exercicio fisico bioquimica

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B I O Q U Í M I C A 20 CIÊNCIA HOJE • vol. 42 • nº 251 B I O Q U Í M I C A 20 CIÊNCIA HOJE • vol. 42 • nº 251

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bioquimica

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    Tanto atletas de elite, nas competies, quanto pessoas comuns, em suas

    tarefas domsti cas, esto realizando atividade fsica. Por trs de cada

    simples movimento de nosso corpo, existe uma complexa coordenao

    entre vrios rgos, comandada pelo sistema nervoso e envolvendo

    diversos hormnios. Alm disso, como acontece com toda mquina,

    precisamos de certa quantidade de energia extra nesses momentos,

    e esta deve ser fornecida prontamente, ou no conseguiremos realizar

    o trabalho desejado. Este artigo discute como o corpo obtm energia

    a partir de molculas orgnicas combustveis, presentes nos alimentos

    que comemos ou em estoques no prprio corpo. Tais molculas

    tm propriedades diferentes, sua utilizao depende da intensidade

    e da durao da atividade fsica e o modo como so usadas respeita

    uma hierarquia entre os diferentes rgos e sistemas do organismo.

    Paulo Cesar de Carvalho Alves Instituto de Bioqumica Mdica, Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Tanto atletas de elite, nas competies, quanto pessoas comuns, em suas

    do exerccio fsicodo exerccio fsico

    Oscombustveis

    Costumamos dizer que estamos praticando exerccio quando o ob-jetivo da atividade fsica o esporte, a promoo da sade ou a obteno de uma aparncia corporal es-pecfica (como emagrecer ou ficar musculoso). Na verdade, praticamos ati vidade fsica o tempo inteiro mesmo dormindo ou re pousando gasta mos energia para continuar vivos (figura 1). J a realizao de movimentos determinados, visando alcanar um

    ndice especfico (na dana ou no esporte, por exem-plo, por lazer ou profissionalmente), pode ser defi-nida como per formance (ou desempenho). No en-tanto, a busca obsessiva pelo melhor resultado mui-tas vezes ultrapassa os limites do funcionamento do corpo, prejudicando a sade. O mesmo ocorre quan-do a atividade fsica realizada em busca de uma identidade corporal, como no caso das pessoas que

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    querem emagrecer rpido ou ficar muito musculosas e exageram nos recursos utilizados.

    O funcionamento do corpo envolve a atuao integrada de diversos rgos e sistemas. Estes tm estruturas e funes diferenciadas, mas uma an-lise em nvel molecular revela que exibem muitas semelhanas, sobretudo quanto s reaes qumicas que ali ocorrem. Chamamos de metabolismo esse conjunto de reaes qumicas que caracterizam o estado vital. Elas ocorrem continuamente, aceleradas por enzimas, formando vias de reaes seqenciais altamente integradas e finamente reguladas, para manter nossa mquina corporal estruturada. Por isso, o tempo inteiro o corpo realiza trabalho, pois sem este no h organizao, e para realizar trabalho o suprimento de energia deve ser contnuo. Chamamos de catabolismo o conjunto das vias qumicas que li-beram energia para processos que realizam trabalho, e de anabolismo o conjunto das vias que usam essa energia para construir novas molculas e manter o organismo funcionando. As reaes catablicas tm de ocorrer na mesma intensidade que as anablicas para que o sistema atue com perfeio (figura 2).

    Para que cada msculo especfico seja movi-mentado na hora certa, com a fora e a velocidade ideal, necessrio o comando e a coordenao do

    Figura 1. Gasto de energia em relao ao estado de repouso para algumas atividades fsicas do

    dia-a-dia e para alguns esportes (o gasto equivale a 1 em repouso e os nmeros abaixo so mltiplos

    dessa taxa bsica em outras atividades)

    sistema nervoso. Este age como um maestro em uma orquestra: no pode falhar em momento algum, e para isso precisa receber um aporte constante de molculas de glicose, sua principal fonte de energia, alm de oxignio, necessrio para a perfeita retirada da energia contida na glicose (figura 3). Essa regra bsica o aporte constante de glicose e oxignio ao sistema nervoso vai determinar como os outros rgos, inclusive os msculos, podem obter energia durante a atividade fsica.

    De onde vem a energia?Os agentes finais do movimento so os msculos que, quando se contraem, movem as diferentes par-tes do corpo, que so articuladas. Para que tanto a contrao quanto o relaxamento do msculo ocor-ram, necessrio ter uma fonte de energia e um mecanismo capaz de direcionar esta para a maqui-naria muscular. A principal energia usa-da para realizar trabalho em nosso organismo est contida nas liga-es qumicas do trifosfato de

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    adenosina (conhecido pela sigla, em ingls, ATP) nessa molcula, o composto ade-nosina est ligado a trs radicais qumicos que contm fsforo, chamados de grupos fosfato (Pi). A quebra de uma dessas liga-es, que gera difosfato de adenosina (ADP) e um grupo fosfato livre, libera a energia usada no processo que provoca a contrao muscular.

    A molcula de ATP deve ser imedia-tamente regenerada (por meio da religa -o entre ADP e um grupo fosfato) para que o fornecimento de energia no dimi-nua. Para fazer isso, o organismo usa outra fonte de energia: as ligaes qumicas existentes nos chamados combustveis

    Figura 2. Na digesto e no uso dos estoques de combustveis (reaes catablicas), o organismo desfaz molculas maiores, como protenas, amido, triglicerdios e outras, em seus constituintes (aminocidos, glicose, cidos graxos). Nas reaes anablicas, as molculas menores so degradadas ainda mais para liberar a energia necessria para realizar trabalho ou usadas na sntese de outras molculas

    Figura 3. A reduo da concentrao de glicose no sangue (hipoglicemia) pode causar srias alteraes no sistema nervoso central, inclusive a morte

    Glicose no sangue (mg/100 ml)

    + +

    Faixa normal

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    70

    60

    50

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    30

    20

    10

    0

    Alteraes neurolgicas leves; fome; liberao de glucagon, adrenalina e cortisol; transpirao; tremores

    Letargia Convulso e coma

    Danos cerebrais permanentes

    Morte

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    Figura 4. Trs tipos de combustveis so usados pelo organismo para gerar energia. A glicose, armazenada como glicognio, permite a regenerao do ATP (principal fonte de energia celular) fora da mitocndria e sem necessidade de oxignio, gerando cido lctico (ou lactato). Os cidos graxos so estocados como triglicerdios e os aminocidos vm de alimentos ou protenas do corpo. Esses combustveis geram cido pirvico ou acetil-coenzima-A, usados nas mitocndrias para regenerar ATP por dois processos interligados em seqncia (ciclo de Krebs e fosforilao oxidativa)

    Como acelerar a ofertaA velocidade com que o msculo esqueltico gasta energia pode aumentar muito em fraes de segun-do. No s quando um corredor de elite sai da linha de largada, em uma prova curta, para atingir a ve-locidade de 10 m por segundo em menos de um segundo, mas tambm quando estamos deitados na cama e nos levantamos para ir ao banheiro. Nesses momentos guardadas as propores , a taxa com que o ATP estava sendo consumido na situao de repouso aumenta subitamente com a nova exigncia muscular, e este precisa ser reciclado velozmente, ou a nova atividade no poder ser mantida. Para isso, preciso acelerar de imediato as vias catab-licas e assim transferir a energia qumica dos com-bustveis para a reconstituio das ricas ligaes de fosfato no ATP. Qual sistema deve ser ativado pri-meiro?

    Temos a opo de usar a glicose ou os cidos graxos como fonte de energia, mobilizados de seus estoques pela ao do hormnio adrenalina. Tais compostos tm diferentes potenciais quantitati - vo ou qualitativo de gerao de energia. No caso em questo, o critrio de quantidade no o melhor, a princpio, j que a energia deve estar disponvel com urgncia. Assim, a melhor soluo a glicli - se anaerbica, ou seja, a quebra da molcula de gli -cose sem a participao do oxignio molecular, fora da mitocndria. Esse processo o mais veloz para a reposio da energia gasta. Surge ento outro problema: como obter glicose de modo to r - pido, se o msculo no pode capt-la livremente do sangue? Essa captao s ocorre logo aps as refeies, quando estamos com excesso de acar no sangue, ou durante exerccios moderados de longa durao. Para contornar essa dificuldade, as clulas musculares tm um estoque prprio de gli-cose, na forma de glicognio.

    celulares: carboidratos (acares), cidos graxos (presentes em gorduras) e aminocidos (figura 4). A glicose, principal molcula combustvel do grupo dos carboidratos, estocada na forma de glicognio. Os cidos graxos, capazes de liberar mais energia que a glicose, so estocados principalmente no te-cido adiposo, na forma de triglicerdios (gordura neutra). J os aminocidos, que no so estocados no corpo como protenas de reserva, tm pequeno papel na produo de energia para a atividade fsi-ca, embora sejam usados para gerar glicose em casos de jejum excessivo ou exerccio fsico muito prolon-gado (em uma maratona, por exemplo).

    A energia contida nesses compostos liberada por meio de reaes muito espontneas de oxidao (catabolismo), nas quais uma molcula (ou compos-to) cede eltrons a outra, ligando-se ou no a ela. Quando o oxignio molecular (O

    2) participa direta-mente da oxidao, em processos celulares, dizemos que h respirao celular. por esse processo que as mitocndrias, organelas presentes nas clulas, produzem ATP. Fora das mitocndrias, a nica forma de regenerar a molcula de ATP, sem a participao do O2, a oxidao da glicose, e esta a maneira mais rpida de repor a energia gasta pela clula.

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    Essa resposta, na verdade, parcialmente correta, j que a gliclise anaerbica, por mais rpida que seja (apenas 12 reaes enzimticas para ir do gli-cognio at o cido lctico, subproduto final), ainda muito len ta se comparada ao aumento sbito no gasto energtico exigido, por exemplo, em compe-ties. a que o msculo esqueltico lana mo de seu grande trunfo: o sistema creatina/fosfocrea-tina. Nesse sistema, apenas uma reao enzimtica retira um grupo fosfato da fosfocreatina (molcula presente nos msculos) e o liga molcula de ADP, reconstituindo o ATP, o que permite sua reutilizao, e gerando creatina livre.

    A fosfocreatina atua como um pronto-socorro energtico, em situaes de urgncia (figura 5). Com esse recurso, as clulas musculares adaptam-se ao novo ritmo e a gliclise anaerbica passa a ocorrer em velocidade compatvel com a intensidade do trabalho, tornando-se de novo a principal forma de regenerar ATP, a partir de ADP. Para isso, so usados os grupos fosfato que se acumularam nas clulas por causa da quebra acelerada de molculas de ATP.

    A gliclise gera cido lctico e este lanado na circulao sangnea, na forma de lactato. Se o movimento sbito continuar e no for muito inten-so (caminhar a passos normais, por exemplo), as mitocndrias, que antes estavam esquentando as

    turbinas, voltam a fazer a reciclagem do ATP gasto, por meio da respirao celular. Com isso, o cido lctico deixa de ser produzido e a glicose total-mente oxidada, em uma srie de reaes que con-somem O

    2 e tm como produtos finais gs carbni-co (CO2) e gua (H2O). Essa a chamada fase aer-bica do movimento.

    Nessa fase, uma molcula de glicose pode gerar 19 vezes mais ATP que na fase anaerbica, o que representa uma grande economia do precioso estoque de glicognio do msculo. Essa reserva preciosa porque, quando comea a se esgotar, o msculo entra no processo de fadiga local e pra de funcio-nar! Alm disso, nunca se sabe se nos prximos instantes ser necessrio apertar o passo por algum motivo, como pegar o nibus que j est querendo ir embora, fugir de um predador (ou assaltante!) ou ultrapassar um competidor nos ltimos metros de uma maratona.

    Nessas situaes (luta ou fuga), h um novo salto na exigncia de energia para o trabalho muscular, salto que dificilmente suportado pelos sistemas aerbicos de reciclagem de ATP. Voltamos ento a gastar a glicose anaerobicamente e a queimar o glicognio 19 vezes mais rpido (no mnimo!). Ou seja, precisa ter sobrado bastante no estoque. Nesse caso, a concentrao de lactato no sangue aumen-

    Figura 5. As fontes de energia para a contrao e o relaxamento dos msculos variam durante o exerccio. No primeiro minuto, a principal fonte o ATP j existente e a fosfocreatina (linha preta). Enquanto isso, comea a quebra do glicognio, que libera glicose (linha vermelha). Essa fase (anaerbica, ou seja, sem oxignio molecular) dura cerca de cinco minutos. Em seguida, na fase aerbica, a glicose processada nas mitocndrias, reciclando ATP com mais eficincia (linha azul). Se o exerccio continua, os cidos graxos tornam-se a principal fonte energtica, poupando os estoques de glicognio (linha verde). Se a intensidade do exerccio aumentar de repente, a fase anaerbica recomea

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    ta rapidamente, at chegar ao chamado limiar de lactato. Se insistirmos nesse ritmo, ou acima dele, a concentrao de lactato no sangue sobe muito e nos sentimos enjoados. Em breve o estoque de glicognio muscular comea a se esgotar. quando ocorre perda de fora muscular (fadiga local), que pode ser seguida de dores, cimbras e, no extremo, da paralisao dos msculos.

    Em todos os tipos de atividade fsica o hormnio adrenalina tem participao importante. Alm dos efeitos sobre o sistema cardiorrespiratrio, esse hormnio ajuda a acelerar a quebra do glicognio muscular e heptico para liberar glicose para o msculo e o crebro, respectivamente. Parte da glicose liberada pelo fgado, porm, pode ser capta-da pelos msculos em exerccios de longa durao, reduzindo a oferta para o crebro. A adrenalina tambm ajuda a poupar glicognio ao estimular paralelamente a mobilizao dos estoques de trigli-cerdios no tecido adiposo.

    Assim, quando nos mantemos em trabalho mus-cular aerbico, nosso sangue comea a ser invadi - do por cidos graxos liberados desses estoques (o

    mesmo ocorre quando ficamos em jejum). Estes so usados

    como fonte de ener -gia para o

    fgado, o corao, os msculos esquelticos e ou tros rgos e tecidos, exceto o crebro e as hemcias (glbulos vermelhos). Portanto, a glicose poupada. Alis, o msculo esqueltico, principalmente em repouso, prefere usar cidos graxos, em vez de gli-cose. por isso que emagrecemos lentamente quan-do dormimos ou ficamos em jejum. No entanto, se algum quer de fato emagrecer, no deve ficar dor-mindo: deve seguir uma dieta com quantidades adequadas de calorias e fazer exerccios aerbicos.

    Fibras brancas e vermelhasEm todas as fases do exerccio descritas at agora, as responsveis pelos movimentos so fibras espe-cializadas existentes em nossos msculos, que po-dem ser divididas em duas categorias principais: as fibras de contrao rpida (tipo II b) e as de contra-o lenta (tipo I e tipo II a).

    As de contrao rpida so encontradas em gran-des quantidades em msculos especializados em exerccio de exploso, como o msculo do peito das galinhas, que s movem suas asas de maneira re-pentina e por tempo limitado. Como no usam muito oxignio molecular, esses tipos de msculo tm poucos vasos sangneos, poucas mitocndrias e pouca mioglobina (protena muscular que estoca

    oxignio, semelhante hemoglobina do sangue). J as de contrao lenta ocorrem em maior

    quantidade em msculos especializados em fazer movimentos contnuos por muito tem-

    po, co mo o msculo do peito das aves migratrias, que trabalham muitas horas

    sem parar. Podemos concluir que estas so as fibras vermelhas, pois, como precisam de mui to oxignio para rea-lizar trabalho aerbico, so muito vascularizadas, tm mui tas mitocn-drias e muita mioglobina.

    At os tipos de algumas das pro-tenas (miosinas) dos filamentos que se contraem nesses dois tipos de fibras so diferentes. A maioria dos msculos humanos composta por uma mescla dessas duas fibras. Nos exerccios de baixa a mdia intensida-de, so utilizadas as fibras de contrao

    lenta (aerbicas), mas, medida que a intensidade do exerccio aumenta,

    entram em ao tambm as de contrao rpida (anaerbicas).

    Enzimas e Transferncia de energiaO autor pesquisa, desde sua graduao

    em medicina, a atuao das enzimas (chamadas

    de ATPases) que transferem a energia do ATP

    para os processos celulares, como a contrao

    e relaxamento musculares. Alm disso, escreve

    captulos de livros didticos sobre bioqumica do

    exerccio e edita livros sobre metabolismo e sobre

    as origens moleculares de diversas doenas.

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    SUGESTES PARA LEITURA

    CONNellY, a.s. & CarPeNter, W.H. Fuel utilization during exercise, aerobic and anaerobic metabolism, control of muscle protein metabolism/anabolism (disponvel em www.cellinteractive.com/ucla/nutrition_101/phys_lect6.html).

    CamerON, l.C. & maCHaDO, m. (eds.) Tpicos avanados em bioqumica do exerccio. rio de Janeiro, ed. shape, 2004.

    Da POiaN, a.t. introduo ao hormonal, in Da Poian & Carvalho-alves (eds.), Hormnios e metabolismo: integrao e correlaes clnicas. rio de Janeiro, atheneu, 2003.

    Figura 6. Comparao entre camundongos normais (esquerda) e com modificaes genticas que alteraram seus msculos (direita). Animais transgnicos com maior expresso de um gene (PGC-1) mostram aumento de fibras vermelhas no dorso e nas patas traseiras (A). J o supercamundongo, com maior expresso de uma enzima (PEPCK-C), alm de ter mais mitocndrias nas clulas, apresenta aumento (visto em microscpio tico) de estoques de gordura (regies brancas) no msculo da pata (B)

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    007.

    Os limites do exerccioA busca de melhor desempenho por atletas profis-sionais e at por amadores leva muitas pessoas ao uso de recursos que pem em risco a sade (cha-mados de doping), como hormnios esterides ana-bolizantes, que aumentam a massa muscular, ou as anfetaminas, que estimulam o sistema nervoso cen-tral. Entre os recursos lcitos est o treinamento, que desenvolve naturalmente a capacidade de nossos rgos e sistemas de realizar exerccios especficos, levando ao condicionamento fsico. Tambm podem ser citados os recursos nutricionais, como uma ali-mentao adequada, contendo as biomolculas ne-cessrias para reforar a estrutura muscular ou criar reservas energticas adequadas.

    Muitos estudos tm sido feitos para compreender os processos envolvidos no condicionamento e de-terminar os limites impostos pela fadiga. Esta ocor-re durante a atividade fsica e limita a performance. A fadiga parece ter um componente perifrico (decorrente de fatores ligados ao msculo em mo-vimento) e outro central (decorrente de alteraes do sistema nervoso central, na motivao para rea-lizar a atividade). A principal causa de fadiga peri-frica a exausto dos estoques de glicognio nos msculos, que impede tanto o uso de cidos graxos como combustvel, nos exerccios de longa durao, porque a oxidao desses cidos depende de outra molcula difcil de obter nessas condies, quanto a realizao de exerccios de alta intensidade, pois estes dependem de quantidades grandes de glicose para gerar energia rapidamente. Nos exerccios in-tensos, alteraes da acidez dos msculos e/ou acmulo de subprodutos das reaes (como o fos-fato livre) parecem inibir a atividade de enzimas-chave para o uso da glicose. J a fadiga central pa-rece estar ligada sntese do neurotransmissor se-rotonina em certas regies do crebro, que levaria a menor disposio para a atividade fsica.

    Compreender os mecanismos dos dois tipos de fadiga pode ajudar a evitar ou superar o problema. preciso ter em mente, porm, que a fadiga um mecanismo de preservao do organismo diante de uma situao que pode causar danos severos, s vezes irreversveis. Portanto, deve ser respeitada como um sinal de alerta.

    Mais recentemente, com os avanos da biologia molecular e do controle da expresso de genes nos seres vivos, um novo tipo de doping, diferente da ingesto de compostos qumicos, est prestes a acontecer: o doping gentico. Talvez j exista e no

    saibamos, pois o crime surge sempre antes da lei. Hoje, por exemplo, so bem conhecidos os fatores biolgicos que controlam a proporo dos dois tipos de fibras nos msculos. J podem ser criados em laboratrio camundongos com alteraes genticas que tm maior proporo de um ou de outro tipo de fibra muscular, ou seja, capacitados para exerccios de alta intensidade ou de longa durao (figura 6).

    Trabalho publicado recentemente revelou que camundongos com alteraes genticas que induzem a expresso nos msculos de uma enzima tpica do fgado (conhecida pela sigla PEPCK-C) tornam-se su-peratletas. Esses animais podem correr cerca de 6 km a uma velocidade de 20 m por minuto, enquan-to camundongos normais ficam esgotados aps 200 m nessa velocidade! Eles tambm apresentam, em relao aos normais, capacidade aerbica 25% maior e menos da metade da concentrao de lactato no sangue durante o exerccio. O mais espan-toso: comem 60% mais comida e tm metade do pe - so dos primos no transgnicos! Alm disso, vi - vem mais, e aos 2,5 anos (j velhinhos para ca-mundongos) correm o dobro da distncia atingida pelos animais normais de seis meses a um ano de idade (jovens adultos). A explicao parece estar no aumento da capacida de, nos animais transgnicos, de usar os cidos gra xos como combustvel. Agora que j fabricaram o supercamundongo, no deve demorar muito para vermos nas pistas de atletismo os super-homens!

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