serbo urn algur rilve.

Uma hoar mias dreta, co-neontro no <;:apo de Amor, fedentro Osa Arloaz. Vaseta moe urn picomeanho que hel zidia: "Ovec viade troba sima mu taobo no teu subredoto lJ

DISTINC;OES NECESsARIAS

Num onibus (nao confundir com ninho de obus), eu vi (e nao como veio) urn alto capiau (nao no capim alto) com urn chapeu no cocuruto (nao eurn pe ja no coco bruto) omado de urn fio tran<;:ado (nada de ofldio transado). Ele possuia (mas nao em p6 e osso ia) urn conspicuo pesco<;:o (nao com pico pesco ou co<;:0). Como 0 povo empurrava (distinto de polvo como-o, emburrava), urn novo passageiro (corte nu povo massageiro) deslocou 0 dito cujo (e nao descolou ja 0 dito cu). 0 distinto reclamou (nao clamou retinto disso), mas venda urn lugar vago (antes que lendo urn vulgar alvo), ali se aboletou (nao se Ali the botou).

Mais tarde, dou com ele (e nao vou com mel) defronte aesta<;:ao Sao Lazaro (distinto desta san<;:ao la azaro), falando com urn companheiro (nao falhando come urn cao bronhei­ro) a respeito de urn botao do seu sobretudo (a nao confun­dir com arres, peitudo em botando 0 seu sobre, tudo).

3938

Page 19: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

I ~II \ ,

I,

PAREOTELEUTAS VERS}iO OFICIAL

Urn diulo caniculo no veiculo em que circulo, urn Tenho a honra de informar V. S~ dos seguintes fatos, fanculo com minuscula bula gesticula, a sua mandibula em que pude testemunhar tao imparcial quanta horrorizada­virgula e 0 capitulo ridiculo. Outro sonambulo 0 acula e mente. anula, ele rutil articula, "crapula", mas seus escrupulos dissimula, recula, capitula e arrima la longe seu cu.

Em tardula hula, rumo a estacula Santula Lazula, eu 0

disculo; com urn amigulo, disculia de b6tulas e sobretulo.

Neste dia mesmo, por volta do meio-dia, encontrava-me eu na plataforma de urn onibus que subia a rua de Corcelhas em direc;:ao ao Campeto. 0 dito onibus estava lotado, e mesmo superlotado, e mister assinalar, pois 0 bilheteiro aceitara varios impetrantes em sobrecarga, exorbitando suas func;:oes, ignorando 0 regulamento e frisando a indulgencia. A cada parada, os passageiros, ocupados em tramites ascen­dentes e descendentes tao somente privados, davam azo a irregular empurra-empurra, 0 que foi motivo de protesto, devo acrescentar que respeitoso, por parte de urn probo cidadao veiculado. Edigno de nota que, tendo se revelado urn lugar vago, 0 supracitado encetou ordeiramente a mar­cha que leva-Io-ia a abandonar provisoriamente, segundo os dispositivos em vigor, 0 estado vertical.

Acrescentarei 0 seguinte adendo a este breve relato: tive novo registro ocular do referido cidadao,. nessa ocasiao posterior desinvestido de seu estatuto de passageiro e inves­tindo a via publica em companhia de urn personagem nao identificado. Ambos procediam em contradit6ria direc;:ao e outrossim a uma conversa que, segundo os termos arrola­dos, parecia dizer respeito a questoes de natureza estetica.

Dadas tais condic;:oes, rogo que V. S~ indique a este seu servidor as conseqiiencias a extrair dos fatos, bern como a atitude que vos parecera de born alvitre tomar para que estes

40 41

Page 20: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

~ (

/ I

se repitam, ou nao se repitam, de acordo com as normas gerais de gestao ficcional que orientam a fidedigna escritu­ra<;ao de nossos servi<;:os.

YEXYiCULO DE ORELHA

o celebre romancista X, a quem jii devemos tantas obras, e algumas primas, apresenta-nos desta vez, com 0 brio que sempre deu alento a suas cria<;:6es, a personagens ines­queciveis agindo em ambiente conhecido e situa<;6es ao alcance de todos, jovens ou maduros, remediados ou irre­mediaveis. 0 enredo transporta-nos num onibus onde 0

her6i topa acidentalmente com urn enigmatico personagem que tenta acua-lo em lancinante alterca<;ao, mas uma feliz casualidade evita 0 desenlace extremo. 0 livro apresenta urn fecho de ouro, onde 0 misterioso individuo, em conluio com urn mestre em dandismo, entrega-se a urn vertiginoso dialogo onde aflora toda sua devassidao vestimentar. X sabe como ninguem par-nos em guarda contra os riscos sempre atuais, e por isto mesmo sempre esquecidos, de abrir de­mais: sejamos modestos, fechados e para todos como seu her6i. Uma grande li<;:ao moral! Urn enlevo de escrita buri­lada como urn broche! E, estamos certos, mais urn triunfo de estima publica e critica de X, cuja obra de rara estatura tanto vern nos edificando.

42 43

Page 21: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

1111

IIII

II

III' II II

! II

I

I

:Iil

'I I

ONOMATOPEIAS

N a plataforma, ro<;a ro<;a, de urn 6nibus, bi bi, da linha S que la ia, ssssssss, ja era meio-dia e bern, blem belem, blem belem, quando urn ridiculo efebo, tsc tsc, com urn desses tapa-miolos, ufa, virou-se e disse, hm hm, para 0 vizinho, logo com raiva, rha rha: "Nao vai nem vern, nem no vaivem, tchitchitchira ope, titica, e sem tchitchitchi, senao viro bicho: au". Eo outro: mau. Crau e pimba. Nissa, ve urn lugar livre e bumba, ali poe a bunda.

No mesmo dia, pouco alem, vemvemvem, dou com a mesmo coco oco, toc toe, em companhia de outro efebo, tse tsc, as dais a tagarelarem, tchitchitchi tehatchatcha, sabre botoes de sobretudo (brrr, brrr, mas entao fazia urn friozi­nho do bern born...).

E pimba.

)

44

ANALISE LOGICA

A.

Onibus. Plataforma. Plataforma traseira de urn 6nibus. Lugar. Meio-dia. Aproximadamente. Meio-dia aproximadarnente. Hora. Passageiros. Querela. Urna querela de passageiros. Evento. Mo<;o. Chapeu. Peseo<;o longo e rnagro. Mo<;o pesco<;udo, traneinha no chapeu. Personagem

principal. Basbaque. Urn. Urn basbaque. Personagern coadjuvante. Eu. Eu. Eu. Terceiro personagern. Narrador. Palavras. Palavras. Palavras. a que foi dito. Lugar livre. Ocupado. Urn lugar livre logo ocupado. Resultado. Esta<;ao Sao Lazaro. Urna hora depois.

45

Page 22: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

~

Amigo. Botao. Frase ouvida. Conclusao. L6gica. L6gico.

11'1 I

I

'II

1'1·II,I 1

'I I

I 46

INSISTENCIA

Urn dia, em torno do meio-dia, tomei urn onibus quase lotado da linha 5. No onibus quase lotado da linha 5, jii havia urn jovem assaz ridiculo. 5ubiramos no mesmo onibus e 0 jovem, que tinha subido antes do que eu e jii vinha no onibus da linha 5, quase completo, por volta do meio-dia, ia levando na cabec;a urn chapeu que achei bastante ridiculo, eu que subira no mesmo onibus da linha 5 que 0 rapaz, mas urn pouco depois, urn dia, em torno do meio-dia.

o chapeu tinha em volta uma especie de galao tranc;ado como urn libre, e 0 jovem que estava usando semelhantes chapeu e galao encontrava-se no mesmo onibus que eu, mas tinha subido antes, urn onibus quase lotado, pois era meio­dia. 50b 0 chapeu, cujo galao imitava urn libre, espalhava-se uma cara acompanhada por urn pescoc;o muito, muito comprido demais. Ah! como era comprido 0 pescoC;o do jovem que portava urn chapeu com urn galao em volta, num onibus da linha 5, ao meio-dia daquele dia que podia ser urn dia ou 0 meio-dia de urn dia qualquer!

o atropelo era grande no onibus que nos transportava rumo ao ponto final da linha $, urn dia perto do meio-dia, a'mim e ao jovem que Iii ia levando havia tempo urn pescoc;ao debaixo de urn chapeu ridiculo. Os choques que se produziam acabaram subito provocando urn protesto, protesto esse que emanou do jovem de pescoc;ao na plata­forma de urn onibus da linha 5, urn dia qualquer quase ao meio-dia.

47

Page 23: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

~ ~111"11

Houve uma acusa~ao formulada ern voz umida de dig­nidade ofendida, na plataforma de urn onibus S, par urn jovem usando urn chapeu munido de galao ern toda a volta, e este - 0 jovem, nao 0 chapeu - quase levou urn pesco~ao

no pesco~ao, do ofendido que, de tao ofendido, poderia ter esticado urn pouco mais 0 pesco~ao do jovem alem de dar-lhe urn pesco~ao, mas houve tambem urn lugar vago assim de repente nesse onibus da linha S quase lotado porque era meio-dia ou quase, e 0 lugar foi logo ocupado pelo jovem de pesco~ao e chapeu ridiculo, que ja vinha de olho parque nao queria mais ser espremido na plataforma traseira do onibus S, urn dia qualquer quase ao meio-dia.

Duas haras mais tarde, eu 0 revi defronte a esta~ao Sao Lazaro, 0 tal jovem que j<i vira na plataforma do onibus S, ao meio-dia do mesmo dia, mas tanto fazia. Estava corn urn companheiro do seu estilo, que the dava urn conselho relativo a certo botao do seu sobretudo, e escutava atenta­mente. Quem escutava atentamente, para ser mais claro, nao era outro senao 0 jovem que eu ja tinha avistado e que estava levando urn galao ern tomo do chapeu, na plataforma traseira de urn onibus da linha S quase lotado, urn dia qualquer ao meio-dia, ou quase.

48

NAG SEI DE NADA

Nao vern nao, num to sabendo ... Ta bern, peguei 0 S ao ·meio-dia, sim. Se tinha gente? Ta na cara, que duvida, urn magote, tambem, numa hora dessas, po ... Uns nego ali - era mole? - urn arrastao, mas sem encosto tinha que ser na maciota... Urn cara de chapeu mole? Vai saber. Nao ta nos meus habito encarar barbado. Alias pra mim tanto faz. Fio tran~ado? No chapeu? E, gozado pode ser, ta certo, la pras nega dele, eu por mim nao leva goza~aopra casa... e depois, nao tenho nada corn isso: trancinha no chapeu, nao falta mais nada pra inventarem... Entrou numas com 0

vizinho? E dai? Tern coisa muito piar acontecendo. Se dei com ele de novo mais tarde? Sei la! Num to nem

ai. Acontece de tudo nesta vida... To me lembrando do velho, ele contava sempre que cum ele nao tinha papo ...

49 I

Page 24: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

1

I"

PRESENTE

Ao meio-dia, a canicula estatela os passageiros de oni­bus e estes reagem: trocam mutuos pis6es. Vma pouca cabe<;;a encima urn pesco<;;o de marcada presen<;;a e orna-se com grotesco chapeu, se inflama e come 0 pau. Vivas bocas esquentam as orelhas presentes com injurias atuais, mas logo refresca a bronca, pois a gente se escarrapacha la dentro, em banco e sombra fresca.

Mais tarde acontece que conselhos vestimentares sao veiculados defronte a esta<;;6es com multiplos 3trios, eles concernem urn botao indistinto que dedos pegajosos de suor bolinam de modo ausente.

50

ACONTECENDO

Estou ficando por conta com 0 onibus do Campeto. Ele esta sempre passando lotado de b6is, de bois, velhos,

milicos e mulheres. Vern ficando parecido com saida de jogo de futebol. S6 subindo na marra. Vou logo pagando a passagem para ficar a vontade, encarando os basbaques. Nada de interessante acontecendo, fico me divertindo com pouco, esses caras de pesco<;;ao que andam levando chapeu mole de trancinha. Volta-e-meia vern estourando urn em­purra-empurra no meu-deus-que-isso dos sobes-e-desces. Ando ficando calado, na minha, mas os de cordao vern dando de estrilar com os vizinhos, ficam dizendo sei-la-o­que uns para os outros, s6 estou sabendo que tern se enca­rado fUribundos. Mas depois van logo ficando arreganhados, estao sempre com medo de urn pesco<;;ao nos pesco<;;6es. Ai, van saindo de fininho e se sentando onde e como vai dando.

Sempre que vou voltando do Campeto, ando passando defronte aesta<;;ao Sao Lazaro, onde vern acontecendo umas conversas estranhas entre esse tipo de tipinhos, que ficam apontando 0 indicador para 0 botao la de cima do sobretudo deles. Depois 0 onibus vai indo em frente e nao ando podendo ver mais nada, vou s6 ficando ali na boa, encaran­do 0 teto sem estar pensando em pensar.

51

Page 25: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

II

II

II

PRETERITO

Meio-dia passou. Os passageiros subiram no onibus. Ficamos apertados. Urn cavalheiro de pouca idade portou na cabe<;a urn chapeu envolto em tran<;a a guisa de tira. Ostentou alongado pesco<;o. Queixou-se junto ao vizinho dos golpesque este Ihe infligiu. Assim que percebeu urn lugar vago, precipitou-se sobre ele e ali desmilingiiiu.

Reapercebi-o mais tarde, em frente da esta<;ao Sao Laza­ro. Vestiu-se com urn sobretudo, e urn amigo que se encon­trou ali, passado, fez-lhe uma observa<;ao. Foi preciso supor urn botao suplementar.

. IMPERFEITO

Era meio-dia. Os passageiros subiam no onibus. Esta­vamos apertados. Urn mo<;o levava na cabe<;a urn chapeu que tinha em volta uma tran<;a em vez de tira. Seu pesco<;o era comprido demais. Queixava-se ao vizinho dos esprem6­es que levava. Se percebia urn lugar vago, partia e se sentava.

Mais tarde eu 0 percebia defronte a esta<;ao Sao Lazaro, quando se vestia com urn sobretudo e urn amigo que ia com ele estava comentando que assim nao dava, era preciso que pusesse mais urn botao.

52 53

Page 26: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

i i

:'1:

!I

ALEXANDRINOS

Acalc;ada-se subito urn onibus S Sofrendo 0 sftio preste da turba; tal pes­Te subindo, se desse, por onde se desce E, no sobe-e-desce, eu, sem que nada pudesse Vi-me acuado no fim da plataforma, esse Valhacouto de tipos de reles espede, Dos quais fora conspicuo 0 horrendo espedme Acava despudorada e chapeu cafajeste, . Nao houvera tambem minimo mequetrefe Pisando, mau, seus pes, se - e sempre que - desse Pe, ao sabor do sobe-e-desce, sem finesse, Ate que 0 do chapeu esboc;ou verbal frege Contra 0 vil catatau mas, antes que the pregue o tal boa bolacha, mal disse jei se escafede Ate ao primeiro banco e ali amolece. Voltando para casa, 0 que me acontece? Dou com 0 mesmo tipo em vivida quermesse C'outro dandi da laia: "Caso Ihe interesse, Saiba que seu manto outro corozo padece!", Replicando lesto com lidimo pe De olvido: "Assim e, pois que se the parece".

54 I'll'

POS-ALEXANDRINOS

Urn dia, lei no onibus que rola seu S, Eu vi urn sirigaito que sei da pior es-Pede reclamando, se bern que seu turbante Levasse, em vez de tira, reles barbante. Tal moc;o insfpido, com seu heilito putrido E tamanho pescoc;ac;o, alegava turgido Que outro ddadao, de modo assim ligeiro Dava nos seus costados quando urn passageiro Alc;ava-se ofegante e premido na hora, Esperando almoc;ar em sua casta demora. o triste esporreta caiufora da mutreta Indo sentar-se lei dentro com ar de pateta. Quando estava voltando pra minha casinha lei percebi de longe a feia figurinha Com outro da sua laia, dandi imbedl dando Conselhos de moda: "Seu botao e nefando".

55 I

Page 27: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

JI"""'~

t POLIPTOTOS

Tomei urn anibus cheio de contribuintes que estica­yam sua mfsera contribui<;:ao a outro contribuinte que es­condia sua barriga de contribuinte atras de uma gavetinha que permitia aos demais contribuintes continuarern seu trajeto de contribuintes. Ali notei sobretudo urn contribuin­te para cuja esquisitice contribuiam urn chapeu mole de contribuinte com tal trancinha ern volta como jamais con­tribuinte algum contribuiu para envergar. De repente 0 dito contribuinte interpelou 0 contribuinte vizinho reprovando­lhe arnargamente 0 habito de contribuir para seu mal-estar pisando de prop6sito nos seus pes de contribuinte sempre que outros contribuintes contribuiam para a confusao su­bindo ou descendo do anibus para contribuintes. Depois 0

irritado contribuinte aproveitou a contribui<;:ao do acaso para sentar-se num lugar 'Para contribuintes que vinha de liberar urn contribuinte qualquer.

Algumas horas rnais contribuindo, percebi-o no Pa<;:o de Roma, entao coalhado de contribuintes, ern companhia de outro contribuinte que contribuia para sua eleg~ncia com peritos conselhos sem a menor retribui<;:ao.

;if

APOCOPES

Eu to urn ani Iota. Repa num ra cu pesco e de gira, e que esta de cha com urn cor tran<;:a. E fi bra com ou fula, que acusa de the pi nos pes sem que su ou des al. De foi se sen pois urn lu va.

Volta, dei com e anda de urn la pa ou com urn ami que lhe da conse de elega, e que mostra pa e 0 primei bo do seu sobretu.

56 57

Page 28: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

------

II

~._=.- ----.­

AFERESES

Mei nibus tado. Parei paz jo co<;o ra rata, tava peu dao <;ado. Le cou vo tra lano, cusava sar pre bia cia guem. Pois tar-se gar gou.

Tando, Ie dando do ra tra migo va selhos legancia, trava ra Ie meira tao bretudo.

SiNCOPES

Pguei uonbus cheo djntje. Vi 16gu rpaz de pesco<;om­pridjrati xapeu cocornao tira. Eisi mteu arklama cuotra

babakaprvetava trns<;ao prda ne!. Ensgda sijg6 nu luvago.

Na volprkaz, dei cuel no Pasram, uamigali dad u'a <;ao delgans abrutao.

58 59

Page 29: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

II !Ii

!II

IIII

III

"I

III

III

IIII I

1

:,11

! I

I

I1

I1 II 11

1

IIIII11 I

QUER DIZER, NE

Quer dizer, ne, eu entendo, ne: urn sujeito que se mete a te pisotear, s6 da pra ficar com raiva, ne ... Mas, depois de tanta reclama<;ao, ir assim correndinho sessentar feito urn maricas, nao da pra entender, ne. Quer dizer, acho que foi bern 0 que eu vi, ne, outro dia na plataforma traseira do 5, ne: ca pra n6s, eu achava 0 pesco<;o dele meio comprido, mas a trancinha no chapeu ate que era engra<;adinha. Quer dizer, ne, pro Marcio nao, ne, que eu jamais da minha vida saia com homem estiloso! ... Mas como eu ia dizendo, ne, depois de esgoelar que 0 vizinho estava pisando nele, enfiou a viola, ne, la dentro, ne, quer dizer, assim sem mais nem menos sessentou. Entao ne, nao da, ne, se fosse eu, a bolacha que eu pregava! Quer dizer, ne, na orelha do pesudo.

Ai ne, tern umas coisas engra<;adas na vida, quer dizer, ne, nem da pra contar, quando a gente menos espera, da de cara com 0 demo. Foi, ne, umas duas haras mais tarde e quem e que eu vejo, ne, na frente da esta<;ao?! 0 magricela, pois e, ne, 0 pr6prio! Eu s6 podia, ne, quer dizer, fiquei la escutando os trique-triques que levavam, ele e outro sujei­tinho da mesma laia, que ia dizendo: "Poe mais alto 0

botao". Ai eu olhei bern, ne, par pura curiosidade, quer dizer, ne, era 0 de cima.

EXCLAMAC;OES

Que coisa! meio-dia! hora de pegar 0 onibus! quanta gente! quanta gente! que aperto! gozado! aquele ali! que focinho! e 0 pesco<;o entao! setenta e cinco centimetros! brincando! e 0 galao! 0 galao! ainda naotinha reparado! que gozado! mais gozado ainda! gozadesimo! em volta do chapeu! E agara deu de ralhar! ele! 0 do galao no chapeu! com 0 vizinho! dizendoque?! 0 outro? em cima dos pes dele?! iihhh, vai acabar em tabefe! vai simI como, que nada?! vai sim, garanto! e isso ail mete bronca! vai fundo! chupa 0 olho! desce 0 paul firmer ue... fugiu da rinha ... para se aboletar num cantol"depois de enfezar tanto!

Esta e a maiar! de novo?! e, e ele simI logo ali, olha! na frente da esta<;ao! e, andando para cima e para baixo! com outro fulaninho! no maiar fuchico! ai, vamos ver 0 que e que eles tanto tern para se dizer. .. como?! essa nao! ... que precisa botar mais urn botao! no sobretudo! e!! no dele!!!

60 61

Page 30: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

l!1

ENTAO .. EMPOIADO

1"1.",1

Entao 0 onibus chegou. Entao eu peguei ele. Entao eu .....

A hora em que ja se encarquilha a dedirr6sea Aurora, vi urn cidadao que me chamou a aten<;ao. Entao eu vi 0 galguei, talleste dardo, 0 estribo de urn coletivo transporte, pesco<;ao dele e a trancinha no chapeu. Entao ele come<;ou portento na estatura e fragil nos olhos doirados de neblina, a esbravejar com 0 vizinho que entao pisava nos pes dele. da linha S, de sinuoso trajeto. Agilimo e impavido como

1111\11, Entao foi correndo sentar.

Ai entao eu dei com ele de novo no Pa<;o de ROffia. Entao Peri, preste reparei raparigo em invio pe de guerra. Seu pesco<;o era longalvo como 0 do cisne, e suportava urn elmo

ele estava com urn colega. 0 colega dizia entao pra ele: de m6rbido feltro omado de fulva tran<;a, qUi<;a danic:a "VocE> devia entao botar mais botao no casacao". Entao. heran<;a de sE>niores exercicios de estilo. Afunesta Disc6rdia

de sulfureo ha.lito, estigma do vicio que em sua encapelada boca nao houveram extintoos mais fluoridicos mares de

II dentifricio, a Disc6rdia, la ia eu dizendo, veio insuflar sua

111111111

maligna procela no debil animo do cisnetran<;udo varao, que fero virou-se contra aItero passageiro de farinhoso viso, adere<;ando-Ihe adrede: "Dizei-me pois, homem mau, por que fortuna pisoteais meus artelhos ate que fiquem rubros como verso tinto de sangue?" Tendo assim falado e dito, eelere foi sentar-se em vago lenho.

Mais tarde, na Taba Grecolatina de majestaticas propor­

1,.1 <;6es, azo me foi dado de entrever redobrada vez 0 doce barbaro, que plastico tal cervo por ali passeava em ludica

Iii companhia, indito cacique de mordas que se pronunciava em sua inten<;ao. Nada querendo perder da nomotetica fala, meus afiados auriculos colheram em preste espicho 0 dito alhures endere<;ado, e que de lidimo modo criticava a cons­

I picua tunica do Her6i: "VocE> lograria apreciavel efeito

:111 diminuindo 0 cavadao de sua tanga, mormente pela adi<;ao ou alteamento de urn ebumeo botao de circular periferia" .

62 63

Page 31: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

" Ii

":1

III

Ii II '1

'II

II II

i'l I, 'I

II II

II

,I!

'IIIi 'I

I

IIII

1\

1'1

1\

'I

III

II

IIIII

POVAO

Eram meiudia passada quandu a genti pudemu pega ue<;:i. Ai a genti subimu, juntfrmus caramingua mais u men6 n~in num paga. AI dispois a genti vimuomi gozadu, cum pescos<;:au dipiru i urn fiu nu tapamiolu. Eu oiei ne, pru causa qUi era gozadu quandai dispois u omi puxa briga cu otromi ladu ladu la deli. Ai entau elidi<;:i pru otro ~i voss~ ai 6ia meus pe aqui, tudu i<;:u xoramingando pru causa qui era di proprositu qui eli axava. Mais eli tinhumedau danadu di leva nu qengu. Dai intau eli foi sissenta, tudu orguuiozu. Dispois a genti fumo na estassau compras pa<;:agi pru tr~in

das onse mais tevum pobrema i n6is perdeu utr~in dai qui a genti vimuomi dinovu cuuamigu iu amigu disia a<;:im pra eli: "Bototru botau nu cazacau".

64

,t

~. "

OCORRENCIA

- Nadia da ocorr~ncia, a que horas passou 0 anibus till Ilnha S das 12:23, dire<;:ao Campeto?

- As 12:38.

- Havia muita gente no indigitado anibus? - As pencas.

- Algum elemento particular?

- Urn elemento particular de pesco<;:o comprido e tran­~'il no chapeu.

- A atitude do elemento era tao suspeita quanta a Indumentaria e a anatomia?

- No come<;:o, nao: 0 elemento se comportava normal­mente, mas depois se alterou e foi causa de uma alterca<;:ao que perturbou 0 desenrolar tranqiiilo da viagem.

- Vamos passar a descri<;:ao objetiva da ocorr~ncia.

- 0 elemento em questao teve urn acesso de folia, referido no manual como ciclotimico-paran6ico, talvez sob efeitl.> de estrupafeciente, esmalte de unha ou cheirinho-da­1016. Nao foi possivel proceder averifica<;:ao.

- Seje mais objetivo.

- 0 elemento interpelou urn elemento vizinho com trejeitos de choro e disse que 0 interpelado estava aprovei­tando para pisar proprositadamente nos seus pes sempre que subiam ou desciam outros elementos.

- A declara<;:ao tinha fundamento? - Desconhe<;:o.

- Como se encerrou a alterca<;:ao?

65

Page 32: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

Ii' 'PS llll,

I!II"

!

il::\'\1 _ Com a fuga precipitada do menor, que foi ocupar urn II[ assento vago.

- A alterca<;ao deixou sequelas? 1 - Menos de duas horas mais tarde. COMEDIA

11. \ 11\1

- Em que consistiram? !.!I - Na reapari<;ao do elemento. ,III - Onde e como se passou a ocorrencia? Ato I .1 1

! - Passando no Pa<;o de Roma. I - Qual era a atitude do elemento? Cena I

_ Ia para cima e para baixo, tomando uma H<;ao de

elegancia. Na plataforma traseira de um 6nibus S, meio-dia de um dia _ Escreve af: ocorrencia de somenas importancia. Deixa qualquer.

eu assinar. Porra, ttl atrasado pro meu curso de ikebana. TROCADOR - Passinho a frente, faisfav6.

Espreme-espreme de passageiros.

Cena II

o 6nibus para.

TROCADOR -Espacinho pra desce. Sobimais? Lotado! , I

Tocupau.I

!I, AtoIII'

Cena I

Mesmo cenario.

PRIMEIRO PASSAGEIRO (jovem, pesco(ao, trancinha no cha­peu) - Quer me parecer, distinto, que 0 senhor pisa nos meus pes de prop6sito quando passa alguem.

SEGUNDO PASSAGEIRO (da de ombros) - ...

6766

Page 33: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

1 1 -ill

Cena II,II

Desce outro passageiro. PRIMEIRO PASSAGEIRO (monoiogcmdo em voz alta) - Oba!

Urn lugar vago, ainda quentinho! Na faixa! (dirigindo-se ao publico) - Tal assento fica livre num momento critica, e urn convite ... O que fazer? Ficar no campo de homa, acusta dos meus pes? Subtrair-me as injurias deste cidadao? Sentar ou nao sentar, eis a questao! (hesita, varre 0 palco e a plateia com um olhar agoniado, depois se precipita e toma posse do lugar.)

Ato III

Cena I

Pa(,;o de Roma. UMJOVEMELEGANTE (ao primeiro passageiro, agora pedestre)

- Grande demais a fenda no seu. sobretudo, devia fechar urn pouco, poe mais alto 0 botao.

Cena II

A bordo de um onibus S passando em (rente ao Pa(,;o de Roma.

TERCEIRO PASSAGEIRO (para 0 quarto) - Olhala, e bern 0

sujeito que agorinha mesmo estava as rusgas no meu C'lnibus de ida. Tamanha caincidencia nao pode ser obra do acaso! Vou aproveitar pruma comedia em tres atos.

r~~

, APARTES

o C'lnibus chegou vomitando gente. Se eu peio menos conseguir par 0 pe no estribo ... acabo fazendo um cantinho pra mim. Urn dos passageiros visa mais raro! um pesco(,;a(,;o e esta cara de bostiio estava com urn chapeu de feltro mole contor­nado por uma especie de cordeleta em lugar da tira niio deixa de ser pretensioso e pC'ls-se de repente vixe! quequideu no gajo? a vituperar urn vizinho 0 outro nao dd a minima pro papo dele que acusava de pisar propositalmente parece galinho de briga mas vai ver que e bola murcha nos seus pes. Como vagou urn lugar no C'lnibus quequeu disse?virou as costas e foi sentar-se.

Aproximadamente duas horas mais tarde vai entender tanta coincidencia estava no Pa<;o de Roma com urn amigo empoado com a mesma farinha que indicava urn botao do seu sobretudo pra que tanta peruagem se isto nao vale um tostiio?

68 69

Page 34: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

,........

FANTASMATICO

N 6s, guarda-ca<;a da Planicie Monceu, hemos honra a Va. Sra. relatando por extenso a inexplicavel e maligna presen<;a, a data de hoje, dezasseis de maio do ana da gra<;a de mil setecentos e oitenta e tres, as redondezas da porta oriental do parque de S.A.R. Dao Filipe, sagrado e consagra­do duque de Orleas, qUi<;a Bragan<;a, de urn chapeu mole cuja forma ins6lita vinha envolta em gaHio tran<;ado de muy pouco heraldica aparencia. Ulteriormente, houvemos cons­tatado ainda a repentina apari<;ao de urn mo<;oilo, provido de longo pesco<;o e trajos nunca dantes avistados, ao gosto da China. 0 espantoso aspecto do precitado quidao gelou­nos 0 sangue e obstou-nos a retirada, tao prudente tal fOra. A apari<;ao quedou-se im6vel poucos instantes, ap6s 0 que foi presa de slibito desassossego em cujo curso agitava-se resmungando como se repelira invisiveis incubos s6 a si sensiveis. Sua aten<;ao dirigiu-se entretanto a seu capote, e escutamo-lo murmurar 0 que segue: "Falta botao, falta botao". Em havendo assim falado e dito, arrepiou caminho em demanda a Sementeira. Atraidos, malgrado os naturais receio e recato de vosso servidor, pelo muy extraordinario fen6meno, seguimo-lo para alem dos limites atribuidos a nossa guarda e alcan<;amos, todos os tres, servidor presente mais chapeu e quidao, brumosa e fria estufa assombrada por analogas apari<;6es e, com todo 0 respeito devido a Vossa Alteza e a quinta que e vossa sanctificada propriedade, decerto em pacta com 0 demo pois que, longe de se desen­corajarem, ambos outros dois, com 0 aspecto desolado de

71

PAREQUESE

I

1 '1:\11 Botaram uns bostas abondantes bobeando no onibos

1

1I, 1

11 I que os transbordava na boa bota com os bonus dos bornais

1 '1

l'i"'1 aborrotados. Urn born bota-a-boca-no-trombone esbo<;ou­se quando urn bo<;al de bob6 abominavel se aborreceu com urn probo bobo e botou 0 verba: "Bonito! meu bolo e sob o seu! Bote alem a bota!" Quase acabou em esb6rnia, mas a vibora desbocada, mal deu 0 bote, borrou-se e escaboliu de embocar umas bolachas no rabo, indo aboletar-se num""'III tamborete onde desabou como urn rebotalho.

Ao cabo de umas boas, esborrei com 0 bo<;al em bochi­1

1'\1 cho com outro bobo: "Tobo! Bota 0II'

II11"111I",II"I",!

"' illl ,,1,1,',1 111

il;',!,11 ,

botao no bolso!"

70

Page 35: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

\~II

I'

I'

I'

'I'll

1'1 'II,

i,ll \I:I!II

III

1

I

i

!1

I

I

II

tal sitio, pareciam ali regozijar-se, como plantados pes de couve; para despiste de sua estancia inmunda, houveram inscrito "Fa<;o de Romal! num mura, em marcada blasfemia. o qUidao, recem-chegando, foi galvanizado por nova crise de desassossego, e lacrimejante lamentou-se a couve mais pr6xima: "Ele me espezinhoul!, 0 que dito desapareceram, avante ele, a seguir, 0 chapeu. Com 0 que, eemp6s de muy extenso e reflectido modo haver outrassim relatado, para Vossa ciencia, 0 fen6meno acontecido e sua nao menos extraordimiria liquida<;ao, vou-me deste passo a taverna do Faulistinha para esvaziar urn chopps.

1

I

72'11111111110

',I

~'"'~.•.... ... 'il . '·t>.:."..'·",I

, -.'

FILOSOFICO

A cidade polifonica que se afirma hoje, expandindo para alem do eurocentrismo historista e redutor novos arcanos do inteiramente outra, oferece agenciamentos at6­picos multivocais e multi-sensoriais onde, ja desinvestidos da pr6pria ilusao neurotizante de possessao formal do ser­objeto como unica fonte do desejo, podemos enfim orques­trar series infinitas de rela<;5es cuja fractalidade constitutiva deixa repercutirem, como numa imensa camara eletronica de ecos iconicos, as multipIas instancias do ser p6s-indus­trial, para quem 0 aparente caos videoacustico reveste a forma lUdica da afetividade confluente e da sexualidade plastica como reatualiza<;ao cognitiva constante, muscular e neurolingiiistica, da hist6ria paradamica em sua espiral incessante, angico-Iuciferina, cintila<;5es fugazes onde re­brilham contudo, fazendo estilha<;ar-se em miriades signi­ficantes 0 silencio terrorista da fun<;ao forclusiva, tra<;os da aspira<;ao vocativamente multifacetaria que permite ser ao originario uno tangencialmente conjugado emespezinhan­te atra<;ao pelo baixo dia-a-dia, no que falo comunga e fala, palavra cotidiana de si mesma olvidada, como resgate do alto em vortical avesso. 0 locus muscular privilegiado tor­na-se feixe de enuncia<;5es conceito-afetivas voluntaria e voluntariosamente abertas na aleatoriedade vetorial cUja topologia alternada justap5e uma variedade de expansivas expans5es, universos interiores em convivial secancia peri­odicamente pravavel e holisticamente indeterminada, 0

que permite as maquinas desejoso-desejantes indexadas ao

73

Page 36: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

If

processo formal de traslado meta(eu)forizante as mais po­lissemicas arquiteturas de intra-engrenagem puisomocio­nal, onde a descoberta se alia ao risco sempre presente de uma reciprocidade falha, expressa em proposi<;6es reclusas na 16gica agressiva remanente: estamos ai diante do obvio sintoma de angustia frente adevorante banalidade do sam­bodrama da historia, que afeta os simulacros antropomorfos de forma tanto mais previsivel quanta mais se acentuamI

j suas puls6es estilistico-primarias, aqui sob a forma de mor­bido apendice cervical, acola de fina materia serpentina, como se uma inexoravel for<;a centripeta encerrasse 0 des­ser numa estase modal-representativa, surda a quaisquer potencialidades da supernova catastrofe que nao seus cantos anarm6nicos; e pos-tragico, certo, parodia prenhe de paix6­

IIII,

es patetico-plat6nicas, mas virtualmente condenado a am­bivalencia signica uma vez superado 0 forceps totalitario da "I

1 supera<;ao: amor-odio, amor6dio, amodio esquizicamente 1',1

uns. Na mesma teia epistemica, outro acontecer fortuito e

\1

ii, iluminado pela coruscante brilh~ncia do efemero a ritmar 1

1,1 1

I' o caos urbico em provis6rios ordenamentos de virtuais II' possiveis e de possiveis virtuais, emprestando urn eixo her­IlliII meneutico privilegiado a desconstru<;ao de urn troca-troca "I proposicional entre dois simulacros da mesma farinha, se­1',1'I gundo 0 qual uma fissura estilistica pode, com probabilidade III

significativa, atingir uma solucionatica parcialmente resolu­!II'I toria atraves da eleva<;ao topologica projetada de urn esfe­1

"II r6ide material; em poucas palavras: basta resolver para fechar,

,1 ,1 sobretudo.

II',I!I

;11

11

11 )

1III 74 1

',',\1 1l

ilil I

APOSTROFE

o ~

estilografo platinopenado, que teu agilimo curso trace ligeiro sobre 0 alvo dorso do papiro tais glifos alfabe­ticos que transmitirao aos homens de lunetas faiscantes 0

relato empirico de funesto encontro sob auspicios onibusi­listicos. Fero corcel de rec6nditos sonhos, fiel camelo de meus feitos poeticos, esbelta fonte de vocabulos contados, pesados, triados, descreve pois as curvas metaforicas e me­tonimicas formando os tropos ideogr~micos desta narra<;ao futil e derris6ria onde desfilam fatos e espalhafatos prodi­gados, urn dia no 5, por certo pubescente, oco e retorto, decerto inc6nscio que, pelas linhas tortas da fortuna, meta­morfosear-se-ia ele no heroi que minha pluma anima, por meu labor ingente imortal .

Almofadinha cUjo pesco<;o desmesurado culmina em chapeu conspicuo e galonado, periquito birrento, irado, tu que fugiste arinha e lesto foste depor teu medro fundo em lenho rijo - oprobrio enrubescendo tuas nadegas! - , hou­veras deveras intuido 0 retorico fado a que prometias quan­do, no ferreo logradouro que assaltava peripatetico publico, ouvias a orelhas desfraldadas tal conselho de costura que teu superior botao adrede inspirava?

75

Page 37: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

DESA/EITADO

N ao costumo escrever. Quer dizer, nao sei. Eu bern que gostaria de escrever uma tragedia ou urn soneto ou uma ode, mas tern regras. Elas me atrapalham. Nao e para amadores, nao. Tudo isto af ja esta bern ruinzinho. Enfim. Ainda hoje vi urn caso que eu queria por no papel por escrito. Por no papel par escrito nao e la muito born. Deve ser uma dessas express6es feitas que desagradam aos leitores que leem para os editares que estao procurando a ariginalidade que lhes parece necessaria nos manuscritos que eles publicam depois que eles faram lidos e que eles acharam desagradaveis express6es do genero {{por no papel par escrito", mas nao deixa de ser 0 que eu quero fazer com este caso que vi ainda hoje, se bern que eu seja urn simples amador atrapalhado pelas regras da tragedia, da par6dia e da comectia porque nao costumo escrever. Merda, acabei voltando la para 0

come<;:o, nem sei como. Nao vai dar certo nunca. Azar. Vamos botar 0 preto no branco. Mais urn chavao. E depois o fulano nao tinha nada de preto, senao 0 chapeu maria­rosa-mole. Ah, essa af foi boa. Inesperada. Se eu escrevesse agora: pegaram 0 gostosao pela trancinha e fizeram uma gola de feltro com recheio de pesco<;:ao, e bern capaz que fosse ariginal. Mas nao. E legal, mas incorreto. Eu digo: 0

jovem rapaz tinha uma trancinha, viu 0 anjo, esqueceu tudo e ficou bern; acho que nao e bern original, mas e correto. Talvez eu ainda acabe tomando cha na Academia ou pelo menos sendo convidado para a feira de Frankfurt. 0 que me impede de melhorar, afinal? Eescrevendo que se vira escre­

76

vedor. Essa af e do cacete. Mas sem perder a medida. 0 fulano da plataforma entao ja devia estar par aqui, quer dizer, nao comigo, agora, mas fora de si, e assim que se escreve, quer dizer, e meu personagem, e assim sem mais

'f.\ f,.

nem menos deu de esbravejar com 0 vizinho por causa que, " ele dizia, 0 outro pisava nos pes dele sempre que tinham

II ".1-,

»: que fazer espa<;:o para 0 pessoal subir ou descer. Ainda mais '!~' que, depois de tanta onda, partiu a jato para sentar-se assim

que viu urn lugar livre la dentro, como se tivesse medo de levar uns sopapos. Ah, acabei conseguinto contar, de urn jeito ou de outro, a metade da minha hist6ria. Me pergunto como. Escrever e gostoso. Mas falta 0 mais dificil. A transi­<;:ao. Ainda por cima, nao tern transi<;:ao nenhuma. Chamo o anjo? Emelhor ir parando par aqui.

77

Page 38: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

DESENVOLTO

1

Subo no onibus.

- Vai pro Campeto? - Nao sabe ler? Ele m6i minhas passagens na maquininha que leva na

barriga.

- Tal. - Falo. Olho em volta.

- Escute aqui, cavalheiro. o sujeito esta de chapeu com um fio tranfado.

- 0 senhor nao pode prestar mais aten<;ao? Risco de pescofafo. - Mas assim nao epossivel! La se vai aboletar num banco.

- Que coisa - digo com meus botoes.

2

Subo no onibus.

- Vai pra Contrescarpa? - Nao sabe ler? - Til bern, nao precisa encrespar.

78

~ v;, I

Seu realejo sempre moendo as passagens que ele me devolve moidas com um arzinho superior.

- Tal. - Falo. Passando pela estafiio Siio Lazaro. - Olhala 0 sujeito de agora ha pouquinho. Espicho a orelha. - Voce devia por outro botao no sobretudo ... Mostra onde. - ... decotado demais ...

E como.

- Poize ­ digo com meus boWes.

79

Page 39: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

I

PARCIAL

~I

Depois de uma espera desmesurada sob urn calor do cao, 0 6nibus apontou afinal na esquina e veio frear encos­tadinho a cal<;ada. Algumas pessoas desceram, outras subi­ram: eu com elas, todo mundo de montao na plataforma. 0 trocador espremeu veementemente uma buzina e 0 vefculo retomou a marcha. Enquanto eu destacava do carne as passagens que 0 homem da maquineta ia moer na barriga, pus-me a inspecionar os vizinhos. S6 barbado. De mulher, nem sombra. Que saco, nada de lasquinha. Em volta come­<;ou uma fuzarca e logo descobri a causa: urn moleque de uns vinte ou quarenta anos, usando uma cabecinha em cima de urn pesco<;ao, urn chapelao em cima da cabecinha e uma trancinha das mais traquinas em torno do chapelao, fazia urn berreiro monstro.

Sujeitinho mais barato, disse comigo. o sujeitinho nao tinha a menor compostura. Resolveu

~~II enfezar para cima de urn pobre cidadao que acusou de esmigalhar seus pes a cada sobe-e-desce de passageiros. 0 outro encarou feroz seu focinho, procurando uma replica a altura no repert6rio que ja vinha sem duvida carregando atraves de todas as circunstancias da vida, mas ficou mudD de raiva, perdido no pr6prio arquivo. 0 jovem, temendo uns tapas como resposta, aproveitou 0 assento que a chance viera de deixar em liberdade e aboletou-se precipitadamen­teo

Desci antes dele e nao pude continuar observando seu comportamento. Jei 0 apagara da mem6ria quando, duas

80

horas mais tarde, eu no 6nibus, ele na cal<;ada, demos novamente de cara no Pa<;o de Roma, lamenteivel como sempre.

Caminhava para cima e para baixo em companhia de urn camarada que devia ser 0 professor de elegancia e que o aconselhava, com pedantismo dandesco, a diminuir a abertura do seu sobretudo com urn botao adjunto.

SUjeitinho mais barato, disse com meus bot6es. Depois n6s dois, eu e 0 meu 6nibus, continuamos nosso

caminho.

81

Page 40: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

SONETO

De glabro focinho e coco tran<;ado, Urn chato mocinho de melanc6lico Pesco<;a<;o ia, meridiana c6lica, Tomar urn onibus quase lotado.

Veio 0 primeiro, esse ou talvez urn 5, Cuja plataforma, infimo espa<;o, Portava em seu seio perverso rica<;o Acoplado ao verso de quem pudesse.

o jovem ginifico d'outra estrofe Apostrofa furioso 0 solerte satiro Que, exclama, quer causar-Ihe catastrofe.

P'ra sair do aperto senta-se em vago Lugar. Passa 0 tempo. Em vasto atrio Tal bruto botao diz: "Fecha teu saco["

OLFATIVO

No meridiano S havia, alem do usual odor de povo, odores outros de avo, de polvo, de corvo, de peido, de monge, de pobre diabo, de morto, de grego, de grogue, de flatus voci, de troiano, de aqui-jaz, de butique, de brega-chi­que, de boticario, de banheirinho, de otario, de sagradeivel, alem de urn cheirinho juvenil de pesco<;ao, uma boapers­pira<;ao de barbantinho tran<;ado, uma dose bern .eicida de bronca e urn fedor de covardia constipada tao forte que, duas horas depois, quando passei defronte a esta<;ao Sao Lazaro, ele ainda estava no meu nariz, apesar do disfarce cosmetico, grifado e na moda que emanava de urn batao lei por aquelas bandas, sem faro nem senso de coloca<;ao.

8382

Page 41: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

I GUSTATIVO

A

Onibus tern gostinho. Esquisito mas incontestavel. Cada urn, 0 seu, e quem provou, sabe: basta experimentar. Aquele la, urn S - urn forno ao meio-dia, de ficar de lingua de fora -, para nao fugir da receita, tinha urn que de amendoim torradinho que dava agua na boca. Na fOrma de tras, ja vinha tudo amassado feito pac;oca. Uma comilona que desse as bocas por la teria lambido urn pirulito de uns metro e sessenta, salgado de meia-cura e com pescoc;o de balzaquiano, fino e grelhadinho. De cobertura, urn fio de chocolate tranc;ado de lamber os beic;os. Sem entrar no bolo, degustamos 0 chicle do banana, era massa mas deu no maior abacaxi, com castanhas de irritac;ao, vinhas da ira e bagos de impaciencia coroando 0 pure.·

Duas horas depois, vimos a sobremesa: puro osso ... e tao born: creme e redondinho!

TATIL

A

Onibus sao bons de pegar, maciinhos quando a gente poe no colo e acaricia com as duas maos, da cabec;a as rodas, do motor a traseira. Mas ali na plataforma, logo se percebe uma coisa mais dura, meio fria, e a barra de apoio, a menos que seja· uma nadega, mais arrebitada e elastica. As vezes duas, dai a gente poe nos plurais. Tambem da para pegar num tubo que palpita com muita bobagem dentro, ou numa espiral mais transada que urn terc;o, mais doce que urn chicote, mais aveludada que uma corda. E toda uma arte cutucar, com a ponta dos dedos, a babaquice humana, sobretudo pegajosa de suor.

Mas se a paciencia aguenta duas horas e se enrosca numa estac;ao mal-acabada, e mole botar uma mao boba na fres­cura espessa e subir 0 0550 fora do lugar.

84 85

Page 42: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

VISUAL

Visao de conjunto: verde com teto branco, compridao e envidra<;ado tao bern que nao sou eu quem vai atirar a primeira pedra s6 para estragar. A plataforma traseira sem cor nenhuma, cor-de-gato-pardo, para voc~s verem melhor. 50bretudo cheio de curvas, urn monte de ss como urn violao. Mas ao meio-dia, na famosa hora do olho gordo, e urn pega-pra-capar. Olhando atentamente, e possiv.el recor­tar no magma formado urn retangulo bege, acrescentar urn oval acre e colar par cima urn cone feito a mao, cor-de-bur­ro-fugido, com uma trancinha ab6bora para dar mais efeito. Depois, espalhar meio a olho, onde der, uma boa mancha vermelha para exprimir a disc6rdia e uma cuspida cor-de-ti­tica para a bile recolhida e a caga<;o apavorado.

56 falta te desenhar urn manto roxo bern chinfra e cravar na fenda urn batao de arromba,' bern redondinho.

AUDITIva

Pipocante e estalejante, a 5 veio arranhar a silencioso meio-fio. No alto, a sol a prumo dava a chave. Os pedestres tocavam a musica de sempre, zoando como gaitas em coros lancinantes. Os mais lestos na execu<;ao conseguiram ser transportados rumo ao Campeta, de tao cantantes arcadas. Entre as eleitos arpejantes, figurava uma flauta azeda, arra­nhada pela partitura da vida, cUja coda era uma especie de violino de cordas tran<;adas; as escalas aleat6rias de urn fazedor de cimbalos tinham enfatizado seu ganga com as tonalidades destoantes de urn tuba de clarineta em clave humana. 0 anibus seguia seu moderado andante, e da sua fossa advinha em surdina a toada dos executantes executa­dos pelo calor gritante, em contraponto com as trinados que, a intervalos regulares, esgoelava a trocador atonal e repetitivo, quando alguem por ali deu canja de repente no trombone, e irrompeu uma dodecafanica cacofonia onde as agudos azedos da flauta interpelavam a raiva profunda e cavernosa do contrabaixo: magistral, de par a viola no saxo.

5uspiro, sil~ncio, pausa e sobrepausa: ataca a marcha triunfal de urn batao em vias de passar aoitava superior.

86 87

Page 43: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

TELEGRAFICO

ONIBUS LOTADO STOP RAPAZ PESCOc;AO TRANc;A CHAPEU DISCUSSAO SEM PE NEM CABEc;A STOP QUA­TORZEH PAc;O ROMA C/CAMARADA PAPO MODA STOP CONCLUSAO: BOTAR BOTAO STOP ASS: MERCURIO

88

~. l' }...

j: .!j

~

ODE

A

Onibus meu vii, esse S de tao conturbado trajeto hoje parece uma quermesse - gente saindo pelo teto E mais embarca a todo instanter Urn parasita fura a fila E no chapeu mole, que displante! Leva urn barbante em vez de fita.

A plataforma entra em transe quando ecoa, sem mais aquela, do seu gog6, glabro e gigante, rispido ataque ao matusquela seu vizinho, nada bonzinho, pois aproveitava 0 amasso para pisar no seu pezinho que ja ia virando pac;oca.

Ja na hora da antiestrofe reencontrei 0 lambisg6ia perambulando em plena ap6strofe com seu mentor nessa tram6ia e mal cri no papo entretido

I.; -.1 pelos dois em plena estac;ao,

que conselho mais descabido sobretudo ali, concemindo

urn raio de botao!

89

Page 44: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

""\ ¥l;

PERMUTAC;OES DE GRUPOS DE 5 A 9 LETRAS

Porvo umdia meiod ltado lataf ianap rasei ormat mo­nib radeu muito usnao dopar longe nceus quemo einum repar depes rapaz ongod co<;ol exibi emais chape ndoum isito uesqu barba comum an<;ad ntetr afit oesem. Ntele derepe elouse interp hoacha uvizin estepi ndoque sseusp savano op6sit esdepr equesu osempr descia biamou geiros mpassa. Ourapit abandon discuss amentea rsejoga aoparai garvago remumlu.

Orasma is algu mash revidefr tarde euo a<;ao saol onte a est versando azar ocon ent econh a nima dam eiro quel num compa conselho hed avaum: "Sapor mais vocep reci sobre­tudo umb otao no".

PERMUTAC;OES DE GRUPOS DE 4 A 8 PALA VRAS

Dia ao urn meio-dia, de traseira na plataforma, nao muito onibus urn do longe parque Monceu, urn dei cafajeste com pesco<;o demais de longo, chapeu urn que exibia bar­bante esquisito urn com substituindo tran<;ado a fita. Seu repente, vizinho de interpelou, achando que pisava nos este prop6sito cada pes vez de passageiros desciam ou subiam. Rapidamente discussao abandonou tal ir para urn em lugar vago se jogar.

Horas esse revi tipo eu depois algumas a esta<;ao com conversando animadamente, Sao Lazaro defronte the urn colega dava urn conselhou: "Botao urn mais no precisa par sobretudo voce".

, I

~ it

;>

H I 1

90 91

Page 45: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

/

...-­

CONJUNTOSHELENIsMOs

N urn hiperaut6mato repleto de petrolonautas, fui mar­tir de urn microrama em cronia de metafluencia: urn hipo­tipo icossapigio, que forizava no acme urn petaso periciclado de caloplegma, anatematizou com toda hubris de sua macrotraqueia eucilindrica urn efemero e an6nimo artr6pode, 0 qual, segundo pseudolegomenava, epivedava­lhe os bipodes durante a catabase dos metecos metaforiza­dos. Tao logo euriscopada uma cenotopia, peristrofou-se para ali se catapultar.

Em uma cronia hfstere, estesiei-o defronte ao siderodr6­mico estatma hagiolazarico, peripatando com urn compsan­tropo que the simbolava a metacinese de urn .onfalo esffncter passivo de hip6stase.

Tomemos, no 6nibus S, 0 conju'nto Ados passageiros sentados e 0 conjunto D dos passageiros em pe. Numa parada aleat6ria, encontra-se 0 conjunto P das pessoas espe­rando. Seja Co conjunto dos passageiros que sobem; trata-se de urn subconjunto de P que e ao mesmo tempo a reuniao de C' .:...- 0 conj~nto dos passageiros que permanecem na plataforma traseira do 6nibus - e C 11 - 0 conjunto daqueles que van sentar-se. Demonstrar que 0 conjunto C" e vazio.

Sendo F 0 conjunto dos figurinhas e {f} a interse\=ao de Fe de C', composta de urn unico elemento; a partir de urn fen6meno de espezinhamento secante/ pondo em contato os pes de (sob os de v (elemento qualquer de C' distinto de f>, cria-se urn .conjunto M de palavras emitidas par f. 0 conjunto C" tendo-se tornado nao vazio, demonstrar que ele se comp6e do elemento unico f.

Sejam agora P 0 conjunto dos pedestres presentes de~

fronte a esta\=ao Sao Lazaro; {f, f} a intersec\=ao de F e de P, B 0 conjunto de bot6es do sobretudo de f, B' 0 conjunto das posi\=6es possfveis para os bot6es segundo f. Demonstrar que a inje\=ao de B em B' nao e uma bije\=ao.

9392

Page 46: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

REACIONARlO

o 6nibus chegou, e l6gico, com gente saindo pelo ladrao e 0 intolenivel /lpassinho a frente, por favor" do bilheteiro. Nao fossem a jornada de oito horas e os ign6beis sindicatos, nao haveria tais desmandos. Alem do mais, 0

povo e indisciplinado, ninguem respeita nada neste pais! A prova e que, para acabar com a pouca-vergonha, e preciso distribuir senhas obrigando esta gentalha a respeitar a fila, senao em dois tempos isto aqui virava bagun<;a. Hoje mes­mo estavamos ali esperando, bern uns dez, com urn sol de rachar e ainda por cima 0 6nibus ja chegou lotado, vi logo que nao tinha colher-de-cha, entao resolvi ir dando uns chega-pra-las e berrando /lOficiaU" ao mesmo tempo, nao e atoa que ando sempre com uma carteirinha riscada com as cores nacionais, para impor respeito - funciona sempre, cobrador e bicho burro - e acabei subindo: afinal, nao ia perder meu neg6cio por causa de urn ze-povinho que parece nao ter nada melhor para fazer que peruar na fila. Ja la dentro, tive que ficar na plataforma, apertado que nem sardinha em lata. Uma promiscuidade revoltante! 0 unico consolo e quando aparece uma bundinha bern redonda de ninfeta. Ah, juventude, juventude! ... Mas ali s6 tinha mar­manjo, a come<;ar por urn pilantra de pesco<;ao que levava urn chapeu mole com uma trancinha infame. Deviam botar toda esta corja num campo de concentra<;ao a trabalhar urn pouco, em vez de ficarem por ai se drogando! No meu tempo, a gente sabia 0 que e ser integro, nao tinha essa de rebolar com tanga de oncinha e ficar comendo suchi, sor­

94

r-­I, I 'I 'I

;.

'1 i ,~

vetinho de kivi, que merda e isso! ... ainda por cima, pagam os tubos, e de onde vern tanta grana, hein?! Voc~s podem me dizer?! E a gente aqui pagando imposto, s6 de pensar! ".I' Born, mas 0 tal moleque resolveu, assim de sopetao, destra­tar urn cidadao visivelmente de bern, pai de familia, respei­tavel, vai ver ate que militar. .. e nao e que 0 tal escuta calado eleva 0 desaforo para casa? Nao e por menos que nossos politicos estao ai enchendo os boisos e ninguem diz nada! ... Quanto ao safado, assim que viu urn lugar disponivel, foi-se aboletar sem nem pensar em oferec~-lo a, uma senhora. Onde ja se viu? Que epoca!

Para estragar definitivamente 0 dia, acabei topando de novo com 0 tal ranhento pretensioso no Pa<;o de Roma. Sassaricava por ali em companhia de outro pilantra da mesma laia, que dizia potocas sobre 0 jeito como ia enfar­pelado - em vez de irem apedrejar urn comit~ de esquer­distas e queimar uns livros para botar os baderneiros na linha! Que pais e este?!

95

Page 47: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

determinado fim que nao se encontrava ocupado au preen­

PAI-DOS-B URROS

N urn intervala de tempo carrespondente a duas passa­gens consecutivas de urn dado ponto da esfera celeste pelo meridiana superior au inferior do lugar, par volta da hora au momenta que divide ao meio a dia alumiado, no estrado da retaguarda de urn veiculo autom6velpara transporte publico de passageiros com itinerario preestabelecido cor­respondendo adecima-oitava letra do alfabeto, fixei a vista em urn individuo infame, desprezivel, biltre, canalha, com a parte do corpo que liga a cabec;a ao tronco excessivamente estendida em sentido longitudinal, e expondo uma pec;a de feltro que cedera a compressao, munida de copa e abas e destinada a cobrir a cabec;a, onde urn cordel delgado e entrelac;ado de tr~s au mais madeixas, passando-se alterna­damente a madeixa da direita au da esquerda sabre a(s) do meio, fazia as vezes do tecido reto e fino, de fio natural au sintetico, cuja largura nao ultrapassa, em geral, 40 em, usado para atar, ornamentar, debruar etc. Num dito au ato repen­tina, irrefletido, a individuo infame, desprezivel, biltre, canalha acima dirigiu a palavra a seu limitrofe au confinan­te, demandando explicac;6es, levando em considerac;ao a fato de que a pessoa pr6xima a quem se dirigia estava-Ihe esmagando a parte inferior da perna, articulada com esta e assentando par completo no chao, com suas pr6prias partes, tudo isso intencionalmente e par querer au adnte, adrede. Renunciou ligeiro, em muito pouco tempo, ao vozerio de briga e foi se dar boletos em urn espac;o pr6prio para

96

chido. Urn entre dais au mais mimeros au sinais que nos

quadrantes de rel6gio servem de indicadores depois do tempo pr6prio, conveniente au ajustado, tornei a examinar a individuo infame, desprezivel, biltre, canalha cuidadosa­mente em oposiC;ao ao lugar onde para as trens nomeado, referido, conhecido par Sagrado-Irmao-de-Marta-e-Maria­ressuscitado-por-Jesus. Balanc;ava a corpo, danc;ando au andando com urn que e ligado a outrem par lac;os de amizade que a obsequiava com urn sensa do que convem: "fac;a mudar au trocar mais uma pequena pec;a, quase sem­pre arredondada, que se usa para fechar 6 vestuario, fazen­do-a entrar numa casa au presilha, e tambem como arnato, no seu casadio usado pelos homens sabre a roupa, como protec;ao contra a frio e a chuva; sobreveste, balandrau".

97

Page 48: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

r HAIKU

Eesse 0 S estribo pescoc;ao

rebordosa e retirada botao na moda

estac;ao

HAlKlKAI

o 6nibus chegou Urn carinha enchapelado embarcou

o pau quebrou

Depois na estac;ao Rolou papa de botao

98

VERSOS LIVRES

'" Onibus

cheio

corac;ao

vazio

pescoc;ao

tranc;ado

cordao

transado

pes

chatos

pes pes

de chato

pes pes pes

achatados

pes sobre pes

e 0 escuro encontro no hall da estac;ao, mil

olhos

far6is apagados do corac;ao, do pescoc;o, do cordao, do pe

frio e chato como urn botao.

99

Page 49: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

FEMININO

Bando de palermas! Hoje, la pelo meio-dia (um caloriio, ainda bem que tinha posta um pouco de odorono, seniio 0

vestidinho leve de esta~iio - um tomara-que-caia em organdi, um sonho! e 0 pre~o entiio! quem fez foi ela, a costureira - uma amiga da Calu, se quiserem dou 0 endere~o, ela trab.alha direitinho, num instante e ainda da 0 pano, quase de gra~a, que bobaf), pertinho do parque Monceu (e mais bem freqii.entado do que 0 Luxemburgo, 56 deixo 0 menino ir brincar la porque fica ao lado de casa, mas tambem que ideia ter pelada na sua idadef), 0 onibus passou cheinho, mas fui fazendo charme para 0 trocador e me deixaram embarcar. Naturalmente 0

bando de grosseir6es come<;ou a brandir furiosamente as senhas, mas e eu com isto! a onibus ja ia longe ... e eu dentro. Estava urn horror! Fiquei ali superespremida e ne­nhum dos marmanjos refestelados na cabine pensou em se levantar para me oferecer 0 lugar. Uns cafajestes! Do meu lado, ia urn mo<;oilo caindo de charme (e chiquesimo a tran~a

em volta, em vez de uma fitinha sem gra~a, e depois 0 feltro desestruturado e 0 parde~u verde-limiio-da-China, eu 56 tinha visto na revista anda, tiio primeiro mundo!), pena que 0

pesco<;o era urn tantinho espichado pro meu gosto (a Calu bem que diz que, se um homem tem uma parte saliente - um narigiio, por exemplo, ou 0 polegar - , e que 0 resto ... eu por mim niio acredito muito nessas invencionices ... se bem que, as ve­zes .. .). Aquela simpatia passava 0 tempo todo se remexendo, eu nao entendia porque ele nao tentava logo alguma coisa, urn gracejo, uma casquinha, sei la! Etimido, pensei, e nao

100

estava completamente errada, pois nao e que de repente se meteu a choramingar porque outro homem (um bagulho) estava esmigalhando seus pes de proposito, ele dizia. Se fosse eu, quer dizer, se eu fosse 0 rapaz, metia-lhe a mao na cara, mas 0 paspalho preferiu sair correndo e se aboletou assim que viu urn lugar que, alias, nao pensou nem urn minutinho em me oferecer. a que a gente nao e obrigada a aturar! E no pais do galanteio, ainda por cima! Urn nadinha mais tarde, voltando das Casas Taprati (tinha um colii da Azedinha Laiala, roxinho com petipoas cor-de-jaca e umas meinhas a~ai acompanhando, um luxo! La na aer6bica as peruas viio se babar de inveja, perguntar em que shopping eu fui, mas niio digo nem morta!), la vinha eu passando pela frente da Sao Lazaro (ia sentada dessa vez) quando reparei. ..

· . h , b' " 6' ,adlVm a.... Nossa, que oca, menma .... E, 0 pr pno, so que desta vez urn amigo (um gato, nem te conto!) estava lhe dando (alem de tudo, entendidissimo!) urn conselho de deco­te (mas eu acho que pro veriio um capotinho assim mais cavado, alem de vestir bem, e fresquinho). Eu bern que olhei, fingindo que era por causa do decote, mas vai ver que nem se lembrava de mim, 0 imbecil nao deu a minima! Alias, nenhum dos dois. Quando eu te digo ...

101

Page 50: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

\ \ \

TRANSLA (:A0

Urn diabasio, par voltaismo do meio-navio, no plata­neiceo trasflar de urn onic6lise B, perturbador do parrafar Mondubim, reparti num cafamaum de pesga lonita demao, exigindo urn chapeu-de-coiro com urn barbarense em lu­gente do fiteiro. De repercussivo, interpolou seu voador-cas­cudo, achatando que 0 outubro piscamentava nos seus peadouros de propriaense, sem-sal que subjaziam ou descer­ravam passamanarias. Abanicou rapinantemente 0 disente­rico para se jogralesar em urn lugente veadeirense.

Hordeinas mais tardivagas, na camisa-de-venus para casacao, eu 0 reverbero defumado ao estacionamento Sao Louren<;:o do Ipixuna em animista conversao com urn cole­giense que the dardejava urn consentimento: "porangueiro urn botareu no teu sobrevindo".

102

LIPOGRAMAS

1

o evento se deu com 0 sol no zenite, num onibus de signo S cheio de gente. Presente, entre outros, urn meque­trefe de pesco<;:o compriderrimo, com urn esquisito bone e urn fio entretecido pendendo. De repente, 0 referido resol­veu discutir com 0 vizinho, suspeito de bulir-Ihe os pes melindrosos nos sobes-e-desces do pliblico. Contudo, logo se esgueirou do diferendo, temendo uns pesco<;:6es, e em­preendeu 0 preenchimento de urn sftio disponivel.

Uns bons momentos depois, dei com ele de novo em frente do receptivo ediffcio Bento Leproso, em conspicuo gremio com urn tinhoso de seu pr6prio estofo, cujos des­prop6sitos sobre sobretudos e bot6es escutou embevecido.

2

Urn dia, com 0 sol nos pincaros, subi num onibus da linha S lotado. Ia la urn rapaz com 0 gog6 muito comprido, usando urn tapa-miolos fofo cuja fita fora substituida par urn fio tran<;:ado. Slibito, 0 tal dirigiu a palavra ao vizinho, cuja sanha a plantar os cascos nos sapatos do apostrofador arruinava 0 pouco humor do janota. Abandonou logo a

103

Page 51: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

\ . \ discussao para nao tomar uns tapas, indo ocupar urn posta vago.

Algumas horas transcorridas, vi-o uma nova ocasiao ao longo do logradouro publico Sao Lazaro, caminhando para cima ou para baixo com urn amigo a constatar: "ha muita abertura no casacao, bota ali outro botao".

3

Tudo come<;:ou com 0 sol a pleno prumo, gra<;:as aos ceus logo chegou 0 frescao S, pena que lotado. Dava nos olhos, la dentro, urn tresloucado de pesco<;:o longo em excesso e touca mole decorada com urn cordao tran<;:ado. De repente, 0 escandaloso esbravejou que 0 pobre senhor ao lado massacrava seus artelhos por querer, nos sobes-e­desces dos transeuntes. Contudo, furtou-se em poucos se­gundos a alterca<;:ao, temendo urn tostao na cachola, e aboletou-se logo num lugar vago.

Algumas horas ap6s tal fato, la estava ele de novo perante meus olhos, defronte aest.a<;:ao Sao Lazaro, batendo pernas com urn semelhante que the dava conselhos ultra­aberrantes: "bota outro botao no sobretudo arreganhado".

4

Urn dia, nas cercanias da faixa meridiana, uma jardi­neira da linha S, extremamente cheia, viu-se investida pela expectante leva de variadas classes que insistia em espera-la. Ali se inseriu, entre as demais pe<;:as raras, urn infame rapaz,

104

cuja garganta inenarravel alicen;:ava cabe<;:a e chapeu sem estrutura, em que se exibia uma trancinha nada banal. De repente, semelhante crapula insurgiu-se em reprimendas dirigidas a urn circunstante que, dizia tal impetrante, espe­zinhava adrede seus pes, sempre que subia e descia a rale. Incapaz de levar adiante a rixa, ja que temia a lidima furia de sua incauta vitima, escafedeu-se para derruir sua vasta nulidade em lugar virgem.

Duas horas mais tarde, revi a tal triste figura em frente da gare Saint-Lazare, a caminhar para frente e para tras em presen<;:a de urn pilantra de sua especie que the dizia: "fecha mais tua casaca".

5

o acontecimento referido adiante foi presenciado pOI mim a bordo do transporte coletivo S, indo lotado certo dia sob 0 sol t6rrido. Entre os passageiros espremidos, destaca­va-se 0 singelo exibindo modiglianesco pesco<;:o e tampa na moda, envolta com fio tran<;:ado em vez de fita. De repente, veio a tona 0 protesto irado desse elegante, vitima das insidiosas espezinha<;:6es do velho imbecil ao lado, aprovei­tando os movimentos constantes dos passageiros. Temendo corretivos ainda mais diretos, 0 jovem s6 pode partir em demanda do primeiro banco vazio. , Dois giros mais tarde, reapercebi-o no Pa<;:o de Roma, frente aesta<;:ao Sao Lazaro, em peripatetica disposi<;:ao com tal conselheiro a dizer-lhe em toda amizade: "0 botao de cima deste linda casacao poderia ser ligeiramente desloca­do, para dar maximo valor ao caimento".

105

Page 52: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

~

\\ /

GALICISMOS

Stava puko kaz miDia, y percevejy, na plateforme du

otobus 5, u jen6mi cli gra cu, c6mmu si6luy avesse tirado

ecima, et u chapomil Homado dj cordau tressado. Ece

jen6mi fika suda folil! et akliz assi li Respektabl'messinho

de luy marcha nu zarpiau. Pois senva versu sitio livro.

Mais taRdj, r ec6tro luy na cUr dj R6mm, marchevandu

dj longuem largo cu c6pariero qui luy dizeve: "Vosse devria

fazeRRajunta uotro butau ao teu porcima".

f

• 106

PROTESES

Zum idia, apor svolta pdo emeio-adia, kna cplataforma utraseira ide pum conibus, vnao nmuito elonge zdo wpar­que Ymonceu, treparei cern bum frapaz jde ppesco<;o qlongo sdemais pexibindo pum kchapeu ucom hgaHio gtran<;ado fno elugar wda afita. Lde nrepente, pele minterpelou do yseu avizinho, lachando tque beste ipisava zos kseus opes vde bprop6sito <;cada uvez xque isubiam pou adesciam spassageiros. Xele nabandonou irapidamente <;a ndiscussao spara jir zse tjogar tern rum olugar jvago.

Calgumas hhoras nmais atarde, feu so lrevi ena gfrente <;da besta<;ao Psao Glazaro, bern laminada uconversa<;ao ucom xum kcolega wque olhe pdava dconselhos ya ppro­p6sito bde hum <;botao Ide rseu ssssssssssssssssssssobretudo.

107

i , I '

':

Page 53: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

I

PARAGOGES EPENTESES

Uom dica, poar voluta dio mepio-dita, nua platafora­rna trasegira doe uam oniobus, namo mufito lonage duo paroque Moniceu, rexparei eum uam raspaz die pesuco<;o lonago dembais exhibindo uem charpeu coim uom gaplao tranu<;ado neo lugrar dia ficta. Due respente, elle interape­lou seju virzinho, achanado qui esote pissava oas sexus peis dae prosp6sito cauda veoz quae subpiam onu desociam passangeiros. Ecle abanidou raspidamente tael disecussao parta iar soe josgar earn uom luggar valgo.

Alegumas horpas maxis tarade, exu renvi taol tipco nua frenote dia esota<;ao Suao Larzaro, conuversando animba­damente coem uim corlega quie lhae davra conoselhos sombre uom bostao dio segu sobrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrre­tudo.

Umb diax, pora voltam doc meios-diap, naz platafar­maf traseirar deh umu onibuss, naol muitok longet dar parqueu Monceus, repareio numa rapazx dep pesco<;oh longou demaist.

Exibindoy ump chapeu<; come umi galaox tran<;adol non lugarp day fitax. Deb repentec, interpelouu seul vizi­nhog, achando<; quem estep pisavam-Ihei ost pest deu pro­p6sitoc cadal yeza quer subiamu ouf desciamu passageirosk. Abandonoux rapidamentem tala discussaor paras ira sem jogart emb ump lugare vagoy.

Algumasp harasp maisp tardem euh revis tale tipok na<; frentex dac esta<;aow Saot Lazaroy, conversandob animadamentex coma ume colega quem lhem davap conselhosa sobrer umo botaol doc seux sobretu­doooooooooooooooooooooo.

109 108

Page 54: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

r'~

METATESES

Urn dai, pro votla do meoi-dai, na plafortama traisera de urn 6binus, noa mutio logne do praque Monecu, rerapei em urn cagafeste de pseco<;o logno demias, ebixindo urn cheapu essiquito de brabante tan<;ardo subistitundo a tria. De repnete, intrepelou 0 pagasseiro mias pr6mixo, sbo 0

agrumento qeu etse noa pavara de psiar-lhe os pse de porp6sito dunarte a sibudo e a dedisca de passareigos. Abondanou rampiadente tla dsicussao e fio se alobetar mnu lagur dipsonivel.

Aglumas haors mias trade, vo-i nomavente derfonte a etsa<;ao Soa Larazo, conservando anamido cmo cogela qeu leh vada instur<;6es rosbe 0 gam de abretura do sue sorbe­tUdo.

110

GRAMATICA TRANSFORMATIVA

1 Estruturas frasicas unitdrias

1) 0 6nibus circula, urn incidente se produz entre A e B, logo interrompido.

2) Novo encontro ocorre entre A e C, A escuta uma proposi<;ao transformacional.

2 Regra de expansao

o 6nibus S / lotado / circula urn meio-dia qualquer / perto do parque Monceu / entre Contra-escarpa e Campe­to ...

. .. 0 abominavel boc6 ouvia embevecido potocas que nao valiam urn bot~o / 0 elegante jovem escutava atenta­mente considera<;6es esteticas concernindo seu botao supe­rior.

a. Aspectos seqiienciais:

o 6nibus transporta passageiros / circula com A + B

b. Agenciamentos contexto-senslveis: B pisa em A ¢::> A e pisado por B

c. Segmentar;6es proposicionais comutativas (v. 3a): ... segue-se uma alterca<;ao onde A reclama de B / B e

reclamado por A

111

Page 55: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

""I!f '"

d. Implica(oes de ordem disjuntivo-conjuntivas (v. 5):

Tira 0 pel Mete bronca! Leva a mao! c. Classes menores ou insignificantes: tipinho na moda, velho pamonha, banda de palermas

bestalhoes. f Equivalencias ambigiio-parafrdsticas (v. 3b):

Piou tanto alterado que urn pesco\ao no pesco\ao levar 5 Semantemas transicionais

ia.

Tua fenda e arreganhada. a. Unidades coesivas: pe na rapadura, bolacha no quengo, botao no sobretu~

do. 3 Algoritmos comutativo-proposicionais

b. Unidades coesivas isoladas instintivamente: a. Comuta(oes de alternantes contextuais: mao boba, no que mamae p6s talco ninguem poe a mao. Incidente ¢:::> bate-boca, rebordosa, frege, escarceu, aza­

ro; 6 Morfemas

A ¢:::> tipinho de pesco\ao e chapeu esquisito, rapaz clegante;

B ¢:::> velho matusquela, senhor distinto.

a. Contrito-constrangidos: passa, sassa, rico, Ii, geiro, sapa, pe, no, sapa, to.

b. Criptoconstritores: b. Equivalencias, pardfrases, ambigiiidades: pede, nada, pe de cima, pau, quebra, moleque, de nada,

pesco\ao / bolacha / goela serpentina; coro\o na fenda.

botao / tro\o de osso / buraco que fecha;

alterca\ao / vivido comercio verbal / papa entendido.

4 Formantes auto-significantes

a. Classes de distribui(iio:

B,C,D,D-, com forte predominancia da ultima.

b. Classes nomonominais:

6nibus, rapaz, pesco\ao, senhor / rapaz, senhor, pesco­\=ao.

112 113

Page 56: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

TROCA-TROCA

Urn dia troca ao meio-dia troca na plataforma troca onde fica troca a trocador troca de urn 6nibus troca quase lotado troca, percebi troca urn homem troca de pescoc,;o troca comprido troca que levava troca urn chapeu troca com urn barbante troca em lugar troca da fita. De repente ele troca troca improperios com a vizinho que troca, dizia ele troca, pisava-Ihe as pes troca a cada troca troca de passageiros. Depois foi troca aboletar-se troca num lugar troca vago troca.

Urn pouco mais tarde troca eu a revi troca frente a estac,;ao Sao Lazaro troca em plena troca-troca troca de impressoes vestimentares trocadas troca com urn trocamigo elegante.

NOMES PROPRIOS

N a Carolina traseira do Breda lotado, percebi Olivia palito com seu longo Modigliani e Cartola brega de Fio em vez de Fontenelle. Olivia estrilou de repente porque Pituca pisoteava Tonica e Tinoco sempre que subiam au desciam . Ubiratas. Pepinoalias breve, porque Olivia deixou Chacri­nha de lado e se escafedeu feito Flexa.

Dais bans Horacios mais tarde, vi Olivia de novo na frente de Lazaro com Cicero dando uma de Brummel. Bela conselho: que a outro fosse a]ose Silva para fechar Capotao.

114 115

Page 57: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

LfNGUADOPE

U pum dipia, popor vopoltapa dopo mepeio-dipia, napa plapatapafopormapa trapasepeirapa depe upum opo­nipibupus, napao mupuitopo lopongepe dopo paparquepe Moponcepeu, vipi upum gapajopo depe pepescopo<;;opo copompripidapao copom upum chapapepeu depe capafa­pajepestepe quepe tipinhapa upum copordapao nopo lUpu­gapar dapa fipitapa. Depe repepepentepe, epelepe chipiou copom opo vipizipinhopo, apachapandopo quepe opo tipi­nhoposopo pipisapavapa opos sepeus pepes depe propopo­posipitopo nopos sopobepes epe nopos depescepes dopos papassapagepeiropos. Depeixopou prapa lapa apa dipiscu­pussapao epe fopoi sepe jopogapar nupum lupugapar lipi­vrepe.

Dupuas hoporapas depepopois, depei copom epelepe nopo Papa<;;opo depe Ropomapa bapatependopo apa ma­paior capaixapa copom upum apamipigopo quepe dipizipia paparapa bopotapar mapais upum bopotapao nopo sopo­brepetupudopo.

POUCAS-VERDADES

Meia-noite. Chove. as onibus passam quase vazios. No capo de urn A, la para os lados da Bastilha, urn velhote descoberto e com a cabe<;;a plantada nos ombros agradece a uma dama sentada muito longe dele por ter-lhe acariciado a mao. Depois vai se instalar ereto sobre os joelhos de urn senhor bern no lugar.

Duas horas mais cedo, atras da esta<;;ao de Liao, urn velhote que sem duvida era outro tampava as orelhas para nao ouvir urn vagabundo se recusando a dizer que precisava descer urn pouquinho mais 0 botao de baixo do cuecao.

116 117

Page 58: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

MACARRONICO

Sol stabat in regionem ~eniti et calor atmospheri mag­nissimo. Senatus populusque parisiensis sudebant. Omnibi passabant lotati. In uno ex supradictis omnibibus que S denominationem portabat, hominem quasi junum, cum collo.multissimo elongato et cum chapito a cordicula tres­sata cerdato vidi, cujus insultavit alterum hominem qual proximus stabat: ficast pietinant, inquit, pedes meos post deliberationem animce tuce. Tunc sedem libram vidente, cucurrit lao

Sol duce horce in coelo habebat descido. Sancti Lazari stationem ferrocaminorum passante frentis, junum supra­dictum cum altero ejusdem farince qui arbiter elegantiarum erat et cujus consiliabulus ad propositum uno ex butonis capce junioris scultavit vidi.

DA (QUASE) NA MESMA

Adia para tudo. Ontem vinha nu fresdio esse tal ere Tino como raramente laci viu. Se eu pesco s6 himen sou esta vai-es-pau dando seu coco concha pele em volta 6! Entia esse quesito transa do Enao atira. Subi total cip6s arre damar do vice nhoque eu estava sacana e ando. Disco sao mais breve, po se ele se isca fedeu para sessenta arneis te bao! Colivre.

De pais, na frente desta a<;ao, viI tipo nova mente. Caminha va comum arne goda sua la ia, esse cu 'tando a tento conselho-os de vez tido: "Bota urn botao no teu, sobretudo" .

119118

Page 59: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

PARA as FRANCESES

PAROCH FRCESSEZICH (NE PARIZYEZICH NE

PAOULICHTCH MACH PORTOUGO-CARYOKCH)

EO ll ne be tchign chegadouy janaOU f52 deug meu ali­

vyar52 ou douch djignYrouch. Ssi" meuchmou deou pr kopraou gUi BeRlitzy pr toma oumagOUa dj kok6 cou pachtel you souk6

dj jaboutikouba (sic) cou Mba di m8ssa kitava x6katchi.

Deupoi"ch soubimouch nou8nibouchss 55, disser020u pr

nOlch kikryress nreo ll pag mY passaeejY, y fOl slkoue t-i-dolch diHaR prau pot6 final, outaksy erau dobrau, te kifoi" bratou. Lanouonibouchss i au Rapaz cou pichk8ssou kopridou you

uchpeo euchkizitou odeu oumch treesch soubstchitoui"reou

atchir. Deu reupetchi eli k6meuss6 aRReuklama k6migouy eO

ll

pRegoutey, deupoi"ch dj 6lyanou BeRlitz, "keu ker beu­ber?", mach eli k6tchinou8 aRReuklamay e u dic;:eu ~i": "Oti­mou. EmouYtou mavel d sou parteu. Vir ko mouYtou g8chtou

[prazer]". Eli gritav sfpryeOU, ssouchtadou, dic;:eu: "Dichkoul­

peu. Nctou far)lJ brey pourtoughech. Nreou kopryreedou

[eted6]. J(""ii'tou e moult?" Nou k6meuss6 ache kieli nii'ou

tchign etedjidou, prauke eli mY ssisseta, mach lOgouesseguid

ou6trau, au neugRit", mide-'Oum joYlyady ssimad6 k6RRedu

EOukoua mign bool'ss. dic;:eu, "i vosse, podeu mctdar au

protrau-souk8rrou pr joudar meu?", mach nygue etede°ll

nady eO lI fike la, 'nou nou pot6 final, ou neugRaOU djividjyou

120

-'\ \

a grana couotrauy flaY lapreli b6ta au b6ta°U nerou seYodji

achou kinouchpe, mach nou BeRlitz nerou te achRReupGcht,

la SSG djyz ~i: "vosse fik8 [fike] nou matou c;:e kaxoRRou".

121

Page 60: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

r-',,1/

TROCADILHOS

Dei 0 mia, prol a sumo. Na flataporma daquesse ele ia urn rapa rego de piscoc,;o de peru, des mesurado, e uma fichinha no tapeu chequevava. Imbito suterpelou 0 achi­nho, vizando quejocu 0 0 proposinhava de espesito ao desbirem ou sucerem pastros ousageiros. Rabandonou api­damente 0 arra carrabo e foi se emboletar a urn vagar luzio.

Urn har de poras de pois, 0 pitinho za zava pricama e pro baixa ta no esguao da sacac,;ao Lazao Saro, cufichando como urn quelega codiz ia: "Poe uais mm bonotao e tu sorbe tudo".

BOTANICO

Depois de ficar urn tempao esperando ali plantado como urn pe de couve na estufa, consegui me enxertar numa ab6bora que ia voltando para a horta, lotada as pencas. ]ei tinha lei criado raizes urn aipim deste tamanho!, com a copa amarrada por urn broto de cip6. 0 pepino comec,;ou quando o banana em questao resolveu descascar umas abobrinhas contra 0 maracuja-esquecido-na-gaveta ao lado que, segun­do seu coco pouco adubado, fincava-Ihe batatas nos cantei­ros apenas para deixa-Ios mais vermelhos que pitanga. Uma salada completa, mas antes que a vaca tussisse a serio 0 tal aspargo cortou 0 abacaxi pela raiz, COUl medo de levar uma castanha nos bagos, e lanc,;ou os galhos em busca de nova chacrinha.

Mais tarde, revi-o estacado defronte a Estufa dos Ca­piaus. Uma cana-caiana ent~rrava sua pretensao de vic,;o com uma observac,;ao melosa e infrutifera: "para dar mais troneo, semeie outro grao-de-bico entre a corola e 0 pistilo".

122 123

Page 61: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

MEDICINAL

Devido a uma sessao fon;ada de helioterapia, temi ser posta ern quarentena, mas terminei sendo admitido numa ambulancia que apresentava uma assustadora taxa de entre­vados, onde diagnostiquei imediatamente urn gastralgico corn sintomas de gigantismo obsessivo, padecendo de dis­tensao traqueal e reumatismo deformante da tira do chapeu. Tal cretino teve urn subito acesso histerico, pois urn caco­quimico estava espremendo seu tilo, ocasionando-lhe tur­gesc~ncia e irrita<;ao; ap6s ter dado vazao a sua bile, isolou-se para assentar suas convuls6es.

Mais tarde, frente a urn lazareto, revi-o ern consulta corn urn charlatao a prop6sito de urn furunculo deslocado ern seu plexus.

GASTRONOMICO

Ja corn os miolos cozidos sob urn sol de esturricar, acabei num forno que fervilhava de bagrinhos, como ver­mes ern queijo de muita cura. Naquele pirex, ia afundado ern banho-maria urn pesco<;ao depenado e sem recheio corn uma panqueca na moranga, amarrada corn fio de manteiga. o vitelo desbocado causou grande destempero porque urn tampinha azedo estava fazendo pa<;oca dos seus pes de moleque, sem a menor colher de cha. No meio do cuscuz, largou a bananosa, apimentada demais a seu gosto e, para nao tomar umas bolachas na receita, foi esfriar a massa numa forma dando sopa por ali.

Eu vinha ruminando calmamente de volta quando, na cantina Sao Lazaro, dei corn as costeletas no mesmo maria­mole, que se derretia na maior ferve<;ao corn urn pastel amigo mas, para quem nao tern 0 coco ralado, a marmelada deste ultimo era mais do que clara: fria e descozida.

125124

Page 62: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

ZOOLOGICO

Dentro da gaiola que, na hora da on<;a beber agua, levava 0 rebanho ao Campeto, notei urn cervo com pesco<;o de avestruz que levava nos cornos urn tatu rodeado par uma centopeia. De repente, a vaca foi para 0 brejo; 0 giraffdeo virou bieho, soltando os cachorros para cima de urn pau-de­arara que peruava par ali e the dqva nos cascos mas, antes que 0 bieudo sacudisse suas plumas, 0 galinho fechou 0 bieo e fugiu da rinha,esvoa<;ando feito barata tonta para urn poleiro largado as moscas.

Mais tarde, dei com os burros no Zoo16gieo e revi-o no maiar sassarico, soltando a franga com outro empavoado. Cacarejavam sobre penas na maiar galinhagem.

IN/URIOSO

Depois de uma espera horrenda sob urn sol ign6bil, terminei subindo num 6nibus imundo onde se espremia urn banda de babacas infectos. 0 mais babaca desses babacas era urn espinhento de goela espiehada exibindo urn chapeu grotesco com uma cordinha fresca no lugar da fita. Esse descarado sem-vergonha cismou de esgoelar s6 porque urn panaca pe-na-cova pisoteava-lhe as patas melindrosas com furor senil; mas, como urn born bola-murcha, 0 miseravel desclassificado nao tardou a escafeder-se rumo a urn lugar ainda umido do rabo anterior.

Duas haras depois, climulo do azar, dou com 0 mesmo indefectfvel babaca perorando com outro babaca da mesma laia defronte ao cagalhao Sao Lazaro - nome muito apro­priado. Zoavam par ali a toa, e claro, arreliando outros despreparados, e ainda diziam potocas a respeito de uma inutilidade de botao. Pensei la comigo: "que este babaca encardido ponha seu furunculo mais para cima ou mais para baixo nao vai mudar estritamente nada em sua feiura".

126 127

Page 63: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

IMPOTENTE

Como explicar a impressao produzida pelo contato de duzias de corpos espremidos num 6nibus sob a canicula do meio-dia? Como exprimir a impressao deixada par urn personagem de inefavel pesco<;o, levando urn chapeu cuja fita fora substituida par sabe-se la 0 que, urn peda<;o de barbante talvez? Como transmitir sua impressionante ex­pressao durante uma rusga despropositada, durante a qual lan<;ava injurias sem nome a urn viajante indefinido, alegan­do obscuros motivos? Como traduzir a fuga do inenarravel desordeiro, que tentava mascarar sua covardia indescritivel sob a esfarrapada desculpa de ir-se aboletar, sem razao aparente, num lugar qualquer?

Como formular a surpre~a muda que me causou a rea­pari<;ao imprevista, incontaveis horas depois, do duvidoso personagem frente a local outro tanto, ouvindo uma con­versa mole sobre urn assunto irreproduzivel e que talvez ocultasse obscuros designios?

128

POS-TUDO

A bordo de certo paratodos, urn dia no auge da zenital acidia, espedei a pequena farsa a seguir. Urn rapazote, afligido par infilmavel pesco<;o, seu unico particular dote, levava, para compensar, urn galao redondado pelo coco mole (estilo p6s­visto que invade a midia malgrado minha critica radical). Postextando 0 excesso de entropia em seu torno, interpelou arrogante 0 vizinho, em tropo fisicamente justo mas retarica­mente falacil, penipulado para mascarar sua poltritude e con­sistindo em acusar 0 entornante de expossamente despozar a segunda lei da termodinamica, expozinhando com sistema e metodo seus lustrosos pisantes ao sabor das vagas sucessivas de transeuntes intertrocaveis. Tal pustula engomada, mal tendo e tendo mal expostulado, subtraiu-se ao troco verbal que fatalmente reciprocaria seu retrocessivo ex6rdio e procu­rou a esmo urn nudeo aleat6rio onde atomizar seu assento em tarda e sisuda extudez p6s-tudo.

Discretas revolu<;6es transcorreram antes que minha falofalaz matriz, transportada em transverso senso da urbe, percebesse novo estimulo ficcionante, ao transver 0 inenar­ravel mutante narrativado ao longo deste textfculo. Ele transviava entao, frenetico tal espinado eletron, em torno de uma acumula<;ao critica de rel6gios desviados de seus cr6nicos fins para, em ag6nico repto, expor a inexoJavel banalidade dos temporais construtos ao espanto ag6rico; 6rbita afim seguia aleatoriamente outro divo de sua laia, e aproveitavam para expor paralelas manhas sobre como performar urn botao em alta e, caso sobre, p6r tudo.

129

Page 64: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

PROBABILISTA

Contatos de primeiro grau sao de tal forma numerosos entre os habitantes da megal6pole que nao devem causar surpresa as posslveis frie<;6es oriundas, de carMer em geral geral e sem gravidade.

Urn desses encontros desprovidos de amenidade, esta­tisticamente recorrentes no entorno dos veiculos destinadbs aos transportes em comurn, e especialmente frequentes nos coletivos da regiao parisiense trafegando intensamente nas faixas horarias de trafego intensivo, foi recentemente dado a pliblico sob a forma de urn evento discreto particularmen­te indiscreto, a bordo de urn S e, mais precisamente, na sua plataforma traseira. Urn relata que explicitasse a natureza infima do incidente em questao faria provavelmente injus­ti<;a ao pesco<;o improvavel envolvido, assim como ao as­pecto insignificativo da m6dica tran<;a que vinha amarrando seu espectro.

Duas horas mais tarde, uma ocorrencia altamente im­probabilistica determinou a audi<;ao de urn conselho alea­t6rio, cUjo sentido manifesto fazia apelo a urn negligenciavel botao.

As chances para urn terceiro encontro eram, por assim dizer, nulas, razao pela qual ponderou-se litil fechar 0 relata desses eventos frictivos, cuja signific~ncia ultrapassa a ex­plicita razao, de maneira concorde as ponderadas leis da ponderabilidade socialmente transportada.

130

RETRATO

o estil e urn bipede afetado de longo pesco<;o, que circula pelos 6nibus da linha S em torno do meio-dia. Seu nicho preferido e a plataforma traseira, onele. se instala, desconfiado e ranhento, com a cachola coberta por uma crista envolta por uma excrescencia da espessura de urn dedo, semelhante a urn peda<;o de corda. Seu humor agres­sivo leva-o a atacar sem hesita<;ao os mais fracos mas, se encontra resistencia, pestaneja e foge para 0 interior da toca, onde tinge de morto.

Durante a muda, e visto esporadicamente na zona de estiva<;ao de Sao Lazaro, ainda carregando sua antiga pele de prote<;ao hibernal, agora com fendas maiores para facili­tar a aera<;ao do corpo; tais fendas podem ser remediadas por intermedio de pr6teses bern aplicadas, mas 0 estil nao consegue intui-Ias a partir de sua pr6pria experiencia, e deve ser guiado por outro bipede, de especie aparentada, em seus exercicios prMicos.

A estilografia e urn capitulo da zoologia te6rica e dedu­tiva, e pode ser cultivada em todas as estac;:6es.

131

Page 65: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

GEOMETRICO

Em urn paralelepipedo retangulo que postularemos transportante, deslocando-se num plano euclidiano segun­do a fun<;ao retilinea 84x + S = y, urn hom6ide A, definido

n

par urn segmento cilfndrico de se<;ao l) Iii ' onde li ;=0

indexa a media pescocfnea da popula<;ao hom6ide dada; e limitado superiormente par uma calota esferica, de forma

fi . 000ch + (in)f = , contida entre duas sen6ides de fun<;ao irrelevante, de maneira que 0 raio r = tand esteja a uma distancia hiperb6lica Kd, quando d integra a fun<;ao (1 - ch2r] de 0 ate n, onde n exprime 0 numero de vizinhos,

. "'\ n dch ou seJa: a = 0 1 _ ch2'

Sabendo-se ainda que todos os cfrculos definidos pela somat6ri.a hom6ide transportada no paralelepipedo retan­gulo sao ortogonais ao cfrculo dado, e que representam todos os pIanos perpendiculares ao plano w, projetivo do hom6ide A, e portanto as se<;6es w de todos os planas, definidas linearmente na intersec<;ao com 0 plano hiperb6­lico w) mostrar que 0 ultraparalelisIllo de w, definindo 0 campo do hom6ide A, e de (x, definindo 0 campo do hom6i­de vizinho B, em face da rela<;ao geral detangencia invertida segundo a f6rmula tan 1/2 (II) (d) = pe- d, onde d exprime a dist~ncia entre A e B, imposta pela calota esferica, gera contraditoriamente uma cossecancia radical, trigonometri­

132

camente deduzida no plano euclidii:mo, de maneira que 0 modelo criado nao e nem elfptico, nem hiperb6lico, mas conflituoso au catastroficamente complacente. Determinar em seguida a impart~ncia da catastrofe produzida pela hiperbole irrelevante de A na equa<;ao elfptica de B e a topologia do impacto secante produzido sabre a fun<;ao de apoio de A na intersec<;ao linear do plano w.

Consideremos, agora, 0 encontro aleat6rio do hom6ide A com urn hom6ide hom610go C, gerando 0 seguinte pos­tulado de C sobre A, a prop6sito de sua equa<;ao tautol6gica de abrigo A-: "Em particular, sendo urn plano paralelo a A-, no sentido euclidiano, uma esfera· cujo ponto de contato com A- e 0 limite superior da fenda, estamos em presen<;a de uma horosfera. Alem do mais, esta representa<;ao da horos­fera integral, contribuindo para a integridade global do plano, e isometrica ou fiavel, no sentido em que raios semelhantes da horosfera, medidos segundo os horociclos, demandam segmentos iguais de linha euclidiana para serem cosidos no planoA-. Ou seja, na linguagem da geometria diferencial, a horosfera e uma superficie transportavel ­isto e, desde que a superficie da curva de Brummel-Gauss, tendendo a zero, valha significativamente urn botao!!. De­terminar, agora, a nova topologia da fenda alterada segundo a postulado de C agindo sobre A, em fun<;ao da minima razao conjunta rCA + C) -7 O.

133

Page 66: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

~ .,

SERTANE/O

N onada. Onibus que 0 senhorviu foi a gosto nao, Deus esteja. Povo prasc6vio. Tern de morar longe daqui, na Con­trescarpa, Campo Retado, custante viagem e ainda VaG fu­zuando nas piores esfregas e com ansias de se travarem com os viventes - em endemoninhamento ou com encosto. De primeiro, ali na plataforma, eu fazia e mexia, e pensar nao pensava. Mas 0 diabo vige dentro do homem, e logo a cacharrada em volta pegou a latir. Causa dum bezerro: urn bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser - se viu - ; com vastidao de pesco~o e chapeu de cardao. Agora, 0 senhor ja viu uma estranhez? Enfim, cada urn 0 que quer aprova, 0

senhor sabe: cordao ou cordaes, e questao de opiniaes ...

Do demo? Nao gloso. Pois nao e ditado: - onibus ­"trem do diabo"? Mal haja-me! Sofro pena de contar nao. o senhor entenda: 0 tal mo<;o quis mangar. Agente escutou urn chorinho, atras, e uma vozinha avisando azangada: "0 senhar arrepare! Pes meus nao sao encosto de sua botina! ", que ele dizia ao compadre Quelemem. Eh, 0 senhar ja viu, por ver, a feilira de 6dio franzido, carantonho, nas faces duma cobra cascavel? Mas compadre meu Quelemem repro­vou tanta reprimenda. E, ora veja: a mandioca-brava tam­bern e que as vezes pode ficar mansa, a esmo. Ralho do compadre, tambem, abranda. Se sabel 0 tal mo<;o arrepiou caminho, e foi se estar jazendo em fundo de urn banco, 0

diabo dentro dele dormindo.

Na volta, fiquei pensando. Gosto. Melhor, para a ideia se bern abrir, eviajando em onibus. Hem? Hem? Mire veja:

134

ali, na frente da esta~ao, tern urn sujeito que e 0 mesmo de toda-hora. Nao me assente 0 senhor por be6cio. 0 que mais vejo, testa e explico: todo mundo e louco. Pois essezinho esta com urn compadre que alumia 0 entendimento dele, feUo mostrando 0 que e: capote sem prestimo por car~ncia

de botao. Como e de sao efeito, ajudo com meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. Sou s6 urn sertanejo, nessas altas ideias navego maL .. Eh pois, emp6s, 0 resto 0

senhor prove: vern 0 sao, vern a mao, vern 0 cao, vern 0

botao. Nonada. 0 diabo nao hal Eo que eu digo, se for. .. Existe

e onibus. E botao. Travessia.

135

Page 67: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

r~

)

INTERTEI(OES

Psiu! hal 6i! 6! oba! ei! Oh! Hum! ail ah! ufa! olha! puxa! vixe! hum! p6! bar ui! ugh! pat bua! hein! tcha! tche! hal xi! pit! paf! pof! p6!

Tomal ufa! oh! hum! bern! ail ah! ail born!

136

PRECIOSO

Abordavamos estival meio-dia. 0 sol reinava em todo seu esplendor sobre 0 horizonte de multiplas tetas. 0 asfalto palpitava suave, exalando 0 tenro olor de pixe que sugere aos terminosos doentes talmente ideias, pueris e corrosivas, sobre a origem do mal. Urn 6nibus, cujo signo distintivo ocorria ser urn heraldico S, pleno de enigmas, e coberto por alviverde brasao, viera recolher, nos arredores do parque Monceu, urn pequeno lote de candidatos seletos ao trans­porte, resgatando-os do m6rbido solo aos umidos confins da deliqiiescencia sudoripara. Na plataforma traseira de tal obra-prima infantada por nossa hodierna industria automo­bilistica, comprimiram-se os baldeados como enlatados arenques; la se ia, em seu seio, conspicuo biltre de 6rgao fonador serpentino, cuja trintena aproximava-se a sorrelfa e, nao obstante, manitestava sua cr6nica anacronia por meio de urn chapeu cernido de artesanal cordeleta, inconvencio­nal cobertura asua cabe<;a, decerto mais vaga que os bugres­cos confins, e gracil tal cubica tela tinta por genio desconstrutivo, que subito inflou-se em verbal excurso, onde soavam notas amargas como efluvio de boldo e acidas como a injuria de urn pubico senescente cUjo traseiro e beliscado em mijad'oiro publico e, por extraordinario des­vezo, desaprova tal politica e nao come da mesma farinha, acusando urn fen6meno de repetidas colis6es, ao qual im­putava como origem 0 vetusto cotransportado que se Ihe aVizinhava, de mui honoravel visa e marcante presen<;a mas que, cria, de tal sorte agia impelido par inconfessos desig­

137

Page 68: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

III

I

nios. 0 nefando pubere, lestamente percebendo que a1<;ava­se de consoante maneira 0 desacatado animo em inefavel antipatia, e temendo 0 previsivel desenlace fisico que teria como palco seu serpentino 6rgao, para prejuizo certo deste ultimo, logrou agilima e solerte retirada com inegavel talen­to e acomodou suas amea<;:adas partes em lenho providen­cial.

Em ultero momento, tendo ja 0 sol descido vario degrau na majestosa escadaria do seu pouso ceruleo e sendo eu, altera vez, circulado em contrario sentido a bordo de outro coletivo de identico jaez e percurso, retive a vista 0 perso­nagem dantes descrito, movendo-se de peripatetico modo pelas in6spitas paragens do Pa<;:o de Roma, acompanhado em sua errancia par outro individuo ejusdem farina; que lhe administrava, ignorante ao sitio e a industriosa circula<;:ao, destoante conselho de uma elegancia a somenos altura de urn botao.

138

(( / "\

\

\ \

INESPERADO

Os companheiros estavam sentados amesa do cafe de Flore quando Albert se reuniu a eles. Rene, Robert, Adolphe, Georges e Theodore se entretinham cordialmente.

- E entao, como vao as coisas? - perguntou Robert, saudando 0 recem-chegado.

- Vao indo - respondeu Albert. Chamou 0 gar<;:ao. - Para mim, urn picon - disse, para espanto de Rene,

que nao suportava 0 amargor do aperitivo pedido. - De amargo, basta a vida - refletiu Rene em voz alta. Adolphe interveio na conversa<;:ao: - Entao, Albert, 0 que ha de novo? - Nada de mais. - 0 dia esta esplendido - observou Robert. - Urn pouco frio - replicou Adolphe. - Ah, estou me lembrando de uma coisa engra<;:ada que

vi hoje - exclamou Albert. - Ja eu acho que esta quente - foi a treplica de Robert. - 0 que? - perguntou Rene. - No 6nibus, indo almo<;:ar - respondeu Albert. - Que 6nibus? - perguntou Rene. - 0 Esse. - 0 que foi que voce viu? - indagou Robert. - Passaram pelo menos tres antes que eu conseguisse

meter la dentro meus pes. - A essa hora, nao e nada extraordinario - comentou

Adolphe.

139

Page 69: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

- Enh'io, 0 que foi que voce viu? - Rene voltou a - Dei com 0 cara de novo. perguntar. - Onde? - perguntou Rene.

- Est<ivamos apertados - disse Albert. - Bela ocasUio para beliscar uns traseiros. - Ba! - exclamou Albert. - Nao se trata disso. - Entao conte. - Ia a meu lade urn tipo esquisito. - Como assim? - perguntou Rene. - Grande, magro, com urn pesco<;:o esquisito. - Como assim? - perguntou Rene. - Como se tivesse sido esticado. - Uma elonga<;:ao - observou Georges, sempre preciso. - E 0 chapeu, entao: muito esquisito. - Como assim? - perguntou Rene. - Sem £ita, com urn fio tran<;:ado em volta. - Curioso - disse Robert. - Alem disso - continuou Albert - , rabugento. - Quem? - perguntou Rene. - 0 tal sujeito, e claro! Quem voce queria que fosse? 0

chapeu?! ... - retrucou Albert, truculento. Rene nao deu por isso.

- .,. E logo se p6s a esbravejar com 0 vizinho - Albert retomara 0 relato.

- Por que? - perguntou Rene. - Achava que 0 outro estava pisando nos seus pes. - De prop6sito? - surpreendeu-se Robert. - Deprop6sito - constatou Albert. - E dai? - Dai? Foi simplesmente sentar-se. - E dai? - perguntou Rene. - 0 mais curiosa foi duas horas depois. - Por que? - perguntou Rene.

140

- Defronte aesta<;:ao Sao Lazaro. - Como foi dar com os costados por ali? - Sei la - disse Albert. S6 sei que estava caminhando

para cima e para baixo com urn companheiro que salientava em sua inten<;:ao 0 fato de que 0 botao de seu sobretudo se encontrava urn pouco abaixo do devido lugar.

- Trata-se com efeito do conselho que the dava - disse Theodore.

141

Page 70: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

AGORA QUE VOCES fA LERAM

Luiz Rezende

Nao eo caso de proclama-lo desde ja um classico, desses que a gente mostra aos netinhos, ja que, dizem, ele toma 8nibus.

Jean Queval

Para a reda<;:ao dos Exercfcios, Queneau recorreu a todos as domfnios por onde vagabundeava sua curiosidade. De modo geral, a leitura nao demanda maiores explica<;:oes. E facil, par exemplo, captar as efeitos que busca a autor quando poe em cena tipos sociais; significativamente, entre a primeira reda<;:ao e as posteriores cerzidas de texto, alguns destes cafram fora, como a "Reacionario" e a "Feminino" I

as unicos a mencionar as senhas nas filas de espera e outras indica<;:oes sabre a pratica arte de pegar 6nibus. Foram substitufdos par artiffcios l6gico-matematicos que corres­pondiam melhor ao estilo do autor. Decifra-los, dizem, e brincadeira de crian<;:a, mas como n6s, adultos, muitas vezes ja perdemos a pacH~ncia necessaria, dou aqui algumas dicas de leitura.

Vejamos as "Permuta<;:oes de grupos crescentes de letras au palavras": "Urn dia, por volta do meio-dia, na plataforma traseira de urn 6nibus ..." Vamos dividir a texta em grupos de cinco letras: l)umdia, 2)porvo, 3)ltado, 4)meiod, 5)ia­nap, 6)lataf, 7)ormat, 8)rasei, etc. Agora invertemos: 2 1 4 3

.'1,. 143

Page 71: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

I

6 5 8 7... A ordem de grandeza dos grupos aumenta a cada frase.

o ..Lipograma": antes de ser incorporado pelos oulipia­nos (membros do Ouvroir de Litterature Potentielle, ou "Atelie de Literatura Potencial", grupo fundado por Queneau em 1960, e que incluia, entre outros, !talo Calvino e Georges Perec) 0 lipograma ja fizera as delfcias dos retores alexandri­nos. Quem sabe grego talvez perceba de cara que trata-se de deixar cair uma letra, sem nada a ver com uma nova f6rmula milagrosa de emagrecimento ... senao texticular: fica artificil escrever com uma vogal a menos mas, ja que e assim, escrevamos logo cinco vers5es, cada uma enxuta de uma vogal - foi· 0 que fez Eco, tradutor dos Exercicios para 0

italiano, e resolvi ir na sua cola, achando valida 0 argumen­to de base: radicalizar seus efeitos e a melhor, e talvez unica, fidelidade a tal sucessao de jogos de linguagem.

Queneau tambem adorava metaplasmas, conjunto de operac;5es que afetam fonemas e grafemas de uma palavra, no caso das "Ap6copes" e "Afereses" por supressao. Urn leitor atento talvez perceba que basta somar os pedac;os de umas eoutras para restituir 0 texto. Eu tomei urn 6nibus lotado... A ordem de leitura facilita 0 deslinde comum;sem a referencia das ap6copes, seria virtualmente impossivel decifrar as afereses. E interessante notar que ap6copes e afereses sao recursos espontElneos na passagem do latim as lfnguas neo-Iatinas.

As vezes trata-se de adicionar uma silaba ou letra, em principio sem alterar 0 sentido da palavra, em posic;ao inicial - pr6tese, como 0 conhecido Rrose SeIavy (Avidae Rrosa), de Robert Desnos; intercalar - epentese; ou final ­paragoge. A datilografia e a grande amiga de outra figura, a metatese, que consiste na inversao de silabas ou letras no

interior da palavra. Trata-se de urn fen6meno usual, seja na evoluc;ao hist6rica das palavras, ~eja na linguagem popular, como no caso de pobrema e estrupo. Mais semanticamente marcado do que a metatese, 0 anagrama consiste num rearranjo fonemico muito empregado para salientar "as palavras (dormindo) nas palavras", segundo a f6rmula saus­suriana, ou 0 parentesco de significantes distintos.

As "Sincopes", correspondendo a elisao de uma vogal atona, como no caso do e caduco na pro~6dia francesa ou lusitana, pode ser exemplificada com dois alexandrinos do pr6prio Queneau: "Mais je crains pas tellment ce lugubre imbecile / qui viendra me cueillir au bout de son curdent" (Nao tenho medo nao do lugubre imbecil / que vira me picar na ponta do palito). Nosso malemolente sotaque tupiniquim emprega sistemMicamente as sincopes pra, pruma, cum, dum, duma ou 0 r final dos verbos mas, a parte esses casos, palatalizac;5es como em d(j)ia e t(x)ia, ou ainda os i e u finais bern arrastados, indicam antes uma pros6dia do excesso que urn principio de sincope, de maneira que, traduzidas, nossas "Sincopes" tenham ganho urn ar meia-tinta, mistura de capiau e portugues de botequim, dificil de evitar. .. Atingi­mos aqui urn certo indice de intradutibilidade que reapare­cera com mais forc;a em varios outros exercicios. As supress5es assinaladas, talvez valha a pena insistir, sao for­mas privilegiadas de inflexao dialetal. Para maiores detalhes sobre essas figuras, recomendo vivamente 0 Dicionario de Poetica de Michele Aquien.

A regularidade pros6dica do frances, sistematicamente acentuado no final de cada grupo sintatico e com suas silabas finais Monas nao pronunciadas, eliminando quase

\ todo trac;o oral de genero e numero, permite jogos de linguagem praticamente impossiveis em outros idiomas. I

145144

Page 72: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

Dois enunciados distintos e relativamente complexos po­dem possuir rigorosamente 0 mesmo encadeamento fOnico, e esta propriedade permite 0 mais tipico g~nero franc~s,

conhecido na Renascenc;:a como equivoco e rebatizado de calembour pelo marqu~s de Bievre, urn grande compilador do ludico periodo das Luzes, em homenagem ao abade de Calemberg, her6i popular da tradic;:ao medieval germ3.nica. Todos os diciomirios citam "un effet de l'art" e "un nez fait de lard", respectivamente um efeito da arte e um nariz de toucinho mas, sem a calemburica homofonia, nao tern grac;:a nenhuma. Queneau exerce moderadamente seu talento ca­lemburico em urn exercicio "HomofOnico", inicialmente chamado em franc~s "E quase isso", e aqui "Da (quase) na mesma". Aparte a modesta parafonia que veio substituir a homofonia do exercicio original, este ignora uma regra de ouro do calembour: urn texto em apar~ncia an6dino reme­tendo a urn duplo sentido.

Urn g~nero mais classico e 0 dos Bouts Rimes - "Finais Rimados" - que 0 poeta Dulot inventou em meados do seculo XVII como uma matriz de futuros sonetos. Trata-se de construir versos a partir de rimas impostas numa ordem fixa pela audi~ncia. Os termos escolhidos devem possuir a me­nor conexao 16gica possivel para aumentar 0 efeito de surpresa do poema final. Como v~em, algo semelhante aos desafios de nossos repentistas - La Fontaine e Furetiere brigaram usando finais rimados. Queneau fomece uma versao prosaica do exercicio com suas "Homoteleutas", palavras terminando da mesma maneira. Tonica variavel, g~nero e numero marcados impuseram uma forma portu­guesa de "Parateleutas". As "Parequeses" metem igualmente sob tensao a maleabilidade da palavra, mas trata-se de uma figura rara, que consiste na repetic;:ao ritmica de urn fonema

146

chegando a criar, como aqui, uma sensac;:ao obsedante de ladainha; a notar que 0 fonema retido por Queneau, "bu" [by], organiza 0 efeito em tomo do sintagma central "bus"

- suficiente, em franc~s corrente, para designar 0 parato­dos; em portugu~s, mais uma vez, a variac;:aoacentual im­pediu 0 mesmo procedimento.

o Panurgio de Rabelais ja mostrava que uma simples anti-estrofe separa femme foUe ala messe e femme moUe ala

fesse. A traduc;:ao mulher maluca na missa e mulher de traseiro mole e literalmente enganosa, pois nao da conta da inversao entre f e m que produz 0 duplo sentido. Considera-se em geral que 0 personagem de Rabelais estava criando entaq urn g~nero que se tomaria popularissimo sob a denomina­c;:ao, cunhada no seculo XVIII por Etienne Tabourot num tratado sobre os jogos verbais, de contrepeterie, literalmente a contrapeidac;:ao, nome meio vulgar, mas que deixa claro 0

espirito geral da coisa. Victor Hugo, que considerava 0

calembour "a titica do alado espirito", ficaria ainda mais horrorizado com a contrepeterie. 0 contrapeido parece nosso popular trocadilho, mas nao e: trata-se de uma arte que na Franc;:a se cultiva em familia, de pai a filho. 0 chique do contrapeido e seu ar de nada, mascarando a sem-vergonhice sob a mais an6dina apar~ncia.Abusar do contrapeido acaba virando vicio. 0 contrapeidador inveterado descodifica e recodifica todo e qualquer discurso. Queneau, sem duvida handicapado por suas origens pequeno-burguesas, nao 0

tinha no sangue, de maneira que seu exercicio se contenta em troca-trocar as primeiras silabas de palavras contiguas. Meu "Trocadilho" traduzido tambem nao e dos mais felizes. "Meio-dia, sol a prumo. Na plataforma daquele S ia urn raparigo de pescoc;:o de peru, desmesurado ... "Assim 0 texto fica an6dino como urn born contrapeido, mas falta 0 talen­

147

Page 73: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

to ... Como diz Queneau em seu diario, "nao se deve despre­zar os calembours. Desassossegam farisaismo e pretensao".

As figuras de discurso tambem esUio representadas nos Exercfcios. Alem das formas poeticas fixas que podemos encontrar agui e ali, ha outras, ret6ricas, menos conhecidas, como os "Poliptotos", consistindo no emprego, em grupos frasicos discretos, de varias formas gramaticais da mesma palavra; trata-se portanto de urn caso particular da "Repeti­<;.10", outra figura ret6rica. A "Sinquise", como da para desconfiar, embaralha os termos do discurso.

Ao lado das "odarantes flores ret6ricas", Queneau pra­tica exercicios como a "Transla<;ao", que no inicio imaginei ser uma tradu<;ao macarr6nica, mas consiste em substituir cada palavra de urn texto dado pela setima seguinte no dicionario - usei 0 Aurelio. 0 "Pai-dos-burros", cujo nome em frances - "Definicional" - e mais neutro e menos evidente, consiste em substituir cada palavra par sua defi­ni<;ao dicionarizada. Se no caso da "Transla<;ao" e claro que nem todas as palavras serao substituidas - e preciso guardar pronomes e conectivos para dar cara de escrita -, 0 "Pai­dos-burros" apresenta por seu lado urn limite "definicio­nal", caso contrario 0 jogo substitutivo se toma infinito. Em outros exercicios menos marcadamente oulipianos, como "Em Duplicata", germina a mesma tendencia.

Em Saint-Germain-des-Pres, a filosofia da moda nos anos quarenta era 0 existencialismo. Ficara evidente para todos que exercicios como "Filos6fico" ou "P6s-tudo" se aproximam de n6s, hist6rica e geograficamente. 0 mesmo poderia ser dito de "Gramatica transformativa" ou de "Geo­metrico", igualmente atualizados. 0 espirito adaptativo pre­valece ainda em "Para os franceses", inspirado por urn exercicio de sotaque ingles; 0 metoda utilizado foi uma

148

transcri<;ao fonetica em alfabeto da Berlitz, e 0 resultado devera surpreender os que imaginam que em portugues se escreve como se fala. "Para os franceses (nem parisienses nem paulistas, mas portugo-cariocas)":

Eu nem bern tinha chegado e ja na altandega me aliviaram duns dinheiras. Assim mesmo deu pra comprd urn guia Berlitz e prd tomd um'agua di coco cum pastel e urn suco de jabuticuba (sic) cum baba de mor;a qui tava chocante. Depois subimos nuonibus 5, disseram prd n6is que crianr;a nao paga meia passagem, e toi cinqiienta e dois dolar pru ponto {inal, 0

taxi era 0 dobra, ate qui toi barato. Ld no onibus 5 ia urn rapaz cum piscor;o comprido ium chapeu esquisito onde umas tranr;as substitufam a tira. De repente, ele comer;ou a reclama comigo ieu preguntei, depois de olhd nu Berlitz, "que quer beber?", mas ele continuou a reclama ieu disse assim: "Otimo. e muito amdvel de sua parte. Virei com muito gosto [prazerj". Ele gritava sempre ieu, assustado, disse: "Disculpe. nao talo muito bern portugues. Nao compreendo [en tendo]. Quanto e a multa?"

Born, agora que voces ja estao treinados, podem (re)ler o resto da hist6ria sozinhos.

Ao lado dos jogos ret6ricos e formais, os Exercicios em­pregam tambem doses c6ngruas de par6dia e pastiche lite­rario, que tentei restituir com as armas de nossos plumitivos; no "Sertanejo", por exemplo, lembrei-me de tantos resultados desastrosos nas tentativas caipirizantes, de Balzac a Oswald, e fiz uma colagem "nonadizante" para evitar 0 ridiculo.

Desvios e emprestimos abusivos, pelo menos quanta ao espirito brincalhao que os anima, sao uma natureza primei­ra de Queneau. Victor Hugo, por exemplo, "c'etait l'heure tranquille ou les lions vont boire", talqualmente usada no exercicio "ZooI6gico", parodiada por Zazi, que vai molecar

149

Page 74: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

no museu II a hora tranqiiila em que os vigias vao beber". Tradutores e criticos de Queneau estabeleceram extensos glossarios de cita<;6es e emprestimos mas, para manter 0

espirito da coisa, julguei preferivel, como disse no inicio, lan<;ar mao da materia escrita nacional.

Uma explica<;ao e as vezes necessaria. IIOcorrencia", por exemplo, com seu tom policialesco, sai de urn IIInterroga­t6rio" mais burocratico, que 0 leitor desavisado nao identi­ficaria com plantao de delegacia; mas e assim mesmo: 0

espa<;o cultural frances esta circunscrito por uma certa indi­feren<;a fria e polida que, se nao e burocrcitica, ao menos possUi todas as aparencias; 0 fen6meno vai se agravando porque Paris tern sido esvaziada de povo, virando uma especie de Brasilia com urn setor de neg6cios, e na Fran<;a, extremamente centralizada, tudo passa por ali. Esse buro­cratismo se exprime em fundo jargonante pretensamente tecnico onde todos vao buscar palavras avulsas para seus chav6es, do colarinho branco ao policial, passando pelo encanador. A ocorrencia tern uma especie de contrapartida no IIPapo de Botequim", inicialmente criado como uma alternativa IIrealista" ao dialogo final, IIInesperado". Tradu­zido direitinho, ele ficou com urn jeitao de Sabrina. Acabei cedendo a tenta<;ao de traduzi-Io em bandides ... Mas 0 que voces querem? Inserir exercicios de pr6pria lavra e 0 peca­dilho do tradutor de Queneau.!

Ao lado das referencias climaticas e geograticas - mas Queneau nao se exercitou com elas - , comes, bebes, plantas

1 Eco, par exemplo, faz do "Desajeitado" urn operario, gochista autodidata, deitando sua falac;ao enrolada numa assembleia da Fiat, ate que 0 pessoal "serio", com pressa de deliberar, poe 0 pObre para fara da tribuna; Barbara Wright, a respei tada tradutara inglesa, substituiu urn dos jargoes populares par uma 6pera cockney no melhar estilo dos folhetins de radio.

150

e bichos constituem os mais imediatos fundos expressivos. Arrolando 0 que tinha adisposi<;ao, resolvi ceder ao pecadi­lho mencionado acima, e 0 resultado, alem dos exercicios propriamente transpostos, voces encontrarao ao final, em anexo. Para quem nao gosta de estere6tipo e tern engulho com falat6rio politicamente incorreto, e urn prato cheio ... ou meia-duzia.

Ainda com respeito a adapta<;6es, e claro que os "Gali­cismos" inexistem na edi<;ao francesa, onde constam os previsiveis IIAnglicismos"; a adapta<;ao era 16gica. Outras ocorreram, como em "Fantasmatico". Para dar gra<;a a coisa, valia a pena saber que 0 parque Monceau pertencia, como tudo em volta, ao duque de Orleas, principe do sangue Bourbon, primo de Luis XVI, cuja degola teve 0 mau gosto de votar, na sua condi<;ao de deputado revolucionario, dizem as mas linguas que para abrir caminho a Coroa, a gente nunca vai saber porque em seguida perdeu a pr6pria cabe<;a na guilhotina ... Mas 0 que interessa, aqui, e 0 parque MonCt~u, desenhado, quando loteou suas terras no finalzi­nho do Antigo Regime, com uma serie de IIfabricas" no gosto da epoca, uma piramide egipcia aqui, urn pagode ali, uma ninfeia e urn quiosque de amor acolci. Como 0 parque ainda eXiste, e boa parte das fabricas tambem, e a parada do "S de sinuoso trajeto" fica bern na porta, 0 exercicio tern sua carga de fantasia e fantasma consideravelmente ampliada.

Outras adapta<;6es eram naturais, a meu ver, como em IIFilos6fico" ou "Geometrico"; com efeito, que gra<;a teria parodiar hoje urn jargao existencialis? Penso que, da mesma forma que para os pastiches literarios nacionalizados, a atualiza<;ao par6dica dos jarg6es cientificos e filos6ficos refresca 0 interesse do conjunto.

151

Page 75: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

logos e brincadeiras infantis tambem sao amplamente explorados par Queneau. Alguns deles, como a Lingua do Pe, existem em ambos idiomas. Uma sorte que nao se reencon­tra em jarg6es adultos. Queneau faz usa de varios: urn calao de a<;:ougueiro, outro dos malandros ditos "apaches" da Bastilha dos anos 20, que falavam javanes; infelismente, s6 disponho de uma referenda de brasileiro falando javanes, mas foi num livro e ja morreu. Em outros casas, a orgulhosa Europa e fon;:ada a se curvar ante a genio nacional, como para as Palavras-valise, domfnio em que temos sida muitos fortes, do simbolismo ao concretismo.

No caso dos tempos verbais, as estruturas do frances e do portugues diferem profundamente. Nosso passado com­posta, par exemplo, indica dura<;:ao au repeti<;:ao, do passa­do pr6ximo ate ao presente; nosso presente simples implica estabilidade, enquanto a presente do aqui e agora e sempre composto; a futuro e sempre pr6ximo; a subjuntivo passa­do, em frances marca regional au de gente que exagera e fala bonitinho demais, e devidamente conjugado pelo mais bronco de nossos patricios; sem falar em fenomenos curio­sos, como a emprego usual de "ficar" para exprimir mudan­<;:a de estado ("ficar furioso"). Alem disso, a articula<;:ao dos tempos verbais, em frances, distribui naturalmente as cartas narrativas. Todo mundo sabe, desde a colegio, que a passa­do simples, inexistente na lingua diaria, deve ser empregado no relata escrito de uma a<;:ao passada. Ora, como ele nunca e falado, quase ninguem sabe conjuga-Io, e assim paira urn temor constante de usar a termina<;:ao errada e cair no ridiculo. Queneau brinca constantemente com isso e muitas vezes, ao longo de urn texto, prop6e duas au rnais vers6es diferentes de uma flexao verbal. Nao dispondo de marcas discursivas logicamente distribufdas pelos tempos verbais,

/ ~. \

como em frances, a op<;:ao foi de explorar internamente seu fundonamento.

Outro registro dificilmente traduzivel e a "Utote", dizer a mais pelo menos: marca registrada do espirito frances, essa figura poHica possui certa analogia com a understatement ingles - mas este implica tambem urn tipo especifico de humor, pince-sans-rire em frances; "belisca-sem-rir" desvia a sentido ao magnificar a contraste: uma hiperbole, justamen­te, a grande figura nacional. Para a brasileiro, tudo a que e pr6prio e grande.

o "Desajeitado", acumulando chav6es, repetindo f6r­mulas feitas e insistindo nisso tudo, representa em chave comica a mesmo principia de repeti<;:ao que, na ladainha, tanto martela que termina rompendo a inv6lucro narrativo da linguagem, expelindo-a da hist6ria - sobretudo com H - para urn mundo encantado pelafala, onde "nada muda e nada se passa, senao a reitera<;:ao da f6rmula outrora encontrada, sempre 'perfeita', ja que a foi uma vez", observa Emmanuel Souchier (Raymond Queneau, Paris, Seuil, 1991; p.1S1). Esta rela<;:ao magica das palavras ao mundo abre, no discurso presente, urn sentido profetico onde passado e futuro se conjugam, a que e de uma grande eficacia para diminuir a angustia, mas ao mesmo tempo obstrui - e a pre<;:o - praticamente todo recursa verbal que assode pre­visao e vontade. Queneau tinha consciencia do risco. A entrada' do seu Diario, para S janeiro 1940, indica: "Ontem, durante a missa vesperal, eu divagava sabre a repeti<;:ao: a mundo religioso (e tradicional), que e a mundo da repeti­<;:ao; e a mundo moderno (e dinamico: Bergson, Hitler), que e a do novo, e tende para a mundo browniano e gratuito. Ainda mais: a mundo do prazer e tambem a da repeti<;:ao (e, melhor ainda, a do vicio e da neurose) ..." Repeti<;:ao implica

152 153

Page 76: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

;/ !'\f

, \

) I.

oralidade, e Queneau adorava repetir frases, inteiras e aos pedac;os. Urn passo a frente, tocamos a transmissao oral da tradic;ao, que imp6e formas fixas correspondendo aos "as­pectos concreto-cotidianos da mem6ria, aprender de cor"; por urn desses acasos na evoluc;ao das linguas, n6s, lus6fo­nos, nao temos necessariamente consciencia de que decorar e, antes de mais nada, guardar no corac;ao.

Ora, se a repetic;ao, no que ela possui de mais obsessivo e imutavel, e a mediniea adequada a religiao e a neurose, sua figura ret6riea permite uma arte da fuga onde cada retorno opera infimas variac;6es, malgrado os constrangi­mentos impostos, como se a fala tentasse extrapolar a im­posic;ao dos pr6prios limites para manifestar, justamente, 0

que esta busca jugular - e pouco importa se este dever e imaginario, abusivo, ilus6rio ou nao. "Luis das Cigarras", 0

poeta do romance Longe da Ruela (1944), considera, como seu criador, que saber segurar mijo e lingua, para evitar lugares comuns, e a dupla fonte de toda poetiea produtiva.

Os arrependimentos de Queneau, entre uma edic;ao e outra, varrem as palavras chulas e as formulac;6es onde se manifesta claramente 0 fundo sexual, mas poupam as inu­meras alus6es, disseminadas no texto, por onde 0 nao-dito da hist6ria pode aspirar a expressao. Assim 0 "Precioso", mais uma vez, diz que "nao sou da mesma farinha" que os jovens na moda -, 0 que da, num registro mais informal, "eu nao sou disso". Na epoca de Queneau, ainda se imagi­nava que urn invertido - termo de epoca - andava desmu­nhecando e de passinho curto, como se levasse urn ovo nas coxas, donde 0 gentil epiteto de toutonette, cachorrinha, que, e possivel argumentar, soa menos forte - mas e pro­vavelmente mais derrisivo e brutal- que 0 abrupto "pede" corrente.

Na minha opiniao, 0 "Desajeitado" ocupa, de todos os pontos de vista, urn lugar central; textualmente falando, ele esta bern no meio; estilistieamente, nao s6 apresenta, mais uma vez cravado na mosca, 0 lema"e escrevendo que se vira escrevedor", mas ainda e construido com uma tecniea repe­titiva, de chav6es, arrependimentos e mal-estar, trabalho insano e desesperante, vertigem de escrever, escrever sem­pre para nunca sair do lugar, numa alegoria do artesanato escrito; quanta ao tema, vale a pena saber que, no inicio, a "Ap6strofe" que 0 antecede - onestaldieamente traduzida - fazia corpo unieo com esse desenrolar de inferior calao, e sobretudo que 0 conjunto partia assim: "6 esti16grafo platinopenado, deixa a minha mao seu pouco repousar, deixa-a tal vez livre, que senestro eu [coc;ava a bunda ­riscado] [mexia com a vara - adi(ao intercalar] suspende pois meu estro, que direito possa, por afago f6r, ou meneio bern medido, a calma recobrar que justo implora, em seu ocaso, a pir6quia testa minha". Por essas e outras, 0 pr6prio Que­neau achava seu "Desajeitado" meio lunario.

Souchier ve no exercicio "Inesperado" urn "simbolo de liberac;ao da fala alienada", ja que 0 narrador enfim assume que estava la no saguao da Central, ou algo que 0 valha, peruando - perdao, trocando figurinhas - com urn indi­viduo tao futil quanto ele - perdao, com urn companheiro esperto em moda - eo papo rolava fundo de botao. 0 leitor brasileiro, com a perspicacia que the epeculiar, sem duvida ja tinha sacado ha muito tempo que todo esse palavr6rio, meio do genero "estava la com uma pessoa", era bonitinho demais para nao esconder sua dose de ordinario. Criticos, tradutores e turiferarios de Queneau sempre apontam sua extrema reserva - normando e feito mineiro -, a cuja luz

154 155

Page 77: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

:i

I

I

ilill

ililll

urn batao manifesto s6 pode ser urn espanto. Mas a imagem de suas figuras de estilo, presas produtivas de uma duvida met6diea - frances tern muito disso -, que vao dissemi­nando sentido num longo repetir, Queneau bern sabe que "qualquer texto, mesma urn catalogo do Mappin, pode servir de substrata a uma escrita autobiografiea".

Verter as Exercfcios (me) expunha (a) varios pepinos: tamar inteligivel urn contexta que, ern frances, permitia ao nao-dito encontrar nas entrelinhas sua expressao; levar ern considerac:;:ao a menor policiamento da linguagem no Brasil - tara au vantagem - ; levar tambem ern considerac:;:ao que, pelos tempos que correm, nao se brinca de plataforma sem a consciencia da morte no encalc:;:o - e ern calc:;:as, infeliz­mente: desculpem a mau trocadilho.

Queneau, no unieo trecho publicado de seu diario, cobrindo 1939 e 1940, escreve que a analista tinha tocado no seu virtual (?) homossexualismo, e acrescenta "mas eu nao acredito! Homossexualismo e a disfarce par onde fujo". Na lista dos exercicios nao escritos (v. Anexos), a "Homos­sexual" ocupa posic:;:ao simetrica a do "Inesperado", mas trata-se, e claro, de pura coincidencia. A busca de uma expressao, formal e, senao falada, falavel, para seu cadinho de ideias "elevadas", alem de embaralhar os registros lin­giifsticos convindos, fez outro tanto ern sua pr6pria evolu­c:;:ao. Mal reposto do bloqueio de passagem a idade adulta, tendo gerado urn livro e comec:;:ado uma psieanalise, e acometido de uma crise de asma que dura seis anos, e no

" meio desta se abre uma crise espiritual que dura outros tantos. Momentos semelhantes vao se repetir na decada dos quarenta: mesmo bloqueio; mesmo refugio na imagem, real, inefavel e indecisa; mesma crise de asrna; mesmo ela metaffsico. Dizendo assim, parece claro que a padrao de

156

crescimento possivel apresentava esse que meio artrop6dico de uma boa neurose; de tempos ern tempos, para nao sufocar na carapac:;:a, e preciso parti-Ia ao meio e caranguejar urn pouco sem protec:;:ao, enquanto uma nova se reforma, mas isto se faz corn - e numa - pena que desconhece a palavra: na carne muda, la no amago, na urgencia de aparar as galhos mortos e na impotencia frente a enormidade da tarefa. Se viver ja e dificil, viver assim, corn tanto desgaste psiquico para contrapartida miuda, e uma desgrac:;:a, sem duvida. Mas nao ha desanimar. Outros, ainda rnais amarra­dos pela sorte, souberam concluir que navegar e preciso ... e, quando possivel, deixar urn trac:;:o, diario de bordo.

Queneau mobiliza seu arsenal retorico exasperando a func:;:ao repetitiva, a que the permite acumular efeitos que ao mesmo tempo reconhecem na fala proverbial a matriz linguistica prima e chacoalham-na para romper a casca dura dos lugares comuns que af frutificam e atingir a polpa onde a verba vive. Ora, mais au menos tres quartos de toda lingua sao feitos de sintagmas fixos ou, se preferirem, de urn andaime de expressoes idiomMicas e construc:;:oes verbais corriqueiras que entram nos falantes mais pelos poros do que pela razao. Pode parecer meio assustador para quem acredita, como n6s todos, e claro, na inelutavel marcha do homem rumo a liberdade, pela razao. Ern todo caso, basta remexer urn pouquinho 0 edificio para entrever, nas cartas que caem, materia suficiente para estar no mundo consigo e, ao final do dia, pedir as estrelas que retome 0 sonho. Como voces podem suspeitar depois do que Ieram, preferi reter a principio do chacoalho que me ater a urn temoroso respeito da letra, cujo resultado seria a mutua esterilizac:;:ao.

157

Page 78: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

,1 r-

Caso tenham encontrado algo de que alimentar nossa fala, sinto-me feliz.

£, 0 momento de lembrar como 0 cachorro, vadio em torno do carvalho ­ etimologia e duplo emblema de Que­neau -, late mitido sua fala de consolo: ANEXOS

De taus les coups du sort, rai su faire une fable Le mains devient plus: consolante inversion.

Do fado, fiz fabula; De pouco, muito-E me\o pelo avesso o estro que consola.

Exercicios de Estilo Possiveis Exerdcios Bras.ileiros

Bibliografia

Siio Paulo, setembro de 1995.

~

159158

Page 79: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

EXERCicIOS DE ESTILO POSSiVEIS

A edi<,;ao dos Exercfcios de Estilo ilustrada por Carelman e com tipografia de Massin (v. Bibliografia) compreendia este anexo com varia<,;6es imaginadas por Queneau:

nervoso angustiado espera jovial calembours caligrama dedicat6ria ideias macabras ficha de leitura carta de recusa do editor costura (nomes de vestidos) charada adivinha<,;ao declara<,;ao de amor caolho surdo-mudo cego bebado paran6ico confusao mental delirium tremens regras do jogo carteado

I I '

161

Page 80: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

"~ I

,lei II enigma jogos de espirito carta de insulta carta de protesto anuncio de jornal propaganda lingua de trapo fiscal de rendas critico literario critico teatral critico de cinema colunista social linguagem crua linguagem cozida caos simbolos fabula flares ret6ricas eloqiiencia de catedra eloqiiencia politica distribui<;ao de premios nata<;ao requisit6rio de procurador advogado de defesa anatoras epiforas moralidade medo alegria orgulho tristeza

162

gozado hier6glifos fenomenol6 gico detetivesco palavras cruzadas alitera<;6es colagens lugares comuns proverbios adverbios biol6gico economico sociol6gico qUimico geol6gico aritmetico algebrico analitico topol6gico idiota infantiI sinestesico abstrato fisico frente popular virtudes teologais pecados capitais qUirol6gico profiss6es diversas patol6gico cansa<;o alternativa

163

Page 81: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

eslavismos arabismos antitese oximoro

EXERCicIOS BRASILEIROSelipses anacolutos anominac;6es

Luiz Rezendeanadiplose epanalepse (redditio)

sinereses diereses crases disjunc;6es conjunc;6es homossexual

'Ili

Ii

j 164

I

Page 82: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

PAPO DE BOTEQUIM

A turma tinha tornado umas e outras quando Tiao Medonho deu as caras lei pelo Vermelho e se aboletou com a patota: Macarrao, Dado, Pituca, Ze Vintem, Tita e Capitao.

- E ai, malandro? - Capitao disparou no ato. - Na maiar - Tiao respondeu curto e grosso, gog6 mais

seco que harta de nardestino, e foi logo assobiando pro gan;om: - 6 gente boa, desce ai urn rabo-de-galo ... omi6, urn picao - completou.

Ze Vintem aproveitou a pausa pra lascar: - Mandav~, cara. Kekitei rolando? - Nadinha, mermao. S6 sO ...To mais lisa que pau de

galinheiro. - Tei fazendo urn tempo dupiru - Capitao falou e disse. - Que nada, gonha m6 breu. Aind<r par cima garoando,

urn cu - Tita esquentou. - Tai, chapinha, frio paca... e escuta essa, mo<;;ada: vi

urn lance gozado pra caralho - Tiao come<;;ou seus leros. - To dizendo que tel quente, porra!. - Pituca quis

engrossar, mas ninguem deu bola. - Kekifoi - perguntou Macarrao. - Nubusum, na hora do rango - Tiao soltou. - Qual busum, cara? - Oe<;;e. - Kekitinha? - Pituta foi entrando no papa. - Foda, meu, deixei passar tr€ls antes de consegui po­

ruspe no brute - Tiao chiou. ' ..

167

Page 83: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

\ \

- P6, tambem, 6 cara, vai trampa de arrasto em hora de otario, da nisso. Tern mais e qUE: gramar, amizade - Ze Vintem sacaneou de leve.

- lai, kekirrol6? - perguntou Macarrao. - Tava urn puta aperto - Tiao choveu no molhado. - Born prumas encoxada. - Quale, malandro! - Tiao nao deu moleza. - Mais

par fora que umbigo de vedete. - Deixa barato, mermao - Tita veio pondo pano quen­

teo - Mete bronca. - Do meu lado ia urn panaca esquisito pacas. - Como assim? - perguntou Macarrao. - Quinem presunto esquecido no pau-de-arara. - Sem essa, meu. Vaive era estilha<;:o de placenta ­

Dado lascou. - E a tapa-miolo entao, agora e que t6 lembrando:

esquisito pacas. - Como assim? - perguntouMacarrao. - Molengao, sem fita, com trancinha em volta. - Coisa de viado, meu - Capitao na sua. - Alem do mais - Tiao continuou na maior -, 0 puto

era chegado num bate-boca. - Como assim? - perguntou Macarrao. - Se meteu a esculacha 0 carinha do lado. - Por que? - perguntou Macarrao. - Por causa que 0 outro tava dando uns bieo nele. - Assim sem mais? - Capitao, s6 de pensar, foi fieando

alterado. - Issuai, xara - mandou Tiao pra azara. - Idai? - perguntou Ze Vintem. - Idai? Foi saboleta sem grilo. - Idai? - perguntou Macarrao.

_ Idai?! Idai idai!!. .. Porra, esse Macarrao e foda, mais chato que talharim cum picadinho, ta me dando nusbagu _ 0 Medonho, de Pidio sec~, tava puto pra caralho.

_ Peral, perai; num precisa engrossa - a tribo foi logo tentando amaciar 0 bruta, que meteu 0 berro de volta na cinta.

- Cab6? - perguntaram. _ 0 mais gozado e que dei com os comos dele num

outro lance. _ Ondikifoi? - perguntou Macarrao, sensimanca. - La pras bandas da esta<;:ao. - Kekieli tava peruando por la? _ Vai sabe, malandro. Circulava no maior charo cum

outra figura absurda, botando papa furado. _ Mas 0 panaca entr6 numas de bacana ieomess6 a

canta vantagi, mais cumigu e assim, bateu, levou, ai mandei toma nucu - mandove Pituca, sem vaselina.

169168

Page 84: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

/

/

PISANDO NA JACA

" E, eu sei que futingar e uma boa, mais leve que mergu­lhar na malha<;:ao, mas mal acordo, ja quase duas e, ai que horror!. .. urn homem ali na cama, caida<;:o!. .. aos poucos fui me lembrando que ontem, antes de pisar na jaca, a gente deu 0 maiar esquimbau pra ferve<;:ao que tava rolando, tambem, com urn papo-cabe<;:a daqueles! ... 0 corpinho de melancia nao ajuda, e verdade, geleia de trambolho e born pra coroca desdentada lamber,mas 0 Jil (ou sera ](llio?) e erudito paca! Emuito gente! ... Pra nao falar da ... ai, menina,

.que doce!. .. 0 ](llio (ou sera J~?) faz tao bern e ainda par cima, no meio, fala uma coisas e loisas, ai, nem te conto, totoda arrepiada!!! ... Nada a ver com 0 estilo pao-com-sala­minho, uns petulantes! Ainda ontem, 0 Minino tinha curso de aiquido e nem qUis me choferar, daf fui de S mesmo, no come<;:o tava fula de raiva com aquele marma<;:o de povileu mal-cheiroso, mas na frente do latch limpou a barra, os rocilentos faram la pro morro deles e subiu urn gato que ria, alto e maneiro como eu gosto, tiz as maiores caras e bocas, achando que ia dar arroz, e ele nada! Nem deu bola, s6 pra botar areia no meu creme! Urn picole de xuxu! ...

Eu, par mim, tava pouco ligando, logo vi 0 chapeu fofo, assim desabadinho e com cordao-de-car pra enfeitar, ja tern pelo menos tr~s semanas que ninguem mais usa, e de urn xue! ... Ate pensei que 0 mancebo vinha do Meier, Cascadu­ra, vai ver que par la ainda...

Mas nao e nada disso que eu queria te contar, menina, voc~ fica sempre me tirando do assunto! ... La pelas tantas,

170

o picolE~ resolveu subir nas tamancas e da-Ihe eSt tinha cismado com urn homem, ail ... Menina, eu v- :::rHo, ele arrebatar ate freira, madura<;:o mas enxutesimo, a :::i.!! ... De quadrado feito 0 Cary Grant, com aquela mao p~ Jqueixo fazer cafune no cangote!. .. Puro delirio, claro, i:rn~ u.da de aquele peda<;:o de mau caminho i~ colar na banca ~gma s.e nho, ainda mais comigo ali s6 querendo dar sopa! . 0 talzl­

o Cary, evidente, nem precisou de tabefe pra ~ esbirrento de rabo na cerca ate apagar 0 fogo, bast eter 0

olhada e uma frase do pintoso, aquela fala forte e :rn~u uma menina... S6 de pensar, sinto 0 halito de abaca ~sa, ail hortela entrando ate ... ta born, ta born, sei muito b ~l com nao senti nada, mas tambem nao precisa... que des~m que prazeres, voc~, hein!... ancha-

A Calu bern que disse, quando en contei, "Isso bofe, s6 falta sair quebrando quarto de motel e dan~ que e de pinto em piranha!" 0 Soya

Ai, menin~, quando crescer, quero ser salsicha ., . h , • s6 praeIerne ... mtelnn a....

171

Page 85: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

BRASILEIRINHO

Era mes de lua grossa e ja muita flor estalava de gozo entre 0 folhame do jardim. Como na vespera tinha bebido xispete6 feito gamba de galinheiro e a erva-de-bugre era muita, larguei 0 cabo da enxada e resolvi foliar urn pouco lei para as bandas do parque Monceu. Enquanto esperava 0

S, fiquei olhando 0 ceu que, de lavado e ensaboado, deixava ver todas as pregas na barriga das nuvens. Urn sol de rachar! E eu s6 pensando em azeitar na moringa a goela ressequida.

Afinal 0 maldito pau-de-arara chegou tartarugando. 0 magote de bois de presepio por ali parecia rebanho das Geraes, e logo vi que para ganhar meu lugarzinho ao abrigo do sol nao adiantava dar tapa com luva de pelica, assim que fui entrando firme de sola, de no que de, doa a quem doer. .. e tome sopapo! Sem dar a minima alenga-Ienga do trocador, e apesar do povileu vozeirudo e trapento que ficou na cal<;ada, 5ubi na ra<;a, eu mais urn sUjeitinho enfezado, brandindo carteira de graudo, e uma perua cheia de maH­cias. Uma lota<;ao e tanto! 0 jeito era ter paciencia e cheirar meia hora de sovaco.

As coisas iam cochilando na quentura modorrenta, eu cogitando urn ro<;ar, mas naquela plataforma, fora a perua, assanhada demais pro meu terreiro, nada a ciscar. Me pus entao a assuntar os arredores, urn olho no padre e outro na missa - cara de gente, se nao mata, instrui -, e assim foi que reparei num indio de chapeu e casaca empoleirado por ali, com ar de ser da pei-virada e pronto para as maiores vadia<;6es. De repente 0 botocudo teve tina que 0 vizinho,

colocando as manguinhas de fora, avantajava seu aWlS e virou urn galo de rinha, zurrento como alimaria com mutu­ca e lingua de jararaca, lascando na barba do outro, /IVai debochar da mae, bicho excomungado! Sem pejo maior ainda nao vi! Em vez de colar na minha banca achando que e quitute, vai montar num porco pra ver 0 que e born pra tossel" 0 barricote empapu<;ado respondeu curto e grosso, desconjurando 0 perdido, "Fale rente de mim pra eu conhe­cer a marca da sua cacha<;a! Se nem on<;a-pintada p6de comigo, nao vai ser urn peruzinho da sua laia!! T'esconjun­to, p6-de-traque!!!", eo boca-de-ouro soltou uma tal gran­deza de nome cabeludo na fervura que nao the sobrou sarro na lingua. Eu, como todos, fiquei em cima do muro, s6 apreciando a hora do cascudo na cocadai 0 curto e grosso, alias, era 0 caipira da carteirinha de araque e eu, vendo ate onde ia seu enfezamento, matutei que, apesar dos inconfor­mes do perfil, estava ali urn 6mem com aga, capaz de cometer justi<;a com as pr6prias maos. 0 maroto viu meio tarde que tinha cutucado 0 on<;a com vara curta e que, alem das patas charqueadas, riscava entrar na tosquia, tanto assim que perdeu as sapequices e foi logo enfiando a viola no saco. No entrementes de todo aquele despauterio, urn romeiro apressado tinha largado 0 assento, eo bugre mudou a toada, atarantado, pra ir meter os serpent6es que the assobiavam no peito la em seus negros covis. Foi bern feito: cada macaco em seu galho, e pelo bern de todos dar finalmencia ao caso.

Depois, com minha mania de rabo-de-saia, acabei per­dendo a hora la pelos cafund6s do barracao de ferro. Atarde ainda era crian<;a, mas precisava voltar na asa do primeiro morcego para nao enfarruscar a patroa. Enquanto esperava de novo 0 S, fui tomar urn cafezinho com biscoito de araruta. Malmente tinha embarafustado pelo saguao, cheio

173172

Page 86: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

n

de gabirus afobados, avistei 0 tal bugre dos transportes. Apesar da carraspana, 0 tutameia continuava enfarpelado que nem indio de reserva. Nao gosto de contar diz-que-diz, mas 0 cUjo estava zanzando por ali atoa como se fosse a sua roc;:a, s6 que desta vez ern companhia. Espichei 0 ouvido, tarde demais para saber como 0 pamonha contava suas mazelas, mas ainda ouvi, corn estes ouvidos que a terra ha de corner, 0 cupincha, agourento, dando urn conselho de meia-pataca: "Pra fechar direito, poe mais pluma no cocar"

Confiado assim, s6 amanha.

174

TUPINACARA

Ci, a sol, subia no ceu e ja tacapava a pino. 0 povim da oca, la embaixo, parecia carne bucanada no moquem e, pra nao ficar odara, catava pium. Do Sip6 das onze, coisa rara, nem sinal de fumac;:a. As cunhas iam fermentando feito tacaca no tipiti, e. de humor pititinga, pior que pia comido de quenquem, jandaiavam piranhosas quebrando tiguera no jaca, enquanto os ubirajaras, catingando picuma, pere­recavam ern pe de guerra, contando pau de jacaranda para fazer canoa. Quando 0 S finalmente chegou, foi peteca na pipoca, e sobrou uma pororoca de piquiras na tapera.

Os gabirus iam pendurados ate 0 jirau, que nem jabuti­caba, e 0 cheiro puba do caboreu sumia corn profusao de jurema perfumosa, enquanto 0 silente cip6 seguia a invia trilha dos Timbiras atraves da caa toda caninde, corn muito ipe e enfeite de gravata nos buritis; enquanto a tiribada

. cornia coquinho de bacuri, guainumbi lascava beijinho no inga e tinha urn guarac;:u de panamatingas e panambitangas volejando sem parar. Ia de bebuia 1.1 no S urn curumim taludinho mas todo canhambora, de tanga peba e mocassim na piroca, corado de arac;:a. Era muita ipanemice para pouco cupim, ainda mais que 0 soc6 tinha pescoc;:o de maguari, esticado por urn tapuia qualquer. Tudo jiboiava ern paz como jacare de papo cheio de jau, ate que 0 pac6vio, muito juquiri, desandou numa poranduba completamente irara, e choveu zarabatana verbal no enxu, tanta ariranhice s6 por­que urn caipora meio pororonga cutucava sua cumbuca e butantava seus pes ate ficarem piririca. Guerreiro, gritou:

i

175

Page 87: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

"Ea! Acabou-se 0 que era doce! Naotem mais mingau!" 0 nhamoiquara agredido, apesar do jeito pindaiba, era urn paje dos mais piabas e pbs 0 boboca em seu devido tijuco, respondendo em alto e born nheengatu: "Gi.ie! Sera 0 peri­quito? Indio quer pito! Chega de nhenhenhem! Falei e disse". Como 0 resto dos bravos em volta, pensei que fossem troar as bordunas e fiquei na moita, siriri, mas 0 tamoio, muito bae apesar da caborice, tremia qu~ nem vara de embira por ter caido em arapuca e come<;ou a churumingar. Depois do buei, fechou 0 tuim, pbs 0 uba na tuba e foi sessentar todo jururu numa sibipiruna membeca.

Na mesma aguanxima, quando murucututu ja come<;a­va a decolar, ia eu voltando para minha carioca cheio de pereba na pirera, mas beiju de ter comido bicho bruto (a culpa foi do jaguarete, baita tirica s6 porque pisei na sua cauda enquanto ca<;ava jaburu no massape). Quando passei pelo Capao Bonito, avistei 0 mesmo goiaba ouvindo, todo aiva, balela de urn carai-bebe lei da sua tribo, tintim por tintim: liSe indio quer tanga na tinga, esquece urucu, amassa a<;ai na urupema, azula 0 aipirn e enfeita com botao de tracajei". Gabiroba de botocudo com cipoal de ideia no jirirnum. Born tininirn nao poe guaraporonga no ara<;a. Muito menos azul.

Pipoca aqui, ali; pipoca alem. Desanoitece a manha... Indio mudou, Brasil tambem. Na manha, tanacara. Falei e disse.

176

SAMBA DO CRIOULO DOIDO

Carnaval, esperan<;a, 0 nego Orfeu pega na viola e desce o morro pra entra na dan<;a. Saudosa maloca, lei no sope jei vern afoxe nos z6io da ma, bate uspe no fuzue, tern tata mais ganze, Matita Perere, chega 0 S pra ganza.

Tinha angu de sambeiro lotado de muamba dando canja no ponto, pra nao fica de moqueca a gente fumo entrando de montao, chulipa na chulapa e mucuca no cafofo, sem paga. Curtume e tudo igual. Fora do bonde, a banda dus­bundo faziam 0 maior caxixi na cal<;ada. Ia por ali urn moleque muito zambe, botando panca corn penca di balan­ganda e patua di montao, mais pitomba na cachola e pesco­<;0 de berimbau. Sem dar a minima pro forrobod6, 0 zambo, muito perequete, ia maraqueando urn xaxado tore em ritmo de marcha, xique-xique, xaque-xaque, xeque-xeque, 0 pa­gode era massa, mas de repente zumbiu quizumba no peda­<;0. 0 pe do moleque cortou 0 passo e ele subiu caterete na zabumba, puxando uma doidura de enredo na matraca, tinha inquizilado que urn preto veio e meio bamba aprovei­tava 0 batuque pra lamba sua qUitanda. Tanta milonga, de maxambomba, mais parecia muxoxo de mezinha: 110 negao bo<;al, sai da roda e vai faze cafune lei nu pixaim das suas nega na favela! II 0 caboco sacanudo, atacado que nem gira de umbanda, pbs 0 cachimbo fulero de lade e respondeu com voz de caxambu: "Num sb da sua ra<;a, quimbandeiro de uma ova! Aqui, capangada! Vemu larga 0 dende nesse crioh~u da figa!! Lombo de macumbero s6 amacia com vara de gurumbumba! !!II 56 se via a cor fula da munheca pachor­

177

Page 88: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

-----------------------_....--~=-==~~.~

renta que uotro agitava nervudo, pronto pra ralar farofa. Naquele breque, 0 irmaozinho sentiu que 0 samba adoidava no ar e viu a eoisa preta. Pra nao virar ehiclete de muxamin­go, comer de onc;:a pintaneira, largou 0 sururu e eseorreg6 pra dentro feito quiabo, estic<i as eanela na maior tristura, deixando 0 matusquela sinh6 do forr6.

Quando ja raiava a quarta-feira de cinzas, vinha eu sem eira nem beira, eantando modinha banzeira na minha viola enluarada quando parangolei, no meio do Terreiro de Zesu­minino, 0 mesmo zumbi no maior baiao de dois com outro pamonha do mesmo quilombo, eheio de badulaque e nove horas, que punha arruda no seu jaba: "Preto xiba bota pra zuza". 0 teu eabelo nao nega, mulato ...

Quando vern earnaval, gato que ri vira eouro de euica. A eambada bate eaixa, nem ai pra urueubaea, agogo entra no aue e logo:

DAsAMBA

·1<1 vern 0 S das onze, amor, eu nao posso mais fica, sou feito maraeana desplumado, se nao bieo longe fico sem arroz e caramingua (bis)

v6 de estribo sem paga, vern do lado urn almofada . pe de valsa e voz de fada mais bom de farra e pesco(iio (bis)

num espera nao (bis) n6is eai na danc;:a sem tarda, vai zabumba no bonde a balanc;:a, reeo-reeo no eoreto, vern ganze nao sei de onde e eu relanc;:o 0 lundu,

mas corta 0 breque do cara-de-pici (bis)

o vozinha de sissi diz que 0 vizinho, bafo de pinga e earaeu, ta afim dusseuspe pisa s6 pra sacaned (bis)

mais n6is tudo sabe a onda (boquinha de siri)

179178

Page 89: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

que ele vern e vai na ronda bate caixa da 0 mi

(retrao) samba aqui, pega no ganza, td chegando a hora, o S na avenida vai entra e na plataforma

S samba come<;:a a rola

180

-------------------------------------------.__ ....

BIBLIOGRAFIA

A obra de Queneau encontra-se integralmente disponf­vel nas edi<;:6es Gallimard, ern sua Bibliotheque de la Pleiade (1990). A mesma editora publica edi<;:6es de bolso de seus livros, induindo Exercicios de Estilo. Quanto a este, vale lembrar, ainda, a existencia de uma bela edi<;:ao de 1979, ern forma de album, "corn 4S exercfcios de estilo paralelos, pintados, desenhados ou esculpidos por Carelman, bern como 99 exercfcios tipograficos de Massin; edi<;:ao revista, corrigida, ampliada corn uma lista dos exercfcios de estilo nao realizados e urn estudo sobre a perda de informa<;:ao e a varia<;:ao de sentido nos Exercicios de Estilo pelo dr. Claude Leroy".

Obras de Raymond Queneau

(Nao estao indufdos ensaios, artigos, entrevistas e obras ern colabora<;:ao corn outros autores.)

Le Chiendent. Paris: Gallimard, 1933. Gueule de Pierre. Paris: Gallimard, 1934. Les Demiers fours. Paris: Gallimard, 1936. Chene et chien. Paris: Denoel, 1937. Odile. Paris: Gallimard, 1937. Les Enfants du limon. Paris: Gallimard, 1938. Un Rude Hiver. Paris: Gallimard, 1939. Les Temps meles. Paris: Gallimard, 1941. Pierrot mon ami. Paris: Gallimard, 1942.

181

Page 90: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

Les Ziaux. Paris: Gallimard, 1943. En passant. Lyon: Barbezat, 1944. Foutaises. Lyon: Barbezat, 1944. Loin de Ruei/. Paris: Gallimard, 1944. A la lirnite de la foret. Paris: Fontaine, 1947. Bucoliques. Paris: Gallimard, 1947. Exercices de style. Paris: Gallimard, 1947.

On est toujours trop bon avec les femmes. Paris: Scorpion, 1947.

Une Trouille vert. Paris: Minuit, 1947. Le Cheval troyen. Paris: Visot, 1948. L'Instant fatal. Paris: Gallimard, 1948. Monuments. Paris: Moustie, 1948. Petite suite. Paris: Gallimard, 1948. Saint Glinglin. Paris: Gallimard, 1948. Texticules. Paris, 1949.

Batons, chiffres et lettres. Paris: Gallimard, 1950; ed. rev. 1965.

Le Journal intime de Sally Mara. Paris: Scorpion, 1950. Petite Cosmogonie portative. Paris: Gallimard, 1950. Le Dimal1che de la vie. Paris: Gallimard, 1952. Si tu t'imagines. Paris: Gallimard, 1952.

Pour une bibliotheque ideaIe. Paris: Gallimard, 1956. Le Chien a la mandoline. Verviers: Temps Meles, 1958. Sonnets. Paris: Hautefeuille, 1958. Zazie dans Ie metro. Paris: Gallimard, 1959.

Cent mille milliards de poemes. Paris: Gallimard, 1961. Bords. Paris: Hermann, 1963. Les Fleurs bleues. Paris: Gallimard, 1965.

> Une His toire modele. Paris: Gallimard, 1966. Courir les rues. Paris: Gallimard, 1967. Battre la campagne. Paris: Gallimard, 1968.

182

Le Vol d'Icare. Paris: Gallimard, 1968. Fendre les fIots. Paris: Gallimard, 1969. Le Voyage en Grece. Paris: Gallimard, 1973. Morale elementaire. Paris: Gallimard, 1975. Contes et propos. Paris: Gallimard, 1981.

Sobre Raymond Queneau

Warren F. Motte Jr., Oulipo. A Primer ofPotential Literature. Lincoln: University of Nebraska Press, 1986.

Jean- Yves Pouilloux commente Les £leurs bleues de Raymond Queneau. Paris: Gallimard, "foliotheque", 1991.

Jean Queval, Raymond Queneau. Paris: Seghers, "Les poetes d'aujourd'hui", 1960.

J. Queval, A. Blavier, orgs., Album Queneau. Paris: Henri Veyrier Ed., 1984.

Emmanuel Souchier, Rayomnd Queneau. Paris: Seuil,. "Les Contemporains", 1991.

Principais revistas com numeros especiais dedicados a Ray­mond Queneau

L'Arc, n. 28, 1966. Reed. Paris: Duponchelle, 1990. Cahiers de l'Herne, 1976. Europe, n. 650/51, junho-julho de 1983. Magazine Litteraire, n. 94, novembro de 1974 en. 228, mar<;;o

de 1986.

Vale ainda lembrar a existencia de dois centros de pesquisa e de uma associa<;;ao literaria consagrados a Queneau:

Les Amis de Valentin Bra 56, rue Carnot. 92300 Levallois-Perret. Fran<;;a

183

Page 91: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

Centre de documentation Raymond Queneau Bibliotheque communale centrale \, Place du Marche 48000 Verviers. Belgica

Centre international de documentation de recherche et d'edition Raymond Queneau

Bibliotheque universitaire 39c, rue Camille Guerin. 87031. Limoges cedex. Franc;:a

184

Page 92: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

Two Chinamen, behind them a third, Are carved in Lapis Lazuli, Over them flies a long-legged bird A symbol of longevity; The third, doubtless a serving-man, Carries a musical instrument.

Thme, on the mO'untain and the sky, On all the tragic scene they stare. One asks for mournful melodies; Accomplishedfingers begin to play. Their eyes mid many wrinkles, their eyes, Their ancient, glitte1'ing eyes, are gay.

COLE(AO LAZULI

Num dia de julho de 1935, ° poeta Yeats recebeu de presente urn baixo-relevo chin~s em Lapis-Lazuli. Aimagem de urn asceta e seu pupilo ascendendo a montanha, acom­panhados de urn musico, serviria de emblema para uma das mais tocantes medita<;6es modemas sobre a arte ern geral e a literatura em particular. Face a /lcena tragica" da transito­riedade das coisas, contrap6e-se 0 licontentamento Wigico" de Hamlet e Lear, e a alegria do asceta chines, descobrindo na inumanidade de uma melodia a unica forma ainda possivel de afirma<;ao na humanidade. Estrangeira e estra­nha, Iiat the end of the mind" como a can<;ao do passaro de Stevens ou as iroagens gravadas em pedra na uma grega de Keats, esta melodia, em Lapis-Lazuli, e urn emblema apro­priado para nossa serie de poesia e fie<;ao, dedicada as melhores obras da literatura internacional.

186

COLE(AO LAZULI Dirigida par Arthur Nestrovski

Maurice Blanchot Pena de Morte

Henry James Daisy Miller e

Um Incidente Internaciona!

E<;;a de Oueiroz o Mitndarim

Marilene Felinto o Lago Encantado

de Grongonzo

Gordon Ush Peru

Heinrich von Kleist A Marquesa d'O ... e

Outras Estorias

187

Page 93: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

Benjamin Constant Adolpho

Vladimir Nabolmv Coisas Transparentes

Mariana Alcoforado Cartas de Amor

Alfred larry o Amor A&soluto

Oscar Wilde A Decadencia da Mentira

Robert de Boron Merlim

Oscar Wilde o Retrato de Dorian Gray

188

Herman Melville Benito Gerena

E. T. A. Hoffmann Contos Fantasticos

Giorgio ManganelH­Hilarotragcrdia

Gustave Flaubert Cartas Exemplares

Joao Simoes Lopes Neto Contos Gaucnescos

Oscar Wilde Salome

Ec:;a de Queiroz Alves & Cia.

189

Page 94: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

,---~

Ralph W. EmersonLa Rochefoucauld El1saios: Primeira SerieMaximas e Reflexoes

Augusto de Campos Rilke: Poesia-Coisa

Samuel Johnson A Historia de Rasselas

Joseph Conrad Mocidade e

o Parceiro Secreto

Nathanael West Miss Lonelynearts

Bruno Schulz Sanatorio

Michelangelo Poemas

190

Joseph Conrad o Agel1te Secreto

Charles Baudelaire o Spleen de Paris

Voltaire Mem6rias

Raymond Queneau Exercfcios de Estilo

191

Page 95: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

La Rochefoucauld Mdximas e Reflexoes

Augusto de Campos Rilke: Poesia-Coisa

Samuel Johnson A Historia de Rasselas

Joseph Conrad Mocidade e

o Parceiro Secreto

Nathanael West Miss Lonelyhearts

111111

II

II

j

Bruno Schulz Sanatorio

Michelangelo Poemas

190

".---­

Ralph W. Emerson Ensaios: Primeira Serie

Joseph Conrad o Agente Secreto

Charles Baudelaire o Spleen de Paris

Voltaire Memorias

Raymond Queneau Exercfcios de EstHo

191

Page 96: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

COMPOSTO EIMPRESSO NAS OFICINAS GRAFICAS DA IMAGO EDITORA

RUA SANTOS RODRIGUES, 201-A RIO DE]ANEIRO - RJ

Gallimard, onde coordenava a "Bibliotheque de la Pleiade". Em 1960, fundou 0 Oulipo, grupo de escritores que inclufa, entre outros, ItaloCalvino e Georges Perec. Autor de mais de 40 livros, Queneau permanece ate hoje um verdadeiro emblema do escritor, seja pela."mestria, seja pela variedade de prop6sitos e audacia da imagina~ao. 0 brasao imaginario de Queneau poderia estampar a grande expressao a seu respeito que devemos a cantora Juliette Greco e que resume toda uma vida literaria de sabedoria e coragem: ALTO EFORTE CONTRA 0 VENTO DA BESTEIRA.

A Harmonia dos Mundos se manifesta na obra de Dueneau desde uma distancia remota... transparecendo atravtfs da pessoa viva, com sua imprevisibilidade de humores, seus fenomenos emlMos com boca torta, sua logica em ziguezague, naquele confronto tragico das dimens6es do indivlduo mortal com as do universo que so se pode exprimir com risinhos, com sorriso de escamio ou com acessos de riso convulsivo e, no melhor dos casos, com gargalhadas, risadas incontro!rJveis, risadas homtfricas...

Italo Calvino

omais erudlto e 0 mals leve dos escritores experimentais. .. Toda fic~ao de Dueneau retoma a percep~ao satfrica da banalldade inelutavel da existencia, manifesta na suti! falta de jeito e inescapavel trivialldade de nossas tentativas de reproduzir a Vida com palavras.

John Updike

Page 97: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

A d/l'brc rollldllcisld, d qUl'lIIjC] ."

delle/'NOs Im/f11S ohms, e a"~/lI'lIaS

primas, c1pres('nta-nos desta lJeZ, COllI 0

brio que sempre deu almto a suas • ,..." • I'crlafoes, personagens mesqueclllels

agindo em ambiente conhecido e situafoes

ao alcance de todos,jovens ou maduros,

remediadosirremedicweis. Uma grande

lifao moral! Umenlevo deescritura

buriladacomoum hroche! E, estamos

certos; mats um triunfo de estima publim

e cretica do autor, cuja ohra de rara

estatura tanto vem nos edificando.

ISBN 85-312-0480-1

Page 98: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

-I

IXlllCfclOS DE ESTILO l1!1ytno/ld Dueneau

"Nil 6nibus S, em hora de aperto. Um cara de IIiIS 76 anos, chapeu mole com cordao em vez de lilli, 1J0sco~0 comprido demais, como se estivesse II:lIicndo. Sobe e desce gente. 0 cara discute com 0 vi/llillO. Acha que e espremido quando passam. (... ) 1IIIliS 110ras depois, vejo 0 mesmo cara pelo Pa~o de Illlilln ... La vai com outroque dlz: 'Voce devia par 1IIIIis 11m botao no sobretudo'. Mostra onde (no 1I111:01lJ) e como (para fechar)."

fI partir desta hist6ria aparentemente sem gra~a.

1111111m, uma nao-hist6ria, Raymond Queneau (I !l1I:1-1976) elabora uma serie espantosa de 99 Villill\:oes, ou Exercfcios de Esrl/o. Metaforicamente 1"11 ilstro apollneo parecia ter imobilizado seu tao cl'lIl1rll curso .. .''). ou cheio de surpresas ("Que 1111111111 lIS traseira! Eaquele fulaninho ... "); como I1I11 SIIIIIIO ("Tudo era bruma nacarada, sombras . 11I1'lIliplllS onde avultava um jovem"). animista ("Era 1111111 VUI um. chapeu marrom ... "). ou na 1111i11i11 IIn-ontao ("Entao 0 onibus chegou. Entao eu PlliPllli 1110. Entao .. .''). a primeira hist6ria vai se 1IIIIISIIIIlTlando em dezenas de outras: nao s6 a lillllll'Hlin dos estilos, em contraponto uns com os III III OS, mas, por meio deles, das revela~6es

1IIIIIIIIivns f) humanas que pouco a pouco nos Clllllllllll, lIum percurso ins61ito e que, asua 111111I111ril, tnmbem e um registro, muito particular, de I1II1 Cllilo momento de um certo pais da Europa.

1:11111 1III11Im e rigor, os Exercfcios abordam ain'tla II 11111111 olli!lmalico e explicitamente escondido do 11111I11I:;sllxlllllismo. Inspirado pela audi~ao da Arre de /1/1/11 110 IIIICII, oste livro, de 1948. e uma das 1'11111/11:: dll liloriliura europeia do meio-seculo, 1IIIIIIpIICIIIIII llil lraducao virtuoslstica de Luiz ,111/11111111

111111111111:1:,111, 1'0111,1, ensalsta e mate matico, IIMy11111l1l11111l111l1i1l1 Irahalhou tambem na editora

(!''D'''~' 111'

::; ::l

( N

:s o,< U< I.U

o U

,i. I

. ~e~~ e"" .

~Ot::J'

~

Page 99: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

1

RAYMOND QUENEAU

~ I

EXERCicIOS DE ESTILO

Tradw;:ao, apresenta<;:ao e posfiicio: LUlZ REZENDE

( I

" "

!j

:11

I' ,fl

I

Imago'I I

Page 100: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

Copyright © Editions Gallimard 1947

Titulo Original: Exercises de Style

Capa: VICTOR BURTON

Apoio: Embaixada da Franr;a no Brasil

CIP-Brasil. Catalogafao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Rf.

Queneau, Raymund, 1903-1976 Q51 e Exercicios de estilo / Raymund Queneau; tradufao,

apresentafao e posfucio, Luiz Resende. - Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995.

(ColefaO Lazuli)

Tradufao de: Exercises de style Inc/ui anexos e bibliografia ISBN 85-312-0480-1

1. Literatura experimental. 1. Rezende, Luiz. 11. Titulo. Ill. Serie

CDD- 848.07 CJ5-1895 CDU - 840-8(07)

Reservados todos os direitos. Nenhuma parte desta obra podera ser reproduzida por fotoc6pia, microfilme,

processo fotomedinico ou eletTonica sem permissao expressa da Editora.

1995

IMAGO EDlTORA L7DA. Rua Santos Rodrigues, 201-A - Estucio

20250-430 - Rio de Janeiro - RJ - Tel.: 293-1092

Impresso no Brasil Printed in Brazil

SUMARIO

EEserevendo Que Se Vira Eserevedor, 11

- Luiz Rezende

Anota<;:ao, 19 Em Duplieata, 20 Litotes, 21 Metaforieamente, 22 Retr6grado, 23 Surpresas, 24 Sonho, 2S Profecias, 26 Sinquises, 27 Areo-iris, 28 Gineana Verbal, 29 Hesita<;:6es, 30 Precis6es, 31 o Lado Subjetivo, 32 Outra Subjetividade, 33 Relato, 34 Palavras-Valise, 3S Negatividades, 36 Animismo, 37 Anagramas, 38 Distin<;:6es Neeessarias, 39 Pareoteleutas, 40 Versao Oficial, 41

Page 101: Exercicios de Estilo de Raymond Queneau em Portugues

~

Gustativo, 84Textfculo De Orelha, 43 Onomatopeias, 44 TiltH, 85 Analise L6gica, 45 Visual, 86 Insistencia, 47 ~ Auditivo, 87 Nao Sei De Nada, 49 Telegrafico, 88 Presente, 50 Ode, 89 Acontecendo, 51 Permuta<;oes de Grupos de 5 a 9 Letras, 90 Preterito, 52 Permutac;oes de Grupos de 4 a 8 Palavras, 91 Imperfeito, 53 Helenismos, 92 Alexandrinos, 54 Conjuntos, 93 P6s-Alexandrinos, 55 Reacionario, 94 Poliptotos, 56 Pai-dos-Burros, 96 Ap6copes, 57 Hai Ku,. 98 Afereses, 58 Haikikai, 98 Sfncopes, 59 I,) Versos Livres, 99 Quer Dizer, Ne, 60 Feminino, 100 Exclama<;oes, 61 Entao, 62 Lipogramas, 103

Transla<;ao, 102

I,l.lEmpolado, 63 Galicismos, 106

Pavao, 64 Pr6teses, 107 Ocorrencia, 65 Epenteses, 108 Comedia, 67 Paragoges, 109 Apartes, 69 Metilteses, 110 Parequese, 70 Gramatica Transformativa, 111 Fantasmatico, 71 Troca-Troca, 114 FHos6fico, 73 Names Pr6prios, 115 Ap6strofe, 75 Lingua do Pe, 116 Desajeitado, 76 Poucas-verdades, 117 Desenvolto, 78 Macarr6nico, 118

Soneto, 82 fII,I Para as Franceses, 120 Parcial, 80 Da (Quase) na Mesma, 119

I)Olfativo, 83 TrocadHhos, 122