excelentÍssimo(a) senhor(a) juiz(a) federal da vara … · 2019-07-30 · pela lei federal...
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA VARA CÍVEL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores da
República infra assinados, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência,
com fundamento nos artigos 129, III, da Constituição Federal de 1988, 6º, VII, b da
Lei Complementar 75/93, bem como nos artigos 1º, V, e 4º, ambos da Lei Federal 7.347/85, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em face da UNIÃO, pessoa jurídica de direito público, a qual poderá ser citada na Procuradoria-Regional da 2a Região (Rua México, 74 – Centro); e
EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO – EBC, empresa pública federal, criada
pela Lei Federal 11.652/08, inscrita no CNPJ sob o número 09.168.704/0001-42, e
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estabelecida no SCS Quadra 08, bloco B-50 – 1o SS, Shopping Venâncio –
Brasília – DF, pelas razões de fato e direito que passa a expor: I. OBJETO DA PRESENTE DEMANDA
A presente ação busca sanar grave inconstitucionalidade referente
à produção de conteúdos públicos não-governamentais veiculados pelo canal público TV BRASIL.
Os fatos que constituem a causa de pedir são basicamente três:
Recente portaria, editada pela Segunda Demandada (Portaria EBC no 216, de 09 de abril de 2019), fundiu ilegalmente a programação pública do
canal TV BRASIL com a programação governamental veiculada pela TV Nacional
Brasil – NBR, e passou a priorizar a veiculação de atos e propaganda
governamental, valendo-se da estrutura e da audiência do canal público.
Além disso, contrariando a Lei 11.652/08, a EBC encerrou a
produção de conteúdo regional público no Maranhão e ameaça fechar as
estruturas regionais que mantém no Rio de Janeiro, São Paulo e Tabatinga (AM).
As duas Demandadas, ademais, omitem-se em seu dever legal de
constituir o Comitê Editorial e de Programação, órgão técnico de participação
institucionalizada da sociedade na EBC, com natureza consultiva e deliberativa,
integrado por onze membros indicados por entidades representativas da
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sociedade, mediante lista tríplice, e designados pelo Presidente da República.
Tais atos e omissão, levados adiante pelas duas Demandadas,
importam em afronta direta à Lei Federal 11.652/08 e aos princípios da
complementariedade entre os sistemas público, estatal e privado e da
regionalização da produção cultural, artística e jornalística, estabelecidos nos arts.
221 e 223 da Constituição.
II. DOS FATOS
Os fatos que constituem a causa de pedir da presente demanda
foram apurados nos autos do procedimento nº 1.30.001.001754.2019-09, instaurado a partir de representação formulada pelo deputado federal Francisco
José D’Ângelo Pinto.
Segundo se apurou, até o ano de 2007 a UNIÃO dispunha de um único canal estatal, usado para divulgação dos atos do Poder Executivo: a TV
NACIONAL DO BRASIL – NBR, no qual eram transmitidas as solenidades e
agendas do Presidente da República e de seus ministros.
Em dezembro de 2007, foi constituída a TV BRASIL com o propósito explícito de garantir a veiculação de conteúdos nacionais verdadeiramente públicos e independentes dos governantes de plantão,
“oferecendo uma programação de natureza informativa, cultural, artística, científica
e formadora da cidadania”.
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Com a criação da TV BRASIL, a EBC passou a produzir e a exibir 24 horas de programação jornalística e de entretenimento, não-governamental e
gerada na própria emissora ou em outras emissoras públicas afiliadas, como a TV
Cultura e TVs Educativas (TVEs) de diversos Estados.
Ocorre que, desde o ano de 2017, tanto a UNIÃO como a própria empresa demandada vêm promovendo uma serie de mudanças internas em
sacrifício da própria finalidade pública da emissora.
Tais mudanças culminaram com a recente edição da Portaria EBC
216, de 09 de abril de 2019, cuja redação é a seguinte:
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Com a edição da portaria, as faixas de radiofrequência analógica e
digital, assim como o sinal gerado para as televisões a cabo, passaram a
transmitir basicamente a mesma programação, sob os nomes de TV BRASIL 1 e
TV BRASIL 2.
A Segunda Demandada foi oficiada, pela Procuradoria Federal
dos Direitos do Cidadão, para prestar informações sobre os termos da Portaria.
Em resposta, alegou resumidamente que: a) não há vedação legal
para que conteúdos públicos e estatais sejam veiculados em um só canal; b) a fusão promovida tem por objetivo “atender às melhores práticas de
responsabilidade social, orçamentária e financeira, observando os princípios da
economicidade, da racionalidade e da otimização dos recursos públicos, em
consonância com as diretrizes adotadas pelo Governo Federal e amplamente divulgadas pela imprensa”; c) a participação social na gestão da emissora é
garantido através do Canal da Ouvidoria; d) a programação exclusivamente
pública ocupa quase a totalidade da programação da TV BRASIL, pois a
divulgação de atos do Poder Executivo “contabiliza, aproximadamente, 10% da
grade de programação”; e) os atos e matérias do Poder Executivo são veiculados nos programas específicos “Brasil em Dia” e “Governo Agora”, com logotipos e
logomarcas destacados na própria tela da televisão.
Em seguida, oficiou-se o Sindicato dos Jornalistas do Distrito
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Federal, que informou que:
a) “a compreensão do sistema vinculado às outorgas, às
finalidades e às competências previstas na Lei (...) não abre espaço para que a
complementaridade seja corrompida como uma modalidade de programas ou de
abordagem editorial de matérias”;
b) a atual diretoria da EBC não apenas fundiu as programações
como ainda unificou os telejornais na “nova” TV BRASIL, impossibilitando ao cidadão, ao assistir a emissora, distinguir se o conteúdo veiculado é público ou estatal”;
c) diferentemente da resposta da diretoria da EBC, de que “não há
ingerência governamental para definir produção, programação e distribuição de
conteúdo do sistema público de radiodifusão”, na realidade, tal ingerência é explícita e facilmente comprovada. No que diz respeito a grade de programação, nunca a EBC havia destinado tamanho espaço para programas que divulgam, por exemplo, as ações das Forças Armadas - setor que hoje é
componente fundamental do poder Executivo e que possui representantes
militares à frente da Secretaria de Governo, responsável pelo gerenciamento da
EBC. Segundo a nova programação da TV Brasil, serão destinados pelo menos 4 programas para as Forças Armadas, alguns ainda em produção. Dois para a
Marinha do Brasil, um para o Exército e outro sobre a “Missão Antártica”, que
envolve a participação da Força Aérea Brasileira (FAB);
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d) a referida ingerência governamental também se dá a partir de
outros programas da nova programação, que servem apenas para enaltecer os feitos do governo federal. É o caso do “NBR Entrevista”, que segue sendo
produzido pelos profissionais que faziam parte da NBR, mas agora é veiculado na TV Brasil, com outro nome, “Brasil em Pauta”. Desde a estreia da grade
unificada, foram entrevistados no programa apenas componentes do governo,
como o vice-presidente Hamilton Mourão, a ministra Damares Alves e o secretário especial para a reforma da previdência, Rogério Marinho.
e) há ainda outro programa de entrevistas que segue linha similar,
ainda que inclua entrevistados diversos, como cineastas, escritores e atores. É o
programa comandado pela comunicadora Roseann Kennedy, agora chamado “Impressões”. Nele, além de ministros do governo federal, como Sérgio Moro,
entrevistado em abril, também já́ falaram componentes da base do governo no Congresso - como os deputados Delegado Waldir e João Roma - mas nenhum membro da oposição ou com pensamento divergente ao do governo federal em temas sensíveis para o país. Recentemente, após as divulgações do site The
Intercept Brasil sobre a operação Lava-Jato, um convidado foi chamado para falar
sobre o vazamento das mensagens, o general Fernando Azevedo e Silva, ministro
da Defesa. No programa que foi ao ar no dia 14 de junho, a comunicadora fez
apenas perguntas que interessavam ao general, sem o menor viés jornalístico ou oferecendo qualquer tipo de contraponto. O mesmo valeu para as entrevistas com
Sérgio Moro e os componentes da base do governo no Congresso;
f) ainda no que diz respeito aos programas, há também a
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previsão de uma série sobre a Reforma da Previdência a ser apresentada por
jornalista contratada, não concursada, o que aumenta sobremaneira as chances de que o contraponto também não apareça. E, ainda, cabe ressaltar o
viés governamental dado à economia e às pautas internacionais pelos programas “Cenário Econômico” e “Um olhar sobre o mundo”. Em ambos, há
citações e consequentes elogios às políticas do atual governo para essas
áreas, novamente abrindo pouquíssimo espaço para o contraditório;
g) o programa de entrevistas “Brasil em Pauta” não faz referência que o identifique como estatal, tampouco o comandado por Roseann Kennedy. Sequer o jornal “Brasil em Dia”, veiculado de manhã (em substituição ao telejornal Repórter Brasil, de caráter público) possui algum logotipo ou marca que indique ao telespectador que as matérias são de conteúdo governamental. Hoje, o referido jornal “Brasil em Dia” é produzido
totalmente pela Gerência Executiva de Serviços, com conteúdos exclusivos
contratados pelo governo;
h) apenas as inserções com duração de 2 a 3 minutos, nas
“horas cheias”, que antes eram de caráter público (“Notícia Agora”), agora
possuem clara referência a conteúdo estatal. Tais inserções passaram a se
chamar “Governo Agora”, sob o comando da Gerência de Serviços, ou seja, mais uma forma de veicular propaganda do governo na programação;
i) o mais grave, no entanto, é a omissão por parte da EBC, no
conjunto de respostas à PRDC/RJ, sobre o conteúdo veiculado pelo primeiro e até
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hoje principal telejornal da casa, o Repórter Brasil noturno, que vai ao ar às 20h15,
com 45 minutos de duração. Nele, apenas foi transferida toda a produção antes feita para a NBR/Voz do Brasil para o jornal, ocupando hoje cerca de 40% do conteúdo - e na maioria das vezes com conteúdos que abrem o telejornal, já́ no primeiro bloco, com o devido destaque para ações governamentais. Os
produtores, editores, repórteres e demais profissionais que produzem o conteúdo
estatal são todos oriundos da NBR/Voz do Brasil. (...) O conteúdo produzido de assessoramento (não se trata de cobertura “jornalística”) do poder Executivo, seja
do presidente da República ou dos ministros, que diariamente é veiculado na Voz
do Brasil, às 19hs, é simplesmente reproduzido, 1 hora e 15 minutos depois, no
telejornal.
Em reforço à percepção de que o Poder Executivo vem se
apropriando do espaço público da emissora TV BRASIL, a manifestação do
Sindicato dos Jornalistas ainda registra que a EBC até hoje, “após 3 anos da
mudança de sua lei, não instalou o Comitê̂ Editorial e de Programação, órgão que prevê̂ a participação da sociedade já́ que o Governo de Michel Temer
extinguiu o antigo Conselho Curador da EBC”.
Por fim, a partir de janeiro do presente ano, a Segunda
Demandada determinou o encerramento dos jornais locais produzidos em São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão e Brasília.
E em maio, a Diretoria da Demandada determinou que a
representação regional do Maranhão simplesmente cessasse de produzir
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conteúdo, transformando-se em mera retransmissora da programação produzida
em âmbito nacional. Ao fazê-lo, extinguiu a produção regional originada naquele Estado, iniciada com a TV Educativa do Maranhão há mais de cinco décadas.
As decisões estão consignadas em duas atas de reunião da
Segunda Demandada, ocorridas em 28 de janeiro e 06 de maio de 2019 (ANEXAS).
A Demandada, em seguida, emitiu a nota abaixo reproduzida:
Publicado em Intranet (http://intranet.ebc.com.br)
Maranhão atuará como retransmissora [1]
Criada em 06.05.2019 16h57 - Atualizada em 06.05.2019 18h20
[2]
Em continuidade ao processo de redimensionamento das atividades da EBC, a Direção daEmpresa decidiu que a regional do Maranhão atuará como retransmissora da TV Brasil. Para isso,as atividades de produção jornalística serão descontinuadas, permanecendo as atividades demanutenção da sede para fins de retransmitir o sinal da emissora.
Neste momento, a prioridade da Direção da EBC é dedicar total atenção aos empregados daregional. Questões administrativas e de contratos serão solucionadas em momento oportuno. Osservidores oriundos da extinta Fundação Roquette Pinto terão a oportunidade de realocação emoutros órgãos, com o apoio e intermediação direta da direção da Empresa junto ao Ministério daEconomia. No caso dos empregados do quadro efetivo da EBC no Maranhão, igualmente haverá oestudo individualizado das situações, a fim de melhor atender aos diversos interesses.
Nesta data, o Diretor de Administração, Finanças e Pessoas, Márcio Kazuaki, está presente nasede do Maranhão, com sua equipe, para ouvir um a um os empregados da regional e oferecer oapoio necessário para a melhor solução de realocação, remoção ou transferência. A intenção étrabalhar, dentro do possível, para que o interesse pessoal de cada um seja contemplado.
Nos próximos dias, a EBC planeja também oferecer atividades de capacitação para os servidores eempregados da Regional.
Em caso de dúvidas, ligue para os telefones (61) 3799 5694 e (61) 3799 5704.
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Maranhão atuará como retransmissora http://intranet.ebc.com.br/print/26962
1 of 1 19/07/2019 14:55
Segundo registra nota produzida Federação Nacional dos
Jornalistas1, “a população também perde o jornal local da emissora, com mais de
35 anos de existência, que foi extinto em janeiro deste ano, inclusive em
desrespeito à legislação. O fechamento da regional também viola a própria lei da 1 http://fenaj.org.br/nota-de-repudio-ao-fechamento-da-regional-maranhao-da-ebc/
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EBC, que em seu artigo 6o. determina a continuidade das unidades da empresa já
existentes no Distrito Federal, Rio de Janeiro e Maranhão”.
Como restará adiante demonstrado, ao fundir a programação dos
canais público e estatal (TV BRASIL e NBR), ao deixar de instalar o Comitê
Editorial e de Programação conforme determina a Lei, e ao extinguir a geração de
programação e jornalismo regional nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Maranhão, as Demandadas incorrerem em grave inconstitucionalidade e
ilegalidade, a justificar o ajuizamento da presente ação coletiva.
Senão vejamos.
III. DO DIREITO
1. Posições jurídicas fundamentais implicadas no direito à comunicação. De um ponto de vista funcional, e na esteira do que propôs Robert
Alexy, pode-se identificar um sistema de posições jurídicas fundamentais
composto por dois grandes grupos: direitos a ações negativas do Estado (os
“direitos de resistência”2) e direitos a ações positivas estatais, estas últimas de 2 Adota-se aqui a terminologia proposta por Dimoulis e Martins. Segundo esses autores, "o termo que melhor qualifica essa categoria de direitos é o termo 'pretensão de resistência à intervenção estatal' e de forma abreviada 'direito de resistência'. Com isso, traduz-se a designação desses direitos feita na doutrina alemã pelo termo 'Abwehrrechte'. Uma segunda tradução literal deste termo para o português é 'direitos de defesa', bastante difundido na doutrina brasileira. (...) O termo 'direito de defesa' faz pensar no direito de se defender em processo... no intuito de contestar a pretensão jurídico-material de outrem. Mas, no caso em exame, tem-se a pretensão jurídico-material ao cumprimento da obrigação estatal de não fazer e não uma mera possibilidade de trazer argumentos da parte processual (titular do direito) a juízo. A possibilidade do titular de repelir ou
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natureza fática ou normativa.
Os direitos a ações positivas do Estado compreendem: a) os
direitos a ações positivas de ordem material (os chamados “direitos a prestações
em sentido estrito”); b) os direitos à organização e ao procedimento; e c) os
"direitos de proteção"3.
Na Constituição, todas essas posições jurídicas assumem a
natureza de princípios, isto é, "mandados de otimização" que ordenam que “algo
seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e
reais existentes”4. A definição desse “algo” deve levar em conta o resultado da lei
de colisão entre os princípios em jogo, cujos contornos dependem, no caso concreto, da ponderação com outros princípios jurídicos.
As posições jurídicas relacionadas ao "direito à comunicação"
podem ser identificadas a partir da interpretação dos seguintes principais artigos constitucionais: arts. 1º, III e V; 5º, IV, V, VI, IX, XIV, XXXIII e LX; 21, XI, XII, "a", e
XVI; 215 e do capítulo V do título da Ordem Social (arts. 220 a 224). Do ponto de
vista topológico, os incisos do art. 5º contemplam as liberdades clássicas impedir com todos os meios disponíveis uma intervenção injustificada do Estado se exprime com o termo 'resistência'" (Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, pp. 65-66). São direitos de resistência (Abwehrrechte): a) os direitos ao não impedimento de ações (“A tem frente ao Estado um direito a que este não o estorve na realização da ação h”); b) os direitos à não afetação de propriedades e situações (“A tem frente ao Estado um direito a que este não afete a propriedade X (ou a situação Y) de A”); e c) os direitos à não eliminação de posições jurídicas (“A tem frente ao Estado um direito a que este não elimine a posição jurídica PJ de A”). 3 Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, São Paulo, Malheiros, 2014, p. 436. Por direitos de proteção entende-se os direitos a que o Estado realize ações fáticas ou normativas que tenham por objeto a delimitação da esfera jurídica de terceiros 4 Idem, p. 86.
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associadas à comunicação. Já nos arts. 220 a 224, a comunicação social é tratada
como subsistema jurídico5, cujo regime depende do meio e da natureza da manifestação (se impresso ou por radiodifusão, se a mensagem é jornalística,
comercial ou artística etc.).
Justifica-se o regime jurídico diferenciado porque o espectro de
radiofrequência é um bem público de uso muito restrito: duas emissões não podem ocupar o mesmo canal, e a faixa de frequência aproveitável não comporta
a utilização simultânea por todos os interessados. Além disso, o alcance das
mensagens emitidas através das ondas hertzianas é incomensuravelmente maior
do que produzido por outras formas de mídia. Daí a necessidade de atuação do
Estado no sentido de organizar o espaço, definindo quem poderá utilizar o espectro, como os canais serão distribuídos entre os interessados e como será
feita a compatibilização entre as liberdades comunicativas e outros direitos
fundamentais, na perspectiva de um Estado Democrático de Direito.
1.1. Direitos de organização e procedimento.
Os direitos à organização e ao procedimento têm por objeto o
estabelecimento das normas procedimentais necessárias à realização e proteção
de um direito fundamental. Dirigem-se especialmente aos “direitos a que exista algo para cuja criação são necessárias ações positivas”6.
5 Sobre a comunicação social entendida como subsistema jurídico inserido na Constituição, cf. Marcos Alberto Sant'Anna Bitelli, O direito da comunicação e da comunicação social, op. cit. 6 Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, op. cit., p. 462. Exemplo típico de um direito à organização é o direito de voto, na medida em que seu exercício depende de um sistema eleitoral conformado pelo legislador infraconstitucional. No direito privado, o exercício dos poderes
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A maioria das posições jurídicas relacionadas à radiodifusão tem a estrutura de direitos à organização. Isto significa que, na radiodifusão de
sons e de sons e imagens a realização do direito fundamental à comunicação
depende, primordialmente, da organização do uso do espectro público de
radiofrequência pelo poder concedente.
Tal organização compreende, dentre outros, o dever estatal de, na
organização do espectro, assegurar o princípio da complementariedade entre os subsistemas público, comercial e estatal (art. 223, caput), isto é, a garantia
de que o espetro seja compartilhado, isonomicamente, entre emissões comerciais,
emissões públicas independentes e emissões estatais destinadas à divulgação de atos governamentais de interesse público.
Tal dever consubstancia o que a teoria constitucional alemã
chama de "garantias de organização" (Einrichtungsgarantie) sobretudo em seu status positivo, isto é, o direito a instituições que sustentem e promovam o exercício dos direitos fundamentais7.
A natureza institucional do direito à comunicação na radiodifusão
foi apontada com especial clareza pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, no julgado BVerfGE 57, 295 (3. Rundfunkentscheidung). Vale citar as razões da
inerentes à propriedade, a celebração de contratos ou a faculdade de contrair matrimônio dependem igualmente da edição de normas de organização que fundamentam competências do particular. 7 Sobre direito à organização e teoria do status, cf. Robert Alexy, op. cit, p. 461 e ss. e Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, cit., pp. 74-76.
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decisão, pois elas revelam-se atualíssimas:
"A formação pela radiodifusão da opinião pública e individual livres
exige inicialmente a liberdade de [do medium] radiodifusão em
face do domínio e influência estatais. Assim, a liberdade de
radiodifusão tem, como os direitos de liberdade clássicos, um
significa de resistência [à intervenção do Estado]. Mas com isto ainda não está garantido o que deve ser garantido. Pois a simples
liberdade em face do Estado ainda não significa que a formação
de opinião livre e ampla pelo medium radiodifusão seja possível;
esta tarefa não tem como ser cumprida somente mediante uma
conformação negatória [de status negativus da liberdade de radiodifusão]. Muito mais necessária é uma ordem positiva que
garanta que a diversidade das opiniões existentes seja expressa
na radiodifusão da forma mais ampla e completa possível,
oferecendo-se, desse modo, informação abrangente. Para se atingi-lo, são necessárias regulamentações processuais, materiais
e organizacionais que sejam orientadas pela função da liberdade
de radiodifusão e por isso adequadas a concretizar o que o Art. 5 I
GG quer garantir."8
No julgado, o tribunal alemão conformou a liberdade do legislador
ao estabelecer a exigência de "dispositivos legais que garantam, dentro do modelo
8 A decisão está na coletânea Cinquenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão (coletânea original de Jürgen Schwabe, organização, introdução e tradução de Leonardo Martins), Montevideo, Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005, pp. 475-483.
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de regulamentação adotado, que a radiodifusão não seja entregue a um ou a
poucos grupos sociais, e que as forças sociais representativas tenham, em face da programação total, acesso à palavra". Para tanto, afirmou o Tribunal, não
bastava assegurar a concorrência externa entre as emissoras, mas também o
pluralismo interno, isto é, "uma organização na qual a influência das forças sociais
representativas é feita internamente por meio dos órgãos das respectivas
empresas".
Analisando as decisões em matéria de radiodifusão proferidas
pelo Tribunal Constitucional alemão, Robert Alexy enfatiza que o dever de
organização, no caso, é correlato do direito público subjetivo de todos à livre e
plural comunicação de ideias:
"Se se leva a sério a tese de que os direitos fundamentais são, em
primeira instância, direitos subjetivos, não é possível escapar de
uma segunda tese: se uma liberdade individual é protegida pelos direitos fundamentais, então, essa proteção tem em princípio a
forma de um direito subjetivo. Mas isso significa que, em princípio,
ao dever de organização do Estado correspondem direitos individuais na extensão em que a organização é obrigatória ao Estado, porque a proteção da liberdade dos indivíduos assim exige. Por isso, na medida em que uma organização da radiodifusão livre do controle estatal e pluralista é requerida pela liberdade de formação da opinião e pela liberdade de informação dos indivíduos, o Estado não está sujeito apenas
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a um dever objetivo; a esse dever corresponde um direito subjetivo dos indivíduos afetados."9
2. Princípio da complementariedade entre os sistemas público e estatal na Lei 11.652/08.
O princípio da complementariedade (e separação) entre os sistemas público e estatal, na geração de conteúdos pela Segunda Demandada,
está disciplinado nos seguintes artigos da Lei Federal 11.652/08:
Art. 2o A prestação dos serviços de radiodifusão pública por
órgãos do Poder Executivo ou mediante outorga a entidades de sua administração indireta deverá observar os seguintes
princípios:
I - complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal; II - promoção do acesso à informação por meio da pluralidade de
fontes de produção e distribuição do conteúdo;
III - produção e programação com finalidades educativas,
artísticas, culturais, científicas e informativas;
IV - promoção da cultura nacional, estímulo à produção regional e à produção independente;
V - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família;
VI - não discriminação religiosa, político partidária, filosófica,
9 Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, São Paulo, Malheiros, 2014, p. 496.
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étnica, de gênero ou de opção sexual; VII - observância de preceitos éticos no exercício das atividades de radiodifusão;
VIII - autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão; e
IX - participação da sociedade civil no controle da aplicação dos princípios do sistema público de radiodifusão,
respeitando-se a pluralidade da sociedade brasileira (..).
Art. 3o Constituem objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou mediante outorga a entidades de sua administração indireta:
I - oferecer mecanismos para debate público acerca de temas de relevância nacional e internacional; II - desenvolver a consciência crítica do cidadão, mediante programação educativa, artística, cultural, informativa, científica e
promotora de cidadania;
III - fomentar a construção da cidadania, a consolidação da
democracia e a participação na sociedade, garantindo o direito à informação, à livre expressão do pensamento, à criação e à comunicação;
IV - cooperar com os processos educacionais e de formação do
cidadão;
V - apoiar processos de inclusão social e socialização da
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produção de conhecimento garantindo espaços para exibição de produções regionais e independentes (...).
É importante registrar que a criação da TV BRASIL foi
concomitante à edição da Medida Provisória 398, posteriormente convertida na Lei
11.652/08. Na sistemática da Lei Federal em questão, a EBC, segunda
Demandada, é uma empresa pública de radiodifusão contratada também para prestar serviços de transmissão de atos e solenidades do Poder Executivo,
mantendo, no entanto, “autonomia em relação ao Governo Federal para definir
produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de
radiodifusão” (art. 2o, inciso VIII, da Lei).
Segundo alega a Demandada EBC - e este constitui o cerne da
discussão desta lide - não há vedação legal para que conteúdos públicos e
estatais sejam veiculados em um só canal.
Todavia, quando se lê o artigo 223 da Constituição não é esta a
conclusão a que se chega. Segundo a norma constitucional, “compete ao Poder
Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço
de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da
complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”.
O artigo em questão, como se vê, não trata da complementariedade entre conteúdos de uma mesma concessão, permissão ou autorização, mas sim a complementariedade na distribuição do espectro
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de radiofrequência entre canais comerciais, estatais e públicos independentes.
Assim, muito embora a lei infraconstitucional de fato não estabeleça com clareza a exigência de separação de canais, a norma do art. 223 da Constituição certamente não se refere à complementariedade entre programações de um canal, inclusive porque, à exceção de redes obrigatórias e programas partidários ou eleitorais, as emissoras comerciais não estão obrigadas a assegurar conteúdos públicos ou estatais em sua programação.
No caso específico trazido nesta ação, constatou-se efetivamente a inclusão indevida de programações tipicamente estatais e de interesse dos atuais ocupantes do Poder Executivo no canal público federal, a TV BRASIL.
E o que é mais grave: sem que o telespectador-cidadão possa
distinguir com clareza quais programas ou emissões tratam da divulgação, pelo
Executivo, de atos de governo ou emulações de seus feitos, e quais cuidam, de
forma imparcial e independente, da cobertura jornalística dos fatos nacionais e
internacionais.
Em síntese: a pretexto de reduzir despesas, as Demandadas
literalmente invadiram o canal público com conteúdos de nítido interesse do Poder
Executivo, inclusive mediante interrupção da programação normal da TV Brasil
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para transmissão de solenidades no Palácio do Planalto.
Como registra a manifestação do Sindicato dos Jornalistas,
“Pelo fato de a NBR não possuir audiência relevante, a unificação
das TVs serviu para inserir o conteúdo governamental ao longo da
programação e no principal jornal da emissora pública. Afinal, a TV Brasil tem hoje, segundo o IBOPE, a sétima maior audiência
do país, em medição que inclui TVs abertas e por assinatura. Para
termos uma ideia, trata-se de audiência maior que a do canal
SPORTV, da Rede Globo, para ficar apenas em um exemplo.
Assim, cabe a afirmação que veicular o conteúdo estatal (feitos pela NBR e pela Voz do Brasil) em um canal com maior audiência
foi a principal motivação do governo federal para a unificação,
ainda que contrarie a legislação e o princípio constitucional
presente no artigo 223 da Carta Magna. Afinal, antes dessa fusão, por mais que havia interferência na programação por parte do
Governo Federal, a finalidade das emissoras era bastante clara: a
TV Brasil, a emissora pública, e a TV NBR, a TV do Governo
Federal.
Tal fato revela-se grave sobretudo porque, ainda que tenham sido
mantidos, na TV BRASIL, diversos programas de conteúdo educativo, infantil ou
de entretenimento, foram inseridos indevidamente na grade da emissora pública programas de entrevistas e jornalísticos produzidos majoritária ou
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exclusivamente por jornalistas ou apresentadores egressos da NBR, o canal estatal. E tais programas revelam-se voltados à promoção de autoridades do Poder Executivo, não garantindo, assim, a autonomia em relação ao Governo Federal exigida pela Lei 11.652/08.
2. Ilegalidade na extinção da geração de conteúdo pela regional do Maranhão.
A decisão da Diretoria da Segunda Demandada, de extinguir a
produção regional do Estado do Maranhão contraria expressamente o disposto no
parágrafo único do art. 6o da Lei 11.652/08, que justamente obriga a manutenção
das unidades de produção e radiodifusão existentes anteriormente à edição da lei:
Art. 6o. Parágrafo único. A EBC, com prazo de duração
indeterminado, terá sede e foro em Brasília, Distrito Federal,
mantendo como principal centro de produção o localizado na cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, podendo
instalar escritórios, dependências, unidades de produção e
radiodifusão em qualquer local, dando continuidade OBRIGATORIAMENTE àquelas já existentes no Distrito Federal, Rio de Janeiro e MARANHÃO.
Como é mais do que sabido, todos os administradores públicos
estão adstritos ao princípio da legalidade, não podendo, deste modo, e segundo
sua própria vontade, deixar de cumprir o que a lei expressamente determina.
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Vale lembrar que um dos princípios fundamentais da comunicação social inscritos no art. 221 da Constituição é justamente a regionalização da produção cultural, artística e jornalística.
Vê-se desse modo que a atual Administração da Segunda
Demandada ignorou solenemente o preceito constitucional e a obrigação legal expressamente consignada no art. 6o, parágrafo único, Lei 11.652/08, impondo-se,
assim, a concessão de tutela jurisdicional também para compeli-la a cumprir as
normas constitucionais e legais citadas.
3. Omissão na constituição do Comitê Editorial e de Programação, conforme determinado em Lei.
O Comitê Editorial e de Programação, criado pela Lei 13.417/17,
em substituição ao Conselho Curador da EBC, previsto na redação original do art. 15 da Lei 11.652/08, constitui-se como “órgão técnico de participação institucionalizada da sociedade na EBC, com natureza consultiva e deliberativa, integrado por onze membros indicados por entidades representativas da sociedade, mediante lista tríplice, e designados pelo Presidente da República”.
Ocorre que, transcorridos mais de dois anos da entrada em vigor
da Lei 13.417/17, as Demandadas sequer iniciaram o processo de escolha dos
onze membros da sociedade civil referidos, fazendo, paradoxalmente, que a TV
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BRASIL, que tem natureza pública, seja exclusivamente gerida por agentes
submetidos ao princípio hierárquico da Administração Pública Federal/Poder Executivo.
Vê-se, deste modo, que quem efetivamente passou a “mandar” na
TV pública e em sua programação é o Poder Executivo Federal, em manifesto
desvio de finalidade com as finalidades institucionais da emissora pública, consignadas na Lei 11.652/08 e na Constituição.
E tudo isso, convém consignar, mediante uma portaria e duas
deliberações da atual Diretoria da Segundada Demandada, consignadas nas atas
anexas.
IV. DA IMPERIOSA NECESSIDADE DE TUTELA DE URGÊNCIA
O Código de Processo Civil, em seu art. 300, autoriza o magistrado a conceder a tutela de urgência, antecipando total ou parcialmente os
efeitos da tutela, desde que presentes a probabilidade do direito e o perigo de
dano ou o risco ao resultado útil do processo.
A probabilidade do direito decorre de todo o narrado acima, bem como das provas juntadas com esta inicial, as quais não deixam nenhuma dúvida
quanto à violação dos princípios da legalidade administrativa, da
complementariedade entre os sistemas público e estatal em matéria de
radiodifusão e da regionalização da produção cultural, artística e jornalística.
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O perigo de dano consiste no fato de que os canais TV BRASIL e NBR foram efetivamente fundidos, transmitindo, atualmente, basicamente a
mesma programação, com os nomes “TV BRASIL 1” e “TV BRASIL 2”.
Ou seja, já houve e continua a haver supressão de programação
pública e ilícita ocupação do espaço da emissora TV BRASIL por atos e solenidades do Poder Executivo.
Caso não haja a concessão de tutela de urgência, a demora
natural na conclusão do processo judicial importará em anos de perpetuação das
inconstitucionalidades e ilegalidades acima apontadas, em prejuízo, no final das contas, do público telespectador da emissora pública e de todos os cidadãos
brasileiros.
As tutelas de urgência que se requer são:
a) a suspensão dos efeitos da Portaria EBC 216, de 09 de abril
de 2019, retornando-se ao estado anterior à edição do ato, ou seja, a separação entre as programações dos canais TV BRASIL e NBR;
b) a suspensão dos efeitos das deliberações consignadas nas
atas de reunião extraordinária da EBC, anexadas à presente e datadas de 28 de
janeiro e 06 de maio de 2019, no que se refere à continuidade da produção de
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conteúdo local nas filiais do Distrito Federal, Rio de Janeiro e Maranhão,
determinada pelo parágrafo único do art. 6o da Lei 11.652/08;
c) determinação judicial para que as Duas Demandadas constituam e façam funcionar o Comitê Editorial e de Programação, como
obriga o art. 15 da Lei 11.652/08, sob pena de multa moratória diária.
V. DOS PEDIDOS FINAIS
Ao final da ação, requer o MPF:
a) a anulação da Portaria EBC 216, de 09 de abril de 2019, pelas ilegalidades e inconstitucionalidades acima apontadas, condenando-se as
Demandadas a ABSTEREM-SE, permanentemente, de inserir conteúdos estatais
veiculados pela NBR ou produzidos pela Secretaria de Comunicação da
Presidência da República;
b) a condenação da União e da EBC a cumprir o disposto no art.
6o, parágrafo único, da Lei 11.652/08, garantindo-se, de forma permanente, a
produção de conteúdo local nas filiais do Maranhão, Distrito Federal e Rio de
Janeiro;
c) a condenação das duas Demandadas a manterem em
funcionamento o Comitê Editorial e de Programação, na forma do que dispõe o
art. 15 da Lei 11.652/08.
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Requer o MPF a CITAÇÃO das Rés para, querendo, contestar a presente ação.
Protesta por todos os meios de prova em direito admitidos.
Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Rio de Janeiro, 26 de julho de 2019.
SERGIO GARDENGHI SUIAMA
Procurador da República
Procurador Regional dos Direitos do Cidadão
RENATO DE FRIETAS SOUZA MACHADO Procurador da República
Procurador Regional dos Direitos do Cidadão
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ANEXOS:
1. PORTARIA EBC 216, de 09 de abril de 2019.
2. Ata da 1a Reunião Extraordinária de 2019, do Comitê de Programação e Rede
da EBC.
3. Ata da 3a Reunião Extraordinária da Diretoria da Empresa Brasil de
Comunicação Social. 4. Documento “EBC INFORMA”, informando encerramento das atividades de
geração de conteúdo na regional do Maranhão
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Signatário(a): SERGIO GARDENGHI SUIAMAData e Hora: 26/07/2019 09:36:02
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Signatário(a): RENATO DE FREITAS SOUZA MACHADOData e Hora: 26/07/2019 09:38:24
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