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VOLNEI LUIZ DENARDI EXECUÇÕES JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL NO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO: LEI Nº 5.741/71 E DECRETO-LEI Nº 70/66 Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, área de concentração, Direito das Relações Sociais, sob a orientação do Professor Doutor Donaldo Armelin. SÃO PAULO 2005

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VOLNEI LUIZ DENARDI

EXECUÇÕES JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL NO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO:

LEI Nº 5.741/71 E DECRETO-LEI Nº 70/66

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, área de concentração, Direito das Relações Sociais, sob a orientação do Professor Doutor Donaldo Armelin.

SÃO PAULO 2005

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Banca Examinadora

____________________________________________________________

____________________________________________________________

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À inesquecível memória do meu pai, JOÃO DENARDI, e à minha mãe, AMÉLIA BEAL DENARDI,

pelo exemplo de honestidade, humildade e amor que souberam transmitir com suas atitudes.

À minha mulher e dedicada companheira, VERA “DALVA” BORGES DENARDI,

que brilha intensamente na minha vida.

Ao meu filho, MATHEUS FRANCESCO BORGES DENARDI, com amor.

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AGRADECIMENTOS

As lições e a orientação do professor Donaldo Armelin foram decisivas

na elaboração e desenvolvimento do tema proposto. À sua experiência e

admirável cultura imputo a responsabilidade pela contenção do ingênuo

impulso no desenvolvimento de variados temas que redundaria em uma obra

volumosa, porém incompleta. Por isso, agradeço-lhe pela seriedade,

competência e conhecimento que emprestou na realização deste trabalho.

Também manifesto minha gratidão aos Professores Teresa Arruda

Alvim Wambier e João Batista Lopes que, nas suas aulas, transmitiram-me

não apenas conhecimento, mas o entusiasmo necessário para levar adiante o

culto à ciência jurídica.

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RESUMO

O desenvolvimento do tema execuções judicial e extrajudicial no Sistema Financeiro da Habitação, disciplinadas na Lei nº 5.741/71 e no Decreto-lei nº 70/66, respectivamente, tem como objetivo fundamental tratar das questões polêmicas que envolvem esses procedimentos, criados em época de regime de exceção com o escopo de promover o desenvolvimento econômico e social.

Embora muito mais célere do que os procedimentos judiciais tradicionais, atingindo o tão almejado escopo por forma alternativa ágil na resolução de conflitos, a execução extrajudicial ainda desperta controvérsias na doutrina e na jurisprudência, mesmo depois de quase 40 anos da promulgação do Decreto-lei nº 70/66. Não obstante a posição favorável assumida pelo Supremo Tribunal Federal, ainda são discutidos os aspectos constitucionais desse procedimento, surgindo daí questões relacionadas ao princípio do devido processo legal, do qual decorrem o do contraditório, o da imparcialidade e o do juiz natural.

Não menos efetivo o procedimento estabelecido na Lei nº 5.741/71, destinado à execução especial hipotecária dos contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, diferenciando-se do procedimento comum do Código de Processo Civil em face da supressão de alguns atos executivos, como pela limitação da responsabilidade patrimonial do mutuário à excussão do bem hipotecado no contrato de mútuo garantido por hipoteca.

Na execução especial hipotecária, o devedor pode oferecer as mesmas defesas cabíveis no procedimento comum de execução contra devedor solvente do Código de Processo Civil, como os embargos do devedor, defesa intraprocessual e a realizada por meio de ações autônomas de conhecimento. Destaca-se, quanto aos meios de defesa, a não suspensividade dos embargos do devedor até a desocupação do imóvel hipotecado.

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ABSTRACT

The development of the topic judicial and extra-judicial executions in the Housing Financial Systems, governed by Law No. 5741/71 and by Law-Decree No. 70/66, respectively, has as main object to deal with the polemic issues involving these procedures, created under a regime of exception with the purpose of promoting the economic and social development.

Although much quicker than the traditional legal procedures, reaching the so much desired scope by means of an alternative and quick way of solving conflicts, the extra-judicial execution still arises controversies in legal scholarship and case law, even over nearly 40 years after the enactment of Law-Decree No. 70/66. Notwithstanding the favorable standpoint taken by the Federal Supreme Court, the constitutional aspects of this procedure still are under discussion, thereby originating issues related to the due process of law, from which issues related to contestation, impartiality and natural judge are derived.

No less effective, the procedure established by Law No. 5741/71, destined to the special mortgage execution of contracts entered into within the Housing Financial System, differentiating it from the common procedure of the Civil Procedural Code in face of the suppression of some execution acts, as well as of the limitation of the borrower’s equity liability to the excussion of the property mortgaged in the loan contract collateralized by a mortgage.

In the special mortgage execution, the debtor can submit the same defenses applicable to the common execution procedure against a solvent debtor contemplated by the Civil Procedural Code, such as debtor’s embargoes, intraprocedural defense, and defenses carried out through autonomous information actions. We can highlight, as to the means of defense, the non-suspensivity of debtor’s embargoes until the mortgaged property disoccupation.

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ÍNDICE GERAL

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 5 1. O AMBIENTE POLÍTICO E ECONÔMICO DO MOMENTO DA

EDIÇÃO DE VÁRIAS LEIS QUE TRATAM DE CONTRATOS BANCÁRIOS, COM DESTAQUE PARA O SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO

1.1. A utilidade do enfoque .............................................................................. 11 1.2. O período de 1961 a 1985 ......................................................................... 13 1.3. O período posterior a 1985 ........................................................................ 21 1.4. O crédito bancário e a sua importância para a economia........................... 32 1.5. A política de habitação .............................................................................. 40 1.5.1. O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e o Banco

Nacional da Habitação (BNH) ..................................................... 42 1.5.2. O escopo econômico e político da ação governamental

no setor habitacional ...................................................................... 48 1.5.3. O interesse social como principio norteador da política

habitacional .................................................................................... 54 2. TUTELA JURISDICIONAL E OS CONTRATOS DE CRÉDITO

BANCÁRIO

2.1. Tutela jurisdicional ..................................................................................... 59 2.2. Tutela jurisdicional diferenciada e efetividade do processo, com ênfase para os procedimentos voltados à recuperação do crédito bancário .......... 64 2.3. A demora na recuperação do crédito. Visão econômica ............................. 75 2.4. A necessária cautela na criação de tutelas diferenciadas e formas alternativas de solução de litígios ................................................... 88 3. O CONTRATO FIRMADO NO ÂMBITO DO SISTEMA

FINANCEIRO DA HABITAÇÃO

3.1.Características ............................................................................................. 92 3.1.1. A compra e venda .......................................................................... 94 3.1.2. O mútuo ......................................................................................... 95

3.1.3. Contrato de adesão ......................................................................... 98 3.2. A garantia hipotecária ................................................................................. 106 3.3. A cédula hipotecária ................................................................................... 109 3.4. O título executivo criado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação ................................................................................................ 111

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4. A EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DO DECRETO-LEI Nº 70, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1966

4.1. O Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966 ...................................... 115 4.2. Procedimento da execução ......................................................................... 119 4.2.1. O requerimento do credor formulado ao agente fiduciário .......... 122

4.2.2. A notificação do devedor .............................................................. 125 4.2.3. A alienação forçada do imóvel e as questões

relacionadas à avaliação ............................................................... 127 4.2.4. A (ir)responsabilidade pelo saldo devedor remanescente na hipótese de arrematação por preço inferior ao valor do saldo devedor ................................................................................ 132 4.2.5. A purgação da mora ................................................................... 134

4.2.6. A ação do arrematante para a imissão na posse ........................... 138 4.2.7. Legítima ativa e passiva para a ação reivindicatória .................... 149 4.3. A (in)constitucionalidade da execução extrajudicial prevista no Decreto-lei nº 70/66 .................................................................................... 150 4.3.1. A posição dos Tribunais sobre a (in)constitucionalidade da

execução extrajudicial estabelecida no Decreto-lei nº 70/66 ........ 151 4.3.2. O polêmico personagem diretor da execução: o agente fiduciário ....................................................................................... 162 4.3.3. Ainda sobre o agente fiduciário. A imparcialidade ....................... 170 4.3.4. O devido processo legal ................................................................ 179 4.3.5. O princípio do contraditório .......................................................... 183 4.3.6. O contraditório e o processo de execução ..................................... 185 4.3.7. Os atos executivos. Necessidade de controle jurisdicional ........... 195

5. A EXECUÇÃO ESPECIAL HIPOTECÁRIA DA LEI Nº 5.741, DE 1º

DE DEZEMBRO DE 1971 5.1. A Lei nº 5.741, de 1º de dezembro de 1971 ............................................... 200 5.2. A execução processada na forma do Código de Processo Civil, fundada em causa que não a falta de pagamento .............................. 205 5.3. O Código de Processo Civil e a execução especial hipotecária ................. 207 5.4. Limitação da responsabilidade patrimonial ............................................... 214 5.5. A petição inicial da execução especial hipotecária .................................... 216 5.5.1. O título da dívida devidamente inscrito ....................................... 218 5.5.2. A indicação do valor das prestações vencidas e

encargos e do saldo devedor ...................................................... 221 5.5.3. Os avisos regulamentares e a prova do inadimplemento .............. 223

5.5.4. O valor da causa ............................................................................ 230 5.6. Necessidade do vencimento de três prestações para o ajuizamento da execução ................................................................................................. 232 5.7. A citação do devedor e do seu cônjuge ....................................................... 233 5.8. A penhora e a respectiva intimação ........................................................... 240

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5.9. O registro da penhora ................................................................................. 242 5.10. A desocupação do imóvel hipotecado ...................................................... 245 5.11. Avaliação do bem penhorado ................................................................... 249 5.12. A arrematação ........................................................................................... 253 5.13. A adjudicação obrigatória do imóvel ........................................................ 258 5.14. A remição do imóvel penhorado e o convalescimento do Contrato ......... 261 5.15. Concurso de credores e o crédito hipotecário ........................................... 262

6. OS MEIOS DE DEFESA DO EXECUTADO EM FACE DA EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA ESPECIAL DA LEI Nº 5.741/71, DE 1º DE DEZEMBRO DE 1971

6.1. Generalidades ............................................................................................ 269 6.2. Os embargos do devedor na execução fundada na Lei nº 5.741/71 .......... 271

6.2.1. Da legitimidade para embargar ................................................... 272 6.2.2. O prazo para os embargos ........................................................... 274 6.2.3. O efeito dos embargos ................................................................. 277 6.2.4. A cognição nos embargos à execução especial hipotecária ......... 287 6.2.5. O procedimento dos embargos na execução especial hipotecária .................................................................................... 289 6.2.6. A apelação nos embargos. Efeitos ................................................ 291 6.2.7. Os embargos de segunda fase ....................................................... 294

6.3. A exceção de pré-executividade ................................................................. 296 6.3.1. Matérias da exceção de pré-executividade ................................... 298 6.3.2. O momento da argüição da exceção de pré-executividade .......... 302 6.3.3. Argüição antes da decisão que ordena a citação .......................... 304 6.3.4. Argüição antes da citação ............................................................ 305 6.3.5. Oferecimento com penhora já realizada ...................................... 305 6.3.6. Aplicação das penas dos arts. 22 e 267, § 3º do Código de Processo Civil (custas de retardamento) ..................................... 306

6.3.7. O último momento em que a exceção de pré-executividade pode ser argüida ........................................................................... 307

6.3.8. Exceção de pré-executividade e suspensão da execução ............. 308 6.3.9. O recurso cabível da decisão que julga a exceção de

pré-executividade .......................................................................... 308 6.4. Ações autônomas de conhecimento ........................................................... 309

6.4.1. A relação entre a ação autônoma de conhecimento e a executiva ....................................................................................... 313 6.4.2. Conexão ou continência. Execução e ação de conhecimento ....... 313 6.4.3. Conexão por prejudicialidade ....................................................... 316 6.4.4. Prejudicialidade ............................................................................ 317 6.4.5. O momento da propositura da ação autônoma ............................. 319 6.4.6. Ação autônoma proposta antes da execução ................................ 319 6.4.7. Ação autônoma proposta na pendência de ação executiva

e antes do prazo dos embargos ..................................................... 321

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6.4.8. Ação autônoma proposta depois do prazo dos embargos sem que

eles tenham sido oferecidos .......................................................... 321

6.4.9. A relação entre a ação autônoma de conhecimento e os

embargos à execução .................................................................... 322

6.4.10. Ação autônoma proposta na pendência dos embargos ................ 328

6.4.11. Ação autônoma posterior ao julgamento dos embargos .............. 329

6.4.12. Propositura da ação autônoma depois da extinção da ação

executiva ...................................................................................... 330

6.4.13. A suspensão cautelar ou por antecipação de tutela da

execução ...................................................................................... 331

6.4.14. Ação anulatória (art. 486 do CPC) .............................................. 337

CONCLUSÕES .............................................................................................. 343

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 358

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INTRODUÇÃO

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Pacto Internacional

dos Direitos Econômicos, a Convenção Americana de Direitos Humanos

(Pacto de San José da Costa Rica) e a Declaração sobre Direito ao

Desenvolvimento são alguns exemplos da preocupação com a moradia como

direito fundamental do homem.

No ordenamento jurídico brasileiro, o artigo 6º da Constituição Federal,

na sua redação primitiva, inserido no Capítulo II, arrolava como direitos

sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos

desamparados. Pela Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000,

o rol foi ampliado para incluir a moradia entre os direitos sociais. Ainda no

Capítulo II, a Constituição Federal elege como direito dos trabalhadores

urbanos e rurais um “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado,

capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com

moradia...”.

Os chamados “Direitos Sociais” estão localizados na Constituição

Federal no Título II, que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.

Alexandre de Morais assinala que esses direitos caracterizam-se como

verdadeiras liberdades positivas, cuja finalidade é a melhoria das condições

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de vida aos hipossuficientes, objetivando a realização da igualdade social

consagrada no art. 1º da Constituição Federal como pressuposto do Estado

democrático1. São direitos imbricantes ao da igualdade2. Celso Ribeiro Bastos

esclarece que, enquanto os direitos individuais têm por característica um não

fazer ou abster-se do Estado, nos sociais, a Constituição impõe ao Poder

Público a prestação de atividades cujo escopo é “o bem-estar e o pleno

desenvolvimento da personalidade humana, sobretudo em momentos em que

ela se mostra mais carente de recursos e tem menos possibilidade de

conquistá-los pelo seu trabalho”, passando a ser um dever do Estado prestar a

assistência necessária 3.

Outrossim, a Emenda Constitucional nº 31, de 14 de dezembro de 2000,

ao criar o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, determinou o

direcionamento de recursos para a nutrição, habitação, educação etc., visando,

inclusive, atender ao que estabelece o artigo 3º, inciso II, da Constituição

Federal que consagra um dos mais nobres objetivos da República Federativa

do Brasil: "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais", de que decorre o princípio da dignidade da pessoa

humana. É impossível recusar que os objetivos estabelecidos no art. 6º são

imbricantes com aqueles do art. 3º, inciso II, da Constituição Federal, pois

têm por finalidade a redução das desigualdades sociais. 1 Direito constitucional, p. 202. 2 José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 277. 3 Curso de direito constitucional, p. 259.

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A Constituição Federal, ao tratar dos Princípios Gerais da Atividade

Econômica, no art. 170, inciso VII, também consagra postulado que se liga

diretamente aos princípios dos arts. 3º e 6º, quando estabelece que, “a ordem

econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,

tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios: ... VII – redução das

desigualdades regionais e sociais”.

Como se disse, desses objetivos fundamentais que visam à erradicação

da pobreza e à diminuição das desigualdades, decorre o mais nobre de todos

os princípios: o da dignidade da pessoa humana. Em função disso, partindo-

se da premissa de que a Constituição Federal criou um Fundo de Combate e

Erradicação da Pobreza, incluindo ali a moradia, pode-se formular a assertiva

no sentido de que as políticas governamentais de habitação devem, sempre,

ter por norte o escopo social.

Por outro lado, não se pode ignorar que, para o atingimento das metas

sociais, não se pode prescindir do desenvolvimento econômico. A produção

de riquezas, o investimento em larga escala, com a conseqüente geração de

empregos, reflete na melhoria das condições de vida da população. Porém,

para que o desenvolvimento econômico seja alcançado, é necessário criar uma

política de crédito eficiente. A construção de moradias, aliás, depende

basicamente de um competente planejamento creditício.

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Para isso, como medida de estímulo, é necessário que sejam concedidas

aos detentores do capital para o crédito certas garantias, inclusive quanto ao

serviço jurisdicional, que deve funcionar adequadamente na recuperação do

crédito inadimplido, proporcionando o retorno rápido do capital investido ao

fluxo do sistema.

Não é tarefa fácil conciliar tantos objetivos: interesse social,

desenvolvimento econômico e eficiência do serviço jurisdicional para a

recuperação do crédito.

O tema proposto tem como uma de suas finalidade a análise dessas

questões, sempre em vista dos procedimentos judicial e extrajudicial

estabelecidos na Lei nº 5.741/71 e no Decreto-lei nº 70/66, destinados à

recuperação dos créditos concedidos no âmbito do Sistema Financeiro da

Habitação.

As críticas que esses diplomas mereceram por terem sido criados

durante o regime militar, especialmente o Decreto-lei nº 70/66, acusado de

conceder privilégios às instituições financeiras, exige a análise do tema sob o

aspecto histórico da época da sua criação para a verificação de suas

verdadeiras causas e objetivos. Também se deve buscar o confronto do

discurso desenvolvimentista daquela época com o atual, na qual também

foram criados modelos processuais e formas alternativas para a recuperação

do crédito bancário com semelhantes privilégios.

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Em seguida, a análise volta-se para a tutela jurisdicional, sob a

perspectiva das relações bancárias, particularmente quanto à recuperação do

crédito. Procura-se mostrar a exigência moderna, universal, por uma tutela

jurisdicional mais efetiva, para o que são sugeridos modelos diferenciados ou

formas alternativas pelos mais diversos setores da sociedade. Busca-se,

outrossim, retratar a visão dos economistas sobre a necessidade da prestação

de um serviço jurisdicional mais eficiente para estimular o investimento e o

crédito, as suas críticas e propostas, bem como o conflito que pode haver nas

soluções apontadas pelos interessados em uma economia estável e previsível

com os direitos fundamentais do homem.

Resolvidas essas questões, passa-se à análise do contrato de

empréstimo e da cédula hipotecária, firmados no âmbito do Sistema

Financeiro da Habitação, suas características, formação, a garantia hipotecária

e a executividade.

Ao tratar da execução extrajudicial disciplinada pelo Decreto-lei nº

70/66, discorrendo-se sobre o seu procedimento, são analisadas as suas

características, particularidades e a sua conformação com o texto

constitucional, para o que foi necessário realizar uma ampla pesquisa para

trazer o entendimento jurisprudencial e doutrinário.

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Discorre-se, igualmente, de forma minuciosa, sobre o procedimento da

execução especial hipotecária, regida pela Lei nº 5.741/71, mostrando-se as

divergências no âmbito doutrinário e jurisprudencial sobre alguns atos

executivos dela suprimidos, com destaque para as suas especificidades,

sempre em relação ao procedimento de execução por quantia certa contra

devedor solvente previsto no Código de Processo Civil. Aproveita-se, nessa

parte, para uma reflexão sobre a influência que o Projeto de Lei nº

4.497/2004, em trâmite no Congresso Nacional, poderá trazer para a execução

especial hipotecária.

O estudo é concluído com o exame dos meios de defesa ao alcance do

mutuário em face da execução especial hipotecária. Discorre-se sobre os

embargos do devedor, como meio próprio, a extensão da cognição,

legitimidade, efeitos e outras particularidades que lhe impõe a Lei nº

5.741/71. Não foram esquecidos os meios denominados impróprios: a

exceção de pré-executividade e as ações autônomas de conhecimento,

hipóteses de cabimento, momento em que podem ser utilizados e os reflexos

que o seu julgamento poderá trazer para a execução.

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1. O AMBIENTE POLÍTICO E ECONÔMICO DO MOMENTO DA EDIÇÃO DE VÁRIAS LEIS QUE TRATAM DE CONTRATOS BANCÁRIOS, COM DESTAQUE PARA O SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO

1.1. A utilidade do enfoque

A lei é um fenômeno social4 que retrata o momento histórico da sua

criação. Embora a produção legislativa seja monopólio do Estado, as regras

que dele emanam refletem, mais precisamente, a ideologia5 da classe política

dominante à época da sua elaboração.6 Por esse modo de ver, tende-se ao

apoio às acusações de que o governo autoritário militar inaugurado no Brasil

em 1964 foi condenavelmente generoso na criação de textos legais em

benefício das classes dominantes, entre elas as empresas integrantes do

Sistema Financeiro Nacional7. As regras jurídicas dessa época haveriam de

ser vistas com desconfiança8, pois os militares ascenderem ao Poder com o

apoio de grupos econômicos influentes.9

4 Dennis Lloyd, A idéia de lei, p. 3. 5 De acordo com Giuseppe Lumia, “a ideologia pode ser definida como um sistema de idéias, de opiniões e de crenças, partilhadas pelos membros de uma coletividade, relativas a certos fins que podemos chamar de ‘últimos’, não porque sejam necessariamente pensados como definitivos e absolutos, mas porque não se colocam como relação de meio para atingir fins ulteriores” (Elementos de teoria e ideologia do direito, p. 142). 6 Dennis Lloyd assevera que o direito “é meramente o meio de impor à população o que o setor dominante considera servir aos seus interesses econômicos” (Ibidem, p. 91). 7 Criticam as edições dos Decretos-lei nºs 70/66 e 911/69 Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, Procedimento e ideologia no direito brasileiro atual, AJURIS - Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 33:79-85 e Amilton Bueno de Carvalho, A lei. O juiz. O justo, AJURIS - Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 39:132-152. L. A Becker censura o instituto da alienação fiduciária em garantia (p. 165) e a execução extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 (Contratos bancários, p. 318). Esse autor, em toda a sua obra, critica a maioria dos procedimentos instituídos em face dos contratos bancários por terem concedido privilégios aos bancos. 8 Por ser a lei produto da influência da classe dominante, Amilton Bueno de Carvalho afirma que ela “merece ser vista com desconfiança. Deve ser constantemente criticada sob pena de sermos, Juízes,

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Somente a análise que tenha por parâmetro o contexto histórico dos

últimos quarenta e quatro anos, fixada nas causas e escopos de tão intensa

produção legislativa sobre o assunto dissertado, especialmente na primeira e

nas duas últimas décadas e necessariamente desprendida de preconceitos,

pode dissipar a desconfiança sobre eventuais privilégios concedidos, ou

confirmá-la. Há que se verificar a importância e a necessidade da concessão

de favores e, inclusive sob o aspecto processual, se as inovações introduzidas

no ordenamento jurídico vieram - ou não - em proveito de uma tutela

jurisdicional mais efetiva, mediante a inclusão, no sistema, de modelos

processuais aptos a abreviar a recuperação do crédito bancário com a sua

conseqüente democratização, barateamento e contribuição para o almejado

desenvolvimento econômico e social. Não se pode olvidar, outrossim, o

confronto de idéias, propósitos e atitudes dos heterogêneos grupos que

exerceram o Poder nas últimas quatro décadas, à vista da produção legislativa

sobre o tema que abordamos10.

Promotores e advogados, agentes inconscientes da opressão. Inocentes úteis de um sistema desumano. Não quero dizer que não se possa optar por tal sistema, mas que se assim se fizer, o seja conscientemente” (A lei. O juiz. O justo, AJURIS - Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 39:132-152). 9 E qual seria a “classe dominante” da época e de hoje? Fábio Konder Comparato, em entrevista publicada no Jornal Sem Terra, edição de março de 2001, mostra a variação ocorrida desde o Império: “E o que eu vejo hoje é um fato da maior importância, que é a mudança na composição das classes dominantes. Nós tivemos sempre uma dualidade de classes dominantes, uma mais antiga e outra mais recente. Durante o Império, praticamente até a Revolução de 30, foram os proprietários rurais e os comerciantes de exportação. Proprietários rurais era a classe mais antiga; os comerciantes de exportação mais recente, a mais moderna. A partir de 1930, houve uma mudança porque os comerciantes de exportação, importação, aqueles que cuidavam do comércio exterior, cederam lugar para os industriais. A industrialização do país, a partir dali, mudou inteiramente o nosso perfil econômico e social. Acontece que hoje a classe industrial deixou de ser, deixou de estar em primeiro lugar no esquema de dominação e cedeu essa posição para os banqueiros e os empresários do sistema financeiro”. 10 Destacamos a expressão confronto porque as divergências, como se verá, foram apenas no plano abstrato.

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23

Convém determinar, desde logo, que não nos estamos colocando de

acordo com o lamentável momento histórico que suprimiu direitos do povo

brasileiro, entre eles, o de eleger os seus principais representantes e, por isso,

não condenamos as críticas feitas aos diversos textos normativos tratados

neste trabalho e criados durante o regime militar iniciado na década de 1960.

Aliás, no respeitante às críticas, em sua maioria, elas foram feitas ainda

durante a ditadura militar, ou logo depois. Esperava-se que, uma vez

reconquistados os direitos políticos e eleitos democraticamente os

representantes populares, houvesse equilíbrio na participação da sociedade,

redimensionando-se a influência de grupos de maior força econômica. Como

se verá adiante, não foi o que aconteceu.

1.2. O período de 1961 a 1985

No período pós Segunda Guerra Mundial o Brasil experimentou um

ciclo de crescimento expressivo. Particularmente no período em que a

industrialização intensificou-se (1956-1962), a taxa média de crescimento

chegou a atingir o significativo percentual de 7,8%11. Essa taxa subiu para

10% em 1961, caiu para 5,3% em 1962, 1,5% em 1963 e, em 1964, estava em

2,4%12.

11 Werner Baer, A economia brasileira, p. 79. 12 Werner Baer, Ibidem, p. 87.

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Esse quadro mostra que a crise política que se instalou no Governo

Jânio Quadros no ano de 1961, como não poderia ser diferente, refletiu

gravemente na economia. O distúrbio, que era político, atingiu profundamente

o desenvolvimento econômico experimentado na década anterior. A

extravagante campanha de Jânio Quadros, marcada simbolicamente por uma

vassoura com a qual varreria a corrupção, somou-se, depois da sua eleição, à

desafiadora aproximação com países socialistas. É bastante lembrar a

polêmica condecoração de Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul.

Pressionado, Jânio renunciou em 25 de agosto de 1961, deixando para a

história a sua famosa carta-renúncia.

As convicções políticas do vice-presidente João Goulart, consideradas

de esquerda, descontentavam as elites detentoras do poder econômico no País,

mas havia aqueles que queriam o cumprimento da Constituição Federal. Por

isso, João Goulart somente tomou posse em 7 de setembro de 1961 depois que

o Congresso Nacional, às pressas, modificou a Constituição Federal para

estabelecer uma república parlamentarista, retirando do Poder Executivo as

funções de chefe do governo.

Sob tais condições, João Goulart assumiu o cargo, mas com o firme

propósito de reconquistar os poderes do Presidente da República em regime

presidencialista, o que conseguiu em 1963 por meio de um plebiscito. Era um

momento político e econômico delicado. Havia forte resistência das oposições

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civis e militares ao seu governo por defender idéias populistas em favor dos

trabalhadores e sindicatos e, por isso, acusavam-no de comunista, condição

inaceitável pela sociedade brasileira da época.

A crise econômica, agravada pelo conturbado quadro político, fez com

que o crescimento do país despencasse continuamente, elevando a dívida

externa e a inflação a números nunca antes vistos, fatores que contribuíram

para concretizar a intenção de golpe.

Foi marcante e derradeiro o comício ocorrido na Central do Brasil, no

Rio de Janeiro, em 13 de março de 1964, que desencadeou um vigoroso

protesto de importantes grupos de oposição. No seu inflamado discurso, João

Goulart assegurou a reforma agrária e a nacionalização das refinarias de

petróleo estrangeiras, contrariando os interesses de influentes setores da

sociedade. A reação foi imediata. Poucos dias depois, foi organizada uma

passeata em São Paulo por grupos de oposição, com o apoio do Governo do

Estado, que ficou conhecida como a “Marcha da Família com Deus pela

Liberdade”. Em 31 de março de 1964, João Goulart foi deposto. O presidente

da Câmara dos Deputados, Paschoal Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente

a presidência da República até que o supremo Comando Militar apresentasse

o famoso Ato Institucional nº 1, no dia 09 de abril de 1964 para, dois dias

depois, o Congresso Nacional eleger o Marechal Castello Branco o novo

Presidente do Brasil, que assumiu o cargo em 15 de abril de 1964. A partir daí

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o destino do país passou a ser decidido pelos militares que exerceram o poder

com veemência, instalando uma ditadura militar que durou por mais de 20

anos13.

Nesse ambiente excepcional, apoiado em um discurso

desenvolvimentista e capitaneado na área econômica por Roberto de Oliveira

Campos, foi apresentado o Programa de Ação Econômica do Governo 1964-

1966 (PAEG). Resume Wenceslau Gonçalves Neto que:

“O plano, consoante os ideais liberais que nortearam a ação golpista, inicia-

se reafirmando o respeito às leis de mercado mas pregando a necessidade da

presença governamental para melhorar a distribuição da renda e da riqueza

dentro deste mesmo mercado. Como objetivos básicos, enfatiza a necessidade

de acelerar o ritmo de desenvolvimento, que fora interrompido nos anos

iniciais da década, em virtude do esgotamento do modelo de substituições de

importações; a contenção do processo inflacionário; a melhoria das

condições de vida da população, procurando diminuir as diversas formas de

13 Escrevendo sobre A democracia no liminar do século XXI, Manoel Gonçalves Ferreira Filho tem o “golpe militar” de 1964 como uma intervenção preventiva em face dos comunistas que queriam implantar o “socialismo real”. Acusa os intelectuais que desejavam o êxito dessa tentativa de “reescreverem a história para apresentar os que se opuseram a elas como cruéis inimigos da democracia, enquanto os comunistas e seus aliados, que sempre implantaram ditaduras ao chegar ao Poder, como democratas. E, mesmo quando usavam do terrorismo – porque era bom, porque era bom o seu objetivo – enquanto a ‘repressão’ era intrinsecamente má”, retratada sucintamente, a situação do “golpe” de 1964: “Em 1964, estando João Goulart na Presidência da República, os comunistas – disse-o seu chefe – já estavam no Poder. Eram apoiados, inclusive por grupos de subalternos das Forças Armadas, principalmente da Aeronáutica e da Marinha. Anunciava o governo ‘reformas’, em todos os planos, que iriam abrir caminho, primeiro para um sindicalismo à moda de Peron – era o que Goulart desejava – depois para o ‘socialismo real”. As Forças Armadas – leia-se o Exército – chefiados pelo Mal. Castelo Branco preveniram a realização desse objetivo, com um ‘golpe’ nitidamente preventivo. Assumiu o mencionado Castelo Branco o Poder, com o propósito – que inegavelmente foi o seu até o fim – de, após um período de aplacamento da ‘febre’ política (é verdade que, com um expurgo de líderes comprometidos com o statu quo ante), restabelecer a normalidade democrática. Isso foi feito, mas vinte anos depois. A principal razão do retardamento foi, sem dúvida, uma parte dos militares se haver contaminado de pretorianismo” (p. 84).

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desníveis econômicos e sociais (regionais, setoriais, etc.); a garantia de

oportunidades de emprego; e a correção dos déficits do balanço de

pagamentos, que colocavam em risco a possibilidade de importações e a

própria capacidade de crescimento do país.14”

O escopo do plano era retomar o desenvolvimento extremamente

prejudicado nos conturbados primeiros anos daquela década. Para tanto, era

necessário construir uma nova estrutura jurídica que desse mais dinamismo e

segurança ao mercado e garantisse o sucesso do que fora planejado, atingido

setores importantes como a construção civil, incentivando a criação de

habitações, a produção agrícola, o controle do crédito, direcionando recursos

públicos para a infra-estrutura e expressivos investimentos das empresas

estatais. Enfim, compatibilização com uma economia de mercado15.

Para atingir a meta desenvolvimentista traçada, logo nos primeiros anos

daquele Governo Militar veio a reorganização do Sistema Financeiro

Nacional (Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964); a criação do Banco

14 Estado e agricultura no Brasil, p. 127. Werner Baer acrescenta que: “o novo regime estabelecido em 1964 considerava que o caminho para a recuperação econômica residia no controle da inflação, na eliminação da distorção de preços acumulada no passado, na modernização dos mercados de capitais que produziria um aumento na acumulação de poupança, na criação de um sistema de incentivos que direcionasse investimentos paras as áreas e setores considerados essenciais pelo governo, na atração de capital estrangeiro (tanto privado como público) para financiar a expansão da capacidade produtiva do país e no uso de investimentos públicos em projetos de infra-estrutura e em determinadas indústrias pesadas de propriedade do governo” (A economia brasileira, p. 89). Afirma-se, ainda, que o governo Castelo Branco plantou os alicerces dos planos que vieram depois e que desembocaram no “milagre econômico”. Esse governo promoveu “as reformas de fundo (institucionais, constitucionais, legais, administrativas, morais e de mentalidade)...”, “retomou o desenvolvimento econômico; fez a reforma tributária, a reforma administrativa, a reforma bancária, a reforma monetária, a reforma do mercado de capitais, implantou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e o Banco de Habitação” (Carlos Galves, Manual de economia política atual, p. 466). 15 Para João Bosco Leopoldino da Fonseca, “O Paeg se pautou por ser um plano indicativo, o que se compatibilizava com o desenrolar-se de uma economia de mercado” (Direito econômico, p. 384).

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Nacional da Habitação (BNH) e regulação do Sistema Financeiro da

Habitação (Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964); a disciplina do Mercado

de Capitais (Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965), que instituiu a alienação

fiduciária em garantia para as operações de crédito bancário que passou,

posteriormente, a ser tratada pelo Decreto-lei nº 911, de 1º de outubro de

1969; a disciplina da cédula hipotecária e a respectiva execução extrajudicial

(Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966); a criação do Fundo de

Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), cujos recursos depositados passaram

a ser administrados pelo BNH (Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966) para

financiar a construção de moradias; a instituição da nota e da cédula de

crédito rural (Decreto-lei nº 167, de 14 de fevereiro de 1967) e da nota e da

cédula de crédito industrial (Decreto-lei nº 413, de 9 de janeiro de 1969); a

execução especial prevista na Lei nº 5.741, de 1º de dezembro de 1971.

Foram criados instrumentos mais simples (v.g., as cédulas de crédito)

para facilitar o fluxo de capitais, o barateamento do crédito e melhores

garantias, como é o caso da inclusão no ordenamento jurídico dos institutos

da alienação fiduciária em garantia pela Lei nº 4.728, de 17 de julho de 1965,

com tratamento processual distinto, previsto no Decreto-lei nº 911/69, que

possibilitou ao credor fiduciário a obtenção de liminar para a apreensão do

bem alienado fiduciariamente para que, com a venda incondicional posterior,

pudesse receber o seu crédito. Também é dessa época a execução extrajudicial

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para os imóveis financiados por empresas integrantes do Sistema Financeiro

da Habitação, com todas as conseqüências daí decorrentes, como a imissão do

credor hipotecário na posse do imóvel imediatamente depois da adjudicação,

excetuando-se a hipótese de prova, pelo devedor, do pagamento ou do resgate

da dívida, ou a execução especial prevista na Lei nº 5.741/71, que veio

possibilitar a desocupação do imóvel em 30 (trinta) dias e apenas atribuiu

efeito suspensivo aos embargos se o executado provar que pagou ou resgatou

a dívida16. Da mesma forma as execuções sumárias previstas nos Decretos-lei

nº 167/67 e 413/69, que simplificaram os títulos de crédito e facultaram ao

credor a venda antecipada dos bens dados em garantia.

As novas regras introduzidas no ordenamento jurídico encontraram sua

legitimidade, aos olhos dos detentores do poder, na necessidade do plano de

desenvolvimento atingir os seus objetivos. É a dedução que se extrai das

várias manifestações da época, como aquela da Exposição de Motivos do

Decreto-lei nº 911/69, assinada pelo então Ministro da Fazenda, Antonio

Delfim Netto, para a alternativa processual ali apresentada:

“A importância crescente do crédito ao consumidor está exigindo uma

formulação do Instituto da Alienação Fiduciária, que passou a desempenhar

função relevante como garantia nas operações feitas pelas financeiras para

financiamento ao usuário de bens de consumo ou de produção.

16 Como veremos, a questão relacionada ao efeito suspensivo dos embargos na execução especial hipotecária não é pacífica.

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Instituto novo, introduzido no direito brasileiro pelo art. 66 da Lei 4.728, de

14.07.1965 (Lei do Mercado de Capitais), a alienação fiduciária não tinha

merecido, até o presente momento, uma adequada regulamentação

processual. A ausência de normas sobre a matéria tem ensejado divergência

jurisprudencial e insegurança nas relações jurídicas que contam com a

referida garantia, suscitando-se dúvidas quanto à ação própria a ser

intentada pelo adquirente fiduciário contra o alienante. A demora nos

processos para reaver bem garantidos do débito tornou-se fonte de

encarecimento das operações financeiras realizadas com a garantia da

alienação fiduciária. Pretendendo o governo baixar o custo operacional das

instituições financeiras, tornou-se indispensável dar solução rápida e eficaz

na hipótese de inadimplemento do devedor, justificando-se, pois, a

elaboração de um projeto de decreto-lei para atender tais situações.

(...)

A elaboração do projeto, em última análise, visa a dar maiores garantias às

operações feitas pelas instituições financeiras, assegurando o andamento

rápido dos processos, sem prejuízo da defesa, em ação própria, dos legítimos

interesses dos devedores. Obteve-se, assim, um justo equilíbrio e uma

conciliação adequada entre as reivindicações dos organismos financeiros, a

proteção adequada dos investidores e o resguardo dos direitos dos usuários e

adquirentes dos bens de consumo e de produção, mediante a utilização do

crédito direto.”

Os procedimentos diferenciados e alternativos então instituídos (v. g.,

busca e apreensão autônoma prevista no Decreto-lei nº 911/69, a execução

extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 etc.) trouxeram vantagens para as

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instituições financeiras na rápida recuperação dos seus créditos,17 cujo escopo

derradeiro era reduzir os encargos e incentivar os detentores do capital a dele

dispor. O que não parece conclusivo é se esses privilégios foram ou não

deferidos só por se tratar de um regime excepcional ou se havia, na verdade, o

intuito de recuperar uma economia em declínio, à semelhança do que, hoje,

realiza-se com medidas tão equivalentes ou com favores de maior

envergadura e com fundamento no mesmo discurso, como se verá a seguir.

1.3. O período posterior a 1985

Em 15 de janeiro de 1985, embora por um Colégio Eleitoral, foi eleito o

primeiro presidente civil desde 1961, Tancredo de Almeida Neves. A posse,

que estava marcada para o dia 15 de março de 1985, nunca aconteceu, pois,

antes dela, o presidente eleito adoeceu e veio a falecer em 21 de abril daquele

ano. Em seu lugar, assumiu a Presidência da República o seu vice, também

civil, José Ribamar Ferreira de Araújo Costa (José Sarney).

17 Por isso, são veementemente criticados por Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, dizendo terem as classes dominantes, nos últimos vinte anos (a sua crítica é de 1985), utilizado do instrumento processual em benefício próprio. Depois de citar os procedimentos especiais criados para a recuperação de créditos de natureza bancária, afirma que o exame da legislação processual especial criada a partir de 1964 “...evidencia de que forma os grupos que empolgam o Poder se apropriam de instrumentos mais eficientes à satisfação de suas pretensões, relegando para segundo plano as aspirações da maior parte da população” (Procedimento e ideologia no direito brasileiro atual, AJURIS - Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 33:79-85).

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Sob uma nova perspectiva democrática, com a eleição de uma

Assembléia Nacional Constituinte que veio a elaborar a Constituição Federal

de 1988, posteriormente elegendo-se pelo voto direto o Presidente da

República, o país passou por duros períodos de turbulência econômica e

política, culminando no impeachment do primeiro Presidente eleito pelo voto

popular depois da ditadura militar, Fernando Collor de Mello, assumindo o

cargo o seu vice, Itamar Augusto Cautiero Franco.

Em 1º de janeiro de 1995, outro presidente eleito pelo voto popular,

Fernando Henrique Cardoso, assumiu a Presidência da República,

permanecendo por dois mandatos, entregando o Poder ao candidato de

esquerda vitorioso nas eleições de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de

janeiro de 2003.

Nesse segundo período da nossa análise e até 1995, sobre o tema que

abordamos, o fato marcante foi a extinção do Banco Nacional da Habitação

ocorrida em 1986. Depois, somente a partir da segunda metade da década de

1990, novas regras a respeito foram criadas. E as justificativas que se

apresentaram nos posteriores anos de pleno exercício democrático com a

Constituição cidadã de 1988 para deferir-se meios processuais, judiciais e

extrajudiciais, tendentes à facilitação no recebimento do crédito, foram as

mesmas empregadas para o momento histórico antecedente e totalmente

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33

distinto. Observa-se que as mesmas razões influenciaram tanto o mais duro,

como o mais democrático dos regimes. É o que se verifica do confronto das

posições assumidas hoje e nas décadas de 1960 e 1970.

Com efeito. As justificativas fundadas nas lições neoliberais que

influenciam a adequação do ordenamento jurídico, inclusive as normas de

processo, aos interesses dos credores e investidores a pretexto de gerar

segurança e desenvolvimento, também se revelou presente na criação do

Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), quando foi mostrado o mesmo discurso

propalado na década de 1960 (vide o exemplo da Exposição de Motivos do

Decreto-lei nº 911/69 antes transcrito, de autoria do então Ministro da

Fazenda Antônio Delfim Netto). Criado pela Lei nº 9.514, de 20 de novembro

de 1997, instituiu uma série de garantias de estímulo ao investimento no setor

de construção, entre elas, destacando-se a alienação fiduciária de bens

imóveis e a possibilidade do credor, mediante simples ato realizado perante o

Oficial do Registro de Imóveis, ter consolidada a propriedade em suas mãos,

na hipótese de inadimplemento, ou seja, sem qualquer providência de

natureza jurisdicional.

A ideologia que inspirou a criação do Sistema Financeiro Imobiliário,

como ocorreu com toda a legislação semelhante da década de 1960, foi bem

percebida por Adroaldo Furtado Fabrício:

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34

“Fundamentalmente, o que inspirou a elaboração da nova Lei foi a

preocupação de subordinar o comércio de imóveis e o fluxo de capitais nele

envolvido às diretivas e critérios do mercado. Imagina-se que, aí como em

toda parte, o poder de auto-regulação e de disciplina espontânea do mercado

terá o condão de assegurar soluções benéficas ao desenvolvimento dos

negócios e garantirá vantagens a todos os envolvidos. Conhecida como é essa

premissa e a experiência que de sua aplicação temos, a nova sistemática é,

sem dúvida, mais um fruto dileto do neoliberalismo econômico em moda. O

ponto central de atenção, que, em matéria de aquisição de imóveis, esteve

sempre no comprador-financiado, dado o manifesto interesse social

envolvido, desloca-se para a lucratividade do comércio imobiliário, a

segurança do investidor do ramo e os atrativos que a correspondente

atividade econômica pode oferecer. O foco polarizador da atenção do

legislador migrou do social para o estritamente econômico, visto, de resto,

preferencialmente pelo ângulo do lucro”.18

Distante de traduzir o escopo social, facilitando a aquisição da casa

própria pelas camadas de menor renda, ao menos teoricamente como fez a Lei

nº 4.380/64, a criação do Sistema Financeiro Imobiliário objetivou dar maior

segurança aos investidores para que fossem destinados recursos à construção

civil, à conta de gerar empregos e desenvolvimento econômico. Observa-se

que o mesmo mote desenvolvimentista utilizado na década de 1960 foi

invocado na criação ou ampliação de outros diplomas legais que favoreceram

as instituições financeiras.

18 A alienação fiduciária de imóveis segundo a Lei nº 9.514/97, Palestra proferida no I Simpósio Nacional de Direito Bancário, realizado em São Paulo nos dias 6, 7 e 8 de julho de 2000.

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Igualmente, a criação da Cédula de Crédito Bancário, já ao final da

década de 1990, foi a mais pronta e visível concessão de um privilégio por

clara sugestão das empresas integrantes do Sistema Financeiro Nacional a

pretexto do barateamento do crédito.

As taxas de juros praticadas no Brasil estavam, à época, entre as mais

altas do mundo, motivo da carência de crédito para alavancar a economia.

Com os índices de inflação estabilizados, não havia motivos para percentuais

tão elevados. No entanto, apresentavam-se, como uma das razões

determinantes para a falta de oferta de dinheiro, os expressivos índices de

inadimplência e as dificuldades na cobrança. Além do desaparelhamento do

Judiciário, apontava-se a inexistência de um título executivo adequado para

algumas operações bancárias que pudessem agilizar o processamento da

execução.

Isso tudo aconteceu quando os tribunais passaram a considerar a dívida

respaldada em contrato de abertura de crédito (rotativo) em conta corrente

ilíquida, impossibilitando o manejo do processo de execução, entendimento

que veio a ser consolidado na Súmula nº 233 do Superior Tribunal de

Justiça19.

19 O teor da Súmula 233 do Superior Tribunal de Justiça é o seguinte: “O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo”.

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Essa modalidade de operação era utilizada em larga escala pelos

bancos. Para que se possa ter noção do volume de negócios envolvidos, basta

lembrar que uma de suas espécies, o conhecido “cheque especial”, é lastreado

em um contrato de abertura de crédito em conta corrente. O entendimento dos

tribunais criou dificuldades para os credores na cobrança dessa modalidade

de crédito, pois impediu o ingresso de ação de execução fundada nesse título,

tornando a recuperação muito mais demorada.

Foram as instituições financeiras que apresentaram a Cédula de Crédito

Bancário como alternativa para contornar o entrave processual criado pelos

tribunais. Em 30 e 31 de agosto de 1999, por exemplo, foi realizado em São

Paulo o “Simpósio sobre Contrato Bancários”, com o apoio da Associação

Brasileira de Bancos Comerciais e Múltiplos-ABBC e da Associação

Brasileira de Bancos Internacionais-ABBI. Na ocasião, foram discutidas as

vantagens e desvantagens da criação da Cédula. A exposição foi feita por

profissionais ligados ao Sistema Financeiro Nacional: Rivail Trevisan-

Supervisor Jurídico do Banco do Brasil; Renato Romano-Gerente Geral

Jurídico do Banco Santander; e, Cássio M.C.Penteado Jr.-Sócio do escritório

Toledo, Penteado & Cioconelli Advogados e Consultores, ex-integrante da

Comissão Jurídica da FEBRABAN.

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Entre vários aspectos que se discutiram, sobreleva a constituição de

garantia hipotecária em documento particular, ou seja, na própria cédula,

autorização para cobrança de juros capitalizados, cujo escopo foi o

esvaziamento da discussão tão em destaque à época, além do reconhecimento

do valor apontado em planilha demonstrativa elaborada pelo credor ou o saldo

apontado nos extratos de conta corrente como representativo de dívida

líquida, certa e exigível.

Por outro lado, o Banco Central do Brasil, depois de investigar as

razões das elevadas taxas de juros da época, por meio do seu Departamento

de Estudos e Pesquisas-DEPEP, divulgou um relatório denominado “Juros e

Spread Bancário no Brasil”, de outubro do ano de 1999. Nele, foram

apresentadas as mesmas justificativas das instituições financeiras, aquelas

que foram objetos do Simpósio antes mencionado. Seguindo a campanha

deflagrada pelas instituições financeiras, a criação da Cédula de Crédito

Bancário veio como sugestão no trabalho daquela autarquia.

O apelo das instituições financeiras e a posição adotada pelo Banco

Central do Brasil que encampou a idéia, levou o Poder Executivo, no mesmo

mês da divulgação do relatório mencionado, a editar a Medida Provisória nº

1.92520, criando a Cédula de Crédito Bancário.

20 A Medida Provisória nº 1.925 foi reeditada 25 vezes, encontrando-se atualmente em tramitação no Congresso Nacional sob o nº 2.160-25, de 23.08.2001, publicada no DOU de 24.08.2001, anterior, portanto, à EMC nº 32, de 11.09.2001.

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A Cédula de Crédito Bancário, na forma disciplinada pela Medida

Provisória nº 1.925/99, trouxe facilidades às instituições financeiras na

cobrança dos seus créditos, eliminando os problemas que vinham enfrentando

pelas decisões dos tribunais, como é o caso da inexeqüibilidade do contrato de

abertura de crédito em conta corrente, da alienação fiduciária de coisa

fungível ou de direito etc..

Seguindo nesta linha, o Governo trabalhista que assumiu o Poder em 1º

de janeiro de 2003, sobreposto no mesmo discurso desenvolvimentista da

década de 1960, empenhou-se em aprovar, no Congresso Nacional, o projeto

que se transformou na Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004.

Esse novo diploma passou a disciplinar o patrimônio de afetação de

incorporações imobiliárias, a tratar da Letra de Crédito Imobiliário, da Cédula

de Crédito Imobiliário e da Cédula de Crédito Bancário, alterou o Decreto-Lei

no 911, de 1o de outubro de 1969, as Leis no 4.591, de 16 de dezembro de

1964, no 4.728, de 14 de julho de 1965, e no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

A pretexto de proteger os mutuários em face do inadimplemento das empresas

incorporadoras e estimular a construção civil, cuidou de outros assuntos,

como a alienação fiduciária em garantia, autorizando a venda do bem alienado

fiduciariamente em 05 (cinco) dias depois de cumprida a liminar de busca e

apreensão etc..

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39

Na Mensagem do Poder Executivo que encaminhou o Projeto de nº

3.065/2004, que resultou na referida Lei nº 10.931/2004, apensado ao de nº

2.109/1999 da Câmara dos Deputados, ficou nítida a preocupação com o

crédito para o desenvolvimento econômico, geração de empregos e habitação,

notando-se inteira coincidência com o discurso da década de 1960. Consta do

texto:

“2.A importância do bom funcionamento do mercado de crédito brasileiro

para o desenvolvimento da economia é um fato incontestável. A adequada

disponibilização de recursos creditórios, de maneira eficiente e a um baixo

custo, é essencial não só para viabilizar a produção, com implicações diretas

sobre a geração de emprego e renda, mas também para o fomento à

poupança e ao investimento, ou mesmo para a solução de problemas de

natureza social relacionados à habitação, saneamento básico dentre outros.

3. Há o entendimento de que a legislação em vigor que trata das operações

de crédito de maneira geral e de outras matérias correlatas carece de

dispositivos que reduzam a insegurança econômica e jurídica dessas

operações, criando óbices ao bom funcionamento do mercado e à garantia do

mutuário. Essa deficiência legal tem, na prática, os efeitos de limitar o acesso

ao crédito, de reduzir os recursos disponibilizados e de elevar o custo das

operações, em prejuízo do todo social e, em particular, do cidadão comum,

tomador do crédito. Além disso, como ilustrado em diversos casos do

passado, muitas vezes essa insegurança jurídica implica o não cumprimento

da entrega devida do imóvel financiado ao mutuário ou, ainda, a entrega a

um curso maior do que o inicialmente contratado.

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40

4. É com o objetivo de promover o acesso ao crédito em maior volume, a um

custo mais baixo, de maneira eficiente e em condições economicamente

viáveis, em especial, no segmento do financiamento imobiliário, que são

apresentadas as alterações ora consolidadas no Projeto de Lei em tela.”

Por fim, na referida mensagem com pedido de tramitação especial em

regime de urgência, foi declinado que o projeto de lei apresentado,

“...justifica-se pela premente necessidade de vigência dos novos dispositivos

propostos, dos quais depende o bom funcionamento do mercado de crédito e

considerando a importância desse no processo de retomada que a economia

brasileira vivencia nesse ano. Nesse sentido, é crucial assegurar, ainda nos

primeiros meses de 2004, as condições que viabilizem esse processo de

retomada e sobre as quais estará fundado o crescimento econômico

sustentável nos anos vindouros”.

Curioso mencionar, ainda, que o empenho do Executivo foi tão efetivo

que, no sempre moroso Congresso Nacional, logrou aprovar o projeto nas

duas Casas em inimagináveis dois dias: em 07 de agosto na Câmara dos

Deputados e, no dia seguinte, no Senado Federal, com remessa, na mesma

data, para a sanção presidencial.

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41

Quem mais dirigiu críticas às classes dominantes e valeu-se de um

discurso de política de igualdades sociais para assumir o Governo tem

empenhado-se para aprovar medidas semelhantes ao duro regime instalado

em 1964 e fundado no mesmo discurso, ou seja, necessidade de garantir o

crédito para diminuir os juros cobrados e gerar o desenvolvimento econômico

de acordo com o mesmo modelo neoliberal. Quem agora ascendeu ao poder

variou o próprio discurso.

A rigor, a insistência em se proteger o crédito e os investimentos

decorre não da forma autoritária ou democrática como o poder político foi

exercido no Brasil nos últimos 44 anos, mas do chamado liberalismo

econômico que deu relevância a fortes grupos econômicos, tornando os

Estados menos desenvolvidos dependentes do financiamento da dívida

pública e de recursos privados para investimentos, como é o caso do Estado

brasileiro. Ou incentiva-se aqueles que têm recursos a investir, deferindo-lhe

favores, ou conta-se com os recursos do próprio Estado, que são insuficientes.

O dilema parece insuperável.

Outrossim, afora o intuito desenvolvimentista, cujo atingimento não

pode ser condenado, convém não se descuidar de questionar sobre ser ou não

necessário criar meios mais ágeis para a recuperação do crédito bancário,

privilegiando um setor específico da sociedade, sabendo-se que a prestação de

uma tutela jurisdicional efetiva também é uma aspiração de índole

constitucional.

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42

Para isso, ainda neste capítulo, é imperioso destacar a importância do

crédito para o desenvolvimento econômico, considerando que a sua

democratização - ao menos teórica - serviu de justificativa para os momentos

históricos que destacamos e, em outro capítulo, tratar da tutela jurisdicional

em vista das relações de crédito bancário.

1.4. O crédito bancário e a sua importância para a economia

Não cabe aqui realizar uma detalhada exposição sobre o crédito21, mas

é essencial que se considere a sua importância na economia, o que pode ser

assim resumido: 1) aumenta a produtividade do capital, evitando a sua

ociosidade; 2) possibilita o aumento da produção de coisas e serviços; 3)

estimula a poupança; c) eleva o consumo, possibilitando a aquisição de bens

pelas pessoas; 5) serve para o governo como instrumento de política

econômica22.

Por essas razões, é indubitável que o desenvolvimento econômico

depende do crédito,23 não só para investimentos com vistas ao incremento da

atividade produtiva, como para estimular o consumo e para realizar

programas sociais, como é o caso da habitação.

21 Sobre o conceito de crédito, sua noção econômica e jurídica, ver Carlo Gilberto Villegas, El crédito bancário, p. 2; Waldírio Bulgarelli, Títulos de crédito, p. 23; Miguel Acosta Romero, Nuevo derecho bancario, p. 415. 22 Carlos Galves, Manual de economia política atual, p. 273-274. 23 Carlos Gilberto Villegas, El crédito bancário, p. 5.

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43

Carlos Galves, depois de criticar a visão socialista da redistribuição de

rendas que encarrega “o Estado de tomar conta de tudo (coletivização), e de

distribuir, pela nação definida como um conjunto de indivíduos tolos e

insensatos, os resultados da renda nacional”, destaca a importância da

atividade produtiva para a vida do povo e para o desenvolvimento econômico

e como a mais acertada forma da distribuição de rendas, dentro de uma visão

de democracia econômica24.

Essa política de produção que induz a uma melhor distribuição de

rendas deve ser implementada com a adoção de algumas medidas, entre elas,

o crédito para investimento (aquisição de máquinas e equipamentos), para o

consumo25 e para o cumprimento de metas sociais.

Percebe-se, nos vários planejamentos econômicos postos em prática ou

pretendidos implantar no Brasil desde 1964, a preocupação com o crédito para

incrementar a produção. Toda a intenção desenvolvimentista orientou-se pela

viabilização do crédito para investimentos e para o consumo, pois a sua

privação, tanto pelo setor produtivo como pelos consumidores,

inviabilizariam qualquer ambição de crescimento.

24 Manual de economia política atual, p. 74. 25 Carlos Galves arrola como principais medidas a serem adotadas em uma política de produção: a) o crédito para investimento; b) redução de impostos para facilitar os investimentos; c) pesquisa e divulgação de novas tecnologias; d) facilitação dos meios de circulação dos produtos; e) política de rendas; f) política tributária; g) política de comércio exterior; h) investimentos em infra-estrutura. (Ibidem, p. 76).

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44

O crédito é de tal importância que se tornou necessário criar

instrumentos, formas de distribuição e controle, surgindo, então, os bancos

para o exercício da função intermediadora: captam a poupança popular e, em

outra direção, realizam operações com os tomadores desses recursos. Nada

impede, no entanto, que concedam empréstimos com recursos próprios, o que

não afasta a sua importância para a atividade creditícia.

Cesare Vivante dizia que banco é:

“o estabelecimento comercial que recolhe os capitais para distribuí-los sistematicamente com operações de crédito”..26

Outros autores seguiram, em linhas gerais, esse conceito que caracteriza

a intermediação financeira como a principal atividade de banco27.

Não obstante, a atividade bancária diversificou-se, tornando-se

modernamente mais complexa. Embora a função fundamental ainda seja a

creditícia, difundiu-se um novo modelo de banco, acrescentando-se às suas

26 Trattado di diritto commerciale, v. I, Milão, 1922, p. 92, v. I, apud Nelson Abrão, Direito bancário, p. 28. 27 Fran Martins escreveu que bancos são “empresas comerciais que têm por finalidade realizar a mobilização do crédito, principalmente mediante o recebimento, em depósito, de capitais de terceiros, e o empréstimo de importâncias, em seu próprio nome, aos que necessitam de capital. Além dessas, poderão os bancos praticar outras operações afins” (Contratos e obrigações comerciais, p. 484). Destacando que a função primária do sistema financeiro, no qual se incluem os bancos, é a intermediação financeira, Emilio Ontiveros e Francisco J. Valero assinalam que: “El sistema financiero de cualquer país está formado por el conjunto de mercados e instituciones que canalizan recursos desde las unidades económicas poseedoras de ahorro e las que son deficitárias. La función primária de todo sistema financiero no es otra que la de poner en contacto a los que quieren prestar o invertir fondos con aquellos que desean captar nuevos recursos, por ejemplo a través del endeudamiento”(Introducion al sistema financiero español - análisis económico e tendencias, p. 17).

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45

atividades alguns serviços atípicos, destacando-se a mediação em negócios,

aquisição de participações societárias28, prestação de serviços etc..29

Mantendo-se essencialmente vinculada ao crédito, a atividade bancária

é exercida sob autorização estatal30 e rigorosa fiscalização por força da sua

relevância para o desenvolvimento econômico31. Como assegura Armindo

Saraiva Matias,

“por ser essencial, absolutamente indispensável para o desenvolvimento

económico e social é que o poder político lhe tem reservado a maior atenção,

impondo-lhe regulamentação específica, cuidada e permanente”.32

Por essa importância da atividade que se impõe manter o

funcionamento do sistema financeiro de forma equilibrada. Por isso, os

ordenamentos jurídicos em geral, e aqui em particular o brasileiro,

estabelecem uma série de regras de funcionamento, subordinando o setor

bancário à fiscalização permanente de um órgão técnico que deve atuar de

28 Michele Spinelli e Giulio Gentile, Diritto bancario, p. 39. 29 Vasco Soares da Veiga, depois de assinalar que os bancos “são instituições de crédito”, menciona que o art. 199º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, vigente em Portugal, arrola uma série de serviços, entre os quais encontramos alguns que não são, rigorosamente, formas de intermediação (Direito bancário, p. 69). 30 O art. 18, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, impõe a autorização do Banco Central ou do Poder Executivo, quando estrangeiras, para funcionar, verbis: “As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras”. 31 Por conta da sua importância, o Sistema Financeiro Nacional mereceu um capítulo específico na Constituição Federal (Capítulo IV). Também a Constituição italiana estabeleceu a disciplina, a coordenação e o controle do exercício do crédito no art. 47, verbis: “La Repubblica incoraggia e tutela il rispmarmio in tutte le sua forme; disciplina, coordina e controlla l’esercizio del credito”. 32 Direito bancário, p. 17.

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46

acordo com o interesse público, traçando uma série de diretrizes de

observância obrigatória e deferindo mecanismos de controle para a defesa do

mercado.

Extrai-se, dessas considerações, que o correto e equilibrado

funcionamento das instituições financeiras é imprescindível, pois: 1) os

bancos trabalham, essencialmente, com recursos de terceiros - embora

também próprios -, captando-os sob as mais variadas formas para transferi-los

a quem necessita tomá-los emprestados; 2) o crédito é essencial para a

atividade econômica; 3) uma crise financeira de elevadas proporções pode

repercutir e comprometer a economia de um país.

Um grande banco com dificuldades na sua operação, por uma lógica de

mercado, pode levar a uma recessão generalizada. Com efeito, por operarem

os bancos com elevado grau de alavancagem, pois captam essencialmente

recursos de terceiros, o seu percentual de endividamento é sempre alto. A

crise de uma instituição importante, por um efeito dominó, alastra-se para

outras. O crédito diminui e os empréstimos esgotam-se. Conseqüentemente,

menor produção, menor consumo e mais desemprego33.

33 Sobre crise bancária e suas conseqüências, ver Jairo Saddi, Crise e regulação bancária¸ p. 44.

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47

Para a estabilidade do sistema financeiro, para que fiquemos no nosso

tema, além de outras medidas, impõe-se que ao crédito sejam concedidas

certas garantias, seja no que se refere à sua concessão, seja no que se refere à

sua recuperação. A falta de crédito ou um elevado índice de inadimplemento

com a conseqüente dificuldade no recebimento por conta das formas de

garantia ou ineficiência do Estado na prestação da tutela jurisdicional pode

adicionar dificuldades ao sistema que trarão reflexos importantes na atividade

econômica34.

Como bem particulariza José Carlos Moreira Alves, depois de assinalar

que o crédito é essencial para o desenvolvimento industrial e para o consumo,

“para facilitar a obtenção do crédito, é indispensável garantir, da maneira

mais eficiente possível, o credor, sem, em contrapartida, onerar o devedor a

ponto de que fique, por causa da garantia, impedido de pagar o que deve, ou

de se utilizar, de imediato, do que adquiriu a crédito”.35

Na mesma linha, seguem Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe,

verbis:

“Sem a disponibilidade de meios eficazes de pronta satisfação do crédito, os

financiamentos estimulados em crescente difusão tornar-se-iam uma

temeridade, afetando a própria liquidez das obrigações assumidas pelas

financeiras em relação aos títulos de sua obrigação colocados no mercado. E 34 Para preservar o sistema de crises que possam afetar a economia de um modo geral, a lei estabeleceu como dever do Conselho Monetário Nacional a tarefa de, além de outras, “zelar pela liquidez e solvências das instituições financeiras” (art. 2º, inciso VI, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964). 35 Da alienação fiduciária em garantia, p. 2.

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a insegurança fatalmente prejudicaria a captação de recursos de

financiamento, com retração na atividade de abertura de crédito para

aquisição de utilidades e bens de produção. Rompido o ciclo econômico já

apontado, o prejuízo se generaliza”.36

Não é suficiente, para que o ciclo econômico seja assegurado, a criação

de garantias mais robustas, nem sob o aspecto formal facilitar a sua

instituição, como é o caso da garantia hipotecária constituída em instrumento

particular (v.g., na cédula de crédito rural ou industrial, na cédula de crédito

bancário e nos contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro da

Habitação). É necessário que também se dê instrumentos ao credor para que

possa dispor da garantia para a rápida recuperação do crédito na hipótese de

inadimplemento.

Não se pode olvidar, porém, que, se de um lado, o credor merece

melhores garantias e adequadas formas de excuti-las, até porque o crédito

transcende o interesse individual do banco à vista da sua relevância para a

economia e, por isso, a concessão de privilégios deve reverter, por via

oblíqua, em benefício de toda a sociedade37, também não se pode ser afoito a

ponto de desconhecer a necessidade de proteger-se o devedor.

36 Garantia fiduciária, p. 166. 37 Bem anota Fábio Nusdeo que: “Mesmo quando alguns setores específicos são privilegiados numa política desenvolvimentista, eles são encarados primordialmente pela contribuição que possam trazer para o todo, muito embora os seus aspectos microeconômicos não sejam olvidados” (Curso de economia – introdução ao direito econômico, p. 395).

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Há que se evitar o desmedido apego à realização do crédito inadimplido

em detrimento das garantias constitucionais, do devido processo legal e dos

princípios dele decorrentes (igualdade, imparcialidade etc.). Impõe-se a

harmonização da efetiva realização do direito do credor com as garantias que

a ordem jurídica defere ao devedor. Essa tarefa não é fácil e, como veremos

no decorrer desta dissertação, há situações em que a ordem constitucional foi

frontalmente atingida38 a pretexto de abreviar o retorno do valor mutuado para

o fluxo do sistema.

Também é importante observar que o Estado deve levar em conta,

quando implementa seus programas de desenvolvimento econômico e social,

que determinados setores merecem créditos diferenciados, seja para atingir o

objetivo dos programas de estímulo, seja pelo fim especial a que o

empréstimo destina-se.

Assim, para a aquisição da casa própria, por exemplo, considerando a

espécie de bem envolvido, os juros não podem ser os mesmos praticados pelo

mercado financeiro para outras operações. Daí que, nessas hipóteses, o

tabelamento e um rigoroso controle torna-se ainda mais imperioso.39

38 Aponta Luiz Rodrigues Wambier que: “não é fácil a tarefa consistente em conciliar tantos interesses, principalmente diante do crescente desprestígio das garantias eminentemente pessoais, fruto da massificação do consumo e do alargamento do crédito. O sistema, por razões que veremos a seguir, tem preferido estabelecer garantias que recaiam sobre os próprios bens, de modo a que estes possibilitem ao credor, na hipótese do inadimplemento do devedor, o imediato recebimento de seu crédito” (Busca e apreensão na alienação fiduciária, Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, 4:37-55). 39 Fábio Nusdeo, quando trata da política creditícia como um dos campos da ação estatal com vistas ao atingimento de políticas de desenvolvimento, aduz tratar-se ela de forma de “aplicar o chamado crédito seletivo, ou seja, recursos aportados sob a forma de empréstimos, a setores ou atividades enquadradas em programas de estímulo. Tais empréstimos em geral contemplam prazos mais dilatados e juros mais

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Ademais, há determinados setores da economia que somente se

desenvolvem mediante uma política de crédito direcionada, como é o caso da

construção civil. Ágil e eficiente gerador de empregos diretos e indiretos, o

setor depende de que sua produção encontre compradores. Ocorre que, como

acentua Erminia Maricato, “ a habitação é uma mercadoria especial, que tem

produção e distribuição complexas” e, entre as mercadorias de consumo, é a

mais cara, não se enquadrando no salário médio do trabalhador e, por isso,

sem dinheiro para pagar à vista, depende de financiamento40. Uma política

pública de habitação, desse modo, é fundamental.

1.5. A política de habitação

A habitação somente passou a ser um problema para o poder público no

final do século XIX e, ainda assim, como uma questão de saúde e ordem

pública. De efeito, com o crescimento industrial dessa época, as cidades

passaram a ser também locais de produção, atraindo imigrantes, os escravos

libertos e trabalhadores brancos41. Muitos investimentos, antes direcionados

para o financiamento do tráfico de escravos, bem como o sucesso das

lavouras de café, levaram à criação de indústrias nas cidades, o que atraiu a

força de trabalho e o aumento da população urbana42.

favoráveis, também chamados subsidiados, diversos daqueles encontrados no mercado financeiro” (Curso de economia, p. 408). 40 Habitação e cidade, p. 46. 41 Erminia Maricato, Ibidem, p. 26. 42 José Maria Aragão, Sistema Financeiro da Habitação, p. 65.

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Os habitantes pobres e marginalizados viviam em cortiços e em

condições precárias de higiene. A situação de pobreza, falta de saneamento

básico, desemprego, fome, criminalidade, epidemias, insalubridade e

superlotação dos cortiços eram vistos de forma diversa pelos vários setores da

sociedade. Tanto que documentos oficiais da época consideravam os cortiços

como degradantes, imorais e que colocavam em risco a ordem pública43.

Reputadas como moradias infectadas, delas se avizinhavam os barões

do café e os industriais e, portanto, significativa a preocupação com o

saneamento nas cidades. Essa vizinhança pobre favorecia a disseminação de

epidemias por doenças contagiosas, a exemplo da gripe espanhola que

incentivou a construção de casas higiênicas com as chamadas Vilas

Operárias44.

43 Erminia Maricato, Ibidem, mesma página. 44 Arlete Moysés Rodrigues, Moradia nas cidades brasileiras, p. 48. As Vilas Operárias, que começaram a ser construídas no final do século XIX e início do século XX, segundo informa Arlete Moysés Rodrigues, eram de dois tipos: uma construída pelos industriais com o objetivo de alugar as casas para seus operários e outra para construídas por empresas e companhias de constrição para alugar as casas aos trabalhadores. No entanto, como a produção de casas não foi significativa, as Vilas Operárias não impediram que os cortiços continuassem a ser utilizados, não obstante a existência, inclusive, de legislação que buscava impedir essa forma de moradia (Ibidem., p. 55). A construção de habitações para aluguel criava, à época, um curioso fenômeno: enquanto os custos com a habitação são altos, os trabalhadores passam a exigir maiores salários e os proprietários voltam a exigir maiores aluguéis. Erminia Maricato descreve a ocorrência desse fenômeno na Inglaterra, o que levou o Estado inglês a intervir na produção de moradias: “se os trabalhadores exigem maiores salários, porque o custo da habitação é alto, os capitalistas se colocarão a favor de medidas que visem a baratear o custo da habitação, como mostra o clássico exemplo da Inglaterra. No século passado, pressionado pelos industriais, o Estado inglês afastou obstáculos à produção em massa de moradias, restringindo, por exemplo, o poder dos proprietários de terra. A regulação da terra e do financiamento permitiu ao Estado também dificultar as possibilidades de ganhos especulativos, que encareciam a habitação. Portanto, quando o poder de pressão dos trabalhadores aumentou, o Estado assumiu a produção de programas sociais subsidiados de habitação e regulou a margem de lucro do capital imobiliário” (Ibidem, p. 44).

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Uma ação governamental direta, no entanto, passou a ser efetiva a partir

da década de 1930, com o chamado “Estado Novo”45 e com a criação das

Carteiras Prediais dos Institutos de Aposentadoria e Pensões que começaram

por financiar e construir moradias aos seus associados sem, contudo,

solucionar o problema habitacional. Em 1946, foi constituída a Fundação da

Casa Popular (FCP) que passou a financiar a construção e aquisição de

habitações com recursos públicos. Porém, entre 1946 e 1964, a Fundação da

Casa Popular financiou apenas 16.964 moradias46.

1.5.1. O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e o Banco Nacional da Habitação (BNH)

Em 27 de maio de 1964, portanto, logo depois dos personagens do

“golpe” militar terem assumido o governo, o Poder Executivo encaminhou ao

Congresso Nacional o projeto de lei que estabelecia o Plano Nacional da

Habitação. Discutido nas duas Casas do Congresso Nacional, foi aprovado e

sancionado pelo Presidente da República em 21 de agosto de 1964, com 32

vetos que alteravam o texto original, sendo dois rejeitados e 30 aceitos47.

Desse projeto resultou a Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964.

45 José Maria Aragão, Sistema Financeiro da Habitação, p. 67. 46 Erminia Maricato, Habitação e cidade, p. 36. 47 José Maria Aragão discorre amplamente sobre o projeto de iniciativa do executivo, sua discussão, modificação e aprovação no Congresso Nacional, expondo os vetos do Presidente da República, quais permaneceram e quais foram rejeitados (Sistema Financeiro da Habitação, p. 90).

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Essa lei, além de ter instituído a correção monetária nos contratos

imobiliários de interesse social, criou o Sistema Financeiro da Habitação

(SFH), o Banco Nacional da Habitação (BNH), as Sociedades de Crédito

Imobiliário, as Letras Imobiliárias e o Serviço Federal de Habitação e

Urbanismo.

Embora o texto da Lei nº 4.380/64 tenha sofrido no decorrer dos anos

importantes modificações, foi mantido o seu objetivo explícito: facilitar a

construção e compra da casa própria, especialmente para as classes sociais de

menor renda. Não obstante o declarado escopo social da nova legislação, foi

manifesta a intenção de promover o desenvolvimento da construção civil e,

conseqüentemente, estimular a economia que se encontrava, à época, em

profunda recessão.

Por meio da Lei nº 4.380/64, “o governo procurou estabelecer as

condições de funcionamento de um mercado financeiro habitacional capaz de

operar em bases economicamente realistas, tendo como suporte a

institucionalização da correção monetária nos financiamentos imobiliários e a

criação, dentro do Sistema Financeiro Nacional, de um setor especializado em

crédito imobiliário”48.

48 Luiz Cezar Kampel e Maria Thereza Miranda do Vale, Sistema Financeiro da Habitação, Rio de Janeiro, IBMEC – Instituto Brasileiro de Marcado de Capitais, 1974, p. 13, apud Maria Paula Dallari Bucci, Cooperativas de habitação no direito Brasileiro, p. 67.

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54

Baseado em uma política pública intervencionista, conforme consta dos

artigos 1º e 2º da multimencionada Lei nº 4.380/64, o Sistema Financeiro da

Habitação era integrado pelo Banco Nacional da Habitação, órgãos federais,

estaduais e municipais, sociedades de economia mista onde a participação do

Poder Público era majoritária e que operassem no financiamento de

habitações e obras conexas, pelas sociedades de crédito imobiliário,

fundações, cooperativas e associações para construção ou aquisição da casa

própria.

Como principal órgão diretor e vinculado ao Ministério da Fazenda, ao

Banco Nacional da Habitação incumbia, nos termos dos art. 17 e 18 da Lei nº

4.380/64, regular e fiscalizar o Sistema Financeiro da Habitação. Para isso,

foram discriminadas na Lei as finalidades de sua atuação e os poderes-deveres

inseridos na sua competência regulamentar.49

49 O art. 17 arrolava a finalidade do Banco Nacional da Habitação: “I – orientar, disciplinar e controlar o Sistema Financeiro da Habitação; II – incentivar a formação de poupança e sua canalização para o Sistema Financeiro da Habitação; III – disciplinar o acesso das sociedades de crédito imobiliário ao mercado nacional de capitais; IV – manter serviços de redesconto e de seguro para garantia das aplicações do Sistema Financeiro da Habitação e dos recursos a ele entregues; V – manter serviços de seguro de vida de renda temporária para os compradores de imóveis objeto de aplicações do Sistema; VI – financiar ou refinanciar a elaboração e execução de projetos promovidos por entidades locais ...(vetado)... de conjuntos habitacionais, obras e serviços correlatos; VII – refinanciar as operações das sociedades de crédito imobiliário; VIII - financiar ou refinanciar projetos relativos a ...(Vetado)... instalação e desenvolvimento da indústria ...(Vetado)... de materiais de construção e pesquisas tecnológicas, necessárias à melhoria das condições habitacionais do país ...(Vetado)...” Já o art. 18 discriminava a competência do Banco Nacional da Habitação: “II - fixar as condições gerais quanto a limites, prazos, retiradas, juros e seguro obrigatório das contas de depósito no sistema financeiro da habitação; III - estabelecer as condições gerais a que deverão satisfazer as aplicações do sistema financeiro da habitação quanto a limites de risco, prazo, condições de pagamento, seguro, juros e garantias; IV - fixar os limites, em relação ao capital e reservas, dos depósitos recebidos e dos empréstimos tomados pelas Sociedades de Crédito Imobiliário; V - fixar os limites mínimos de diversificações de aplicações a serem observados pelas entidades integrantes do sistema financeiro da habitação; VI - fixar os limites de emissão e as condições de colocação, vencimento e juros das Letras Imobiliárias, bem como as condições dos seguros de suas emissões; VII - fixar as condições e os prêmios dos seguros de depósitos e de aplicações a que serão

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55

Com a Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que criou o Conselho

Monetário Nacional e o seu órgão executor, o Banco Central do Brasil, as

atribuições do Banco Nacional da Habitação foram reduzidas. Porém, por ser

um órgão especializado, as proposições e pareceres do BNH sempre serviram

de base para a atuação do Banco Central do Brasil50, até a sua extinção, o que

se deu pelo Decreto nº 2.291, de 21 de novembro de 1986, passando a gestão

do Sistema Financeiro da Habitação para a Caixa Econômica Federal.

A estrutura atual do Sistema Financeiro da Habitação está discriminada

na Resolução nº 1.980, de 30 de abril de 1993, verbis:

“Art. 1º. Integram o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), na qualidade

de agentes financeiros, os bancos múltiplos com carteira de crédito

imobiliário, as caixas econômicas, as sociedades de crédito imobiliário, as

associações de poupança e empréstimo, as companhias de habitação, as

fundações habitacionais, os institutos de previdência, as companhias

hipotecárias, as carteiras hipotecárias dos clubes militares, os montepios

estaduais e municipais e as entidades e fundações de previdência privada.”

obrigadas as entidades integrantes do sistema financeiro da habitação; VIII - fixar as condições gerais de operação da sua carteira de redesconto das aplicações do sistema financeiro da habitação; IX - determinar as condições em que a rede seguradora privada nacional operará nas várias modalidades de seguro previstas na presente lei; X - (Vetado); XI - exercer as demais atribuições previstas nesta lei. Parágrafo único No exercício de suas atribuições, o Banco Nacional da Habitação obedecerá aos limites globais e as condições gerais fixadas pelo Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito, com o objetivo de subordinar o sistema financeiro de habitação à política financeira, monetária e econômica em execução pelo Governo Federal.” 50 José Maria Aragão, Sistema Financeiro da Habitação, p. 97.

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56

Não obstante os problemas iniciais revelados pela “insuficiência do

esquema financeiro da Lei nº 4.380/64 para cobrir as responsabilidades a

cargo do setor público”51, a partir de 1967, com a criação do Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pela Lei nº 5.107, de 13 de setembro

de 1966, e com o início das atividades do Sistema Brasileiro de Poupança e

Empréstimos (SBPE) como um subsistema do SFH, “o setor habitacional

ganha novo dinamismo”, aumentando o número de habitações financiadas

(BNH + SBPE) de 27.047, no biênio 1965/1966, para 139.940, no período

1967/197052.

É interessante mencionar que, no ano de 1966, com a criação do FGTS

e a nomeação do BNH como seu gestor (arts. 11 e 12 da Lei nº 5.107/66),

bem como com o início de funcionamento do Sistema Brasileiro de Poupança

e Empréstimo (SBPE), cujas entidades públicas e privadas integrantes

estavam autorizadas a captar recursos populares e direcionar a sua aplicação

na construção e aquisição de morarias, foi viabilizada uma nova forma de

captação de recursos para o Sistema que obrigava a sua reposição com uma

rentabilidade mínima da fonte. Para o FGTS, a Lei nº 5.107/66 incumbia ao

BNH, na qualidade de gestor, a obrigação de restituir os valores aplicados,

acrescido de juros e correção monetária (art. 14).

51 Ibidem, p. 99. 52 Ibidem, p. 102/103.

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57

Esses novos recursos obrigatoriamente restituíveis e a necessidade da

sua rápida reposição ao fluxo do sistema deveriam merecer efetiva e pronta

recuperação por parte do BNH e dos agentes financeiros nos casos de

inadimplemento, para o que o Código de Processo Civil de 1939 não se

prestava com a sua demorada e complexa ação executiva que misturava atos

de execução com outros de procedimento ordinário53.

Com o propósito de “aperfeiçoar o sistema e melhorar a credibilidade e

a liquidez”54, criou-se, por meio do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de

1966, a execução extrajudicial, realizada por requerimento do credor a um

agente fiduciário indicado no contrato. Esse ágil procedimento parajudicial

eliminou qualquer espécie de defesa por parte do mutuário durante os atos que

importam a alienação do bem imóvel hipotecado, possibilitando a rápida

recuperação do valor mutuado e a sua reinserção no sistema.

Em vista das críticas que recebeu, seguiu-se a esse procedimento a Lei

nº 5.741, de 1º de dezembro de 1971, que também avesso ao Código de

Processo Civil de 1939, tornou a cobrança judicial dos créditos inadimplidos 53 Cândido Rangel Dinamarco lembra que o Código de Processo Civil de 1939 manteve a opção brasileira pelo sistema dualista, com a “ação executiva” para os títulos extrajudiciais e o processo executório para a sentença condenatória. Critica o demorado processamento da “ação executiva” inclusive pela posição adotada pela jurisprudência que, mesmo diante da ausência de embargos e de questões de fato a solucionar, entendia indispensável a realização da audiência de instrução e julgamento. Assinala que a “ação executiva” obedecia “a um procedimento sincrético onde se via uma autêntica e completa execução forçada por quantia certa, entremeada pelos atos todos de um procedimento ordinário cognitivo. Após o ajuizamento da demanda e citação para pagar, vinha a penhora e podiam sobrevir ‘embargos’ (melhor seria dizer contestação). Com eles ou sem, era preciso cumprir o procedimento ordinário, com despacho saneador, audiência e sentença” (Execução civil, p. 81). 54 F. A. de Miranda Rosa, justiça a autoritarismo, 2ª edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1985, p. 556-57, apud L.A. Becker, Contratos bancários, p. 318.

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58

no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação mais eficiente, eliminando

alguns atos executivos.

Os aspectos positivos e os negativos à vista de princípios processuais

constitucionais relativos a esses procedimentos serão objetos de análise em

capítulos específicos desta dissertação. Por enquanto, o que se quer lembrar,

ainda que de forma ligeira, é a motivação que levou à criação dessas formas

de recuperação do crédito.

1.5.2. O escopo econômico e político da ação governamental no setor habitacional

Observamos nos itens antecedentes que a política desenvolvimentista

implementada pelo governo da revolução de 1964 pautou-se, entre outros

objetivos, no estímulo à indústria da construção civil. Há quem diga que, não

obstante o interesse social declarado na Lei nº 4.380/64, o Sistema Financeiro

da Habitação foi “uma iniciativa profícua, mais no campo econômico que no

social”55.

Se, de um lado, a Lei nº 4.380/64, ao objetivar viabilizar a aquisição da

casa própria pelas camadas mais pobres da população alicerçou-se no

interesse social, de outro, para o atingimento desse propósito e para incentivar

55 Maria Paula Dallari Bucci, Cooperativas de habitação no direito brasileiro, p. 58.

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59

o desenvolvimento econômico, criou estímulos à construção civil. Há, de fato,

também uma motivação econômica tão relevante quanto o apelo social.

Outrossim, o setor da construção civil responde rapidamente pela geração de

empregos, o que denota não apenas um intuito econômico-social, como

político56. Esse escopo político, aliás, ficou bem retratado em carta enviada

por aquela que veio a ser a presidenta do Banco Nacional da Habitação,

Sandra Cavalcanti, ao presidente Castelo Branco em 1964:

“Achamos que a revolução vai necessitar agir vigorosamente junto às

massas. Elas estão órfãos e magoadas, de modo que vamos ter que nos

esforçar para devolver a elas uma certa alegria. Penso que a solução do

problema de moradia, pelo menos nos grande centros, atuará de forma

amenizadora e balsâmica sobre suas feridas cívicas”.57

Para José Maria Aragão, foram três os motivos que influenciaram o

regime militar-tecnocrático a partir de 1964 a uma ação imediata no setor

habitacional: 1) impulso à construção civil para reduzir os impactos negativos

da política de combate à inflação sobre o nível de emprego; 2) neutralização

dos efeitos perversos da política de contenção de salários e restrição a

direitos; 3) busca pela legitimação social para uma economia de mercado,

56 Lembra Arlete Moysés Rodrigues que “há na indústria de edificação, uma grande gama de tamanhos de empresas, utilizando, na edificação, mão-de-obra numerosa. Por isso, tem sido considerada como uma indústria ‘reguladora’, capaz de diminuir as tensões sociais, na medida que sua expansão, resultará num aumento significativo de empregos e, em contrapartida, numa diminuição do desemprego. A criação do BNH, pós-64, tinha como um dos objetivos o incentivo à indústria da construção civil para a edificação de casas populares” (Moradia nas cidades brasileiras, p. 28). 57 Ermínia Maricato, Habitação e cidade, p. 49.

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60

baseada na propriedade privada em contraposição às medidas “socializantes”

do governo anterior58.

As medidas de estímulo à construção civil constam claramente do texto

da Lei nº 4.380/64. Do art. 4º, depreende-se que os recursos a esse fim teriam

aplicação prioritária para:

“I – a construção de conjuntos habitacionais destinados à eliminação de

favelas, mocambos e outras aglomerações em condições sub-humanas de

habitação;

II – os projetos municipais ou estaduais que com as ofertas de terrenos já

urbanizados e dotados dos necessários melhoramentos, permitirem o início

imediato da construção de habitações;

III – os projetos de cooperativas de outras formas associativas de construção

de casa própria;

IV os projetos da iniciativa que contribuam para a solução de problemas

habitacionais.”

Nota-se o direcionamento dos recursos para o estimulo à construção

civil quando o texto legal prioriza a sua alocação para projetos destinados à

construção e não mera aquisição de imóveis usados. Entre outros dispositivos

58 Sistema Financeiro da Habitação, p. 81.

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61

com a mesma indicação, claro é também o art. 8º da Lei nº 4.380, com a

redação dada pela Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991 que acrescentou o

termo “moradia” no respectivo texto que estabelece:

“O sistema financeiro da habitação, destinado a facilitar e promover a

construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas

classes de menor renda da população, será integrado...”

A ementa da Lei nº 4.864, de 29 de novembro de 1965, por si só é

indicativa do seu escopo - Cria Medidas de Estímulo à Indústria da

Construção Civil -, e mostra que o novo regime elegeu a construção civil

como uma das metas do seu programa de desenvolvimento. O incentivo a esse

setor faz-se presente também nos dias atuais, como se viu com a edição da Lei

nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, e da Lei nº 10.931, de 02 de agosto de

2004. Como já dissemos, essas leis foram editadas com o firme e declarado

propósito de estimular a produção de habitações.

Não obstante seja imperioso cautelas para que a ansiedade de alguns

governos em aumentar seus números de aprovação não sustente privilégios

indevidos, a adoção de medidas que tendam a gerar desenvolvimento e,

conseqüentemente, empregos e melhores condições de vida para a população,

merecem ser estimuladas. As dificuldades surgem quando há desvio dos

recursos e desvirtuamento dos programas, como aconteceu com o Sistema

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62

Financeiro da Habitação, que privilegiou essencialmente as classes média e

alta, quando o escopo da Lei nº 4.380/64 era beneficiar as classes de menor

renda59.

E é, de fato, o setor da construção civil o que gera, com maior rapidez,

um número elevado de empregos com poucos investimentos públicos e

trazem a reboque outros setores da economia, como a indústria do cimento, do

ferro etc..60 Por isso, um planejamento bem sucedido faz cumprir o intuito

social da lei (Lei nº 4.380/64), quando idealizado e implementado de forma

séria, com a gestão honesta dos recursos, e também motiva o

desenvolvimento econômico.

Hoje não se tem mais dúvidas de que o desenvolvimento econômico é

pressuposto para o desenvolvimento social, sendo ambos pressupostos para a

confirmação da democracia. Como assinala Manoel Gonçalves Ferreira Filho,

59 Ermínia Maricato, ao destacar que o SFH foi responsável pelo financiamento de aproximadamente um quarto das habitações construídas entre 1964 e 1986, assinala que os investimentos correspondentes “favoreceram predominantemente as classes emergentes e classes altas, sustentáculos do regime ditatorial”. Acrescenta que, “considerando que os juros do FGTS eram menores que os de mercado, os trabalhadores subsidiaram a moraria para a classe média, além dos enormes subsídios que estão sendo cobertos pelo Tesouro Nacional, que herdou o rombo constituído pelas dívidas devido à má gestão do fundo”. Por fim, acrescente que também “obras de infra-estrutura urbana e gigantescas obras de saneamento básico foram financiadas com ele. As definições sobre os financiamentos à moradia eram influenciadas pelos empresários da área de incorporação imobiliária. As decisões sobre o financiamento dos empreendimentos públicos (conjuntos habitacionais, obras de saneamento e de infra-estrutura urbana) atenderam aos interesses dos empresários da indústria de construção. Vários estudos acadêmicos mostram que, além da qualidade questionável em muitas dessas obras públicas, o superfaturamento e a corrupção foram muito freqüentes” (Habitação e cidade, p. 49). 60 Arlete Moysés Rodrigues, Moradia nas cidades brasileiras, p. 57.

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“o amadurecimento social não pode existir onde a economia somente forneça

o indispensável para a sobrevivência com o máximo de esforço individual. Só

pode ele ter lugar onde a economia se desenvolveu a ponto de dar ao povo o

lazer de se instruir, a ponto de deixarem os homens de se preocupar apenas

com o pão de todos os dias. Inclusive porque o desenvolvimento econômico

dispensa as desigualdades cujo peso assim se atenua”.61

A reconhecida importância do desenvolvimento econômico para o

atingimento dos escopos sociais induziu o legislador a incluir no texto

constitucional normas jurídicas para regular a economia. Daí, surgiu o que se

denominou de “Constituição econômica”. A Constituição brasileira, a

respeito, dedicou o Título VII para a Ordem Econômica e Financeira, além de

outros dispositivos espalhados pelo seu texto (p. ex., art. 21, IX e XX, art.

4348, IV).

É interessante notar que, do art. 170 da Constituição Federal, extrai-se

que a ordem econômica é dirigida, subordinada ao princípio da justiça social,

ou seja, “a afirmação constitucional significa que a ordem econômica deve ser

orientada para o bem comum”62.

61 Curso de direito constitucional, p. 100-101. 62 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ibidem, p. 352. Como acentua José Maria Aragão, “generaliza-se a convicção de que, num sistema econômico baseado predominantemente no funcionamento, ainda que imperfeito, dos mecanismos de mercado, não é sustentável a postulação de uma política social independente da política econômica global” (Sistema Financeiro da Habitação, p. 553).

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64

1.5.3. O interesse social como principio norteador da política habitacional

O objetivo da política de habitação, além de ser notoriamente

desenvolvimentista, agrega um conteúdo teleológico fundamentado no

interesse social. A Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, arrolou em seus

dispositivos os escopos da política habitacional, no sentido de “estimular a

construção de habitação de interesse social e o financiamento da aquisição da

casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda” (art.

1º).

No art. 4º da mesma Lei, nota-se a preocupação com a diminuição das

desigualdades sociais quando determina a aplicação prioritária dos recursos

do sistema na eliminação de favelas, mocambos e outras aglomerações em

condições subumanas de habitação, com a construção de moradias para esse

fim. Também os arts. 9º e 60 revelem a preocupação com o direcionamento

exclusivo dos recursos para a aquisição de casa para residência do adquirente.

Se, sob o aspecto econômico, o plano habitacional trouxe resultados

significativos63, o objetivo social não foi integralmente atingido. Porém, como

acentua Maria Paula Dallari Bucci, não obstante todos os problemas

apresentados,

63 Anota Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque que: “a década de 1970 foi uma das mais prósperas de toda a história econômica brasileira, durante a qual o nível de atividade de construção civil obteve uma das mais altas taxas de crescimento jamais observada” (Habitação popular: avaliação e propostas de reformulação do Sistema Financeiro da Habitação, São Paulo, EAESP/Fundação Getúlio Vargas, 1985, p. 6, apud Maria Paula Dallari Bucci, Cooperativas de habitação no direito brasileiro, p. 64).

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“não se deve perder de vista o fato de que o Sistema Financeiro da

Habitação representou uma iniciativa ousada, global e potencialmente capaz

de, se não solucionar, ao menos minimizar consideravelmente os efeitos do

déficit de moradias no Brasil”.64

Segundo dados do Banco Nacional da Habitação, foram financiadas 4

milhões e 369 mil unidades no período de 1964 a 1984, sendo 2 milhões e 557

mil na faixa de interesse social, o que representa 58,5% do total de unidades

financiadas. Mas, se em termos de unidade predomina um maior número

nessa faixa de menor renda, quando se observa os valores destinados a

realidade é outra, constatando-se que a maior parcela foi direcionada para as

classes média e alta. Destaca Arlete Moysés Rodrigues que o direcionamento

dos recursos para as classes de menor renda variou no decorrer dos anos:

“nos primeiros anos, os investimentos privilegiam as classes populares, sem

dúvida na tentativa de legitimar o novo regime. No período de 1970 a 1975 o

segmento popular passa para segundo plano, voltando a se tornar prioritário

a partir de 1975. Estudos recentes destacam que apenas 18% do FGTS,

foram destinados à habitação de interesse social”.65

Cumprir o escopo social da Lei nº 4.380/64 não foi e não é tarefa fácil.

O déficit habitacional no Brasil é expressivo. Extenso estudo elaborado pela

64 Ibidem, p. 66. 65 Moradia nas cidades brasileiras, p. 59.

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66

Fundação João Pinheiro, intitulado Déficit Habitacional no Brasil 200066, em

parceria com a Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da

Presidência da República (SDU/PR), o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD), e que passou a ser referência para outros estudos e

programas, mostrava um déficit habitacional em 2000 de 6.656.526 moradias,

com incidência particularmente urbana de 81,3%, sendo maior nas Regiões

Nordeste e Norte.

O estudo verificou que a eliminação das dificuldades habitacionais das

famílias de menor renda não se confirmou como planejado, pois apontou que

as famílias com renda média inferior a três salários mínimos correspondem a

83,2% do total urbano estimado, concentrando-se a maior parte delas (78%)

nas Regiões Metropolitanas.

No mesmo trabalho, comparou-se os dados de 2000 com semelhante

estudo realizado em 1995 com base em dados de 1991 e mostrou-se que as

políticas públicas nesse setor não lograram amenizar o problema da moradia.

O déficit habitacional urbano cresceu nesses nove anos aproximadamente

21,7%. De positivo, foram mostrados dados que atestaram a redução do

déficit habitacional rural.

66 Fundação João Pinheiro, Centro de Estatísticas e Informações, Belo Horizonte, 2001.

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67

A conclusão do estudo mostra que a concentração do déficit

habitacional na população de menor renda exige um planejamento criativo e

adequado para a sua solução, especialmente financeiro, pois não se pode

esperar das classes menos abastadas uma contrapartida financeira:

“As características da clientela afetada pelas Necessidades Habitacionais,

apresentadas neste trabalho, conduzem à reflexão crítica do que se tem feito

em prol do equacionamento dos problemas de qualidade de vida habitacional

durante a última década, lato sensu – e que não foi pouco – e do que se tem

pela frente a resolver. A concentração da população-alvo em segmentos de

baixa renda faz perceber o ataque às Necessidades Habitacionais como uma

faceta do combate à pobreza, uma vez que se pode esperar pouco como

contrapartida financeira a partir de uma renda familiar minguada, na

maioria das famílias afetadas. Esta população dispõe apenas de sua própria

força de trabalho, que pode ser usada como uma forma de pagamento de

benefícios obtidos, através de serviços comunitários prestados em regime de

mutirão, horas de trabalho não remuneradas em dinheiro, mas contabilizadas

como tal. A criatividade deve vir em auxílio do planejador, de modo a

viabilizar a superação de entraves legais/burocráticos e a baratear os custos

das obras, principalmente as de menor porte, através de inovações

tecnológicas e de gestão viáveis.”

De acordo com matéria publicada no jornal Estado de Minas, edição de

14 de dezembro de 2004, o estudo da Fundação João Pinheiro que foi

atualizado a pedido do Ministério das Cidades, agora incluindo as áreas rurais

da Região Norte que não fizeram parte do primeiro levantamento, mostra que

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o déficit habitacional se elevou para 7,2 milhões de moradias, concentrando-

se a maior parte nas famílias com renda de até três salários mínimos. Portanto,

só com expressivos investimentos e financiamentos subsidiados será possível

minimizar a falta de moradia no Brasil e atingir o objetivo social que, já em

1964, declarou a Lei nº 4.380.

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69

2. TUTELA JURISDICIONAL E OS CONTRATOS DE CRÉDITO BANCÁRIO

2.1. Tutela jurisdicional

Ainda que não seja a proposta deste trabalho discorrer acerca do tema

intitulado, sobre o qual já se realizaram profundos estudos com indubitável

competência67, as características das tutelas jurisdicionais que reclamam as

relações de direito material voltadas à contratação bancária forçam a sua

observação, mesmo que de forma concisa.

Tutelar significa amparar, proteger, defender. E cabe ao Estado

proporcionar a tutela jurídica que realiza de duas formas. Na primeira, a

proteção estatal manifesta-se sob a forma de regras gerais e abstratas. Gerais

por serem dirigidas a todos, indistinta e indefinidamente; abstratas por não

tratarem de situações concretas, mas de eventos hipotéticos que podem

futuramente ocorrer (fato específico legal), estabelecendo as conseqüências

jurídicas (preceito) quando tal hipótese venha a se verificar68. Na segunda,

trata “das atividades destinadas à efetividade desses preceitos”69, ou seja,

aquela outorgada pelo exercício da jurisdição70. Uma, a segunda, é dinâmica,

em contraposição à outra, que é estática, pois nem sempre “se mostra apta a

67 Destacamos, entre outros, Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, v. II, p. 787-873 e Tutela jurisdicional, Revista de Processo, 81:54-81; José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo: influência do direito material sobre o processo; Flávio Luiz Yarshell, Tutela jurisdicional. 68 Piero Calamandrei, Direito processual civil, p. 102-103. 69 Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, v. II, p. 809. 70 Cândido Rangel Dinamarco, Tutela jurisdicional, Revista de Processo, 81:54-81.

Deleted: ePro

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70

produzir resultados concretos e efetivos na vida das pessoas”71. Como afirma

José Roberto dos Santos Bedaque:

“Não basta que o legislador preveja as situações de vantagem no plano

substancial sem que existam instrumentos adequados e idôneos a assegurar

sua realização prática72.”

Quando o destinatário da norma adota, na situação concreta, uma

conduta conforme a descrição objetivada, há o funcionamento normal do

direito73. No entanto, se não ocorrer o respeito espontâneo, cumpre ao Estado

exercer uma outra e subseqüente atividade para impor a realização pretendida

pela norma. Essa função posterior, exercida pelo Estado, que se realiza em

complemento à legislativa, adquire o qualificativo “jurisdicional” e serve para

indicar o resultado final da atividade em favor de quem tem razão74 no plano

do direito material. Daí, decorre a indiscutível vinculação da tutela

jurisdicional com o direito material. Nesse sentido, assinala Carlos Alberto

Garbi que:

71 Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, v. II, p. 811. 72 Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, p. 57. 73 Piero Calamandrei, Direito processual civil, p. 105. 74 Flávio Luiz Yarshell, em boa definição que consolida o entendimento doutrinário, assim se expressa: “parece não haver dúvida de que a locução tutela jurisdicional se presta a designar o resultado da atividade jurisdicional – assim considerados os efeitos substanciais (jurídicos e práticos) que o provimento final projeta ou produz sobre dada relação material – em favor do vencedor. Nessa medida, é inegável que a locução tutela jurisdicional designa o resultado final do exercício da jurisdição estabelecido em favor de quem tem razão (e assim exclusivamente), isto é, em favor de quem está respaldado no plano material do ordenamento” (Tutela jurisdicional, p. 28). Liebman afirma que: “la tutela giurisdizionale spetta in effetti soltanto a chi ha ragione, non a chi vanta un diritto inesistente” (Manuale di diritto processuale civile, p. 137). Convém assinalar com Cândido Rangel Dinamarco que, quando procedente a ação, o vencido também recebe alguma tutela, “consistente em não restar sacrificado além dos limites do justo e do razoável para a efetividade da tutela devida ao vencedor” (Tutela jurisdicional, Revista de Processo, 81:54-81).

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71

“Relacionada que se encontra a tutela jurisdicional diretamente com o

direito substancial, o seu entendimento deve ser definido pelas medidas

estabelecidas pela lei processual em favor da efetividade do direito material

que se pretende ver realizado. A tutela jurisdicional está ligada diretamente à

efetividade do processo, considerado genericamente como instrumento de

atuação do direito material. A tutela pretendida pelo titular do direito

substancial violado só será entregue, como prestação, quando efetivos os

meios processuais a fazer atuar o direito em favor da pessoa”75.

A tutela jurisdicional, portanto, cujo escopo é conceder os mesmos

resultados substanciais que se obteria sem a intervenção do Poder Judiciário,

isto é, se houvesse um comportamento espontâneo do destinatário da norma

ajustado ao direito, é definida e dimensionada pelo direito material76. É por

isso que somente merece a tutela jurisdicional aquele que tem razão de acordo

com o direito material. E, observando-se o resultado da atividade exercida

pelo Estado, pode-se dizer que a tutela beneficiará, no processo de

conhecimento: 1) o autor, na hipótese de procedência do pedido; 2) o réu, no

caso de improcedência77.

75 Tutela jurisdicional diferenciada e efetividade do processo, RT, 782:48-67. 76 Cândido Rangel Dinamarco, Tutela jurisdicional, Revista de Processo, 81:54-81. 77 Como explica Cândido Rangel Dinamarco, “a sentença de improcedência da demanda do autor tem sempre o mesmo teor de uma sentença que julgasse procedente uma ação meramente declaratória movida por ele, réu. Como é notório, a sentença que rejeita a demanda do autor negando-lhe a tutela pretendida tem sempre natureza declaratória e declara sempre algo a favor do réu: ou a existência da relação jurídica que o autor pedira que fosse declara inexistente (na improcedência de ação declaratória negativa), ou a inexistência de qualquer direito ou relação jurídica entre partes (na improcedência de todas as demais ações) – (Tutela jurisdicional, Revista de Processo, 81:54-81).

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72

Tendo-se em consideração que a tutela jurisdicional é prestada em

favor de quem tem razão, sustenta-se que, no processo de execução, só

haveria tutela jurisdicional em favor do exeqüente e nunca do executado, pois

a satisfação do credor na execução é o resultado que dela se espera. Também

no processo cautelar, não haveria efetiva tutela jurisdicional em favor do

vencedor, a menos que se admitisse um direito substancial de cautela78.

No entanto, alguma espécie de tutela sempre é concedida em favor do

vencido – de menor intensidade, para utilizar a expressão de Cândido Rangel

Dinamarco -, e, no processo de execução, essa tutela de menor intensidade é

outorgada em favor do executado quando se limita os atos executivos, seja

pelo princípio estabelecido no art. 620 do Código de Processo Civil -

princípio segundo o qual a execução deve processar-se pelo modo menos

gravoso para o devedor -, seja pelos dispositivos que estatuem a

impenhorabilidade de determinados bens. Também acentua o mesmo autor

que os litigantes são, em qualquer processo, tutelados mediante o “sistema de

limitações ao poder exercido pelo juiz”. As garantias do devido processo legal

não deixam de ser um sistema de tutelas aos litigantes “enquanto tais e para

que o processo possa oferecer-lhes o efetivo acesso à ordem jurídica justa”79.

78 Nesse sentido, Flávio Luiz Yarshell, Tutela Jurisdicional, p. 28; José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, p. 29. Para esses autores, também não haveria tutela jurisdicional, no sentido examinado, no processo cautelar, pois não haveria um direito substancial de cautela. Cândido Rangel Dinamarco destaca que algumas espécies de tutela, como a tutela condenatória e a tutela cautelar, pouca utilidade prática oferecem a quem as obtém. A primeira limita-se a abrir “os canais para a satisfação do credor mediante a execução forçada”; a segunda , “não vai além de propiciar meios para maior eficiência do processo principal (arrestos, produção antecipada de prova etc – mera tutela ao processo)” (Tutela jurisdicional, Revista de Processo, 81:54-81). 79 Fundamentos do processo civil moderno, v. II, p. 814-815.

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73

Entendemos que, no processo de execução, pode haver tutela

jurisdicional em favor do executado e não apenas de menor intensidade,

mesmo sabendo-se não ser ele idôneo para produzir coisa julgada material.80

É o que ocorre quando há o acolhimento de exceção de pré-executividade em

algumas hipóteses, como na alegação de pagamento da dívida e de prescrição.

Desde que extinta a execução pelo reconhecido pagamento ou pela prescrição,

mesmo não produzindo coisa julgada material, o credor estará impedido de

renovar a execução por decorrência do princípio que veda o bis in idem81.

Poderá também, no processo cautelar, além da mera “tutela ao

processo” e independentemente de reconhecer-se um direito substancial à

tutela cautelar, haver tutela jurisdicional em favor do requerido quando o juiz

“acolher a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor” (art.

809 do Código de Processo Civil), pois, nessa hipótese, estará o autor

impedido de ingressar com a ação principal.

Não se pode confundir, outrossim, tutela jurisdicional com a jurisdição,

pois essa é a atividade exercida pelos juízes, em nome do Estado, e aquela é o

resultado dessa atividade em favor de quem tem razão. Também não se

80 Há um posicionamento da doutrina que se encaminha por consolidar o entendimento pela impossibilidade da produção de coisa julgada na execução. Sobre a defesa intraprocessual do executado e os efeitos da sentença do art. 795 do Código de Processo Civil que extingue a execução, com a menção a uma rica fonte doutrinária, ver Edson Ribas Malachini, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 10, p. 83 e ss. 81 Cândido Rangel Dinamarco, ao asseverar que a declaração de inexistência do crédito constitui efeito dos embargos da execução e da sentença que ali se produz admite que, se houver o reconhecimento da prescrição no processo de execução, haverá “tutela jurisdicional plena e estável ao demandado” (Fundamentos do processo civil moderno, v. II, p. 833).

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assemelha com o direito de ação, pois a ação, como assinala Cândido Rangel

Dinamarco, “considera-se satisfeita e exaurida sempre que emitido” o

provimento jurisdicional, “quer seja favorável ou desfavorável”82.

Por fim, importa ressaltar que a tutela jurisdicional não se confunde

com os meios parajudiciais alternativos de resolução de conflitos, como é o

caso da arbitragem, das execuções extrajudiciais etc. Embora todas sejam

formas de tutela no seu sentido lato, ela só recebe o adjetivo jurisdicional

quando resultante do exercício da jurisdição pelo Poder Judiciário.

2.2. Tutela jurisdicional diferenciada e efetividade do processo, com ênfase para os procedimentos voltados à recuperação do crédito bancário

Embora a temática acerca de uma tutela jurisdicional diferenciada, na

precisa assertiva de Donaldo Armelin, prenda-se “mais remotamente à própria

questão da indispensável adaptabilidade da prestação jurisdicional e dos

instrumentos que a propiciam à finalidade dessa mesma tutela”, ressalta ter

sido colocada em evidência diante dos atuais questionamentos sobre a

efetividade do processo83.

82 Tutela jurisdicional, Revista de Processo, 81:54-81. Cândido Rangel Dinamarco acrescenta, ainda, que “no quadro das situações jurídicas estudadas pelo processualista a tutela jurisdicional constitui o grau mais elevado na escalada que vai da mera faculdade de ingresso em juízo, passa pela ação e pelo efetivo direito ao provimento de mérito, e só finalmente chega a ela”, a tutela jurisdicional (Fundamentos do processo civil moderno, v. II, p. 820). Nessa escalada de situações jurídicas, não basta ter o direito de demandar, é preciso ter ação; não basta ter ação, é necessário preencher os pressupostos de admissibilidade do provimento de mérito; “só tem direito à tutela jurisdicional quem tiver razão perante o direito material” (Ibidem, p. 822). 83 Tutela jurisdicional diferenciada, Revista de Processo, 65:45-55. Proto Pisani, embora tenha utilizado a expressão tutela jurisdicional diferenciada em estudo de 1973, diz ser ela equivocada. Ressalta, no entanto, a sua utilização para indicar a predisposição de vários procedimentos de cognição plena e exauriente, alguns deles modelados de acordo com as singulares categorias de situações substanciais, como para indicar a

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Não se pode ignorar que, quando se fala em efetividade do processo,

deve-se pensar, inicialmente, em uma tutela jurisdicional idealizada sob a

perspectiva do direito material e do direito processual. Como acentua Kazuo

Watanabe:

“O direito e o processo devem ser aderentes à realidade, de sorte que as

normas jurídico-materiais que regem essas relações devem propiciar uma

disciplina que responda adequadamente a esse ritmo de vida, criando os

mecanismos de segurança e de proteção que reajam com agilidade e

eficiência às agressões ou ameaças de ofensa. E, no plano processual, os

direitos e pretensões materiais que resultam da incidência dessas normas

materiais devem encontrar uma tutela rápida, adequada e ajustada ao mesmo

compasso”84.

Com efeito, o processo civil de hoje é um processo civil de

resultados85. Por isso, é imprescindível a adaptação (princípio da

adaptabilidade ou adequação) dos procedimentos às necessidades da relação

de direito material. Para isso, conceitos clássicos são revistos, as estruturas

dos procedimentos e novos modelos são repensados com o intuito de tornar a

prestação jurisdicional mais eficiente, tendo-se em conta a entrega do bem da

vida a quem tem direito, conforme deferido pelo direito substancial, e que

essa entrega seja realizada no menor espaço de tempo possível.

predisposição de formas típicas de tutelas sumárias (Sulla tutela giurisdizionale differenziata, Rivista de Diritto Processuale, v. XXXIV, p. 536-603). 84 Da cognição no processo civil, p. 143 85 Cândido Rangel Dinamarco, Tutela jurisdicional, Revista de Processo, 81:54-84.

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Essa concepção de processo efetivo já era vislumbrada por Chiovenda

no início do século XX, como se vê da célebre afirmação reproduzida

incessantemente pelos juristas atuais, no sentido de que o processo deve “dar

a quem tem um direito, na medida do que for possível na prática, tudo aquilo

e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter”.86

Afirma José Roberto dos Santos Bedaque, após louvar-se na lição de

Chiovenda acima citada que:

“Efetividade da tutela jurisdicional significa a maior identidade possível

entre o resultado do processo e o cumprimento espontâneo das regras de

direito material. Ou seja, a parte somente necessita pedir a intervenção

estatal se não houver satisfação voluntária do direito. Espera-se, pois, que

essa atuação possa proporcionar ao titular do interesse juridicamente

protegido resultado idêntico, ou, pelo menos semelhante, àquela previsto no

ordenamento substancial e não obtido pela vontade do obrigado”.87

O mesmo jurista faz uma afirmação conclusiva sobre essa questão

quando, após discorrer sobre a necessidade de aprimoramento da técnica

processual e a organização institucional do organismo que presta a tutela, diz

ser necessário que “...seja concebida à expressão tutela jurisdicional como

garantia efetiva, constitucionalmente prevista, de proteção eficaz e

tempestiva ao direito material”.88

86 Chiovenda, Istituzioni di diritto processuale civili, v. I, nº 12, p. 42, apud Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, v. I, p. 593. 87 Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), p. 22-23. 88 Ibidem, p. 14

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E é possível - ou necessário - distribuir o tempo do processo por meio

de tutelas jurisdicionais diferenciadas, “elaboradas a partir de técnicas da

cognição”89 ou de execução diferenciadas. Como diz Luiz Guilherme

Marinoni:

“a questão da efetividade do processo, pois, obrigou o processualista a

pensar sobre tutelas jurisdicionais diferenciadas, isto é, tutelas adequadas às

particularidades das situações de direito substancial. Nessa linha, de grande

importância é a pesquisa de procedimentos que permitam a realização do

direito mediante cognição sumária, pois não é mais possível a confusão entre

justiça e certeza”.90

Sem dúvida que formas procedimentais nas quais é viabilizado o

encurtamento do tempo do processo são técnicas diferenciadas que tem por

propósito obviar a prestação da tutela jurisdicional e, evidentemente, tornar o

processo mais efetivo. Por isso que a expressão tutela jurisdicional

diferenciada pode ser entendida de maneiras diversas: a existência de

procedimentos específicos, de cognição plena e exauriente, cada qual

elaborado em função de especificidades da relação material; ou a

regulamentação de tutelas sumárias típicas, precedidas de cognição não

89 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, p. 27. Assevera Luiz Guilherme Marinoni, quando se refere a uma melhor distribuição do tempo, que, “no caso do procedimento comum não há outra alternativa a não ser inserir no seu interior uma técnica capaz de permitir a distribuição do tempo do processo. Afigura-se completamente irracional obrigar o autor a sofrer com a demora, quando esse demonstra, no curso do procedimento, que provavelmente o direito lhe pertence. Assim, por exemplo, se o autor prova os fatos constitutivos do direito que alega possuir e o réu apresenta exceção substancial indireta – que requer instrução dilatória p provavelmente infundada, não é racional que ao autor continue sendo imposto o ônus da demora” (ibidem, p. 27). 90 Efetividade do processo e tutela de urgência, p. 37.

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exauriente, visando evitar que o tempo possa comprometer o resultado do

processo, como é o caso da tutela antecipada.

Quando se fala em tutelas jurisdicionais diferenciadas sob a perspectiva

da cognição sumária, especialmente vertical, a doutrina manifesta

preocupação com outro aspecto importante, a segurança jurídica. Um sistema

processual pode optar por conceder a tutela jurisdicional segura após plena e

exauriente cognição, com o risco de prestar referida tutela inutilmente em face

da demora para essa cognição, ou pode estabelecer certos requisitos

(verossimilhança, probabilidade do direito, por exemplo) que possibilitem ao

julgador antecipar as conseqüências fáticas da prestação jurisdicional.

Nenhuma das alternativas é ideal e isenta de risco, mas, como afirma Ovídio

A. Baptista da Silva:

“O processualista necessita capacitar-se de que o instrumento com que ele

labora não poderá jamais oferecer uma solução absolutamente ideal e imune

a qualquer inconveniente”.91

Por outro lado, convém observar que, do inciso XXXV do art. 5º da

Constituição Federal, já se extrai que não apenas o direito de acesso à

jurisdição está assegurado, como o direito à efetiva e pronta resposta do Poder

Judiciário. Não obstante, recentemente, a Emenda Constitucional nº 45, de 8

de dezembro de 2004, denominada “Reforma do Judiciário” por meio da qual 91 Curso de processo civil, v. 3, p. 20.

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se pretendeu tornar a atuação do Poder Judiciário mais eficiente, incluiu o

inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal, passando a prestação de

uma tutela jurisdicional - e administrativa - efetiva a compor, agora de forma

explícita, o rol dos Direitos e Garantias Fundamentais.

“Art. 5º. ...

...

“LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a

razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua

tramitação”.

Há uma consciência universal sobre os problemas existentes na prestação

da tutela jurisdicional. Como assinala José Carlos Barbosa Moreira, em toda

parte, ouvem-se lamentações quanto à duração do processo. Menciona que

recentes reformas legislativas realizadas na Alemanha, na Áustria, na Espanha

e na Itália tiveram “como principal fonte de inspiração o propósito de

atenuar a dramaticidade da situação que se pode observar nessa matéria”92.

92 A efetividade do processo de conhecimento, Revista de Processo, 74:126-137. O mesmo autor, em outro trabalho, assinala que o problema da morosidade na tramitação dos processos não é marca particular do sistema brasileiro. Diz que “olhamos para a Itália como quem contempla um dos pontos culminantes da ciência jurídica em geral e da processual em particular. Isso não impede que o processo, lá, seja exasperadamente lento. Na área civil, segundo dados constantes do relatório sobre a administração da justiça em 1998, elaborado pelo Procurador-Geral da República junto à Corte de Cassação, girou em torno de quatro anos, entre 1991 e 1997, a duração média dos processos, em primeiro grau de jurisdição, perante os órgãos de competência comum, os tribunali. No Japão – informa um dos vice-presidentes da Associação Internacional de Direito Processual -, antes da entrada em vigor do novo código, em 1998, não era raro que um feito civil se arrastasse por alguns anos na primeira instância e levasse mais de um decênio até a eventual decisão da Corte Suprema”. Explica, ainda, que, na Inglaterra e nos Estados Unidos, o problema não é diferente, estendendo-se os prazos para a solução dos processos por anos (O futuro da justiça: alguns mitos, in Temas de direito processual, oitava série, p. 1-13). Teresa Celina de Arruda Alvim Pinto, ao traduzir texto de Vicenzo Vigoriti (Notas sobre o custo e a duração do processo civil na Itália), menciona que, em 09.11.1985, teve lugar, em Florença, um encontro sobre o “custo e a duração do processo na Itália e nos USA”, organizado pela seção Toscana da Associação Internacional de Juristas Itália-USA, com as participações do Prof. Geofrey C. Hazard Júnior, da Yale

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80

E, se há uma queixa generalizada quanto à ineficiência do serviço

jurisdicional, seja pela inadequação dos modelos oferecidos pela legislação,

seja pelas dificuldades do aparelho judicial, quando se trata da recuperação do

crédito bancário, as reclamações soam com maior intensidade, repercutindo

até mesmo na cúpula do Poder Judiciário. Assim é que, recentemente, o

presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, em

entrevista concedida ao jornal “Valor Econômico”, edição de 13 de dezembro

de 2004, vinculou as altas taxas de juros à morosidade do Poder Judiciário, ou

seja, entendeu que, se o sistema protege o devedor, a inadimplência aumenta

e, conseqüentemente, aumentam os juros.93 Ligou o custo do dinheiro à

ineficiência dos modelos processuais à disposição do credor e ao Poder

Judiciário.

Como já tivemos oportunidade de dizer anteriormente (cfr. supra, 1.4),

não há dúvidas de que, além do direito constitucional à tutela jurisdicional

efetiva, pela relevância do crédito para o desenvolvimento econômico e,

conseqüentemente, o progresso social, aos credores, devem ser outorgadas

University e dos Profs. Vittorio Denti e Michele Taruffo, da Universidade de Pavia, o que mostra que a busca de um processo mais efetivo é antiga e universal (Revista de Processo, 43:142-148). 93 Em determinado trecho da trecho da entrevista ficou consignado que: “o spread da taxa de juros está vinculado à taxa de risco e também à inadimplência. Veja bem: se o sistema legal dá proteção ao devedor, aumenta a taxa de inadimplência. Então, os investidores transferem o risco para os adimplentes. E como eles fazem isso? Aumentando a taxa de juros. Porque os juros altos dos adimplentes compensam as perdas com os inadimplentes. Isto é uma visão de mercado. Haverá possibilidade de reduzir a taxa de juros no momento em que houver segurança jurídica no sentido de que os contratos sejam cumpridos”.

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garantias em face do inadimplemento, minimizando os efeitos do dano

marginal94 e do comportamento do devedor que não quer pagar.

Para o sistema bancário, nos últimos anos, surgiram importantes

modelos processuais com a finalidade de agilizar a recuperação do crédito.

Assim, além da ampliação do rol dos títulos executivos extrajudiciais,

encontramos a ação de busca e apreensão para os bens alienados

fiduciariamente, a execução especial da Lei nº 5.741/71 etc.. Porém, ainda é

certo que o processo de execução por quantia certa coloca-se como o principal

meio de cobrança, seja aqueles procedimentos especiais, seja o comum do

Código de Processo Civil. Ocorre que, como mostra Leonardo Greco:

“se, de um lado, a garantia da proteção jurisdicional dos cidadãos deve ser

progressivamente mais rápida e eficaz, para conferir concretude da maior

amplitude possível ao gozo desses direitos, e se essa garantia pressupõe

procedimentos executórios que de fato realizem, com essa mesma rapidez e

eficácia, a entrega dos bens que são reconhecidos pelas decisões judiciais, é

desanimador verificar que justamente na tutela jurisdicional satisfativa o

processo civil brasileiro apresenta o mais alto índice de ineficácia.”95

94 José Roberto dos Santos Bedaque, quando discorre sobre o dano concreto e o dano marginal, manifesta-se dizendo que “várias são as técnicas possíveis para atenuar o dano inerente à demora do processo suportado pelo autor que tem direito à tutela jurisdicional. Esse dano ínsito á aquele natural, decorrente apenas do tempo necessário a que a prestação jurisdicional possa ser fornecida, respeitadas todas as garantias do devido processo legal. É o dano marginal, diverso daquele perigo causado por determinado acontecimento concreto e específico, que vem a ameaçar a utilidade da tutela. Em ambos os casos, verifica-se o perigo de dano. Mas o periculum tradicionalmente ligado à tutela cautelar, segundo parte considerável da doutrina, seria apenas esse concreto, não o inerente à demora, tão-somente. Inexiste razão, todavia, para desvincular a tutela cautelar da idéia do dano marginal causado pelo tempo do processo, independentemente da existência de determinado acontecimento específico. O que importa, para a noção de cautelar, é o risco que a tutela estatal venha, por qualquer motivo, a tornar-se inútil para o titular do direito.”(Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), p. 252). 95 A execução e a efetividade do processo, Revista de Processo, 94:34-66.

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82

Não é raro o credor, depois de longa espera pela atividade cognitiva,

deparar-se com a demora na realização também dos atos executivos. Preciso

Donaldo Armelin ao afirmar que:

“para os usuários da tutela jurisdicional talvez seja mais frustrante essa

demora quando referida ao processo de execução, inexoravelmente lastreado,

real ou aparentemente, em um título executivo, ao qual se reconhecem

características específicas quanto ao direito nele reportado.”96.

Mas, se a demora na realização dos atos executivos é frustrante, também

intolerável mostra-se a execução infrutífera. De fato, não é incomum a

existência de execuções com anos de trâmite, nas quais os mais variados

expedientes são utilizados com o escopo de retardar a satisfação do credor,

impedindo a consumação dos atos executivos e, muitas vezes, tornando inútil

a tutela jurisdicional pelo desvio de bens. É claro que a execução pode

esbarrar na falta de patrimônio do devedor. Porém, há que se distinguir a

execução infrutífera em decorrência da inexistência de patrimônio daquela

que pode tornar-se inútil por deficiência do aparelho judiciário ou das

alternativas processuais.

Embora o nosso sistema processual vigente estabeleça medidas

assecurativas do resultado útil do processo de execução, seja no próprio Livro

96 O processo de execução e a reforma do Código de Processo Civil, in Reforma do Código de Processo Civil, p. 680.

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II (fraude de execução, alienação antecipada de bens etc.), sejam aquelas de

natureza típica (arresto, seqüestro), não são elas suficientes para garantir a sua

efetividade. Porém, se as medidas hoje existentes não conseguem conferir,

por si só, efetividade ao processo de execução, outras devem ser adotadas

tendo em vista as causas que comprometem o resultado do processo. E as

dificuldades de implementação de novas técnicas com essa finalidade residem

na identificação das causas. Dizemos isso porque as sucessivas reformas

implementadas desde a década de 90 foram feitas imaginando-se abrangentes

das principais causas de inefetividade, o que não se revelou verdadeiro.

A doutrina arrola uma série de fatores que seriam responsáveis pelo

emperramento do processo de execução, ligadas à ineficiência da máquina

judiciária ou de técnicas processuais inadequadas. Leonardo Greco aponta

como fator de desalento para o credor:

“a ineficácia das coações processuais diante dos artifícios que a vida

negocial moderna propicia aos devedores para esquivarem-se do

cumprimento de suas obrigações.”97

Egas Dirceo Moniz de Aragão, por seu lado, indica várias causas de

inefetividade do processo de execução98 que podem ser assim arroladas: 1.

ausência de dados estatísticos do funcionamento do judiciário; 2. a efetividade

97 A execução e a efetividade do processo, Revista de Processo, 94:34-66. 98 Efetividade do processo de execução, in O processo de execução, p. 127-141.

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da lei processual depende da inteligência dos que a interpretam e aplicam; 3.

não há efetividade na execução contra o Poder Público por meio de

pagamento por precatórios; 4. a inflação também é problema que atinge o

processo de execução.

O rol é, evidentemente, maior e, por isso, impossível não esquecer de

mencionar algumas das causas. Acrescente-se a elas a impossibilidade da

realização de atos executórios durante o processo de conhecimento (salvante

as ações executivas lato sensu, como é o caso da ação de busca e apreensão

do Decreto-lei nº 911/69). Mas há uma causa indiscutível: ninguém nega o

emperramento da máquina judiciária por decorrência de tribunais abarrotados,

juízes insuficientes, mal remunerados e despreparados, carência financeira

etc.

Outra causa importante de inefetividade do processo de execução é a

obrigatoriedade do efeito suspensivo aos embargos do devedor. Desde que

receba os embargos, o juiz deve suspender a execução e nenhum ato poderá

ser realizado nesse período, a não ser os reputados urgentes. Como nos

sistemas italiano, alemão e português, a suspensão da execução por força dos

embargos deveria ser apreciada pelo juiz, determinando-a desde que exista

perigo de dano e probabilidade de êxito da oposição à execução.

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85

Por isso que a Lei nº 5.741/71, que trata da execução de contratos

vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, ao ter por escopo a rápida

recuperação do crédito inadimplido e a reintrodução do valor mutuado para o

fluxo do sistema, estabeleceu que os embargos opostos pelo executado

somente terão efeito suspensivo se ele provar que depositou a importância

reclamada, ou que pagou a dívida (art. 5º).

Também no Projeto de Lei nº 4.497/2004, que se encontra tramitando

no Congresso Nacional e que dá continuidade às reformas introduzidas no

Código de Processo Civil, voltado agora para o processo de execução, prevê

que os embargos do devedor terão efeito suspensivo apenas quando o juiz

entender relevantes os seus fundamentos e se “o prosseguimento da execução

manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta

reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito

ou caução suficientes” (§ 1º do art. 739).

2.3. A demora na recuperação do crédito. Visão econômica

Como já mencionamos anteriormente (cfr. supra, 1.3), em outubro de

1999, o Banco Central do Brasil produziu e divulgou um relatório

denominado “Juros e Spread Bancário no Brasil”99, nele consignando suas

análises e conclusões sobre o alto custo do crédito no país. Ressalvada a

99 Fonte: Banco Central do Brasil, Brasília-DF.

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atecnia jurídica da redação, justificável pelo fato de ter sido elaborado por

técnicos alheios a termos jurídicos, embora atrevidos na indicação de modelos

processuais e alternativos de resolução de conflitos, o conteúdo do parecer é

importante por revelar a posição do órgão responsável pela fiscalização das

instituições financeiras, regulação do crédito e do mercado financeiro acerca

da adequação dos instrumentos, garantias, institutos jurídicos e procedimentos

postos à disposição dos bancos credores na recuperação dos seus créditos.

Já no início daquela manifestação, foi asseverado que as taxas de juros

brasileiras estavam - e permanecem - entre as mais elevadas do mundo.

Outrossim, diagnosticou aquela autarquia que a inadimplência e a dificuldade

na cobrança é o componente mais expressivo do spread bancário100. À

morosidade no recebimento dos créditos, foi imputada a responsabilidade

concorrente pelos elevados juros cobrados no Brasil e a falta de oferta de

dinheiro, como também estaria impedindo um fluxo maior de investimentos

de capital estrangeiro por causar nos investidores o temor de não ver

rapidamente solucionados eventuais conflitos.

100 O Banco Central do Brasil concluiu que a média geral dos 17 bancos que pesquisou oferece a seguinte taxa de juros: - Despesa administrativa: 22%; - Impostos indiretos ( + CPMF): 14%; - Inadimplência: 35%; - IR/CSLL: 11%; - Lucro do banco: 18%.

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A necessidade de um ambiente favorável e previsível – escopo também

manifestado em estudo do Banco Mundial, como se verá adiante -, no qual se

possa garantir o recebimento dos créditos concedidos, foi mencionado como

indispensável para estimular os bancos ao aumento substancial dos seus

empréstimos.

É claro que o custo do crédito no Brasil, como se reconhece, decorre de

um conjunto de fatores e não de uma circunstância isolada, como a excessiva

intervenção do Estado que utiliza as taxas de juros para apoiar políticas

econômicas de controle de preços, o forte impacto fiscal, o financiamento da

impagável dívida pública e, ainda, entre outras razões de ordem econômica, a

demora no recebimento dos créditos. A respeito desse último fator, ficou

consignado no relatório do Banco Central do Brasil que:

“A dificuldade e a demora no recebimento de créditos reclamados na Justiça

é uma realidade. O Poder Judiciário tem recebido um volume crescente de

processos, o que tem aumentado ainda mais os custos e a demora no

recebimento de créditos. Esta situação, além dos custos que significam,

acabam por induzir comportamentos inadequados que agravam o problema,

Existem pessoas e empresas de má-fé que se aproveitam das dificuldades e

demoras no processo judicante para não pagar suas dívidas, sob as mais

diversas alegações. E, como não poderia deixar de acontecer, os bons

credores pagam pelos maus na forma de spreads mais elevados e escassez de

crédito” (sic, certamente se pretendeu mencionar “os bons devedores” no

relatório e não ‘os bons credores’).

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Algumas medidas tópicas podem ser sugeridas para minimizar esse

problema, como a criação de títulos de crédito (Cédulas de Crédito

Bancário) que possam ter um trâmite mais rápido nos processos de cobrança,

bem como a previsão do depósito obrigatório da parte incontroversa das

pendências judiciais envolvendo créditos de instituições financeiras. Tais

medidas, com certeza, serão bem recebidas pelo Poder Judiciário, na medida

em que contribuam para reduzir o atual estrangulamento desse Poder com o

excesso de processos pendentes de julgamento”.

Em outro trecho do referido relatório, consta a sugestão pela criação da

Cédula de Crédito Bancário, acompanhada da justificativa para agilizar o

recebimento do crédito inadimplido:

“d) criação da Cédula de Crédito Bancário - a legislação brasileira admite

dois regimes para efeito de execução judicial de dívidas. No âmbito civil, os

contratos dependem de prova, o que demanda uma fase de conhecimento, que

têm demorado até 4 anos, dado o congestionamento de processos no

Judiciário. Com a utilização de títulos de crédito, típicos do direito

comercial, a execução judicial independe de prova e da longa demora da fase

de conhecimento, o que permitiria reaver créditos em prazos bem mais

curtos. Nesse sentido, o BC deve propor a criação das Cédulas de Crédito

Bancário, em substituição a atual exigência de contratos das operações de

crédito, utilizáveis para os empréstimos e financiamentos com ou sem

garantia. Além de redução de custos e uma melhor defesa do consumidor,

estes instrumentos poderiam ser mais facilmente exigíveis em processos na

Justiça, reduzindo o risco de crédito”.

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Nessa parte, a justificativa apresentada para a criação da Cédula de

Crédito Bancário é incorreta, pois, à exceção do contrato de abertura de

crédito rotativo, cuja exeqüibilidade restou afastada por reiteradas decisões

dos tribunais por carecer a dívida constante do extrato de conta corrente da

necessária liquidez, o contrato de empréstimo (mútuo), desde que

representativo de dívida liquida e certa e assinado por duas testemunhas, é

título executivo nos termos do inciso II do art. 585 Código de Processo Civil.

Portanto, como já afirmado, a criação da Cédula de Crédito Bancário

teve por escopo dinamizar as operações de crédito, esvaziar algumas

discussões judiciais que vinham sendo desfavoráveis às instituições

financeiras (v.g., a capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano),

e legitimar saldo devedor em conta corrente para viabilizar, aí sim, o processo

de execução, ou seja, a própria lei, certa ou erradamente, atesta liquidez ao

saldo devedor gerado pelos lançamentos efetuados pelo banco credor na conta

corrente.

Interessante também mencionar que, no estudo daquela autarquia, já se

sugeria beneficiar as instituições financeiras em seus contratos de mútuo com

garantia real na hipótese de falência, discussão que se travou no Congresso

Nacional com a justificativa de que esse privilégio contribuiria para a redução

das taxas de juros101:

101 Não por acaso, a Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005, que foi promulgada na mesma data da Lei nº 11.101 que dispõe sobre “a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da

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“g) priorização de créditos garantidos – quando da falência de empresas, as

instituições financeiras tem apresentado dificuldade no recebimento de

créditos com garantia real. As garantias reais são uma forma universal de

reduzir o risco de crédito nas operações de crédito, favorecendo o tomador

com juros substancialmente mais baixos. No entanto, se essas garantias não

são aceitas ou válidas quando a empresa é liquidada judicialmente, a entrega

de garantias pelo tomador para a redução dos juros perde muito de sua

eficácia. Por isso, deve-se propor medidas alterando a lei de falências, para

dar maior proteção aos créditos garantidos nas liquidações judiciais”.

No mesmo relatório ficou também consignado o incentivo à utilização da

arbitragem como forma alternativa - e rápida - de resolução de conflitos, “...o

que facilitaria os custos dos empréstimos a médias e grandes empresas”.

Ainda no campo das sugestões, equivocadas sob o aspecto jurídico e

agora enfatizando a má-fé de devedores que buscam o Poder Judiciário para

estabelecer discussões em torno dos encargos financeiros, consignou aquela

autarquia que:

“f) esclarecimento sobre anatocismo (juros sobre juros) no SFN – uma das razões freqüentes alegadas por devedores de má-fé em processos judiciais refere-se ao artigo 4º da antiga e não revogada Lei da Usura (Decreto sociedade empresária”, fazendo parte de um conjunto de medidas pretensamente de estímulo à economia, objetivou dar maiores garantias aos créditos de natureza bancária quando estabeleceu que o crédito tributário não prefere aqueles com garantia real (“Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. Parágrafo único. Na falência: I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado”). Esse dispositivo completa-se com o art. 83 da Lei nº 11.101/2005: “A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado”.

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22.626 de 1933), que veda a capitalização de juros nos empréstimos. No SFN e nos sistemas financeiros de todo o mundo, a prática é a capitalização dos juros, tanto na captação quando na aplicação de recursos das instituições financeiras. Em função do disposto no artigo 192 do texto constitucional, muitos tribunais vêm dando ganho de causa a devedores que alegam a validade de dispositivo do Decreto 22.626/33 que trata da não capitalização dos juros. Por isso o BC deve propor a expressa derrogação do artigo que trata da capitalização dos juros, reforçando o entendimento já expresso na Lei 4.595/64”.

A discussão travada nos tribunais sobre a capitalização de juros não é

nova. Mereceu do Supremo Tribunal Federal, quando competente para

analisar a matéria, a Súmula nº 121102 e o Superior Tribunal de Justiça

manteve a mesma orientação. A manifestação do Banco Central sobre o tema

mostra o seu descompasso com a legislação pertinente e com a respectiva

interpretação, pelos tribunais, em desfavor das instituições financeiras.

Essas posições e outras que constam do relatório aqui analisado

mostram que, se de um lado é uniforme a preocupação com a agilização dos

procedimentos para que se viabilize a rápida recuperação da quantia mutuada

e não paga, é perigoso deixar à mercê de setores específicos da sociedade a

reestruturação do aparelho judicial e do sistema legislativo, cuja preocupação

esgota-se na solução econômica e não jurídica.

102 Súmula nº 121/STF: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

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É necessário conjugar os esforços e a soma dos conhecimentos das

várias ciências sociais para que os objetivos comuns sejam alcançados, tendo

sempre, não obstante, o homem como o destinatário final da norma,

preservando-se os direitos e garantias fundamentais.

E as reivindicações por um Poder Judiciário e por uma legislação que

vá ao encontro dos dinâmicos negócios modernos também procedem de fora,

especialmente do poderoso sistema financeiro internacional.

Fábio Konder Comparato, na entrevista que antes citamos103, depois de

destacar que, no Brasil, as classes dominantes sucederam-se desde o Império,

passando pelos proprietários rurais, depois pelos comerciantes exportadores

que, por sua vez, cederam espaço aos industriais para, atualmente, ocuparem

o posto os banqueiros, destaca outro fenômeno decorrente dessa modificação

quando diz que:

“no bojo dela uma segunda modificação que talvez seja inédita na história do

Brasil independente. Pela primeira vez na nossa história, uma das classes

dominantes já não é mais nacional, é estrangeira. Isto é importante você

considerar porque todas as grandes decisões políticas e econômicas neste

país, bem ou mal, foram tomadas em função dos interesses da classe

dominante, que era nacional”.

Depois de dizer que os industriais têm no Brasil uma posição

nacionalista, ressalva que: 103 Entrevista publicada na edição de março de 2001, do Jornal Sem Terra.

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“os empresários do sistema financeiro, muito ao contrário, são

intrinsecamente ligados ao estrangeiro. Como é que eles prosperam? É

justamente entrando no campo das finanças internacionais.

Qual é a sua matéria prima? É dinheiro. São recursos financeiros. Ora, esses

recursos financeiros estão abundantemente no mercado internacional. Estão

escassamente no mercado brasileiro. Com a abertura das fronteiras para a

passagem dos capitais, mas não dos trabalhadores, ficou mais do que

evidente que os bancos nacionais, se eles quisessem continuar a operar,

tinham que se ligar ao estrangeiro.

Então, hoje nós podemos dizer que todo o setor do empresariado financeiro é

dominado pelo estrangeiro, seja diretamente, seja por associação.”

Há, portanto, além de um poder dominante interno impondo a criação

de regras de acordo com seus interesses, também um interesse estrangeiro. O

discurso difundido ao longo dos anos todas as vezes que se objetivou dar

maiores garantias às empresas integrantes do Sistema Financeiro Nacional e a

investidores estrangeiros sempre foi uniforme: necessidade de reestruturação

do Poder Judiciário, reforma da legislação, inclusive processual, mediante

modelos diferenciados e adoção de formas alternativas de solução de conflitos

etc..

Com a internacionalização cada vez mais acentuada da economia por

conta do fenômeno da globalização constatada, particularmente, a partir da

última década, essas reclamações que ultrapassaram as fronteiras nacionais

fizeram com que investidores, estados estrangeiros e órgãos internacionais

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manifestassem-se em favor de ampla reforma, imputado ao desaparelhamento

do Judiciário e da legislação brasileira - e dos países em desenvolvimento ou

subdesenvolvidos - as causas do custo do crédito, da insegurança e,

conseqüentemente, do não aumento do volume de investimentos.

Expressivo sobre essa insatisfação alienígena é o trabalho elaborado

pelo Banco Mundial, consubstanciado no Documento Técnico nº 319,

publicado por aquela entidade no ano de 1996 e denominado “O Setor

Judiciário na América Latina e no Caribe – Elementos para Reforma” (“The

Judicial Sector in Latin America and the Carribean – Elements of Reform”).

Esse estudo mira na reestruturação do Poder Judiciário e reforma da

legislação para tornar a resolução dos conflitos mais ágil, especialmente em

função do dinamismo do mercado.

As críticas endereçadas ao Documento Técnico nº 319 do Banco

Mundial são no sentido de que aquela entidade estrangeira propõe a

reorganização dos Judiciários e das legislações dos países da América Latina

de acordo com os escopos do modelo neoliberal104 e interesses do mercado.

104 Hugo Cavalcanti Melo Filho, em conferência intitulada A reforma do Poder Judiciário brasileiro: motivações, quadro atual e perspectivas, proferida no Seminário sobre a Reforma do Judiciário, realizado pelo Centro de Estudos Judiciários nos dias 24 e 25 de fevereiro de 2003, no auditório do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília-DF, aduz uma série de críticas ao Documento Técnico nº 319 do Banco Mundial, acusando os países latino-americanos de terem se comprometido, naturalmente, com a orientação para reforma do setor judiciário, ao “pactuarem com os organismos financeiros internacionais as metas para o ajuste econômico, requisito para a liberação dos financiamentos desejados”. Traça uma série de considerações sobre as proposições constantes do referido Documento, concluindo que “o processo de reforma da estrutura do Poder Judiciário nos países da América Latina, entre eles o Brasil, decorre de imposição dos organismos financeiros internacionais a estas soberanias endividadas” (Revista do Conselho da Justiça Federal, 21:79-86).

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Se a análise tirada do texto mostra que a realidade do Poder Judiciário

da América Latina é confusa e que ajustes na sua estrutura devem ser

implementadas, bem como que a legislação merece atenção para possibilitar a

prestação de uma tutela jurisdicional mais efetiva, também se extrai do

Documento Técnico nº 319 que o intuito fundamental não é o homem, mas,

prevalentemente, o mercado.

Já ao traçar os objetivos da reforma do Judiciário, no Documento do

Banco Mundial, invoca-se a necessidade de as decisões judiciais serem

previsíveis e eficientes105 para adaptar-se à reforma econômica e à abertura

dos mercados106. O escopo da reforma, nota-se, privilegia os conceitos

econômicos e as regras de mercado em detrimento do homem.

105 Um ambiente previsível também foi mencionado pelo Banco Central do Brasil no seu relatório Juros e spread bancário no Brasil, de outubro de 1999. 106 Nessa parte do seu relatório, o Banco Mundial assim se expressou: “A reforma econômica requer um bom funcionamento do judiciário o qual deve interpretar e aplicar as leis e normas de forma previsível e eficiente. Com a emergência da abertura dos mercados aumenta a necessidade de um sistema jurídico. Com a transição de uma economia familiar - que não se baseava em leis e mecanismos formais para resolução de conflitos - para um aumento nas transações entre atores desconhecidos cria-se a necessidade de maneiras de resolução de conflitos de modo formal. As novas relações comerciais demandam decisões imparciais com a maior participação de instituições formais. Todavia, o atual sistema jurídico é incapaz de satisfazer esta demanda, forçando, conseqüentemente, as partes a continuar dependendo de mecanismos informais, relações familiares ou laços pessoais para desenvolver os negócios. Algumas vezes isto desestimula as transações comerciais com atores desconhecidos possivelmente mais eficientes gerando uma distribuição ineficiente de recursos. Esta situação adiciona custos e riscos as transações comerciais e assim reduz o tamanho dos mercados, e conseqüentemente, a competitividade do mercado. Além disso, o crescimento da integração econômica entre países e regiões demanda um judiciário com padrões internacionais. Por exemplo, o WTO, MERCOSUL e o NAFTA requerem certos princípios para decidir questões comerciais. A integração econômica exige uma grande harmonização de leis, que por sua vez requer que elas sejam constantemente aplicadas pelos membros dos países. Os países membros dos mercados comuns devem ter a certeza de que as leis serão aplicadas e interpretadas de acordo com padrões regionais e internacionais. Dessa forma, os países ao redor do mundo devem modernizar o seus judiciários para acomodar estas demandas e prover um nível adequado para a arena internacional. Os governos devem ser capazes de efetivar a aplicação das regras do jogo que foi criado; o judiciário, pode proporcionar este serviço garantindo direitos individuais e direitos sobre a propriedade. Por sua vez, um consistente poder de coerção na execução das leis garante um ambiente institucional estável onde os resultados econômicos a longo prazo podem ser avaliados.

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Os estudos realizados pelo Banco Mundial em 1996 e pelo Banco

Central do Brasil em 1999 mostram a preocupação das instituições financeiras

e investidores com a situação do Poder Judiciário e com a legislação que,

segundo depreende-se dos seus argumentos, não vai ao encontro das

necessidades dos dinâmicos negócios modernos. As dificuldades apontadas na

recuperação do crédito constitui uma das preocupações centrais dessas e de

outras manifestações. E essa reclamação por uma legislação processual e um

Poder Judiciário eficientes para reduzir os custos e aumentar a oferta do

crédito - que se funda em conceitos eminentemente econômicos -, se

encontra aprovação em todos os setores da sociedade, é, entre os economistas,

que ela ecoa fervorosamente. O professor Armando Castelar Pinheiro, da

Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada-IPEA, ao expor a visão do economista sobre a reforma do Poder

Judiciário, especificamente em relação ao problema do crédito, assim se

expressa:

“No mercado de crédito doméstico, por exemplo, e mesmo no acesso a

financiamentos externos, o risco jurídico é um componente importante dos

juros, que contribui para reduzir a oferta de crédito e levar a métodos de

produção mais ineficientes do que os encontrados em economias com juros

mais baixos. Assim, porque o banco não pode contar com o Judiciário para

Neste contexto, um judiciário ideal aplica e interpreta as leis de forma igualitária e eficiente o que significa que deve existir: a) previsibilidade nos resultados dos processos; b) acessibilidade as Cortes pela população em geral, independente de nível salarial; c) tempo razoável de julgamento; d) recursos processuais adequados” (tradução: Sandro Eduardo Sardá).

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reaver rapidamente as garantias dadas, ele compensa este custo financeiro

extra no spread. Além disso, a morosidade do Judiciário faz com que os

bancos sejam obrigados a manter toda uma burocracia encarregada de

seguir os longos processos judiciais de cobrança de dívidas, causando um

custo administrativo adicional, que também é incorporado nos spreads. O

mercado de crédito imobiliário ilustra um caso em que os riscos e custos de

transação introduzidos pela forma de atuação do Judiciário são tão altos que

praticamente levam à inexistência do mercado”107.

O também economista e ex-presidente do Banco Central, Gustavo

Franco, aprova a idéia da intensificação do diálogo entre os operadores do

direito e os economistas com o intuito de se chegar a um Judiciário melhor.108

Porém, se de um lado acerta na sugestão do entrosamento entre os cultores da

ciência jurídica e os da ciência econômica, equivoca-se quando não aceita que

políticas públicas sejam levadas à discussão no Judiciário, por representar

negativa à escolha do eleitos, “levando o resultado das urnas para o ‘tapetão’

e criando insegurança jurídica”, como se expressa.

Políticas públicas adotadas podem ser ilegítimas, contra a ordem

constitucional e o Estado de Direito. O controle jurisdicional, antes de

afrontar a vontade popular, é um sistema complementar de garantia da

107 Reforma do Judiciário: observações de um economista, in Revista do Advogado da Associação dos Advogados de São Paulo, 75:17-27. 108 O Judiciário e a economia, Revista Veja, edição 1.869, de 1º de setembro de 2004.

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democracia e do estado de direito109. Outrossim, haverá insegurança jurídica

se, por razões de ordem econômica, ou pelo cumprimento de “leis

econômicas” a que se referiu o articulista, se negar aplicação às normas

jurídicas vigentes.

Enfim, embora seja inatacável o argumento de que o credor merece

melhores garantias para a recuperação do crédito inadimplido, a criação de

quaisquer modelos processuais ou formas alternativas parajudiciais de

resolução de conflitos não se pode fundar exclusivamente em conceitos e

interesses econômicos.

2.4. A necessária cautela na criação de tutelas diferenciadas e formas alternativas de solução de litígios

Como se viu, há uma consciência geral sobre os problemas existentes

na prestação da tutela jurisdicional. Muitas são as explicações e as sugestões

que se apresentam. Os escopos dos juristas e dos economistas, do “homem do

mercado”, não poderiam ser diferentes. Por isso, além da adaptação e

modernização dos modelos processuais existentes, buscam-se formas

alternativas de solução.

109 De acordo com Alexandre de Moraes, o “controle exercido pelos Tribunais Constitucionais, longe de configurar um desrespeito à vontade popular emanada por órgãos eleitos, seja no Executivo seja no Legislativo, constitui um delicado sistema de complementariedade entre a Democracia e o Estado de Direito” (Direito constitucional, p. 604).

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Mas, se o desejo pela ágil entrega do serviço jurisdicional é uniforme, a

preocupação do economista está ligada à idéia de mercado, rápido trânsito de

riquezas e, por isso, deve o jurista preocupar-se com o ideal de justiça,

mantendo-se vigilante para que não se privilegie a economia em detrimento

dos direitos fundamentais, sem olhar para o lado oposto ao desenvolvimento

econômico. Há de se encontrar o necessário equilíbrio para que não se

prejudique o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, dê-se atenção

ao homem, como destinatário do resultado desse desenvolvimento e das

normas jurídicas. Noberto Bobbio foi preciso quando disse que:

“...o problema grande de nosso tempo, com relação aos direitos do homem,

não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”.110

Os direitos do homem estão bem delineados nos diversos tratados

internacionais e nas constituições de cada país, resultado de árdua conquista

dos últimos dois séculos. No Brasil, a Constituição Federal arrola

exaustivamente os direitos fundamentais do homem, elegendo-os como o seu

“centro de preocupação”. Mesmo assim, cabe assegurar a sua efetivação e

impedir que sejam violados a pretextos desenvolvimentistas. Como acentua

Pierre Massé,

110 A era dos direitos, p. 25.

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“não há que ceder ao fanatismo dos ideólogos, ou dos construtores

alucinados do Milênio, que desumanizam a geração presente, em nome do

mundo paradisíaco do futuro. Não podemos escolher a escravidão como

forma de organização econômica. Implicitamente, os valores éticos

desempenham o mesmo papel que as possibilidades físicas. A opção por uma

política econômica, como aliás, por qualquer política, repousa sobre uma

idéia de homem”111.

Essa visão antropocêntrica também foi bem percebida por Carlos Galves

quando assim se pronunciou:

“O desenvolvimento econômico, no curso de seu desenrolar, não pode,

evidentemente, ser feito com o desconhecimento, ou o sacrifício, ou o

desprezo, daquilo que constitui, precisamente, a sua finalidade: não pode

atentar contra os homens.”112

No afã de privilegiar o desenvolvimento econômico, os tecnocratas

ignoram, muitas vezes, os princípios fundamentais – como se vê em várias

oportunidades no decorrer desta dissertação -, invadindo setor alheio ao seu

campo de conhecimento para formular inadequadas propostas com vistas a

melhorar a atuação do Poder Judiciário. Como lembra o sempre preciso José

Carlos Barbosa Moreira, “combater enfermidades que não se conhecem bem é

desferir às cegas golpes na escuridão.”113

111 Le Plan, ou l’anti-hasard, Gallimard, Paris, 195, p. 56 e 250, apud Carlos Galves, Manual de economia política atual, p. 559. 112 Ibidem, mesma página. 113 O futuro da justiça: alguns mitos, in Temas de direito processual, oitava série, p. 1-13.

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Enfim, não há dúvidas de que a eficiente prestação do serviço

jurisdicional - inclusive para a recuperação do crédito bancário -, é não só um

desejo da sociedade, mas um dever do Estado. Essa eficiência, porém, não

pode ser buscada em modelos processuais ou formas alternativas de solução

de litígios que venham a romper com princípios que garantem o Estado

Democrático de Direito o que, não raro, acontece.

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102

3. O CONTRATO FIRMADO NO ÂMBITO DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO

3.1. Características

O contrato firmado sob a égide das normas que regem o Sistema

Financeiro da Habitação não é exclusivo de instituições bancárias. Desde a

extinção do Banco Nacional da Habitação (BNH) pelo Decreto-lei nº 2.291,

de 21 de novembro de 1986, quando as suas atribuições passaram a ser do

Conselho Monetário Nacional, do seu órgão executor, o Banco Central do

Brasil e da Caixa Econômica Federal, o Sistema passou a ser estruturado de

acordo com a Resolução BACEN nº 1.980, de 30 de abril de 1993:

“Art. 1º. Integram o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), na qualidade

de agentes financeiros, os bancos múltiplos com carteira de crédito

imobiliário, as caixas econômicas, as sociedades de crédito imobiliário, as

associações de poupança e empréstimo, as companhias de habitação, as

fundações habitacionais, os institutos de previdência, as companhias

hipotecárias, as carteiras hipotecárias dos clubes militares, os montepios

estaduais e municipais e as entidades e fundações de previdência privada.”

Embora a realização de contratos de mútuo para a aquisição da casa

própria não seja atividade restrita dos bancos e, por isso, não se pode dizer

que essa modalidade de contrato seja tipicamente bancária, trata-se de

contrato de financiamento e, como é notório, o grande volume de recursos

envolvidos nas políticas habitacionais transitam pelo setor bancário.

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103

Freqüentemente utilizado para financiar a aquisição da casa própria, é

instrumento que, geralmente, incorpora, ao mesmo tempo, a compra e venda

do imóvel, o mútuo, o pacto adjeto de hipoteca e envolve três partes: o

vendedor, o comprador e o agente financeiro.

O mutuário figura no contrato como adquirente do imóvel, perante o

vendedor, e mutuário perante o agente financeiro, dando-lhe o imóvel

adquirido em garantia. O vendedor apenas transmite a propriedade imobiliária

recebendo, do agente financeiro, o preço à vista, que paga em nome do

devedor e passa a ser o credor em decorrência do contrato de mútuo.

Não se trata de nova modalidade contratual, resultado da simbiose da

compra e venda e do mútuo, originando uma terceira espécie114. Os contratos

guardam suas características, apenas sendo formalizados em um mesmo

instrumento.

114 O surgimento de novos negócios obriga o empresário a buscar formas contratuais alternativas que se adaptem às exigências modernas. Quando inexistente figura contratual típica, a criatividade humana faz aparecer novos modelos para suprir as necessidades da evolução econômica e social. M.M. Serpa Lopes reconhece que “a matéria contratual não pode viver limitada às espécies grupadas pela lei. As necessidades econômicas e sociais forçam a criação de novos padrões contratuais” (Curso de direito civil, v. III, p. 41). A adaptação do contrato para preencher as necessidades de cada momento econômico-social é ressaltada por Enzo Roppo, quando afirma que, "se é verdade que a sua disciplina jurídica que resulta definida pelas leis e pelas regras jurisprudenciais - corresponde instrumentalmente à realização de objectivos e interesses valorados consoante as opções políticas e, por isso mesmo, contingentes e historicamente mutáveis, daí resulta que o próprio modo de ser e de se transformar do contrato como instituto jurídico, não pode deixar de sofrer a influência decisiva do tipo de organização político-social a cada momento afirmada. Tudo isto se exprime através da fórmula da relatividade do contrato (como aliás de todos os outros institutos jurídicos): o contrato muda a sua disciplina, as suas funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico-social em que está inserido"(O contrato, p. 24). Com Orlando Gomes, é possível acrescentar que "a vida econômica desdobra-se através de imensa rede dos contratos que a ordem jurídica oferece aos sujeitos de direito para que regulem com segurança seus interesses. Todo contrato tem sua função econômica, que é, afinal, segundo recente corrente doutrinária, a sua causa”. Acrescenta que, "a fim de que a vida econômica se desenrole mediante esses instrumentos jurídicos, não bastam, contudo, os contratos definidos e disciplinados na lei. Admitem-se arranjos e combinações, dignos de proteção, ampliando-se, assim, imensuravelmente, a esfera dos contratos, com acréscimos dos chamados "contratos atípicos", também chamados "inominados"” (Contratos, p. 19-20).

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104

Há que se mencionar a existência, no entanto, de contratos nos quais

não aparece a figura do vendedor, embora sejam hipóteses mais raras: 1)

quando o financiamento é concedido para a construção de moradia; 2)

quando o bem alienado é do próprio agente financeiro.

3.1.1. A compra e venda

O contrato de compra e venda encontra sua definição no art. 481 do

Código Civil (art. 1.122 do Código Civil de 1916), que assim estabelece:

“Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir

o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.”

Do contrato, portanto, originam-se obrigações recíprocas para as partes,

sendo do vendedor a de transferir o domínio da coisa e, do comprador, a de

entregar o preço115. Nos contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro

da Habitação, por envolver um só instrumento a compra e venda e o

financiamento, o agente financeiro substitui o comprador na obrigação de

pagar o preço.

Característica particular da compra e venda de imóveis aqui tratada é a

possibilidade de realizar-se por instrumento particular, excetuando-se a regra

contida no art. 108 do Código Civil e que estava no inciso II, do art. 134 do 115 Silvio Rodrigues, Direito civil, v. 3, p. 136.

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105

Código Civil de 1916. Já o Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966,

estabelecia no art. 26 que todos os atos ali previstos poderiam ser feitos por

instrumento particular. Mais clara é a posterior Lei nº 5.049, de 29 de junho

de 1996, que incluiu no art. 61 da Lei nº 4.380/64 o § 5º com o seguinte teor:

“Os contratos de que forem parte o Banco Nacional de Habitação ou

entidades que integrem o Sistema Financeiro da Habitação, bem como as

operações efetuadas por determinação da presente lei, poderão ser

celebrados por instrumento particular, os quais poderão ser impressos, não

se aplicando aos mesmos as disposições do art. 134, II, do Código Civil,

atribuindo-se o caráter de escritura pública, para todos os fins de direitos,

aos contratos particulares firmados pelas entidades acima citadas até a data

da publicação desta Lei”.

Portanto, os contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro da

Habitação, embora particulares têm, por força de lei, o caráter de escritura

pública o que, como se verá mais adiante, garante a qualidade de título

executivo extrajudicial, independentemente da assinatura de duas

testemunhas.

3.1.2. O mútuo

O mútuo, ao lado do comodato, é gênero da espécie empréstimo. De

acordo com a definição do art. 586 do Código Civil vigente, que reproduziu

fielmente o art. 1.256 do Código Civil de 1916:

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106

“o mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a

restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero,

qualidade e quantidade”.

Foi analisando o art. 1.256 do Código Civil de 1916 que Sérgio Carlos

Covello, tratando do empréstimo bancário, de acordo com a definição desse

dispositivo, definiu-o como:

“o contrato pelo qual o Banco (prestamista) entrega certa soma pecuniária

ao cliente (prestatário), o qual, por sua vez, se obriga a restituí-la, no prazo

avençado, no mesmo gênero, quantidade e qualidade, acrescida de juros e

comissões, conforme prévia estipulação116”.

Fran Martins oferece conceituação semelhante e também esclarecedora:

“Por mútuo compreende-se o contrato segundo o qual uma pessoa empresta

a outra coisas fungíveis, com a obrigação de esta restituí-las ou coisas do

mesmo gênero, quantidade e qualidade. A pessoa que dá as coisas em

empréstimo denomina-se mutuante, a que as recebe, com a obrigação de

restituir, chama-se mutuário. Geralmente, no comércio as coisas emprestadas

consistem em dinheiro. E dada a onerosidade das operações comerciais, a

pessoa que as recebe em empréstimo, isto é, o mutuário, assume, com a

obrigação de devolver a importância recebida, a de pagar certa quantia

relativa ao uso que faz da referida importância. A essa quantia dá-se o nome

de juro.”117

116 Contratos bancários, p. 158. 117 Contratos e obrigações comerciais, p. 363.

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107

É pressuposto do empréstimo bancário, na modalidade mútuo, portanto,

a entrega do dinheiro ao mutuário. É o que consta, aliás, do art. 587 do

Código Civil, verbis:

“Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por

cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição.”

A transferência da propriedade do dinheiro é incondicionada, pois “o

mutuário, ao receber a coisa, torna-se seu proprietário, podendo destruir-lhe a

substância, visto que não precisa devolver o mesmo objeto, mas apenas coisa

da mesma espécie, qualidade e quantidade”118.

Por ser um contrato real, o mútuo só se aperfeiçoa com a entrega da

coisa emprestada. Nesse sentido, é precisa a lição da doutrina quando diz que

o mútuo:

“É contrato real, porque só se aperfeiçoa com a entrega da coisa

emprestada, não bastando, para sua ultimação, o mero acordo entre os

contratantes. Quando um banqueiro concorda em abrir crédito em conta

corrente a um cliente, não se concretizou um contrato de mútuo, mas apenas

promessa de levá-lo a efeito. O mútuo se caracteriza quando, após ser a

importância do empréstimo creditada na conta do mutuário, se incorpora ao

patrimônio do devedor.

118 Silvio Rodrigues, ibidem, p. 255.

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108

A circunstância de o contrato apenas se aperfeiçoar com a entrega da coisa

explica o caráter unilateral do negócio. Com efeito, do contrato só resultam

obrigações para o mutuário, visto que o único dever do mutuante, que seria a

entrega da coisa mutuada, não resulta do contrato, já que o precede”.119

Como dissemos anteriormente, geralmente no contrato destinado à

aquisição da casa própria, figuram três partes: o vendedor, o comprador e o

agente financeiro que paga ao vendedor em nome do comprador. O fato de o

mutuante efetuar o pagamento do preço do imóvel não descaracteriza o

mútuo, pois, de qualquer forma, o dinheiro foi disponibilizado ao mutuário,

apenas direcionado, por sua vontade, para o pagamento do imóvel adquirido.

3.1.3. Contrato de adesão

A multiplicação, a complexidade e o dinamismo das relações

econômicas modernas surgidas a partir do século XIX fez com que o modelo

clássico de contrato, essencialmente paritário, passasse a representar uma

pequena parcela dos negócios120, preponderando as operações de massa nas

quais se apresenta um instrumento com cláusulas predispostas para um

número indeterminado de pessoas.

119 Silvio Rodrigues, ibidem, p. 262. 120 Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, v. II, p. 366.

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109

Pela forma como são firmados esses contratos, classificados pela

doutrina como de adesão, nota-se estar restringida a aplicação do princípio da

autonomia da vontade, pois cabe a uma das partes apenas aceitar em bloco o

instrumento apresentado ou simplesmente não contratar. Essas novas formas

de negócio não significam, no entanto, o perecimento do princípio da força

obrigatória dos contratos, mas apenas a sua mitigação, o que induziu as

legislações modernas a consagrarem mecanismos de proteção para a parte

juridicamente mais fraca da relação121. É exatamente a hipótese da maioria

das contratações levadas a efeito junto ao sistema bancário e, em especial,

perante os agentes integrantes do Sistema Financeiro da Habitação.

De fato, não se pode supor que o pretendente à aquisição da casa

própria tenha êxito em longas tratativas para discutir as condições do negócio,

superar as discordâncias e realizar o contrato. Aliás, sequer consegue - e isso

não é possível diante do volume de operações - entabular o negócio com um

diretor do banco. Como assinala Miguel Maria de Serpa Lopes,

“os proprietários, os chefes desapareceram do plano das negociações

comuns e diárias, substituídos por prepostos seus, que se limitam a repetir

instruções recebidas, tudo executando automaticamente”122.

121 Lembra Mônica Yoshizato Bierwagen que o novo Código Civil, “atento a essa nova tendência de amenização do rigor do princípio, ter incorporado expressamente em seu texto a cláusula rebus sic stantibus aos contratos de execução continuada e diferida (arts. 478 a 480), assim como os institutos da lesão (art. 157) e do estado de perigo (art. 156), que permitem a ingerência estatal, seja para resolver, seja para revisar as condições a que se obrigam as partes” (Princípio e regras de interpretação dos contratos no novo Código Civil, p. 30). 122 Curso de direito civil, v. III, p. 192.

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110

Afora os clientes de grande interesse para o banco, os demais ficam

limitados a aceitar algumas poucas alternativas oferecidas, sem poder discutir

a substância da operação. E, entre esses clientes de menor interesse, estão

aqueles que pretendem adquirir a casa própria e, para isso, buscam o

financiamento bancário.

Outrossim, as condições estipuladas pouco diferem de uma instituição

para outra123, o que retira do mutuário o êxito na negociação de melhores

condições com outra empresa bancária. Some-se a isso o fato de que o cliente,

e muito mais no caso do Sistema Financeiro da Habitação, além de estar

envolvido pelo entusiasmo da realização do negócio e aquisição da casa

própria, desconhece os tecnicismos do instrumento apresentado para

assinatura.124 Carlos Alberto da Mota Pinto conseguiu descrever com

123 Sérgio Carlos Covello mostra que, no setor bancário, as condições do negócio são quase sempre uniformes para todos os estabelecimentos de crédito: "na evolução histórica dos bancos, as condições gerais se apresentaram primeiramente em plano individual, quer dizer, cada Banco possuía suas próprias condições. Com o passar do tempo, essas condições foram tornando-se uniformes para todos os estabelecimentos de crédito, de tal modo que os formulários de contrato se estandardizaram. Cottely escreve: ‘Em princípio, as condições foram individuais, já que cada Banco as elaborava para uso próprio; logo se iniciou um procedimento unificador. Ainda quando não havia a iniciativa de parte dos círculos oficiais, o motivo mais importante de tal evolução radicava-se em duas circunstâncias. A primeira, como sustenta Koch, está constituída pelas más experiências que no transcurso de muitos anos tiveram os Bancos no tráfico com sua clientela, experiências que, em certo modo, foram impostas por seus clientes. A segunda, pelo desejo de eliminar a concorrência. Os Bancos reunidos em suas associações profissionais elaboraram as condições e se obrigaram a respeitá-las nos negócios com seus clientes. De tal modo que as condições adquiriram caráter inamovível em sumo grau, pois, ante as eventuais exigências do cliente, o Banco se atinha às convenções entabuladas com outros Bancos.’ ... Assim, os formulários que servem de instrumento da contratação bancária distinguem-se pela identidade formal, pela predeterminação de suas cláusulas, e pela inflexibilidade e rigidez do seu esquema. O resultado disso é que, no contrato bancário, o consentimento do cliente se manifesta mediante adesão ao esquema proposto pelo Banco, esquema este em que o cliente fica, praticamente, obrigado a aceitar, visto que adotado por todos os Bancos de maneira padronizada."(Contratos bancários, p. 46-47). 124 Como bem assinala J. M. Othon Sidou, “com o encararem o contrato de adesão pelo simplismo da liberdade de recusa do negócio, seus arautos desconhecem ou fingem desconhecer uma realidade transparente: a liberdade de recusa é, às mais das vezes, estrangulada pela escravidão à necessidade.

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111

inigualável precisão como são realizadas essas operações quando tratou do

contrato de adesão. Apesar de extensa, a seguinte passagem não pode deixar

de ser lembrada:

"Sendo os homens e as coisas o que são, a elaboração da disciplina

contratual por um só, e sempre o mesmo, contraente dos milhares de

contratos futuros a que esse ordenamento se destina, constitui um meio - não

desaproveitado - para ditar uma regulamentação de interesses favoráveis a

esta parte. Na verdade o autor da estipulação normatizada a que outra parte

se limitará a aderir, ou seja, a empresa estipulante, encontra-se,

relativamente ao cliente singular, numa situação de força e debilidade

decorrente, desde logo, da circunstância de, muitas vezes, o particular, se

encontrar perante uma empresa monopolista, oligopolista ou com grande

poder econômico (o "bargaining power" dos americanos), com a qual se vê

forçado a contratar, não tendo alternativa em virtude de sua necessidade dos

bens - mesmo que haja várias empresas do ramo o cliente não encontra quem

lhe esteja disposto a fornecer em melhores condições aquilo de que necessita.

O utente do serviço ou consumidor do bem fornecido mediante o contrato de

adesão encontra-se ainda, por outra razão, na situação de parte mais fraca

relativamente ao seu contratante. É que, normalmente, não se percebe das

cláusulas que lhe são desfavoráveis, por estas estarem disseminadas no

extenso e compacto conteúdo do contrato, por estarem impressas em

caracteres minúsculos, por não ter tempo para as ler ou confiam pura e

simplesmente, no conteúdo eqüitativo do texto escrito. A inferioridade do

aderente resulta, ainda, igualmente da predeterminação das cláusulas

Do mesmo modo, não procede, na vida quotidiana, a afirmativa de Ripert, segundo a qual incumbe a toda pessoa que assina um documento inteirar-se do seu conteúdo e se for preciso fazer-se aconselhar. Em que adianta esse aconselhamento e aquela diligência, se opção inexiste?” (A revisão judicial dos contratos, p. 195).

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112

pertencer à outra parte, o que lhe permite circunscrever os limites das suas

vinculações e prever todas as eventualidades e vicissitudes na execução do

contrato. A diferenciação entre o "forte" e o "fraco" resulta, pois, também do

fato do estipulante ter feito uma previsão refletida, alicerçada na experiência,

dos seus interesses contratuais, tais como estes se ligam a uma operação

reiterada, de realização múltipla e indiferenciada, e o aderente fazer uma

operação avulsa, na elaboração de cuja disciplina não participou e na qual

procurava, pura e simplesmente, uma prestação em condições, acerca de cuja

definição confia na outra parte.

Normalmente, portanto, o cliente cede ao regulamente contratual pré-

elaborado pelo fornecedor, sem sequer o ler. Todo aquele conjunto de regras

está normalmente impresso em caracteres tão minúsculos e densos que logo

sugere a decisão de não ler. Se se trata de bens ou serviços cuja aquisição

não é normalmente precedida de trato prolongado entre os interessados, a

tentação de assinar sem ler é reforçada em muitas pessoas pela impressão de

que, se lêem, não se comportam como consumidor normal e são olhados de

soslaio. Acresce que o cliente duvida da sua capacidade para compreender as

fórmulas técnicas e complicadas em que as condições do contrato muitas

vezes se oferecem. Outras vezes é o tempo que lhe escasseia para estudar

uma regulamentação cuja leitura carece de ser feita refletidamente; decide,

por conseguinte, não ler. Aliás, mesmo que lesse e compreendesse em todo o

seu sentido e alcance o regulamento do contrato, só lhe restaria, na hipótese

de desacordo com uma ou mais cláusulas, a perspectiva de uma longa,

aborrecida e, talvez, pouco amistosa discussão ao cabo e ao resto inútil, pois,

também o empregado ou representante do fornecedor está vinculado a fazer

valer as condições gerais constantes do impresso do contrato. Acontece,

ainda, que o cliente acredita, amiúde, estar perante uma regulamentação

eqüitativa, tradutora de ma ponderação e um tratamento equilibrado dos

interesses contrapostos. Finalmente, mesmo se leu e compreendeu e protestou

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113

sem resultado, adere ao regulamento por precisar do bem ou serviço, com

vaga esperança de não se verificar a eventualidade desfavorável.

Necessidade, falta de conhecimento, ingenuidade, tudo concorre para tornar

mais fraca a posição do cliente. Em face dela a empresa autora do padrão de

todos os contratos, tem a superioridade resultante destas deficiências da

posição do cliente, bem como as vantagens da sua qualidade de ente

organizado e, em muitos casos poderosos com contraste com a dispersão e,

em muitos casos debilidade social e econômica dos consumidores. Posto

perante o dilema de se entregar às condições pré-formuladas pelo fornecedor

ou ficar privado do bem ou serviço pretendido, o cliente não manifestou uma

aceitação ou livre apoio. Aderiu, ou melhor, submeteu-se ou sujeitou-se - e o

direito não pode minimizar esta situação sociológica de submissão ou

sujeição e continuar a proceder como se estivesse perante uma normal

aceitação, a não ser que o direto se queira comportar como uma arte de

negar com método as realidades sociais."125

É evidente a desigualdade jurídica, e não apenas econômica, em que se

encontra o mutuário frente ao agente financeiro na realização do negócio.126

125 Contrato de adesão, Revista Forense, 257:33-43. 126 Essa desigualdade jurídica não passou desapercebida pela doutrina. Paulo Luiz Neto Lôbo destaca: “pode-se afirmar que, se provavelmente o aderente nem sempre é o contratante economicamente débil, o predisponente é sempre o contratante juridicamente mais forte, em virtude de, valendo-se da particular tutela que lhe é reconhecida, poder mais facilmente perpetrar abusos contra os eventuais contratantes (neste sentido, débeis). O aderente encontra-se na situação de parte mais fraca por não compartilhar do poder de predispor as condições gerais. A debilidade fática do aderente decorre de fatores adicionais que não pode ser desprezados: normalmente, não se apercebe das condições que lhe são desfavoráveis, por estarem disseminadas no texto extenso ou compacto do contrato ou do documentos preliminar; ou por estarem redigidas em termos técnicos; ou por estarem impressas em caracteres minúsculos, induzindo a desnecessidade da leitura; ou por não dispor de tempo para ler e refletir; ou por confiar pura e simplesmente no conteúdo eqüitativo do texto. O predisponente está numa posição forte porque as condições gerais resultam de uma previsão refletida, alicerçada na experiência de sua atividade organizada e de operações reiteradas, ao passo que o aderente realiza normalmente uma operação avulsa, confiante na razoabilidade das condições. Acresce que o aderente duvida, freqüentemente, de sua capacidade técnica de entender as fórmulas complicadas que são empregadas. De qualquer modo, mesmo que as compreendesse, só lhe restaria a perspectiva de uma discussão inútil com um empregado ou representante do predisponente, sem poderes para modificações.” (Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas, p. 70/71).

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114

Nessa espécie de contratação, essa desigualdade é bem destacada por

Caio Mário da Silva Pereira:

“O fenômeno da desigualdade contratual é manifesto no contrato de mútuo

de dinheiro. Aqui o emprestador tem disponível a soma de que necessita em

dado momento o mutuário. Pela circunstância de ser seu o dinheiro de que o

outro precisa, fecha-se nas suas condições, e impõe a taxa, estipulando o que

o outro contratante tem de aceitar, compelido pela premente necessidade. E

institui assim a usura pecuniária. A desigualdade das partes é quase sempre

evidente; um tem o de que o outro carece; a superioridade do credor é quase

sempre flagrante, porque é livre de fazer ou de não fazer o empréstimo.

Nenhuma coação tem de exercer sobre o devedor, porque ele é solicitado e

este, o suplicante. No regime de pura liberdade de contratar, o mutuário vai-

se entregar espontaneamente à lei do mais forte, e cavar, na proporção da

maior exploração usurária, a própria ruína.”127

O contrato de adesão, tratado pela doutrina que passou a formular

regras para a sua interpretação, não foi ignorado pelo legislador moderno. Já o

Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990),

veio a defini-lo, como se vê do art. 54, verbis:

“Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela

autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de

produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar

substancialmente seu conteúdo”.

127 Lesão nos contratos, p. 149.

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115

O Código Civil, atualizado com a dinâmica dos negócios modernos que

impuseram a multiplicação dessa modalidade de contratação, também não a

ignorou, positivando as regras de interpretação, estabelecendo o art. 423 que:

“Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”.

Entre as estipulações do contrato firmado no âmbito do Sistema

Financeiro da Habitação impostas pelo agente financeiro em seu contrato

formulário, freqüentemente encontra-se aquela estabelecida no § 3º, do art. 30

do Decreto-lei nº 70/66 que trata da nomeação do agente fiduciário que

providenciará eventual execução extrajudicial em caso de falta de pagamento.

Embora esteja ali determinado que o agente fiduciário será escolhido “de

comum acordo entre o credor o devedor”, a estipulação já vem pronta, pois

não se pode pretender que o mutuário negocie com o estipulante a escolha do

agente fiduciário, já que não conhece o mercado.

Servem de exemplo as ressalvas quanto ao valor da cláusula

compromissória em contrato de adesão, consoante estabelece o § 2º do art. 4º

da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996:

“Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o

aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar,

expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento

anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa

cláusula”.

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116

Embora a concordância expressa do aderente em documento anexo ou

em destaque no próprio instrumento não seja garantia da escolha negociada

ou da possibilidade de recusa pelo aderente, a lei que dispõe sobre a

arbitragem mostrou que o contrato de adesão é uma realidade que não pode

ser ignorada, merecedor de um tratamento distinto para restabelecer o

equilíbrio da relação. No Decreto-Lei nº 70/66, essa preocupação não existiu.

A nomeação do agente fiduciário dá-se normalmente pelo estipulante e, por

isso, da sua confiança.

Enfim, o modo como são realizados os contratos no âmbito do Sistema

Financeiro da Habitação caracterizam-no como de adesão e, por isso, a

interpretação, agora por força de lei, deve sempre favorecer o aderente, no

caso o mutuário.

3.2. A garantia hipotecária

O patrimônio do devedor é a garantia geral dos credores. Com efeito, o

devedor responde com todos os seus bens por suas dívidas e, havendo

inadimplemento, o credor poderá, por meio da convocação do Estado ao

exercício da função jurisdicional, destacar um bem para a satisfação do seu

crédito. É possível, porém, estabelecer a vinculação de determinado bem para

o cumprimento da obrigação, que pode ser do devedor ou de terceiro,

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117

preferindo a outros credores no pagamento. As modalidades tradicionais de

garantia são o penhor, a hipoteca, a anticrese e a propriedade fiduciária.

Interessa-nos ao desenvolvimento do tema a garantia hipotecária.

A hipoteca é um direito acessório de garantia e, embora tenha validade

entre as partes desde logo, passa a ser real a partir do registro que lhe dá

publicidade e, portanto, efeitos erga omnes. Tem como características

essenciais: a) a acessoriedade, em relação à dívida ou obrigação, amparando-

se em um contrato principal, destinado ao seu pagamento em caso de

inadimplemento; b) o vínculo real, ficando o bem sujeito ao pagamento da

dívida, por vínculo real; c) a especialização, que impõe a descrição do bem e

os requisitos da dívida; d) a seqüela, que significa a possibilidade do credor

perseguir a coisa em poder de quem quer que se encontre; e) a

indivisibilidade, significando que o pagamento parcial da dívida não libera

proporcionalmente a garantia; f) a preferência, dando ao credor hipotecário a

possibilidade de receber o seu crédito antes de qualquer credor, excetuando-se

outros privilégios estabelecidos em lei.

A hipoteca constituída no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação,

além das características acima apresentadas, guarda algumas particularidades

que a diferencia do sistema tradicional:

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118

a) limitação da responsabilidade patrimonial à excussão do bem hipotecado -

na excussão do bem hipotecado, se o valor não for suficiente para o

pagamento da dívida, o credor poderá, como quirografário, buscar o

recebimento do saldo remanescente excutindo outros bens do devedor.128 Nos

contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, a responsabilidade

pelo saldo remanescente nem sempre se verifica, pois, como veremos adiante

(cfr. infra, 4.2.4), tanto na execução extrajudicial, como na especial judicial

processada pelo rito da Lei nº 5.741/71, na hipótese de falta de pagamento das

prestações mensais, a responsabilidade patrimonial é limitada ao bem objeto

da garantia;

b) inadmissibilidade da hipoteca recair sobre de terceiro – o bem hipotecado

será aquele que está sendo adquirido com o produto do financiamento;

c) formalização por instrumento particular - como asseguramos ao tratar da

compra e venda (cfr. supra, 3.1.1), a Lei nº 5.049, de 29 de junho de 1996,

que incluiu o § 5º no art. 61 da Lei nº 4.380/64, autorizou a celebração dos

contratos, inclusive com garantia hipotecária, mediante instrumento

particular, dando-lhe força de escritura pública, divergindo da fórmula

tradicional que obriga a utilização de instrumento público.

128 Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, v. V, p. 558; Melhim Namem Chalhub, Curso de direito civil, direitos reais, p. 230.

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119

3.3. A cédula hipotecária

Com o escopo de promover a circulação de recursos no sistema, o

Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966, no art. 10, instituiu e autorizou

a emissão, pelo credor hipotecário, da cédula hipotecária nos casos de: a)

operações compreendidas no Sistema Financeiro da Habitação; b) hipotecas

de que sejam credores instituições financeiras em geral e companhias de

seguro; c) hipotecas entre outras partes, desde que a cédula hipotecária seja

originariamente emitida em favor das pessoas jurídicas a que se refere o

inciso II supra. Os requisitos da cédula constam do art. 15 do mesmo Decreto-

lei.

A emissão da cédula depende, como é óbvio, de um negócio jurídico

subjacente que, no caso, será sempre um contrato de mútuo garantido por

hipoteca. Como afirmou Pontes de Miranda ao tratar da cédula rural

hipotecária, emitida nos mesmos moldes da ora analisada, ela “incorpora o

direito real de hipoteca, de modo que o subscritor e emitente promete pagar e

o direito real de garantia está incorporado no título, quer tenha sido

constituído por ele, quer por terceiro dador da hipoteca”.129

129 Tratado de direito privado, t. XXI, p. 257-258.

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120

De fato, segundo o parágrafo único do art. 16 do Decreto-lei nº 70/66,

“emitida a cédula hipotecária, passa a hipoteca sobre a qual incidir a fazer

parte integrante dela, acompanhando-a nos endossos subseqüentes,

subrogando-se automaticamente o favorecido ou o endossatário em todos os

direitos creditícios respectivos, que serão exercidos pelo último deles, titular

pelo endosso em preto”.

É título destinado à circulação, depois de devidamente averbado à

margem da inscrição da hipoteca a que disser respeito, obrigatoriamente

nominativo e transferível por endosso em preto, ficando o emitente e o

endossante solidariamente responsáveis pela liquidação do crédito, a menos

que avisem o devedor hipotecário e o segurador, quando houver, até trinta

dias após sua realização.

Importa salientar que, não obstante a cédula hipotecária incorporar um

direito real de garantia hipotecária, pode ser ela emitida por instrumento

particular, seja pelo que estabelece o art. 26 do Decreto-lei nº 70/66, seja pelo

disposto na Lei nº 5.049, de 29 de junho de 1996, que incluiu no art. 61 da Lei

nº 4.380/64 o § 5º.

Por fim, é relevante lembrar que o Código Civil possibilitou, no art.

1.486, a convenção para “autorizar a emissão da correspondente cédula

hipotecária, na forma e para os fins previstos em lei especial”.

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121

3.4. O título executivo criado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação

É função do título executivo possibilitar a ação executiva (CPC, art.

583). Nas palavras de Pontes de Miranda, “título é documento; mas título

executivo é título a que se permite, com ele, propor-se ação de execução”. 130

Aduz Cândido Rangel Dinamarco que:

“a exigência de um título executivo, sem o qual não se admite a execução, é

conseqüência do reconhecimento de que a esfera jurídica do indivíduo não

deve ser invadida, senão quando existir uma situação de tão elevado grau de

probabilidade de existência de um preceito jurídico material descumprido, ou

de tamanha preponderância de outro interesse sobre o seu, que o risco de um

sacrifício injusto seja, para a sociedade, largamente compensado pelos

benefícios trazidos na maioria dos casos”.131

A tipicidade é uma das características do título executivo. Consiste em

que os seus contornos e configurações vêm traçados na lei e somente por ela

podem ser criados, nunca pela convenção das partes132. Adverte Araken de

Assis que:

“a declaração das partes, seja para adscrever determinado negócio

documentado à execução, seja para excluí-lo da tutela executiva, é ineficaz 130 Comentários ao Código de Processo Civil, t. IX, atualização legislativa de Sérgio Bermudes, p. 152. 131 Execução civil, p. 475-476. 132 Como assinala Pontes de Miranda, “a enumeração do art. 585 é enumeração de títulos executivos extrajudiciais. Não é a única, mas só a lei escrita diz o que é suficiente para constituir título executivo, e somente o título executivo permite ingresso à execução, donde o princípio (tautológico): Nulla executio sine titulo” (Comentários ao Código de Processo Civil, t. IX, atualização legislativa de Sérgio Bermudes, p. 189).

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122

perante o catálogo do art. 585 do CPC. Tal manifestação de vontade não

institui e não exclui a ação porventura cabível. Previsto o documento num

dos tipos arrolados no art. 585, está autorizada a ação executória; refugindo

ele ao catálogo legal, o mesmo se afigura imprestável para basear a

demanda executória.”133

No Código de Processo Civil, os títulos executivos encontram-se

elencados nos arts. 584 (judiciais) e 585 (extrajudicial)134 e encerram numerus

clausus. Mas também estabelece o inciso VII do art. 585 que têm eficácia

executiva “todos os demais títulos, a que, por disposição expressa, a lei

atribuir força executiva”.

No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, as execuções

extrajudicial e judicial terão como causa um dos títulos mencionados no

Decreto-lei nº 70/66: 1) o contrato de mútuo com garantia hipotecária

mencionado no art. 9º; 2) a cédula hipotecária emitida nos termos do art. 10.

A cédula hipotecária não encontra, claramente, conformidade com

nenhum dos títulos descritos nos diversos incisos do art. 585 do Código de

Processo Civil. A sua executividade é outorgada pelo Decreto-lei nº 70/66.

133 Manual do processo de execução, p. 138. 134 Pontes de Miranda esclarece que: “o estado admitiu que se supunha que a futura sentença seja favorável quanto à cognição, o que fez antecipada a execução. Antecipa-se, mas o julgamento desfavorável ao título, nos embargos, tudo dissipa” (Comentários ao Código de Processo Civil, t. IX, atualização legislativa de Sérgio Bermudes, p. 162-163).

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123

Por outro lado, o contrato de mútuo com garantia hipotecária é título

executivo extrajudicial não por conta, exclusivamente, do disposto no inciso

III do artigo 585 do Código de Processo Civil (“contratos de hipoteca”, que

exige a forma pública), ainda que com ele seja possível, aparentemente,

harmonizá-lo, mas pela combinação dos artigos 26 e 29 do Decreto-lei nº

70/66, bem como da Lei nº 5.049, de 29 de junho de 1996, que incluiu, no art.

61 da Lei nº 4.380/64 o § 5º, para atribuir, aos instrumentos particulares

firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, o caráter de escritura

pública.

O título executivo, mesmo quando firmado por instrumento particular,

será o contrato de mútuo com pacto adjeto de hipoteca por força da Lei nº

4.380/64 e do Decreto-lei nº 70/66, não estando correto falar-se em “contrato

de hipoteca”, como faz o art. 29 do Decreto-lei nº 70/66 e o inciso III do art.

585 do Código de Processo Civil.

Como salienta Pontes de Miranda, é equivocada a redação do inciso III

do art. 585 do Código de Processo Civil – e, para nós, dos dispositivos do

Decreto-lei º 70/66 -, porque é o crédito que possibilita a execução de título

extrajudicial, garantido por hipoteca. Por isso, sustenta, os incisos I, II, III, VI

e VII deveriam ter falado de crédito,135 e não de “contratos de hipoteca”. Mais

135 Comentários ao Código de Processo Civil, t. IX, atualização legislativa de Sérgio Bermudes, p. 222.

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124

correto, portanto, o art. 1º da Lei nº 5.741/71 ao referir-se à “cobrança de

crédito hipotecário”.

E, de fato, na execução hipotecária, não há pedido de entrega do bem,

mas de pagamento e, como assegura Sérgio Shimura, com base na lição de

Liebman:

“O imóvel dado em garantia hipotecária desempenha o papel de objeto

instrumental, serve apenas de meio de que se valerá o órgão jurisdicional

com vistas à futura expropriação, da qual resultará a quantia em dinheiro a

ser entregue ao credor.”136

A hipoteca visa, como contrato acessório, apenas garantir o pagamento

do crédito e não à entrega do próprio bem. Atento a essa circunstância, o

Projeto de Lei nº 4.497/2004, em trâmite no Congresso Nacional, pretende dar

nova redação ao inciso III do art. 585 do Código de Processo Civil para que lá

passe a constar, como título executivo extrajudicial, “os contratos garantidos

por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de vida”.

136 Título executivo, p. 302.

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125

4. A EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DO DECRETO-LEI Nº 70, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1966

4.1. O Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966

Todo o Sistema Financeiro da Habitação e os objetivos do plano de

desenvolvimento econômico e social imaginado pelo Governo Federal na

década de 1960 poderiam ficar comprometidos se não houvesse incentivo à

concessão de crédito tendente à construção de moradias. Esse estímulo,

obviamente, não poderia ignorar a necessidade de abreviar-se o trâmite dos

procedimentos para a excussão da garantia hipotecária sabendo-se que, pelas

características dos mutuários a que se destinava inicialmente o programa, os

índices de inadimplência haveriam de ser elevados. E, já na década de 1960,

as previsões confirmaram-se, mostrando-se expressivos os contratos com

prestações em atraso137. Recentemente, dados divulgados pelo Banco Central

do Brasil mostram a significância dos números atuais: de maio a outubro de

2004, considerados por tipo de instituição financeira, os percentuais atestam a

instabilidade do setor. Somadas todas as modalidades de financiamentos

habitacionais, o levantamento apontou os seguintes dados que aqui

resumimos:

137 Anota José Maria Aragão que “os elevados índices de inadimplência dos mutuários, as dificuldades de comercialização de unidades integrantes de projetos que, em teoria, não deveriam apresentar riscos de mercado (Cooperativas, p.ex.) assim como o freqüente abandono de habitações por compradores sem condições de pagamento ou insatisfeitos com a qualidade da moradia (sobretudo do Programa ‘Mercado de Hipotecas’), passaram a constituir, entre 1968 e 1970, um grave problema administrativo e político” (Sistema Financeiro da Habitação, p. 111)

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126

INSTITUIÇÕES PERÍODO TOTAL (%)

Privadas Mai/2004 20,81%

Jun/2004 20,77% Jul/2004 18,95% Ago/2004 22,75% Set/2004 23,12% Out/2004 22,89%

Públicas Mai/2004 38,01%

Jun/2004 38,15% Jul/2004 37,85% Ago/2004 37,76% Set/2004 38,20% Out/2004 38,44%

Caixas Mai/2004 36,94%

Jun/2004 36,86% Jul/2004 36,56% Ago/2004 36,36% Set/2004 37,21%

Out/2004 37,74%138

Para evitar o colapso do sistema pela falta de pagamento dos valores

mutuados e possibilitar a rápida circulação dos recursos destinados à

produção de moradias, imaginou-se, naquela década, ser indispensável

fornecer aos credores mecanismos eficientes para a recuperação do crédito,

para o que não se prestava o procedimento previsto no Código de Processo

Civil de 1939. Um meio mais célere, uma tutela mais rápida, então, foi

imaginada e levada a efeito, promulgando-se, em 21 de novembro de 1966, o

Decreto-lei nº 70, responsável por polêmicas até hoje não resolvidas, pois,

instituiu a execução extrajudicial conduzida por um agente fiduciário.

138 Fonte: Banco Central do Brasil, Sistema Financeiro da Habitação, Estatísticas Básicas do SFH, Inadimplência em Financiamentos Habitacionais.

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127

Em decorrência de controvérsias e resistências à adoção daquele

procedimento, em 1971, foi promulgada a Lei nº 5.741, que estabeleceu um

procedimento judicial para a execução dos contratos vinculados ao Sistema

Financeiro da Habitação. Essa nova lei não revogou o Decreto-lei nº 70/66.

Ao contrário, afirmou, em seu art. 29, a coexistência de duas execuções: a

extrajudicial, prevista no referido Decreto-lei, e a judicial, tratada pela Lei nº

5.741/71, facultando ao credor optar por uma ou outra. Como se verá mais

adiante (cfr. infra, 5.2), há quem defenda ter o credor uma terceira opção: a

execução por quantia certa contra devedor solvente, prevista no Código de

Processo Civil, para a hipótese de falta de pagamento139.

O Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966, autorizou o

funcionamento das associações de poupança e empréstimo, instituiu a cédula

hipotecária, permitiu a atualização monetária dos empréstimos com garantia

hipotecária e estabeleceu a execução extrajudicial dos contratos firmados no

âmbito do Sistema Financeiro da Habitação ou naqueles cujos credores sejam

instituições financeiras e companhias de seguro. Interessa, a este trabalho, o

polêmico procedimento para os contratos garantidos por hipoteca de que trata

139 Afirma Araken de Assis que: “considerando a necessidade de reduzir os trâmites da pretensão a executar tais créditos, haja vista se cuidar de negócios de massa, inicialmente se editou o Decreto-Lei nº 70, de 21.11.66, que instituiu a figura do agente fiduciário (trustee), visando a realização extrajudicial do crédito”. Acrescenta que: “em virtude das resistências notórias a semelhante rito, cujo controle judiciário se efetivava a posteriori e a instâncias do executado, sobreveio, à guisa de tentame conciliatório, a Lei nº 5.741, de 1º.12.71” (Execução especial de crédito hipotecário, in O processo de execução, p. 39). Há quem sustente que a Lei nº 5.741/71, a rigor, revogou os dispositivos que tratavam da execução extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66. É nesse sentido Érico Barone Pires, Execução das hipotecas vinculadas ao sistema financeiro da habitação, necessidade da avaliação, AJURIS – Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 19:34-36.

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128

o multimencionado Decreto-lei, a sua conformação - ou não - com o sistema

constitucional vigente e o seu processamento.

O procedimento extrajudicial sustentado em contrato garantido por

hipoteca ou por outra espécie de garantia – e a polêmica acerca da sua

constitucionalidade - não é original do sistema jurídico brasileiro. O art. 129

da Ley Hipotecaria da Espanha, de 1946, veio facultar ao credor a utilização

da execução judicial ou a extrajudicial com as formalidades estabelecidas em

regulamento específico.140 O regulamento a esse artigo foi aprovado pelo

Decreto de 14 de fevereiro de 1947 que dispôs, nos seus artigos 234 a 236,

sobre o procedimiento ejecutivo extrajudicial que se realiza por meio de um

Notario, agente público, equivalente ao agente fiduciário do sistema

brasileiro, só que aqui órgão privado141. Como aqui, lá o procedimento é todo

extrajudicial, ressalvando a necessidade da intervenção judicial apenas para a

obtenção da posse por parte do adquirente do imóvel.

140 Diz o art. 129 que: “La acción hipotecaria podrá ejercitarse directamente contra los bienes hipotecados sujetando su ejercicio a lo dispuesto en el Título IV del Libro III de la Ley de Enjuiciamiento Civil, con las especialidades que se establecen en su capítulo V. Además, en la escritura de constitución de la hipoteca podrá pactarse la venta extrajudicial del bien hipotecado, conforme al artículo 1.858 del Código Civil, para el caso de falta de cumplimiento de la obligación garantizada. La venta extrajudicial se realizará por medio de notario, con las formalidades establecidas en el Reglamento Hipotecario.” 141 José Carlos Barbosa Moreira, em palestra proferida no Rio de Janeiro em 25 de maio de 1998, em que tratou do tema da privatização do processo e o emprego do vocábulo “privatização”, aduz que a participação de particulares em atividade judicial tendente à decisão de lides, longe de caracterizar a privatização do processo, fazem os particulares terem “sua atividade revestida de caráter público. Dá-se, a bem dizer, publicização, e não privatização” (Privatização do processo, in Temas de direito processual civil, sétima série, p. 7-18).

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129

Igualmente no Peru, pelo Decreto Legislativo nº 495, que trata do

Registro Predial de Pueblos Jovenes, Urbanizaciones Populares, Hipoteca

Popular y Seguro de Credito, em apenas cinco singelos artigos, foi

autorizado, às partes contratantes, nomearem um mandatário, que não poderá

ser uma das partes, com poderes irrevogáveis para que promova a alienação

do bem hipotecado para pagamento ao credor em caso de inadimplemento.142

Inexistente o pacto, o mesmo diploma estabelece um procedimento judicial

para a execução hipotecária.

Útil para a percepção das coincidências e desacordos a confrontação

dos procedimentos alienígenas com o brasileiro quando da análise específica

desse último e das questões a ele pertinentes.143

4.2. Procedimento da execução

Ainda que recusemos vigência aos dispositivos do Decreto-lei nº 70/66,

que tratam da execução extrajudicial, por entendermos colidirem com

diversos preceitos constitucionais e, portanto, não tendo sido recepcionados

142 Estabelece o art. 33 do Decreto Legislativo nº 495 que: “Cuando se constituya hipoteca, el deudor hipotecario podrá , en el mismo instrumento, convenir con el acreedor y otorgar poder especial e irrevocable a un mandatario para que éste, en su nombre y representación, venda el bien en caso de incumplimiento de la obligación. El mandatario podrá ser un Banco, un Notario Público, un Alcalde , una organización de pobladores o cualquier otra persona natural o jurídica que goce de la confianza de ambas partes. En ningún caso el mandatario será el acreedor hipotecario. Es nula toda venta que se realice en precio menor a las dos terceras partes del valor comercial del bien establecido en el contrato de hipoteca, actualizado a la fecha de tasación de acuerdo a los índices establecidos por el Instituto Nacional de Estadística.” 143 Não obstante ser interessante o cotejo, convém, desde logo, lembrar que a questão da constitucionalidade dos procedimentos extrajudiciais, tanto na Espanha como no Peru, é polêmica. Na Espanha, já existe manifestação do Tribunal Supremo pela inconstitucionalidade do procedimiento extrajudicial, o que se deu pela Sentencia nº 402/1998, de 04 de maio de 1998.

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130

pela Constituição Federal de 1988, é necessário discorrer sobre ela, até porque

só é aceitável levar a efeito as críticas quando se analisa detalhadamente o

procedimento. Também é necessário examiná-la criticamente em vista da sua

confirmação em realidade, pelo Supremo Tribunal Federal, o que dá

tranqüilidade às empresas integrantes do Sistema Financeiro da Habitação

para a sua adoção em seus contratos. Ademais, verificamos que os índices de

inadimplência, neste setor, sempre foram elevados, o que torna relevante

trazer à discussão o entendimento sobre essa peculiar forma de recuperação

de crédito pela sua inevitável e expressiva utilização.

O procedimento estabelecido nos artigos 29 a 41 do Decreto-lei nº

70/66 serve para execução dos contratos de empréstimo com garantia

hipotecária e das cédulas hipotecárias representativas dos respectivos créditos,

nas operações compreendidas no Sistema Financeiro da Habitação;

hipotecas de que sejam credores instituições financeiras em geral, e

companhias de seguro; e, nas hipotecas entre outras partes, desde que a

cédula hipotecária seja originariamente emitida em favor das pessoas

jurídicas a que se refere o inciso II do art. 10..144 Em decorrência do disposto

no inciso II do art. 39 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, que

dispõe sobre o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), também se aplica às

operações de financiamento imobiliário em geral tratadas por essa lei, quando 144 Por força do inciso II do art. 39 da Lei nº 9.514/97, as disposições do Decreto-lei nº 70/66 se aplicam às operações de financiamento ali referidas, inclusive a execução extrajudicial, verbis: “Art. 39. às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere esta Lei: I - ... II – aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966”.

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131

garantidas por hipoteca; obviamente que para aquelas com outras garantias,

como a alienação fiduciária de bem imóvel, são utilizados outros

procedimentos.

Relevante apontar que, para a cobrança dos créditos consubstanciados

em um desses títulos, o Decreto-lei nº 70/66 facultava a execução

extrajudicial prevista nos artigos 31 a 38, ou a estabelecida no Código de

Processo Civil (o art. 29 fazia menção aos arts. 298 e 301 do Código de

Processo Civil de 1939). Para nós, o artigo 29 do Decreto-lei nº 70/66 foi

derrogado pelo artigo 1º da Lei nº 5.741/71, ali ficando estabelecido que:

“Para a cobrança de crédito hipotecário vinculado ao Sistema Financeiro da

Habitação criado pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, é lícito ao

credor promover a execução de que tratam os artigos 31 e 32 do Decreto-lei

nº 70, de 21 de novembro de 1966, ou ajuizar a ação executiva na forma da

presente lei”.

Pelo teor do dispositivo citado, faculta-se ao credor hipotecário a

utilização da execução extrajudicial prevista no Decreto-lei nº 70/66 ou a

especial judicial tratada na Lei nº 5.741/71.145 Não é mais cabível a

estabelecida no Código de Processo Civil quando fundada em falta de

pagamento do empréstimo, pois, “para a cobrança de crédito hipotecário

145 A faculdade do credor por um ou por outro procedimento foi enfrentada e reconhecida no julgamento do REsp nº 2.341-PR, de 14.5.1990, relatado pelo ministro Waldemar Zveiter.

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132

vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação...”, o credor pode

“...promover a execução de que tratam os artigos 31 e 32 do Decreto-lei nº

70...” ou “...ajuizar a ação executiva na forma da presente lei”. A conjunção

ou designa apenas uma segunda alternativa, aquela prevista na Lei nº

5.741/71. Não há uma terceira hipótese. Diferente, como se verá, é a execução

intentada quando a causa não seja a falta de pagamento. Nesse caso, o art. 10

dessa mesma Lei determina a utilização do procedimento judicial estabelecido

no Código de Processo Civil.

4.2.1. O requerimento do credor formulado ao agente fiduciário

A execução extrajudicial prevista no Decreto-lei nº 70/66 inicia por

requerimento escrito do credor ao agente fiduciário, instruído com o título da

dívida devidamente registrado, a indicação do valor das prestações e encargos

não pagos, o demonstrativo do saldo devedor com a discriminação das

parcelas de principal, juros, multa e outros encargos contratuais e legais e

cópia dos avisos reclamando o pagamento da dívida, expedidos de acordo

com instruções regulamentares relativas ao SFH (cf. art. 31).

A indispensabilidade da instrução do requerimento com esses

documentos reside na necessidade de serem trazidos elementos para que o

agente fiduciário cumpra algumas determinações que a lei lhe incumbe.

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133

Assim, obriga-se ele a conceder ao devedor o prazo de vinte dias para a

purgação da mora (§ 1º, do art. 31 e art. 34) e, por isso, a exigência da

informação precisa acerca do montante a ser pago para esse fim. Também é

fundamental seja informado sobre o saldo devedor para fazer cumprir o

disposto nos §§ 1º, 2º e 3º do art. 32 quanto ao destino da importância apurada

com a arrematação. O título da dívida referido na lei também é indispensável

para que o agente fiduciário confirme se a execução está sendo requerida em

face do verdadeiro devedor e se o imóvel que deverá ser alienado é,

efetivamente, aquele dado em garantia.

É de se notar que o inciso IV do art. 31 exige que o credor exiba, com o

requerimento, os avisos reclamando o pagamento da dívida. Modificado pela

Lei nº 8.004, de 14.3.1990, igual dispositivo gerou uma séria discussão

jurisprudencial na execução judicial processada pela forma estabelecida na

Lei nº 5.741, de 1º.12.71, como será possível verificar quando dela tratarmos,

originando-se a Súmula nº 199 do STJ que considerou necessário instruir a

petição inicial com, pelo menos, dois avisos.

Ausente qualquer dos requisitos exigidos, o agente fiduciário deve

recusar o processamento da execução extrajudicial. E mais: se observar que os

documentos apresentados são contraditórios com o requerimento ou que o

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134

demonstrativo de débito apresentado pelo credor contenha imprecisões, não

poderá dar prosseguimento à alienação do bem hipotecado. Cabe, ao agente

fiduciário, o controle formal do procedimento, portanto, recusando-se a

processar a execução que não seja requerida com o preenchimento dos

requisitos exigidos para que seja desencadeada.

O Regulamento espanhol do procedimiento ejecutivo extrajudicial foi

mais claro ao estabelecer que o Notario examinará os documentos que

acompanham o requerimento e, se considerar cumpridos todos os requisitos,

processará a execução. Contrario sensu, se não forem atendidos, deve recusar

a venda do bem imóvel hipotecado (art. 236, “b”, do Regulamento da Ley

Hipotecaria da Espanha: “El Notario examinará el requerimiento y los

documentos que lo acompañan y, si estima cumplidos todos los requisitos,

solicitará del Registro de la Propiedad certificación comprensiva de los

siguientes extremos”). Igual comportamento deve ter o agente fiduciário.

Embora não haja, no Decreto-lei nº 70/66, semelhante dispositivo, da

obrigatoriedade de instruir-se o requerimento com documentos essenciais à

execução, decorre o dever do agente fiduciário recusar o seu processamento

se os requisitos não forem preenchidos.

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135

4.2.2. A notificação do devedor

O agente fiduciário, recebendo o requerimento do credor e verificando

presentes os requisitos exigidos pela lei, terá dez dias para notificar o devedor

por meio de Cartório de Títulos e Documentos. A notificação tem a finalidade

de instar o devedor à purgação da mora no prazo de vinte dias, sob pena de ter

o seu bem imóvel hipotecado alienado em hasta pública para pagamento ao

credor146. Esse prazo é apenas para a purgação da mora, pois, não há, no

procedimento extrajudicial, a possibilidade de o devedor nomear bens à

penhora nem oferecer defesa sob qualquer forma. Ele é notificado apenas para

pagar.

A lei não estabelece o termo a quo na contagem do prazo. Sendo assim,

utilizando-se o Código de Processo Civil de forma supletiva, deve ele ser

considerado o dia do recebimento da notificação pelo devedor, contando-se-o

na forma do art. 184, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o do

vencimento. Nesse prazo, o devedor poderá efetuar o pagamento das

prestações em atraso e respectivos encargos, purgando a mora e possibilitando

o convalescimento do contrato.

146 A expressão “notificação” empregada no texto do Decreto-lei nº 70/66 é adequada. Tecnicamente, a citação tem por finalidade a comunicação da instauração de um processo ou de um procedimento, instando o réu para nele intervir. A intimação, outrossim, consiste “em mera comunicação de um ato ou termo processual”, enquanto a notificação “se consubstancia numa ordenação provida de cominação” (Rogério Lauria Tucci, Curso de direito processual civil, v. 2, p. 144). Tem-se que, no caso do procedimento extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66, o devedor é instado a pagar o valor da dívida, sob pena de ter expropriado o bem dado em garantia.

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136

O Superior Tribunal de Justiça apresenta um argumento convincente

pela notificação pessoal do devedor. No REsp nº 37792-RJ, publicado no

Diário da Justiça de 24.3.2003, relatado pelo ministro Aldir Passarinho

Junior147, destacou-se a necessidade da comunicação pessoal pelo caráter

excepcional, severo e desequilibrado da execução extrajudicial. Destaca-se,

do voto condutor, a seguinte e inteligente passagem:

“Com efeito, a alienação do imóvel hipotecado, por via extrajudicial de

excepcional severidade e desequilibrado protecionismo à entidade mutuante,

como pálida homenagem ao devido processo legal, não pode prescindir da

essencial formalidade, in extremis, a purgação da dívida em mora. O leilão

não prescinde do prévio ato de procurar a comunicação pessoal.”

Como impõe o § 1º do art. 3º da Lei nº 5.741/71, a citação será

necessariamente pessoal na execução judicial especial (“A citação far-se-á na

pessoa do réu ou do seu representante legal. Mas, a do marido dispensa a da

mulher, quando aquele for o devedor”). Também na execução contra devedor

solvente, prevista no Código de Processo Civil, a citação deve ser realizada 147O REsp referido ficou assim ementado: “CIVIL E PROCESSUAL. EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA EXTRAJUDICIAL. DEC-LEI N. 70/66. NOTIFICAÇÃO PESSOAL INEXISTENTE. EDITAL. INVALIDADE. ANULAÇÃO DO PROCEDIMENTO. I. Embora tenha se reconhecido na jurisprudência pátria a constitucionalidade do Decreto-lei n. 70/66, está ela rigidamente subsumida ao rigoroso atendimento de suas exigências pelo agente financeiro, já que, na verdade, ele se substitui ao próprio juízo na condução da execução. Assim, embora legítima, no processo judicial, a citação ou intimação editalícia, no extrajudicial não, porquanto no primeiro, ela só é feita após criteriosa análise, pelo órgão julgador, dos fatos que levam à convicção do desconhecimento do paradeiro dos réus e da impossibilidade de serem encontrados por outras diligências, além das já realizadas, enquanto na segunda situação, não; fica, tudo, ao arbítrio, justamente da parte adversa, daí as suas naturais limitações na condução da execução extrajudicial. II. Precedentes do STJ. III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.” No mesmo sentido: REsp 547249-RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJU de 19.12.2003; REsp 417955-SC, Rel. Min Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 01.11.2002; REsp 37792-RJ, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJU de 24.04.1995; REsp 29100-SP, Rel. Min.o Humberto Gomes de Barros, DJU de 10.5.1993.

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137

por oficial de justiça (art. 652, caput e §§ 1º e 2º), vedando-se a citação pelo

correio (art. 222, letra “d”), a não ser na hipótese da execução fiscal (art. 8º,

inc. I da Lei nº 6.830/80). Assim, como bem destacou o Superior Tribunal de

Justiça no aresto citado, se, na execução processada perante um juiz com

todas as garantias, a citação somente pode ser pessoal, no caso da

extrajudicial, à vista da “excepcional severidade e desequilibrado

protecionismo à entidade mutuante”, a comunicação ao devedor não poderá

deixar de ser também pessoal, ressalvando-se a hipótese de notificação por

edital quando não for encontrado.

De fato, se o devedor não for localizado pelo oficial do Cartório de

Títulos e Documentos, que, nessa situação, deverá certificar que o devedor

encontra-se em lugar incerto e não sabido, a notificação deverá realizar-se por

edital, publicado por três dias em um dos jornais de maior circulação local,

providência que deverá ser realizada pelo agente fiduciário.

4.2.3. A alienação forçada do imóvel e as questões relacionadas à avaliação

Não acudindo o devedor à purgação do débito, o agente fiduciário

providenciará a alienação forçada do bem hipotecado. Não há penhora. A

hasta pública é o ato seguinte com a publicação de editais, realizando-se a

primeira oferta no prazo de quinze dias. Não especifica a lei quantas

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publicações devem ser realizadas, porém, como se refere a editais, ao menos

duas devem ser efetuadas.

No edital deve constar que, caso não arrematado o imóvel no primeiro

leilão pelo valor do saldo devedor mais as despesas, será realizada uma

segunda praça, em até 15 (quinze) dias, quando o imóvel poderá ser

arrematado pelo maior lance oferecido. Não há nenhuma exigência a que se

faça a avaliação do imóvel hipotecado para que a hasta pública realize-se pelo

seu real valor. A única referência que faz a lei quanto ao preço da arrematação

tem por base o saldo devedor na primeira oferta pública que, não sendo

frutífera, possibilita a alienação posterior pelo maior lance.

Diversamente do que acontece quando a expropriação do imóvel

hipotecado é realizada em procedimento judicial (Lei nº 5.741/71), quando a

arrematação deverá ser, em qualquer hipótese, no mínimo pelo saldo devedor,

compreendendo juros, multa e outros encargos, honorários advocatícios e

custas processuais, obrigando-se o credor, na frustração da alienação, a

adjudicar o bem nessas mesmas condições, ficando o mutuário exonerado do

pagamento de qualquer saldo remanescente, no procedimento extrajudicial o §

1º do art. 32 do Decreto-lei nº 70/66 autoriza o lance ainda que inferior ao

montante da dívida.

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139

A falta de um preço/referência para a segunda oferta não autoriza o

agente fiduciário a promover a expropriação por qualquer valor. Há ele de

zelar não apenas pelo interesse do devedor, como de terceiros e do próprio

credor que objetiva obter o maior preço possível para receber a integralidade

do seu crédito. Eis o defeito da lei ao tomar como parâmetro para a alienação,

apenas na primeira praça, o saldo devedor e, na segunda, aceitar o maior lance

oferecido, dispensando a avaliação. A avaliação não interessa apenas ao

devedor e ao credor, mas tem também por finalidade tornar conhecido de

“todos os interessados o valor aproximado dos bens que irão à praça”.148 A

expropriação por preço significativamente inferior ao valor real do bem pode

trazer prejuízos ao devedor, que perde patrimônio, ao credor, que deixa de

receber o seu crédito com a excussão da garantia, quiçá o único bem do

devedor e, por preço superior, ao terceiro adquirente.

A expropriação por preço inferior pode caracterizar hipótese de preço

vil (art. 692 do Código de Processo Civil) e poderá ser desfeita judicialmente.

A jurisprudência tem considerado como preço vil o lance inferior a 50% ou

60% do valor da avaliação149. Como na execução extrajudicial não há

148 Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, p. 151. 149 Humberto Theodoro Júnior assinala que não tem sentido permitir-se “a expropriação de bens do devedor apenas para cobrir despesas processuais, sem propiciar sequer amortização razoável do débito. Esse não é o objetivo da execução forçada e o juiz deve estar atento para coibir desvios do processo para objetivos estranhos e ruinosos”. Acrescenta que a atual redação do art. 692 do Código de Processo Civil “autoriza concluir pela inadmissibilidade da arrematação por preço muito abaixo da avaliação, ainda que em montante capaz de resgatar ou amortizar a dívida em proporções elevadas. Por preço vil simplesmente deve ter-se aquele que se situa muito aquém do valor de mercado do bem praceado. Muitos arestos classificam, por exemplo, como vil o lance que não vai além de 50% ou 60% da avaliação. Trata-se de um dado fático, que

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avaliação, cabe ao devedor provar, na via judicial, que a expropriação se

realizou em seu prejuízo.

É importante notar que o Decreto-lei nº 70/66, ao contrário do que fez a

Lei nº 5.741/71, em caso de expropriação do bem por preço inferior ao saldo

devedor, pretendeu responsabilizar o mutuário pelo pagamento do que sobejar

da dívida. Naquele procedimento, os que são contrários à avaliação, apóiam-

se no fato de que o credor, quando arremata ou adjudica o imóvel no mínimo

pelo valor do saldo devedor, assume o prejuízo quando ele é muito superior

ao valor do bem. Na hipótese do Decreto-Lei nº 70/66, como o credor não

está obrigado a arrematar o imóvel pela importância representativa do saldo,

nem está o agente fiduciário compelido a alienar o bem no mínimo pelo

montante da dívida na segunda praça, o prejuízo será, geralmente, do

mutuário.

O Regulamento espanhol do procedimiento ejecutivo extrajudicial,

mais cauteloso, estabelece que o credor, quando dirige o requerimento ao

Notario, deve informar o valor que as partes estabeleceram para o imóvel para

que sirva de base à expropriação obrigando que, na primeira praça, o preço

não seja inferior a esse parâmetro; na segunda, não inferior a setenta e cinco

por cento e, na terceira, sem sujeição a limite.

haverá de ser analisado, caso a caso, pelo juiz da execução, segundo seu prudente arbítrio” (Processo de execução, p. 353).

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141

Embora esse critério não reflita o valor real do imóvel à época da sua

venda pelo Notario, ainda assim é melhor do que o sistema brasileiro, que

ignora qualquer parâmetro. Nada impede, no entanto, que as partes

estabeleçam, no contrato constitutivo da garantia hipotecária, uma valor

referência para que sirva de base para as arrematações, adjudicações e

remições, com dispensa de avaliação, como autoriza o art. 1.484, do Código

Civil, verbis:

“É lícito aos interessados fazer constar das escrituras o valor entre si

ajustado dos imóveis hipotecados, o qual, devidamente atualizado, será a

base para as arrematações, adjudicações e remições, dispensada a

avaliação.”

Ainda que também esse critério não esteja isento de risco da alienação

do imóvel por preço incompatível com o de mercado, especialmente pelo fato

dos contratos firmados no Sistema Financeiro da Habitação serem, em regra,

de longo prazo, desde que as partes tenham estabelecido um valor para esse

fim, o agente fiduciário não poderá ignorar a convenção, obrigando-se a

vender o imóvel pelo montante fixado.

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142

4.2.4. A (ir)responsabilidade pelo saldo devedor remanescente na hipótese de arrematação por preço inferior ao valor do saldo devedor

Como já expusemos, autoriza o Decreto-lei nº 70/66 que o imóvel

hipotecado seja alienado, em segunda praça, pelo maior lance apurado, ainda

que inferior ao saldo devedor e despesas, podendo o credor cobrar a diferença

do seu crédito por meio do processo de execução, nos termos do Código de

Processo Civil. No item precedente, sustentamos que essa venda não pode

caracterizar a hipótese de preço vil, não obstante a inexistência de avaliação.

Também dissemos que a Lei nº 5.741/71 impõe que o imóvel seja arrematado

ou adjudicado pelo credor no mínimo pelo valor do saldo devedor, ficando o

mutuário desonerado do pagamento de eventual importância remanescente ou

de outras despesas.

O que parece ter-se na espécie, portanto, seriam dois meios para que o

credor promova a cobrança do crédito com conseqüências diversas: no

judicial, a alienação do bem exonerará o devedor da dívida e despesas, não

importando o seu valor, sendo certo que o valor da arrematação ou

adjudicação nunca poderá ser inferior ao saldo devedor; na extrajudicial,

permaneceria a responsabilidade pelo remanescente quando o produto da

arrematação não fosse suficiente para o integral pagamento.

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143

A faculdade pela escolha de um ou outro meio para a cobrança de

crédito da mesma natureza está no art. 1º da Lei nº 5.741/71 de que antes já

tratamos, segundo o qual, para “a cobrança de crédito hipotecário vinculado

ao Sistema Financeiro da Habitação criado pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto

de 1964, é lícito ao credor promover a execução de que tratam os artigos 31 e

32 do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966, ou ajuizar a ação

executiva na forma da presente lei”.

Aplicados literalmente os dispositivos de um e de outro diploma legal,

teríamos a absurda situação da responsabilidade do devedor quando adotado

um dos procedimentos e a exoneração em outro pelo saldo devedor

remanescente se o valor apurado na arrematação não for suficiente para o

pagamento do débito. A utilização de um dos meios não está condicionada à

observância de nenhum critério objetivo; o credor o escolhe de forma

discricionária.

Há de se considerar, no entanto, que a Lei nº 5.741/71, posterior ao

Decreto-lei nº 70/66, pelo teor do art. 1º, criou um microsistema de cobrança

de créditos inadimplidos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, nele

inserindo duas modalidades quanto aos meios, um judicial e outro

extrajudicial. As regras de um e de outro, até pelas características de

judicialidade e parajudicialidade, são diversas. Porém, sob o ponto de vista

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144

das conseqüências, ou seja, quanto à responsabilidade pelo pagamento da

dívida, as duas leis não podem trazer resultados diferentes para créditos da

mesma natureza, acrescentando-se não ser aceitável o credor beneficiar-se por

um seu comportamento discricionário. Deve-se admitir a determinação

posterior da Lei nº 5.741/71 para que não se produza resultados diversos para

situações idênticas.

Sendo assim, a norma posterior (Lei nº 5.741/71) prejudica a vigência

da anterior (Decreto-lei nº 70/66) quanto à responsabilidade do devedor pelo

saldo remanescente, pois tratou da mesma matéria (§ 1º do art. 2º da Lei de

Introdução ao Código Civil), ficando o devedor exonerado, em qualquer

hipótese, do pagamento de valor residual, inclusive despesas.

4.2.5. A purgação da mora

O escopo social que envolve todo o Sistema Financeiro da Habitação

leva a deferir-se em favor do devedor inadimplente certas garantias para a sua

existência digna e a de sua família, assegurando-lhe oportunidades para que

evite a expropriação forçada do imóvel, embora a preocupação com a

dignidade do executado não seja sua nota exclusiva, como se observa na

impenhorabilidade do bem de família imposta pela Lei nº 8.009/90150 e outras

proteções estabelecidas em lei.

150 Marcelo Lima Guerra destaca que: “No caso da impenhorabilidade do bem de família, aparece com grande evidência, sendo amplamente reconhecida, que tal providência serve a preservar a sobrevivência

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145

O Decreto-lei nº 70/66 deferiu ao devedor a oportunidade para extinguir

a execução extrajudicial e livrar o seu imóvel da expropriação, possibilitando-

lhe purgar a mora com o pagamento das prestações em atraso do seu contrato

de financiamento. O Código de Processo Civil também possibilita, ao

devedor, remir a execução, efetuando o pagamento ou consignando a

importância da dívida, juros, custas e honorários advocatícios, até antes da

arrematação ou adjudicação (art. 651), evitando o perdimento do seu

patrimônio. Deve-se entender que a arrematação, nos termos do art. 694 do

Código de Processo Civil, só se considera perfeita e acabada com a assinatura

do respectivo auto, portanto, enquanto não se o firma, ainda é possível a

remição.151 O mesmo diga-se em relação à remição de bens em execução,

consoante o art. 787 do Código de Processo Civil.

A diferença essencial entre uma forma e outra está na possibilidade do

devedor efetuar o pagamento apenas das prestações em atraso, no caso da

execução extrajudicial, permanecendo em vigor o seu contrato de

financiamento, ou seja, a lei faculta que o devedor emende a mora.

Pela definição legal, “considera-se em mora o devedor que não efetuar

o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que

digna do devedor. Dessa forma, a restrição legal volta-se à realização daquele valor do qual decorrem todos os direitos fundamentais., a saber, a dignidade da pessoa humana” (Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil, p. 166). 151 Humberto Theodoro Júnior, Processo de execução, p. 308.

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a lei ou a convenção estabelecer” (art. 394 do Código Civil). A doutrina

costuma distinguir a mora do inadimplemento absoluto, dizendo que, no

primeiro caso, a prestação poderá ser cumprida de forma proveitosa para o

credor. Ao contrário, no inadimplemento absoluto, a obrigação não poderá

mais ser cumprida com proveito para o credor.152

A mora constitui-se, de pleno direito, nos termos do art. 397 do Código

Civil, se o devedor deixar de pagar a obrigação no vencimento,

independentemente de interpelação (dies interpellat pro homine). Há, no

entanto, exceções decorrentes da própria lei, como é o caso consignado no art.

14 do Decreto-lei nº 58, de 10.12.1937, que exige para a caracterização da

mora a intimação do devedor pelo oficial do Registro de Imóveis para pagar

as prestações em atraso153. Também na hipótese do Decreto-lei nº 70/66, a

mora do devedor depende dos avisos regulamentares expedidos segundo

instruções relativas ao SFH, conforme consta do inciso IV do art. 31. Sem

isso, ela não se caracteriza e a execução extrajudicial não pode ser iniciada.

152 Silvio Rodrigues, Direito civil, parte geral das obrigações, v. 2, p. 243. 153 A exceção é lembrada por Silvio Rodrigues nos seguintes termos: “Como se trata de contrato de adesão, o legislador, com o propósito de proteger o adquirente, no geral pessoa simples e de menores letras, só o considera em mora após determinadas formalidades. De fato, sabedor de que o promissário comprador não pode, em geral, discutir os termos da avença e no mais das vezes não entende o seu conteúdo, o legislador exige que, para se caracterizar sua mora, o credor o intime, através do oficial do Registro de Imóveis, a satisfazer suas prestações em atraso. Se, após trinta dias da intimação, persistir o devedor em não pagar, estará constituído em mora. Sem tal formalidade, não.” (Ibidem, p. 250).

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147

Tendo-se em consideração as características do contrato de mútuo

garantido por hipoteca que permite o aproveitamento da prestação pelo credor

até a derradeira fase da arrematação, além do escopo social e humanitário que

envolve a questão da moradia, o devedor pode purgar a mora, impedindo a

resolução do contrato.154 A purgação ou emenda da mora ocorre quando o

devedor propõe-se a cumprir a obrigação com todos os acessórios.155 Bem

esclarece Silvio Rodrigues que:

“A emenda ou purgação da mora é o procedimento espontâneo do contratante moroso, pelo qual ele se prontifica a remediar ou a consertar a situação a que deu causa, sujeitando-se aos efeitos dela decorrentes. Trata-se de medida de equidade, tendente a permitir que a parte faltosa se livre dos efeitos funestos de sua falta, pela emenda de uma situação e sem que isso acarrete prejuízo à outra parte”.156

O devedor pode purgar a mora ainda de forma proveitosa para o credor,

imediatamente depois da notificação expedida pelo agente fiduciário (§ 1º do

art. 31), ou em qualquer outro momento até a assinatura do auto de

arrematação (art. 34) de duas formas: 1) efetuando o pagamento de todo o

saldo devedor reclamado e despesas, liberando o imóvel da hipoteca que

sobre ele recai; 2) efetuando o pagamento das prestações em atraso com os

acréscimos exigidos pela lei, possibilitando o convalescimento do contrato.

154 Exemplo eloqüente de purgação da mora com o convalescimento do contrato é também a possibilidade do locatário, demandado por falta de pagamento dos aluguéis, poder efetuar o pagamento no prazo da contestação da ação de despejo (art. 62, inc. II, da Lei nº 8.245, de 18.10.1991). 155 Orlando Gomes, Obrigações, p. 173. 156 Ibidem, p. 250.

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148

4.2.6. A Ação do arrematante para a imissão na posse

Estatuem os §§ 2º e 3º do art. 37 do Decreto-lei nº 70/66 que:

“§ 2º. Uma vez transcrita no Registro de Imóveis a carta de arrematação,

poderá o adquirente requerer ao Juízo competente imissão de posse no

imóvel, que lhe será concedida liminarmente, após decorridas as 48

(quarenta e oito) horas mencionadas no parágrafo terceiro deste artigo, sem

prejuízo de se prosseguir no feito, em rito ordinário, para o debate das

alegações que o devedor porventura aduzir em contestação.

§ 3º. A concessão da medida liminar do parágrafo anterior só será negada se

o devedor, citado, comprovar, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, que

resgatou ou consignou judicialmente o valor de seu débito, antes da

realização do primeiro ou do segundo público leilão.”

Antes de quaisquer considerações acerca desses dispositivos, é

importante apontar a contradição do texto legal no que se refere ao tempo em

que o devedor pode purgar a mora ou resgatar o valor de seu débito. Pelo teor

do § 3º acima transcrito, a liminar na ação de imissão de posse somente não

será concedida se o devedor comprovar que resgatou ou consignou o débito,

“...antes da realização do primeiro ou do segundo público leilão”. O art. 34

do mesmo Decreto-lei, no entanto, faculta ao devedor purgar o mora “...a

qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação...”, ou seja,

mesmo depois “do primeiro ou do segundo público leilão”. Portanto, se o

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149

devedor purgou a mora até antes da assinatura da carta de arrematação e,

mesmo assim, ela foi expedida, a liminar não poderá ser concedida a pretexto

de ter ocorrido depois da hasta pública.

Uma vez registrada a carta de arrematação e não podendo o arrematante

ingressar na posse do imóvel por não ser aceitável realizar o ato (autotutela),

a lei estabelece para tanto a ação de imissão de posse que, para nós, é, na

verdade, a ação reivindicatória.

Ao tempo da promulgação do Decreto-lei nº 70/66 a ação de imissão de

posse estava regulada pelos arts. 381 e seguintes do Código de Processo Civil

de 1939 entre as ações possessórias. O art. 381 dispunha sobre as hipóteses de

cabimento da seguinte forma:

“Art. 381. Compete a ação de imissão de posse: I – aos adquirentes de bens, para haverem a respectiva posse, contra os alienantes ou terceiros, que os detenham; II – aos administradores e demais representantes das pessoas jurídicas de direito privado, para haverem dos seus antecessores a entrega dos bens pertencentes à pessoa representada; III – aos mandatários, para receberem dos antecessores a posse dos bens do mandante.”

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150

A matéria de defesa estava limitada pelo parágrafo único do art. 383 à

alegação de nulidade manifesta do título.

No Código de Processo Civil de 1973, a ação de imissão de posse

desapareceu do capítulo que trata das ações possessórias e pensamos, não

solitariamente, de forma acertada, pois não se fundava ela na tutela à posse,

mas no ius possidendi. Aliás, no caso específico do Decreto-lei nº 70/66, está

claro no § 2º do art. 37 que a imissão na posse do imóvel somente pode ser

pleiteada depois de transcrita no Registro Geral de Imóvel a respectiva carta

de arrematação. Tal qual como expressado no art. 382 do Código de 1939, a

ação deve fundar-se em título de domínio o que afasta, rigorosamente, a sua

natureza possessória157. Sobre o caráter petitório dessa ação, esclarecedora é a

lição de Ovídio A. Baptista da Silva:

“A ação de imissão de posse, dizia-o expressamente o art. 382, deveria

fundar-se em título de domínio, ou nos documentos de nomeação ou eleição

do representante da pessoa jurídica, ou, finalmente, no documento da

constituição do novo mandatário, com os quais deverá o autor instruir a

inicial da demanda.

157 Não obstante esse entendimento sobre a diferenciação da ação possessória, fundada na posse, e da ação petitória, alicerçada no domínio, Ricardo Antonio Arcoverde Credie aponta que duas correntes dissentiram sobre essa caracterização: “Para a primeira escola tratar-se-ia de ação petitória porque o seu objeto é a aquisição de uma posse nova e não defender-se uma preexistente, como o exige a proteção possessória encarada sob o ângulo subjetivo. A segunda diretriz, objetiva, arvorada em que o caráter possessório deste interdito reside no fato de estar o possuidor impedido de exercer sobre a coisa o poder físico ou privado de utilizá-la pela forma que lhe convenha. É o caso do adquirente impedido de ter o bem, eis que terceiro o detém: ele já é possuidor por força da própria tradição ficta.” (As ações de manutenção e imissão de posse, Revista de Processo, 22:47-79).

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151

Ao exigir-se a existência de um título de domínio como fundamento para a

ação, rompia-se com qualquer compromisso dessa demanda com a tutela

possessória. A ação era concebida claramente como petitória. E seu

fundamento, longe de ser a posse, era o direito de obter a posse. Mas, de

qualquer forma, direito, e não proteção ao fato jurídico da posse.”158

Acerca dessa característica da ação de imissão de posse não controverte

a doutrina. Porém, sobre a sua existência no sistema brasileiro depois da

promulgação do Código de Processo Civil de 1973, já que não a disciplinou

como fazia o Código de 1939 que a tratava como procedimento especial, o

dissenso doutrinário e jurisprudencial é manifesto, surgindo da discórdia as

mais variadas sugestões e alternativas. Da jurisprudência é pertinente destacar

algumas decisões. No julgamento do REsp 107966-SP, relatado pelo ministro

Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 15.08.1999, ficou decidido que:

“Ação de imissão de posse. Inaplicabilidade, no caso, do Decreto-lei nº

70/66. Natureza petitória. Precedente da Corte.

158 Ação de imissão de posse, p. 95. Nesse mesmo sentido, Joel Dias Figueira Jr, Liminares nas ações possessórias, p. 76 e Nelson Nery Jr, Interditos possessórios, Revista de Processo, 52:171. Joel Dias Figueira Jr, em nota de rodapé, acrescenta que: “não obstante o atual Código de Processo Civil ter excluído acertadamente a chamada ação de imissão de posse, que se encontrava prevista no art. 382 do Código revogado, os doutrinadores e os tribunais mantiveram a mesma denominação a esse remédio de natureza eminentemente real (pois fundamenta-se o pedido no art. 524 do CCb). É bem verdade que o nomem iuris atribuído à ação não tem qualquer conseqüência para a obtenção da tutela pretendida, pois o que importa, efetivamente, são os fatos e os fundamentos do pedido (Da mihi factum, dabo tibi ius), em que pese a boa técnica recomendar o acertado normativo. Para o remédio em questão, no mínimo para evitar maiores dúvidas e diante da sistemática adotada pelo atual Código, parece-nos que melhor seria considerá-la como ação vindicatória de alguns dos direitos ínsitos da propriedade (uso, gozo e disposição), tendo em vista que o autor vindica em sua plenitude os efeitos fáticos do direito adquirido, ou porque o alienante injustamente não o transfere em termos absolutos, ou porque o bem alienado encontra-se em poder de terceiro” (Ibidem, p. 78).

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152

1. Pedindo o autor a imissão na posse de bem que lhe foi vendido pela Caixa

Econômica Federal, que, por sua vez, adquiriu-o por arrematação, não há

falar em ação reivindicatória nem em aplicação do Decreto-lei nº 70/66. No

caso, como alinhado em precedente da Corte, a pretensão de imitir-se o autor

na posse do bem cabe, perfeitamente, na imissão de posse, de natureza

petitória, tendo sido este o apoio legal explicitado na inicial.”

Já no julgamento do REsp 567778-SP, relatado pelo mesmo ministro,

julgado em 28.06.2004, ficou decidido pelo “cabimento da tutela antecipada

em ação de imissão de posse, presentes os requisitos do art. 273 do Código de

Processo Civil”. No AgRg no AG 23787 / RJ, relatado pelo ministro Eduardo

Ribeiro, julgado em 25.09.1992, ficou consignado que “a ação de imissão de

posse de que cuidam os parágrafos 2º e 3º do Decreto-Lei 70/66, não se

confunde com a que vinha regulada nos artigos 381 a 383 do Código de

Processo Civil de 39”.

A discussão estabelecida na doutrina e na jurisprudência pode ser

resumida nas seguintes indagações: a) existe a ação de imissão de posse no

sistema jurídico brasileiro e, se positivo, é ela condenatória ou executiva (lato

sensu)?; b) é ela sumária ou plenária sob o ponto de vista substancial? c) a

ação prevista no § 2º do art. 37 do Decreto-lei nº 70/66 pode ser caracterizada

como imissão de posse?

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153

Da doutrina, é importante fazer referência à posição defendida por

Adroaldo Furtado Fabrício quando discute a executividade (lato sensu) dessa

ação. Destaca o ilustre processualista gaúcho, quanto à revogação dos arts.

381 e seguintes do revogado Código de 1939, que:

“O primeiro ponto a destacar é que, a toda evidência, o silêncio do Código

não significa nem poderia significar a supressão da pretensão de Direito

Material a imitir-se na posse o adquirente, nem a inacionabilidade dessa

pretensão. Pretensão e ação, no caso, não foram criadas pelo Código de

1939, mas emergiram e emergem do Direito Material, encontrando no

mencionado diploma apenas uma forma específica de expressão

procedimental. Permanece a pretensão de Direito Material, pois, e acionável.

O procedimento, contudo, há de ser o comum.159”

Embora declare preferir solução oposta, conclui:

“estar a ação de imissão de posse, no direito positivo brasileiro, excluída da

classe das executivas. Ela se submete a rito comum (ordinário ou

sumaríssimo) e acha-se praticamente subsumida na reivindicatória,

sujeitando-se a sentença que nela se profere a execução também comum para

entrega de coisa certa”.160

Criticando essa posição, Ovídio A. Baptista da Silva sustenta que a

executividade decorre não só da regra de direito processual, mas casos há em

que a natureza executiva “nasce no direito material e o legislador do processo, 159 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 22-23. 160 Ibidem, p. 23.

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154

nesta hipótese, será impotente para transfigurar-lhe a fisionomia”161. A

questão que levanta o mestre para chegar a essa afirmação é no sentido da

possibilidade de existirem ações executivas “independentemente do

tratamento que lhe dispense o direito positivo processual”162 . Assinala que “a

supressão das ações de imissão de posse dos chamados ‘procedimentos

especiais’ não poderia, em primeiro lugar, transformá-la em demanda

‘plenária’, se ela, além da especialidade ritual, fosse sumária, sob o ponto de

vista material”163. No brilhante e profundo trabalho tece ainda as seguintes e

relevantes considerações:

“a) o vigente Código de Processo Civil não revogou, ou sequer modificou, o direito material, suprimindo a pretensão e a ação (de direito material) de imissão na posse; b) a supressão daquilo que o legislador de 39 entendia como sendo apenas ‘especialidade ritual’ da ação de imissão de posse, aí prevista nos arts. 381-383, de modo algum a transformou em demanda condenatória, pois que sua executividade essencial repousa no plano do direito material, como esperamos ter demonstrado com a análise do conceito de ação executiva lato sensu (execução real), procedida na parte geral deste ensaio; c) finalmente, mesmo não sendo possessória, pois ela faz valer ‘direito à posse’, que nada tem a ver com tutela jurisdicional do fato da posse, apesar disso a ação de imissão de posse não se confunde com a reivindicatória, pois deve – sob pena de desaparecer – permanecer sumária, mantido o princípio da limitação da defesa apenas à ‘nulidade’ do documento com base no qual se reclama o indicado ‘direito à posse’. Em verdade, o princípio inscrito no art. 383, parágrafo único, do Código de 39, que restringia a defesa à ‘nulidade manifesta’ do documento produzido, é

161 Ação de imissão de posse, p. 124. 162 Ibidem, p. 129. 163 Ibidem, p. 132.

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155

coessencial à própria demanda. Se ela não for sumária, realmente desaparecerá, confundida com a reivindicatória”.164

Sendo certo que a executividade pode repousar no plano do direito

material, não excluída a possibilidade de que, no âmbito processual, se

também a confira, como ocorre com os títulos extrajudiciais e, sendo

característica da ação de imissão de posse a realização de todos os atos de

cognição e de execução no mesmo processo, ou seja, o ato satisfativo realiza-

se independentemente de outro processo subseqüente, de execução, tem-se

estar ela presente no ordenamento jurídico como ação de eficácia executiva

lato sensu, a exemplo da ação reivindicatória.

No que se refere à sumariedade, importante dizer que a substancial ou

material é determinada pela extensão da defesa do demandado, enquanto que

a formal refere-se ao procedimento em que há apenas a supressão ou

simplificação de atos e forma (art. 275 do CPC). Se a sumariedade for

substancial, o demandado deverá utilizar defesas ali não permitidas em outra

ação posterior. Limitada a defesa à nulidade do título, ou ineficácia, como

assevera Ovídio A. Baptista da Silva165 e, portanto, não se tratando de

hipótese de anulabilidade, a ação de imissão de posse caracteriza-se como

sumária. 164 Ibidem, p. 150. 165 “A sumariedade da ação consiste em que a defesa só pode versar sobre ineficácia do título em que se funda o demandante, e não, como erroneamente supunha o legislador de 39, sobre ‘nulidade manifesta’” (Ibidem, p. 176).

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Maiores reflexões merece a última indagação (a ação prevista no § 2º do

art. 37 do Decreto-lei nº 70/66 pode ser caracterizada como imissão de

posse?) por referir-se, essencialmente, ao tema que dissertamos. O sempre

lembrado Ovídio A. Baptista da Silva, depois de toda a sua preciosa

exposição, especificamente sobre a demanda tratada nesse diploma assim se

expressa:

“Incluem-se como arrematantes legitimados para a ação de imissão de posse

os adquirentes de imóveis hipotecados que o hajam arrematado na

conformidade do disposto no art. 31 e segts. Do Dec.-lei 70, de 21.11.1966,

uma vez registrada a respectiva carta de arrematação, como determina o § 2º

do seu art. 37. As defesas contra a nulidade ou ineficácia do título, inclusive

sobre o processo judicial de alienação do bem, são argüíveis em contestação.

Se se tratar de anulabilidade, não. A procedência da ação deve ser

reconhecida, já que o negócio jurídico anulável é eficaz até a sentença que o

desconstituir; Porém, como matéria que fora vedada em contestação na ação

de imissão de posse, poderá ser suscitada na demanda subseqüente contra o

adquirente, que formará litisconsórcio passivo necessário com o agente

financeiro que houver promovido o processo de alienação do bem

hipotecado”.166

Desde que o arrematante adquiriu o imóvel vendido em hasta pública

realizada pelo agente fiduciário, com o registro da carta de arrematação,

passou a ser o proprietário do imóvel. Portanto, o titular do domínio tem uma

ação para pedir a posse que poderia ser a imissão de posse como a 166 Ibidem, p. 202-203.

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157

reivindicatória. Gildo dos Santos bem mostra que a diferença entre elas está

na amplitude da discussão:

“Nada impede, segundo parece, que o autor promova a reivindicação da

posse que adquiriu, mas isto lhe é tão favorável quanto a imissão na posse.

Nem mesmo tecnicamente é essa a melhor solução. Afinal, reivindicar o

imóvel que já lhe pertence, quando só lhe falta a simples posse, é medida que

só prejudica os interesses do autor. Primeiro, porque na reivindicatória a

discussão é sempre mais ampla, e é fora de dúvida que continua válida a

lição de que a ação de imissão tem defesa restrita, pois a resposta do réu,

contestando, somente pode fundar-se em manifesta nulidade do título,

segundo pacífico entendimento da doutrina e da jurisprudência”.167

Não é diversa a posição de Ovídio A. Baptista da Silva quando disse, no

trecho antes citado que, se a ação de imissão de posse não for sumária,

“realmente desaparecerá, confundida com a reivindicatória”. Porém,

especificamente sobre a ação tratada no Decreto-lei nº 70/66, concluiu que:

“As defesas contra a nulidade ou ineficácia do título, inclusive sobre o

processo extrajudicial de alienação do bem, são argüíveis em contestação. Se

se tratar de anulabilidade, não. A procedência da ação deve ser reconhecida,

já que o negócio jurídico anulável é eficaz até a sentença que o desconstituir.

Porém, como matéria que fora vedada em contestação na ação de imissão de

posse, poderá ser suscitada na demanda subseqüente contra o adquirente,

que formará litisconsórcio passivo necessário com agente financeiro que

houver promovido o processo de alienação do bem hipotecado”.168

167 As ações de imissão de posse e cominatórias, p. 76. 168 Ibidem, p. 202.

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158

Não verificamos a limitação da defesa, como quer o talentoso autor, à

nulidade ou ineficácia do título. A doutrina e a jurisprudência que sustentam

a constitucionalidade da execução extrajudicial, rejeitando malferimento ao

princípio do contraditório, fundam-se exatamente na possibilidade do

mutuário oferecer defesa na ação de imissão de posse, deduzindo toda a

matéria pertinente (alguns falam, com notório exagero, em fase judicial do

referido Decreto-lei). E nem poderia ser diferente, pois, durante o

processamento extrajudicial, o devedor não tem autorização para participar

dos atos executivos.

Observa-se que o § 2º do art. 37 do Decreto-lei nº 70/66 refere-se a

“alegações que o devedor porventura aduzir em contestação” e o § 3º do

mesmo dispositivo acrescenta que a liminar não será concedida se o devedor

provar que “resgatou ou consignou judicialmente o valor de seu débito, antes

da realização do primeiro ou do segundo público leilão”, o que mostra que a

matéria de contestação é mais abrangente que a solitária nulidade/ineficácia

do título.

Portanto, sendo substancialmente ilimitada a defesa do devedor, não

cabe a ação de imissão de posse. Para nós, a ação cabível é a reivindicatória,

fundada no art. 1.228 do Código Civil (“O proprietário tem a faculdade de

usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer

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159

que injustamente a possua ou detenha”). É a ação do proprietário em face

daquele que detém a posse injustamente, com a possibilidade da concessão de

liminar antecipatória dos efeitos fáticos da tutela final169.

4.2.7. Legítima ativa e passiva para a ação reivindicatória

A legitimidade ativa para a ação reivindicatória que sustentamos cabível

não gera qualquer dúvida: é do adquirente que haja arrematado o imóvel. A

legitimidade passiva, no entanto, pode gerar hesitação, pois o imóvel pode

estar ocupado por terceiro em nome do devedor ou em nome próprio. O

Decreto-lei nº 70/66 não tratou do terceiro possuidor, como lembrou de fazê-

lo a Lei nº 5.741/71, embora ali a imissão na posse dê-se por ato realizado na

própria execução e não em procedimento autônomo170.

O mercado paralelo de imóveis hipotecados por decorrência de contratos

de financiamento firmado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação,

movimentado pelos chamados “contratos de gaveta”, é uma realidade que não

pode ser ignorada. Por instrumento particular e sem anuência do agente 169 Para Cândido Rangel Dinamarco, “o que leva alguma pessoa a reivindicar é a privação de uma posse, que ela alega ter fundamento em seu direito de propriedade. Tal é a realidade legitimadora da rei vindicatio e o objeto do processo reivindicatória é a pretensão a uma sentença que condene o réu a demitir-se da posse.” (Eficácia e autoridade da sentença no juízo demarcatório-divisório, in O processo de execução, p. 51-78). Na verdade, a eficácia não é condenatória, mas executiva lato sensu, como se logrou observar. 170 Convém registrar que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 34.111-SP, relatado pelo Min. Costa Leite, da Terceira Turma, julgado em 31.5.1994, e no julgamento do REsp 12.508-SP, relatado pelo Min. Antônio Torreão Braz, da Quarta Turma, julgado em 21.9.1993, entendeu pelo cabimento da ação de imissão de posse prevista no Decreto-lei nº 70/66 que pode ser intentada em face de terceiro ocupante do imóvel.

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160

financeiro, o mutuário transfere a posse do bem para terceiro que passa a

exercê-la em nome próprio. Portanto, considerando que a posse é “fato”, o

terceiro passa a exercê-la em seu próprio nome e não no do alienante como

mero detentor.

Nessa hipótese, além de ser cabível a ação reivindicatória, o legitimado

para a ação é o terceiro que exerce a posse em nome próprio e não o

originário devedor que não mais a detém.

4.3. A (in)constitucionalidade da execução extrajudicial prevista no Decreto-lei nº 70/66

A literatura jurídica nacional não tratou, de forma detalhada, do

procedimento extrajudicial previsto no Decreto-lei nº 70/66. O principal

personagem, o agente fiduciário, nas vezes em que mereceu lembranças, foi

para, de forma singela, ser considerado o condutor da execução, sem que lhe

fosse deferida a devida atenção quanto à forma de sua nomeação, quem pode

ser indicado, as garantias da sua imparcialidade etc.. O eixo da discussão

doutrinária limitou-se à questão da constitucionalidade, de onde emanaram

opiniões nos dois sentidos.171

171 Na doutrina, defendem a constitucionalidade da execução extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66, entre outros, Luís Renato Pedroso, para quem, além de precedentes legislativos considerados legítimos, como o Decreto nº 1.102, de 21.11.1903 que regula os armazéns gerais, em particular o art. 23, a Lei nº 492, de 30.8.1937, que trata do penhor rural etc, “o devedor hipotecário, sempre que entender violado o seu direito individual, poderá recorrer ao Poder Judiciário, propondo as ações competentes.” (Constitucionalidade das execuções extrajudiciais no Sistema Financeiro da Habitação, RT 457:19-27). Também no sentido de que o Decreto-lei nº 70/66 não impede o controle jurisdicional e, portanto, constitucional os dispositivos que tratam

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161

Nos tribunais, igualmente, onde o debate revelou-se mais intenso, o

alvo também foi a conformidade da execução aos ditames constitucionais, não

obstante algumas outras questões tenham sido discutidas, como se vê ao longo

deste trabalho. A jurisprudência, em princípio, refletiu a divergência

doutrinária, não se consolidando, desde logo, nos tribunais estaduais e, no

âmbito do Supremo Tribunal Federal, embora a nosso ver com discussão

limitada, preponderou a tese da constitucionalidade.

Essas posições merecem ser aqui marcadas para que o debate seja

intensificado. E ele não é estéril só pela posição adotada pelo Supremo

Tribunal Federal, pois, não estando o seu entendimento imune a críticas, cabe

também a nós assumir uma posição, contrária que seja.

4.3.1. A posição dos Tribunais sobre a (in)constitucionalidade da execução extrajudicial estabelecida no Decreto-lei nº 70/66

É relevante trazer a cotejo a posição de alguns tribunais acerca do tema

por não estar, no âmbito da jurisprudência, absolutamente pacificado o

entendimento, embora o Supremo Tribunal Federal tenha firmado sua

posição. Para fazer ver a intensidade do dissenso, tomamos como referência o

Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo que, já no ano de 1994, da execução extrajudicial é Melhim Chalhub (O leilão extrajudicial face ao princípio do devido processo legal, Revista de Processo, 96:70-90). Ainda, Darli Barbosa, Decreto-lei 70/66 – constitucionalidade, Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, 5:333-336. Em sentido contrário, defendendo a inconstitucionalidade por ofensa a princípios constitucionais: Cândido Rangel Dinamarco, Execução civil, p. 202-203; L.A Becker, Contratos bancários, p. 318; Ada Pellegrini Grinover, As garantias constitucionais do direito de ação, p. 169; Fernão Borba Franco, A fórmula do devido processo legal, Revista de Processo, 94:81-108.

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162

definiu pela inconstitucionalidade da execução extrajudicial, deixando

consolidado o seu entendimento na Súmula nº 39, verbis:

"São inconstitucionais os artigos 30, parte final, e 31 a 38 do Decreto-lei nº

70 de 21.11.1966”.

Seguiram-se vários julgamentos desse mesmo Tribunal que adotaram a

orientação contida na Súmula nº 39, cujas ementas por demonstrarem, por si

só, a posição adotada por cada Câmara, são aqui reproduzidas:

- Da 1ª Câmara:

“Declaratória - Execução por título extrajudicial - Pretensão ao

reconhecimento de sua inconstitucionalidade - Viabilidade do pedido

incidental na própria ação objetivando a nulidade desta - Acolhimento para

declarar inconstitucional os artigos 30, parte final, 31 e 38 do Decreto Lei

70/66 - Súmula 30 do Primeiro Tribunal de Alçada Civil - Hipótese ainda, em

que não foi negado o acesso do credor à via executiva mas a esta forma

especial de execução, remanescente do período autoritário - Recursos

Improvidos.”

(Processo: 757599-9, Rel. Juiz Elliot Akel, julgado em 22.03.1999). 172

- Da 4ª Câmara:

“Mandado de segurança - Impetração visando suspender leilão de bem -

Admissibilidade por tratar-se de execução por título extrajudicial com base

no Dec. Lei 70/66, artigos 31 e 32. Procedimento extrajudicial ofensivo aos

172 Da mesma 1ª Câmara, no mesmo sentido, Processo: 861012-8, Rel. Juiz Rizzatto Nunes, julgado em 09.6.1999; Processo: 925772–5, Rel. Juiz Rizzato Nunes, julgado em 26.4.2000.

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163

princípios constitucionais definidos no artigo 5, XXXV, LIV e LV, da

Constituição Federal - Aplicação da Súmula 39 desta Colenda Corte - Ordem

concedida para sustar o leilão.”

(Processo: 598172-0, Rel. Juiz Octaviano Lobo, julgado em 31.08.1994).

- Da 5ª Câmara:

“Medida cautelar - Liminar - Sobrestamento de leilão de imóvel em execução

extrajudicial, regida pelo D.L. 70/66 - Validade - Incompatibilidade da

norma em permitir, só posteriormente à alienação judicial, a provocação do

juízo quando o mutuário já se encontrar despojado da posse do bem -

Inconstitucionalidade dos artigos 30, parte final, 31 a 38 da citada lei -

Súmula 39do 1º TAC - Recurso improvido.”

(Processo: 877782-2, Rel. Juiz Nivaldo Balzano, julgado em 25.08.1999)173

- Da 6ª Câmara:

“Medida cautelar - Sistema Financeiro da Habitação - Execução

extrajudicial com suporte no Decreto-lei 70/66 - Ajuizamento objetivando

sustar a realização de leilão - Possibilidade - Inconstitucionalidade dos arts.

31 a 38 do referido Decreto-lei reconhecida - Aplicação da Súmula 39 do I

TAC - Sustação da praça decretada - Recurso improvido neste tema. Sistema

Financeiro da Habitação - Prestações vencidas e vincendas - Pretensão ao

depósito de tais parcelas pelos valores resultantes de cálculo efetivado pelos

autores - Inadmissibilidade - Impossibilidade de aferição, nesta fase

processual, se os valores obtidos unilateralmente correspondem ao

efetivamente devido - Necessidade de comprovação de eventual excesso

cobrado -Depósito afastado - Recurso provido neste ponto.”

(Processo: 1018230-4, Rel. Juiz Candido Alem, julgado em 14.08.2001).174 173 Da mesma 5ª Câmara, no mesmo sentido, Processo: 889485-9, Rel. Juiz Nivaldo Balzano, julgado em 27.10.1999.

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164

- Da 7ª Câmara:

“Declaratória - Execução extrajudicial - Inconstitucionalidade dos artigos

30, parte final e 31 à 38 do DL 70/66 reconhecida pelo plenário deste egrégio

Tribunal - Recurso provido em parte para julgar parcialmente procedente a

ação, declarando-se nulos os atos praticados.”

(Processo: 691385-1, Rel. Juiz Barreto de Moura, julgado em 20.05.1994).

- Da 8ª Câmara:

“Medida cautelar - Cautela inominada - Indeferimento de liminar -

Inviabilidade - Necessidade de sustação da execução extrajudicial com base

no Decreto-lei 70/66, o qual contém diversos dispositivos inconstitucionais -

Inteligência da Súmula 39, deste Tribunal - Presença dos requisitos da

cautela - Recurso provido - Voto vencido.”

(Processo: 986592-9, Rel. Juiz Antonio Carlos Malheiros, julgado em

20.06.2001).

O dissenso sobre o tema é tão presente que a mesma 8ª Câmara Cível

do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo vinha julgando em sentido

contrário, como se vê de aresto de apenas um ano antes:

“Contrato - Financiamento imobiliário - SFH - Execução extrajudicial - DL

70/66 - Inconstitucionalidade afastada, havendo mera deslocamento do

174 Da mesma 6ª Câmara, no mesmo sentido, Processo: 1097605-1, Rel. Juiz Windor Santos, julgado em 06.8.2002; Processo: 1063333-5, Rel. Juiz Massami Uyeda, julgado em 24.9.2002.

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165

momento em que o Judiciário é chamado a atuar - Princípios da igualdade,

autonomia e independência entre as poderes não violados, bem como o

direito de propriedade - Declaratória parcialmente procedente e cautelar em

apenso procedente - Recurso improvido. Correção monetária - Contrato -

Financiamento imobiliário - SFH - Convenção contratual estipulando

reajuste pelo índice utilizado para as contas de poupança nas instituições

financeiras - Possibilidade da aplicação da "TR" -Recurso improvido. Juros

Contratuais - Ausência de comprovação de anatocismo - Cobrança não

demonstrada - Recurso improvido.”

(Processo: 797345-3, Rel. Juiz Franklin Nogueira, julgado em 24.05.2000). 175

- Da 9ª Câmara:

“Mandado de segurança - Âmbito - Impetração contra decisão que negou

liminar em cautelar ajuizada para impedir leilão de imóvel em execução

extrajudicial - Decreto-lei 70/66 - Ilegalidade do procedimento, por afastar

apreciação do Poder Judiciário em questão de solução de litígio -

Necessidade de prévia avaliação do bem penhorado - Leilão obstado - Ordem

concedida para este fim”.

(Processo: 936766-4, Rel. Juiz José Luiz Gavião de Almeida, julgado em

22.08.2000).176

175 No mesmo sentido, os seguintes julgados da mesma 8ª Câmara: Processo: 898333-9, Rel. Juiz Alberto Tedesco, julgado em 17.11.1999; Processo: 962766-7, Rel. Juiz Franklin Nogueira, julgado em 13.9.2000; Processo: 1026935-9, Rel. Juiz Franklin Nogueira, julgado em 30.01.2002; Processo: 838081-2, Rel. Juiz Rui Cascaldi, julgado em 02.10.2002. Em igual sentido é a 2ª Câmara: Processo: 112087-6, Rel. Juiz José Gonçalves Rostey, julgado em 13.8.2003. 176 Da mesma 9ª Câmara, no mesmo sentido, Processo: 1066779-3, Rel. Juiz Virgílio de Oliveira Júnior, julgado em 12.3.2002.

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166

- Da 11ª Câmara:

“Medida cautelar - Sustação da execução extrajudicial - Admissibilidade -

Inconstitucionalidade dos artigos 31 e seguintes do Decreto-Lei 70/66

reconhecida - Hipótese em que o banco não está proibido de promover a

execução reservada pelo Código de Processo Civil - Cautelar procedente -

Recurso improvido”.

(Processo: 747860-0, Rel. Juiz Silveira Paulilo, julgado em 20.11.1997).177

Observa-se, dos vários julgados acima transcritos, que o Primeiro

Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, mesmo depois do Supremo Tribunal

Federal ter firmado a sua posição, o que se deu pelos julgamentos sucessivos

do RE nº 223.075-1-DF, em 23.06.1998, e do RE nº 148.872-7-RS, em 21 de

março de 2000, continuou a julgar pela inconstitucionalidade da execução

extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66.

No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, embora a

divergência ainda não tenha sido superada, prepondera a posição pela

conformidade da execução extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 com os

preceitos constitucionais. Assim:

a) pela constitucionalidade: Apelação Cível, Processo nº 2003.001.17381,

da 18ª Câmara Cível, Rel. Des. Célia Meliga Pessoa, julgada em 21.10.2003;

AI, Processo nº 2002.002.11322, 12ª Câmara Cível, Rel. Des. Wellington 177 Da mesma 11ª Câmara, Processo: 897572- 2, Rel. Juiz Antonio José Silveira Paulilo, julgado em 08.11.1999; Processo: 908230-8, Rel. Juiz Urbano Ruiz, julgado em 14.2.2000; Processo: 1059431-7, Rel. Juiz Urbano Ruiz, julgado em 07.2.2002.

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167

Jones Paiva, julgado em 18.02.2003; AI, Processo nº 2000.002.14240, 1ª

Câmara Cível, Rel. Des. Benito Ferolla, julgado em 13.03.2001; Apelação

Cível, Processo nº 2003.001.03433, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Roberto de

Abreu e Silva, julgado em 17.06.2003; AI, Processo nº 0998.002.10360, 17ª

Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Carlos Guimarães, julgado em 24.02.1999; AI,

Processo nº 2003.002.01587, 14ª Câmara Cível, Rel. Des. José de Magalhães

Peres, julgado em 12.08.2003; AI, Processo nº 2003.002.00942, 17ª Câmara

Cível, Rel. Des. Severino Ignácio Aragão; Apelação Cível, Processo nº

2002.001.21160, 12ª Câmara Cível, Rel. Des. Binato de Castro, julgado em

01.04.2003; Apelação Cível, Processo nº 2002.001.23859, 7ª Câmara Cível,

Rel. Des. Paulo Gustavo Horta, julgado em 11.02.2003.

b) pela inconstitucionalidade: Apelação Cível, Processo nº 2003.001.17381,

18ª Câmara Cível, Rel. Des. Célia Meliga Pessoa, julgado em 21.10.2003; AI,

Processo nº 2002.002.11322, 12ª Câmara Cível, Rel. Des. Wellington Jones

Paiva, julgado em 18.02.2003; AI, Processo nº 2000.002.14240, 1ª Câmara

Cível, Rel. Des. Benito Ferolla, julgado em 13.03.2001.

No antigo Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, havia

uma nítida supremacia da corrente que defendia a inconstitucionalidade da

execução extrajudicial. Extinto um pouco antes do entendimento assumido

pelo Supremo Tribunal Federal178, com a sua incorporação pelo Tribunal de

178 O Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul foi extinto e incorporado pelo Tribunal de Justiça pela Lei Estadual nº 11.133, de 15.4.98.

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168

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, a posição do Tribunal gaúcho

pacificou-se em harmonia com a jurisprudência da Corte Suprema. A simetria

vê-se dos seguintes sucessivos e recentes julgados: Apelação Cível nº

70008642233, julgamento: 16.09.2004; Apelação Cível nº 70008641995,

julgamento: 16.09.2004; Apelação Cível nº 70009423211, julgamento:

16.09.2004; Apelação Cível nº 70006500540, julgamento: 14.10.2004;

Apelação Cível nº 70006500615, julgamento: 14.10.2004; Apelação Cível nº

70008654907, julgamento 20.10.2004; Apelação Cível nº 70009128232,

julgamento: 21.10.2004; Apelação Cível nº 70007142847, julgamento:

10.11.2004;

Do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, extrai-se de acórdão

relatado pelo então juiz Teori Albino Zavascki, hoje ministro do Superior

Tribunal de Justiça, o reconhecimento da compatibilidade da execução

extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 com a Constituição Federal. Trata-se da

Apelação Cível nº 89.04.06284-5, julgada em 25 de março de 1993.179

Não obstante a posição firmada no referido julgado, o condutor desse

entendimento, ao tratar da natureza jurisdicional da execução forçada em obra

doutrinária, assinala que:

179 Lex - Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais nº 50: 504-507, out. 1993.

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169

“A execução forçada é, pois, ato de Estado, submetido ao poder de seu

imperium monopolizado. Descarta-se a execução privada, seja por mão

própria do credor, seja por obra de terceiro. Mesmo em casos, como os da

execução de obrigação de fazer fungível, em que há designação de terceiro

para realizar a prestação (CPC, art. 634), esta é ato que se realiza sob estrito

comando e controle estatal”.180

Nesse acórdão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, ficou

sintetizado o entendimento lá consolidado na menção aos seguintes arestos:

AG nº 41.787, 5ª Turma, DJ de 19.06.81; MAS 89.586, 2ª Turma, DJ de

01.12.83.

No Tribunal Regional Federal da Terceira Região, também se firmou a

posição pela conformidade do Decreto-lei nº 70/66 à Constituição Federal,

como se vê dos seguintes e recentes julgados: Agravo de Instrumento,

Processo 2002.03.00.032547-3, Quinta Turma, Rel. Juíza Cecília Mello,

julgado em 09.11.2004; Agravo de Instrumento, Processo

2002.03.00.033444-9, Quinta Turma, Rel. Juíza Ramza Tartuce, julgado em

27.09.2004.

A jurisprudência construída nos tribunais estaduais e regionais Federais

tem adotado, em sua maioria, a orientação do Supremo Tribunal Federal.

Embora as decisões dos tribunais inferiores façam referência à existência de

180 Processo de execução, p. 68.

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170

vários precedentes daquela Corte Suprema, poucas vezes a questão foi lá

apreciada. A primeira decisão que, efetivamente, enfrentou o tema foi a

proferida no Recurso Extraordinário nº 223.075-1-DF, julgado em 23 de

junho de 1998, em cujo acórdão relatado pelo ministro Ilmar Galvão é

encontrada a seguinte ementa:

“EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECRETO-LEI Nº 70/66. CONSTITUCIONALIDADE.

Compatibilidade do aludido diploma legal com a Carta da República, posto que, além de prever uma fase de controle judicial, conquanto a posteriori, da venda do imóvel objeto da garantia pelo agente fiduciário, não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento seja reprimida, de logo, pelos meios processuais adequados.

Recurso conhecido e provido.”

Ressaltou relator, no seu voto condutor, invocando o parecer da

Procuradoria-Geral da República, que já decorreu “mais de trinta anos da

edição do referido diploma legal, sem que houvesse sido submetida a esta

Corte uma única alegação de ser ele inconstitucional”.

Seguiu-se o julgamento do Recurso Extraordinário nº. 148.872-7-RS,

relatado pelo Ministro Moreira Alves, de 21 de março de 2000, que

reproduziu a ementa do julgamento prolatado no Recurso Extraordinário nº

223.075-1.

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171

E, de fato, O Supremo Tribunal Federal, nas poucas vezes em que foi

provocado para se manifestar sobre a constitucionalidade do Decreto-lei nº

70/66, decidiu pela sua conformidade com o texto constitucional. A alegação

de inconstitucionalidade perante aquela Corte foi realizada com fundamento

nos princípios da inafastabilidade e do monopólio estatal da jurisdição e do

juiz natural, do devido processo legal e do contraditório.

Assenta-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para negar

ofensa aos princípios acima elencados ao fundamento de que o Decreto-lei nº

70/66 não afasta o controle judicial, pois, ali está previsto uma fase para isso

(art. 37 §§ 2º e 3º do Decreto-Lei nº 70/66), bem como por estarem

assegurados ao mutuário, presente ilegalidade, os meios processuais para

obstar a execução extrajudicial e, portanto, assegurado o devido processo

legal.

Como se vê, as decisões do Supremo Tribunal Federal pela

constitucionalidade do Decreto-lei nº 70/66, não são abundantes nem foram

exaustivas na apreciação de todas as questões. Nelas não foram analisados de

maneira satisfatória os princípios constitucionais cuja violação foi alegada e,

por isso, o debate deve ser intensificado, até porque na doutrina também não

há unanimidade sobre o assunto.

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172

Marcada a posição jurisprudencial, com o escopo de aprofundar a

discussão e avaliar a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal e pelos

tribunais inferiores, reputamos necessário discorrer sobre o agente fiduciário,

a sua nomeação e questões relacionadas à imparcialidade, como a

conformidade do procedimento extrajudicial com os princípios

constitucionais processuais.

4.3.2. O polêmico personagem diretor da execução: o agente fiduciário

É sem dúvidas que uma das razões mais relevantes para duvidar-se da

constitucionalidade da execução extrajudicial é a direção do processo por um

personagem que se denomina “agente fiduciário”, não investido de poder

jurisdicional. Julgamos importante, neste tópico, considerar alguns aspectos

relacionados ao modo de sua nomeação, pelas partes, no contrato de

financiamento.

Como se viu ao discorrer-se sobre o procedimento extrajudicial,

determina o art. 31 do Decreto-lei nº 70/66 que, vencida e não paga a dívida

hipotecária, o credor que pretender realizar a execução na forma ali

estabelecida deve formalizar, perante o agente fiduciário eleito no contrato, a

solicitação de execução da dívida, instruindo o requerimento com os

documentos relacionados nos respectivos incisos.

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173

Cumpre, ao agente fiduciário, notificar o devedor e conceder-lhe prazo

para emendar a mora, publicar editais e realizar pública alienação do imóvel,

receber o valor depositado para a purgação da mora ou o resultante da

arrematação, pagar ao credor, assinar a carta de arrematação etc.. Enfim,

cabe-lhe exercer a função executiva com o propósito de proceder à

expropriação do bem hipotecado e pagamento ao credor. É por meio dele que

se processa a execução extrajudicial e, obviamente, nem por isso pode-se

dizer que exerça função jurisdicional, pois não é órgão do Poder Judiciário e

nem a exerce como auxiliar de juízo.

O agente fiduciário que dirige a execução, ao contrário do que alguns

afirmam, nunca pode ser o credor181. Daí não ser correto falar-se em execução

processada pelo próprio credor (autotutela). Na verdade, a sua nomeação é

realizada no contrato originário de hipoteca ou em aditamento e era, de

acordo com o art. 30 do Decreto-lei nº 70/66, nas hipotecas compreendidas no

Sistema Financeiro da Habitação, o Banco Nacional da Habitação; nas

demais, as instituições financeiras, inclusive sociedades de crédito

imobiliário, credenciadas a tanto pelo Banco Central da República do Brasil,

nas condições que o Conselho Monetário Nacional autorizar. Nos termos do

art. 2º da Resolução nº 2.830, de 24 de abril de 2001, do Banco Central do

181 Ada Pellegrini Grinover critica a execução extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 pelo fato de caracterizar forma de autotutela (Novas tendências do direito processual de acordo com a Constituição de 1988, p. 200). Não é exatamente forma de autotutela, no entanto, porque a expropriação do bem é realizada por terceiro, o agente fiduciário.

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174

Brasil, atualmente podem exercer “as funções de agente fiduciário em

operações de crédito imobiliário com garantia hipotecaria, nos termos do art.

30 do Decreto-lei n. 70, de 21 de novembro de 1966, os bancos múltiplos,

bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento,

Caixa Econômica Federal, sociedades de crédito, financiamento e

investimento, sociedades de crédito imobiliário, associações de poupança e

empréstimo, companhias hipotecárias, sociedades corretoras de títulos e

valores mobiliários e sociedades distribuidoras de títulos e valores

mobiliários”.

O § 3º desse mesmo art. 30 é taxativo ao proibir qualquer vínculo

societário do agente fiduciário com os credores ou devedores das hipotecas

em que estejam envolvidos. Se o agente fiduciário nomeado não pode ter

qualquer ligação societária com as partes contratantes, por óbvio que uma

delas não pode ser nomeada para o exercício da função. Mas não há vedação

na lei a que uma instituição financeira realize operações de crédito no âmbito

do Sistema Financeiro da Habitação e exerça, ao mesmo tempo, o encargo de

agente fiduciário em outros contratos firmados entre partes que não tenham

com ela qualquer vínculo.

O § 2º do mesmo art. 30 estabelece, ainda, que o agente fiduciário,

quando uma das pessoas jurídicas mencionadas no inc. II do art. 30, será

escolhido de comum acordo entre o credor e o devedor. Mas, não é raro

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175

encontrar contratos nos quais o financiador estabeleça cláusula cuja escolha

lhe é facultada entre aqueles credenciados perante o Conselho Monetário

Nacional.182 Essa cláusula é, segundo pensamos, nula, pois encerra caráter

potestativo, contraria à boa-fé, compromete a imparcialidade do agente

fiduciário e não preenche as exigências do § 2º do art. 30 do Decreto-lei nº

70/66, segundo o qual, deve ele ser escolhido de comum acordo entre credor e

devedor no contrato originário de hipoteca ou aditamento ao mesmo.

O credenciamento, nos termos do que dispõe o inciso II do art. 30 do

Decreto-Lei nº 70/66, também é obrigatório. Apesar da imposição legal, o

Conselho Monetário Nacional, por meio da Resolução nº 2.830, de 24 de abril

de 2001, do Banco Central do Brasil, que alterou a redação do art. 2º da

Resolução nº 2.375, de 24 de abril de 1997, o dispensou.183 Pelo teor da

Resolução mencionada, qualquer uma das instituições relacionadas no caput

pode ser nomeada, respeitada, obviamente, a restrição constante do Decreto-

182 Em um contrato de um determinado banco que tivemos oportunidade de analisar, firmado no ano de 1991, constava cláusula redigida seguinte forma: “O (a,s) Devedor (a,es,s,) concorda(m), desde já, que no caso de execução extrajudicial do presente contrato, venha a ser escolhido pelo Credor, como Agente Fiduciário, qualquer um dos credenciados pelo Órgão Federal Competente”. 183 O BANCO CENTRAL DO BRASIL, na forma do art. 9. da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, torna público que o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, em sessão realizada em 25 de abril de 2001, tendo em vista as disposições do art. 30, inciso II, do Decreto-lei n. 70, de 21 de novembro de 1966, e do art. 7. do Decreto-lei n. 2.291, de 21 de novembro de 1986, RESOLVEU: Art. 1. Alterar o art. 2. da Resolução n. 1.764, de 31 de outubro de 1990, com a redação dada pela Resolução n. 2.375, de 24 de abril de 1997, que passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 2. Determinar que podem exercer as funções de agente fiduciário em operações de crédito imobiliário com garantia hipotecaria, nos termos do art. 30 do Decreto-lei n. 70, de 21 de novembro de 1966, os bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, Caixa Econômica Federal, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, associações de poupança e empréstimo, companhias hipotecárias, sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários e sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários. (NR) Parágrafo único. As instituições referidas no caput deste artigo podem exercer as atividades ali previstas independentemente de credenciamento prévio pelo Banco Central do Brasil.”

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176

lei nº 70/66, ou seja, a indicação não poderá recair em quem tenha vínculo

societário com o credor ou devedor das hipotecas (§ 3º do art. 30).

A dispensa do credenciamento não poderia ser resolvida pelo Conselho

Monetário Nacional e determinada por norma administrativa do Banco

Central do Brasil. Desde que se reconheça que o Decreto-lei nº 70/66 foi

recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei ordinária, como

quer a parcela mais expressiva da jurisprudência, à testa o Supremo Tribunal

Federal que afastou a alegação de inconstitucionalidade, somente outra norma

da mesma natureza ou da mesma ou superior hierarquia poderia modificá-lo.

Pelo que se depreende do inciso II do art. 30 do Decreto-lei nº 70/66,

cabe ao Conselho Monetário Nacional estabelecer as condições do

credenciamento e não simplesmente dispensar dessa exigência as instituições

em condições de exercer a função184.

Já manifestamos opinião, em outra oportunidade, acerca dos limites

regulamentares, quando sustentamos que as leis que tratam do Sistema

Financeiro Nacional conferiram poderes ao Conselho Monetário Nacional

para normatizar o Sistema Financeiro, o que se dá por meio da edição de atos

que passam a integrar o ordenamento jurídico (resolução185, p.ex.).186 Mas

184 O caput e o inciso II, do art 30 do Decreto-lei nº 70/66, estão assim redigidos: “art. 30. Para os efeitos de exercício da opção do artigo 29, será agente fiduciário, com as funções determinadas nos artigos 31 a 38: I - ...; II – nas demais, as instituições financeiras inclusive sociedades de crédito imobiliário, credenciadas a tanto pelo Banco Central da República do Brasil, nas condições que o Conselho Monetário Nacional, venha a autorizar”. 185 Hely Lopes Meirelles, ao tratar dos atos administrativos normativos, ensina que: "tais atos, conquanto normalmente estabeleçam regras gerais e abstratas de conduta, não são leis em sentido formal. São leis

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177

esse poder regulamentar não é ilimitado e não pode ser exercido de forma

discricionária. Devem ser observados os contornos de sua competência

estabelecidos em lei hierarquicamente superior às normas administrativas do

Banco Central do Brasil, expedidas por orientação do Conselho Monetário

Nacional.187

apenas em sentido material, vale dizer, provimentos executivos com conteúdo de lei, com matéria de lei" (Direito administrativo brasileiro, p. 161). Especificamente quando trata das resoluções, define-as como "atos administrativos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo Chefe do Executivo, que só pode expedir decretos) ou pelos presidentes dos tribunais, órgãos legislativos e colegiados administrativos, para disciplinar matéria de sua competência específica. Por exceção admitem-se resoluções individuais. As resoluções, normativas ou individuais, são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo inová-los e explicá-los. Seus efeitos podem ser internos ou externos, conforme o campo de atuação da norma ou os destinatários da providência concreta" (p. 165). 186 Volnei Luiz Denardi, Diretrizes legais de observância obrigatória na fixação dos encargos financeiros para o crédito rural, Revista tributária e de finanças públicas, 32:199-214. 187. Na Espanha, existe vibrante discussão em torno da natureza jurídica e das conseqüências nas relações de direito privado das normas do Banco da Espanha. Forte na doutrina espanhola, Fernando Rodrigues Artigas faz uma sinopse da divergente posição doutrinária invocando a doutrina de vários autores e finaliza dizendo: "a) Com respeito ao caráter normativo das Circulares, tem-se que recordar, previamente e utilizando para isso as sínteses de ZUNZUNEGUI (1997, p. 75), que, em matéria de capacidade normativa e de acordo com o princípio da competência irrenunciável, esta tem que ser exercida precisamente pelo órgão que a tenha atribuído, salvo que a própria lei habilita previamente a subdelegação a um órgão distinto; segundo isto, para que o Governo e o Ministério de Economia e Fazenda possam habilitar o Banco da Espanha para ditar Circulares de desenvolvimento e execução, é necessário a expressa previsão legal em cada caso, sem que seja suficiente a expressa habilitação contida na disposição regulamentadora que vai ser objeto de desenvolvimento. Neste sentido, com anterioridade à promulgação da LDIEC, PARADA (1981, pp. 318 e ss.) sustentava a impossibilidade de considerar as Circulares como normas regulamentares de índice jurídico/pública, devido a falta de habilitação do Banco da Espanha para ditar diretamente ou por delegação do Ministério da Economia e Fazenda normas imperativas nas relações creditícias, à falta de procedimento e a insuficiente publicidade. Por sua parte, T.R. FERNANDES (1984, pp. 24 a 28) estimava em 1984 que não havia inconveniente em admitir o exercício de autênticos poderes regulamentares com efeito ad extra por parte do Banco da Espanha, sempre que contasse com habilitação legal suficiente. A promulgação da LDIEC em 1988 colocou luz sobre esta questão, ao assinalar em sua Disposição adicional 8ª. (amplamente comentada pela doutrina, vid., por todos, T.R.FERNANDES, 1989, pp; 16 e ss....) que ‘O BE, para o adequado exercício das competências que lhe atribuem esta ou outras leis, poderá ditar as disposições necessárias para o desenvolvimento e execução da regulação contida nas disposições gerais aprovadas pelo Governo ou pelo ministério da Economia e Fazenda, sempre que, ademais, ditas normas lhe habilitem de modo expresso para isso.’ Por sua parte, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta questão ao dizer, na Sentença 135/1992, de 5 de outubro, em favor da constitucionalidade da habilitação do poder regulamentar do Banco da Espanha para desenvolver (com caráter de norma básica) determinados preceitos da Lei 13/1985, de 25 de maio, de coeficientes de inversão.....: 1ª) O Banco da Espanha forma parte da Administração do Estado em sua vertente institucional ou indireta e é a primeira autoridade monetária, a quem corresponde as funções relativas à disciplina e inspeção das Entidades de Crédito e Poupança, para o qual se lhe dotou de simétricos poderes. Entre os quais, deve destacar-se a regulamentadora e a sancionadora, como põe em relevo a atenta leitura da Lei de Órgãos Reitores do Banco da Espanha (artigos 1, 3, 15.1, 19 e 10 e 16.7). (...)

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178

Mesmo que se queira emprestar ao Conselho Monetário Nacional

poderes normativos, resoluções, portarias, circulares, avisos, etc., não podem

negar vigência à ordem normativa Federal, por não se revelarem "leis" no

sentido estrito e nem podem extrapolar os limites determinados pela lei que

regulamentam. São normas oriundas de órgão da administração sem poderes

legiferantes no sentido estrito e, por isso, não podem inovar a ordem jurídica,

ignorando/revogando leis federais legitimamente instituídas pelo Poder

Legislativo.

Fernando Conceição Nunes anota que:

"Cumpre, antes de mais, salientar que as referidas normas regulamentares só

podem ser emitidas quando a lei o permitir e devem respeitar os parâmetros

que esta lhes traçar. Tem, de facto, de existir sempre uma lei habilitante ou

de habilitação (aquela que autoriza a elaboração do regulamento em causa,

Portanto, ‘a ordenação do crédito e bancos, em seu aspecto institucional, corresponde não apenas aos corpos colegiados e ao Governo, senão também, e um nível operativo, ao Banco de Espanha’, porque é uma Administração altamente especializada que forma parte do Estado que desenvolve funções de supervisão das entidades de crédito, pelo que é razoável que a Lei habilite-lhe nos poderes necessários para o adequado desenvolvimento de tais, funções, entre os quais se encontra o poder regulamentar. (...) Sem dúvidas, a segunda vertente do problema colocado pelas Circulares, é dizer, seu alcance, em particular, seu efeito ad extra ou sua eficácia jurídico/privada segue vigente e é objeto de viva polêmica, polêmica cujos termos se recolhem de forma resumida. (...) Sobre a base destes e outros fundados argumentos, conclui ARAGON (1994, p. 34) assinalando, em relação com a Circular 8/1990 que desenvolve a OM de 12 de dezembro de 1989, que os particulares (os clientes) não estão vinculados em modo algum, pelas normas contidas nessas Circulares do Banco de Espanha, cujo incumprimento (se fosse uma norma válida, que não parece) só poderia dar lugar a sanções para os bancos, porém não à nulidade, total ou parcial (sobre a única base de tais normas) dos contratos celebrados pelo banco com seus clientes”. Nem a Circular em questão nem nenhum Circular do Banco de Espanha poderiam constituir-se, a juízo de ARAGON REYS, em fonte da contratação bancária, que dita matéria a lei não pode habilitar ao Banco de Espanha para exercer seu poder regulamentar. Só mediante a habilitação legal oportuna, as Circulares poderiam considerar-se fontes da contratação mercantil, opinião que, para este autor, veio a confirmar claramente no artigo 3 da LABE (ARAGON REYES, 1994, p. 33)” - (Contratos bancarios & parabancarios, p. 77 e ss).

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179

quer a autorização seja genérica, quer diga apenas respeito à

regulamentação de uma certa e determinada lei). Na verdade, a nenhuma das

mencionadas entidades é reconhecido um poder originário de

regulamentação. Todo o poder deriva da lei, e tem nela o seu fundamento e o

seu limite"188.

No sistema brasileiro, a lei habilitante – emprestando a expressão do

professor lusitano - que autoriza o Conselho Monetário Nacional a expedir

normas para regular o Sistema Financeiro Nacional é a Lei nº 4.595, de 31 de

dezembro de 1964. Para o caso específico do Sistema Financeiro da

Habitação, também a Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964 e o próprio

Decreto-lei nº 70/66, entre outras. Alerta, ainda, Fernando Conceição Nunes

que:

"por mais amplos e flexíveis que sejam os poderes de que dispõe a autoridade

administrativa, a competência regulamentar tem de ser atribuída por lei.

Nascem daqui, como é natural, melindrosos problemas de interpretação e

integração da lei habilitante, que, só depois de resolvidos, permitem concluir

se um determinado regulamento é ou não por ele legitimado"189.

Portanto, ao disciplinar o mercado financeiro, inclusive as operações

nele realizadas, cumpre a Conselho Monetário Nacional e ao seu órgão

executor, o Banco Central do Brasil, observar os limites da sua competência

traçados pelo legislador, sem ignorar parâmetros de outros diplomas 188. Ibidem, p. 80. 189. Ibidem, p. 81.

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180

legislativos que formam o complexo ordenamento jurídico. Se a

regulamentação for contrária à lei, ou seja, se normatizar situações já tratadas

e bem definidas em Lei Federal, não pode subsistir.

E é inegável que para exercer o cargo de agente fiduciário nas

execuções extrajudiciais previstas no Decreto-lei nº 70/66 a lei exigiu prévio

credenciamento das instituições interessadas perante o Banco Central do

Brasil. Se a lei é clara a esse respeito, não é aceitável que o Conselho

Monetário Nacional delibere em sentido diverso, dispensando o

credenciamento por meio de norma administrativa hierarquicamente inferior.

Assim, toda a cláusula contratual que se baseia na multimencionada

Resolução nº 2.830, de 24 de abril de 2001, e que nomeie agente fiduciário

não credenciado para o exercício da função, padece do vício de nulidade por

desrespeito ao Decreto-lei nº 70/66. A execução processada perante agente

fiduciário assim nomeado é, conseqüentemente, também nula.

4.3.3. Ainda sobre o agente fiduciário: a imparcialidade

Como veremos mais adiante, consideramos a imparcialidade derivada

do princípio do devido processo legal. A sua análise, desse modo, que

reputamos necessária, deveria ser realizada quando das considerações acerca

daquele princípio. Por razões didáticas, no entanto, como tratamos do agente

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181

fiduciário no item precedente, parece-nos mais adequado apreciá-la de forma

subseqüente, o que nos permite ter uma visão mais abrangente sobre o papel

exercido por esse personagem. Outrossim, é inevitável examiná-la sob a

perspectiva do titular da função jurisdicional, pois o agente fiduciário pratica

atos executivos equivalentes aos de um juiz e, da mesma forma, objetiva a lei

que atue de modo imparcial (§ 1º, do art. 41 do Decreto-lei nº 70/66).

A imparcialidade, como se sabe, é pressuposto processual de validade.

É garantia, para as partes em litígio, de que a tutela jurisdicional será prestada

de forma justa, honesta e desatada de qualquer interesse ou influência. A

função jurisdicional deve ser exercida por um juiz afastado dos interesses da

causa, sem qualquer ligação com as partes. Esse distanciamento é elementar

garantia da sua imparcialidade190 e, se não houver, resta ela comprometida.

190 Enrico Tullio Liebman, nesse exato sentido, assinala que, para “poder exercer as suas funções em determinada causa, o juiz deve ser completamente estranho aos interesses que ali estão em jogo, não sendo ligado às partes por especiais relações pessoais: é essa uma elementar garantia da sua imparcialidade na causa e, antes disso até, uma garantia do seu prestígio perante as partes e a opinião pública, que advém da certeza da sua independência. Por isso, não basta que o juiz, no íntimo, sinta-se capaz de exercer o seu ofício com a habitual imparcialidade: é necessário que não reste sequer a dúvida de que motivos pessoais possam influir em seu ânimo” (Manual de direito processual civil, p. 82). José Carlos Barbosa Moreira, depois de discorrer precisamente sobre a iniciativa do juiz na condução do processo, especialmente na obtenção de provas, fazendo um paralelo do nosso sistema com o anglo-saxônico, no qual o juiz é “calado, impassível”, faz importante distinção entre dois conceitos: a imparcialidade e a neutralidade, que é interessante reproduzir: “Dizer que o juiz deve ser imparcial é dizer que ele deve conduzir o processo sem inclinar a balança, ao longo do itinerário, para qualquer das partes, concedendo a uma delas, por exemplo, oportunidades mais amplas de expor e sustentar suas razões e de apresentar as provas de que disponha. Tal dever está ínsito no de ‘assegurar às partes igualdade de tratamento’, para reproduzir os dizeres do art. 125, nº I, do Código de Processo Civil. Outra coisa é pretender que o juiz seja neutro, no sentido de indiferente ao êxito do pleito. Ao magistrado zeloso não pode deixar de interessar que o processo leve a desfecho justo; em outras palavras, que saia vitorioso aquele que tem melhor direito. Em semelhante perspectiva, não parece correto afirmar, sic et simpliciter, que para o juiz ‘tanto faz’ que vença o autor ou que vença o réu. A afirmação si se afigura verdadeira enquanto signifique que ao órgão judicial não é lícito preferir a vitória do autor ou a do réu, e menos que tudo atuar de modo a favorecê-la, por motivos relacionados com traços e circunstâncias pessoais de um ou de outro: porque o autor é X, simpático, ou porque o réu é Y, antipático, ou vice-versa. Repito, porém: ao juiz não apenas é lícito preferir a vitória da parte que esteja com a razão, seja ela qual for, senão

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182

De fato, não obstante se assentar a melhor garantia contra a influência

sobre os magistrados no caráter firme, reto e imperturbável dos juízes, a lei

pode estabelecer certas garantias com o escopo de assegurar a independência

e, conseqüentemente, a imparcialidade.191

E justamente com vistas a assegurar a prestação da tutela jurisdicional

equilibrada que as legislações modernas arrolam, além de uma série de

garantias, algumas vedações aos magistrados para que possam exercer a sua

função192. A importância dessa independência e conseqüente imparcialidade,

como explica Dalmo de Abreu Dallari, levou a Comissão de Direitos

Humanos da ONU a recomendar a criação do cargo de Relator Especial sobre

a independência do Poder Judiciário. Sobre isso relata que:

que lhe cumpre fazer tudo que puder para que a isso realmente se chegue – inclusive, se houver necessidade, pondo mãos à obra para descobrir elementos que lhe permitam reconstituir, com a maior exatidão possível, os fatos que deram nascimento ao litígio, pouco importando que, afinal, sua descoberta aproveite a um ou a outro litigante” (Reflexões sobre a imparcialidade do juiz, in Temas de direito processual civil, sétima série, sétima série, p. 31-37). 191 Leo Rosenberg, Tratado de derecho procesal civil, t. I, p. 127. Sergio La China assinala que, embora a independência seja a garantia primária e condição necessária da imparcialidade, não é suficiente para garanti-la: “L’indipendenza è condizione necessaria ma non sufficiente della imparzialità: necessaria, perché ogni vincolo e regione di dipendenza inevitabilmente induce o può indurre – il che è praticamente lo stesso – il giudice a sentirsi meno libero, meno rigoroso, nei confronti della persona o potere da cui dipende, per gratitudine di vantaggi avuti o speranza di futuri o timore di svantaggi; ma è condizione non sufficiente perché anche uma libera e volontaria passionalità può portare il giudice a essere meno libero nel suo giudizio, cedendo ad inclinazioni d’animo di favore o sfavore verso um giudicablie” (Diritto processuale civile, p. 75). 192 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira afirma que “somente em época relativamente recente o princípio da imparcialidade judicial (‘nemo judex in causa sua’) passou a ser entendido como abrangendo também a independência do juiz em face do executivo”. Cita, como exemplo dessa independência, “o caso da Inglaterra, na qual pelo menos até o Act of Settlement de 1701 os juízes eram considerados de moro geral funcionários do Executivo e efetivamente tratados como tais, nomeados pelo rei durante bene placito, situação ainda ocorrente na Europa continental do século XIX. Em ordenamentos antigos o problema não se colocava, pois neles o poder judicial identificava-se totalmente com o poder soberano, ou então, a exemplo do sucedido no processo acusatório grego primitivo ou romano, o juízo apresentava caráter popular ou colegial. Só a evolução posterior, impulsionada pelos anseios da cidadania em face do arbítrio estatal e a necessidade de separação dos diversos poderes do Estado, põe a questão no tablado das discussões” (Do formalismo no processo civil, p. 79).

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183

“Nessa oportunidade a Comissão reconheceu a necessidade de se criar ‘um

mecanismo de controle encarregado de acompanhar a questão da

independência e imparcialidade do Poder Judiciário, especialmente no que

respeita aos juízes e advogados e ao pessoal e auxiliares da justiça, assim

como à natureza dos problemas que podem menoscabar essa independência e

imparcialidade’. Acolhendo e confirmando essa recomendação, o Conselho

Econômico e Social da ONU decidiu criar o cargo de Relator Especial, com

as seguintes funções:

a) Investigar toda denúncia que seja transmitida ao Relator Especial e

informar sobre suas conclusões a respeito.

b) Identificar e registrar não somente os atentados à independência do Poder

Judiciário, dos advogados e do pessoal e auxiliares da justiça, mas também

os progressos realizados na proteção e no fomento dessa independência, bem

como fazer recomendações concretas, inclusive sobre assistência técnica ou

serviços de assessoramento aos Estados interessados, quando estes o

solicitarem.

c) Estudar, por sua atualidade e importância, e visando a formulação de

propostas, algumas questões de assessoramento aos Estados interessados,

quando estes o solicitarem.”193

No Brasil, as garantias dos magistrados estão arroladas no art. 95,

caput, da Constituição Federal e consistem, como na generalidade das

legislações alienígenas, em vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade

de vencimentos. Ao lado das garantias, também objetivando a imparcialidade

do juiz, a Constituição Federal estabelece algumas vedações que constam do

parágrafo único do mesmo artigo: 193 O poder dos juízes, p. 44.

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184

“Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

I– exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo um de

magistério;

II – receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em

processo;

III – dedicar-se à atividade político-partidária”.

As garantias e vedações têm por escopo deferir independência ao

magistrado para que não sofra pressões no exercício da função jurisdicional e

para afastá-lo de interesses que possam influir na condução do processo sob

seus cuidados.

Estabelecendo a necessária confrontação, de início, observa-se que o

Decreto-lei nº 70/66 também exigiu que o agente fiduciário atue de forma

independente e imparcial, como se depreende da redação do § 1º do art. 41

verbis:

“§ 1º. Se o credor ou o devedor, a qualquer tempo antes da execução

conforme o artigo 31, tiverem fundadas razões para pôr em dúvida a

imparcialidade ou idoneidade do agente eleito no contrato hipotecário, e se

não houver acordo entre eles para substituí-lo, qualquer dos dois poderá

pedir ao Juízo competente sua destituição”.

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185

Mesmo que o texto legal exija que o agente fiduciário atue de forma

independente e imparcial, não o cerca de nenhuma garantia ou vedação como

fez o legislador em face do exercente da função jurisdicional. Ora, que

credibilidade pode ter o agente fiduciário que, ao mesmo tempo em que

exerce essa função de um lado, de outro realiza operações semelhantes no

âmbito do Sistema Financeiro da Habitação? Não seria o mesmo que permitir

a um juiz o exercício concomitante da advocacia? Ou que fosse remunerado

diretamente por uma das partes pelo exercício e prestação do serviço

jurisdicional pleiteado? Ou, ainda, que fosse escolhido por uma delas? Esses

modestos exemplos bem mostram que não há nenhuma garantia de

imparcialidade.

De efeito, não obstante o § 3º do art. 30 proibir que o agente fiduciário

nomeado tenha vínculos societários com os credores ou devedores das

hipotecas em que estejam envolvidos, é duvidosa a sua atuação desinteressada

na execução requerida pela instituição financeira credora. É que, além de ser,

ao mesmo tempo, quem conduz a execução extrajudicial em uma determinada

situação e, em outra, realiza operações da mesma natureza como credor, a

atividade tornou-se um grande e rentável negócio que leva os interessados a

manter estreitos relacionamentos com os agentes financeiros, pois, de acordo

com o que se depreende do texto legal, ele receberá a sua remuneração

deduzido do produto da arrematação (art. 35 do Decreto-lei nº 70/66).

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186

Outrossim, não se pode ignorar que as contratações perante o Sistema

Financeiro Nacional são realizadas por meio de instrumentos estandardizados,

estereotipados, apresentados ao tomador do crédito para a ele simplesmente

aderir, sem questionar a substância do ato. Sobre isso já tivemos oportunidade

de escrever (cfr. supra, 3.1.3). Assim, a indicação do agente fiduciário,

quando o contrato não a difere para o momento em que é desencadeada a

execução, a critério do credor, traz em suas cláusulas predispostas a

nomeação, sucumbindo o mutuário a ela que, além do desejo de realizar o

negócio, não tem outro para sugerir.

É evidente que ao mutuário falece capacidade para avaliar a idoneidade

do agente fiduciário, pois não conhece o mercado nem exerce profissão que

lhe dê essa aptidão específica. A instituição financeira, no entanto, pelo

número elevado de operações que realiza, conhece os meandros do mercado e

os agentes fiduciários que lhe interessam. Desse modo, a escolha passa a ser,

rigorosamente, da instituição financiadora e não do tomador do crédito.

Inevitável, outrossim, cotejar a nomeação do agente fiduciário para a

execução extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 com a instituição da cláusula

compromissória em contrato de adesão. Reservadas as diferenças próprias de

cada situação, lá, como aqui, afasta-se a intervenção judicial. Estabelece o §

2º do art. 4º da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 que:

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187

“Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o

aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar,

expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento

anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa

cláusula”.

Já discorremos anteriormente sobre o contrato de adesão e deixamos

claro que o firmado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação assim se

caracteriza. A Lei de Arbitragem mostra preocupação com essa modalidade

de contratação quando impõe a iniciativa do aderente para a instituição da

arbitragem ou, no mínimo, que haja destaque no próprio texto do contrato,

com assinatura ou visto específico, ou documento separado.194

O escopo da lei é evitar a imposição por um dos contratantes da

cláusula compromissória e, por isso, cerca a parte aderente de alguma

proteção, considerando-a ineficaz se não adotadas as cautelas estabelecidas.

Nota-se não se ter ignorado que, nos contratos de adesão, o aderente,

geralmente, não lê as condições estabelecidas pelo proponente. Daí, a

obrigatoriedade de instituir-se o compromisso em cláusula separada ou no

próprio documento em negrito, “com a assinatura ou visto especialmente para

essa cláusula”, ou seja, de qualquer forma, quer-se dar ao aderente

conhecimento da estipulação. 194 Acentua J. E. Carreira Alvim, ao tratar da cláusula compromissória, que: “É sabido que, quando um dos contratantes quer impor uma determinada cláusula ao outro, o mínimo obstáculo que encontra são as determinações legais. Embora suponha a lei que o aderente assina o contrato de adesão sem ler, o que, na verdade, acontece é que ele não dispõe do poder de barganha, ficando, por isso mesmo, submetido às imposições do proponente; e para esse problema não há solução” (Direito arbitral, p. 200).

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188

Reservando-se as diferenças de uma e outra circunstância, a adoção da

cláusula compromissória ainda possibilita ao aderente a escolha de um árbitro

que ao menos não exerça atividade semelhante à do proponente e, por conta

disso, esteja naturalmente induzido à defesa do negócio. Além disso, a lei

assegura tenha pleno conhecimento da estipulação e não se surpreenda no

futuro com o compromisso lançado no corpo do contrato. No caso do agente

fiduciário, há um rol de pessoas que podem exercer a função, todas elas

ligadas ao mesmo ramo de negócios do credor, já partindo daí a dificuldade

para o mutuário escolhê-lo. Além disso, geralmente sequer sabe qual a

atribuição do agente. Sucumbe, portanto, à indicação do financiador.

Em suma, sendo a imparcialidade corolário do princípio do devido

processo legal e não estando ela garantida pela atuação desinteressada do

agente fiduciário, padece a execução extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 do

insuperável vício da inconstitucionalidade.

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189

4.3.4. O devido processo legal

Qualquer exame que se queira fazer do Decreto-lei nº 70/66 deve

transitar, inevitavelmente, pela verificação da sua conformidade com os

princípios constitucionais encartados na cláusula do due process of law. No

respeitante à imparcialidade, já logramos proceder a análise e apontar a nossa

conclusão. Mas há outros princípios que, a nosso ver, foram rompidos pelo

procedimento extrajudicial aqui tratado.

A doutrina costuma remeter o due processo of law à Magna Carta de

João sem Terra, de 1.215, cujo artigo 39 foi assim redigido:

“Nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado dos seus

bens, ou colocado fora da lei ou exilado, ou de qualquer modo molestado e

nós não procederemos ou mandaremos proceder contra ele, senão mediante

um julgamento regular pelos seus pares e de harmonia com a lei do país”195.

O termo due processo of law, porém, somente foi utilizado, de fato, em

1.354, no reinado de Eduardo III196, quando se empregou a expressão

“processo devido em direito”.197 O princípio passou à garantia fundamental,

integrando tratados internacionais de extraordinária relevância para os estados

195 J.C. Holt, Magna Charta, 2ª edição, Cambridge, 1992, p. 460, apud J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, p. 488. 196 Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 31. 197 J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, p. 488.

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190

democráticos de direito. Assim, foi adotado pela “Convenção Européia para a

Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais”,

assinada em 04 de novembro de 1950 em Roma, prescrevendo em seu artigo

6º, inciso I que:

“Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida.”

Também foi consagrado no art. 14 do “Pacto Internacional Relativo aos

Direitos Civis e Políticos” e, ainda, na “Declaração Universal dos Direitos do

Homem”, art. 10, verbis:

“Toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, a ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal”.

A Constituição Federal consagra o princípio no art. 5º, inciso LIV, que

expressamente dispõe:

“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

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191

Como acentua a doutrina, esse dispositivo constitucional seria suficiente

para garantir o direito a um processo e a uma sentença justa198, pois, o devido

processo legal abriga outros princípios que completam o conjunto das

garantias processuais constitucionais, ou seja, quando se alude a ele, quer-se a

existência do contraditório e da ampla defesa, da isonomia e da produção de

provas lícitas, da imparcialidade e do juiz natural. Não é por outra razão que

Calmon de Passos acentua que:

“a) só é devido processo legal o processo que se desenvolve perante um juiz

imparcial e independente;

b) não há processo legal devido sem que se assegure o acesso ao Judiciário;

c) ... as duas garantias precedentes se mostram insuficientes se não

assegurado às partes o contraditório”199.

Nota-se que o conceito de devido processo legal é mais largo do que

aquele emprestado por alguns para defender a obediência da execução

198 Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 30. Humberto Theodoro Júnior assinala que, “modernamente se faz uma assimilação da idéia de devido processo legal à de processo justo. Nesse âmbito, o due processo of law realiza, entre outras, a função de um superprincípio, coordenando e delimitando todos os demais princípios que informam tanto o processo como o procedimento” (Curso de direito processual civil, v. I, p. 23). No mesmo sentido, Francisco Gérson Marques de Lima, quando destaca que, “o devido processo legal, feição aportuguesada do due process of law, é o princípio garantístico-mor de inúmeros outros postulados (contraditório, ampla defesa, licitude da prova, imparcialidade do juiz, regularidade processual, juiz natural etc)” (Fundamentos constitucionais do processo, p. 176-177). 199 O devido processo legal e o duplo grau de jurisdição, p. 86.

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192

extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 à Constituição Federal. Darli Barbosa200,

por exemplo, acusando os defensores da inconstitucionalidade do Decreto-lei

nº 70/66 de terem sido traídos por uma pequena “confusão conceitual” do

princípio, assinala que a Constituição Federal, ao utilizar-se da expressão

“devido processo legal”, não se referiu a “processo judicial”. Por isso, para

ele, basta que o processo esteja previsto em lei, ou seja, “processo legal” seria

processo previsto em lei, simplesmente, não sendo necessariamente judicial.

A expressada “confusão conceitual” não é explicada de acordo com a

orientação precisa do conceito de “devido processo legal”, contentando-se a

justificativa em distinguir “processo legal” de “processo judicial”. A

pretendida redução do conceito de devido processo legal como mero

estabelecimento em lei de um determinado procedimento é descabida, pois,

como já dissemos anteriormente, o princípio encerra outros que lhe impõe

largueza de conteúdo. A ele, encontram-se enlaçados o princípio do

contraditório e da ampla defesa, da igualdade das partes, da imparcialidade,

do juiz natural, da inafastabilidade do controle jurisdicional etc. Violado um

desses princípios, haverá ofensa ao devido processo legal.

Já observamos anteriormente não ser possível aceitar a tese da

imparcialidade do agente fiduciário nomeado, de regra, pelo credor. Só por

200 Decreto-lei 70/66 - constitucionalidade, Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, 5:333-336.

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isso haveria ofensa ao princípio do devido processo legal. A execução

extrajudicial aqui analisada, porém, também esbarra no princípio do

contraditório, que também ali se abriga.

4.3.5. O princípio do contraditório

Do conjunto das garantias constitucionais encerradas na cláusula do

devido processo legal, o contraditório é, para nós, o mais evidentemente

violado pelo Decreto-lei nº 70/66. Garantia fundamental e universal, reflexo

dos Estados Democráticos e imposta para processo de qualquer natureza –

civil, penal, trabalhista ou não-jurisdicional -, deve ser observado pelo

legislador que deverá instituir na lei meios para a participação dos litigantes

no processo, e pelo juiz, que deve viabilizar-lhes o exercício desses meios.201

Por isso, não se pode impedir que as partes formulem suas alegações e reajam

em face àquelas que lhes pareçam prejudiciais. Como acentua Liebman, o

princípio imprime a todo procedimento uma estrutura contraditória, podendo

as partes assistirem o seu desenvolvimento, defender-se e provar as suas

razões. Observa que, embora convocada, a parte é livre para se manifestar ou

não202.

201 Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, v. I, p. 124. 202 Manuale di diritto processuale civile, p. 11.

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194

Não é dado ao legislador criar um modelo legal de procedimento

cerceando àquele em face do qual é dirigida uma pretensão o direito de reagir,

participando do desenvolvimento de todos os atos, em relação a eles

manifestando-se e opondo-se.

A Constituição Federal brasileira assegura, no art. 5º, inciso LV, o

princípio do contraditório e da ampla defesa (“aos litigantes, em processo

judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o

contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”). A

Constituição da República Italiana, na segunda parte do art. 24, consegue

expressar o princípio do contraditório com maior precisão quando estabelece

que “a defesa é direito inviolável em qualquer estado e grau do procedimento”

(“La difesa è diritto inviolabile in ogni stato e grado del procedimento”)203.

É induvidoso que o contraditório visa manter a igualdade das partes no

processo (“paridade de armas”), nas mesmas condições de alegar e de

defender-se. Enfim, o contraditório é inerente ao processo; se ele faltar, não

existe jurisdição, julgamento e processo204. Por isso, a doutrina assevera que o

203 O Codice di Procedura Civile seguiu a Constituição italiana no art. 101, com o subtítulo principio del contraddittorio, estatuindo: “O juiz, salvo quando a lei disponha de outro modo, não pode decidir sobre alguma demanda, se a parte contra a qual é proposta não foi regularmente citada e não compareceu” (“Il giudice, salvo che legge dispogna altrimenti, non può statuire sopra alcuna domanda, se la parte contro la quale è proposta non é stata regolarmente citada e non è comparsa”). ENRICO REDENTI lembra que a ambigüidade desse dispositivo não pode levar a equívocos, não sendo obrigatório o comparecimento da parte que foi regularmente citada. O comparecimento que se refere é o espontâneo ou para a hipótese de uma citação nula (Diritto processuale civile, v. 2, p. 7). 204“Um processo giurisdizionale, avente la funzione dell’accertamento e della dichiarazione del diritto, che si svolga senza contraddittorio, o al di fuori di esso, non esiste puramente e semplicemente. Il contraddittorio non è uno dei possibili modelli organizzativi del processo, che in ipotesi potrebbe svolgersi in modi diversi, ma è la cellula da cui nasce tutto l’edificio del giudizio. Il contraddittorio può in determinati casi manifestarsi ed organizzarsi secondo schemi formali diversi, mas non può giammai mancare: se esso manca, o se è uma

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princípio do contraditório é imbricante com o da isonomia, pois tem por

escopo o tratamento igualitário das partes quando preserva a elas a

possibilidade de formular suas alegações e reagir em face daquelas que

entende contrárias a seus interesses.

4.3.6. O contraditório e o processo de execução

A doutrina refere-se ao contraditório por meio do binômio informação-

reação, destacando que a primeira refere-se à comunicação processual e é

necessária, enquanto a segunda é apenas possível;205 “de um lado, a

necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de todos os atos

do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos

atos que lhe sejam desfavoráveis”.206

Donaldo Armelin, depois de lembrar que Elio Fazzallari reconhece que

o contraditório “se apresenta integrado por dois elementos fundamentais: a

ciência do ato praticado no processo e a possibilidade de sobre ele atuar ou

reagir”, destaca que, enquanto no processo de conhecimento a reação do réu

se efetiva antes do ato e é dirigida a uma pretensão do autor, no de execução a

ciência é do ato normalmente já realizado, ou seja, enquanto que no processo

funzione, ivi mancano giurisdizione, giudizio e processo” (Girolamo Monteleone, Diritto processuale civile, p. 19). 205 Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, v. I, p. 127 206 Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 131-132.

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de conhecimento o contraditório acontece antes do ato do juiz com potencial

de gerar prejuízo, no de execução é ele posterior aos atos ali realizados.207

A existência de contraditório no processo de execução não é um debate

que se possa dizer resolvido. Porém, mesmo aqueles que o admitem

concordam que não há contraditório igual ao desenvolvido no processo de

conhecimento. Por isso seria ele limitado, parcial e atenuado, como aduz

Giuseppe Tarzia, quanto às condições da ação, pressupostos processuais e

questões incidentais relacionadas à penhora, avaliação, arrematação etc..

Amplo contraditório somente em sede de ação incidental. Giuseppe Tarzia

ainda lembra que na Itália predomina o entendimento pela negativa do

contraditório. Destaca que as variadas opiniões faz com que seja um dos

temas mais controvertidos da doutrina moderna, afirmando-se na

jurisprudência italiana a legítima desigualdade do executado no processo de

execução. Os que negam a existência do contraditório apóiam-se “no caráter

prático e material da atividade do juiz, à desigualdade das partes, à função

meramente informativa e, portanto, de colaboração, em relação ao juiz”. 208

207 Apontamentos sobre o direito de defesa na execução forçada, in Carta Jurídica, 1:121-139 208 TARZIA, Giuseppe. O contraditório no processo executivo, Revista de Processo, 28:55-95. Girolamo Monteleone, posicionando-se pela inadmissibilidade do contraditório na execução, sustenta que ela processa-se sem encontrar obstáculo, “perché l’esecuzione forzata pressupone sempre e comunque uma normativa che fissi, più o meno incontestabilmente, um diritto, il quale pertanto alle soglie dell’esecuzione è assistito da um grado di certeza, che può essere relativa o assoluta ma che comporta comunque il superamento della fase processuale di cognizione piena diretta alla sua acquisizione. All’inizio del processo contrapposte aventi il medesimo valore giuridico (donde il processo in contraddittorio per accertare quale sua quella fondata), ma um diritto normativamente prevalente ed um corrispondente obbligo già in concreto per legge determinati”. (Diritto processuale civile, p. 876).

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Cândido Rangel Dinamarco, depois de ressaltar que o estudo do

princípio do contraditório não pode limitar-se ao exame da participação dos

litigantes, mas também na participação contraditória do juiz,209 aduz que, sem

a sua admissão no processo de execução, restaria comprometido o equilíbrio

“entre a exigência de satisfação do credor e a de respeito ao devedor e seu

patrimônio”210 e que o suporte da garantia constitucional repousa na

existência de instrução no processo executivo, destacando, com apoio em

Liebman, que instruir é preparar, e não provar.211

Importante lembrar que Liebman, depois de assinalar que as partes, no

processo de execução, assumem posição jurídica diferente daquela existente

no processo de cognição, sustenta que, na execução, não há equilíbrio entre as

partes e não há contraditório que poderá reaparecer somente em novo

processo de cognição.212 Não obstante essa afirmação, na sua célebre obra que

tratou do tema analisou, em capítulo específico, a instrução da execução por

quantia certa. Asseverou, em outra parte, que essa fase de instrução consiste

na “preparação e elaboração dos dados materiais sobre os quais o juiz deve

operar”.213 Por fim, ainda em outra passagem, reconhece a possibilidade de

controvérsias no próprio processo de execução quando assim se expressa,

209 Execução civil, p. 173-174. 210 Ibidem, p.176. 211 Ibidem, p. 177 212 Processo de execução, p. 66-67. 213 Ibidem, p. 86.

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depois de discorrer sobre a abstração, autonomia e independência do título

executivo:

“Contudo, isso não exclui inteiramente a possibilidade de controvérsias. Em

primeiro lugar, elas podem surgir do próprio processo de execução; com

efeito, seu desenvolvimento deve ocorrer de conformidade com as disposições

legais respectivas, que, visando embora o rápido e eficaz andamento da

execução, representam ao mesmo tempo garantia para o executado de não

ser prejudicado além do que for necessário para aquele fim. Por isso a lei

faculta ao executado exigir a observância das formas e limites estabelecidos

por aquelas disposições e reclamar, quando for prejudicado ilegalmente”.214

A instrução no processo de execução, revela a doutrina, constitui-se, na

execução por quantia certa contra devedor solvente, nos atos de penhora,

avaliação, hasta pública, concurso de credores, etc.. Sobre todas essas

questões incidentais o juiz decide, conhece, realiza juízos de valor proferindo

decisões interlocutórias. E mais. Poderá prolatar sentença terminativa,

extinguindo a execução por falta de pressuposto processual ou condição da

ação215.

214 Ibidem, p. 260. 215 Como assinala Cândido Rangel Dinamarco, o juiz realiza juízos de valor no processo de execução, “por exemplo, quando resolve a questão de estar ou não amparada de título executivo a demanda inicial do exeqüente (v.g., letra de Câmbio sem aceite). Ele o faz quando verifica se em toda a sua extensão a pretensão do credor está apoiada no título que exibe (v.g.., se é o caso de contar correção monetária e a partir de quanto). Ele o faz, autorizando ou negando a substituição o bem penhorado, ou redução da penhora; ou através da decisão interlocutória com que aceita ou recusa a nomeação de bens à penhora. Já ficou dito, aliás, que não só execução o juiz faz no processo executivo, situando-o aqui atos que não são em si mesmos executivos” (Execução civil, p. 182). Giuseppe Tarzia bem resume a extensão do contraditório no processo de execução: “Delineia-se, então, a hipótese, que deverá ser agudamente avaliada, de que o contraditório executivo possa ser definido como parcial em relação aos temas submetidos ao diálogo entre as partes e às providências do juiz da execução para a seleção desses temas, ou, pelo menos, para a exclusão de temas como fatos constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito incorporado ao título executivo, e, além do mais o contraditório, também atenuado, em relação aos limites dos poderes das partes. Mas tudo isso diz respeito a uma configuração mais precisa do instituto, que deriva das peculiaridades estruturais do processo, sendo impossível a sua radical negação” (O contraditório no processo executivo, Revista de

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199

De fato, não obstante no processo de execução nada possa o executado

opor em relação ao mérito, como assinala José Frederico Marques, sobre

certos atos executórios a ele é lícito falar, “tendo assim poderes de ordem

processual para intervir e opinar sobre o quomodo exequendum vel

procedendum desses mesmos atos”.216

Donaldo Armelin, na sua assídua precisão, lembra que, em vista da

natureza jurisdicional da execução em decorrência do sistema constitucional

vigente, são inafastáveis os princípios constitucionais do processo também ao

executivo e, por isso, sob o ângulo substancial ou processual, deverá ser

observado o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.217

Na irretocável afirmação de Cândido Rangel Dinamarco:

“Não se concebe mais, como em tempos passados, uma execução cruel,

desumana e desmesurada, impregnada de sentimentos de vingança que ao

poder público não compete apoiar e estimular (...). Se se pretende evitar que

a execução propicie ao credor mais do que aquilo a que ele tem direito, ou

prive o devedor de mais do que aquilo que é necessário para satisfazer o

Processo, 28:55-95). Humberto Theodoro Júnior, embora afirma que “o processo de execução não é contraditório”, reconhece que “o juiz, muitas vezes, em seu curso, profere juízos de valor, tratando ambas as partes em pé de igualdade, como ocorre, por exemplo, no exame dos pressupostos processuais, das condições da ação ou dos pressupostos específicos dos diversos atos executivos a levar a efeito, como a penhora, sua restrição ou ampliação, a avaliação, a arrematação, a adjudicação, a remição etc. Em síntese: no tocante ao mérito da execução, as posições das partes são claras e nítidas. Nada há que acertar ou decidir em contraditório. Mas, sobre a forma de executar, é perfeitamente lícito o debate entre as partes, de sorte a gerar o mesmo contraditório que se conhece no processo de conhecimento” (Processo de execução, p. 44-45). 216 Instituições de direito processual civil, v. V, p. 27. 217 Apontamentos sobre o direito de defesa na execução forçada, in Carta Jurídica, 1:121-139. Na doutrina brasileira, prevalece o entendimento pela existência do contraditório no processo de execução. Além dos já citados Donaldo Armelin, Cândido Rangel Dinamarco, também seguem a mesma orientação Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 136-137; Marcelo Lima Guerra, Execução forçada, controle de admissibilidade, p. 27; Sérgio Shimura, Título executivo, p. 11.

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200

direito de credor, ou o prive do mínimo indispensável a uma existência

decente, o meio politicamente bastante e juridicamente eficaz a evitá-lo é

permitir que ele participe do processo executivo. Do contrário, o executado

não seria mais do que mero sujeito passivo da execução.218

Não se pode deixar de lembrar que a jurisprudência brasileira acolheu a

chamada exceção de pré-executividade permitindo que, por meio desse

incidente endoprocessual, sejam discutidas determinadas matérias,

estabelecendo-se perfeito contraditório, embora limitado. Assim, mesmo que

contraditório amplo somente seja aceitável em sede de ação incidental, tem

sido ele admitido no processo de execução, em cumprimento ao que

estabelece a Constituição Federal.

Transportando todas essas considerações para a problemática que

envolve a execução extrajudicial prevista no Decreto-lei nº 70/66, deve ser

lembrado, desde logo, que, nessa, conduzida por agente fiduciário indicado no

contrato, não há nenhuma possibilidade do devedor apresentar defesa, mesmo

que diferida para fase posterior ou, como quer a doutrina, contraditório

eventual. O comportamento do devedor deve limitar-se ao atendimento da

notificação para que efetue o pagamento do débito em atraso, sob pena de ter

o bem hipotecado alienado em hasta pública para que o produto da

arrematação sirva para pagamento ao credor.

218 Execução civil, p. 175.

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201

O confronto da eventualidade é irresistível: suponha-se a promulgação

de uma lei que modifique a estrutura do processo de execução abreviando os

atos com a proibição do executado manifestar-se nos autos, a não ser para

pagar, deferindo-lhe o exercício da defesa apenas por meio de ação para

anular a arrematação (v.g., a ação anulatória prevista no art. 486 do Código de

Processo Civil). Parece insustentável a constitucionalidade da hipotética lei

por ofensa ao princípio do contraditório e não pelo fato de diferir-se a defesa

do devedor, mas por impedí-lo de participar da execução. Ora, ao contrário da

execução judicial, na qual o contraditório, mesmo que em fase posterior está

assegurado, na extrajudicial o devedor não tem o mínimo controle sobre os

atos realizados, mesmo por ação incidental. Qualquer esboço de defesa resta

absolutamente abolido.

A conjetura é a realidade do Decreto-lei nº 70/66 porque, nesse

procedimento extrajudicial, o devedor está impedido de interferir no

processamento tendente à expropriação do seu patrimônio a não ser em fase

posterior, na defesa que poderá oferecer na ação de imissão de posse. E mais

clara é a ofensa ao princípio quando se defere a ação de imissão de posse ao

arrematante, como faz parte da doutrina e da jurisprudência, com limitação da

defesa à nulidade manifesta do título.

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202

Portanto, quando se alega ofensa ao princípio do contraditório, não se

está tratando da possibilidade do diferimento da defesa para outra fase ou por

outro meio, mas, da impossibilidade do devedor reagir, no mesmo

procedimento, em face do requerimento do credor, contra os atos que lhe são

prejudiciais. Enfim, não se pode solapar a possibilidade do devedor reagir no

mesmo procedimento. O legislador, quando cria seus modelos judiciais ou

parajudiciais, deve adequar a sua estrutura à garantia constitucional e não o

contrário, ou seja, não se deve adequar o princípio aos procedimentos para

limitar o seu campo de incidência.

Arruda Alvim, em parecer de 1999 quando tratou do Decreto-lei nº

70/66, citado por Melhim Chalhub, que também nega malferimento ao

princípio, sustenta que, realizada a notificação, “todos os meios de reação, de

resistência, extrajudiciais ou judiciais, restam à disposição do mutuário.

Inclusive, com a possibilidade de o devedor, objetivando a recuperação do

bem, purgar a mora até a expedição da carta de arrematação (cf. art. 34 do DL

70/66”.219

Com todas as vênias que merece o grandioso e influente professor,

qualquer um tem à sua disposição todos os meios judiciais para a defesa dos

seus interesses, mediante o exercício do direito de ação se vislumbrar ameaça 219 Melhim Chalhub, O leilão extrajudicial face ao princípio do devido processo legal, Revista de Processo, 96:70-90.

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203

ou lesão a direito. O que não tem o mutuário, na execução extrajudicial do

Decreto-lei nº 70/66, é a possibilidade de reagir em face dos atos ali

praticados, mesmo que em qualquer procedimento apartado, a não ser

socorrendo-se do Poder Judiciário e, mesmo assim, também não tem um meio

judicial específico para que o ato impugnado passe pelo crivo do Judiciário.

Não vislumbramos, outrossim, a quais meios extrajudiciais eficientes

de reação refere-se o insuperável processualista. Isso porque a possibilidade

do devedor purgar a mora não é meio de reação, de resistência à pretensão do

credor: é, rigorosamente, o cumprimento da obrigação. Como acentua Araken

de Assis, quando trata da execução judicial, o art. 652, caput, do Código de

Processo Civil, “permite ao executado adimplir a obrigação pecuniária no

prazo de vinte e quatro horas a partir da citação”.220 Ou seja, mesmo que o

devedor constate que o valor pretendido pelo credor não é o apresentado, o

único comportamento na esfera extrajudicial é a purgação da mora que

significa o cumprimento da obrigação.

Por último, é relevante lembrar que, em decorrência da absoluta falta de

possibilidade do devedor reagir em face da alienação do seu patrimônio na

execução extrajudicial, o Superior Tribunal de Justiça, considerando a

excepcionalidade da medida e o reconhecimento da constitucionalidade pelo

220 Manual do processo de execução, p. 437.

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204

Supremo Tribunal Federal, tem impedido o seu processamento quando

pendente demanda anteriormente ajuizada pelo mutuário para discutir os

termos da avença. Essa posição está retratada no REsp nº 462629-RS, relatado

pelo ministro Aldir Passarinho, julgado em 26.11.2002 e assim ementado:

“CIVIL E PROCESSUAL. S.F.H. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. EXISTÊNCIA DE AÇÃO REVISIONAL DO CONTRATO DE MÚTUO. TUTELA ANTECIPADA. IMPEDIMENTO À COBRANÇA COM BASE NO DECRETO-LEI N. 70/66. LEGITIMIDADE. I. Conquanto de reconhecida constitucionalidade, a execução do Decreto-lei n. 70/66, por se proceder de forma unilateral e extrajudicialmente, não deve acontecer na pendência de ação revisional de contrato de financiamento habitacional movida pelo mutuário, pertinente a concessão de tutela antecipada para tal finalidade. II. Recurso especial não conhecido.”

Outras decisões do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido

revelam a firmeza dessa posição: REsp nº 80.385-SC, Rel. Min. João Otávio

de Noronha, julgado em 20.05.2003; REsp nº 417666-SC, Rel. Min. Carlos

Alberto Menezes Direito, julgado em 03.10.2002; REsp 191276-SC, el. Min.

Ari Pargendler, DJ de 01/03/1999; REsp 191276-SC, Rel. Min. Ari

Pargendler, DJ de 01/03/1999; REsp 20111-CE, Rel. Min. José de Jesus

Filho, DJ de 08/06/1992; REsp 17742-MG, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de

01/06/1992; REsp 19619-CE, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJ de

27/04/1992; REsp 10812-CE, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJ de

13/04/1992.

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205

4.3.7. Os atos executivos. Necessidade de controle jurisdicional

É certo que o Decreto-lei nº 70/66 não obstaculiza o acesso do devedor

ao Poder Judiciário, não suprimindo o direito de ação. Em vista disso, alguns

defendem a constitucionalidade da execução extrajudicial ali prevista por não

haver o afastamento do Poder Judiciário, sem observar que, quando se

concebe o direito de ação, também se garante o direito de defesa ao

demandado. De fato, a Constituição Federal consagra, no art. 5º, inc. XXXV,

o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou do direito de ação,

quando estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito”. Por ele deve-se compreender, de forma sintética,

que todos têm acesso à justiça para ver apreciada lesão ou ameaça de lesão,

mas também o direito de defender-se. Como bem acentua Zaiden Geraige

Neto,

“o princípio que prevê o direito de ação não pode ser entendido como a

simples garantia do jurisdicionado em poder provocar o Poder Judiciário à

salvaguarda de seus eventuais direitos. Isto é, essa garantia não pode ser

interpretada como a mera possibilidade de o cidadão ingressar em juízo,

mas, muito mais do que isso, o princípio da inafastabilidade do controle

jurisdicional visa a garantir ao jurisdicionado um processo célere com a

devida segurança, e efetivo com a necessária justiça, norteado à luz do due

process of law e, por conseguinte, dos princípios da isonomia, do juiz e do

promotor natural, do contraditório e ampla defesa, da proibição da prova

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206

ilícita, da motivação das decisões judiciais, do duplo grau de jurisdição –

sem entrar no mérito de sua previsão Constitucional ou não – e outros.”221

À vista da concepção moderna do direito de ação, é singela e não

esclarecedora a posição adotada por parcela da doutrina e da majoritária

jurisprudência no sentido de que não há proibição, no referido diploma, de

acesso ao Judiciário pelo mutuário, pois teria franqueado todos os meios

admitidos em direito. Sob esse aspecto limitado de se ver o direito de ação,

não haveria ofensa ao princípio constitucional.222 Mas não se pode ignorar

que “todo e qualquer expediente destinado a dificultar ou mesmo impedir que

a parte exerça sua defesa no processo civil atenta contra o princípio da ação e,

por isso, deve ser rechaçado”223.

Outrossim, a execução civil, como assinala Liebman, objetiva, “sem o

concurso da vontade do obrigado, o resultado prático a que tendia a regra

jurídica que não foi obedecida”.224 Lembra Araken de Assis que:

221 O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, p. 28. Cândido Rangel Dinamarco, não obstante, firmou-se pela inconstitucionalidade da execução extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 por sustentar que a execução é sempre judicial (Execução civil, p. 202). 222 Uma visão diferente do direito de ação leva a concluir pela constitucionalidade da execução extrajudicial, como faz Melhim Chalhub: “Com efeito, em procedimento como o do Decreto-lei 70/66, a prévia audiência da parte, para instauração da ampla defesa, se torna possível a partir do momento em que se efetiva a notificação, pois é por ela que se dá ciência do prazo ao devedor, ciência essa que viabiliza a resistência do devedor, por qualquer dos meios admitidos em direitos, judiciais ou extrajudiciais, por força do binômio informação + reação, que corporifica o contraditório. Nada obsta que o devedor, recebendo a notificação, oponha resistência, na medida em que a garantia constitucional do direito de ação lhe assegura todos os meios para sua mais ampla defesa; essa resistência é plenamente possível, se ocorrer lesão ou ameaça de lesão de direito do devedor, não havendo poder executório inapelável do agente fiduciário, não estando reduzida a atitude do devedor ao pedido de purgação da mora” (O leilão extrajudicial face ao princípio do devido processo legal, Revista de Processo, 96:70-90). 223 Nelson Nery Junior, Princípio do processo civil na Constituição Federal, p. 98. 224 Processo de execução, p. 4. A execução “es un procedimiento para la realización de las pretensiones de prestación o por responsabilidad, mediante coacción estatal” (Leo Rosenberg, Tratado de derecho procesal civil, t. III, p. 3).

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207

“Tem o ato executivo de peculiar, distinguindo-o, destarte, dos demais atos

do processo e dos que do juiz promanan, a virtualidade de provocar

alterações no mundo natural. Objetiva a execução, através de atos deste jaez,

adequar o mundo físico ao projeto sentencial, empregando a força do Estado

(art. 579 do CPC). Essas modificações fáticas requerem, por sua vez, a

invasão da esfera jurídica do executado, e não só do seu círculo patrimonial,

porque, no direito pátrio, os meios de coerção se ostentam admissíveis. A

medida do ato executivo é seu conteúdo coercitivo”.225

Enquanto na função de conhecimento, o conteúdo é essencialmente

decisório, os atos de execução caracterizam-se como coercitivos para atingir o

resultado prático objetivado. A coação observa-se, na execução por quantia

certa contra devedor solvente, na transferência compulsória de patrimônio,

independentemente da vontade do executado e mesmo contra ela. É o que

ocorre na execução extrajudicial aqui tratada, na qual o imóvel é arrebatado

da esfera jurídica do devedor para pagamento ao credor.

Ora, os atos de força, como é o caso, deverão ser praticados

essencialmente sob o controle estatal, jurisdicional, como faz a lei que

disciplina a arbitragem (Lei nº 9.307/96), quando reserva a execução da

sentença perante o Poder Judiciário, o que levou J. E. Carreira Alvim a

225 Manual do processo de execução, p. 82.

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208

afirmar que “aí está a garantia dos princípios do devido processo legal (due

process of law) e da inafastabilidade do Poder Judiciário”.226

Insta observar, ainda no domínio das comparações, que a Lei de

Arbitragem preserva o contraditório e a ampla defesa para as partes na

resolução do conflito, o que não acontece na execução extrajudicial do

Decreto-lei nº 70/66 sob qualquer forma. Por isso, como bem alerta Cândido

Rangel Dinamarco, que defende a tese da inconstitucionalidade da execução

extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66, não-obstante a linha de humanização e

busca de equilíbrio na execução, procedimentos como o aqui tratado trazem o

risco de arbitrariedades e de injustiças. Atento à posição predominante do

Supremo Tribunal Federal, destaca que “o mínimo que se exige do Poder

Judiciário é a plena disposição a exercer o poder de controle sobre cada caso

que lhe seja trazido, inclusive pelo mérito e mediante efetiva aferição de

valores. A efetividade do controle jurisdicional poderá tornar perdoável a

outorga de poderes de expropriação a entidades privadas”.227

Não se pode esquecer de mencionar, outrossim, que na Espanha o

Tribunal Supremo, pela Sentença nº 402, de 04 de maio de 1998, considerou

inconstitucional o art. 129 da Ley Hipotecaria de 1946 que, à semelhança do

226 Direito arbitral, p. 30. Há quem sustente, como faz Antonio Corrêa, que a sentença arbitral não é, rigorosamente, título executivo extrajudicial, mas judicial (Arbitragem no direito brasileiro, p. 137-138). 227 Execução civil, p. 325.

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209

Decreto-lei nº 70/66, passou a regular a execução extrajudicial de imóvel

hipotecado.

Ressaltou aquela Corte, ao referir-se à arbitragem de forma

comparativa, que, nessa, limita-se o árbitro a estabelecer a certeza do direito,

por vontade das partes, cabendo, porém, a execução do laudo, por atribuição

exclusiva, ao Judiciário. Trouxe interessante argumento para afastar a

alegação de que a execução extrajudicial decorre de acordo entre as partes,

assinalando que a origem contratual levaria a permitir-se uma jurisdição civil

plenamente convencionalizada. Asseverou, outrossim, comparando a

execução judicial e a extrajudicial para a cobrança de dívida da mesma

natureza, que, na primeira, ao mutuário é assegurado maior amplitude nas

suas oposições, enquanto que, na segunda, não, o que a torna mais gravosa e

prejudicial.

Os mesmos princípios invocados pelo Tribunal Supremo da Espanha

para reconhecer a incompatibilidade de execução extrajudicial semelhante a

nossa encontram-se, até pela sua universalidade, também consagrados no

texto constitucional brasileiro. Se isso não assegura, como é óbvio, que aqui

se adote semelhante posicionamento, impõe que nos debrucemos sobre o tema

para novas reflexões e, se for o caso de não suprimir do ordenamento, ao

menos adequar o procedimento aos preceitos constitucionais para que não seja

instrumento de arbitrariedades e injustiças.

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210

5. A EXECUÇÃO ESPECIAL HIPOTECÁRIA DA LEI Nº 5.741, DE 1º DE DEZEMBRO DE 1971

5.1. A Lei nº 5.741, de 1º de dezembro de 1971

A Lei nº 5.741, de 1º de dezembro de 1971, estabeleceu um

procedimento judicial especial para a cobrança de crédito hipotecário

vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, como ratificou a forma

alternativa da execução extrajudicial prevista nos arts. 31 e 32 do Decreto-lei

nº 70, de 21 de novembro de 1966228.

Como observamos ao tratar da execução extrajudicial disciplinada no

Decreto-lei nº 70/66 (cfr. supra, 4.1), o art. 1º da Lei nº 5.741/71 faculta que o

credor opte, na cobrança de crédito hipotecário vinculado ao Sistema

Financeiro da Habitação, disciplinado pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de

1964, pela “...execução de que tratam os arts. 31 e 32 do Decreto-lei nº 70, de

21 de novembro de 1966...”, ou pela “...ação executiva na forma da presente

lei”.

228 Observa Araken de Assis, com propriedade, que “o rito especial da Lei nº 5.741/71 se restringe, a teor do seu art. 1º, a ‘créditos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação’. Esta ampla proposição se esclarece no próprio diploma. Os recursos financeiros que fluem no sistema possuem endereço final e único: financiam a casa própria, art. 9º, caput, da Lei nº 4.380/64. Antes de atingir seu escopo, os recursos são concedidos, também com garantia hipotecária, ao produtor das unidades imobiliárias para que, ultimada a construção, ocorra o repasse da dívida ao adquirente da unidade, na respectiva proporção, o qual a solverá em prestações reajustáveis. Este negócio intercalar, e quaisquer outros análogos e contraídos dentro do Sistema, em que não figure o adquirente final, refogem à tutela da Lei nº 5.741/71” (Execução especial de crédito hipotecário, in O processo de execução, p. 41).

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211

Justificamos a possibilidade do credor optar pela execução judicial

prevista na Lei ora analisada ou pela extrajudicial, não lhe sendo autorizado o

procedimento comum do Código de Processo Civil para a cobrança do seu

crédito por falta de pagamento das prestações do financiamento.229 Essa via

somente é admitida em outras hipóteses de infringência ao contrato. Agregue-

se aos argumentos lá demarcados o fato de que a utilização da execução por

quantia certa prevista no Caderno Processual esbarra nos propósitos da

legislação especial e nos objetivos do Sistema Financeiro da Habitação.

De fato, como se verá mais adiante, a Lei nº 5.741/71 possibilita ao

executado o pagamento das prestações em atraso, com o convalescimento do

contrato, até a assinatura do auto de arrematação ou adjudicação. É o que

dizem os arts. 3º, 4º e 8º. Essa faculdade é deferida apenas em sede da

execução especial, sendo incompatível com o procedimento do Código de

Processo Civil. E, se é um benefício concedido por lei ao mutuário/executado,

não é admissível seja ele ignorado pela vontade do credor quando opta por

procedimento diverso daquele previsto na lei especial.

229 De outro entendimento é Araken de Assis, ao sustentar que: “dispõe o credor de três caminhos para realizar o seu crédito: a) a execução fundada no Decreto-Lei nº 70/66 – ao menos enquanto não houver pronunciamento definitivo sobre questão da sua constitucionalidade -, pela qual deverá manifestar preferência, junto ao agente fiduciário, até seis meses antes da prescrição do crédito (art. 31, caput, do Decreto-Lei nº 70/66); b) a execução consoante o rito especial (Lei nº 5.741/71); c) a execução segundo o rito comum (art. 29, caput, do Decreto-Lei nº 70/66). Existe, aí, concursus eletivus: o credor optará livremente, por um dos procedimentos, não se atrelando, em absoluto, ao rito especial” (Execução especial de crédito hipotecário, in O processo de execução, p., 40). No mesmo sentido Evaristo Aragão Ferreira dos Santos, Uma abordagem crítica da execução dos créditos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, segundo o rito especial previsto pela lei 5.741/71, in Processo de execução e assuntos afins, p. 194. Já Victor A. A. Bomfim Marins sustenta que, “para a cobrança do crédito hipotecário a lei prevê, em seu art. 1º, dois caminhos: um, a execução extrajudicial, de que tratam os arts. 31 e 32 do Dec.lei 70, de 21.11.66; outro, a ação executiva que disciplina” (Da inconstitucionalidade do § 1º do art. 4º da lei 5.741, de 1.12.71, RT, 616:247-251).

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212

Outrossim, ressalva a Lei nº 5.741/71, no art. 10, a possibilidade da

execução na forma do Código de Processo Civil quando fundada em outra

causa que não a falta de pagamento das prestações vencidas. Aqui se encontra

outra firme demonstração de que a execução por falta de pagamento somente

pode ser intentada de acordo com o procedimento especial, pois, se fosse de

modo diverso, não haveria necessidade de menção expressa da exceção e não

se aceita que a lei contenha palavras inúteis.

Ademais, permitindo-se a execução prevista no Código de Processo

Civil na hipótese de falta de pagamento das prestações do financiamento, o

credor contornaria a exigência por alguns requisitos específicos estabelecidos

na lei especial, como a obrigatoriedade da expedição de, pelo menos, dois

avisos (art. 2º, inc. IV, da Lei nº 5.741/71) e a necessidade de aguardar-se o

vencimento de três prestações do financiamento para o ajuizamento, como

exige o art. 21, da Lei nº 8.004, de 14 de março de 1990. Também pelo

procedimento especial, e só nele, dispensa-se a avaliação e a arrematação

pode realizar-se pelo saldo devedor do contrato. Além disso, a adjudicação

em favor do credor, uma vez frustrada a arrematação, é compulsória e exonera

o mutuário do pagamento de eventual saldo da dívida.

A nosso ver, não obstante e guardadas as particularidades da execução

especial hipotecária, poderia o legislador aproveitar a ampla reforma que se

pretende implantar no processo de execução, especificamente pelo Projeto de

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213

Lei nº 4.497/2004, e tratar da execução especial hipotecária, unificando e

adaptando-a aos novos rumos objetivados pelo processo civil moderno para

dar agilidade à recuperação do crédito, seguindo o exemplo de alguns outros

países. Essa unificação afastaria possíveis discussões que poderão surgir com

as alterações a serem introduzidas, especialmente sobre a aplicação das novas

normas ao procedimento especial. Alguns dispositivos podem, de fato,

motivas disputas que dificultarão o processamento da execução especial,

como, por exemplo, a nova redação que se pretende dar ao art. 652 do Código

de Processo Civil, estendendo o prazo para pagamento para três dias, ao invés

de vinte e quatro horas como consta na atual redação e no caput do art. 3º da

Lei nº 5.741/71. Certamente haverá posições pela permanência do prazo de

vinte e quatro horas como pela adoção do de três dias.

Na Argentina, não há uma legislação especial para a execução de

contratos hipotecários, mesmo que destinados à aquisição da casa própria.

Utiliza-se o procedimento especial (Ejecuciones Especiales) de Ejecucion

Hipotecaria prevista no Código de Processo Civil e Comercial, guardando as

suas características específicas.230

O Código de Processo Civil português também serve para a execução

dos contratos firmados para a aquisição de habitação própria garantidos por

hipoteca. Igualmente lá, embora seja utilizado o procedimento comum de

execução, algumas particularidades são próprias dessa espécie de contrato 230 Com a crise econômica que se instalou naquele País no início do Século XXI, as execuções hipotecárias cujo bem fosse a única moradia do devedor foram suspensas pela Lei nº 25.737, de 2 de junho de 2003, o que nota a preocupação social que desperta o problema da moradia.

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214

com o escopo de agilizar o seu processamento. Assim, nos termos do item 7

do art. 812º, diversamente do que ocorre em outras situações, a citação do

executado é efetuada sem a necessidade de despacho liminar “nas execuções

fundadas em título extrajudicial de empréstimo contraído para aquisição de

habitação própria hipotecada em garantia”.

Na Espanha, a Ley de Enjuiciamento Civil de 01/2000, é utilizada para

a execução hipotecária judicial das hipotecas constituídas de acordo com a

Ley Hipotecaria de 1946, destinando capítulo específico para ela (Capítulo

V), tratando da Ejecución sobre Bienes Hipotecados o Pignorados a partir do

art. 681.

No Peru, como no Brasil, há o Decreto Legislativo nº 495 que, a partir

do art. 38, trata da Ejecucion Judicial de la Hipoteca, estabelecendo que, na

falta de pacto para o procedimento extrajudicial, o credor pleiteará a venda do

bem hipotecado, apresentando ao juiz do local do imóvel o seu requerimento,

acompanhado de cópia do contrato e das condições do financiamento, tendo o

devedor cinco dias para pagar ou provar que pagou, sob pena de imediata

oferta pública, sem possibilidade de oposição. O art. 39 autoriza que o

devedor, até o momento da arrematação, pague ao credor o valor integral da

dívida, mais juros e custas, extinguindo-se o processo e a hipoteca. No nosso

sistema, é facultado ao mutuário efetuar a remição do bem até antes da

assinatura do auto de arrematação ou adjudicação.

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215

Em linhas gerais, o procedimento executivo judicial peruano, entre os

que encontramos, é o que mais se aproxima do sistema brasileiro, merecendo

tratamento em legislação especial também com o suprimento de alguns atos

executivos.

5.2. A execução processada na forma do Código de Processo Civil, fundada em causa que não a falta de pagamento

Como visto acima, a lei especial dá ao credor duas alternativas para a

cobrança das prestações em atraso do financiamento: a execução extrajudicial

prevista no Decreto-lei nº 70/66, ou a especial hipotecária. Reserva a

execução pelo procedimento previsto no Código de Processo Civil para

aquelas hipóteses cujo fundamento não seja a falta de pagamento das

prestações do financiamento. É o que está escrito no art. 10, verbis:

“A ação executiva, fundada em outra causa que não a falta de pagamento

pelo executado das prestações vencidas, será processada na forma do Código

de Processo Civil, que se aplicará, subsidiariamente, à ação executiva de que

trata esta lei”.

Depreende-se que a execução pelo rito do Código de Processo Civil

pode fundar-se em qualquer causa de infringência contratual que não a falta

de pagamento das prestações, o que exclui alguns benefícios, tanto em favor

do credor como do devedor, existentes apenas em sede de execução especial:

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216

1) não haverá purgação da mora e convalescimento do contrato. Já

assinalamos que a execução na conformidade do procedimento estabelecido

pela Lei nº 5.741/71 autoriza o devedor a efetuar o pagamento das prestações

em atraso, apenas, permitindo o convalescimento do contrato. Na execução

fundada em outra causa que não a falta de pagamento, essa possibilidade, por

obviedade, não existe, pois a execução não se processa para a cobrança de

prestações não pagas, mas de todo o saldo devedor por infringência contratual

que acarreta o vencimento antecipado de toda a dívida;

2) o imóvel será arrematado pelo valor da avaliação e, não sendo o

respectivo produto suficiente para o pagamento da dívida, poderá o credor

cobrar o saldo remanescente. A Lei nº 5.741/71, quando determinou a

arrematação ou a adjudicação do imóvel pelo valor mínimo correspondente ao

saldo devedor, eximindo o devedor do pagamento de quaisquer outras

parcelas referentes à dívida ou despesas processuais, além de pretender

apressar a execução, concedeu um benefício ao desafortunado mutuário que

não conseguiu honrar com as prestações do financiamento. Não estendeu o

mesmo privilégio ao que infringiu o contrato por outra causa;

3) não haverá supressão de atos executivos. Pelo procedimento do

Código de Processo Civil, alguns atos suprimidos do especial, como a

avaliação, deverão ser obrigatoriamente realizados;

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217

4) os embargos do devedor terão, induvidosamente, efeito suspensivo.

Não obstante a discussão sobre os embargos do devedor na execução especial

hipotecária terem ou não efeito suspensivo, no procedimento do Código de

Processo Civil essa dúvida não existe.

5.3. O Código de Processo Civil e a execução especial hipotecária

O Código de Processo Civil, portanto, além de servir para a execução

do contrato quando a hipótese não for a falta de pagamento das prestações

mensais, aplica-se de forma subsidiária ao procedimento especial de execução

previsto na Lei nº 5.741/71, por expressa determinação legal (art. 10).

Interessante mencionar que a Lei nº 5.741/71 foi promulgada antes do

Código de Processo Civil de 1973 e já previa uma estrutura procedimental

diversa daquela consagrada no velho Diploma processual de 1939, não só

pelas peculiaridades da relação encerrada no título executivo, mas pelo

abandono da distinção entre a ação de execução de sentença e a executiva. Por

esse sistema dualista, enquanto a ação de execução era reservada para a

sentença condenatória, a executiva referia-se aos títulos extrajudiciais; na

executiva, era permitido ao devedor oferecer contestação, estabelecendo-se

cognição plena e exauriente no bojo do mesmo processo. Os embargos

estavam reservados para a ação de execução.

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218

A Lei º 5.741/71, embora ainda utilizando a expressão ação executiva

(art. 1º), mesmo antes do Código de Processo Civil de 1973, eliminou a

distinção do Código de 1939 para autorizar a defesa do devedor não por mera

contestação, mas pela oposição de embargos na ação de execução fundada em

título extrajudicial. Havia, portanto, uma extraordinária diferença entre o

procedimento especial e o previsto para título extrajudicial do Código de

Processo Civil de 1939.

Com a promulgação do Código de Processo Civil de 1973 e a definitiva

extinção da “ação executiva”, equiparando-se a execução por título

extrajudicial com a judicial, os dois procedimentos - especial aqui tratado e

comum do Código - passaram a ser semelhantes. A execução especial, no

entanto, considerando as características do título executivo - contratos

firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação que agregam forte

apelo social -, guardou algumas particularidades, como a dispensa de

avaliação para o imóvel dado em garantia - questão essa que é fonte de

acirradas polêmicas -, assegurando-se a arrematação ou adjudicação pelo

valor de, no mínimo, o saldo devedor; a não suspensão dos embargos como

regra geral, excepcionando as hipóteses de depósito do valor da importância

reclamada ou resgate da dívida, também alvo de vigorosa disputa; a

possibilidade do executado extinguir a execução com o pagamento apenas das

prestações em atraso e conseqüente convalescimento do contrato etc..

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219

Não obstante algumas questões terem tornado-se polêmicas pela

invocação de algumas regras do procedimento comum (necessidade ou não de

avaliação do bem, efeito suspensivo dos embargos etc.), a existência

concomitante da execução tratada pelo Código de Processo Civil e a prevista

na Lei nº 5.741/71 que se pretendia mais ágil para recolocar no fluxo do

sistema o capital mutuado, por serem nítidas as disposições específicas em

relação a determinados atos executivos, de um modo geral não gerou

dificuldades de coexistência.

No entanto, o esforço empreendido a partir da década de 1990 para dar

maior efetividade à prestação jurisdicional trouxe e trará significativas

inovações no processo de execução que poderão refletir no procedimento

especial. Essa influência poderá ser mais claramente verificada se aprovadas

no Congresso Nacional as medidas que tendem à profunda modificação do

rito comum, em especial as do Projeto de Lei nº 4.497/2004, do Executivo.

Muitos dos dispositivos desse Projeto serão induvidosamente

compatíveis e poderão ser aplicados à execução especial da Lei nº 5.741/71;

outros serão objeto de polêmica em decorrência do aparente conflito. E, no

estudo que aqui se propõe, não se pode deixar de fazer o necessário confronto

para que, ao final, verifique-se a extensão da influência que a “reforma do

processo de execução” terá sobre a execução tratada neste trabalho.

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220

A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657, de 4 de

setembro de 1943) no seu artigo 2º, estabelece que:

“Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que

outra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,

quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria

de que tratava a lei anterior.

§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já

existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a

lei revogadora perdido sua vigência.”

Serpa Lopes assinala que a Lei de Introdução pretérita estabelecia “que a

disposição especial não revogava a geral, nem a geral à especial senão quando

a ela ou ao seu assunto se referisse, alterando-a explícita ou implicitamente” e

conclui:

“Enquanto alguns juristas, como De Ruggiero, consideram falsos esses

brocardos, outros, mais acertadamente, emprestam-lhes um valor relativo,

pois, antes de tudo, o problema é por eles considerado como de

interpretação, tanto que, na discussão do projeto do recente Código Civil

italiano, impugnou-se a presença de tais regras num corpo de leis. Por

conseguinte, só se pode concluir pela revogação de determinadas disposições

especiais, se se tiver uma suficiente garantia de ter sido essa a vontade do

legislador”.231

231 Curso de direito civil, v. I, p. 80.

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221

Portanto, merecem ser lembrados os brocardos Generi per speciem

derogatur e Lex specialis non derogat generali considerados “falsos pelo seu

absolutismo” por Ruggiero.232 Negando também o caráter absoluto do

princípio Lex posterior generalis non derogat legi priori speciali é também

Carlos Maximiliano. As suas sábias palavras merecem ser aqui reproduzidas:

“Do exposto já se deduz que, embora verdadeiro, precisa ser

inteligentemente compreendido e aplicado como alguma cautela o preceito

clássico: “A disposição geral não revoga a especial”. Pode a regra geral ser

concebida de modo que exclua qualquer exceção; ou enumerar taxativamente

as únicas exceções que admite; ou, finalmente, criar um sistema completo e

diferente do que decorre das normas positivas anteriores: nesses casos o

poder eliminatório do preceito geral recente abrange também as disposições

especiais antigas. Mais ainda: quando as duas leis regulam o mesmo assunto

e a nova não reproduz um dispositivo particular da anterior, considera-se

este como ab-rogado tacitamente. Lex posterior generalis non derogat legi

priori speciali (“a lei geral posterior não derroga a especial anterior”) é

máxima que prevalece apenas no sentido de não poder o aparecimento da

norma ampla causar, só por si, sem mais nada, a queda da autoridade da

prescrição especial vigente. Na verdade, em princípio se não presume que a

lei geral revogue a especial; é mister que esse intuito decorra claramente do

contexto. Incumbe, entretanto, ao intérprete verificar se a norma recente

eliminou só a antiga regra geral, ou também as exceções respectivas”.233

232 Instituições de direito civil, v. I, p. 220. 233 Hermenêutica e aplicação do direito, p. 360. Para Vicente Ráo, “não só pelo fato de ser especial que a lei nova revoga a lei antiga de natureza geral; e, reciprocamente, não é apenas por ser geral que a disposição superveniente revoga a disposição particular e anterior. Para que a revogação se verifique, preciso é que a disposição nova, geral ou especial, altere explicitamente (revogação expressa) ou implicitamente (revogação tácita) a disposição antiga, referindo-se a esta, ou ao seu assunto, isto é, dispondo sobre a mesma matéria.

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222

Bem analisado o que dizem os juristas citados, tratando-se a questão da

revogação de regra de interpretação, só se pode considerar revogada a

disposição especial pela geral se houver clara vontade do legislador ou se ela

torna a norma pretérita contraditória ou incompatível com a atual ou cria “um

sistema completo e diferente do que decorre das normas positivas anteriores”.

Essa observação auxilia-nos a dizer que a lei nova, de caráter geral, não

revoga a lei anterior se frustrar os escopos daquela234. Essas premissas

também nos permitem avaliar, em cada situação, ainda que não seja tarefa

fácil, quais dispositivos do Código de Processo Civil de 1973 são aplicáveis à

anterior Lei nº 5.741/71, seja pela subsidiariedade declarada na lei, seja pela

eventual revogação tácita e, ainda, concede-nos a possibilidade de dizer qual a

influência que terá a significativa modificação que se pretende realizar no

processo de execução pelo Projeto de Lei nº 4.497/2004.

O Superior Tribunal de Justiça, quando tratou da concessão do efeito

suspensivo aos embargos do devedor pela Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de

1994, bem mostrou a intenção do legislador em manter a execução especial

hipotecária em harmonia com a do Código de Processo Civil, reservando as

suas especificidades. Ao construir essa “regra de interpretação” para o caso

Se as disposições nova e antiga (gerais e especiais) não forem incompatíveis, podendo prevalecer umas e outras, uma a par de outras, não ocorrerá revogação alguma. Quando, porém, a lei nova regular por inteiro a mesma matéria contemplada por lei ou leis anteriores, gerais ou particulares, visando substituir um sistema por outro, uma disciplina total por outra, então todas as leis anteriores sobre a mesma matéria devem considerar-se revogadas”(O direito e a vida dos direitos, p. 343). 234 Claro que, quando nos referimos à necessidade de recorrer à interpretação para a verificação se houve ou não revogação da norma, estamos referindo-nos às hipóteses de revogação tácita, e não expressa.

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223

específico aqui analisado, no julgamento do REsp nº 468440, relatado pelo

Ministro Francisco Peçanha Martins, esse propósito do legislador ficou

retratado da seguinte passagem:

“A Lei 5.741⁄71, desde sua edição, sem deixar de atender a sua

especificidade, jamais deixou de adaptar-se aos comandos gerais da Lei

Processual Civil vigente, como o demonstram a redação originária do § 2º

do seu art. 5º, adaptando a mesma aos comandos do art. 1.010 do Código de

Processo Civil antes vigente, como as modificações ao mesmo artigo 5º

determinadas pela Lei 6.014⁄73, que a adaptou ao artigo 741 da Lei

5.869⁄73.”235

Embora vários dispositivos tenham um objetivo particular, dois escopos

da legislação específica devem ser sempre considerados na sua interpretação:

o fim social com que foram criadas todas as regras que tratam do Sistema

Financeiro da Habitação e a rápida recuperação do crédito para a

reintrodução do capital investido no fluxo do sistema para novos

financiamentos, o que não deixa de também traduzir, em certa medida, esse

fim social236.

235 Como veremos adiante (cfr. infra, 6.2.3), pensamos que os embargos do devedor na execução especial hipotecária não merecem efeito suspensivo até a desocupação do imóvel. Trata-se de regra específica que permanece em vigor, mesmo depois da Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994. 236 Evaristo Aragão Ferreira dos Santos menciona quatro objetivos básicos da execução especial hipotecária que se resumem nos que mencionados. São eles: “a) solucionar, ainda que superficialmente, as críticas e a imensa discussão que se criou em torno da constitucionalidade da execução extrajudicial prevista pelo Dec.-lei 70/66; b) mesmo criando rito judicial de execução, visa manter a celeridade necessária para o retorno do capital investido junto a mutuários que se tornaram inadimplentes; c) liberar o mutuário do cumprimento do contrato; d) manter o Sistema Financeiro da Habitação, de forma a continuar viabilizando seu objetivo primordial: moradia própria à população de menor renda” (Uma abordagem crítica da execução dos créditos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, segundo o rito especial previsto pela Lei 5.741/71, in Processo de execução e assuntos afins, p. 195).

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224

Assim, além de cada situação específica exigir particular reflexão, esses

dois objetivos de toda a normatização voltada ao Sistema Financeiro da

Habitação devem também servir de norte para a interpretação, inclusive para

adaptar-se a execução especial hipotecária ao Código de Processo Civil.

5.4. Limitação da responsabilidade patrimonial

Quando se trata de responsabilidade do devedor, a regra geral é a de

que responde ele com todos os seus bens, presentes e futuros, para o

adimplemento da obrigação. É o que diz o art. 591 do Código de Processo

Civil, verbis:

“O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os

seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.

Ressalvadas as críticas feitas pela doutrina acerca dos termos futuros e

presentes237, empregados no dispositivo mencionado, tem-se como regra geral

aquela segundo a qual todos os bens do devedor respondem por suas

237 Sobre essa discussão, Cândido Rangel Dinamarco assinala que: “falar de bens posteriores à execução (futuros) e de sua inclusão na responsabilidade seria um ilogismo, porque responsabilidade é sujeitabilidade à execução e esta não pode, por isso, ser um dado passado com referência à responsabilidade; por isso, ficam excluídos da sujeitabilidade aos atos de execução forçada também alguns entre os bens posteriores (futuros) ao momento da constituição da obrigação – precisamente aqueles que forem posteriores também à execução. Por outro lado, sujeitar à execução todos os bens que tinha o devedor ao momento da constituição da obrigação (bens presentes) conduziria ao total congelamento de seu patrimônio, o que não seria tolerável, nem mesmo materialmente possível em todos os casos. Os institutos da fraude contra credores (CC, arts. 106-113) e da fraude de execução (CPC, art. 593), que aqui talvez pudessem ser invocados, não operam esse congelamento, mas somente em alguns casos excepcionais alteram a regra geral da responsabilidade, excluindo a eficácia de atos de disposição” (Execução civil, p. 255-256).

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225

obrigações e, geralmente, somente os do devedor,238 excetuadas as limitações

legais – casos de impenhorabilidade -, e os casos em que bem de terceiro se

destina à satisfação do credor.

A execução especial, regulada pela Lei nº 5.741/71, estabelece uma

modalidade particular de limitação da responsabilidade patrimonial quando

sujeita à expropriação apenas o bem imóvel hipotecado, independentemente

do seu valor ser ou não suficiente para o pagamento da dívida. Essa restrição

decorre do que vem estipulado nos arts. 6º e 7º da referida Lei quando obriga

que a arrematação seja realizada por preço não inferior ao saldo devedor ou,

na hipótese de adjudicação, exonera o executado da obrigação de pagar o

restante da dívida.

Está a responsabilidade patrimonial restringida ao bem destacado do

patrimônio do devedor para o pagamento da dívida em razão do direito real de

garantia, não respondendo ele com todos os seus bens, mesmo que o seu

patrimônio suporte o prosseguimento da execução para satisfação do saldo

remanescente.

A exoneração vai ao encontro da finalidade social do Sistema

Financeiro da Habitação. Por conseqüência, também a regra do art. 646 do

Código de Processo Civil que trata da execução por quantia certa está

restringida na hipótese da execução especial ora tratada. 238 Cândido Rangel Dinamarco, Execução civil, p. 256.

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226

Poder-se-ia cogitar se o art. 591 do Código de Processo Civil e o art.

391 do Código Civil239, por serem posteriores à Lei nº 5.741/71, não teriam

revogado o seu art. 7º ao estabelecerem a responsabilidade de todos os bens

do devedor pelo inadimplemento das obrigações. A especial Lei nº 5.741/71

criou, a rigor, uma exceção à regra da responsabilidade patrimonial tendo em

vista os escopos sociais e de celeridade processual nela estabelecidos. Se é

uma exceção instituída em lei especial que tem objetivos específicos, não

poderia ser revogada por lei geral posterior240, por isso, permanece em vigor.

5.5. A petição inicial da execução especial hipotecária

É por meio da petição inicial que a parte pede ao Estado a prestação da

tutela jurisdicional. A demanda contida na petição endereçada ao juiz

representa o ato inicial do poder de provocar o exercício da jurisdição241 e

influi na determinação do conteúdo da sentença242. Sem a petição inicial não

se viabiliza a formação da relação jurídica processual.

239 O art. 391 do Código Civil diz que “pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”. 240 Teori Albino Zavascki analisa a hipótese do art. 391 do Código Civil ter revogado as exceções estabelecidas em lei quanto à responsabilidade patrimonial. Parte da seguinte indagação: “não tendo feito menção alguma a exceções e sendo posterior ao CPC, teria ele revogado tacitamente as normas acima referidas e as de outras leis especiais, como a n. 8.009, de 1990, que limitam o caráter absoluto da responsabilidade?” Respondendo negativamente acrescenta: “o CC, na verdade, limita-se a enunciar o princípio geral da responsabilidade primária, no que, aliás, agiu apropriadamente, já que o habitat natural dessa matéria é, como antes se demonstrou, o processo, e não o direito civil. Quanto ao princípio enunciado, são harmônicos os dois Códigos. Já as exceções e limitações decorrem de leis de natureza processual que regulamentam mais detalhadamente a matéria, e que persistem porque sua relação com o Código Civil é a de norma especial em face de norma geral. Conforme se sabe, ‘a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior’” (Processo de execução, p. 192). 241 Cândido Rangel Dinamarco, Execução civil, p. 459. 242 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, atualização legislativa de Sérvio Bermudes, t. IV, p. 5.

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227

Também o processo de execução depende da iniciativa da parte para ser

instaurado e formaliza-se por uma petição inicial que deve obediência ao

requisitos genéricos do art. 282, além dos específicos dos artigos 614 e 615 do

Código de Processo Civil243. No caso da execução especial aqui tratada, os

específicos são os constantes do art. 2º da Lei nº 5.741/71 que estabelece que,

além dos requisitos previstos no art. 282 do Código de Processo Civil, a

petição inicial será apresentada em três vias, servindo a segunda e terceira de

mandado e contrafé, sendo a primeira instruída com:

“I- o título da dívida devidamente inscrita;

II – a indicação do valor das prestações e encargos cujo não pagamento deu

lugar ao vencimento do contrato;

III – o saldo devedor, discriminadas as parcelas relativas a principal, juros,

multas e outros encargos contratuais, fiscais e honorários advocatícios;

IV – cópia dos avisos regulamentares reclamando o pagamento da dívida,

expedidos segundo instruções do Banco Nacional da Habitação”.

Assim, pelas exigências constantes da legislação processual subsidiária

(art. 282 do Código de Processo Civil), deve o credor indicar o juízo onde se

processará a execução (inciso I), o nome e a qualificação das partes (II), o fato

243 Mesmo que a petição inicial que instaura a demanda executiva seja de simples elaboração, “esta petição, que representa a vontade do exeqüente e a reclamação da tutela jurídica do Estado, padece com extraordinária freqüência do desmazelo e de mal disfarçado desprezo aos caracteres técnicos, embora, se se tratasse vulgar das ações declaratória ou constitutiva, jamais seriam olvidadas as prescrições do art. 282. E isto que a petição inicial é pela única, ato básico da relação processual, que não pode faltar” (Araken de Assis, Manual do processo de execução, p. 256).

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228

e os fundamentos jurídicos do pedido (título executivo e inadimplemento,

inciso III), o pedido (inciso IV)244, o valor da causa (inciso V), e deve

requerer a citação do executado (inciso VII e art. 614). Além desses, deve a

petição inicial obedecer aos específicos constantes do art. 2º antes

mencionado. Ausentes os requisitos gerais estabelecidos no Código de

Processo Civil ou os exclusivos da execução prevista na Lei nº 5.741/71, deve

o juiz dar ao credor a oportunidade para a correção, no prazo de 10 dias, sob

pena de indeferimento (CPC, art. 616).

Com a finalidade de dar maior agilidade ao processamento da

execução, o dispositivo dispensa a expedição de mandado que será substituído

por uma das cópias da petição inicial que o credor deve apresentar.

5.5.1. O título da dívida devidamente inscrito

O título da dívida é o contrato de financiamento firmado para aquisição

de bem imóvel ou a cédula hipotecária emitida nos termos do art. 10 do

Decreto-lei nº 70/66. É, enfim, o título executivo que deve acompanhar

qualquer execução, pois, diante da rigidez do sistema processual vigente, a

244 Assinala Araken de Assis que o pedido aqui considerado de considerar as suas acepções mediata e imediata. Assinala que “de maneira mediata o exeqüente pleiteia o bem jurídico assegurado no título executivo (corpus, genus e facere). É o que, no primeiro momento, precisa pedir ao órgão judiciário, definindo-se exaustivamente.” Outrossim, acrescenta que, além de ser importante a indicação pelo credor do meio executório, para alcançar o objetivo mediato “há o credor de pedir, imediatamente, a atuação de determinado meio executório (pedido imediato). Este pedido se distancia daquele formulado no processo de conhecimento porque, na execução, toda ela inclinada à realização prática de direitos, a providência jurisdicional reclamada não se esgota na abstração intelectual da sentença. Ele se amplia na efetivação de atos coercitivos.” (Manual do processo de execução, p. 294).

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229

sua falta gera a nulidade, consoante o inc. I do art. 618 do Código de

Processo Civil. É ainda vigente o princípio nulla executio sine titulo.

Semelhante exigência está no inciso I art. 614 do Código de Processo Civil

que impõe seja a petição inicial instruída “com o título executivo, salvo se ela

se fundar em sentença” 245.

Refere-se a lei ao título da dívida devidamente inscrito. A inscrição

mencionada deve ser realizada na matrícula do imóvel adquirido com o

produto do financiamento e sobre o qual recai a hipoteca.

Araken de Assis, reconhecendo que a falta de registro é acontecimento

raro, invocava o art. 848 do Código Civil de 1916 para assinalar que, como a

inscrição outorga eficácia apenas em relação a terceiros, o negócio opera-se

desde a formação entre as partes e, portanto, a falta de registro não impede a

demanda executória.246

245 Com a aprovação do Projeto de Lei nº 4.497/2004 e de outros que se encontram em trâmite no Congresso Nacional, especialmente o de nº 3.253-B/2004, elimina-se a dicotomia processo de conhecimento e autônoma execução de sentença para que, no mesmo processo, com a integração das atividades cognitivas e executivas, possa o vencedor da demanda imediatamente exigir o cumprimento da decisão sem a necessidade de instaurar novo procedimento. Desse modo, passa a reservar o Livro II do Código de Processo Civil para as execuções por título extrajudicial e, por conseqüência, altera o inciso I do art. 614 para determinar que a petição inicial seja instruída “com o título executivo extrajudicial”. 246 Execução especial de crédito hipotecário, in O processo de execução, p. 42. Segue a mesma orientação Evaristo Aragão Ferreira dos Santos, Uma abordagem crítica da exceção dos créditos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, segundo o rito especial previsto pela Lei 5.741/71, in Processo de execução e assuntos afins, p. 198.

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230

Não há como negar que o contrato não registrado produz efeitos entre

as partes. É certo que, ausente o registro, mas sendo ainda possível ao credor

efetuar a penhora sobre o imóvel financiado e realizar o seu crédito na forma

da execução especial, tudo se resolve naturalmente. Mas também é certo que

terceiros adquirentes do imóvel antes do registro da penhora não poderão ser

atingidos pela ação movida em face ao mutuário. Por isso, a questão que se

revela importante na rara hipótese da falta de registro do contrato é sobre a

responsabilidade patrimonial do executado se o imóvel financiado já não

íntegra o seu patrimônio ao tempo do ingresso da execução.

É que, como se observou anteriormente, na execução especial regida

pela Lei nº 5.741/71, a responsabilidade patrimonial está limitada à excussão

do imóvel financiado na hipótese de falta de pagamento das prestações do

financiamento. Desse modo, se o credor está impedido de fazer valer a

pretensa garantia hipotecária que deveria recair sobre imóvel que já não

integra a esfera patrimonial do executado e que estava, especificamente,

destinado ao pagamento do mútuo, outra solução deve ser encontrada sem

afronta os objetivos da Lei.

Se o devedor alienou o imóvel, retirando do credor a possibilidade de

excutí-lo, a execução processar-se-á na forma do Código de Processo Civil, a

teor do art. 10 da Lei nº 5.741/71, fundada em causa que não a falta de

pagamento. Desse modo, o devedor responderá com todo o seu patrimônio,

não aproveitando o benefício especial que limita a responsabilidade

patrimonial ao bem objeto da garantia hipotecária.

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231

5.5.2. A indicação do valor das prestações vencidas e encargos e do saldo devedor

O inciso II do art. 614 do Código de Processo Civil, com a redação

dada pela nº 8.953/1994, com o escopo de substituir o cálculo do contador por

memória na execução fundada em título extrajudicial, passou a exigir que o

credor instrua a petição inicial também “com o demonstrativo do débito

atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por

quantia certa”.

Como assinala Araken de Assis, “não bastará o demonstrativo sumário,

consignando o valor do principal e respectivos acessórios”. É necessário

explicitar os cálculos com as taxas de juros, forma de capitalização e correção

monetária para permitir ao devedor controlar e controverter a quantia

executada.247 É obrigatório que o demonstrativo seja detalhado, específico,

247 Manual do processo de execução, p. 298. O mesmo autor, quando comentou a reforma introduzida no Código de Processo Civil pela Lei nº 8.953/1994, assinalou a necessidade de cálculos exatos, precisos e detalhados: “Na execução de obrigação pecuniária, cumpre ao credor, ao requerê-la - a execução inicia por iniciativa da parte: art. 262 - instruir a respectiva petição inicial, de resto elaborada com os requisitos legais (artigos 282, 614 e 615), com demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura (artigo 614, II). Harmoniza-se este dispositivo, cujo caráter genérico se afigura indubitável, com o artigo 604, segundo o qual, fundando-se a execução em título judicial, dependendo a definição do objeto da condenação de simples cálculos aritméticos, o credor líquida a dívida apresentando memória discriminada e atualizada de cálculo. Mercê dessas alterações, o legislador pretendeu postergar quaisquer controvérsias sobre o quantum debeatur para o âmbito dos embargos, estimados inevitáveis, quando o devedor poderá alegar excesso de execução (artigo 741, V, c/c o artigo 743, I). Eliminou-se, na execução fundada em título judicial, a demorada liquidação por cálculo e seu complexo regime recursal (definido pela seguinte regra: cálculo = sentença = apelação/conta = decisão = agravo), que consumia, às vezes, mais de ano. Exatamente porque, a partir de agora, a defesa do executado se concentrará nos embargos, imperioso se mostra que a memória de cálculo, como exige o artigo 604, seja discriminada e analítica. Não bastará o credor indicar, sucintamente, os valores do principal, dos juros e da correção. É necessário, ainda, especificar a taxa de juros, sua eventual capitalização, a base de cálculo da correção e seu índice. Sem tais elementos, seu exame e ponderação à luz de critérios de legalidade, a defesa do devedor restará prejudicada. (A reforma do processo executivo, in Revista dos Advogados de São Paulo, Reforma processual civil, 46:53/54). Sérgio Bermudes, logo depois da promulgação da Lei 8.953/1994, interpretando a nova exigência contida no inciso II do art. 614 do Código de Processo Civil assim se posicionou: “o inciso II, introduzido no artigo, exige, na execução por quantia certa, que o credor instrua a petição inicial com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, obviamente quando se tratar de execução por quantia certa. Não basta ao credor afirmar qual o crédito atualizado, Cumpre-se-lhe juntar à inicial uma memória de cálculo, explicitando a operação que o levou a alcançar o valor final, atualizado na forma da lei, da sentença, ou do negócio jurídico de que resulta. (...)

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232

não deixando dúvidas para o juiz ou para o devedor quanto ao montante

cobrado.

A Lei nº 5.741/71 também exige que o credor faça acompanhar a

petição inicial, como se vê dos incisos II e III do art. 2º, com dois

demonstrativos contendo:

“II – a indicação do valor das prestações e encargos cujo não pagamento

deu lugar ao vencimento do contrato;

III – o saldo devedor, discriminadas as parcelas relativas a principal, juros,

multa e outros encargos contratuais, fiscais e honorários advocatícios”.

A indicação do valor das prestações e encargos cujo não pagamento deu

lugar ao vencimento do contrato decorre: a) da necessidade de dar-se ao

devedor e ao juiz condições para verificar a legitimidade do que está sendo

cobrado, daí a obrigatoriedade da especificação detalhada do valor das

prestações e encargos; b) da importância de precisar-se o valor para que o

mutuário possa purgar a mora e, na forma do art. 3º, viabilizar o

convalescimento do contrato.

Exige-se o demonstrativo de que trata o inciso II, não apenas na execução de título extrajudicial, como também na de título judicial. A lei não distinguiu entre aquela e esta. Assim, se a soma foi estipulada na sentença, ou em liquidação, deverá, também nesse caso, sofrer a atualização exigida, sempre com elementos suficientes para a compreensão do cálculo pelo juiz e pelo executado, para que este exerça o direito de ampla defesa, constitucionalmente garantido”(A reforma do Código de Processo Civil, p. 90/91).

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233

A exigência da apresentação de demonstrativo do saldo devedor

também deriva de uma série de necessidades especificadas na lei: a) serve

para a verificação do montante cobrado, daí a sua precisa discriminação; b)

indica o montante para que o devedor possa efetuar o pagamento do saldo

devedor e não apenas das prestações em atraso, se esse for o seu desejo; c)

serve de parâmetro para a arrematação.

Os demonstrativos a serem apresentados pelo credor hão de ser claros e

precisos, indicando não apenas os valores exigidos a título de principal e

encargos, mas também devem informar as taxas de juros cobradas e a sua

forma de cálculo, os índices dos reajustes aplicados, o sistema de cálculo

utilizado, as amortizações realizadas, os pagamentos de juros etc. Enfim,

devem refletir todas as características da operação, sem o que serão

imprestáveis aos fins a que se destinam.

5.5.3. Os avisos regulamentares e a prova do inadimplemento

Diz o art. 580 do Código de Processo Civil que, “verificado o

inadimplemento do devedor, cabe ao credor promover a execução”.

Abstraindo aqui as questões relacionadas ao fato de o inadimplemento ser o

mérito da execução ou representar pressuposto ou condição da ação, tem-se

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234

indiscutível a sua necessidade para que o credor possa desencadear

validamente os atos de execução.

Nos termos do art. 397 do Código Civil, “o inadimplemento da

obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora

o devedor” (dies interpellat pro homine), estabelecendo o parágrafo único a

obrigatoriedade de interpelação judicial ou extrajudicial se não houver termo

para o cumprimento.

Há casos, no entanto, em que a mora deixa de ser automática e passa a

depender de prévia interpelação, como nas obrigações em que não há termo

para o cumprimento ou aquelas especificadas em lei. É o caso dos contratos

firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação para compra da casa

própria que exige a interpelação do mutuário.248 Sem os avisos

regulamentares não há prova do inadimplemento e, conseqüentemente, o

credor está impedido de ingressar com a execução.

Outrossim, quando tratamos da execução extrajudicial prevista no

Decreto-lei nº 70/66, sustentamos que, por decorrência do inciso IV do art. 31

o credor deve exibir, ao requerer a instauração do procedimento, os avisos

reclamando o pagamento da dívida. Também na execução judicial aqui

tratada, o inciso IV do art. 2º da Lei nº 5.741/71 exige que o credor junte, com

248 Nesse sentido, Araken de Assis, Manual do processo de execução, p. 156.

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235

a petição inicial, “cópia dos avisos regulamentares reclamando o pagamento

da dívida, expedidos segundo instruções do Banco Nacional da Habitação”.

Não obstante a clareza do dispositivo, a discussão que se travou nos tribunais

foi para decidir se eram necessários pelo menos dois avisos ou se bastava um

deles diante do comando legal e da previsão regulamentar.

Lembra Evaristo Aragão Ferreira dos Santos que a polêmica instaurou-

se especialmente porque, em sede regulamentar, o Conselho de

Administração do Banco Nacional da Habitação estabeleceu, no item 4.4 da

Resolução nº 11, de 15 de março de 1972, que objetivava regular a expedição

dos avisos, que, quando o atraso fosse superior a seis meses ou mais, bastava

a expedição de um aviso. A partir daí, surgiram as mais variadas

interpretações, inclusive aquela que entendia que, em qualquer hipótese, um

só aviso era suficiente para cumprir a determinação legal.249 Essa estipulação

constante da norma regulamentar, como se veio a concluir posteriormente,

contrariava a lei e, por isso, não poderia subsistir250.

Com efeito, o vocábulo (avisos) não deixa dúvida sobre serem

necessários ao menos dois, o que veio a se pacificar nos tribunais. No

249 Uma abordagem crítica da exceção dos créditos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, segundo o rito especial previsto pela Lei 5.741/71, in Processo de execução e assuntos afins, p. 202-203. 250 Em sede doutrinária, há defesa do entendimento por apenas um aviso, como se vê da manifestação de Arnaldo Rizzardo: “embora o inc. IV do art. 2º da Lei 5.741/71 fale em avisos, parece que não seria de declarar-se nula a execução se proposta após a expedição de um único aviso, desde que perfeitamente encaminhado, com a prova da chegada ao destinatário” (Contratos de crédito bancários, p. 179-180).

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236

Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, o entendimento ficou

consolidado na Súmula nº 18:

"O pressuposto para admissibilidade da execução hipotecária fundada no Sistema Financeiro da Habitação é o de serem necessários dois avisos regulamentares, conforme o disposto no artigo 2º, IV da Lei 5.741/71".

Também no Superior Tribunal de Justiça, a orientação ficou consignada

na Súmula nº 199:

“Na execução hipotecária de crédito vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, nos termos da Lei nº 5.741/71, a petição inicial deve ser instruída com, pelo menos, dois avisos de cobrança”.251

Pode parecer exagero a obrigatoriedade de dois avisos, considerando

que, ao devedor, é lícito purgar a mora até a assinatura do auto de

arrematação, permitindo o convalescimento do contrato. No entanto, como se

depreende do art. 8º da Lei nº 5.741/71, a purgação da mora exige que o

devedor pague, além da dívida reclamada, custas e honorários advocatícios.

Ora, se ao devedor em dificuldades já é difícil efetuar o pagamento das

prestações em atraso, mais custoso exigir o pagamento de outros encargos.

251 Precedentes: REsp 23387-SP, julgado em 09.5.1995; REsp 36727-ES, julgado em 29.5.1994; REsp 38836-ES, julgado em 31.8.1994; REsp 39764-ES, julgado em 07.12.1994; REsp 46016-ES, julgado em 16.11.1994; REsp 95201-ES, julgado em 10.9.1996.

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237

É relevante mostrar que a expedição de dois avisos mira a um objetivo

social: permitir ao agente financeiro que convoque o devedor a prestar

esclarecimentos acerca dos motivos do inadimplemento e que busque

alternativas para a correspondente solução. Isso porque a legislação de nítido

escopo social permite ao financiador a repactuação da dívida em algumas

circunstâncias especiais, como é o caso de perda do emprego pelo mutuário.

Esse intuito está bem delineado no item 4, da Resolução do Conselho

de Administração de nº 11, de 15 de março de 1972, do extinto Banco

Nacional da Habitação:

“4. As entidades designadas como Agente Fiduciário para agir em nome do

Banco Nacional da Habitação, somente deverão tomar as medidas indicadas

nos artigos 31 e seguintes do Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966,

depois de o credor, ou seu agente cobrador, ter exibido cópia dos avisos de

reclamação de pagamento expedidos na forma aqui estabelecida.

4.1. Antes de promover a execução da dívida, o credor ou seu agente

cobrados, deverá comprovar haver expedido ao devedor pelos menos, os

seguintes avisos:

a) após 15 (quinze) dias do vencimento da primeira prestação não paga,

convocando o devedor para esclarecimentos e alertando-o da conveniência

de regularizar o débito;

b) se a dívida continuar sem pagamento após 30 (trinta) dias da expedição do

aviso referido na alínea “a”, outro aviso exigindo o pagamento e fixando o

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238

prazo de, no mínimo, 20 (vinte) dias para liquidação do débito sob pena de

execução da dívida.”

Porém, se de um lado há concordância sobre a necessidade da

expedição de pelo menos dois avisos, é divergente o entendimento quanto à

exigência da entrega ser pessoal ao devedor. Araken de Assis é no sentido da

obrigatoriedade dos avisos serem entregues pessoalmente ao mutuário em

decorrência da relevância social do negócio jurídico e, por analogia, pelo fato

do Decreto-lei nº 70/66 exigir a notificação pelo cartório de registro

especial.252 Não obstante, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

consolidou-se em sentido contrário, adotando o entendimento de que basta

encaminhá-los ao endereço do imóvel hipotecado253. Parece-nos que a solução

jurisprudencial é a mais adequada. A esse respeito, a Resolução nº 11 antes

mencionada, do Conselho de Administração do BNH fez constar, no mesmo

item 4 antes mencionado que:

252 Diz Araken de Assis, com toda a sua precisão, que: “esta modalidade complexa de interpelação há de ser rigorosamente observada. Em virtude da relevância social do negócio jurídico, a mora se tornou ex-persona. Todos os figurantes do contrato devem ser intimados. E, a despeito da falta de rigidez da forma, pois se admite da interpelação judicial à carta protocolada, os avisos devem ser entregues pessoalmente ao mutuário. Não basta, sinaladamente, remetê-los ao endereço do imóvel. Caso contrário, a lei não contemplaria a notificação pelo cartório do registro especial, no prazo suplementar concedido na execução extrajudicial (art. 31, § 1C, do Decreto-Lei nº 70/66), e mandaria realizá-la por edital “quando o devedor se encontrar em lugar incerto e não sabido” (art. 31, § 2º).” (Execução especial de crédito hipotecário, in O processo de execução, p. 43). 253 Dispensando a entrega pessoal dos avisos, contando-se com a remessa para o endereço do imóvel hipotecado: REsp 538323-RS, Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJU 28.6.2004; AgRg no AG 519367-DF, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 17.5.2004; REsp 457764-SP, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 25.8.2003; REsp 308678-SC, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU 04.2.2002.

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239

“4.2. Os avisos referidos no subitem anterior poderão ser feitos, a critério do

credor ou do seu agente cobrador, por carta entregue contra recibo, carta

sob registro postal, telegrama ou por meio de publicação em jornal que

circule na comarca da situação do imóvel, sendo permitido publicar avisos

coletivos, envolvendo mais de um devedor.

4.3. Os avisos por via postal ou telegráfica poderão ser dirigidos ao endereço

do imóvel financiado e serão comprovados pela exibição do recibo assinado

por morador do imóvel, ou pela exibição do recibo de registro postal ou de

expedição de telegrama. Os avisos pela imprensa serão comprovados pela

exibição de exemplar do jornal que os houver publicado”.

Não se pode impor ao agente financeiro que diligencie em várias

localidades ou endereços para a notificação pessoal do devedor. Se o escopo

do contrato foi possibilitar a aquisição da casa própria, presume-se que o

mutuário esteja residindo no imóvel e que lá será encontrado. Desse modo, a

expedição dos avisos para o endereço do imóvel hipotecado cumpre a

exigência legal. A remessa para endereço diverso pode, eventualmente, ser

obrigatório se o mutuário informar ao agente financeiro onde poderá ser,

temporária ou definitivamente, encontrado para a comunicação.

A remessa dos avisos para o endereço do imóvel evita demora na

recuperação do crédito pelo agente financeiro, presumindo-se esteja o devedor

residindo no imóvel que financiou. Essa presunção de conhecimento da

comunicação ou intimação passará a também a ser adotada pelo Código de

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240

Processo Civil se aprovado o Projeto de Lei nº 4.497/2004 que incluirá um

parágrafo único no art. 238 estabelecendo que:

“Presume-se válidas as comunicações e intimações dirigidas ao endereço

residencial ou profissional declinado na inicial, contestação ou embargos,

cumprindo às partes atualizar o respectivo endereço sempre que houver

modificação temporária ou definitiva”.

A presunção em um e outro casos assemelha-se, não podendo nem o

mutuário, nem a parte, alegar nulidade se mudou de endereço e não informou

ao agente financeiro ou no processo.

5.5.4. O valor da causa

O valor da causa nas ações de execução corresponde ao valor do

principal, correção monetária, juros e multa, quando houver. Aplica-se a regra

do inciso I do art. 259 do Código de Processo Civil.

Na execução de acordo com o procedimento ditado pela Lei nº

5.741/71, no entanto, impõe-se certos cuidados na fixação do valor porque o

seu objetivo não é, a rigor, a cobrança do saldo devedor do contrato de

financiamento. Como assinala Araken de Assis, não convindo na execução

hipotecária a fixação pelo montante do saldo do contrato por desatender aos

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241

seus fins sociais e, não tendo o art. 259 do Código de Processo Civil esgotado

“todas as hipóteses de atribuição legal do valor da causa, este, na execução

especial, se cinge ao valor das prestações e encargos, que é a base de cálculo

dos honorários”.254 Esse é também o entendimento consagrado no Primeiro

Tribunal de Alçada Civil de São Paulo na Súmula nº 12:

“O valor da causa na execução hipotecária regida pela Lei nº 5.741/71

correspondente ao montante das prestações em atraso e respectivos

acréscimos”.

De fato, justifica-se o estabelecimento do valor da causa pelo montante

das prestações não pagas e respectivos acréscimos porque, na execução

especial, o mutuário é citado para pagar o valor em atraso, o que possibilita a

emenda da mora e o convalescimento do contrato. A citação não é para o

pagamento do saldo devedor do contrato, embora a tanto não esteja o devedor

impedido. Reforça esse argumento o que está estabelecido no art. 4º, da Lei nº

5.741/71, de acordo com o qual a penhora será efetuada somente se “o

executado não pagar a dívida indicada no inciso II do art. 2º, acrescida das

custas e honorários de advogado ou não depositar o saldo devedor...”. A

dívida a que se refere o inciso II do art. 2º é o montante correspondente ao

“valor das prestações cujo não pagamento deu lugar ao vencimento do

contrato”.

254 Execução especial de crédito hipotecário, in O processo de execução, p. 47.

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242

A relevância do valor da causa ser fixado de acordo com o montante

das prestações em atraso também está ligada aos honorários de advogado e

custas a cargo do mutuário se vier a efetuar o pagamento, pois, segundo

depreende-se inegavelmente do art. 4º, nesse caso, essas verbas devem incidir

sobre o valor que está sendo pago.

5.6. Necessidade do vencimento de três prestações para o ajuizamento da execução

É por imposição do art. 21 da Lei nº 8.004, de 14 de março de 1990,

que a execução somente poderá ser iniciada depois do vencimento de três

parcelas sem pagamento:

“Somente serão objeto de execução na conformidade dos procedimentos do

Dec.lei n. 70, de 21 de novembro de 1966, ou da Lei n. 5.741, de 1º de

dezembro de 1971, os financiamentos em que se verificar atraso de

pagamento de três ou mais prestações”.

Essa disposição, que se liga à finalidade social do negócio, é

peculiaridade das execuções extrajudicial e judicial que menciona e diz

respeito com o requisito da exigibilidade. Com efeito, embora exista a

obrigação do mutuário em pagar a prestação no vencimento, ela só se torna

exigível com o atraso de outras duas ou mais.

Já o antes mencionado item 4 da Resolução nº 11 do Conselho de

Administração do BNH, ao regulamentar a forma de expedição dos avisos,

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243

estabeleceu que o primeiro será expedido “após quinze dias do vencimento da

primeira prestação não paga”, cujo objetivo é convocar o mutuário “para

prestar esclarecimentos” sobre a causa da falta de pagamento. Somente depois

de trinta dias é que se enviará outro aviso, dando o prazo mínimo de vinte dias

para a liquidação do débito, aí sim “sob pena de execução da dívida”.

Só a soma dos prazos especificados na referida Resolução mostram que

o agente financeiro não poderá ingressar com a execução antes de sessenta e

cinco dias. Somados os dias necessários à remessa dos avisos, decorrerão

mais ou menos os três meses ou vencerão três ou mais prestações.

Nota-se ter sido coerente a exigência legal por dois avisos nos prazos

referidos com o vencimento de ao menos três prestações do financiamento,

sempre em busca da alternativa da emenda da mora pelo devedor em função

das peculiaridades do negócio.

5.7. A citação do devedor e do seu cônjuge

Determina o art. 3º da Lei nº 5.741/71 que o devedor será citado para

pagar o crédito reclamado ou depositá-lo em juízo, no prazo de 24 (vinte e

quatro) horas, sob pena de penhora do imóvel hipotecado. A citação para

pagar e não para se defender é também a regra do art. 652 do Código de

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244

Processo Civil. Como lá, na execução especial, o prazo conta-se minuto a

minuto, desde o ato de citação, e não da juntada aos autos do respectivo

mandado.

Os modos de citação constam do art. 221 do Código de Processo Civil:

a) pelo correio; b) por oficial de justiça; c) por edital. Mas o artigo seguinte

excetua a citação pelo correio no processo de execução (art. 222, letra “d”),

restando a citação por oficial de justiça (art. 224) ou por edital.

A citação é para o executado pagar o montante das prestações em atraso

mais os encargos correspondentes, custas e honorários advocatícios ou, se

quiser, o saldo devedor do contrato. O adimplemento das prestações vencidas

permite o convalescimento do contrato e, conseqüentemente a extinção da

execução.

A pessoalidade da citação na execução hipotecária consta declarada no

§ 1º do art. 2º. Porém, ali, também se observa que o executado pode ser citado

na pessoa do representante legal, em decorrência de relação de mandato,

devendo constar no instrumento poderes especiais, sob pena de nulidade

(CPC, art. 38, CC, § 1º do art. 661).

A lei obrigou que também o cônjuge do executado seja citado em vista

do conteúdo social e em preservação da entidade familiar. Agindo assim,

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245

possibilitou que a execução chegue ao conhecimento do cônjuge para que, se

quiser, possa defender o patrimônio da família. Aqui o legislador não se

preocupou apenas com o mutuário, mas também com o interesse da família, já

que o financiamento no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação é, em

regra, para a compra da casa própria. Por isso que optou por determinar a

formação de litisconsórcio passivo necessário, impondo a citação do cônjuge

não declarado na petição inicial e mesmo não participante do negócio

jurídico.

A formação de litisconsórcio no processo de execução é, normalmente,

facultativo, sendo raríssimas as hipóteses de litisconsórcio necessário255,

dependendo da iniciativa das partes, e a sua falta não obstaculiza a

execução.256 Na especial hipotecária regulada pela Lei nº 5.741/71, o cônjuge

não é simplesmente intimado da penhora. Manda a lei que seja ele citado da

execução, obrigatoriamente, formando-se aí litisconsórcio passivo necessário

que importa, na ausência do ato, em nulidade do processo.

A invocação do disposto no art. 10 do Código de Processo Civil para

confronto mostra-se interessante. Lá está estabelecido, no caput, que “o

cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor ações que

255 Cândido Rangel Dinamarco, Execução civil, p. 447; Teori Albino Zavascki cita como hipótese de litisconsórcio necessário no processo de execução o estabelecido na execução de obrigação alternativa (CPC, art. 571), “quando a escolha da prestação couber a mais de um devedor, hipótese em que haverá necessidade da citação de todos para exercer o direito de escolher’ (Processo de execução, p. 156). 256 Araken de Assis, Manual do processo de execução, p. 213.

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246

versem sobre direitos reais imobiliários”. Trata-se de hipótese de integração

da capacidade processual do cônjuge, que se dá pelo seu consentimento para a

propositura da ação pelo outro, ou seja, não há formação de litisconsórcio

ativo necessário, pois não se impõe que os cônjuges ingressem com a ação

como autores, sendo suficiente o assentimento. Parte ativa no processo será o

cônjuge que ingressou com a ação e só ele.

O parágrafo único, no entanto, prevê hipótese de litisconsórcio passivo

necessário, pois estabelece a citação de ambos os cônjuges nas hipóteses que

enumera.257 É também o caso da execução especial hipotecária, na qual a

citação do cônjuge é necessária, formando litisconsórcio com essa

característica.

Outrossim, há que se ressaltar fundamental diferença entre o

comportamento do executado na execução comum do Código de Processo

Civil e na hipotecária. Naquela, o devedor será citado para, “no prazo de 24

(vinte e quatro) horas, pagar ou nomear bens à penhora”, enquanto que o art.

3º da Lei nº 5.741 estabelece que será ele citado para pagar, “sob pena de lhe

ser penhorado o imóvel hipotecado”. À vista da limitação da responsabilidade

patrimonial que impõe a excussão exclusiva do imóvel hipotecado, não é

257 Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, v. I, p. 78. No mesmo sentido, Pontes de Miranda, asseverando que “a litisconsorciação passiva, necessária, é o assunto do art. 10, parágrafo único, razão por que incide o art. 47, com o parágrafo único, com a extinção do processo sem julgamento do mérito” (Comentários ao Código de Processo Civil, atualização legislativa de Sérgio Bermudes, t. I, p. 278).

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247

deferida ao mutuário a oportunidade para nomear bens à penhora, pois ela

recairá, obrigatoriamente, sobre aquele que foi destinado ao pagamento da

dívida.

A falta da oportunidade de nomeação de bens à penhora também

decorre da interpretação que se deve dar do confronto do art. 4º da Lei nº

5.741/71 com o art. 659 do Código de Processo Civil. Com efeito, do art. 4º

citado, depreende-se que, não efetuado o pagamento da dívida indicada no

inciso II do art. 2º - prestações em atraso - , mais custas e honorários de

advogado ou não depositado o saldo devedor, será efetuada a penhora do

imóvel hipotecado. Esse ato executivo é, portanto, realizado imediatamente se

não houver o pagamento das prestações inadimplidas ou depósito do saldo

devedor. Já pelo art. 659 do Código de Processo Civil, a penhora só será

realizada se o devedor não pagar nem nomear bens.

Não estando o executado e seu cônjuge no foro da situação do imóvel, a

citação será feita por edital, com prazo de 10 (dez) dias, publicado uma vez no

órgão oficial do Estado e, pelo menos duas vezes em jornal de ampla

circulação (§ 2º, do art. 3º da Lei nº 5.741/71).

Relevante dizer que o § 2º do art. 3º mencionado possibilita a citação

por edital apenas pelo fato do executado e seu cônjuge estarem fora da

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comarca da situação do imóvel, mesmo que seu endereço seja conhecido.

Essa disposição apóia-se no célere desenvolvimento da execução especial

hipotecária e pelo “fato de se estar financiando um imóvel destinado à

habitação do mutuário e sua família. É por isso que não se admite que o

beneficiário do financiamento não seja encontrado no imóvel que adquiriu,

sobretudo fora de sua comarca”.258

No entanto, convém observar que o Superior Tribunal de Justiça

decidiu que “o princípio da ampla defesa assegura que, em ação de execução

hipotecária proposta contra devedor que não mais reside no imóvel objeto do

contrato, a citação por edital somente tenha cabimento quando frustradas

todas as tentativas com o objetivo de citá-lo pessoalmente.”259

Não se pode esquecer que uma das importantes modificações que o

Projeto de Lei nº 4.497/2004 pretende introduzir no processo de execução

refere-se ao comportamento do executado logo depois da citação. A regra

atual do art. 652 do Código de Processo Civil estabelece a citação do devedor

para que, no prazo de vinte e quatro horas, pague o valor da dívida ou nomeie

bens à penhora. A nova redação eliminará a nomeação de bens, sendo “o

devedor citado para, no prazo de três dias, efetuar o pagamento da dívida”. Ao

258 Evaristo Aragão, Ferreira dos Santos, Uma abordagem crítica da execução dos créditos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, segundo o rito especial previsto pela Lei 5.741/71, in Processo de execução e assuntos afins, p. 202-203. 259 REsp 208338-GO, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 27.08.2001.

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invés da nomeação de bens, o devedor poderá, no prazo de 10 dias depois da

intimação da penhora, “requerer a substituição do bem penhorado, desde que

comprove cabalmente que a substituição não trará prejuízo algum ao

exeqüente e será menos onerosa para ele devedor” (art. 668).

Não efetuado o pagamento no prazo estabelecido, o oficial de justiça

fará imediatamente a penhora de bens e sua avaliação, intimando incontinenti

o executado (§ 1º do art. 652).

Vislumbra-se, aqui, notório encurtamento do trâmite processual

porque, desde a juntada aos autos do mandato de citação, passa a correr o

prazo de quinze dias para os embargos (art. 738) que, como regra, não terão

efeito suspensivo (art. 739-A), excetuando-se a relevância dos fundamentos e

manifesta possibilidade da execução “causar ao executado grave dano de

difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por

penhora, depósito ou caução suficientes” (§ 1º do art. 739-A).

A execução especial hipotecária deverá adaptar-se ao que dispõe o

Projeto de Lei nº 4.497/2004, no que se refere à citação do executado, prazo

para pagamento, penhora, avaliação, prazo e forma de oposição à execução,

ressalvadas as suas exceções e particularidades: fim social e celeridade. Como

bem ressaltou o Superior Tribunal de Justiça em várias de suas decisões,

especialmente no julgamento do REsp nº 468440, relatado pelo Ministro

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Francisco Peçanha Martins que antes mencionamos (cfr. supra, 4.1), sempre

foi intenção do legislador adaptar o procedimento especial ao Código de

Processo Civil, ressalvadas as suas especificidades.

Por isso, deve-se considerar o prazo de vinte e quatro horas

estabelecido no art. 3º da Lei nº 5.741/71 para três dias, bem como alterar-se a

forma de oposição quanto à oportunidade e conseqüências, mantendo-se as

especificidades, como a dispensa de avaliação no curso do processo - sendo

cabível por oficial de justiça -, a arrematação no mínimo pelo saldo devedor e

a limitação da responsabilidade patrimonial ao bem hipotecado.

Essas modificações ressalvam as situações particulares da lei e vão ao

encontro da vontade do legislador pela harmonia de todo o sistema.

5.8. A penhora e a respectiva intimação

Decorrido o prazo de vinte e quatro horas estabelecido no art. 3º da Lei

nº 5.741/71 sem que o executado tenha efetuado o pagamento ou depositado o

crédito reclamado, será realizada a penhora sobre o imóvel hipotecado. Como

já dissemos, não há oportunidade para o devedor fazer a nomeação, nem o

credor pode pretender a penhora sobre outros bens, mesmo que já saiba de

antemão que o imóvel não será suficiente para o pagamento do crédito

reclamado.

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251

Efetuada a penhora, embora a Lei nº 5.741/71 seja omissa a respeito, o

executado deverá ser dela intimado, como também o seu cônjuge, mesmo que

não figure no contrato ou na execução. A intimação do cônjuge é imperiosa

desde que no § 1º do art. 3º a lei manda que seja ele também citado, passando

a ser parte na execução. Mesmo que assim não fosse, pelo disposto no art. 669

caput e parágrafo único do Código de Processo Civil, deverá ser intimado,

pois se trata de constrição sobre bem imóvel. Como aponta a lei, ao criar

litisconsórcio entre os cônjuges, ignora-se o caráter pessoal da obrigação

constante do título, simplesmente impondo-se a participação obrigatória do

cônjuge quando a penhora recair sobre bem imóvel.260

Por decorrência do disposto no § 5º do art. 659 do Código de Processo

Civil, com a redação dada pela Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002, quando a

penhora recair sobre bem imóvel e for realizada por termo nos autos, a

intimação do executado e do cônjuge também pode ser realizada na pessoa de

advogado, obviamente quando constituído. A regra, por não conflitar com os

objetivos da Lei nº 5.741/71, ao contrário, por agilizar o processamento,

aplica-se inteiramente à execução especial hipotecária ali prevista.

260 Manual do processo de execução, p. 557.

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252

5.9. O registro da penhora

Dizia o § 4º do art. 659 do Código de Processo Civil, com a redação

dada pela Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994, que: “a penhora de bens

imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora e inscrição no

respectivo registro”. O teor do dispositivo fez surgir a dúvida se a penhora só

estaria efetivamente realizada com o registro e, por isso, o prazo dos

embargos somente passaria a correr a partir da sua realização ou se era apenas

para dar conhecimento da constrição a terceiros, o que não traria nenhuma

conseqüência para o curso do prazo. Como bem justificou Cândido Rangel

Dinamarco, a clara finalidade da regra foi criar presunção de conhecimento

por terceiros e, por isso, sem o registro, a penhora existia e valia, só não era

eficaz em relação a terceiros.261

A nova redação do mesmo § 4º dada pela Lei nº 10.444, de 7 de maio

de 2002, corrigindo a deficiência da anterior, ressalvou que o registro será

realizado “sem prejuízo da imediata intimação do executado”, o que eliminou

a discussão sobre a fluência ou não do prazo de embargos262. Porém, como

261 O mesmo mestre trouxe outras observações importantes sobre esse tema: “dada sua clara finalidade em relação a terceiros, essa exigência não pode ser interpretada como formalidade essencial à existência do ato jurídico penhora. Sem seu cumprimento, a penhora existe e será válida sempre que atenda às demais exigências formuladas em lei. Só poderá não ser eficaz em relação a terceiros. Aí está a grande importância da inovação trazida nesse novo parágrafo: sem ter sido feito o registro, aquele que adquirir o bem presume-se não ter conhecimento da pendência de processo capaz de conduzir o devedor à insolvência. A publicidade dos atos processuais passa a ser insuficiente como regra presuntiva de conhecimento. A conseqüência prática dessa nova disposição será a inexistência de fraude de execução capaz de permitir a responsabilidade patrimonial do bem alienado, sempre que a penhora não esteja registrada no cartório imobiliário (CPC, art. 593, esp. inc. II). Se o adquirente opuser embargos de terceiro e não se caracterizar o conhecimento da penhora por outro meio, seus embargos procederão” (A reforma da reforma, p. 269). 262 Na Exposição de Motivos da Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002, ficou declarado o intuito de se corrigir a redação e afastar a dúvida suscitada pela anterior: “o atual art. 659, § 4º, resultante da Lei nº 8.953, de 13-12-94, de alto alcance na prevenção das fraudes e no resguardo dos direitos de terceiros de boa-fé que venham a adquirir imóvel já penhorado, suscita no entanto relevante dúvida: se o registro da penhora é

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ressalva Cândido Rangel Dinamarco, “o que há de mais importante nesse

dispositivo é a cláusula para presunção absoluta de conhecimento por

terceiros”.263 De fato, a finalidade precípua do registro indicado no

dispositivo é criar presunção absoluta de conhecimento por terceiros da

penhora realizada – ressalve-se que o registro da penhora também é relevante

para o concurso de credores, na medida em que desloca a preferência do

credor zeloso e diligente.264

Embora o registro não seja obrigatório é ele útil ao credor porque, uma

vez realizado e carreando presunção de conhecimento por terceiros, torna

ineficaz a alienação pelo executado do imóvel penhorado. Sem o registro e

afastada a presunção, o exeqüente tem que provar que o terceiro conhecia a

constrição para a ineficácia da venda por fraude de execução.265

O Projeto de Lei nº 4.497/2004, ao pretender dar nova redação ao § 4º

do art. 659 do Código de Processo Civil, suprimiu a expressão “para ‘integrativo’ do próprio ato complexo, o prazo para embargos somente terá início após tal registro; se, todavia, é requisito de eficácia, para oponibilidade perante terceiros, a intimação da penhora deverá fazer-se logo após lavrado o auto respectivo. Na trilha da doutrina e da jurisprudência majoritárias, o projeto dilucida tal controvérsia, adotando a segunda orientação: a exigência do registro não impede a imediata intimação do executado, constituindo-se o registro em condição de eficácia plena da penhora perante os terceiros, cabendo ao exeqüente as devidas providências junto ao ofício imobiliário”. 263 A reforma da reforma, p. 269. 264 Nesse sentido, Araken de Assis, Concurso especial de credores no CPC, p. 212. O Projeto de Lei nº 4.497/2002, ao incluir o art. 615-A trará importantes modificações com relação à fraude de execução, desde que possibilitará ao exeqüente, já no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento, identificando as partes e o valor da causa, averbando-a junto aos registros de imóveis e de veículos ou de outros bens sujeitos à penhora ou arresto, devendo comunicar as averbações ao juízo no prazo de dez dias das suas efetivações. Somente depois de realizada a penhora, é que as averbações sobre os que não foram penhoradas serão canceladas. A alienação ou oneração de bens depois da averbação será ineficaz, pois em fraude de execução como está no § 3º do art. 615-A do referido Projeto de Lei. Nota-se que esse dispositivo não estabelece nenhuma limitação quanto ao valor ou quantidade de bens que poderão merecer averbações em seus registros. Por isso, deverá o juiz ser rigoroso na aplicação do § 4º se o credor agir de forma inescrupulosa. 265 Cândido Rangel Dinamarco, A reforma da reforma, p. 270; Rodrigo Matheus¸ As alterações do art. 659 do Código de Processo Civil, in A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, p. 398.

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presunção absoluta de conhecimento por terceiros”. Mesmo assim, a

finalidade do dispositivo continuará a ser a publicidade para induzir efeitos

erga omnes à penhora realizada. Com o § 6º ao mesmo artigo pretende-se

acrescentar, com escopo de agilizar o ato, que as averbações de penhoras de

bens imóveis sejam realizadas por meios eletrônicos.

Para a execução hipotecária, desde que possa o credor perseguir o bem

em poder de quem quer que se encontre (seqüela) com a inscrição da hipoteca

constituída, diminui a importância do registro. A própria Lei nº 5.741/71 não

o exige.

Há, porém, uma circunstância na execução hipotecária especial que

pode revelar-se importante em relação ao conhecimento por terceiros da

constrição havida.

Como temos insistido, há um mercado paralelo de imóveis financiados

junto ao Sistema Financeiro da Habitação, no qual os imóveis são negociados

por meio de instrumentos particulares. Por outro lado, o § 1º do art. 4º da Lei

nº 5.741/71 estabelece que o juiz determinará a desocupação do imóvel, em

dez dias, se ele estiver ocupado por terceiros. A nosso ver, desde que

registrada a penhora, o terceiro ocupante do imóvel não poderá defender sua

posse, se quando realizou a transação e recebeu o imóvel já se encontrava em

trâmite a execução e registrada a penhora.

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255

5.10. A desocupação do imóvel hipotecado

Se o executado, citado, não efetua o pagamento das prestações em

atraso ou do saldo devedor, será penhorado o imóvel hipotecado e nomeado

depositário o credor, determinando os § 1º e 2º do art. 4º da Lei nº 5.741/71

que:

“§ 1º “Se o executado não estiver na posse direta do imóvel, o juiz ordenará

a expedição de mandado de desocupação contra a pessoa que o estiver

ocupando, para entregá-lo ao exeqüente no prazo de 10 (dez) dias.

§ 2º Se o executado estiver na posse direta do imóvel, o juiz ordenará que o

desocupe no prazo de 30 (trinta) dias, entregando-o ao exeqüente.” 266

Levantam-se alguns questionamentos a esses dispositivos sob o aspecto

constitucional. Araken de Assis diz que, em relação ao terceiro estranho à

relação jurídica processual, há infringência às “garantias constitucionais do

contraditório e do devido processo”.267 Theotonio Negrão e José Roberto F.

Gouvêa citam decisão do extinto Tribunal de Alçada do Estado do Rio

Grande do Sul que considerou revogado o § 1º do art. 4º, pelo art. 5º, inciso

LIV da Constituição Federal268. No entanto, também citam outros julgados

dando inteira aplicação a essa regra.

266 No sistema italiano, o juiz pode autorizar o devedor que permaneça residindo no imóvel penhorado, ocupando o local estritamente necessário a ela e a sua família (Girolamo Monteleone, Diritto processuale civile, p. 1.010). 267 Execução especial de crédito hipotecário, in O processo de execução, p. 48. 268 Foi destacado do aresto o seguinte trecho: “Não cabe mandado de imediata desocupação contra a pessoa que estiver na posse do imóvel hipotecado, considerando que o disposto no art. 4º, § 1º, da Lei nº 5.741/71 se encontra revogado pela norma constitucional, art. 5º, inciso LIV, no sentido de que ninguém será privado da

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256

Victor A.A. Bomfim Marins, concluindo pela inconstitucionalidade

desse dispositivo, foi quem mais se aprofundou no estudo do tema.269 Sustenta

que o terceiro pode estar ocupando o imóvel por variadas razões e, não

podendo ser atingido pela execução da qual não é parte, a desocupação agride

o princípio do devido processo legal.

É necessário, inicialmente, investigar as causas de tão severa

determinação da lei, não obstante o escopo social que cerca toda a legislação

que trata do Sistema Financeiro da Habitação. Vislumbramos apenas duas

razões que podem justificar a desocupação do imóvel: 1) evitar a depredação;

2) impedir invasões de imóveis desocupados.

Tem importância salientar que as moradias para as classes de menor

renda apresentaram problemas pela péssima qualidade do material utilizado e

pela má localização de alguns conjuntos habitacionais, o que levou os

mutuários a abandonar os imóveis, deixando de pagar as prestações do

financiamento e permitindo a invasão por terceiros270. Portanto, somando-se o

escopo de agilizar o processamento da execução especial hipotecária, parece-

liberdade ou de bem sem o devido processo legal. O terceiro que se encontra ocupando o imóvel e não é parte na relação jurídico-processual, a envolver a execução, não poderá sofrer os efeitos do processo, ou do julgado, sem oportunidade de defender eventuais direitos sobre o bem objetivado na execução especial” (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, p. 1.439. 269 Da inconstitucionalidade do § 1º do art. 4º da Lei 5.741, de 1.12.71, RT, 616:247/251. 270 Relata Ermínia Maricato que: “muitos dos conjuntos habitacionais construídos em todo o país trouxeram mais problemas para o desenvolvimento urbano do que soluções. A má localização na periferia, distante das áreas já urbanizadas, isolando e exilando seus moradores, foi mais regra do que exceção” (Habitação e cidade, p. 51).

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257

nos que o objetivo da desocupação foi também o de preservar o bem

hipotecado quanto a invasões e depredações.

Por outro lado, já anotamos em algumas outras oportunidades deste

trabalho a existência de um mercado paralelo de imóveis vinculados ao

Sistema Financeiro da Habitação, tornado realidade com os conhecidos

“contratos de gaveta”, ou seja, instrumentos particulares por meio dos quais o

mutuário “promete transferir” o bem hipotecado, entregando a posse a

terceiro que passa, em nome daquele, a efetuar o pagamento das prestações do

financiamento271. A Lei nº 10.150/2000 mostrou que não se ignora essa

realidade quando, no art. 20, permitiu a regularização desses contratos:

“As transferências no âmbito do SFH, à exceção daquelas que envolvam

contratos enquadrados nos planos de reajustamento definidos pela Lei nº

87.692, de 28 de julho de 1993, que tenham sido celebrados entre o mutuário

e o adquirente até 25 de outubro de 1996, sem a interveniência da instituição

financiadora, poderão ser regularizadas nos termos desta lei.”

Não obstante, a existência confirmada em lei desses contratos paralelos

não autoriza reconhecer a inconstitucionalidade do § 1º do art. 4º da Lei nº

5.741/71 pela suposta ocupação do imóvel que nunca será, rigorosamente,

271 O Superior Tribunal de Justiça, em acórdão por maioria, decidiu que “a Caixa Econômica não pode recusar a alienação de bem que lhe esteja hipotecado em garantia de financiamento efetuado pelo Sistema Financeiro da Habitação, pelo só e só fato de existir cláusula contratual que vede essa transferência” (REsp 189.350, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, Rel. para o acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 14.10.2002).

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258

regular. Isso porque, se o imóvel está ocupado por terceiro, não ignora ele que

o bem está hipotecado em garantia do financiamento que, uma vez

inadimplido, sujeita-o à excussão, com a conseqüente desocupação.

Outrossim, se ele é terceiro, não há que se falar em ofensa ao princípio do

devido processo legal se a expropriação realiza-se sobre bem especificamente

destinado ao cumprimento da obrigação. Se há legitimidade na sua posse, por

ser estranho à relação jurídica processual, deve defendê-la manejando o meio

processual próprio, que é a ação de embargos de terceiro.

Não se pode ignorar, outrossim, que esse escopo da lei em impedir que

o imóvel seja depredado ou invadido tem também com a efetividade da

prestação da tutela jurisdicional, agora erigido explicitamente a princípio

constitucional, como se vê do disposto no inciso LXXVIII do art. 5º da

Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de

dezembro de 2004.

O que se deve relevar na interpretação dos §§ 1º e 2º do art. 4º da Lei nº

5.741/71 não é, rigorosamente, os aspectos constitucionais fundados no

princípio do devido processo legal, que não é agredido, mas a sua aplicação

sensata e de acordo com os princípios gerais do direito.

De fato, o imóvel penhorado será vendido, nos termos do art. 6º da

multimencionada lei, somente depois da rejeição dos embargos. Outrossim,

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259

até a assinatura da carta de arrematação o mutuário poderá remir o imóvel

penhorado, efetuando o pagamento das prestações em atraso e possibilitando

o convalescimento do contrato. Não é coerente que a desocupação do imóvel

seja realizada quando ainda possível ao mutuário efetuar o pagamento para

não perder o imóvel.

É razoável permitir-se que, no prazo da desocupação, o possuidor do

imóvel manifeste-se, demonstrando a necessidade e a condição de assumir o

encargo de depositário, com todas as conseqüências daí decorrentes,

promovendo-se a imissão do credor na posse imediatamente depois da

arrematação ou adjudicação.

5.11. Avaliação do bem penhorado

Ainda é polêmica a questão relacionada à avaliação do imóvel

penhorado para efeitos de hasta pública, porque o art. 6º da Lei nº 5.741/71

impõe que a venda seja efetuada por preço não inferior ao saldo devedor.

Tanto na doutrina, como na jurisprudência, as posições são divergentes. O

extinto Tribunal Federal de Recursos, por meio da Súmula 207, havia

consolidado o seu entendimento pela desnecessidade da avaliação:

“Nas ações executivas regidas pela Lei 5.741, de 1971, o praceamento do

imóvel independe de avaliação.”

Em sentido oposto, o 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, que

fixou sua posição na Súmula nº 41:

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260

“Na execução especial de que trata a Lei nº 5.741/71, de 1971, é necessária a

avaliação do bem penhorado para fim de praceamento”.

No Superior Tribunal de Justiça, embora haja decisões nos dois

sentidos, é majoritário o entendimento pela dispensa da avaliação272.

Já assinalamos ser comum o saldo devedor da operação superar o valor

de mercado do bem penhorado e, conseqüentemente, a arrematação pelo

preço do saldo - no mínimo - e a exoneração do devedor das demais

obrigações resultar em seu próprio benefício (cfr. supra, 4.2.4). Mas, de outro

lado, há aqueles que defendem a avaliação, pois o mutuário, não raras vezes,

realiza melhorarias no imóvel que o valorizam, amortiza durante um longo

tempo o financiamento, cujo montante pode ser significativamente inferior ao

valor do imóvel; outrossim, não tendo a lei proibido a avaliação, deveria ela

ser realizada, por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

É certo que a avaliação, como já assinalamos (cfr. supra, 423), não é

realizada apenas em benefício do credor, ou para evitar prejuízos ao devedor,

272 Pela dispensa da avaliação os seguintes julgados: REsp 573237-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 03.11.2004; REsp 100503-SP, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 27.9.1999; REsp 140664-RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJ 14.12.1998; REsp 89983-RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ 16.12.1996; REsp 96556-RJ, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ 04.11.1996. Entendendo ser necessária a avaliação: REsp 345884-SP, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 05.8.2002; REsp 363598-RS, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 05.8.2002; REsp 89984-RJ, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 6.12.2004; REsp 193636-MG, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 03.5.1999; REsp 51189-RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 25.9.1995.

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261

mas também no interesse de terceiros. Também não se pode olvidar que a Lei

nº 5.741/71 criou um procedimento de execução especial que se pauta em dois

objetivos: interesse social e celeridade do procedimento. E é nos atos de

expropriação que se observa com mais clareza a presença desses escopos. De

um lado, elimina alguns atos executivos, como a avaliação, para tornar mais

célere o processamento e, de outro, garante que o devedor não será

responsabilizado por eventual saldo remanescente273.

Mesmo não sendo exigível a avaliação, se for constatado que o imóvel

foi arrematado preço vil, tendo por base o saldo devedor da operação, pode o

executado buscar desfazer o ato de alienação. Vige aqui, em toda a sua

plenitude, não obstante a aparente mitigação pelo suprimento do ato

avaliatório em função de outros objetivos, o princípio de que a execução,

embora deva processar-se em benefício do credor, deve realizar-se do modo

menos gravoso para o devedor (CPC, art. 620).

Dizemos aparente mitigação porque os interesses do devedor sempre

estarão preservados, dando-se-lhe a oportunidade para desfazer a alienação 273 Acentua Evaristo Aragão Ferreira dos Santos que: “para que se possa atender aos princípios gerais do processo de execução, sem desatender e contrariar os objetivos primordiais da execução especial hipotecária, é imprescindível que, no caso concreto, se realiza a citada ‘execução equilibrada’. Na situação deste rito especial, porém, além dos princípios do ‘menor sacrifício do executado’ e da ‘máxima utilidade da execução’, não se pode deixar de levar em consideração a singular celeridade que se deve imprimir ao procedimento, ao mesmo tempo em que se visa liberar integralmente o devedor do cumprimento do resíduo que eventualmente subsista. O ‘balanceamento’ dos princípios informadores, portanto, deve englobar e levar em conta, também, os objetivos visados pelo rito especial” (Uma abordagem crítica da execução dos créditos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, segundo o rito especial previsto pela Lei 5.741/71, in Processo de execução e assuntos afins, p.218).

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262

judicial se demonstrar ter havido exageros na realização dos atos executivos

em seu prejuízo. Sob a ótica do credor, no entanto, mesmo que o saldo

devedor seja muito superior ao do bem hipotecado, não terá outra alternativa a

não ser, em caso de provável frustração da hasta pública, adjudicar o imóvel,

com a conseqüente exoneração do devedor de outras obrigações. O

“desequilíbrio” nos princípios gerais do processo de execução mencionado

por Evaristo Aragão Ferreira dos Santos para justificar a dispensa da

avaliação parece, a rigor, não existir, sendo apenas aparente.274

Por outro lado, bem mostra a experiência quanto tempo demanda a

avaliação de um bem penhorado, com não raras impugnações que retardam o

processamento da execução. Por isso que o Projeto de Lei 4.497/2004, com a

modificação que se pretende impor ao § 1º do art. 652 do Código de Processo

Civil, visando imprimir rapidez aos atos executivos, determina a realização,

em um só ato, pelo oficial de justiça, da penhora e da avaliação, verbis:

“Não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado o oficial de

justiça procederá de imediato à penhora de bens e sua avaliação, lavrando-se

o respectivo autos e de tais atos intimando-se incontinenti o executado”275.

274 Ibidem, p. 219. 275 Na redação que pretende dar ao art. 680 do Código de Processo Civil o Projeto de Lei 4.497/2000 ressalva que, “caso sejam necessários conhecimento especializados, o juiz nomeará avaliador, fixando-lhe prazo não superior a dez dias para entrega do laudo”. Em função desse dispositivo, o referido Projeto também impõe a inclusão de um inciso no art. 143 do Código de Processo Civil para incluir também como incumbência do oficial de justiça a tarefa de efetuar avaliação.

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263

Esse procedimento, que concentra os atos de penhora e avaliação por

oficial de justiça, está em harmonia com os escopos da Lei nº 5.741/71, pois

não inibe o seu célere processamento nem ofende o interesse do executado.

Além disso, eliminará a discussão sobre a necessidade da avaliação na

execução especial hipotecária, podendo o oficial de justiça, desde logo,

oferecer um parâmetro às partes e aos eventuais interessados sobre o valor

real do imóvel, inclusive para efeitos de verificar-se a hipótese de alienação

por preço vil, ressalvando-se que a arrematação, de qualquer forma, será feita,

no mínimo, pelo montante do saldo devedor.

5.12. A arrematação

Prevê o art. 6º da Lei nº 5.741/71 que o imóvel hipotecado e penhorado

será vendido em praça pública por preço não inferior ao saldo devedor. O

saldo ou o valor da dívida total, de acordo com o que se lê do inciso III do art.

2º da mesma Lei, corresponde ao principal, juros, multa e outros encargos

contratuais, fiscais e honorários advocatícios.

Essas regras atendem ao objetivo social do Sistema Financeiro da

Habitação e visam eximir o mutuário que não conseguiu pagar as prestações

da casa própria de eventual saldo remanescente da dívida, caso o imóvel seja

arrematado em hasta pública por preço inferior ao da dívida. Elas têm sido

úteis, especialmente em tempos atuais em que, freqüentemente, os saldos

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264

devedores dos contratos do Sistema Financeiro da Habitação são muito

superiores ao valor do imóvel.

É comum o mutuário pagar as prestações do financiamento durante 10,

20 e até 25 anos e constatar, ao final do prazo, que ainda deve quantia muito

superior ao valor do imóvel. Muitas vezes observa-se que o reajuste da

prestação não acompanha a atualização do saldo devedor: de um lado o valor

do financiamento é reajustado por índices de inflação, normalmente

vinculados à caderneta de poupança, e, de outro, as prestações são corrigidas

pela evolução salarial do mutuário que, notoriamente, apresente índice menor

e não é mensal. Por isso, quando efetua o pagamento da parcela mensal, o seu

valor não é suficiente para o pagamento dos juros e da amortização do

principal na proporção estabelecida quando da formação do contrato,

passando o saldo devedor a crescer sem que o mutuário consiga amortizá-lo.

Esse fenômeno observa-se, principalmente, nos contratos firmados a

partir do final de década de 1980, quando se tentou “remendar” a crise que se

instalou no Sistema Financeiro da Habitação em decorrência dos contratos

mal elaborados, com sistemas de amortização e reajustes equivocados.

Merece ressalva a afirmação já feita de que a arrematação ou

adjudicação pelo saldo devedor é apenas na hipótese da execução especial

hipotecária regida pela Lei nº 5741/71 - e, para nós, também na execução

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265

extrajudicial tratada pelo Decreto-lei nº 70/66 -, que tem cabimento somente

na hipótese de falta de pagamento das prestações do financiamento.

A arrematação será precedida de edital pelo prazo de dez dias que será

fixado na sede do juízo e publicado três vezes, por extrato, em jornais de

ampla circulação (art. 6º da Lei nº 5.741/71). Diverge a execução especial da

forma estabelecida no Código de Processo Civil especialmente quanto ao

prazo do edital e quantidade de publicações.

Devem ser consideradas as alternativas que o Projeto de Lei nº

4.497/2004 pretende introduzir no sistema para a alienação do bem penhorado

em processo de execução, visando não só garantir publicidade, como agilizar

o processamento com a utilização de tecnologias inexistentes ao tempo da

promulgação da Lei nº 5.741/71 e do Código de Processo Civil. Para isso,

busca-se facultar ao exeqüente a substituição do procedimento tradicional -

expedição e publicação de edital, atos no átrio do edifício do fórum - , pela

alienação por meio da rede mundial de computadores, “com uso de páginas

virtuais criadas pelos Tribunais ou por entidades públicas ou privadas em

convênio com eles firmado”, cabendo, ao Conselho da Justiça Federal ou aos

tribunais de justiça, regulamentar essa modalidade de alienação, observando

os requisitos de publicidade, autenticidade e segurança (art. 689-A).

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266

Esse procedimento que utiliza o avanço tecnológico em benefício de

uma tutela jurisdicional mais eficiente não é incompatível com os propósitos

da Lei nº 5.741/71, pois não agride o escopo social nem a celeridade

pretendida. Ao contrário, oferece alternativa que pode ser mais eficiente e

proveitosa tanto para o executado como para o credor.

De fato, a criação de um sistema adequado de divulgação poderá

atingir um número maior de pessoas e despertar o seu interesse na

participação do certame. Não é demais dizer que as hastas públicas realizadas

no átrio do edifício do fórum não atraem pessoas que poderiam interessar-se

pela aquisição dos bens oferecidos.

Por outro lado, o mesmo Projeto de Lei nº 4.497/2004 pretende incluir

no sistema a “alienação por iniciativa particular”, que poderá realizar-se por

empreendimento do exeqüente ou por intermédio de corretor credenciado

perante a autoridade judiciária. A alienação por corretor de imóveis não é

modalidade estranha, pois o art. 700 do Código de Processo Civil já a prevê,

embora, nessa hipótese, seja necessária a concordância das partes. Com a

reforma, a alienação por iniciativa do exeqüente ou por intermédio de corretor

credenciado não dependerá da concordância das partes, sendo suficiente

requerimento do credor nesse sentido.

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267

Essa nova forma de alienação está em conformidade com a execução

especial hipotecária prevista na Lei nº 5.741/71 e, por isso, poderá ser

aplicada até com maior êxito do que nas execuções de credores eventuais, em

função do volume de operações realizadas pelos agentes financeiros. De fato,

ninguém ignora o volume de processos de execução que envolvem contratos

hipotecários do Sistema Financeiro da Habitação. Daí, ser relativamente fácil

e conveniente aos agentes financeiros criarem estruturas próprias tendentes à

“alienação por iniciativa particular”.

Proveitoso salientar, ainda que de forma passageira, que a alienação

prevista no Projeto de Lei nº 4.497/2004 não aguarda nenhuma semelhança

com a venda extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66, eivado de

inconstitucionalidades. A alienação sugerida pelo Projeto mencionado é

realizada sob a vigilância do Poder Judiciário, baseada em critérios

previamente fixados pelo juiz em procedimento judicial instaurado em que se

dá oportunidade ao executado para exercer plenamente a sua defesa, inclusive

quanto aos critérios estabelecidos para a alienação particular. Ao contrário, na

execução extrajudicial, não é dado ao devedor opor-se à realização de

qualquer ato executivo.

A alienação por iniciativa particular, qualquer que seja a sua forma,

deverá obedecer às condições estabelecidas pelo juiz. O § 1º do art. 685-C

determina ao juiz que fixe o prazo em que a alienação deve ser efetivada e a

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268

forma da publicidade, o preço mínimo, as condições de pagamento, garantia e

comissão de corretagem. Ou seja, a alienação não pode ser realizada em

desacordo com as condições estabelecidas pelo órgão jurisdicional, sob pena

de nulidade.

O artigo 685-C do Projeto não estabelece sob que forma o exeqüente

pode realizar a venda do bem penhorado. Quando por meio de corretor

credenciado, não há dúvidas. Pensamos que qualquer forma de oferta pública

poderá ser levada a efeito pelo credor quando devidamente autorizada pelos

tribunais que passarão a disciplinar o procedimento, como determina o § 3º do

mesmo artigo.

Realizada com sucesso a alienação, será ela formalizada por termos nos

autos, assinado pelo juiz, pelo exeqüente, pelo adquirente e, se presente, pelo

executado (§ 2º do art. 685-C).

5.13. A adjudicação obrigatória do imóvel

Não havendo licitantes na única praça realizada, o juiz adjudicará ao

credor o imóvel, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, ficando o devedor

exonerado do pagamento do restante da dívida (art. 7º da Lei nº 5.741/71).

Essa estipulação decorre da limitação da responsabilidade patrimonial ao bem

financiado e hipotecado, como já discorremos (cfr. supra, 5.4).

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269

A adjudicação do imóvel ao credor é compulsória. A norma é

imperativa: ...o juiz adjudicará. Ela se dará pelo valor do mesmo saldo

devedor estabelecido como “preço mínimo” para a arrematação276, não

respondendo o executado por quaisquer outros encargos ou saldo

remanescente.

A compulsória adjudicação do imóvel na única praça realizada também

vai ao encontro da celeridade do procedimento especial. É notório que, não

havendo licitantes na única praça realizada, em outra subseqüente dificilmente

será despertado o interesse em algum, pois em qualquer hipótese a

arrematação terá que ser, no mínimo, pelo valor do saldo devedor e não pelo

maior lanço.

O Projeto de Lei nº 4.497/2004 tem por finalidade permitir a

adjudicação do bem penhorado, pelo credor, por preço não inferior ao da

avaliação, antes mesmo do oferecimento em hasta pública. É o que consta do

art. 685-A, verbis:

“É lícito ao exeqüente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação,

requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados”, garantindo

expressamente esse direito ao credor com garantia real no § 2º.

276 REsp 427776-SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 18.11.2002; REsp 390913-PR, Terceira Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 17.6.2002.

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270

Sem dúvidas que o encurtamento dos atos de execução, com a

eliminação de procedimentos para a oferta pública, agiliza a prestação da

tutela jurisdicional e, assegurando-se que a adjudicação não se fará por preço

inferior ao da avaliação, preserva-se também o interesse do devedor.

A dificuldade de adaptação dessa salutar alternativa para a execução

hipotecária especial está na circunstância da Lei nº 5.741/71 não exigir a

avaliação do imóvel hipotecado e impor que a arrematação ou adjudicação dê-

se, no mínimo, pelo valor do saldo devedor. Pode-se cogitar da possibilidade

do credor hipotecário pleitear a adjudicação pelo montante do saldo devedor.

No entanto, conforme já cogitamos, esse valor nem sempre corresponde ao

real valor do imóvel e, se o interesse do credor deve ser observado, também o

do devedor deve ser preservado.

Porém, é possível viabilizar a alternativa desde que o mesmo Projeto de

Lei, no § 1º do art. 652, vem autorizar a avaliação pelo oficial de justiça

quando da realização da penhora, o que pode oferecer ao juiz condições para

permitir a adjudicação sem prejudicar nenhuma das partes, especialmente o

devedor, já que para o credor o saldo devedor será sempre o parâmetro.

Se o valor do imóvel hipotecado, pela estimativa do oficial de justiça,

for superior ao saldo devedor, a adjudicação pelo credor, nesta fase, somente

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271

poderá ser deferida se depositar a diferença, nos termos do § 1º do mesmo art.

685-A. Caso contrário, deverá ser realizada a hasta pública.

5.14. A remição do imóvel penhorado e o convalescimento do contrato

Quando tratamos da execução extrajudicial disciplinada pelo Decreto-

lei nº 70/66, dissemos que lá foi estabelecida a alternativa para o devedor

purgar a mora, efetuando o pagamento das prestações em atraso mais custas e

honorários, possibilitando o convalescimento do contrato. A regra do art. 8º

da Lei nº 5.741/71 contém semelhante disposição ao facultar ao executado

remir o imóvel penhorado, quando assim dispõe:

“É lícito ao executado remir o imóvel penhorado, desde que deposite em

juízo, até a assinatura do auto de arrematação, a importância que baste ao

pagamento da dívida reclamada mais custas e honorários advocatícios; caso

em que convalescerá o contrato hipotecário.”

O conteúdo social da norma é evidente ao permitir que o mutuário,

mesmo depois da arrematação, mas antes da assinatura do respectivo auto,

efetue o pagamento da dívida reclamada mais custas e honorários para não

perder a sua moradia. A dívida reclamada referida no dispositivo citado, como

ali está claro, só pode ser o montante das prestações em atraso; caso contrário,

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272

não teria sentido a regra estabelecer o convalescimento do contrato

hipotecário.

O Projeto de Lei nº 4.497/2004 pretende determinar que os honorários

advocatícios, fixados pelo juiz ao despachar a inicial, sejam reduzidos pela

metade quando o pagamento for efetuado no prazo para pagamento constante

do mandado de citação (art. 652-A, parágrafo único). A norma é impositiva:

“...a verba honorária será reduzida...”. Compatível com a execução especial

hipotecária, a redução da verba honorária deve também nela ser admitida.

5.15. Concurso de credores e o crédito hipotecário

O art. 612 do Código de Processo Civil, reforçado pelo art. 613 do

mesmo Codex, ressalvando a situação de insolvência do executado, estabelece

o direito de preferência sobre os bens penhorados.277 É a declaração do

princípio da preferência da penhora anterior sobre a posterior que aplica-se

à execução por quantia certa contra devedor solvente.278

Como coerentemente lembra Moacyr Amaral Santos, o princípio que

visa “beneficiar o credor mais diligente” na realização da penhora não quer

dizer que a preferência prevaleça sobre qualquer outro privilégio ou garantia 277 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t. X, p. 5. 278 Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3, p. 313.

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273

anteriores à penhora. Tal direito diz respeito, apenas, às penhoras efetuadas

em execuções por créditos sem garantia, isto é, por créditos quirografários.279

O bem hipotecado, com efeito, pode ser objeto de penhora em execução

movida por terceiro, excetuadas algumas hipóteses especiais expressamente

previstas em lei.280 No caso do imóvel hipotecado em operação vinculada ao

Sistema Financeiro da Habitação, a só existência do ônus hipotecário não

proíbe que o bem seja penhorado por dívida de terceiro. Por isso, é imperiosa

a análise dessa constrição pela possibilidade da arrematação, desde que

cumpridas as exigências legais, entre elas a intimação do credor hipotecário,

extinguir a hipoteca, recebendo o arrematante o imóvel livre de ônus. Essa é a

norma clara do inciso VI do art. 1.499 do Código Civil281.

A regra geral que se depreende do disposto no art. 1.422 do Código

Civil é no sentido de que o credor hipotecário ou pignoratício, na excussão da

coisa hipotecada ou empenhada, prefere “no pagamento, a outros credores, 279 Ibidem, mesma página. 280 Há casos, todavia, em que a lei taxativamente declara a impenhorabilidade de bem constitutivo de garantia hipotecária, como é a hipótese do Decreto-Lei nº 167/67 e do Decreto-lei nº 413/69 que asseguram que os bens objeto de penhor ou hipoteca por força de cédula de crédito rural não serão penhorados, arrestados ou seqüestrados, para assegurar o pagamento de outras dívidas do emitente ou do terceiro dador da garantia real. Lembrando importante parecer produzido por Arruda Alvim, Humberto Theodoro Júnior assinala que o legislador criou “... para os órgãos financiadores da economia rural (...) mais do que uma garantia real, pois conferiu-lhes ‘verdadeira garantia exclusiva’” (Processo de execução, p. 302). O processualista mineiro refere-se ao parecer de Arruda Alvim, publicado na Revista Forense 246/334-335. Na aplicação do texto legal, a jurisprudência reconhece a inconstrangibilidade judicial dos bens garantidores de obrigação constante de cédula de crédito rural. Porém, os tribunais têm excetuado três situações: débito fiscal, vencimento da dívida e anuência do credor. 281 REsp 139.101-RS, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 22.2.1999: “Na linha de precedentes da Corte, pela arrematação extingue-se a hipoteca, nos termos do art. 849, VII, do Código Civil, não havendo nenhuma impugnação quanto à realização da mesma, com o que admite-se tenha sido o credor hipotecário, intimado da realização da praça”.

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274

observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro”. O parágrafo único do

mesmo artigo remete a outras leis as exceções, ou seja, aquelas dívidas que

“devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos”.

O Código de Processo Civil disciplina os procedimentos que devem ser

adotados quando a penhora recai sobre bem gravado por garantia real. Assim,

impõe o inciso II do art. 615 do Código de Processo Civil como obrigação do

credor promover “a intimação do credor pignoratício, hipotecário, anticrético,

ou usufrutuário, quando a penhora recair sobre bens gravados por penhor,

hipoteca, anticrese ou usufruto”. A necessidade da intimação prende-se à

eficácia da penhora que foi realizada em relação às pessoas indicadas, sob

pena de não ser possível alegar qualquer ato de constrição ou alienação em

face delas.282

De seu lado, o art. 619 do Código de Processo Civil considera ineficaz

a alienação de bem gravado por penhor, hipoteca, anticrese ou usufruto se o

credor que detém a garantia real não for intimado. Também o inciso IV do art.

694, fazendo expressa remissão ao art. 698, estabelece a falta de intimação

como causa para o desfazimento da arrematação, enquanto o art. 698 estatui

que a praça de imóvel hipotecado não se realizará sem a intimação do credor

282 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, atualização legislativa de Sérgio Bermudes, t. X, p. 18.

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275

hipotecário que não seja parte na execução, com pelo menos dez dias de

antecedência.

É necessário conciliar o disposto no art. 619 que apenas assevera a

ineficácia da alienação em relação à pessoa não intimada, com a regra do art.

694, parágrafo único, inciso IV que, fazendo remissão ao art. 698, torna

possível o desfazimento da arrematação se a praça foi realizada sem a

intimação do credor hipotecário. Isso porque, se o credor hipotecário não

intimado nada fizer, permanecerá o imóvel gravado com o ônus que sobre ele

recai.283

Uma outra norma que se refere ao assunto merece ser analisada: a

previsão do inciso II do art. 1.047 do Código de Processo Civil que permite ao

credor com uma das garantias reais que menciona o uso dos embargos de

terceiro para “obstar alienação judicial do objeto da hipoteca, penhor ou

anticrese”. Como adverte Araken de Assis, fundado na lição de Humberto

Theodoro Júnior e em posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, o

credor poderá utilizar os embargos de terceiro para impedir a arrematação se

provar que o devedor era proprietário de outros bens passíveis de penhora. Ou

seja, a penhora de bem garantido por hipoteca, em execução de terceiro 283 José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 244. Nesse sentido é claro o acórdão do TJPR, da 1ª Câmara Cível, referente à Apelação Cível 49.618-0, relatado pelo Juiz Leonardo Lustosa, DJ de 306.6.1997: “Se a credora hipotecária, que não foi parte na execução, não foi regularmente intimada para a hasta pública do bem sobre o qual exerce direito real (art. 698 do CPC), pode optar entre conservar o seu direito perante o novo proprietário, pois a venda em relação à ela é ineficaz (art. 619 do CPC), ou rescindir a arrematação (art. 694, parág. único, inc. IV, do CPC)”.

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276

quirografário, tem como pressuposto a insolvência que, segundo o mesmo

autor, é “presumida pela inexistência de outros bens (art. 750, I). E isso

porque nada obriga o credor a requerer a decretação da insolvência e, além

disto, o valor do bem pode superar o do crédito real.”284

Ainda acrescenta Araken de Assis que, independentemente do credor

com garantia real ter executado ou penhorado o bem285, tenha ou não

abdicado dos embargos de terceiro e mesmo sendo derrotado na oposição,

participará do concurso formulando sua “habilitação”.286

Do que foi deduzido, desenha-se o seguinte quadro: 1) o credor

hipotecário deve ser intimado da penhora (e da praça) realizada sobre o

imóvel objeto da garantia, quando penhorado em execução movida por

terceiro; 2) intimado, o credor pode manifestar-se nos autos oferecendo sua

habilitação, pode opor-se à arrematação mediante embargos de terceiro se

demonstrar que o devedor tem outros bens passíveis de penhora, ou silenciar;

3) o silêncio do credor hipotecário devidamente intimado importa na extinção

da hipoteca para o arrematante; 4) se o credor hipotecário não for intimado, a

284 Concurso especial de credores no CPC, p. 201. 285 Aliás, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que: “O credor hipotecário, embora não tenha ajuizado execução, pode manifestar a sua preferência nos autos de execução proposta por terceiro. Não é possível sobrepor uma preferência processual a uma preferência de direito material. O processo existe para que o direito material se concretize” (REsp 159.930-SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 16.6.2003). 286 Ibidem, p. 201-202.

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277

alienação em relação a ele é ineficaz, permanecendo íntegro o gravame que

recai sobre o imóvel; 4) intimado, o credor hipotecário poderá habilitar-se.

Realizadas várias penhoras sobre um mesmo bem ou a penhora sobre

um bem com privilégio ou preferência instituído antes da penhora, instaura-se

um incidente que se denomina concurso de preferência ou concurso especial

de credores. A formação do concurso se dá na fase final da expropriação.287

Trata-se de incidente regulado em apenas dois artigos do Código de

Processo Civil (art. 711 e 712) que, diante da omissão quanto ao

procedimento, “deve o juiz orientá-lo, respeitado o disposto nos arts. 125 a

131 e, no concernente ‘as provas que irão produzir em audiência’ (Cód. Proc.

Civil, art. 712)”288, na qual é dado aos credores concorrentes formular suas

pretensões, “requerendo as provas que irão produzir em audiência; mas a

disputa entre eles versará unicamente sobre o direito de preferência e a

anterioridade da penhora” (CPC, art. 712)289. Produzidas ou não provas e

designando-se ou não audiência, o juiz proferirá sentença, da qual caberá

recurso de apelação, que deve orientar-se para a distribuição do dinheiro,

segundo Moacyr Amaral Santos, da seguinte forma:

287 Araken de Assis, Concurso especial de credores no CPC, p. 227. 288 Moacyr Amaral Santos, ibidem, p. 350. No mesmo sentido Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t. X, p. 325. 289 Como assinala Araken de Assis, “dispondo o art. 712, 2ª parte, que a disputa entre os credores concorrentes, no concurso especial, ‘versará unicamente sobre o direito de preferência e a anterioridade da penhora’, a verba legislativa abraçou fórmula típica da cognição sumária. Limitou, horizontalmente, a cognição do juiz” (Concurso especial de credores no CPC, p. 248).

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278

“a) primeiro, independentemente de penhora, aos credores com título legal de preferência e que apresentarem o título executivo, tais o fisco, o credor por custas, o credor com garantia real, como o credor hipotecário, o pignoratício; b) não havendo credores preferenciais, ou em seguida a eles, os credores quirografários, na ordem cronológica das respectivas penhoras”.290

Tem-se que o credor hipotecário cujo contrato foi firmado sob as regras

do Sistema Financeiro da Habitação também deve participar do concurso de

credores e ali receber o valor do seu crédito, mesmo que ainda não tenha

intentado sua execução individual.

Mas é importante lembrar que a penhora de imóvel vinculado ao

Sistema Financeiro da Habitação, por dívida de terceiro, revela-se hipótese

cada vez menos freqüente, considerando o disposto na Lei nº 8.009, de 29 de

março de 1990, que tornou impenhorável “o imóvel residencial próprio do

casal, ou da entidade familiar”, excetuadas as hipóteses do art. 3º da referida

Lei.

290 Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3, p. 351.

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279

6. 6. OS MEIOS DE DEFESA DO EXECUTADO EM FACE DA EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA ESPECIAL DA LEI Nº 5.741/71, DE 1º DE DEZEMBRO DE 1971

6.1. Generalidades

A ação de execução tem por finalidade a realização da sanção

formulada na sentença ou contida, por força de lei, em título extrajudicial.291

Não visa, portanto, à formulação de norma jurídica concreta, mas o atuar da já

enunciada em anterior processo de conhecimento ou expressada em

documento reconhecido por lei com a mesma eficácia.292 Independentemente

da existência do direito material, o processo de execução existe, bastando ao

credor exibir o título.

Liebman assinala que a base imediata da execução é o título executivo

e só ele, aí residindo a “autonomia da ação executória que decorre do título,

que não é condicionada nem pela existência, nem pela prova do crédito”.293

Tendente a execução à realização prática do direito consubstanciado no

título, não é da sua índole a realização de atividade de cognição plena e

exauriente e, por isso, o devedor não é chamado para oferecer defesa, mas

291 Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3, p. 402. 292 José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 287-288. 293 Processo de Execução, p. 22.

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para “cumprir a vontade concreta da lei através da obtenção de um

provimento jurisdicional satisfativo”,294 remetendo-se a discussão sobre a

existência ou inexistência do crédito para outra via na qual possa o juiz

exercer plenamente a atividade cognitiva.

De conformidade com o sistema processual civil, o meio pelo qual o

executado pode se opor à execução é a ação de embargos do devedor. É o

meio próprio de oposição. Trata-se de ação incidente específica que está

regulada no art. 736 do Código de Processo Civil, não se caracterizando

tecnicamente como resposta do réu como se dá no processo de conhecimento,

pois tem a natureza de verdadeira ação que visa desconstituir a pretensão

executiva ou excluir os excessos.295

Por outro lado, embora a ação de execução, pela sua índole prática, não

autorize a discussão sobre o direito consubstanciado no título, Pontes de

Miranda inaugurou modalidade de oposição endoprocessual, passando a

doutrina e a jurisprudência a admitir o que hoje se conhece por exceção (ou

objeção) de pré-executividade, incidente que tem por finalidade resistir à

pretensão executiva independentemente da garantia do juízo pela penhora296,

294 Paulo Henrique dos Santos Lucon, Embargos à execução, p. 98. 295 José Carlos Barbosa Moreira lembra que, excepcionalmente (falta ou nulidade de citação), “podem os embargos visar à invalidação do próprio processo de conhecimento onde se proferiu a sentença que serve de título à execução (O novo processo civil brasileiro, p. 288). 296 Menciona a doutrina que instrumentos semelhantes existiram na legislação brasileira do Século XIX, como o Decreto Imperial nº 9.885, de 1888, cujo art. 10º previa a possibilidade do executado ser ouvido,

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281

limitado a determinadas matérias e à intensidade da cognição. Também não se

pode deixar de cogitar das ações autônomas de conhecimento que o executado

pode manejar visando discutir o crédito. Essas duas últimas formas são o que

se denomina de meios impróprios297.

Os meios que podem ser utilizados pelo executado para a sua defesa na

execução prevista no Código de Processo Civil, seja ele próprio (embargos),

sejam os impróprios (exceção ou objeção de pré-executividade ou ações

autônomas), também cabem na especial hipotecária regulada pela Lei nº

5.741/71.

6.2. Os embargos do devedor na execução fundada na Lei nº 5.741/71

Não permitindo o processo de execução a discussão sobre o direito

consubstanciado no título, não se pode impedir ao devedor que se oponha à

execução, “quer para anular o respectivo processo, quer para o fim de retirar a

antes da segurança do juízo, quando pudesse comprovar com documento o pagamento ou a anulação do débito na esfera administrativa. Igualmente o Decreto 848, de 1.890, que tratava da execução fiscal (Angelina Mariz de Oliveira, Pedidos e recursos cabíveis na exceção de pré-executividade, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais, p. 102). 297 Donaldo Armelin, discorrendo sobre a defesa do executado e o direito de defesa na execução sem processo de execução (ações executivas lato sensu), admite a existência dessas três formas como meios de defesa do executado: embargos, exceção de pré-executividade e ações prejudiciais (Apontamentos sobre o direito de defesa na execução forçada, Carta Jurídica, 01:121-137). Sandro Gilbert Martins, por sua vez, dizendo serem formas concorrentes dos executado resistir à execução, agrupa a defesa do executado da seguinte forma: “defesa própria e defesa imprópria, que têm como critério a existência ou não de regramento específico para cada forma de defesa. O grupo da defesa própria é composto unicamente pelos embargos à execução, nas suas diversas modalidades, que pode ser apenas identificada como defesa incidental. O grupo da defesa imprópria é constituído pela exceção de pré-executividade ou defesa endoprocessual e pelas ações autônomas e prejudiciais à execução ou defesa heterotópica” (A defesa do executado por meios de ações autônomas – defesa heterotópica, p. 80).

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282

eficácia do título executivo, quer para reduzir a sua extensão a justas

proporções”298, instaurando o contraditório em ação incidental. Essa

possibilidade consta do art. 736 do Código de Processo Civil. E não cabe mais

discutir sobre a natureza jurídica dos embargos do devedor: trata-se de ação

incidental à execução.

A execução processada pelo rito estabelecido na Lei nº 5.741/71 é de

título extrajudicial. Desse modo, pela combinação do que dispõe o art. 5º da

Lei nº 5.741/71 (“o executado poderá opor embargos no prazo de dez (10)

dias...”), com o disposto no art. 745 do Código de Processo Civil, (“quando a

execução se fundar em título extrajudicial, o devedor poderá alegar, em

embargos, além das matérias previstas no art. 741, qualquer outra que lhe

seria lítico deduzir como defesa no processo de conhecimento”), é correto

dizer que a oposição à execução especial hipotecária dá-se por meio dos

embargos do devedor que se processam na forma do Código de Processo

Civil, observadas as regras específicas, especialmente no que se refere ao

efeito suspensivo.

6.2.1. Da legitimidade para embargar

Como autêntica ação de conhecimento, os embargos do devedor devem

obedecer às condições e aos pressupostos processuais necessários para o

exercício do direito de ação. Entre as condições da ação, a que desperta maior

298 Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3, p. 404.

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283

polêmica em relação aos embargos é a que se refere à legitimidade para

embargar. De ordinário, a legitimidade é do executado. Não obstante, “os

terceiros com interesse jurídico decorrente da responsabilidade executiva têm

também legitimidade para opor embargos”, como é o caso do cessionário,

aceito pelo credor, os herdeiros, o espólio do devedor, o fiador, o sócio, o sub-

rogado, o responsável tributário etc..299

A legitimidade do cônjuge, na execução comum processada pelo rito

estabelecido no Código de Processo Civil, de acordo com a melhor doutrina e

jurisprudência300, é parte legítima para oferecer embargos na hipótese de

recair a penhora sobre bem imóvel, pois o parágrafo único do art. 669, nessa

hipótese, manda intimá-lo. Desse modo, estará ele legitimado para discutir

todos os aspectos do título executivo, a existência do crédito etc., não sendo

excluída a possibilidade de oferecer embargos de terceiro para defender o

patrimônio da constrição301.

Na execução especial hipotecária, a legitimidade do cônjuge para os

embargos apresenta-se de forma ainda mais induvidosa. Como já dissemos

(cfr. supra, 5.7), a Lei nº 5.741/71, no § 1º do art. 3º manda que, além do

devedor, o seu cônjuge seja citado e não simplesmente intimado da penhora.

Passa o cônjuge, portanto, a ser parte no processo, formando-se litisconsorte 299 Carlos Henrique dos Santos Lucon, Embargos à execução, p. 277. 300 Carlos Henrique dos Santos Lucon, ibidem, p. 279-280; Araken de Assis, Manual do processo de execução, p. 1.001; Haroldo Pabst, Natureza jurídica dos embargos do devedor, p. 117. 301 A legitimidade do cônjuge para oferecer embargos do devedor não exclui a sua legitimidade para oferecer embargos de terceiro em defesa da meação, consoante a Súmula 134 do Superior Tribunal de Justiça: “Embora intimado da penhora em imóvel do casal, o cônjuge do executado pode opor embargos de terceiro para defesa de sua meação.”

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284

passivo necessário e, por isso, tem legitimidade primária para oferecer

embargos. Nesse caso, porém, não terá legitimidade para os embargos de

terceiro, não se aplicando o teor da Súmula nº 134 do Superior Tribunal de

Justiça.

6.2.2. O prazo para os embargos

Dizia o art. 738 do Código de Processo Civil, na sua versão original,

que:

“O devedor oferecerá os embargos no prazo de dez (10) dias, contados:

I – da intimação da penhora (art. 669);

II- do termo de depósito (art. 622);

III- da juntada aos autos do mandado de imissão na posse, ou de busca e

apreensão, na execução para a entrega de coisa (art. 625);

IV – da juntada aos autos do mandado de citação, na execução das

obrigações de fazer e não fazer.”

Pelo inciso I, o termo inicial do prazo para os embargos na execução por

quantia certa era o ato de intimação da penhora. Não obstante a divergência

inicial, o entendimento direcionou-se no sentido de que o prazo passava a

contar, efetivamente, do ato e não da juntada aos autos do respectivo

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285

mandado, não se aplicando a regra dos incisos I, II e III do art. 241 do Código

de Processo Civil.

Embora com uma redação deficiente, era possível harmonizar com esse

entendimento o art. 5º da Lei nº 5.741/71 que estabelece:

“o executado poderá opor embargos no prazo de dez (10) dias contados da

penhora...”.

Não foi feliz a redação do dispositivo da lei especial quando mandou

contar o prazo do ato da penhora, pois, se assim fosse, sequer teria o

executado como saber, muitas vezes, quando ela foi realizada. É que a

penhora, nessa hipótese, ocorrerá, necessariamente, sobre o imóvel

hipotecado e efetuada por oficial de justiça, dificultando ao executado

conhecer o tempo da sua realização. Por isso, adotou-se, também para a

execução especial hipotecária, o marco inicial do prazo para os embargos o

ato da intimação da penhora.

No entanto, a Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994, deu nova

redação ao inciso I do art. 738 do Código de Processo Civil para estabelecer

que o prazo conta-se “da juntada aos autos da prova da intimação da

penhora”, o que provocou dúvidas quanto ao prazo para a execução especial

hipotecária. Mas, também nesse caso, a contagem deve dar-se da juntada aos

autos do mandado de intimação, em harmonia com o sistema do Código de

Processo Civil.

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286

Como se tem reiteradamente tratado neste trabalho, os embargos na

execução especial são os mesmos estabelecidos no Código de Processo Civil

e processam-se na forma desse Código. Não há um rito de embargos na

execução especial e outro no Caderno Processual. Por isso, a alteração da Lei

nº 8.953/1994 aplica-se quanto ao prazo dos embargos à Lei nº 5.741/71.

O Superior Tribunal de Justiça, especificamente sobre a contagem do

prazo na execução especial hipotecária, poucas vezes teve oportunidade de

manifestar-se. No REsp nº 569630-PR, decidiu pela contagem a partir da

juntada aos autos do mandado de intimação, como se vê na esclarecedora

ementa:

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA. LEI Nº 5.741/1971, ART. 5º. EMBARGOS. PRAZO. FLUIÇÃO A PARTIR DA JUNTADA AOS AUTOS DA PROVA DA INTIMAÇÃO DA PENHORA. CPC, ART. 738, I. LEI N. 8.953/1994. EXEGESE. I. A alteração procedida no art. 738, I, do CPC, pela Lei nº 8.953/94, que dispôs que os embargos do devedor devem ser opostos no prazo de dez dias contados da "juntada aos autos da prova da intimação da penhora", revogou a regra do art. 5º, caput, da Lei nº 5.741/71, que determinava a fluição do lapso a partir "da penhora", por não ser considerada, tal regra, de natureza especial. II. Recurso especial conhecido e improvido.”302

302 Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ de 24.5.2004.

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287

6.2.3. O efeito dos embargos

A execução fundada em título extrajudicial, por expressa e induvidosa

determinação legal, é definitiva (CPC, art. 587). E assim tem que ser,

porquanto não há sentença que possa ser atacada por recurso com efeito

suspensivo, diferindo-se para os embargos do devedor toda a matéria de

cognição,303 sem as limitações impostas para os embargos à execução de

título judicial. Não obstante, o próprio Código de Processo Civil prevê a

possibilidade de suspensão nas circunstâncias que arrola nos artigos 791 e

792, o primeiro fazendo remissão ao art. 265, incisos I a III.

Caracterizam-se como hipóteses de suspensão obrigatória: embargos

do executado, embargos de terceiro, ação de remição, morte ou perda da

capacidade processual das partes, do representante legal ou do procurador,

morte ou perda da capacidade postulatória do advogado, exceção de

incompetência relativa, suspeição e impedimento, execução de obrigação

bilateral, frustração da alienação de imóvel de incapaz, força maior no

processo executivo, falta de bens penhoráveis, falta de localização do

executado (Lei nº 6.830/80) e suspensão da insolvência civil; ou voluntária:

convencional genérica (CPC, art. 791, II c/c o 265, § 3º) e convencional

dilatória (CPC, art. 792).304

303 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t. IX, p. 306. 304 As hipóteses aqui arroladas são bem tratadas por Araken de Assis, Manual do processo de execução, p. 934-948.

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288

Embora todas as hipóteses de suspensão arroladas também se apliquem

à execução especial hipotecária, interessa-nos, neste trabalho, o evento do

inciso I do art 791 do Código de Processo Civil que, combinado com o § 2º

do art 739 do mesmo Codex, impõe a suspensão obrigatória da execução, “no

todo ou em parte”, quando recebidos os embargos do devedor.

A regra geral (CPC, § 1º do art. 739) estabelece, de forma imperativa,

que “os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo”. A

suspensão não se origina do simples oferecimento ou distribuição, mas do

recebimento pelo órgão judiciário. Por isso que, quando rejeitados

liminarmente (CPC, art. 739), a execução prosseguirá normalmente.305 Se os

embargos forem parciais, “a execução prosseguirá quanto à parte não

embargada”, diz o § 2º do art. 739. Serão induvidosamente parciais os

embargos que tenham por fundamento o excesso de execução (CPC, inciso V

do art. 741). No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, é comum a

alegação de excessos, referindo-se a alegação, normalmente, às taxas de juros

e respectivos critérios de cálculo, forma de reajuste das prestações etc..

A execução também prosseguirá em relação ao devedor que não

embargou quando o fundamento disser respeito exclusivamente ao

embargante (CPC, § 3º do art. 739), o que caracteriza outra hipótese de

305 Araken de Assis, ibidem, p. 936.

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suspensão parcial. O exemplo claro dessa circunstância é o constante no

inciso II do art. 741 do Código de Possesso Civil, ou seja, quando é alegada a

ilegitimidade de parte.

Na execução especial hipotecária regida pela Lei nº 5.741/71, o tema

relacionado ao efeito dos embargos é, sem dúvida, um dos mais polêmicos,

havendo quem assegure estarem dele desprovidos306 e outros com

entendimento pela suspensividade307. É que o art. 5º da referida Lei estabelece

que:

“O executado poderá opor embargos no prazo de dez (10) dias contados da

penhora e que serão recebidos com efeito suspensivo, desde que alegue e

prove:

I – que depositou por inteiro a importância reclamada na inicial;

II – que resgatou a dívida, oferecendo desde logo a prova da quitação.

Parágrafo único. Os demais fundamentos de embargos previstos no art. 741

do Código de Processo Civil, não suspendem a execução”.

No Superior Tribunal de Justiça, há entendimento nos dois sentidos,

embora prevaleça aquele de acordo com o qual “os embargos do devedor

opostos à execução fundada na Lei nº 5.741⁄71 têm efeito suspensivo em face

306 Edson Ribas Malachini, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 486; Araken de Assis, Manual do processo de execução, p. 1.019. 307 Evaristo Aragão Ferreira dos Santos assinala que vincular o efeito suspensivo ao depósito da quantia exigida na execução, contraria a Constituição Federal, pois fere, dentre outros, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, in Processo de execução e assuntos afins, p. 211). Arnaldo Rizzardo, na mesma linha de infringência à Constituição Federal, sustenta ofensa ao direito de defesa do executado para manifestar o entendimento voltado ao recebimento dos embargos com efeito suspensivo (Contratos de crédito bancário, p. 182).

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290

da alteração procedida pela Lei 8.953⁄94, dando nova redação aos arts. 739 e

741 do CPC”308.

Para nós, os embargos do devedor na execução hipotecária especial não

têm efeito suspensivo só até o cumprimento de um objetivo específico da lei

que é a desocupação do imóvel hipotecado, ressalvando-se a suspensão

imediata se o devedor provar que resgatou a dívida ou depositou o respectivo

montante.

O art. 5º deve ser harmonizado com o disposto nos arts. 4º e 6º da Lei

nº 5.741/71 para, dessa combinação, extrair algumas conclusões que se nos

afiguram importantes, mesmo quando prevaleça o entendimento pela não

suspensividade dos embargos. Da interpretação dessas normas, podemos

chegar à conclusão de que elas não estão em desacordo com a regra geral do §

1º do art. 739 do Código de Processo Civil, apenas estabelecendo as exceções

dos incisos I e II do art. 5º para que se cumpra o determinado nos §§ 1º e 2º

do art. 4º. 308 REsp 468440-SE, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 25.10.04. No mesmo sentido: AgRg no REsp 522591-SE, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 28.6.2004; AgRg no REsp 354774-SE, Quarta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 12.4.2004; REsp 475713-PR, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 23.6.2003; AgRg no REsp 463484-PR, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 23.6.2003; AgRg no REsp 473817-DF, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 23.6.2003; AgRg no REsp 390880-PR, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 10.3.2003; REsp 407667-PR, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 14.10.2002; AgRg no REsp 207014-PR, Primeira Turma. Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 12.8.2002; REsp 260326-SE, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 13.8.2001; REsp 260327- SE, Terceira Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 16.4.2001; REsp 294050-PR, Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 02.4.2001; REsp 144822-PR, Primeira Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 26.3.2001; REsp 89638-PR, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 18.10.1999. São poucas as decisões daquela Corte entendendo que os embargos da execução especial hipotecária somente têm efeito suspensivo nas hipóteses dos incisos I e II do art. 5º da Lei nº 5.741/71. Cite, como exemplo, os seguintes julgados: REsp 180978-PR, Segunda Turma, Rel. Min.Franciulli Netto, DJ de 02.6.2003; REsp 196297-SC, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 04.2.2002.

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291

A regra constante do art. 5º da Lei nº 5.741/71 é no sentido de que os

embargos serão recebidos com efeito suspensivo, desde que o devedor alegue

ou prove:

“I – que depositou por inteiro a importância reclamada na inicial;

II – que resgatou a dívida, oferecendo desde logo a prova da quitação.”

Por seu lado, o art. 6º estabelece que, “rejeitados os embargos referidos

no caput do artigo anterior, o juiz ordenará a venda do imóvel hipotecado...”,

ou seja, só depois da rejeição – e aqui não se trata, obviamente, de rejeição

liminar, mas de julgamento de mérito -, é que será procedida a alienação do

bem penhorado.

Já o art. 4º possibilita ao juiz que ordene a desocupação do imóvel

desde que, citado, o devedor não efetue o pagamento da dívida, em dez dias

se estiver ocupado por terceiro e em trinta dias se pelo mutuário.

Não temos dúvidas de que o legislador, ao dizer que os embargos, em

regra, não seriam recebidos com efeito suspensivo (art. 5º e parágrafo único)

para, logo no dispositivo seguinte (art. 6º) permitir a venda do imóvel

hipotecado somente depois da rejeição dos embargos, objetivou assegurar a

desocupação ordenada no art. 4º. Nota-se que, se os embargos fossem

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292

recebidos com a suspensão do processo principal, restaria frustrada a

desocupação, pois o prazo para tanto, se o devedor estiver no imóvel, é de

trinta dias e o dos embargos, dez.

Apresentada a prova “que depositou por inteiro a importância

reclamada na inicial” ou “que resgatou a dívida, oferecendo desde logo a

prova da quitação”, o efeito suspensivo será concedido, impedindo-se a

desocupação do imóvel. A redundância do dispositivo que impõe, no caput,

que o devedor alegue e prove e no inciso II que desde logo prove a quitação

não dificulta compreender a sua exigência. A prova deve acompanhar a

petição inicial dos embargos, seja mediante a exibição de recibo, seja por

outra forma quitação.

As causas que impedem a desocupação (incs. I e II do art. 5º) são

relevantes para o resultado da execução, pois redundará na sua inevitável

extinção pela satisfação do credor, justificando-se impedir tão severa

conseqüência ao executado que, de qualquer forma, retornará ao imóvel de

sua propriedade.

Isso tudo nos permite dizer que, mesmo não ocorrendo os eventos dos

incisos I e II do art. 5º, a execução prosseguirá só até a desocupação do

imóvel. Como na execução especial hipotecária não há outros atos executivos

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293

a serem realizados depois da penhora e desocupação do imóvel, como a

avaliação, a alienação aqui, como na execução pelo procedimento comum do

Código de Processo Civil, terá que aguardar a solução dos embargos em

primeira instância.

O Projeto de Lei nº 4.497/2004 modificará, de forma substancial, a

estrutura do procedimento para a execução fundada em título extrajudicial,

conferindo efeito suspensivo aos embargos apenas excepcionalmente. A essa

nova forma dos atos executivos, como já mostramos (cfr. supra, 5.3), a

execução especial hipotecária deverá adaptar-se, inclusive quanto aos

embargos, ressalvadas as suas especificidades.

Convém destacar que não há uma ação de embargos na execução

especial e outra no Código de Processo Civil. Os embargos são os desse

Diploma e de acordo com ele se processam, observando-se apenas as

especificidades. Essa conclusão é revelada pela remissão que faz o parágrafo

único do art. 5º ao art. 741 do Código de Processo Civil.

Não se pode esquecer de mencionar que, como ressaltou o Superior

Tribunal de Justiça no aresto mencionado, por vontade do legislador, a

execução especial hipotecária tem sido adaptada ao Código de Processo Civil

(cfr. supra, 5.3). Portanto, não se deve deixar de adotar as novas regras

quando promulgadas.

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294

Fundamental lembrar, outrossim, que a adaptação da Lei nº 5.741/71 ao

Projeto acima mencionado, no que se refere à oposição, não agride os dois

objetivos que devem ser observados: o escopo social e a celeridade do

procedimento.

Pela proposta que se quer implantar pelo Projeto de Lei nº 4.497/2004,

“os embargos serão oferecidos no prazo de quinze dias, contados da data da

juntada aos autos do mandado de citação” (art. 738), “...independentemente

de penhora, depósito ou caução” (art. 736). Na execução especial, como a

penhora deve recair obrigatoriamente sobre o bem hipotecado, será ela

realizada imediatamente, não obstante o prazo já estar fluindo para o

oferecimento de embargos.

A regra geral, expressa no art. 739-A, é a de que “os embargos do

executado não terão efeito suspensivo”. A suspensividade passa a ser a

exceção. O juiz poderá conceder efeito suspensivo se entender relevantes os

fundamentos dos embargos e “o prosseguimento da execução manifestamente

possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde

que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução

suficientes” (§ 1º), podendo a decisão ser modificada ou revogada a qualquer

tempo (§ 2º). E mesmo na hipótese da concessão de efeito suspensivo, os atos

de penhora e avaliação serão realizados (§ 6º).

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295

Embora a Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994, tenha autorizado o

prosseguimento da execução na parte não impugnada pelos embargos do

devedor, essa regra pouco efeito produziu em benefício do credor. Não

atingiu os fins objetivados pelos reformistas, pois, não raro e com o propósito

de dificultar o processamento da execução, embargos aparentemente

abrangentes de toda a execução são oferecidos.

Por isso que a suspensão não pode, de fato, ser a regra geral. Nos

sistemas jurídicos atuais, a regra é a não suspensividade. Pelo Código de

Processo Civil português o executado poderá opor-se à execução “no prazo de

20 dias a contar da citação, seja esta efectuada antes ou depois da penhora”

(item 1 do art. 813) e “só suspende o processo de execução quando o opoente

preste caução ou quando, tendo o opoente impugnado a assinatura do

documento particular e apresentado documento que constitua princípio de

prova, o juiz, ouvido o exeqüente, entenda que se justifica a suspensão” (item

1 do art. 814). Só há o efeito suspensivo obrigatório nas hipóteses em que não

há citação prévia na execução.309 No direito Italiano, o art. 624 possibilita,

309 As hipóteses em que não há citação prévia extrai-se da leitura dos artigos 812º-A e 812º-B do Código de Processo Civil português: Art. 812º-A – DISPENSA DO DESPACHO LIMINAR. 1 – Sem prejuízo do disposto no n.º 2, não tem lugar o despacho liminar nas execuções baseadas em:a) Decisão judicial ou arbitral; b) Requerimento de injunção no qual tenha sido aposta a fórmula executória; c) Documento exarado ou autenticado por notário, ou documento particular com reconhecimento presencial da assinatura do devedor, desde que: – o montante da dívida não exceda a alçada do tribunal da relação e seja apresentado documento comprovativo da interpelação do devedor, quando tal fosse necessário ao vencimento da obrigação; – excedendo o montante da dívida a alçada do tribunal da relação, o exeqüente mostre ter exigido o cumprimento por notificação judicial avulsa; d) Qualquer título de obrigação pecuniária vencida de montante não superior à alçada do tribunal da relação, desde que a penhora não recaia sobre bem imóvel, estabelecimento comercial, direito real menor que sobre eles incida ou quinhão em patrimônio que os inclua. 2 – Há, porém, sempre despacho

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296

com ou sem caução, a suspensão excepcional da execução havendo gravi

motivi. Esses gravi motivi nada mais são do que os fundamentos relevantes do

Projeto de Lei nº 46497/2004, valorados sumariamente, conjugados com a

“gravità e/o irreversibilità del danno eventualmente prodotto dall’esecuzione

ingiusta”.310

Portanto, o efeito suspensivo apenas excepcional dos embargos vai ao

encontro das legislações que visam a um processo mais efetivo e moderno.

Mas, há quem argumente, como se mencionou, que a não

suspensividade dos embargos, como regra geral, ofende o princípio da

inafastabilidade do controle jurisdicional e cerceia o direito de defesa do

executado. Porém, não ocorre nenhuma dessas ofensas à Constituição Federal,

pois nem está o devedor impedido de exercer o seu direito de ação, mediante

liminar: a) Nas execuções movidas apenas contra o devedor subsidiário, em que o exeqüente tenha requerido que a penhora seja efectuada sem prévia citação do executado; b) No caso do n.º 2 do artigo 804.º. 3 – Nas execuções dispensadas de despacho liminar, o funcionário judicial deve suscitar a intervenção do juiz quando: a) duvide da suficiência do título ou da interpelação ou notificação do devedor; b) suspeite que se verifica uma das situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 812.º; c) pedida a execução de sentença arbitral, duvide de que o litígio pudesse ser cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito litigioso não ser disponível pelo seu titular. Artigo 812º-B: DISPENSA DA CITAÇÃO PRÉVIA: 1 – Fora dos casos referidos no n.º 7 do artigo 812.º, a penhora é efectuada sem citação prévia do executado quando não há lugar a despacho liminar. 2 – Nas execuções em que tem lugar despacho liminar, bem como nas movidas contra o devedor subsidiário, o exeqüente pode requerer que a penhora seja efectuada sem a citação prévia do executado, tendo para o efeito de alegar factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito e oferecer de imediato os meios de prova. 3 – No caso previsto no número anterior, o juiz, produzidas as provas, dispensa a citação prévia do executado quando se mostre justificado o alegado receio de perda da garantia patrimonial do crédito exeqüendo; a dispensa tem sempre lugar quando, no registro informático de execuções, conste a menção da frustração, total ou parcial, de anterior acção executiva movida contra o executado. 4 – Ocorrendo especial dificuldade em a efectuar, designadamente por ausência do citando em parte certa, o juiz pode dispensar a citação prévia, a requerimento superveniente do exeqüente, quando, nos termos do número anterior, a demora justifique o justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito. 310 Girolamo Monteleone, Diritto processuale civile, p. 1.080.

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297

a propositura da ação incidental de embargos reservada a esse fim, nem estará

impedido de levar a efeito com plenitude a sua defesa, seja em sede de

exceção de pré-executividade quanto à matéria que lhe pertine, seja nos

embargos quando poderá, inclusive por autorização do Código de Processo

Civil (art. 745), deduzir toda a matéria que tiver em sua defesa. Ou seja, não

há impedimento ou limitação ao executado para se defender, só que essa

defesa é diferida para uma fase posterior, por meio do exercício de uma ação

de conhecimento incidental.

Na execução especial, os gravi motivi, ou a relevância dos

fundamentos, revelam-se nas hipóteses dos incisos I e II do art. 5º da Lei nº

5.741/71 de forma objetiva, e o risco de dano na possibilidade da desocupação

do imóvel como mandam os §§ do art. 4º. A diferença é a de que, nessa

espécie, restam definidas na lei duas hipóteses relevantes que justificam a

suspensão, nada impedindo seja ela deferida se baseada em outra causa.

6.2.4. A cognição nos embargos à execução especial hipotecária

A cognição nos embargos deve ser analisada, inicialmente, em vista do

título executivo: judicial ou extrajudicial. O art. 741 do Código de Processo

Civil limita a cognição dos embargos à execução fundada em sentença às

matérias ali elencadas. Como lucidamente assinala Edson Ribas Malachini, “a

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298

limitação da matéria embargante, no caso de ‘execução fundada em título

judicial’, é conseqüência natural, lógica, do princípio de preclusão. Ora, se

houve anterior processo de cognição, parece justo, racional, que toda a

matéria que foi ou podia ter sido alegada, discutida e apreciada nesse processo

não exsurja novamente no processo executório, em demanda opositiva”311.

Por outro lado, fundando-se a execução em título extrajudicial, pode o

executado alegar qualquer matéria, “como se estivesse a contestar no

processo de cognição”,312 como autoriza o art. 745 do Código de Processo

Civil, verbis:

“Quando a execução se fundar em título extrajudicial, o devedor poderá

alegar, em embargos, além das matérias previstas no art. 741, qualquer outra

que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento”.

Portanto, a cognição no que se refere aos títulos executivos

extrajudiciais será sempre ilimitada e exauriente. Como assevera Moacyr

Amaral Santos, “no caso de execução fundada em título extrajudicial, como

este não se ampara numa sentença que haja declarado a certeza do direito do

credor, poderá esta ser impugnada pelo devedor. Por isso, nessa espécie de

execução, ao devedor será permitido impugná-la não só por fundamentos que

poderia alegar na execução baseada em título judicial como ainda por

311 Comentários ao Código de Processo Civil, v. 10, p. 557. 312 Edson Ribas Malachini, ibidem, p. 580.

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299

fundamentos que poderia aduzir, como defesa, no processo de

conhecimento”.313

Não obstante o parágrafo único do art. 5º da Lei nº 5.741/71 referir-se

ao art. 741 do Código de Processo Civil para dizer que os fundamentos ali

arrolados não suspendem a execução, por se tratar de título extrajudicial, é

lícito ao devedor alegar toda a matéria que seria legítimo aduzir em processo

de conhecimento, sob pena de ofensa ao princípio do devido processo legal.

6.2.5. O procedimento dos embargos na execução especial hipotecária

Os embargos oferecidos na forma do art. 5º da Lei nº 5.741/71,

guardadas as características específicas, processam-se na forma do Título III

do Código de Processo Civil. Tratando-se de processo de conhecimento, a

petição inicial deve obediência aos requisitos do art. 282, ressalvando-se que,

ao invés de citação (inciso VII), o embargante deve requerer a intimação do

credor (CPC, art. 740), além disso, deve estar “instruída com os documentos

indispensáveis à propositura da ação” (CPC, art. 283). Incompleta, o juiz dará

prazo ao devedor para corrigi-la, sob pena de indeferimento (CPC. art. 284).

Os embargos serão autuados em apenso ao processo de execução (CPC, art.

736).

313 Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3, p. 403.

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300

Estando em termos a petição inicial, o juiz deve receber os embargos ou

rejeitá-los liminarmente nas hipóteses do art. 739 do Código de Processo

Civil, ou seja: quando apresentados fora do prazo legal (inc. I) e nos casos

previstos no art. 295 (inc. III). Como adverte Barbosa Moreira, “a despeito do

que se lê no art. 739, nº II, está longe de ser absoluta a regra de que os

embargos devam ser também liminarmente rejeitados ‘quando não se

fundarem em algum dos fatos mencionados no art. 741’: primeiro, apesar de

sua localização no texto, entre as ‘disposições gerais’, é claro que a ora

examinada só pode dizer respeito aos embargos em execução por título

judicial, oponíveis na primeira fase, deixando de fora os previstos nos art.

745 e 746; além disso, mesmo entre aqueles, há embargos com base noutros

fatos que não os catalogados no art. 741, como os de retenção por benfeitorias

(art. 744). O único entendimento razoável do art. 739, nº II, é o de que se

rejeitarão in limine os embargos não fundados em qualquer dos fatos

suscetíveis, em tese, de servir-lhes de base”.314

Rejeitados liminarmente os embargos, o juiz profere sentença, cabendo

apelação sem efeito suspensivo. Recebendo-os, mandará intimar o credor, na

pessoa do seu advogado, para oferecer a impugnação no prazo de dez dias. A

impugnação tem as características de contestação. Por isso, o credor deve

obedecer às regras dos arts. 300 e seguintes do Código de Processo Civil,

314 O novo processo civil brasileiro, p. 295.

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301

alegando toda a matéria de defesa, juntando documentos e protestando pelas

provas que entenda necessárias.

Oferecida a impugnação, abrem-se dois caminhos ao juiz: ou profere

sentença se os embargos versarem matéria de direito ou, se de direito e de

fato, a prova for documental (CPC, parágrafo único do art. 740), ou designa

audiência preliminar (CPC, art. 740, caput, c/c art. 331), fixará os pontos

controvertidos e determinará as provas a serem produzidas marcando, em

seguida, se necessário, audiência de instrução e julgamento, prolatando,

finalmente, sentença de procedência ou improcedência.

6.2.6. A apelação nos embargos. Efeitos

Julgados os embargos, surge, para a parte vencida, a possibilidade de

interpor recurso de apelação. No caso de improcedência, por determinação

legal, a execução prosseguirá normalmente, mesmo com a interposição do

recurso, não se estendendo o efeito suspensivo verificado por ocasião do

recebimento.

A regra constante do inciso V do art. 520 do Código de Processo Civil

é clara no sentido de que a apelação será recebida “só no efeito devolutivo”,

quando interposta em vista de sentença que rejeita liminarmente ou julga

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302

improcedentes os embargos. Mas há quem defenda que, não obstante o

disposto nesse dispositivo, a execução prosseguirá de forma provisória.315

No entanto, o que está disposto no art. 587, primeira parte, do Código

de Processo Civil não deixa dúvidas: “a execução é definitiva, quando

fundada em sentença transitada em julgado ou em título extrajudicial”. Ou

seja, a execução definitiva, de título extrajudicial, será sempre definitiva.316

Edson Ribas Malachini formula uma indagação cuja inevitável resposta

negativa obsta entendimento contrário: “terão os embargos, rejeitados por

sentença, o condão de converter a natureza da execução, de definitiva em

provisória?”317

No âmbito da jurisprudência, o caráter definitivo da execução por título

extrajudicial está confirmada, mesmo na pendência de recurso em face da

sentença que rejeitou liminarmente os embargos ou os julgou

improcedentes318.

315 Nesse sentido Paulo Henrique dos Santos Lucon. Para esse autor, “pela sistemática do Código de Processo Civil, é correto afirmar que a execução aqui é provisória, pois, se, de um lado, ‘a execução é definitiva, quando fundada em sentença transitada em julgado ou em título extrajudicial’, de outro ‘é provisória, quando a sentença for impugnada mediante recurso, recebido só no efeito devolutivo’ (art. 587). Portanto, tendo sido interposta apelação com efeito meramente devolutivo contra a sentença de improcedência ou rejeição liminar dos embargos, a execução é provisória” (Embargos à execução, p. 317). 316 Celso Neves, Comentários ao Código de Processo Civil, v. VII, p. 300. 317 Comentários ao Código de Processo Civil, v. 10, p. 506. Lembra esse autor a Conclusão LI do Simpósio de Curitiba: “É definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente recurso de decisão que julgou improcedentes os embargos do devedor”. 318 REsp 435.292-SP, STJ, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 28.10.2002; REsp 253.866-SP, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 19.11.2001; REsp 188.864-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 24.9.2004; REsp 243.526-SP, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 19.6.2000; AgRg no REsp Terceira Turma, Rel. Mim. Nilson Naves, DJ de 19.6.2000. Mesmo assim, algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça decidiram em sentido contrário: REsp 258.019-SP,

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303

No caso da execução especial hipotecária, soma-se o fato de que o art.

6º da Lei nº 5.741/71 determina que a venda do imóvel hipotecado será

realizada assim que rejeitados os embargos. Portanto, independentemente da

interposição de recurso de apelação pelo executado em face da sentença de

rejeição liminar ou de improcedência, a execução hipotecária especial

prosseguirá definitivamente.

O Projeto de Lei nº 4.497/2004, se de um lado dissipa qualquer dúvida

ainda remanescente acerca da definitividade da execução quando pendente

julgamento de recurso de apelação, pois a regra geral será a de que os

embargos não terão efeito suspensivo, por outro, com a nova redação que

pretende dar ao art. 587 do Código de Processo Civil, também deixa claro

que, enquanto pendente recurso de apelação da sentença que julgou

improcedentes embargos recebidos com efeito suspensivo, a execução será

provisória:

“É definitiva a execução fundada em título extrajudicial; é provisória,

enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos do

executado, quando recebidos com efeito suspensivo (art. 739)”.

Aqui se prefere estender o efeito suspensivo conferido aos embargos

em razão da sua relevância e risco de dano também enquanto pendente o

Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 23.10.2000; REsp 243.245-SP, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 02.5.2000.

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304

recurso de apelação, tornando-a provisória. Obviamente que, no caso de

rejeição liminar, não só pela leitura do art. 587 (“...sentença de

improcedência...”), como pelo fato de não ter ocorrido o recebimento dos

embargos e, conseqüentemente, não tendo havido nenhuma apreciação acerca

do cabimento do efeito suspensivo, a execução prosseguirá de forma

definitiva.

Por fim, na hipótese de procedência dos embargos, a execução ficará

suspensa enquanto pendente o recurso de apelação, “pois esta atinge o efeito

suspensivo produzido pelo recebimento dos embargos”.319

6.2.7. Os embargos de segunda fase

Embora a Lei nº 5.741/71 não se reporte aos embargos de segunda fase

expressamente, para o desfazimento da arrematação e da adjudicação cabem

os embargos previstos no 746 do Código de Processo Civil, verbis:

“É lícito ao devedor oferecer embargos à arrematação ou à adjudicação,

fundados em nulidade da execução, pagamento, novação, transação ou

prescrição, desde que supervenientes à penhora.

Parágrafo único. Aos embargos opostos na forma deste artigo, aplica-se o

disposto nos Capítulos I e II deste Título.”

319 José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 297. Também pela permanência do efeito suspensivo Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3, p. 423.

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305

Como afirma Celso Neves, esses embargos “investem contra certos e

determinados atos processuais executórios - arrematação e adjudicação – de

que decorre, ou a transferência coativa dos bens penhorados a terceiro

licitante, cuja oferta foi acolhida e aceita, pondo remate ao procedimento

específico da conversão dos bens penhorados em dinheiro, ou ao próprio

exeqüente, na hipótese de adjudicação”.320

Não servem os embargos de segunda fase para alguns meios de

expropriação, como o desconto em folha e o usufruto321, prestando-se

exclusivamente para a desconstituição da arrematação ou adjudicação.

Defende Araken de Assis que a cognição limita-se à matéria

estabelecida no art. 746: nulidade da execução, pagamento, novação,

transação ou prescrição desde que supervenientes à penhora. No entanto,

como observam José Carlos Barbosa Moreira, acompanhado por Paulo

Henrique dos Santos Lucon, o executado poderá alegar qualquer causa

impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação desde que superveniente à

penhora, sendo, portanto, meramente exemplificativo o rol do art. 746.322

Outrossim, fazendo o parágrafo único do referido artigo remissão à disciplina

dos embargos de primeira fase, eles são dotados de efeito suspensivo e o 320 Comentários ao Código de Processo Civil, v. VII, p. 301-302. 321 Paulo Henrique dos Santos Lucon, Embargos à execução, p. 118; Araken de Assis, Manual do processo de execução, p. 977; Antonio Carlos Garcias Martins, Dos embargos de segunda fase: aspectos relevantes, p. 38. 322 José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 294; Paulo Henrique dos Santos Lucon, Embargos à execução, p. 118.

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306

prazo para a oposição é de dez dias, contados da ciência do executado do auto

de arrematação ou adjudicação, exigindo os mesmos requisitos e seguindo o

procedimento usual.

6.3. A exceção de pré-executividade

A exceção de pré-executividade, conseqüência da criatividade da

doutrina, é forma de defesa endoprocessual do executado, hoje admitida de

forma tranqüila pela jurisprudência.

A denominação do incidente ainda é objeto de polêmicas. Várias

sugestões logo surgiram para intitular o incidente como “objeção de

preexecutividade”, como quer Nelson Nery Jr.323, “defesa intraprocessual”,

como aventa Edson Ribas Malachini324 etc.. O uso consagrou, no entanto, a

expressão exceção de pré-executividade325.

Encontra-se superado também o debate acerca da sua natureza jurídica.

Trata-se de incidente defensivo do executado,326 exercido por meio de simples

323 Para Nelson Nery Jr. a expressão “exceção de pré-executividade é imprópria “...porque “exceção” traz ínsita a idéia de disponibilidade do direito, razão por que não oposta a exceção ocorre a preclusão. O correto seria denominar esse expediente de objeção de preexecutividade, porque seu objeto é matéria de ordem pública decretável ex officio pelo juiz e, por isso mesmo, insuscetível de preclusão” (Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 137). 324 Comentários ao Código de Processo Civil, v. 10, p. 188. 325 José Carlos Barbosa Moreira dedicou trabalho específico para criticar a expressão “exceção de pré-executividade”, cuja opinião pode ser vista no artigo Exceção de pré-executividade: uma denominação infeliz, in Temas de direito processual civil, sétima série, p. 119. 326 A expressão “incidente defensivo” é de Alberto Camiña Moreira: “a exceção de pré-executividade, criação doutrinária, admitida pela jurisprudência, é incidente defensivo. Não goza de contemplação

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307

petição acompanhada dos documentos comprobatórios das alegações e

processado nos próprios autos da execução, sem a necessidade de penhora.

Não obstante a não suspensividade da execução, é natural que o

oferecimento do incidente crie embaraços ao seu processamento com

despachos, intimações, manifestação do credor, decisão, recurso etc.. Por isso,

pelo Projeto de Lei nº 4.497/2004 pretende-se, como declara a Exposição de

Motivos, possibilitar ao devedor que ofereça embargos no prazo de quinze

dias da citação independentemente da efetivação de penhora, cujo escopo é

eliminar o uso da exceção de pré-executividade:

“nas execuções por título extrajudicial a defesa do executado – que não mais

dependerá da ‘segurança do juízo’ – far-se-á através de embargos, de regra

sem efeito suspensivo (a serem opostos nos quinze dias subseqüentes à

citação), seguindo-se instrução probatória e sentença; com tal sistema,

desaparecerá qualquer motivo para a interposição da assim chamada (mui

impropriamente) ‘exceção de pré-executividade’, de criação pretoriana e que

tantos embaraços e demoras atualmente causa ao andamento das execução.”

Se o objetivo manifestado na Exposição de Motivos não eliminará

definitivamente a utilização do incidente, pois, como veremos adiante, ele

pode ser oferecido enquanto pendente o processo de execução e

normativa, nem precisa, pois é latente no sistema processual” (Defesa sem embargos do executado – exceção de pré-executividade, p. 43).

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308

independentemente do prazo de embargos, a possibilidade do devedor

defender-se por meio de ação incidental, na qual a cognição é plena e

exauriente, prescindindo da penhora, por certo diminuirá a sua utilização.

No que se refere ao prazo de oferecimento, de início, imaginou-se

considerá-lo como sendo o de vinte e quatro horas, que se contaria da citação.

Porém, como a lei não o fixa - sequer há previsão expressa do incidente -, o

que dita a oportunidade é a matéria que pode ser alegada, ou seja, tratando-se

de matéria de ordem pública, enquanto pendente o processo de execução,

pode o executado fazer uso da exceção. Para quem admite a alegação de

exceções substanciais, como veremos, há que se observar as questões

relacionadas à preclusão. 327

6.3.1. Matérias da exceção de pré-executividade

Uma vez que se admita a exceção de pré-executividade como um

incidente por meio do qual o executado realiza defesa com o propósito de

resistir à pretensão executiva, é necessário precisar quando isso é possível,

tendo em vista a matéria que pode ser argüida.

327 Rosalina P.C. Rodrigues Pereira tem posição particular sobre o prazo da exceção de pré-executividade em relação ao entendimento atual. Assevera que “o que se admite com a exceção de pré-executividade, e o que se objetiva, principalmente, é a possibilidade de uma defesa sem a penhora, sem o ato de constrição do bem. Assim, a exceção de pré-executividade pode ser oposta a partir do ajuizamento da execução até o término do prazo para a oposição dos embargos. Ou seja, antes da penhora, do ajuizamento da ação até o prazo de 24 horas a partir da citação; ou até a oposição dos embargos, porque, nesse caso, mesmo já se tendo realizado o ato constitutivo, a decisão do juiz extinguindo o processo geraria a desconstituição da penhora, evitando os danos decorrentes desta, o que, por certo, a oposição dos embargos acarretaria” (Ações prejudiciais à execução, p. 437).

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309

A doutrina e a jurisprudência principiaram por optar em estabelecer que

apenas as matérias de ordem pública, mencionadas no § 3º do art. 267 e no §

4º do art. 301 do Código de Processo Civil328 e que dizem respeito aos

pressupostos processuais e condições da ação, que também se aplicam ao

processo de execução, passíveis de conhecimento de ofício pelo juiz,

poderiam ser alegadas na exceção de pré-executividade.329

Não obstante, vem alargando-se a admissibilidade pela alegação de

exceções substanciais, como o pagamento e a prescrição. Na doutrina, Alberto

Camiña Moreira entende que o pagamento, como objeção de direito material,

pode ser conhecida de ofício pelo juiz330. Também aceita a alegação de

prescrição.331 Na mesma linha está Geraldo da Silva Batista Júnior332 e Olavo

de Oliveira Neto333.

Na jurisprudência, observa-se evidente o alargamento das matérias,

como se vê de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça que admitiu a

argüição de prescrição:

328 Algumas das matérias arroladas no art. 301, obviamente, não se aplicam ao processo de execução, como é o caso do pressuposto processual negativo da coisa julgada, pois, nele, não se verifica a coisa julgada material. 329 Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier admitem apenas as matérias de ordem pública na exceção de pré-executividade (Sobre a objeção de pré-executividade, in Processo de execução e assuntos afins, p. 404-412). 330 Defesa sem embargos do executado - exceção de pré-executividade, p. 160. 331 Ibidem, p. 168. 332 Exceção de pré-executividade, p. 40-41. 333 A defesa do executado e dos terceiros na execução forçada, p. 114

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310

“A exceção de pré-executividade é servil à suscitação de questões que devam

ser conhecidas de ofício pelo juiz, como as atinentes à liquidez do título

executivo, os pressupostos processuais e as condições da ação executiva.

O espectro das matérias suscitáveis através da exceção tem sido ampliado

por força da exegese jurisprudencial mais recente, admitindo-se a argüição

de prescrição e de ilegitimidade passiva do executado, desde que não

demande dilação probatória (exceção secundum eventus probationis).

Consectariamente, a veiculação da prescrição em exceção de pré-

executividade é admissível. Precedentes (REsp 388000/RS; DJ

DATA:18/03/2002, Relator Min. José Delgado; e REsp 537617/PR, DJ

DATA:08/03/2004, Relator Min. Teori Albino Zavascki).”334

Como adverte Eduardo Arruda Alvim,

“não é fácil estabelecer uma fórmula jurídica que possa delimitar com

precisão o universo de hipóteses suscetíveis de serem levantadas por meio de

exceção de pré-executividade. É possível fornecer ao intérprete nortes tais

como a impossibilidade de dilação probatória na própria execução (não,

claro, nos embargos do devedor). Na verdade, trata-se de indagação que há

de ser respondida, tendo em vista tais parâmetros, à luz do caso concreto”.335

Independentemente da extensão das matérias que se possa admitir, o

que deve nortear a admissibilidade do incidente, inicialmente, é a intensidade

da produção probatória. Não raro, mesmo quando se trate de alegação de

matéria de ordem pública, a dilação probatória pode ser necessária, o que não

334 REsp 651926-RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 28.02.2005. 335 Exceção de pré-executividade, in Processo de execução, p. 237.

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311

se acomoda nos estreitos limites de cognição do processo executivo. A prova

deve ser apresentada com a alegação - se já não se encontrar nos autos - e ser

suficiente para possibilitar ao juiz o julgamento do incidente336.

Reside na possibilidade de extensa produção de provas incompatível

com o escopo da execução uma das dificuldades para se aceitar a alegação de

pagamento. Mesmo que o devedor exiba o recibo correspondente, o credor

deve ser ouvido e pode discordar da sua validade; o juiz não poderá

reconhecer o pagamento, mesmo diante do recibo apresentado, sem

possibilitar a prova da divergência manifestada pelo credor, sob pena de

cercear o direito de defesa, o que significa dilatar o procedimento. Como não

é coerente com os fins da execução, a ampliação do debate deverá conduzir a

discussão para a ação incidental de embargos. Portanto, só haveria

possibilidade de acolhimento do incidente, nessa hipótese, se houvesse

concordância do credor com os argumentos do devedor.337

336 De acordo com Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier, “a necessidade de uma instrução trabalhosa e demorada, como regra, inviabiliza a discussão do defeito apontado no bojo do processo de execução, sob pena de que esse se desnature. (...) Essa perceptibilidade prima facie é verificável toda vez que for possível ao juiz detectar a existência de vício que inviabilize a execução a partir do próprio material constante do processo, com o qual o credor, aliás, instrui a execução” (Sobre a objeção de pré-executividade, in Processo de execução e assuntos afins, p. 410-411). 337 Sérgio Shimura cita acórdão prolatado na Ap. cível 105.944-MG, 4ª Turma do TRF, Rel. Des. Pádua Ribeiro, j. 14.5.86 nesse sentido: “O executado pode alegar pagamento nos próprios autos da execução, antes de efetivada a penhora. Nesse caso, deve o magistrado abrir vista dos autos ao exeqüente e, reconhecido o pagamento, declarar extinto o processo, condenando-se aquele a pagar honorários módicos ao executado. Se o exeqüente não reconhecer o pagamento, é indispensável que se proceda à penhora de bens do devedor, podendo este, após garantido o juízo, oferecer embargos fundados em pagamento” (Título executivo, p. 81).

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312

Em vista da ampliação do objeto do incidente, como assinala Araken de

Assis, “a essa altura definitivo e irrevogável, obviamente não excluíram sua

aplicação aos pressupostos processuais e às condições da ação, planos

preliminares – intencionalmente separados pelo legislador, ao lhes reservar os

incisos IV e VI do art. 267 – a qualquer pronunciamento acerca de exceções

substanciais. Continua cabível pôr em causa a certeza, a liquidez e a

exigibilidade do título, atributos cuja falta implica nulidade cominada (art.

618, I)”.338

6.3.2. O momento da argüição da exceção de pré-executividade

Em vista do assinalado alargamento das matérias passíveis de alegação

na exceção de pré-executividade, torna-se relevante tratar dos fenômenos da

preclusão e da coisa julgada.

É sabido que não há preclusão para as matérias de ordem pública até

que seja prolatada a sentença ou extinto o processo de execução.

Conseqüentemente, podem ser argüidas pelo devedor em qualquer tempo,

antes ou depois dos embargos, e tenha ou não a ação incidental sido oferecida.

Concorda com esse entendimento Teori Albino Zavascki339. O único

338 Exceção de pré-executividade, AJURIS – Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 78:24-37. 339 Teori Albino Zavascki assim se expressa quando admite a utilização do incidente até mesmo depois do julgamento dos embargos, evidentemente quando se trate de matéria de ordem pública: “os defeitos da

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313

impedimento para que seja alegada por meio da exceção de pré-executividade

é se foram objeto de alegação nos embargos do devedor, impondo-se então

reconhecer a eficácia preclusiva da coisa julgada, esta sim produzindo efeitos

fora do processo.

Às exceções substanciais, como a prescrição e o pagamento, contudo,

deve ser dado outro tratamento, já que a parte tem o ônus da alegação. Assim,

poderá o devedor alegá-las por meio da exceção de pré-executividade até o

prazo dos embargos,340 observando-se a desnecessidade de produção de

provas.

Tem importância, por outro lado, que a matéria decidida no âmbito do

processo de execução - decisão interlocutória -, trazida ao juiz pelo devedor

por meio da exceção de pré-executividade poderá, se rejeitada, ser objeto de

reiteração nos embargos. Claro que não poderá ser rediscutida no processo de

execução em decorrência dos efeitos da preclusão. É que a preclusão opera-se petição inicial, a ausência de pressuposto processual e de condição da ação, a inexistência ou a deficiência do título executivo, quando não detectados pelo exame inicial do juiz, são matérias próprias da ação de embargos de devedor (CPC, art. 741). Todavia, quando a irregularidade se demonstrar evidente a ponto de dispensar dilação probatória a respeito, nada impede que o executado a denuncie desde logo, mediante simples petição na própria ação executiva, independentemente de embargos, ou no curso destes, ou até após seu julgamento, se o tema não tiver sido neles proposto. A essa iniciativa costuma-se denominar exceção de pré-executividade, cuja abrangência temática pode avançar sobre a própria nulidade do título executivo, quando ‘evidente e flagrante, isto é, nulidade cujo reconhecimento independa de contraditório ou dilação probatória’. Comportam-se no âmbito da exceção de pré-executividade, portanto, as situações de notória falta de certeza, liquidez ou exigibilidade do título, matéria que, nessas circunstâncias, poderia ter sido apreciada até de ofício” (Processo de execução, p. 285-286). 340 Araken de Assis anota que “a inclusão das exceções substantivas no âmbito desse instituto altera o panorama e, eventualmente, o resultado importa à vexata questio. Por um lado, é fora de dúvida que tais exceções, integrando a defesa indireta de mérito, se sujeitam à preclusão: omitida a alegação no momento oportuno, não poderá o réu fazê-lo posteriormente, nem o juiz conhecê-las ex officio, porque a lei exige a iniciativa da parte (art. 128)” – (Exceção de pré-executividade, AJURIS – Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 78:24-37).

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314

apenas dentro do próprio processo, ou seja, não expande seus efeitos para

além dos seus limites e o julgamento proferido na execução não é idôneo para

produzir coisa julgada material.

6.3.3. Argüição antes da decisão que ordena a citação

Ao receber a petição inicial de execução, cumpre ao juiz verificar a

existência das condições da ação, os pressupostos processuais e se ela

preenche os requisitos necessários (CPC, arts. 282 e 614). Não estando

completa e sendo possível a emenda, cabe determinar ao credor que a corrija

no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de indeferimento (CPC, art. 616). A

questão que se coloca é sobre a possibilidade do devedor oferecer a exceção

de pré-executividade antes do despacho que ordena a citação.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery admitem que a

objeção de executividade seja oferecida desde o ajuizamento da execução.341

No entanto, não se justifica a oferta do incidente antes do “despacho” que

determina a citação, pois: a) ao juiz deve ser oportunizado o controle da

petição inicial, indeferindo-a se não for possível a correção; b) de acordo com

a norma inserta no art. 616 do Código de Processo Civil, estando a petição

341 Segundo os doutrinadores citados, a exceção de pré-executividade, por eles denominada de objeção de executividade, “Pode ser oposta a partir do ajuizamento da execução. O dies a quo do prazo, portanto, é a data do ajuizamento da execução” (Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil em vigor, p. 1.189,).

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315

inicial incompleta, o juiz deve possibilitar ao credor que a corrija, sendo isso

possível. Na hipótese de não ser corrigida, será então indeferida.

6.3.4. Argüição antes da citação

Mas, se de um lado não é admissível oferecer a exceção de pré-

executividade antes do despacho que ordena a citação, logo depois e antes

dela pode ela ser manifestada.

Nada impede que o executado compareça espontaneamente nos autos,

dando-se por citado e, ao mesmo tempo, formule suas alegações por meio

desse incidente. A tanto está autorizado pelo § 1º do art. 214 do Código de

Processo Civil.

6.3.5. Oferecimento com penhora já realizada

A doutrina demonstra que a exceção de pré-executividade foi concebida

e inicialmente compreendida como cabível para evitar o ato de constrição do

bem. Ainda hoje há quem entenda a existência do incidente com esse

objetivo342. No entanto, embora não seja sucedâneo dos embargos do devedor,

nada impede que, mesmo estando garantido o juízo da execução, possa o

devedor oferecê-la.

342 Nesse sentido, Rosalina P. C. Rodrigues Pereira, Ações prejudiciais à execução, p. 437.

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316

É claro que, se ainda no prazo, a sua defesa poderá ser realizada de

forma mais ampla na ação incidental, já que a exceção de pré-executividade

tem a cognição restrita.

6.3.6. Aplicação das penas dos arts. 22 e 267, § 3º do Código de Processo Civil (custas de retardamento)

Araken de Assis mostra que o executado poderá deduzir o incidente a

qualquer tempo, mesmo estando adiantado o processo executivo. Alerta que,

“deixando o executado de alegá-la, todavia, ‘na primeira oportunidade em que

lhe cabia falar nos autos’, responderá pelas ‘custas de retardamento’ (art. 267,

§ 3º, in fine). Assim, o reconhecimento da ilegitimidade passiva após a

publicação dos editais de praça, em virtude da inércia do executado,

provocará a responsabilidade deste último pelas respectivas e vultosas

despesas”.343

Essa pena pode ser aplicada ao devedor que, depois do prazo dos

embargos, comparece nos autos e alega matéria em exceção de pré-

executividade que poderia ter ventilado na ação incidental, proporcionando ao

juiz o acolhimento da alegação e a conseqüente extinção da execução.

343 Exceção de pré-executividade, AJURIS – Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 78:24-37.

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317

Nos embargos é que surge a primeira oportunidade em que o devedor

pode, segundo os termos da lei, falar nos autos. Se a alegação for antes,

mesmo transcorrido longo prazo entre a citação e os embargos, não cabe a

aplicação da pena.

6.3.7. O último momento em que a exceção de pré-executividade pode ser argüida

Em todas as passagens nas quais se afirmou que a exceção de pré-

executividade pode ser argüida em qualquer momento, evidentemente se teve

em conta que esse “qualquer momento” deve ser considerado “enquanto

pendente o processo de execução” e em relação às matérias de ordem pública,

em relação às quais não se opera o fenômeno da preclusão. Quanto às

exceções substanciais, como se viu, há limitação temporal para sua alegação.

Nos termos do art. 794 do Código de Processo Civil, a execução extingue-se

quando:

“I – o devedor satisfaz a obrigação;

II – o devedor obtém, por transação ou por qualquer outro meio, a remissão

total da dívida;

III – o credor renunciar ao crédito”.

Ademais, a execução tem fim, ainda, com os atos que importem a

alienação judicial do bem penhorado e o conseqüente pagamento ao credor.

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318

Tendo havido a extinção da execução pelas hipóteses do art. 794 do

Código de Processo Civil ou pela expropriação do bem penhorado, não mais

poderá o devedor argüir exceção de pré-executividade, nem mesmo naquelas

hipóteses em que cumpre ao juiz conhecer de ofício as matérias argüidas.

6.3.8. Exceção de pré-executividade e suspensão da execução

A suspensão do processo de execução é excepcional, como vimos (cfr.

supra, 6.2.3), e só ocorre nas situações descritas na lei. Não estando entre as

causas arroladas, a exceção de pré-executividade não tem o condão de

suspender o procedimento executivo. Intimando o credor para que se

manifeste sobre as alegações do devedor, o juiz deverá determinar a

continuidade dos atos executórios, decidindo em seguida o incidente: se o

acolher, extinguirá o processo ou limitará os atos executivos; se rejeitá-lo, a

execução prosseguirá.

6.3.9. O recurso cabível da decisão que julga a exceção de pré- executividade

Poucas dúvidas existem quanto aos recursos cabíveis da decisão que

rejeita ou acolhe a exceção de pré-executividade. Tratando-se de incidente, a

decisão que o rejeita é interlocutória, na definição contida no § 2º do art. 162

do Código de Processo Civil e, portanto, o recurso é o agravo previsto no art.

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319

522 do mesmo Codex. O mesmo recurso é cabível na hipótese de acolhimento

parcial, pois o processo de execução continuará com a exclusão dos excessos

reconhecidos.

Porém, se a matéria discutida no incidente, desde que acolhida, leva à

extinção da execução, o juiz estará prolatando sentença e, portanto, cabe o

recurso de apelação (CPC, art. 513).

6.4. Ações autônomas de conhecimento

É expressivo o número de ações de mutuários com a finalidade de

discutir os termos dos contratos de financiamento imobiliário. Os temas são

variados: taxa de juros, critério de cálculo dos juros, sistemas de amortização,

reajuste da prestação etc. Revela-se importante, desse modo, tratar dessas

demandas que, se não representam meio de oposição direta, podem trazer

reflexos para o desenvolvimento da execução ou, se já finda essa, provocar

outras conseqüências para as partes envolvidas344.

As ações autônomas de conhecimento aqui analisadas “podem ter o

mesmo conteúdo dos embargos, mas são propostas fora do momento e

oportunidade destes”345. É o que a doutrina tem chamado de defesas

344 Destaca Sérgio Shimura que, “hoje, qualquer ação autônoma é proponível para discutir o débito constante do título (ação anulatória de título, anulatória de relação cambial, declaratória de falsidade, declaratória de inexigibilidade da obrigação etc)” (Título executivo, p. 344). 345 Rosalina P. C. Rodrigues Pereira, Ações prejudiciais à execução, p. 221

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320

heterotópicas346. Quando se fala em mesmo conteúdo dos embargos a

referência é feita àquelas matérias que atingem o direito consubstanciado no

título ou o próprio título. Aquelas que dizem respeito às condições da ação e

pressupostos processuais não poderão ser argüidas em ação autônoma, mas

somente na execução ou nos embargos. Enuncia Rosalina P. C. Rodrigues

Pereira que tais matérias podem ser alegadas na própria execução e

independentemente de embargos do devedor, porque haveria o óbice da

preclusão endoprocessual, sendo eventuais irregularidades “sanadas com o

término do processo executivo”. Sustenta, no entanto, que essa regra não é

absoluta, pois “se no processo executivo houver a falta de um pressuposto

processual de existência da relação processual, como, por exemplo, a falta de

capacidade postulatória ou de jurisdição, sendo o processo executivo

comandado por quem não é juiz, em tese, é cabível a ação declaratória

autônoma, porque o sistema processual entende que tais vícios jamais se

sanam. Isto é, tais vícios são insanáveis porque dizem respeito à existência da

relação jurídica processual”347.

São pressupostos processuais de existência do processo: 1) petição

inicial (existência de uma demanda); 2) jurisdição; 3) citação; 4) “saindo do

campo da teoria geral do processo e passando para o campo específico do 346 Lembra Sandro Gilbert Martins que “optou-se em denominar heterotópica essa defesa, pois as disposições relativas a essas diferentes ações manejáveis pelo executado e seus eventuais reflexos sobre a execução encontrarem-se em tópicos próprios, não inseridos no Livro II do Código de Processo Civil que trata do processo de execução” (A defesa do executado por meio de ações autônomas, p. 104-105). 347 Ações prejudiciais à execução, p. 222.

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321

Direito positivo brasileiro, similar, aliás, a outros ordenamentos, notamos

ainda um quarto requisito para a formação do processo: a capacidade

postulatória (arts. 254 e 36). A capacidade postulatória é requisito da

existência da relação jurídica processual, mas não propriamente como

pressuposto processual.”348

Ausente qualquer um deles, o processo não se forma de maneira eficaz

e tudo o que dele derivar (inclusive a “sentença de mérito”), também não terá

eficácia (ou será inexistente, para alguns). É o caso clássico de inexistência da

citação. A sua falta não permite a formação do processo, admitindo a

doutrina, nessa hipótese, a subsistência da querela nullitatis349.

Para Barbosa Moreira, “os vícios da sentença podem gerar

conseqüências diversas, em gradação que depende da respectiva gravidade. A

sentença desprovida de elemento essencial, como o dispositivo, ou proferida

em ‘processo’ a que falte pressuposto de existência, como seria o instaurado

perante órgão não investido de jurisdição, é sentença inexistente, e será 348 Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, v. 1, p. 473. 349 Tratando do vício da citação no processo de execução e do cabimento da querela nullitatis, observa Sandro Gilbert Martins diz que: “Essa actio nullitatis pode ser proposta, caso se trate de título executivo judicial, antes ou depois de já iniciada a execução. Se se tratar de título extrajudicial, o vício da citação somente poderá ser alegado após incoada a execução, pois é nela que o vício se verificará”. “Em resumo: a sentença condenatória proferida à revelia do réu que não fora citado ou não fora regularmente citado, assim como a execução que se segue sem a citação ou regular citação do executado, constitui vício de tamanha gravidade que pode em todo e qualquer processo ser comprovado, mesmo através de ação própria. No primeiro caso, este vício demonstra que a execução se apresenta inadequada para a satisfação do direito aparente contido no título (execução substancialmente injusta ou execução de reflexos substanciais injustos); e no segundo, a execução ofende o princípio do devido processo legal (execução formalmente injusta ou de títulos executivos ilegítimos)” (A defesa do executado por meio de ações autônomas, p. 194-195).

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322

declarada tal por qualquer juiz, sempre que alguém a invoque, sem

necessidade (e até sem possibilidade) de providência tendente a desconstitui-

la: não se constitui o que não existe. Mas a sentença pode existir e ser nula,

v.g., se julgou ultra petita. Em regra, após o trânsito em julgado (que, aqui, de

modo algum se preexclui), a nulidade converte-se em simples

rescindibilidade. O defeito, argüível em recurso como motivo de nulidade,

caso subsista, não impede que a decisão, uma vez preclusas as vias recursais,

surta efeito até que seja desconstituída, mediante rescisão”350.

A rigor, a sentença oriunda de processo inexistente não tem eficácia

jurídica. Mas pode produzir efeitos faticamente.351 E, se ele não é eficaz ou

inexistente, também os atos executivos realizados em processo de execução

de título judicial ou extrajudicial com defeitos semelhantes não são eficazes

ou não existem. Assim, o exemplo da execução processada sem citação.

Por isso, cabível a ação autônoma de conhecimento para o

“desfazimento” dos atos executivos oriundos de processo de execução em que

faltou pressuposto processual de existência, concluindo-se que matérias

350 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 96/97 351 Observa Tereza Arruda Alvim Wambier que: “atos inexistentes juridicamente podem produzir efeitos, desde que isto seja possível, material, fática e concretamente. Uma sentença a non judice, proferida, v.g., por juiz aposentado, é inexistente. E se isso passar desapercebido? A inexistência é jurídica, não fática. Pode ser até que uma “sentença” sem decisum muito se aproxime, do ponto de vista da aparência, a uma sentença, no sentido jurídico. Mas não o é. Pode ser até que a forma como está redigida dÊ azo à confusão sobre o que seja decisum e o que seja fundamento. Contudo, conquanto uma autoridade (no caso, uma autoridade investida de jurisdição) não o disser, se a sentença tiver aptidão material para gerar efeitos, os gerará” (Nulidades do processo e da sentença, p. 350).

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323

processuais dessa ordem não ficam restritas à alegação na própria execução

ou na ação incidental de embargos. Essas, no entanto, são situações raras.

Freqüentes e, por isso mais relevantes, são aquelas por meio das quais o

devedor quer atacar o título executivo.

6.4.1. A relação entre a ação autônoma de conhecimento e a ação executiva

A ação de execução e a de conhecimento têm características próprias

que as distinguem. Uma visa ao acertamento e a outra à realização de atos

concretos para a satisfação do direito. Importa investigar a relação existente

entre elas para que se possa estabelecer quais as conseqüências de uma sobre

a outra. Há conexão, continência, litispendência ou relação de

prejudicialidade?

6.4.2. Conexão ou continência. Execução e ação de conhecimento

“Reputam-se conexas duas ou mais ações”, diz o art. 103 do Código de

Processo Civil, “quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir”.

A par da conexão, também como fenômeno processual de modificação

da competência, o art. 104 do Código de Processo Civil diz que: “dá-se a

continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às

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324

partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o

das outras”. Conexão e continência, portanto, possibilitam a reunião de

processos que correm separados para que sejam simultaneamente julgados,

evitando-se decisões conflitantes.

Não há como sustentar que entre a ação de execução e a ação de

conhecimento exista conexão na forma estabelecida no art. 103 do Código de

Processo Civil, pois, pela análise do objetivo do instituto da conexão,

observa-se ser inaplicável à espécie a regra do art. 105 do Código de Processo

Civil que determina a reunião dos processos para que sejam decididos

simultaneamente. Com efeito, a reunião dos processos quando há conexão ou

continência tem por finalidade evitar que decisões contraditórias sejam

proferidas. Ora, no processo de execução não há decisão que possa conflitar

com aquela a ser proferida em processo de conhecimento. Como assinala

Rosalina P. C. Rodrigues, “embora ambas decorram da mesma relação de

direito material, têm objetos distintos que ensejam procedimentos diversos. O

processo de conhecimento visa à obtenção de uma sentença, enquanto na

execução o objetivo é a prática de atos materiais coercitivos do patrimônio do

devedor. Essa diversidade de ritos torna impraticável a reunião dos processos,

e, desse modo, inadmissível a conexão, já que esta implica a reunião de

processos para julgamento em comum”352.

352 Ações prejudiciais à execução, p. 263.

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325

Outrossim, para que haja conexão ou continência é imprescindível

identidade de um ou de alguns dos elementos das ações: a) partes; b) causa de

pedir; c) pedido, embora se reconheça outras formas de conexão, como sugere

a doutrina. Não há dificuldades, em regra, na identificação das partes, ou

seja, partes no processo são autor e réu. O pedido, por sua vez, divide-se em

imediato, que é o tipo de providência jurisdicional pleiteada (condenatória,

constitutiva, declaratória, executiva etc), e mediato, o bem jurídico reclamado,

ou seja, o bem da vida.353

Outro elemento da ação é a causa de pedir. Observando-se o inc. III, do

art. 282 do Código de Processo Civil, percebe-se que a causa de pedir é dupla

ou complexa, dividindo-se em dois momentos: o do elemento fático e o da

qualificação jurídica.354 Daí, decorre a causa de pedir próxima (qualificação

jurídica) e a remota (fatos constitutivos). Na execução, a causa de pedir

também é complexa, sendo o título executivo a causa remota e o

inadimplemento a causa próxima.

Nota-se que os elementos causa de pedir e pedido nas ações de

conhecimento e de execução não se identificam, não se podendo falar,

portanto, em conexão ou continência, na forma dos arts. 103 e 104 do Código

de Processo Civil. 353 A doutrina, de modo geral, assinala que, na ação declaratória, o objeto mediato confunde-se com o imediato “porque na simples declaração de existência ou inexistência da relação jurídica se esgotam a pretensão do autor e a finalidade da ação”. 354 Juvêncio Vasconcelos Viana, A causa de pedir nas ações de execução, in Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas), p. 94.

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326

6.4.3. Conexão por prejudicialidade

O art. 103 do Código de Processo Civil, porém, não abrange todas as

formas do fenômeno conexão. A hipótese ali prevista é apenas uma espécie

do gênero. Entre as várias espécies, parte da doutrina assinala que a

prejudicialidade é uma de suas formas, pelo que se convencionou chamar de

conexão por prejudicialidade355, embora se reconheça a existência de

conexão sem prejudicialidade e vice-versa356. Essa forma de conexão, quando

existente entre processo de conhecimento e processo de execução, segundo

parcela minoritária da doutrina, também enseja a reunião dos feitos, pois não

haveria motivo para o impedimento se ambas fundarem-se em fatos comuns

ou nas mesmas relações jurídicas357.

Contudo, embora inegável a relação de prejudicialidade, a ação

autônoma não tem o condão de suspender a execução, pois a suspensão

355 Sérgio Shimura, depois de asseverar que “a prejudicialidade mantém vínculo de afinidade com a conexão, no aspecto de evitarem decisões conflitantes”, arremata que, “em verdade, a prejudicialidade é uma forma de conexão” (Título executivo, p. 367). 356 É o que afirma Sandro Gilbert Martins, citando posição doutrinária que adota: “Embora se tenha dito que a prejudicialidade é forma de conexão (v. 4.1.3), ambos os institutos não se confundem, cada um mantendo suas características próprias. Isto é, pode haver conexão sem haver prejudicialidade, sendo a recíproca verdadeira”. Dizendo que a prejudicialidade é forma de conexão genética, acrescenta que conexão e prejudicialidade “buscam suas raízes no fato de haver, em determinadas questões, uma força que as atraem e, como tal, faz com que essas mesmas questões mereçam estar unidas”. Prossegue, assinalando que: “na conexão, essa aproximação tem sua gênese nos direitos vinculados aos mesmos fatos, ou nas mesmas relações jurídicas, enquanto na prejudicialidade o nexo que vincula a prejudicial à prejudicada é a dependência, lógica e necessária, que esta tem para com aquela” (A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica, p. 124). 357 Nesse sentido: Olavo de Oliveira Neto, Conexão por prejudicialidade, p. 90; Sandro Gilbert Martins, A defesa do executado por meio de ações autônomas – defesa heterotópica, p. 129-130.

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327

somente ocorrerá por força dos embargos (art. 739, § 1º, do CPC) e nem

enseja a reunião dos feitos.

Pode-se dizer, portanto, que, independentemente do momento em que

seja proposta a ação autônoma de conhecimento, e mesmo admitindo-se a

relação de prejudicialidade com a execução, a suspensão desta não é possível

pela simples existência da ação autônoma a não ser que, como se demonstrará

mais adiante, seja anterior à execução, quando poderá ser tomada como

embargos.

6.4.4. Prejudicialidade

Questão prejudicial é, junto com a preliminar, espécie do gênero

questões prévias que se diferem pelo tipo de influência que exercem em

relação a outra questão. Enquanto a preliminar impede, impossibilita a

decisão da questão subordinada, a prejudicial condiciona o teor da decisão

sobre a subordinada358. É a prejudicialidade lógica. A questão preliminar é

aquela de cuja solução vá depender a de outras não no seu modo de ser, mas

no seu próprio ser359. A prejudicial “se caracteriza por ser um antecedente

lógico e necessário da questão prejudicada, cuja solução condiciona o teor do

julgamento da questão subordinada, trazendo ainda consigo a possibilidade de

se constituir em objeto de processo autônomo”360.

358 Rosalina P. C. Rodrigues Pereira, Ações prejudiciais à execução, p. 55. 359 Rosalina, P. C. Rodrigues Pereira, ibidem, p. 56. 360 Antonio Scaranve Fernandes, Prejudicialidade, p. 96, apud Sandro Gilbert Martins, ibidem, p. 111.

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328

A lado da prejudicialidade lógica há, portanto, a prejudicialidade

jurídica que ocorre quando a questão, ainda, possa ser objeto de processo

autônomo, ou seja, tem lugar quando:

a) houver uma relação de subordinação lógica e jurídica entre a causa

prejudicada e a prejudicial;

b) houver a possibilidade de influência da lide prejudicial na questão final

da lide prejudicada;

c) for possível a lide prejudicial constituir-se em objeto de processo

autônomo, fazendo coisa julgada.

A prejudicial pode, ainda, ser classificada como: total e parcial,

influindo inteira ou parcialmente sobre o mérito; interna ou externa, se é

solucionada no mesmo processo ou em outro distinto daquele em que é

decidida a prejudicada; homogênea ou heterogênea, se pertence ao mesmo

ramo do direito da prejudicada ou a ramo diverso; em sentido positivo ou em

sentido negativo, a primeira quando a existência da relação prejudicial é

condição da existência da relação subordinada e a segunda, da inexistência361.

361 Sandro Gilbert Martins, ibidem, p. 113.

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329

Há, portanto, de reconhecer-se a existência de uma relação de

subordinação e, portanto, prejudicialidade entre a ação autônoma de

conhecimento e a execução porque, desde que proposta a primeira, a sua

eventual procedência influirá no resultado da segunda, fazendo desaparecer a

sua causa (o título executivo) e, conseqüentemente, viabilizar a sua extinção.

6.4.5. O momento da propositura da ação autônoma

A ação autônoma de conhecimento pode ser proposta antes, durante ou

depois da execução, durante ou depois do prazo de embargos, tenham eles

sido ou não oferecidos, ou depois do julgamento dos embargos. O momento

em que a ação é proposta releva pelas conseqüências, que serão diversas.

6.4.6. Ação autônoma proposta antes da execução

Pode o devedor ingressar com ação autônoma de conhecimento antes

da execução. Proposta a execução, indaga-se: qual a conseqüência da primeira

sobre a segunda? Não há que se falar em litispendência ou conexão entre a

execução e a ação autônoma de conhecimento porque os elementos não se

identificam, como antes se demonstrou. Não são passíveis, portanto, de

reunião. Outrossim, por expressa disposição legal (art. 585, § 1º do CPC), “A

propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo

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330

não inibe o credor de promover-lhe a execução”. Porém, intimado da

penhora, qual o procedimento que o devedor deve adotar? Deve oferecer

embargos ou requerer a suspensão da execução fundado na ação autônoma de

conhecimento?

A resposta a todas essas indagações somente é possível depois da

análise da relação existente entre os embargos e a ação autônoma de

conhecimento, o que será feito mais adiante. Interessa, por enquanto, o

destino da execução e da ação autônoma na hipótese do não oferecimento de

embargos ou de qualquer outra manifestação do devedor pleiteando que seja

ela processada como embargos.

A execução prosseguirá normalmente, realizando-se todos os atos

pertinentes, pois a ação autônoma, por si só, não suspende a execução.

Julgada a ação autônoma antes do final da execução, em vista da relação de

prejudicialidade, a decisão proferida influirá no resultado da execução,

podendo inclusive acarretar a sua extinção. Se o julgamento der-se depois de

finda a execução, restará ao devedor demandar perdas e danos, não se

desfazendo os atos realizados.

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331

6.4.7. Ação autônoma proposta na pendência de ação executiva e antes do prazo dos embargos

A ação autônoma de conhecimento também pode ser proposta na

pendência da execução, mas antes do prazo dos embargos e não haverá

nenhuma influência imediata sobre ela. Nessa hipótese, igualmente, o

julgamento antes do final da execução, em vista da relação de

prejudicialidade, influirá no seu resultado, podendo também acarretar a sua

extinção. Da mesma forma, se o julgamento da ação autônoma der-se depois

de finda a execução, restará ao devedor demandar perdas e danos, não se

desfazendo os atos realizados.

6.4.8. Ação autônoma proposta depois do prazo dos embargos sem que eles tenham sido oferecidos

Questão de relevante importância é a que se refere à possibilidade do

ajuizamento de ação autônoma depois do prazo dos embargos, sem que a ação

incidental tenha sido oferecida. Há quem negue a possibilidade do seu

cabimento porque equivaleria a “reabrir efeitos que já se tornaram

impossíveis pela preclusão”362. Porém, há que se considerar que a preclusão,

na espécie, só extingue a faculdade de embargar. Não há que se falar em coisa

362 José Alonso Beltrame, Dos embargos do devedor, p. 134, apud, Rosalina P. C. Rodrigues Pereira, ibidem, p. 279.

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332

julgada que importe no impedimento da discussão da matéria que poderia ter

sido versada nos embargos. É nesse sentido o entendimento do STJ:

“não sendo embargada a execução, inexiste sentença, não se podendo falar

de coisa julgada capaz de impedir a propositura da ação anulatória de

lançamento fiscal. Nessa situação, o executado que não opôs embargos à

execução pode ajuizar, com fundamento no art. 486, ação anulatória do título

executivo extrajudicial, alegando toda a matéria cabível nos embargos”363.

Em suma, a execução não embargada não impede que o devedor

proponha ação para discutir o título, alegando toda a matéria cabível nos

embargos (com exceção das matérias de ordem processual, na forma como

antes se destacou). A ação autônoma, no entanto, não suspenderá o curso do

processo executivo. Julgada procedente e ainda em curso a execução, haverá

conseqüências no resultado desta. Julgada depois de finda a execução, cabe

demandar perdas e danos.

6.4.9. A relação entre a ação autônoma de conhecimento e os embargos à execução

Vimos que entre a ação autônoma de conhecimento e a execução não

existe litispendência, continência ou conexão na forma definida pelos arts.

103 e 104 do Código de Processo Civil. O que há é uma relação de 363 Decisão citada por. Rosalina P. C. Rodrigues Pereira, ibidem, p. 279.

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333

prejudicialidade (ou conexão por prejudicialidade). Por força dessa relação é

que, embora a ação autônoma, por si só, não tenha efeito suspensivo, seja ela

proposta antes, durante ou depois da execução, a sua procedência trará

reflexos na execução.

Porém, ainda perturba o debate em torno da relação que existe entre a

ação autônoma de conhecimento e os embargos à execução. Discute-se se

entre elas há litispendência, conexão ou continência.

Há quem negue a possibilidade de litispendência entre a ação autônoma

de conhecimento e os embargos à execução, ao argumento de que os

embargos teriam um objeto mais amplo em conseqüência do efeito da

desconstrição judicial. Mas, a desconstrição judicial é efeito secundário de

ambas as ações, ou seja, procedentes os embargos ou a ação de conhecimento

autônoma de inexistência do débito ou anulação do título, a execução será

extinta e, conseqüentemente, haverá liberação do bem objeto da constrição.

Por isso, se entre os embargos e a ação autônoma houver identidade de

elementos, haverá litispendência.

Admitem a litispendência Araken de Assis, Rosalina P. C. Rodrigues

Pereira e Olavo de Oliveira Neto. Para Araken “os embargos induzem

litispendência perante outra ação idêntica. (...) Por isso, a ação anulatória da

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334

dívida, sob o mesmo fundamento, esbarra no impedimento de duplicidade de

processos, considerando a anterioridade dos embargos.364”

É necessário lembrar, no entanto, que somente os embargos têm efeito

suspensivo da execução e não se pode, a pretexto da aplicação do instituto da

litispendência, sujeitar o devedor a um desfalque patrimonial coativo sem que

possa defender-se.

Existe importante corrente doutrinária e jurisprudencial dispensando os

embargos, admitindo seja tomada a ação autônoma anteriormente ajuizada

como se embargos fossem, com todas as conseqüências daí decorrentes,

especialmente o efeito suspensivo.

No REsp 192.175, o STJ decidiu nesse sentido365. Também a 2ª Câmara

do 1º TACivSP, em acórdão relatado por Cândido Rangel Dinamarco, foi na

mesma direção366.

364 Manual do processo de execução, p. 1.017. Sérgio Shimura, embora admita a possibilidade da existência de litispendência, lembra que “na prática, o fenômeno se torna escasso” (Título executivo, p. 354). 365 “EXECUÇÃO. Ação revisional. Embargos não interpostos. Suspensão da execução. De acordo com precedentes deste Tribunal, a ação revisional do crédito, que depois vem a ser objeto de execução, deve ser tratada como embargos com as conseqüências daí decorrentes”. 366 “Se intimado da penhora quiser o devedor embargá-la, não necessitará de propor formalmente, com petição inicial, os seus embargos, bastando-lhe pedir que como tais seja havida a ação declaratória já proposta” (e, então, suspender-se-á a execução, até que dita demanda seja julgada, como embargos, segundo dispõe o art. 741 do Código de Processo Civil). Decisão citada por Rosalina P. C. Rodrigues Pereira, ibidem, p. 277.

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335

No REsp 33.000-6, relatado pelo Min. Eduardo Ribeiro, além de ter

sido reconhecido que a ação autônoma anteriormente ajuizada deve ser

apensada à execução posterior e tratada como embargos com as

conseqüências daí decorrentes, o Superior Tribunal de Justiça foi mais claro.

Entendeu que sequer seria possível o ajuizamento de embargos, pois haveria

litispendência entre a ação de conhecimento anterior e os embargos.367

Esse nos parece ser o entendimento correto. Não é admissível o

ajuizamento de embargos que se identifiquem com a causa de pedir e com o

pedido de ação autônoma anteriormente ajuizada. Haverá repetição da mesma

ação, o que é vedado pelo ordenamento jurídico.

Mas não pode o devedor que se antecipou propondo ação autônoma ser

penalizado com o prosseguimento da execução pelo fato dessa ação não ter

efeito suspensivo. Coerente que se processe a ação autônoma como embargos

do devedor, com todas as conseqüências daí decorrentes, em especial o efeito

suspensivo.

No caso específico do Sistema Financeiro da Habitação, o STJ, no

julgamento do REsp 268.532-RS368, suspendeu execução independentemente

da existência de embargos só com base em ação autônoma anteriormente

367 Terceira Turma, DJ de 26.9.1994. 368 Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 11.6.2001.

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336

ajuizada. Tratava-se de ação movida por mutuário com a finalidade de discutir

o reajuste das prestações de financiamento imobiliário. Ajuizada

posteriormente a execução, o executado ofereceu exceção de pré-

executividade na qual argüiu, além de incompetência do juízo, a existência de

anterior ação de conhecimento. O Tribunal estadual (TJRS), invocando a letra

a do inc. IV, do art. 265 do CPC, de ofício e fundado também no art. 798 do

CPC, determinou a suspensão da execução com o propósito de “...preservar a

utilidade da sentença final”. Admitido o REsp o STJ, citando vários

precedentes no mesmo sentido, entendeu que, “ajuizada a ação revisional

antes da execução, admissível tomar-se a mesma como embargos e sustar-se a

execução...”.

Outrossim, não só é possível, como mais freqüente, haver conexão ou

continência entre ação autônoma de conhecimento e embargos. Nessa

hipótese, devem ser reunidas para julgamento simultâneo, se ainda for

possível em primeira instância e somente se a ação de conhecimento é

anterior aos embargos. Claro que, havendo litispendência parcial, estando a

segunda causa contida na primeira, deverá a segunda ser extinta.

Mas, em caso de reunião das ações, em qual juízo deverão ser

processadas?

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337

Com bem salienta Rosalina P. C. Rodrigues Pereira, a ação autônoma

de conhecimento deve correr no juízo dos embargos, “pois apenas este

apresenta a eficácia suspensiva da execução. Embora a regra do art. 106369 do

CPC considere prevento o juízo que despachou em primeiro lugar, como os

embargos devem correr em apenso aos autos da execução (art. 736), a

competência é absoluta, devendo, portanto, a ação autônoma ser remetida ao

juízo em que tramitam os embargos à execução”370.

Importante salientar que, em situação em que ação autônoma aguardava

julgamento de recurso, o Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo a

conexão por prejudicialidade, determinou a suspensão dos embargos em

primeira instância até o julgamento da apelação interposta em face da

sentença da ação autônoma, por força do disposto no art. 265, IV, a do

CPC371.

369 O art. 106 trata da competência de foro (mesma comarca). O art. 219 (citação válida) trata da competência de juízo (comarcas diferentes). 370 Ibidem, p. 291. 371"PROCESSO DE EXECUÇÃO. Pendência de ação declaratória de inexigibilidade parcial do título executivo (exclusão da correção monetária em mútuo rural) e de embargos do devedor incidentais ao processo de execução do mesmo título. Procedimento aconselhável. Não tendo sido reunidos os processos em tempo hábil, e estando a ação declaratória pendente de julgamento no segundo grau de jurisdição, impõe-se no caso concreto a aplicação do disposto no artigo 265, IV, a, do Código de Processo Civil, com a suspensão da ação incidental de embargos do devedor, mantido seu efeito suspensivo da execução. Recurso especial conhecido e provido." (REsp nº 6734-MG, Quarta Turma, Rel. Min. Athos Carneiro, DJ de 02.12.91). No voto o Ministro ATHOS CARNEIRO consignou: "Todavia, no caso concreto as ações de conhecimento tramitam em juízos diversos, e a ação dita declaratória encontra-se em segundo grau de jurisdição e tem seu julgamento definitivo pendente do recurso de embargos infringentes perante o eg. Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Neste caso, realmente, configura-se a possibilidade de decisões conflitantes, se o colegiado considerar, v.g., inexigível a correção monetária, e o juízo singular, na esteira das múltiplas decisões deste STJ, entender que a lei não veda a incidência da correção monetária contratada em operação de crédito rural (Súmula nº 16). Impõe-se portanto, nas circunstâncias que aqui se configuraram a aplicação da regra do artigo 265, IV, a, do CPC, com a suspensão do processo dos embargos do devedor, conseqüentemente ficando mantida a suspensão do processo de execução, até final julgamento da ação conexa. Quanto ao confronto jurisprudencial, também cabe o conhecimento do recurso especial, pela

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338

Ainda de acordo com o que foi decidido no REsp nº 193.766-SP,

relatado pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar372, há conexão por prejudicialidade

entre a ação ordinária e os embargos do devedor que impõe a suspensão desse

último, ainda que em estágio processual diferente, de acordo com o art. 265

IV, letra "a" do Código de Processo Civil, até o julgamento definitivo

daquela.

6.4.10. Ação autônoma proposta na pendência dos embargos

Se a ação autônoma for proposta depois do prazo dos embargos, mas

antes da respectiva sentença, deve ser observado que: a) se houver identidade

da ação autônoma com os embargos, aquela deverá ser extinta em face da

litispendência; b) mesmo que haja a figura da conexão ou continência, as

ações não devem ser reunidas, pois isso importará em alargamento das

matérias discutidas, podendo servir de manobra para que o devedor amplie o

objeto dos embargos intempestivamente. Nessa hipótese, a ação autônoma

deve prosseguir solitariamente.

circunstância de o aresto paradigma determinar a ‘suspensão obrigatória da execução’ até o julgamento da ação declaratória que aponta como 'subordinante'". Outras decisões admitindo a existência de conexão e a conseqüente reunião da ação ordinária e embargos para julgamento simultâneos: AI 23.053-0/0; TJSP, Rel. Des. Nigro Conceição; julgado em 23.5.1996; AI 677.261-4, 1ºTACivSP, Rel. Juiz Diogo de Salles, julgado em 16.5.1996; AI 686.560-1; 1ºTACivSP, Rel. Juiz Antônio de Pádua Ferraz Nogueira, julgado em 14.5.1996; AI 615.036-5; 1ºTACivSP, Rel. Juiz Alberto Tedesco, julgado em 8.3.1995; AI 194224960, extinto TARS, rel. Juiz Breno Moreira Mussi, julgado em 20.12.1994; AI 15.979-0, TJSP, Rel. Des. Lair Loureiro, julgado em 28.1.1993. 372 Quarta Turma, DJ de 22.3.1999.

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339

6.4.11. Ação autônoma posterior ao julgamento dos embargos

A sentença de improcedência dos embargos não impede que o devedor

ingresse com ação autônoma fundada em outra causa de pedir, pois a coisa

julgada somente se faz em relação àquela ventilada nos embargos.

Como assinala Rosalina P. C. Rodrigues Pereira, “o ato decisório de

improcedência dos embargos não produz qualquer efeito confirmatório do

título executivo ou do crédito; resta ele confinado nos limites do “fato

essencial” e dos “fundamentos jurídicos” revelados pelo embargante, bem

como de eventuais questões que poderiam ter sido alegadas, mas sempre

jungidas à causa petendi remota e à causa petendi próxima”373.

Com maior razão de se admitir a ação autônoma se os embargos forem

extintos sem julgamento de mérito, pois não há a formação de coisa julgada

material. Apenas que a ação autônoma seguirá o seu curso normal, da mesma

forma que a execução, aquela apenas exercendo influência sobre essa se

procedente.

373 Ibidem, p. 310.

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340

6.4.12. Propositura da ação autônoma depois da extinção da ação executiva

Não havendo preclusão nem coisa julgada, finda a execução sem que

tenha havido apreciação de mérito nos embargos, poderá o devedor ingressar

com ação pleiteando indenização por perdas e danos.

Terminada a execução, os atos executivos praticados não mais poderão

ser revogados, a não ser na ocorrência de vício que possibilite a ação

anulatória prevista no art. 486 do Código de Processo Civil. Como atenta

Humberto Theodor Júnior, finda a execução, “não se pode mais discutir sobre

a regularidade dos atos executivos, por uma questão lógica de preclusão

interna do procedimento encerrado. O processo de execução, atendidos os

seus pressupostos específicos e encerrado sem oposição do devedor, ostenta a

garantia de regularidade e legitimidade dentro de seu objetivo, que é o de

realizar a sanção que corresponde ao título executivo do credor”374.

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no AgRg 8.089-SP, relatado

pelo Min. Athos Carneiro375 que:

374 Processo de Execução, p. 465. 375 Quarta Turma, DJ de 20.5.1991.

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341

“Inocorre preclusão, e portanto a validade e eficácia do título executivo

extrajudicial podem ser objeto de posterior ação de conhecimento, quando na

execução não forem opostos embargos do devedor, e igualmente quando tais

embargos, embora opostos, não foram recebidos ou apreciados em seu

mérito. Inexistência de coisa julgada material, e da imutabilidade dela

decorrente”.

6.4.13. A suspensão cautelar ou por antecipação de tutela da execução

No final da década de 80 e início da década de 90, com as dificuldades

decorrentes dos diversos planos econômicos levados a efeito pelo Governo

Federal, geradores de importante inadimplência, devedores de bancos,

inclusive de contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação,

ingressaram com medidas cautelares para impedir ações de execução até que

em ação de conhecimento fosse definido o montante devido. Imediatamente

se formou entendimento jurisprudencial no sentido de ter o credor o direito

constitucional de ação que não pode ser obstado por uma medida restritiva.

Entre tantos precedentes, cite-se o REsp 6639, relatado pelo Ministro Athos

Carneiro que resume o entendimento daquela Corte, cujo voto foi assim

fundamentado:

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342

“Esta Corte já se manifestou em diversos Recursos Especiais, v. g. os sob

números 2789, 2796, 4241 e 2819, este de que fui relator, no sentido de não

admitir, mediante ação cautelar, a suspensão da eficácia de título executivo,

obstando o ajuizamento de ação de execução, em clara violação, destarte,

inclusive ao direito constitucional de acesso pleno à Jurisdição.

Ademais, não procede o asseverado no v. aresto, quanto ao poder

discricionário do juiz no decidir pretensões cautelares, pois não se confunde

poder discricionário com poder arbitrário. Como salientou o mestre Hely

Lopes Meirelles: "discrição e arbítrio são conceitos inteiramente diversos.

Discrição é liberdade de ação dentro dos limites legais; arbítrio é ação

contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, portanto, quando permitido

pelo Direito, é legal e válido; ato arbitrário é sempre e sempre ilegítimo e

inválido (in "Direito Administrativo Brasileiro", 11ª edição, pág. 126).

O poder discricionário do juiz, invocando no v. aresto, não pode empecer o

direito público, subjetivo do recorrente, de ajuizar ação de execução, sob

pena de ofensa não só à lei federal, arts. 566, I do CPC e 43 da Lei Uniforme,

como à norma do item XXXV, art. 5º da Constituição de 1988, pela qual

sequer a lei pode impedir a apreciação pelo Judiciário de lesão ou ameaça a

direito”376.

Essas ações foram, sem dúvida, a fonte de inspiração para se incluir no

sistema o § 1º do artigo 585 do Código de Processo Civil, com a redação que

mereceu da Lei nº 8.953/94, estabelecendo que “a propositura de qualquer

ação relativa ao débito constante do título executivo não inibe o credor de

promover-lhe a execução”.

376 Quarta Turma, DJ de 29.4.1991. Confira-se as seguintes decisões do STJ no mesmo sentido: REsp 19.204-ES, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 04.5.1992; REsp 6.639-ES, Quarta Turma,, Rel. Min. Athos Carneiro, DJ de 29.4.1991; REsp 2.644-ES.

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343

A indagação que deve ser respondida, no entanto, é a seguinte: pode o

mutuário valer-se da tutela antecipada ou da medida cautelar alternativa do §

7º do art. 273 do Código de Processo Civil ou da ação cautelar autônoma não

para impedir, mas para suspender o trâmite da execução, especialmente a

desocupação do imóvel prevista nos §§ 1º e 2º do art. 4º da Lei nº 5.741/71?

O raciocínio a ser adotado é o mesmo que a doutrina e a jurisprudência

deram ao art. 489 do Código de Processo Civil e que deve ser estendido

também ao § 1º do art. 585 e ao art. 791 do mesmo Codex, ou seja, de acordo

com o referido art. 489, “a ação rescisória não suspende a execução da

sentença rescindenda”. Por seu lado, do Código de Processo Civil, extrai-se

que só os embargos tem o condão de suspender a execução. Na especial

hipotecária, é possível a desocupação do imóvel mesmo diante do

recebimento da ação incidental. Portanto, as mesmas questões discutidas

quanto à ação rescisória são adequadas para as conclusões que para a situação

particular são necessárias.

Teori Albino Zavascki377, ao sustentar o cabimento da antecipação da

tutela na ação rescisória, adverte acerca das diversas tendências doutrinárias

também sobre o cabimento da cautelar inominada. Mostra a posição contrária

377 Antecipação da tutela, p. 180.

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344

de Humberto Theodoro Júnior e de Sérgio Sahione Fadel quanto à utilização

da cautelar e, pelo cabimento, Galeno Lacerda e Calmon de Passos.

Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, depois de mostrarem

diversos julgados que não admitiram a cautelar para suspensão da execução

da sentença, mencionam decisões do Supremo Tribunal Federal que aceitaram

o seu cabimento excepcional. 378

Pela admissão da tutela antecipada na ação rescisória, também Nelson

Nery Junior, para quem, “vislumbrando o relator que o pedido contido na

rescisória é fundado (CPC 273 caput), e que o atraso na entrega da prestação

jurisdicional poderá tornar ineficaz o direito do autor (CPC 273 I), pode

conceder o adiantamento, em nome da efetividade do processo, que deve ser

buscada e implementada pelo magistrado”.379 Também pela admissão da

antecipação da tutela na ação rescisória Athos Gusmão Carneiro380, João

Batista Lopes381, Teori Albino Zavascki382, Teresa Arruda Alvim Wambier383,

entre outros.

378 Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, p. 551. 379 Atualidades sobre o processo civil, p. 74-75. 380 Da antecipação de tutela no processo civil, p. 73. 381 Tutela antecipada no processo civil brasileiro, p. 110-112. 382 Antecipação da Tutela, p. 187. 383 Nulidades do processo e da sentença, p. 293.

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345

A doutrina majoritária, aliás, logrou superar a tentação de sustentar o

não cabimento da tutela antecipada em face da coisa julgada e da proibição

expressa do art. 489 do Código de Processo Civil. Lembre-se, por todos, a

afirmação de Teori Albino Zavascki, no sentido de que “o art. 489 (CPC),

segundo o qual ‘a ação rescisória não suspende a execução da sentença

rescindenda’, deve ser interpretado sistematicamente, de modo a não inibir a

incidência dos demais preceitos legais, como o do art. 273, a ele

superveniente, que permite antecipar efeitos da tutela quando isso for

indispensável à preservação do direito afirmado na inicial, e, mais ainda, de

modo a não inviabilizar a eficácia concreta do direito à ação rescisória,

assegurado na própria Constituição. Essa é a solução conformadora adequada

a superar, sem mutilações, o conflito, mais aparente que real, entre a

intangibilidade da coisa julgada e a efetividade da função jurisdicional”.384

Não se pode negar, de efeito, a possibilidade de provimento

antecipatório ou cautelar com o propósito de suspender a realização de atos

executivos que importem na alienação de bens do executado e, no caso

específico do Sistema Financeiro da Habitação, na suspensão da ordem de

desocupação determinada nos §§ 1º e 2º do art. 4º da Lei nº 5.741/71. Mas a

suspensão deve ser excepcional, ligada à idéia social que está incutida em

384 Antecipação da tutela, p. 189.

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346

toda a legislação que trata da aquisição da casa própria e dos escopos também

sociais do processo que deve ser capaz de produzir resultados úteis a quem

recorre ao Poder Judiciário para ver resolvido conflito de interesses.

O Superior Tribunal de Justiça, atento ao problema que enfrentam os

mutuários, admitiu a suspensão da execução, em hipóteses excepcionais, com

base no poder geral de cautela.385

No caso da desocupação do imóvel na execução especial hipotecária, é

inegável que o ato trará problemas para o mutuário e sua família. Por isso, em

vista do apelo social, não se poder negar a suspensão da execução e, em

especial, da desocupação do imóvel, por meio de tutela antecipada ou cautelar

quando presentes os pressupostos autorizadores para assegurar que o

“processo possa conseguir um resultado útil”.386

385 O acórdão ficou assim ementado: “Execução. Processo de conhecimento em que se intenta desconstituir o título executivo. Em curso processo de execução, não há impedimento a que seja ajuizada ação, tendente a desconstituir o título em que aquela se fundamenta. Inexistência de preclusão, que essa se opera dentro do processo,não atingindo outro que possam ser instaurados, o que é próprio da coisa julgada material. Carecendo a ação da eficácia própria dos embargos, a execução prosseguirá, salvo se, em cautelar, for outorgado efeito suspensivo. Julgada procedente a ação, extingue-se a execução. Se a sentença sobrevier ao exaurimento da execução, abrir-se-á ao executado a possibilidade de, mediante ação condenatória, reaver o que houver pago indevidamente.” (REsp 135.355-SP, Terceira Turma, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 29.6.2000). 386 Enrico Tulio Liebman, Manuale di diritto processuale civile, vol. I, p.92.

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347

6.4.14. Ação anulatória (art. 486 do CPC)

Estatui o art. 486 do Código de Processo Civil que:

“Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for

meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em

geral, nos termos da lei civil”.

Embora utilize a expressão “rescindidos”, o dispositivo trata da

“anulação” de atos judiciais, compreendidos esses como “atos das partes”. Ou

seja, “a ação anulatória tem como objeto a desconstituição dos atos ou

negócios jurídicos, praticados pelas partes em juízo, que dependam ou não de

sentença homologatória”387.

Os atos judiciais sujeitos à ação anulatória podem ser divididos em

duas grandes categorias: a) atos que não dependem de sentença; b) aqueles

que se há de seguir sentença meramente homologatória. Quanto aos

primeiros, é importante salientar que, por não dependerem de sentença, como

é óbvio, não justificam o cabimento da ação rescisória, “no sentido próprio do

art. 485, cujo texto exige que se trate de sentença – e mais: de sentença de

387 Rosalina P. C. Rodrigues Pereira, Ibidem, p. 240.

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348

mérito”.388 Os segundo são aqueles atos das partes praticados em juízo, “mas

cuja eficácia processual está a exigir que simplesmente os homologue”389.

Sentença homologatória ou meramente homologatória - segundo a

doutrina, não há razão para a distinção -, é aquela que não tem conteúdo

próprio: o seu conteúdo é o ato das partes.

Exemplos de sentença meramente homologatória: a da desistência da

ação (CPC, art. 158, parágrafo único); a da transação; a da partilha amigável

(CPC, art. 1.029) feita por instrumento particular; a do desquite por mútuo

consentimento (CPC, art. 1.222, § 1º); e a da desistência do recurso (CPC,

arts. 501 e 502)390.

Luís Eulálio de Bueno Vidigal retrata o pensamento da doutrina quando

diz que “os atos de jurisdição graciosa ou voluntária, como não produzem

coisa julgada, não podem ser objeto de ação rescisória”391. Acrescentamos

que a sentença que extingue o processo de execução, também por não ser apta

a produzir coisa julgada, não está sujeita à ação rescisória.

388 José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, v. V, p. 141. 389 Berenice Soubhie Nogueira Magri, Ação anulatória, art. 486 do CPC, p. 68. 390 Berenice Soubhie Nogueira Magri, Ibidem, p. 74. 391 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 154-155, apud, Berenice Soubhie Nogueira Magri, ibidem, p. 74.

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349

Podem ser destacadas as seguintes características fundamentais dos atos

sujeitos à ação anulatória:

a) os atos judiciais que não dependem de sentença são aqueles praticados no

processo, e não fora deles. Na afirmação de Berenice Soubhie Nogueira

Magri, forte na lição de Pontes de Miranda, “os ‘atos judiciais’ que não

dependem de sentença, considerados ‘atos processuais’, são os atos praticados

pelas ‘partes’ em juízo, ou em lugar das partes em juízo, e serão sempre

regidos pelo direito material. Esses atos anuláveis por essa ação envolvem

‘declaração de vontade’ das partes.”392

Exemplifica Rosalina P. C. Rodrigues Pereira com os seguintes atos de

declaração de vontade das partes: outorga de poderes em procuração passada

nos autos, renúncia do direito de recorrer, aceitação expressa da decisão,

desistência do recurso, arrematação e adjudicação393.

b) a invalidação é do ato judicial a não da sentença que o homologou.

Aponta Humberto Theodoro Júnior que, “na realidade, não se ataca o ato

judicial propriamente dito, mas os atos das partes praticados no processo”.394

392 Ibidem, p. 66 393 Rosalina P. C. Rodrigues Pereira, Ibidem, p. 242. 394 Curso de direito processual civil, v. I, p. 584.

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350

c) anuláveis são os atos das partes, não os do juiz, entendendo-se a expressão

“judiciais” como aqueles atos praticados no processo. Os atos praticados

pelas partes, embora não sendo atos judiciais no sentido estrito, não obstante a

expressão utilizada pelo Código, são atos que são judicializados.

d) a anulação dos atos judiciais dá-se na forma da lei civil (v.g., por vício do

consentimento). Para Barbosa Moreira, “saber quando são anuláveis os atos

independentes de sentença ou passíveis de homologação não é problema de

direito processual, mas de direito material. O dado essencial é a natureza do

ato impugnado, o que cumpre averiguar se, em relação a este, há que cogitar-

se de anulabilidade por alguma causa prevista em regra de direito material”395.

E arremata Berenice Soubhie Nogueira Magri que “a expressão ‘nos

termos da lei civil’ quer significar ‘nos termos do direito material’,

estendendo-se a todos os ramos do direito material público ou privado,

inseridos nesse conceito o direito civil (...), o direito administrativo, o direito

comercial, o direito do trabalho, bem como as demais legislações

especiais”396.

e) são os vícios da vontade os principais causadores da ação anulatória.

Entre “os defeitos capazes de invalidar os atos ‘judiciais’ da parte e, 395 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 141. 396 Ibidem, p. 82

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conseqüentemente, servir de fundamento à ação do art. 486, avultam por sua

importância os vícios da vontade capitulados nas leis civis”397.

Não obstante, não são os únicos defeitos que possibilitam a ação

anulatória. O art. 486, do Código de Processo Civil viabiliza a ação anulatória

quando a causa for a invalidação do ato por qualquer um dos defeitos

previstos “nos termos da lei civil”.

Tanto a execução processada pelo rito comum do Código de Processo

Civil, como a especial hipotecária, podem gerar atos que se sujeitam à ação

anulatória. Assim, a transação realizada no bojo desses processos estarão

sujeitos a ela. Também para o desfazimento da arrematação ou da

adjudicação.398

397 José Carlos Barbosa Moreira, Comentários a Código de Processo Civil, v. V, p. 146. 398 AgRg no REsp 165228-SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 25.9.2000; REsp 59211-MG, Terceira Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 16.10.1995; REsp 30956-SP, Terceira Turma, Rel. Min. Costa Leite, DJ de 21.11.1994; REsp n.º 33.694-0-RS, Primeira Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 07.06.1993.

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CONCLUSÕES

Do desenvolvimento do tema proposto derivam as seguintes

conclusões:

1. A análise histórica mostra que se instalou no Brasil, na década de 1960,

grave crise política que repercutiu intensamente na economia, obrigando o

Governo a adotar medidas de estímulo ao desenvolvimento.

2. Na reorganização do Sistema Financeiro Nacional, o escopo

desenvolvimentista revelou-se claramente, estimulando-se, por meio da

edição de várias leis, a ágil circulação de capitais com a concessão de crédito,

procurando-se adotar mecanismos eficientes na sua recuperação.

3. Os privilégios concedidos às instituições financeiras por meio de diplomas

legislativos, especialmente por terem sido criados durante o regime

excepcional, sempre foram duramente criticados. O contexto histórico, no

entanto, mostra que, mesmo depois de 1985, já sob uma nova perceptiva

democrática, inclusive pelo contemporâneo Governo de esquerda, diplomas

legais com semelhantes privilégios e respaldados em análogo discurso

desenvolvimentista foram promulgados.

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354

4. O crédito é essencial à atividade produtiva gerando desenvolvimento

econômico que, por sua vez, reflete na vida do povo, oportunizando melhor

distribuição de renda para que sejam atingidos os objetivos sociais. A sua

importância impôs a criação de certos instrumentos, formas de distribuição e

controle, surgindo daí os bancos, cuja função principal passou a ser a

intermediação. Por isso, o funcionamento estável do sistema financeiro é

imperioso para manter o desenvolvimento econômico equilibrado.

5. Também pela importância do crédito na atividade econômica é necessário

que se dê ao credor incentivos e garantias na sua recuperação para a hipótese

de inadimplemento, deferindo-lhe meios ágeis de recuperação para que o

capital mutuado volte rapidamente para o fluxo do sistema. Mas a criação de

meios mais rápidos não pode ofender princípios constitucionais, como o do

devido processo legal.

6. A política de habitação concebida pelo Governo na década de 1960,

apoiada em uma meta desenvolvimentista e a pretexto de incentivar a política

social de moradia, iniciou pela criação do Sistema Financeiro da Habitação e

do Banco Nacional da Habitação pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964.

Apesar de notoriamente desenvolvimentista, também agregou um conteúdo

teleológico fundamentado no interesse social, como se observa da Lei nº

4.380, de 21 de agosto de 1964 que, se de um lado trouxe resultados úteis à

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355

construção de moradias, de outro, não foi suficiente para solucionar o

problema habitacional no Brasil.

7. O Estado proporciona a tutela jurídica mediante a criação de normas gerais

e abstratas e por meio de atividade que visa dar efetividade aos preceitos.

Somente é merecedor da tutela jurisdicional aquele que tem razão no plano do

direito material.

8. A visão moderna de processo tem por meta um processo mais efetivo, com

a entrega ao titular do direito exatamente aquilo que o direito substancial

proporcionaria-lhe se houvesse o cumprimento voluntário da obrigação, no

menor espaço de tempo possível. Para a agilização do serviço jurisdicional,

modelos procedimentais diferenciados são construídos, seja por meio de

procedimentos específicos, de cognição plena e exauriente, seja por meio de

tutelas sumárias.

9. A Constituição Federal, no inciso LXXVIII do art. 5º, introduzido pela

Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, revela de forma

explícita que “a razoável duração do processo e os meios que garantam a

celeridade de sua tramitação” é direito fundamental do cidadão.

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356

10. Como o processo de conhecimento, também o de execução encontra

diversos óbices para a concretização do direito e que somente serão superados

com correções legislativas e estruturais do órgão jurisdicional. A correção de

alguns defeitos do procedimento executivo será feita se aprovado, pelo

Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 4.497/2004.

11. De acordo com uma visão estritamente econômica, a demora na

recuperação do crédito no Brasil é causada pela deficiência da legislação e da

máquina judiciária e as modificações a serem realizadas devem proporcionar

um ambiente favorável e previsível, estimulando o investimento e o crédito.

12. Embora se reconheça que o credor, na recuperação do crédito bancário,

mereça, como qualquer outro cidadão, a presteza do serviço jurisdicional, a

adoção de modelos processuais ou formas alternativas para a solução de

conflitos, não pode resultar apenas de conceitos econômicos. Acima de tudo,

deve-se priorizar o homem e não apenas interesses econômicos.

13. O contrato de mútuo, firmado no âmbito do Sistema Financeiro da

Habitação para a compra da casa própria, envolve, ao mesmo tempo, a

compra e venda, o mútuo e um pacto adjeto de hipoteca, nele figurando,

geralmente, três partes: o vendedor, o comprador e o agente financeiro.

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357

14. Mesmo tratando-se de compra e venda de imóvel firmado por instrumento

particular, por força de lei, ao contrato, é atribuído o caráter de escritura

pública, para todos os fins de direito.

15. Embora a entrega do dinheiro não seja efetuada pelo agente financeiro

diretamente ao mutuário, mas, ao comprador, não se descaracteriza o contrato

como mútuo.

16. O contrato firmado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação é de

adesão e, por isso, as suas cláusulas devem ser interpretadas em favor do

mutuário.

17. A hipoteca constituída no contrato de financiamento imobiliário guarda

algumas particularidades, como a limitação da responsabilidade patrimonial à

excussão do bem hipotecado, a inadmissibilidade da constituição sobre bem

de terceiro e a formalização por instrumento particular.

18. A cédula hipotecária, criada pelo Decreto-lei nº 70/66, emitida como

causa de um negócio subjacente que é o contrato de financiamento, é título

destinado à circulação, endossável e que incorpora um direito real de

hipoteca.

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358

19. A cédula hipotecária é título executivo extrajudicial por força do Decreto-

lei nº 70/66. Já o contrato de mútuo com garantia hipotecária é título

executivo extrajudicial por força dos artigos 26 e 29 do Decreto-lei nº 70/66,

bem como pelo que dispõe a Lei nº 5.049, de 20 de junho de 1996, que lhe

atribui o caráter de escritura pública.

20. O Decreto-lei nº 70/66 foi criado com o intuito de possibilitar a rápida

recuperação do crédito inadimplido no âmbito do Sistema Financeiro da

Habitação. Por meio dele, possibilitou-se ao credor hipotecário a utilização de

um procedimento executivo extrajudicial, dirigido por um agente fiduciário.

21. O procedimento extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 serve para a

execução dos contratos de empréstimo com garantia hipotecária e das cédulas

representativas dos respectivos créditos e inicia-se por requerimento do credor

ao agente fiduciário, acompanhado do contrato, indicação do valor das

prestações vencidas e encargos e do saldo devedor, bem como dos avisos

regulamentares.

22. Recebendo o requerimento, o agente fiduciário deverá intimar

pessoalmente o devedor para efetuar o pagamento no prazo de vinte dias, sob

pena de alienação em hasta pública do imóvel hipotecado.

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359

23. Na execução extrajudicial, dispensa-se a avaliação do imóvel, sendo que a

sua alienação dar-se-á, em primeira praça, pelo valor do saldo devedor e pelo

maior lance na segunda. Caracterizado-se hipótese de preço vil, poderá o

devedor desfazê-la judicialmente.

24. Mesmo que o imóvel, na execução extrajudicial, seja arrematado por valor

inferior ao da dívida, o mutuário não responde pelo saldo remanescente pela

interpretação sistemática que se deve fazer com a Lei nº 5.741/71.

25. Na execução extrajudicial, pode o devedor purgar a mora, efetuando o

pagamento das prestações em atraso e respectivos encargos, possibilitando o

convalescimento do contrato.

26. A ação do arrematante para se imitir na posse do imóvel, não é a ação de

imissão de posse, mas a reivindicatória, que comporta defesa ilimitada por

parte do devedor. A legitimidade ativa da ação reivindicatória é do

arrematante, enquanto que a passiva é do possuidor, que pode ser o mutuário

ou terceiro.

27. A execução extrajudicial é dirigida por um agente fiduciário que, de

acordo com o Decreto-lei nº 70/66, deve ser credenciado para o exercício do

cargo. O Conselho Monetário Nacional, por meio de resolução do Banco

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360

Central do Brasil, dispensou o credenciamento, contrariando o que determina

o texto legal.

28. Há grande discussão, na doutrina e na jurisprudência, sobre a

constitucionalidade da execução extrajudicial prevista no Decreto-lei nº

70/66. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a sua conformidade com a

Constituição Federal.

29. A inconstitucionalidade da execução extrajudicial decorre da ausência de

garantias para a necessária imparcialidade do agente fiduciário e por

malferimento ao princípio do contraditório.

30. Na execução, embora limitado, também há contraditório. Na

extrajudicial, o devedor não pode opor-se a qualquer ato nela realizada, nem

sua defesa é diferida para fase posterior do procedimento, o que revela a sua

inconstitucionalidade.

31. Em 1º de dezembro de 1971, foi promulgada a Lei nº 5.741, que

introduziu no sistema a execução especial hipotecária dos créditos vinculados

ao Sistema Financeiro da Habitação, tornando mais ágil a cobrança pela

supressão de alguns atos de execução, sem excluir a faculdade do credor

utilizar a execução extrajudicial prevista no Decreto-lei nº 70/66.

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361

32. Para a cobrança por falta de pagamento, o credor só pode utilizar o

procedimento judicial da Lei nº 5.741/71 ou o extrajudicial do Decreto-lei nº

70/66. Aquele previsto no Código de Processo Civil está reservado a outras

hipóteses que não seja a falta de pagamento.

33. O Código de Processo Civil aplica-se subsidiariamente ao procedimento

especial previsto na Lei nº 5.741/71.

34. A reforma do processo de execução, que será levado a efeito se aprovado

o Projeto de Lei nº 4.497/2004, trará reflexos também na execução especial

hipotecária, preservando-se as suas peculiaridades e os seus escopos:

celeridade na recuperação do crédito e fim social.

35. Na execução especial hipotecária, a responsabilidade patrimonial do

mutuário está restrita ao bem hipotecado, mesmo que o produto da alienação

judicial não seja suficiente para o pagamento da dívida.

36. A petição inicial da execução especial hipotecária, além dos requisitos

genéricos, deve obedecer aos específicos, devendo estar instruída com o título

da dívida devidamente inscrito, demonstrativo contendo a indicação do valor

das prestações e encargos cujo não pagamento deu lugar ao vencimento do

contrato, bem como o demonstrativo com o saldo devedor, discriminadas as

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362

parcelas relativas a principal, juros, multa e outros encargos contratuais,

fiscais e honorários advocatícios. Além disso, deve estar acompanhada por,

pelo menos, dois avisos reclamando o pagamento da dívida que servirão de

prova do inadimplemento.

37. Para o ajuizamento da execução especial hipotecária, o credor deve

aguardar o vencimento de três prestações, sem o que resta ausente o requisito

da exigibilidade.

38. O cônjuge do mutuário também será obrigatoriamente citado da execução

especial hipotecária, formando-se litisconsórcio passivo necessário.

39. Verificada a citação sem o pagamento no prazo de vinte e quatro horas,

autoriza a lei a desocupação do imóvel para evitar a sua depredação ou

invasão.

40. É desnecessária a avaliação do imóvel para a alienação judicial, sendo

obrigatória a sua arrematação por preço não inferior ao saldo devedor. O

mutuário pode demonstrar que a arrematação realizou-se por preço vil.

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363

41. Se não for arrematado na única praça realizada, o imóvel será

obrigatoriamente adjudicado ao credor, não respondendo o mutuário por

eventual saldo remanescente, nem por custas ou honorários de advogado.

42. O mutuário poderá remir o imóvel penhorado, depositando em juízo, até a

assinatura do auto de arrematação ou adjudicação, o valor para pagamento da

dívida mais custas e honorários. Nesse caso, convalescerá o contrato.

43. Recaindo penhora por crédito de terceiro sobre o imóvel hipotecado, o

credor hipotecário deverá ser intimado para habilitar-se na execução do

terceiro. Sua omissão acarreta a extinção do ônus hipotecário, recebendo o

arrematante o imóvel livre do ônus. Não sendo intimado, a alienação em

relação a ele é ineficaz, permanecendo íntegro o gravame. O credor

hipotecário poderá, ainda, opor-se à arrematação mediante embargos de

terceiro se demonstrar que o devedor tem outros bens passíveis de penhora.

44. Por ser detentor de garantia real, o credor hipotecário tem preferência no

recebimento do seu crédito, ressalvados outros privilégios, quando instaurado

concurso de credores, independentemente de ter ajuizado ação em face do

mutuário.

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364

45. Os meios de defesa dos quais dispõe o devedor em face da execução

contra ele intentada, podem ser classificados em meios próprios e meios

impróprios. Meio próprio de oposição é a ação incidental de embargos do

devedor. Os impróprios são a exceção de pré-executividade e as ações

autônomas de conhecimento.

46. Na execução especial hipotecária prevista na Lei nº 5.741/71, os embargos

processam-se na forma do Código de Processo Civil, ressalvadas as

especificidades estabelecidas na lei especial.

47. Tem legitimidade para o oferecimento dos embargos o mutuário e o seu

cônjuge que, na execução especial hipotecária, não é apenas intimado da

penhora que recai sobre o imóvel, mas citado, tornando-se parte na execução.

48. O prazo para o oferecimento de embargos na execução especial é de dez

dias e conta-se da juntada aos autos do mandado de intimação da penhora.

49. Os embargos serão recebidos no efeito suspensivo se o mutuário provar

que depositou, por inteiro, a importância reclamada na inicial ou que resgatou

a dívida, oferecendo, desde logo, a prova da quitação. Caso contrário, a

execução prosseguirá até a desocupação do imóvel, permitindo-se a alienação

em hasta pública somente depois da rejeição dos embargos.

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365

50. A cognição nos embargos é plena e exauriente, não estando limitada às

matérias arroladas no art. 741 do Código de Processo Civil.

51. A apelação da sentença que rejeita os embargos não tem efeito

suspensivo.

52. Na execução especial hipotecária é possível o mutuário oferecer embargos

de segunda fase.

53. A exceção de pré-executividade foi admitida pela doutrina e pela

jurisprudência como forma de defesa endoprocessual, com cognição limitada.

Trata-se de incidente exercido por meio de mera petição, sem efeito

suspensivo, que se processa nos próprios autos da execução.

54. Concebida inicialmente apenas para as matérias de ordem pública,

verifica-se o seu alargamento para autorizar a alegação de outros assuntos,

como a prescrição e o pagamento.

55. Independentemente da matéria que se admita, a intensidade da produção

probatória deve nortear o cabimento do incidente, circunstância que dificulta

o reconhecimento de pagamento se não houver concordância do credor.

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366

56. A exceção de pré-executividade, como incidente processual, pode ser

alegada em qualquer tempo antes do término da execução e depois do

despacho que determina a citação, desde que a matéria ventilada seja de

ordem pública. As exceções substanciais sujeitam-se à preclusão e, por isso,

podem ser alegadas até o prazo de embargos.

57. Da decisão que rejeita o incidente ou que o acolhe parcialmente, cabe

recurso de agravo de instrumento. Da sentença que julga extinta a execução

por força do incidente, cabe apelação.

58. As ações autônomas de conhecimento têm por conteúdo a mesma matéria

dos embargos, com exceção daquelas de ordem processual. A falta de algum

pressuposto processual de existência pode, no entanto, ser argüida em ação

autônoma de conhecimento.

59. Entre a ação autônoma de conhecimento e a execução há uma relação de

prejudicialidade: julgada a primeira procedente, haverá reflexos na segunda.

Pode ser proposta antes, durante ou depois de finda a execução.

60. Proposta antes, não impede que a execução seja ajuizada, mas, a sua

procedência, impedirá a ação do credor. Se a ação de execução for proposta

na pendência de ação autônoma, deverá esta ser processada como embargos.

Julgada a ação autônoma ainda pendente a execução, a sua procedência

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367

influirá no resultado desta. Se o ingresso der-se depois do fim da execução,

caberá apenas ao devedor perdas e danos.

61. Entre a ação autônoma de conhecimento e os embargos pode haver

litispendência, conexão ou continência. Havendo litispendência, a ação

posterior deve ser extinta. Ocorrendo a hipótese de conexão ou continência,

embargos e ação autônoma devem ser reunidas, a não ser que, na continência,

a causa contida seja a que por último foi ajuizada, quando deverá ser extinta.

62. Caracterizada a conexão, se a ação autônoma de conhecimento for

posterior, não se deve permitir a reunião, sob pena do alargamento da matéria

dos embargos depois do prazo estabelecido para oferecimento.

63. Admite-se, excepcionalmente, medida cautelar ou antecipação de tutela

para suspender a execução.

64. Cabe a ação anulatória prevista no art. 486 do Código de Processo Civil

para a anulação dos atos praticados pelas partes na execução especial

hipotecária, inclusive a arrematação e a adjudicação.

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