excelentÍssimo senhor doutor juiz de direito da vara...

59
MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO Ministério Público do Distrito Federal e Territórios EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA CIRCUNSCRIÇÃO ESPECIAL JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA-DF. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, por sua Quarta Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, vem, na defesa da sociedade, com lastro no art. 5º, incisos II, XXXII e XXXV; art. 129, incisos III e IX, e art. 217, todos da Constituição Federal; no art. 6º, inciso VII, alínea “c”, e inciso XVII, alínea “e”, da Lei Complementar nº. 75/1993; art. 4º, caput, art. 6º, incisos IV, V e VI, art. 30, art. 51, inciso IV e § 4°, art. 52, §1°, art. 81, parágrafo único e incisos I, II e III, art. 83, art. 84, todos da Lei nº. 8.078/90 e Lei n°. 7.347/85, ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA em desfavor da TECNISA S/A, sociedade por ações inscrita no CNPJ sob nº. 08.065.557/0001-12, sediada na Avenida Brigadeiro Faria Lima, nº 3144, conjunto 31, parte, Jardim Paulista, São Paulo-SP, CEP 01451-000, podendo ser citada nesta capital no Setor Hoteleiro Sul, Quadra 06, Conjunto A, Sala 209, parte D, Centro Empresarial Brasil 21, Brasília-DF, CEP: 70.316-102; 1

Upload: others

Post on 30-Jun-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA CIRCUNSCRIÇÃO ESPECIAL JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA-DF.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS,

por sua Quarta Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, vem, na defesa da

sociedade, com lastro no art. 5º, incisos II, XXXII e XXXV; art. 129, incisos III e IX, e art.

217, todos da Constituição Federal; no art. 6º, inciso VII, alínea “c”, e inciso XVII, alínea

“e”, da Lei Complementar nº. 75/1993; art. 4º, caput, art. 6º, incisos IV, V e VI, art. 30, art.

51, inciso IV e § 4°, art. 52, §1°, art. 81, parágrafo único e incisos I, II e III, art. 83, art. 84,

todos da Lei nº. 8.078/90 e Lei n°. 7.347/85, ajuizar

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

em desfavor da TECNISA S/A, sociedade por ações inscrita no CNPJ sob nº.

08.065.557/0001-12, sediada na Avenida Brigadeiro Faria Lima, nº 3144, conjunto 31,

parte, Jardim Paulista, São Paulo-SP, CEP 01451-000, podendo ser citada nesta capital

no Setor Hoteleiro Sul, Quadra 06, Conjunto A, Sala 209, parte D, Centro Empresarial

Brasil 21, Brasília-DF, CEP: 70.316-102;

1

Page 2: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

da TOLEDO INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. sociedade empresária limitada,

inscrita no CNPJ sob nº 08.844.065/0001-25, sediada no Setor Hoteleiro Sul, Quadra 06,

Conjunto A, Sala 209, parte D, Centro Empresarial Brasil 21, Brasília-DF, CEP: 70.316-

102,

da OMEGA INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., sociedade empresária limitada,

inscrita no CNPJ/MF sob o nº 09.002.517/0001-94, com sede na Avenida Brigadeiro Faria

Lima, nº 3144, 3º andar, conjunto 31/32, parte, Jardim Paulista, São Paulo-SP, CEP

01451-000;

e da FENIX ARMAZENAGEM E TRANSPORTES LTDA., sociedade empresária limitada,

inscrita no CNPJ sob nº 32.917.536/0001-62, com sede na BR 060, Km 1,5, Núcleo Rural

Vargem da Benção, no Recanto das Emas/DF, telefone (61) 3401-1340, pelos motivos

que passa a aduzir:

I. DOS FATOS E DAS INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES

1. O Ministério Público do Distrito Federal instaurou Inquérito Civil

Público por meio da Portaria nº. 303, de 24 de setembro de 2013 (doc. 01), para apuração

dos fatos, indicação das responsabilidades e adoção das medidas judiciais e extrajudiciais

em defesa dos consumidores ante a notícia de que as empresas rés, abusando de seu

direito de predispor do conteúdo de seus contratos adesivos, impuseram diversas

cláusulas abusivas no contrato de compra e venda e de cessão relativos ao

empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”, situado no Lote 07, CSG-03,

Taguatinga/DF.

2. Após detida análise do instrumento particular de compromisso de

compra e venda e outras avenças (doc. 02) e do contrato de cessão (doc.03), em

2

Page 3: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

audiência realizada na Sede deste MPDFT em 25.03.2014 (doc. 04), foi entregue ao Sr.

Marcelo Toledo de Freitas, na qualidade de preposto da Tecnisa S.A, minuta de Termo de

Ajustamento de Conduta em que se indicavam as cláusulas incompatíveis com o

ordenamento jurídico, e eram tecidas as respectivas sugestões de adequação por parte

das empresas (doc.05).

3. A investigação apontou que as rés Toledo Investimentos Imobiliários

Ltda. e Ômega Investimentos Imobiliários Ltda., também atrasaram a entrega das

unidades vendidas na planta aos seus consumidores (Etapas 1, 2 e 3), sem qualquer

justificativa aceitável, no âmbito do chamado caso fortuito ou força maior (doc. 06),

impondo-se a presente demanda.

II. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A TUTELA DE

DIREITOS METAINDIVIDUAIS

4. Conforme consignado no relato fático, a presente ação civil pública

tem por desiderato tutelar os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Tutelam-se os interesses difusos, haja vista que se protegem consumidores

indeterminados expostos ao contrato em análise, ou seja, propicia tal tutela com a

solicitação de provimento jurisdicional que coíba a prática abusiva da ré de impôr as

cláusulas ora combatidas a novos consumidores, bem como quando se busca, também,

impedir a inserção de novas cláusulas abusivas semelhantes (art. 29 do Código de Defesa

do Consumidor). Tutelam-se os direitos coletivos, a saber, o direito dos consumidores que

efetivamente contrataram com a ré, possuindo com ela uma relação jurídica-base, por

força da adesão ao contrato com a ré, para os quais se busca a declaração de nulidade

das cláusulas abusivas anteriormente descritas. Por fim, defendem-se os direitos

individuais homogêneos em razão de estar solicitando a devolução aos consumidores dos

3

Page 4: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

valores cobrados indevidamente, especialmente em razão da comissão de corretagem,

diferença de metragem e cláusula penal.

5. Vale lembrar que a Suprema Corte posicionou-se a favor da

legitimidade do Ministério Público inclusive para a defesa dos direitos individuais

homogêneos no Recurso Extraordinário nº 163.231-3/SP, reiterando o entendimento no

Recurso Extraordinário nº 213.015-0, cujo brilhante voto do Ministro Relator, Neri da

Silveira, assim ecoa:

“(...) 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base, jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque a sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classes de pessoas.

5.As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o art. 129, inciso III, da Constituição Federal (...)” (grifo nosso).

6. De igual forma o STJ – cujo acórdão prolatado em função de demanda

originada de nosso Ministério Público – que também, há muito, colocou fim na celeuma,

posicionou-se nestes termos:

“(...) 2. Os autos versam sobre ação civil pública promovida pelo Ministério Público em desfavor de consumidores que celebraram contrato de arrendamento mercantil. Para exame de cláusulas de contrato. O interesse é de relevância social porque atinge um grande número de pessoas, e versa a causa sobre contrato que se repete indefinidamente, relação negocial que se insere no âmbito da relação de consumo. Logo, é uma

4

Page 5: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

das hipóteses em que há interesse individual homogêneo de consumidor, que pode ser defendido em juízo pela ação civil promovida pelo Ministério Público.“3. Por isso, sempre votei pela legitimidade do Ministério Público e de associações civis para promoverem ações dessa natureza:”“(...) O interesse social dessa intervenção deflui da necessidade de ser cumprida a lei que regula atividade de importância crucial para a coletividade (mensalidade escolar, prestação da casa própria, etc.), que deve estar protegida de práticas comerciais ilícitas e de contratos com cláusulas abusivas, o que deve ser preferentemente evitado. Se a prevenção não foi possível, que possa a infração ser de pronto reprimida através de providência judicial eficaz como o é a ação coletiva, especialmente quando a operação é massificada, com pluralidade de prejudicados, nem sempre em condições de enfrentarem uma demanda judicial. Os autos dão notícias de que ações idênticas foram exitosamente promovidas contra empresas que atuam no mesmo ramo e adotavam o mesmo comportamento negocial. Eliminada a ação coletiva do Ministério Público, certamente tais condutas não só estariam sendo livremente praticadas, como ainda ampliadas, aprofundando a ilegalidade abusiva e aumentando o prejuízo dos cidadãos que com elas negociam.O interesse pela atuação objetiva da ordem jurídica, que anima e caracteriza a intervenção ativa do Ministério Público em ações dessa natureza, fundamentada a competência que lhe foi atribuída pela lei ordinária para a propositura de ações coletivas.Cortar a possibilidade de sua atuação na fase em que vive a nossa sociedade, será cercear o normal desenvolvimento dessa tendência de defesa de interesses metaindividuais e impedir, através da negativa de acesso à Justiça, o reiterado objetivo das modernas leis elaboradas no país. (…)

O em. Prof. Nelson Nery Jr. Assim explicou a legitimação do Parquet: ‘O que legitima o MP a ajuizar a ação na defesa dos direitos individuais homogêneos não é a natureza desses mesmos direitos, mas a circunstância da sua defesa ser feita por meio de ação coletiva. A propositura de ação coletiva é de interesse social, cuja defesa é mister institucional do MP’ (CPC Comentado, Nelson Nery Jr. E Rosa Maria Nery, 3ª ed., p. 1141)” (Resp 440.617/SP, 4ª Turma, de minha relatoria, j. em 22/10/2002)”1.

7. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, já se

consolidou nesse mesmo sentido, podendo-se citar o seguinte julgado a título ilustrativo:

1 Resp nº 457.579/DF, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, 4ª Turma, publicado no DJU de 10/02/2003.

5

Page 6: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DISPONÍVEIS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES. 1. O Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos de relevante caráter social, ainda que o objeto da demanda seja referente a direitos disponíveis (RE 500.879-AgR, rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 26-05-2011; RE 472.489-AgR, rel. Min. Celso De Mello, Segunda Turma, DJe de 29-08-2008).2. Agravo regimental a que se nega provimento.”2

8. Dessa forma, além dos permissivos legais, especialmente o disposto

nas Leis nº. 8.078/90 e n°. 7.347/85, a jurisprudência está consolidada no sentido da

legitimidade do Ministério Público para atuar na tutela dos interesses a que se refere a

presente ação, o que comprova a sua legitimidade para a causa.

III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA

9. As empresas TECNISA S/A e OMEGA INVESTIMENTOS

IMOBILIÁRIOS LTDA. constam como sócias da TOLEDO INVESTIMENTOS

IMOBILIÁRIOS LTDA., cujo objeto consiste na incorporação, construção, promoção,

comercialização, dentre outros, do empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life

Center”, situado no Lote 07, CSG-03, Taguatinga/DF consoante contrato social

apresentado (doc. 09).

10. O art. 7º, do Código de Defesa do Consumidor assim dispõe:

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas

2STF, RE 401.482 AgR / PR, 2ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ de 21/06/2013

6

Page 7: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

11. Por sua vez, assim dispõe o art. 25, § 1º, do CDC:

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.

12. Assim, a legitimidade das empresas controladoras para figurarem no

polo passivo da demanda torna-se necessária a fim de resguardar os direitos dos

consumidores, bem como garantir que seus bens possam ser utilizados em uma possível

execução, sob o risco de empresa controlada ser utilizada para blindar os

empreendedores, idealizadores do projeto, da responsabilidade por eventuais abusos a

direitos coletivo dos consumidores, cometidos por meio da personalidade jurídica

autônoma da sociedade criada propositadamente, impondo-se, ipso facto, a

desconsideração da personalidade jurídica.

13. Também é parte legítima para compor a lide a FÊNIX

ARMAZENAGEM E TRANSPORTES LTDA., já que ela consta como cedente no contrato

de cessão (doc. 03). Segundo apurado no inquérito civil público, a FÊNIX e a TOLEDO

firmaram contrato de permuta no qual a FÊNIX forneceria o terreno objeto da incorporação

imobiliária e, em troca, a TOLEDO entregaria algumas unidades do empreendimento para

7

Page 8: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

a FÊNIX. Estas unidades da FÊNIX eram negociadas por meio do contrato de cessão ora

também impugnado, daí exsurgindo sua legitimidade passiva.

14. Isto posto, evidente que todas rés participaram dos atos lesivos que

ensejaram a presente demanda, respondendo, ipso facto, solidariamente.

IV – DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DE

SEUS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

15. Inicialmente, há que se salientar que a relação jurídica estabelecida

entre as partes em contrato de promessa de compra e venda de imóvel é de consumo,

enquadrando-as nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos art. 2º e 3º do

Código de Defesa do Consumidor, já que a construtora comercializa, no mercado de

consumo, bem imóvel adquirido pelos adquirentes como destinatários finais.

16. É exatamente nesse sentido o entendimento do egrégio Tribunal de

Justiça do Distrito Federal e Territórios:

CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. RESCISÃO DO CONTRATO. CULPA EXCLUSIVA DA CONSTRUTORA. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. COMISSÃO DE CORRETAGEM DEVIDA. CLÁUSULA PENAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. INPC. RECURSOS IMPROVIDOS.1. Devem incidir as normas do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica estabelecida entre o adquirente do imóvel e a construtora, devendo essa relação ser analisada à luz dos princípios norteadores da norma consumerista, que é norma de natureza cogente, comparecendo o autor na qualidade de consumidor e a construtora na de prestadora de serviços, tais como definidos nos artigos 2º e 3º do CDC.2. A norma contida no artigo 475 do Código Civil estabelece que "A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos,

8

Page 9: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

indenização por perdas e danos". 2.1 Sendo inconteste a responsabilidade exclusiva da construtora pelo inadimplemento diante do atraso na entrega do imóvel, a rescisão do contrato deve conduzir ao retorno dos contratantes ao status quo ante da forma mais fiel possível à realidade existente no momento da contratação. 3. O artigo 724 do Código Civil, faculta aos interessados ajustar que a comissão de corretagem poderá ficar a cargo do comprador, desde que expressa e objetivamente acordada. 3.1. Não há que se falar em cobrança indevida de comissão de corretagem, diante da clara informação acerca da obrigação do consumidor arcar com a verba destinada ao corretor. 3.2. A pretensão de ressarcimento de comissão de corretagem, sob o argumento de enriquecimento sem causa do promissário vendedor, está sujeito ao prazo prescricional trienal, previsto no artigo 206, §3°, inciso IV, do Código Civil. 4. Nos termos do artigo 408 do CC, a cláusula penal é obrigação acessória cujo fim consiste em evitar o inadimplemento da obrigação. 4.1. Em virtude dos princípios informativos relativos ao contrato, especialmente o da força obrigatória e o da autonomia da vontade, eleva-se à condição de lei entre as partes, podendo ser limitado somente pelas vedações expressas, observado o princípio do pacta sunt servanda. 4.2. Como o réu livremente se obrigou ao contrato e o inadimpliu, dando causa à rescisão, deve suportar os ônus da cláusula penal.5. A correção monetária do valor do imóvel a ser considerado para a incidência da multa deve ser realizada pelo índice oficial INPC, uma vez que o INCC/FGV somente se aplica à evolução dos custos no setor da construção.6. Recursos improvidos.(grifo nosso)3.

17. De forma semelhante, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

CIVIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL ATRAVÉS DO REGIME DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS. IMPOSSIBILIDADE. GARANTIA HIPOTECÁRIA INSTITUÍDA EM FAVOR DO AGENTE FINANCEIRO. INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AOS TERCEIROS ADQUIRENTES DE BOA-FÉ. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. Caracteriza relação de consumo, amparada pelo Código de Defesa do Consumidor, os contratos de promessa de compra e venda celebrados para a aquisição de imóvel em construção, mediante financiamento, já que a construtora equipara-se

3Acórdão n. 779222, 20130310100628APC, Relator: JOÃO EGMONT, Revisor: LUCIANO MOREIRA

VASCONCELLOS, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 09/04/2014, Publicado no DJE: 22/04/2014. Pág.: 168.

9

Page 10: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

a fornecedor de produto, que no caso é o imóvel, e também prestadora do serviço de construção, enquanto que os promitentes compradores ostentam a qualidade de consumidores, pouco importando se o regime de construção é o da incorporação imobiliária segundo o Sistema Financeiro da Habitação, pois as únicas relações excepcionadas pelo CDC são aquelas originadas do direito trabalhista. 2. É inegável a nulidade e abusividade das cláusulas contratuais que autorizam o incorporador a oferecer o imóvel em hipoteca ao agente financeiro, ainda quando tal gravame já tenha sido instituído antes da venda ao adquirente final, pois este não pode responder pela dívida por si contraída e, ainda, assumir a responsabilidade pelo pagamento de obrigação pecuniária assumida pelo construtor perante o agente financeiro. Logo, afigura-se totalmente ineficaz, em relação aos terceiros compradores, a hipoteca instituída sobre o empreendimento imobiliário, pois em franco prejuízo dos consumidores-adquirentes e em clara violação ao artigo 51, inciso IV e parágrafo 1º, incisos II e III do Código de Defesa do Consumidor. 3. Recurso improvido4.

18. Não há, portanto, dúvidas de que os princípios e determinações legais

constantes do Código de Defesa do Consumidor devem incidir sobre as cláusulas

abusivas ora combatidas, servindo de fundamento para sua supressão ou alteração.

IV – DA PROIBIÇÃO DA ESTIPULAÇÃO DE CLÁUSULAS ABUSIVAS E

DA IMPOSIÇÃO DA PROBIDADE E BOA-FÉ À PESSOA JURÍDICA E AOS

CONTRATOS QUE CELEBRA

19. O Código de Defesa do Consumidor, atendendo à determinação

constitucional, regulamentou os princípios insculpidos nos arts. 5°, XXXII, e 170, V, da

Constituição Federal, que consignam ser a proteção ao consumidor direito e garantia

fundamental, bem como princípio da ordem econômica.

4 TRF-1 - AC: 4758 PA 1998.01.00.004758-6, Relator: JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), Data

de Julgamento: 04/09/2003, TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR, Data de Publicação: 25/09/2003 DJ p. 106.

10

Page 11: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

20. O art. 4° do Código de Defesa do Consumidor fixou as diretrizes da

Política Nacional do Consumidor, e, em especial, cuidou de ressaltar em seus incisos I e

III: a importância do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de

consumo; a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e

compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento

econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem

econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio

nas relações entre consumidores e fornecedores.

21. O Código de Defesa do Consumidor positivou, ainda, a teoria do

abuso do direito, elencando–, v.g., no art. 6°, entre os direitos básicos do consumidor – o

direito à modificação contratual de cláusulas que estabeleçam prestações

desproporcionais, impondo a proporcionalidade como princípio fundamental nas relações

de consumo, nos seguintes termos:

Art. 6: São direitos básicos do consumidor:

“V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (grifos nossos).

22. Denotando a preocupação com a modalidade na relação

consumidor/fornecedor, no capítulo pertinente à proteção contratual, está ainda o art. 51,

dispondo serem nulas de pleno direito, entre outras, disposições contratuais que:

“IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;(...)§.1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:(...)

11

Page 12: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.” (grifos nossos).

23. Da interpretação do dispositivo mencionado, tira-se a lição de Nelson

Nery Júnior5, segundo a qual:

“O direito básico do consumidor, reconhecido no art. 6º, nº V, do Código, não é o de desonerar-se da prestação por meio da resolução do contrato, mas o de modificar a cláusula que estabeleça prestação desproporcional, mantendo-se íntegro o contrato que se encontra em execução ou de obter a revisão do contrato se sobrevierem fatos que tornem as prestações excessivamente onerosas para o consumidor.”

24. A doutrina assevera, ainda, que:

“Na estipulação da possibilidade de resolução alternativa, deverão ser observados os princípios fundamentais do CDC, entre os quais ressaltam o da boa-fé (art. 4º, III; art. 51, IV), o do equilíbrio nas relações de consumo (art. 4º, III) e o da proporcionalidade, que indica proibição de o fornecedor auferir vantagem excessiva em detrimento do consumidor (art. 51, IV, e § 1º).”6

25. Como se pode observar, a legislação consumerista e a doutrina

primam pela aplicação do princípio da proporcionalidade com a finalidade de evitar abuso

de direito, especialmente em casos de contrato de adesão. Na hipótese em que o

consumidor, para usufruir da prestação de um serviço, se submete a cláusulas

exorbitantes, deve incidir o referido princípio, com vistas a excluir da contratação a latente

abusividade.

5 CDC Comentado, Ed. Forense Universitária, p. 479, 7.ª edição.6 Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto/Ada Pellegrini Grinover...[et. al.].7ª ed.- Rio de Janeiro: Forense Universitária,2001, pág. 567.

12

Page 13: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

26. Tem-se, portanto, que a força obrigatória dos contratos não pode

ultrapassar a legalidade, como nitidamente ocorre na hipótese, em que o exercício do

direito da ré de predispor das cláusulas contratuais afrontou tanto o princípio da legalidade

como o da boa-fé, incorrendo em abuso de direito.

27. Não é demais salientar que o art. 670 do CPC de 1939, em vigor por

força do disposto no art. 1218, VII, do atual CPC, coíbe a prática de atos ilícitos e imorais

pelas empresas, o que se coaduna com sua função social estipulada pelo parágrafo único

do art. 116 da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), reforçada pelo Código Civil,

ao impor a probidade à pessoa jurídica e aos contratos que ela celebra (art. 422).

28. Da mesma forma, o Código Civil, em seu art. 1.011 impôs a diligência

do homem probo, nestes termos:

“O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”.

29. Assim, todo e qualquer ato praticado pela pessoa jurídica deve ser

lastreado na probidade, em especial os contratos que são firmados, nos termos do art. 422

do Código Civil, que impõe aos contratantes a obrigação de “guardar, assim na

conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-

fé”.

30. As rés, todavia, afrontaram a probidade em atos incompatíveis com a

moralidade, ao manter cláusulas abusivas em seus contratos de adesão, mesmo após a

notificação pelo Ministério Público e as tentativas de firmar Termo de Ajustamento de

Conduta.

13

Page 14: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

31. Ex positis, verifica-se que a conduta da ré de estipular cláusulas

abusivas afronta os princípios e as determinações do Código de Defesa do Consumidor,

bem como a boa-fé imposta pelo Código Civil, aplicado subsidiariamente às relações de

consumo, especialmente quando tutela de maneira efetiva os direitos dos consumidores.

32. Não se trata aqui de questionar a validade dos contratos assinados,

nem a autonomia da vontade, mas tão somente fazer valer o direito à modificação

contratual de cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais. Em outros

termos, o Ministério Público pleiteia tão-somente a adequação contratual aos princípios

basilares das relações de consumo, expurgando do contrato aquelas cláusulas abusivas e

desproporcionais.

33. Dessa forma, considerando a legitimidade concorrente do Ministério

Público para a defesa do consumidor em juízo, a admissibilidade de todas as espécies de

ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela do consumidor e o notório prejuízo

às relações de consumo em razão da manutenção de cláusulas abusivas, cabível e

necessária a presente ação, que se direcionará a excluir ou modificar as estipulações

contratuais abaixo elencadas.

V – DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS

34. O consumidor foi identificado constitucionalmente como agente a ser

protegido de forma especial, e esta tutela foi concretizada através do Código de Defesa do

Consumidor, o qual prevê, em seu art. 6º, uma lista de direitos básicos a serem

respeitados. A realização da defesa do consumidor prevista no art. 5º, XXXII, da CF/88,

perpassa pela coibição de práticas abusivas enunciadas repetidamente em contratos de

incorporação imobiliária, como ocorre no empreendimento Taguá Life Center.

14

Page 15: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

35. Tendo em vista a existência de diversas cláusulas abusivas, com

matérias diversas, mostra-se necessária a análise individual de cada uma delas, como se

passa a fazer.

a) Letra K, Item 5, alínea “b”, do Quadro-Resumo, Cláusula 15.2, alíneas “c”

e“h” e Cláusula 15.4, alínea “c”- da venda casada e do abuso de direito

quanto à estipulação de condomínio

(...)b) A VENDEDORA se reserva, desde já, o direito de contratar a empresa especializada em operações do Sistema Rotativo, em nome do Condomínio, por até 02 (dois) anos, contados a partir da data da Assembleia Geral de Instalação, ajustando o valor a ser pago pela prestação de serviços aqui estipulada, forma e período de reajuste. A partir do 3º (terceiro) ano, caberá ao Condomínio, representado sempre pelo Sindico e pelo Conselho Constitutivo, dar continuidade ao contrato existente, se for o caso, ou contratar nova empresa, ou ainda, contratar funcionários nos termos da alínea “a” acima;

15.2. Por este mesmo instrumento, o COMPRADOR nomeia e constitui a VENDEDORA sua bastante procuradora, outorgando-lhe poderes irrevogáveis e irretratáveis na forma prevista nos artigos 684 e 686, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro, para exercer todos os poderes e praticar todos os atos que concernem a ele, COMPRADOR, na qualidade de participante do condomínio. Entre esses poderes, incluem-se especialmente os seguintes:(...)

C) proceder à redação final da convenção de condomínio e elaborar os instrumentos de sua instituição, divisão e especificação, total ou parcial, e todos os documentos que se fizerem necessários na consecução destes fins; elaborar, aprovar e expedir os Regimentos Internos ou Regulamentos Internos do Condomínio, estabelecendo cláusulas e condições de qualquer natureza; subscrever e assinar esses instrumentos e documentos; (...)

H) promover todas as medidas para a implementação e funcionamento do Condomínio, incluindo-se nessas medidas a contratação da sua administradora ou administradoras e a contratação das empresas de manutenção técnica, como a de elevadores, e as demais prestadoras de serviços;

15.4 Reconhecer e concordar com os direitos que a VENDEDORA tem de:

C)durante os 2 (dois) primeiros anos de atividade do condomínio de utilização, e tendo em vista dar-lhe continuidade, sua administração será entregue a uma administradora, pessoas física ou jurídica, condômino ou não, indicada pela VENDEDORA.

36. Muito embora seja obrigação da incorporadora proceder à constituição

de condomínio, certo é que o procedimento previsto na Lei nº 4.591/64 não visa alijar o

15

Page 16: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

aquirente das discussões, como consta nas cláusulas acima transcritas. Não é correto que

os consumidores se sujeitem a toda e qualquer disposição condominial, ao arbítrio da

incorporadora, sem que tais previsões passem pelo crivo dos condôminos.

37. Enfim, concluída a obra e emitido o auto de Habite-se, impera a

realização de assembleia para instalação do condomínio, a ser realizada com dois

objetivos principais: 1) aprovar a convenção - condição para que o condomínio seja

registrado em um cartório de imóveis, obtenha o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas

Jurídicas) e possa contratar funcionários; e 2) eleger o síndico, que será o representante

legal do grupo, bem como o subsíndico e os conselheiros do condomínio7.

38. Colocadas estas premissas legais, é de se ter em mente que entre os

direitos básicos do Consumidor encontra-se a liberdade de escolha, prevista no art. 6º, II,

do CDC e a vedação de venda-casada, conforme consta no art. 39, I, do CDC,

entendendo-se por venda-casada “qualquer tentativa do fornecedor de se beneficiar de

sua superioridade econômica ou técnica para estipular condições negociais desfavoráveis

ao consumidor, cerceando-lhe a liberdade de escolha”8.

39. Nesse sentido, a prática nesta Promotoria de Defesa do Consumidor

mostra que as incorporadoras têm utilizado as cláusulas contratuais ora impugnadas para

impor, ao seu alvedrio, todas as disposições relativas ao Condomínio. Além de ser uma

medida de comodidade, já que a toda evidência um ato que estaria sujeito à deliberações

é complexo, no sentido de buscar uniformizar entendimentos díspares sobre um tema, o

que nem sempre é fácil, outra razão de fundo, essa mais perigosa, consiste na

possibilidade de a incorporadora deter o poder de escolha do Síndico, pessoa responsável

pela gestão do Condomínio, sob ponto de vista financeiro, e disciplinar.

7http://construcaomercado.pini.com.br/negocios-incorporacao-construcao/98/artigo282325-1.aspx8REsp 804202/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2008, DJe 03/09/2008

16

Page 17: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

40. Ora, amiúde chegam reclamações no sentido de que o Síndico

indicado no mais das vezes apenas tutela os interesses da própria incorporadora em

detrimento do bem comum dos condôminos, seja ignorando deliberadamente as

insurgências indicadas em reunião, seja para apor ciência e ratificar obras e reparos não

prestados efetivamente, ou a contento, pela incorporadora.

41. Não bastasse isso, as disposições contratuais atacadas permitem a

livre disposição do preço a ser pago não só ao Síndico, como também vincula os

adquirentes à contratação de empresas de manutenção técnica e demais prestadoras de

serviço, todas indicadas pela própria Incorporadora.

42. Acabam sendo evidentes os liames ilegais subjacentes ao contrato de

compra e venda, os quais findam por atrelar o consumidor não só à incorporadora, mas

também a uma rede de outros prestadores de serviços para os quais os condôminos não

concorreram, não puderam realizar pesquisa de preço, estando impossibilitados, inclusive,

de designar pessoa de confiança para ocupar o cargo de Síndico.

43. Dito isso, impera seja reconhecida a abusividade do Item 5, alínea “b”,

do Quadro-Resumo, e da Cláusula 15.2, alíneas “c” e “h”, a fim de assegurar a liberdade

de escolha dos adquirentes/consumidores/condôminos, bem como seja expressamente

determinada a proibição de que as rés voltem a inserir em seus futuros contratos cláusulas

de conteúdo semelhante ou análogo.

b) Cláusula 5.1.2 – Da antecipação do pagamento

44. Assim consta do contrato:

5.1.2 - Toda antecipação de parcelas de preços será necessariamente precedida de notificação por escrito à VENDEDORA, com prazo mínimo de 30 (trinta) dias de antecedência do pagamento pretendido. Tendo sido a VENDEDORA notificada, o COMPRADOR estará obrigado a efetuar o

17

Page 18: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

pagamento antecipado, sob pena de ser constituído em mora, com todas as consequências para a hipótese de Inadimplência, previstas na Cláusula 6 deste instrumento.

45. É direito do consumidor “a liquidação antecipada do débito, total ou

parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos” (art. 52, §

2º, do CDC). Por se tratar de exercício de direito, não cabe, ainda que prevista no

contrato, a imposição de ônus ao consumidor que queira valer-se do instituto.

46. Absurda a ideia consubstanciada no contrato no sentido de que o

comprador será obrigado ao pagamento antecipado e considerado em mora se não o

fizer no tempo aprazado. Ora, o exercício do pagamento antes da data de vencimento é

uma faculdade do adquirente, que não coaduna-se, por sua própria natureza, com

vindictas de coercitividade, caso haja desistência da parte devedora.

47. Nada obsta, contudo, que seja pactuada, em valores razoáveis, a

cobrança dos custos da contabilidade para cálculo do saldo remanescente, com a

eventual amortização dos juros, caso o devedor, após a notificação, não proceda ao

pagamento antecipado, frustrando legítima expectativa da vendedora, medida essa que

respeitaria o direito dos consumidores, de um lado, bem como preservaria os interesses

da vendedora, de outro.

c) Cláusula 6.2 – Da rescisão contratual x art. 63, da Lei nº 4.591/64

48. A cláusula impugnada assim soa:

6.2 Caso o COMPRADOR não purgue a mora no prazo acima estabelecido [*15 dias após a notificação, conforme cláusula 6.1], a VENDEDORA poderá optar, a seu único e exclusivo critério, sem prejuízo de sua execução específica, por:

A) Considerar este contrato, automaticamente, rescindido de pleno direito, não obstante seu caráter de irrevogabilidade e irretratabilidade ficando

18

Page 19: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

facultado à VENDEDORA negociar a unidade aqui objetivada com terceiros; ou

B) Considerar o vencimento antecipado das parcelas vincendas, bem como das parcelas vencidas e não pagas, acrescidas de seus encargos.

49. No que se refere à inadimplência como causa de rescisão contratual,

prevista nas Cláusulas 6.1 e 6.2 do contrato em análise, caso o comprador não purgue a

mora no prazo máximo de 15 (quinze) dias, após a notificação extrajudicial, poderá a

vendedora considerar o contrato rescindido de pleno direito ou considerar o vencimento

antecipado das parcelas vincendas.

50. Ocorre que, por força do art. 63 da Lei de Incorporações Imobiliárias, é

lícito pactuar-se disposição semelhante, caso se dê a falta de pagamento de pelo menos 3

(três) prestações do preço da construção, verbis:

Art. 63. É lícito estipular no contrato, sem prejuízo de outras sanções, que a falta de pagamento, por parte do adquirente ou contratante, de 3 prestações do preço da construção, quer estabelecidas inicialmente, quer alteradas ou criadas posteriormente, quando fôr o caso, depois de prévia notificação com o prazo de 10 dias para purgação da mora, implique na rescisão do contrato, conforme nele se fixar, ou que, na falta de pagamento, pelo débito respondem os direitos à respectiva fração ideal de terreno e à parte construída adicionada, na forma abaixo estabelecida, se outra forma não fixar o contrato.

51. Deve ser considerada abusiva a Cláusula 6.2 em razão de sua patente

ilegalidade, tendo em vista também disposição expressa constante na Lei 4.864/1965 no

sentido de que a rescisão por inadimplemento apenas se dará após o atraso mínimo de

três meses de vencimento das obrigações. Confira-se:

Art. 1º Sem prejuízo das disposições da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 os contratos que tiverem por objeto a venda ou a construção de habitações com pagamento a prazo poderão prever a correção monetária

19

Page 20: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

da dívida, com o consequente reajustamento das prestações mensais de amortização e juros, observadas as seguintes normas:

VI - A rescisão do contrato por inadimplemento do adquirente somente poderá ocorrer após o atraso de, no mínimo, 3 (três) meses do vencimento de qualquer obrigação contratual ou de 3 (três) prestações mensais, assegurado ao devedor o direito de purgar a mora dentro do prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data do vencimento da obrigação não cumprida ou da primeira prestação não paga”.

52. Dessa forma, não sendo permitido ao consumidor renúncia prévia a

direitos, que lhe foram outorgados por norma cogente, por meio de contrato de adesão,

nula é a referida cláusula contratual, apenas se possibilitando a rescisão contratual em

razão da mora nos casos expressamente previstos na lei.

d) Cláusula 6.3, alínea “a” – Das taxas administrativas ou “tarifa SATI” e o

bis in idem com a cobrança das despesas de corretagem

Dispõe o contrato adesivo nestes termos:

6.3 Havendo distrato ou rescisão do COMPRADOR, serão apuradas as quantias pagas, atualizadas monetariamente de acordo com o critério utilizado para o pagamento das prestações e delas serão descontados:

A) Custos administrativos e de promoção de venda, à taxa de 10% (dez por cento) sobre o valor total da venda atualizado monetariamente, nos termos deste contrato;

15.1.3 Que, na hipótese de cobrança de despesas de corretagem, estas serão de responsabilidade exclusiva do COMPRADOR.

53. Em primeiro lugar, a informação adequada é direito básico do

consumidor e a utilização de subterfúgios comerciais que podem induzir o consumidor em

erro, é ponto de afronta ao CDC, em especial ao art. 6º, III e IV, que dispõe:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:(...)

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

20

Page 21: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

54. Além disso, o art. 31 do CDC dispõe que a oferta e apresentação de

produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas e

ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade,

composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como

sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

55. No que se refere à abusividade da cobrança de “custos administrativos

e de promoção de venda, arbitrados em 10 % sobre o valor total da venda”, leia-se o

esclarecedor julgado proferido no Recurso Inominado nº 0007220-95.2012.8.26.0562, do

TJ/SP, em que, além de restar especificado em que consiste a indigitada tarifa, pondera

pela ocorrência de bis in idem quando é ela pactuada sobre o valor do contrato. Segue

ementa do mencionado aresto:

A tarifa “SATI” (assessoria jurídica e elaboração de instrumento de contrato na aquisição de imóvel) só é devida se for especificada e não se basear no valor do imóvel sob pena de não ser válida por se confundir com a corretagem e, assim, constituir bis in idem. Nos termos do disposto no art. 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, desde que: 1. Não haja engano justificável por parte do credor; e 2. O credor tenha agido de má-fé. A prova do engano justificável e da ausência de má-fé é do credor. Estando a sentença de acordo com a prova dos autos ela deve ser mantida.

56. Neste sentido, em julgamento recente (jul/2014) posicionou-se

semelhantemente o TJDFT:

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM". REJEIÇÃO. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL NA PLANTA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. TAXA SATI. COBRANÇA ABUSIVA. ÔNUS DO VENDEDOR. DEVOLUÇÃO EM

21

Page 22: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

DOBRO. CABIMENTO. MÁ-FÉ. TRANSFERÊNCIA DE DESPESAS OPERACIONAIS DA VENDEDORA AO CONSUMIDOR.

(...)

11. Nesse contexto, caracteriza má-fé a imposição, em contrato de adesão, da cláusula que transfere ao consumidor os ônus decorrentes de serviço que não foi contratado por ele, eis que tal artifício visa dar aparência de legalidade à cobrança ilícita, devendo a quantia ser restituída em dobro.

12. No que concerne à taxa denominada SATI, em que pesem os argumentos esposados pela recorrente, tenho que sua cobrança é ilegal, pois transfere ao consumidor um encargo inerente à atividade desempenhada pelas próprias rés, e que somente a elas reverte benefícios. Devolução em dobro que se impõe.

13. Recurso conhecido. Preliminar rejeitada. No mérito, nego provimento ao recurso. Sentença mantida pelos seus próprios fundamentos.

14. Condeno a recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 15% (quinze por cento), que deverá incidir sobre o valor da condenação devidamente corrigido.

(Acórdão n.804738, 20140710029435ACJ, Relator: ANTÔNIO FERNANDES DA LUZ, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 22/07/2014, Publicado no DJE: 24/07/2014. Pág.: 221)

57. A esse respeito, importante destacar que a Tarifa SATI – Serviço de

Assessoria Técnica Imobiliária – se confunde com a própria despesa de corretagem,

como o próprio significado da sigla está a indicar e, nesse sentido, implica duplo

pagamento da mesma despesa pelo adquirente – haja vista a cumulação com a cobrança

de corretagem, pela cláusula 15.1.3 - , daí exsurgindo sua ilegalidade.

58. Igualmente abusiva seria eventual repasse dos custos relativos a

honorários advocatícios impostos extrajudicialmente ao consumidor, caso se pretendesse

enquadrá-los sob a rubrica genérica de “custos administrativos”, inserida na Cláusula 6.3,

alínea “a”, já que tal despesa seria encargo de quem contratou os serviços de um

advogado, sob pena de a construtora impor a responsabilidade pelos custos de cobrança

da sua obrigação contratualmente avençada.

22

Page 23: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

59. Nesse sentido, já se manifestou a Corte, conforme ementas

transcritas, in verbis:

CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO CONTRATUAL. FINANCIAMENTO BANCÁRIO. CDC. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. LEGALIDADE. PREVISÃO DE FIEL DEPOSITÁRIO. DECRETO LEI 911/69. LEGALIDADE. VENCIMENTO ANTECIPADO DO CONTRATO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E DESPESAS DE COBRANÇA. RESPONSABILIDADE DO CONSUMIDOR. NULIDADE DA CLÁUSULA.

1. A capitalização mensal de juros deve ser admitida em contratos bancários celebrados posteriormente à edição da MP 2.170-36/01. Precedentes do STJ e do TJDFT.

2. Até pronunciamento definitivo acerca da constitucionalidade da MP 2.170-36/01, é permitida a cobrança de juros capitalizados em periodicidade inferior a um ano, desde que expressamente pactuada.

3. A imputação de infiel depositário ao devedor resulta da natureza resolúvel da propriedade instituída pela alienação fiduciária em garantia, sendo que, a partir do inadimplemento total, esta passa a ser da instituição financeira.

4. Em razão da natureza sinalagmática e de comutatividade do contrato, estabelecendo direitos e obrigações para as duas partes, não se apresenta puramente potestativa a cláusula contratual que prevê o vencimento antecipado da dívida do contrato por inadimplemento, que encontra amparo no artigo 474 do Código Civil.

5. Nos termos do art. 51, inciso XII, do CDC, é nula a cláusula que prevê a responsabilidade do consumidor em relação aos honorários advocatícios, custas judiciais e extrajudiciais, quando não lhe é assegurado igual direito.

6. Recurso parcialmente provido9.

60. Verifica-se, assim, a abusividade da referida cláusula, devendo

ser excluída do contrato.

9Acórdão n.669147, 20121010014637APC, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, Revisor: NÍDIA CORRÊA LIMA, 3ª

Turma Cível, Data de Julgamento: 03/04/2013, Publicado no DJE: 17/04/2013. Pág.: 140

23

Page 24: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

e) Cláusula 6.3, alíneas “b” e “c” e Cláusulas 6.3.1 e 6.3.2 – Dos custos

excessivos para rescisão contratual realizada a pedido do comprador

Assim consta do contrato de adesão:

6.3 Havendo distrato ou rescisão do COMPRADOR, serão apuradas as quantias pagas, atualizadas monetariamente de acordo com o critério utilizado para o pagamento das prestações e delas serão descontados:

(…) B) Impostos, taxas ou contribuições incidentes sobre este negócio imobiliário e criados durante a vigência deste instrumento que não tenham sido pagos pelo COMPRADOR;

C) Eventuais débitos de tributos, inclusive IPTU e taxa condominial.

6.3.1 - Ajustam as partes que, do saldo apurado, nos moldes do item 6.3 será restituída ao COMPRADOR a importância equivalente a 50% (cinquenta por cento) desses, em tantas parcelas mensais quanto forem os meses decorridos da data de assinatura desde instrumento até o distrato. A parte retida pela VENDEDORA será considerada como perdas e danos e lucro cessantes.

6.3.2 - O valor a ser restituido ao COMPRADOR jamais será inferior a 20% (vinte por cento)dos valores constantes neste instrumento e efetivamente por ele pagos.

6.4 – Se a rescisão se der depois de transmitida a posse do imóvel, serão acrescidos às deduções expressas no item 6.3, supra: (...)

61. Ab initio importa tecer uma interpretação a contrario sensu a fim de

destacar o cerne da abusividade da cláusula 6.3, alíneas “b” e “c”. É que, enquanto a

cláusula 6.4 disciplina as rescisões contratuais ocorridas depois de transmitida a posse do

imóvel, há de se compreender que as parcelas da cláusula 6.3 são plenamente exigíveis

no caso de a rescisão ocorrer antes da transmissão da posse, aí residindo o absurdo.

62. A cláusula 6.3, alíneas “b” e “c”, acaba por transferir para o

consumidor, por meio de contrato de adesão, impostos taxas ou contribuições incidentes

sobre o negócio imobiliário, inclusive o pagamento de IPTU, e de taxa condominial antes

da entrega das chaves ou da imissão na posse, o que viola o disposto no art. 123 do

24

Page 25: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

CTN10 e no art. 4º, §§ 4º e 5º, do Decreto nº 16.100 do Distrito Federal (Regulamento do

IPTU)11, bem como a jurisprudência do TJDFT12

No caso vertente, o promitente-comprador sequer chegou a receber as chaves do imóvel. "Se não há elemento seguro a indicar que o promitente-comprador exerceu posse direta sobre o imóvel, a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais é do promitente-vendedor" (Resp 722.501/SP; Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma; DJ de 28.05.2007). Assim, e pelo mesmo motivo, não poderá ser compensado pela promitente-vendedora, do valor a ser reembolsado, qualquer despesa condominial, tributária ou de quaisquer outros encargos que recaiam sobre a unidade imobiliária. (…)

63. Assim, impende seja reconhecida a abusividade das alíneas “b” e “c”

da cláusula 6.3, já que estas atribuem ao comprador os encargos relativos a taxas,

tributos, impostos, IPTU e condomínio antes da efetiva entrega das chaves.

64. Por fim, no contrato em análise, consolidado o valor adimplido pelo

consumidor até a rescisão, e feitas as deduções de todos os encargos previstos na

Cláusula 6.3, alíneas “a”, “b” e “c”, do saldo remanescente a empresa poderá, ainda, nos

termos da Cláusula 6.3.1, reter o percentual ignóbil de 50% (cinquenta por cento) a título

de perdas e danos e lucros cessantes.

65. Não bastasse isso, a cláusula 6.3.1 ainda dispõe que a outra metade

(50%) a ser devolvida ao consumidor será restituída “em tantas parcelas mensais

quanto forem os meses decorridos da data de assinatura deste instrumento até o

distrato”, cláusula reconhecidamente abusiva pelo Superior Tribunal de Justiça que, em

10Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.11Art. 4º (...)

§ 4º Respondem solidariamente pelo pagamento do imposto (...) os promitentes compradores imitidos na posse (...). § 5º Salvo disposição legal em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento do tributo, não têm validade para modificação do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.12 TJ-DF - APL: 1207444520068070001 DF 0120744-45.2006.807.0001, Relator: HUMBERTO ADJUTO ULHÔA,

Data de Julgamento: 17/10/2007, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: 22/11/2007, DJU Pág. 345

25

Page 26: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

regime de recurso repetitivo, impôs a restituição imediata das somas devidas ao

comprador. Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO. DEVOLUÇÃO DE PARTE DO VALOR PAGO. MOMENTO.

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.

2. Recurso especial não provido.

(REsp 1300418/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/11/2013, DJe 10/12/2013)

66. A jurisprudência é pacífica no sentido da devolução, de uma única vez,

do saldo remanescente ao consumidor, devendo ser acrescido de juros e atualizado

monetariamente, já que o imóvel objeto da rescisão contratual será colocado à venda em

favor da construtora. Segue o seguinte precedente desse TJDFT:

CIVIL – RESCISÃO CONTRATUAL – DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS – PENHORA INCIDENTE SOBREDIREITOS DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – RETENÇÃO DO SINAL E DE 10% SOBRE O VALOR PAGO – I) A jurisprudência vem entendendo reiteradamente que, no caso de rescisão de compromisso de compra e venda, a devolução das parcelas pagas deve ser feita de uma única vez. II) Não tendo o ato constritivo recaído sobre o imóvel em si, mas sobre os direitos que exerce o compromissário-comprador, mostra-se lícita a penhora. III) De modo a compensar a promitente vendedora pelos gastos efetuados e eventuais prejuízos suportados com a inadimplência do promitente comprador, assim também com a rescisão contratual, correta a sentença que à mesma assegura reter, de tudo quanto haverá de restituir, o valor

26

Page 27: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

correspondente ao sinal recebido e 10% do montante em face da cláusula penal compensatória estabelecida entre as partes. Conhecer e negar provimento, ao recurso, tudo à unanimidade13.

67. Quanto aos percentuais a serem retidos pela vendedora, nos termos

do § 1º do art. 51 do CDC se presume exagerada, entre outros casos, a vontade que se

mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o

conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

68. Por isso, o Código de Defesa do Consumidor positivou a teoria do

abuso do direito, elencando, v.g., no art. 6° do Código de Defesa do Consumidor entre os

direitos básicos do consumidor - o direito à modificação contratual de cláusulas que

estabeleçam prestações desproporcionais, ou seja, impondo a proporcionalidade como

princípio fundamental nas relações de consumo, nestes termos:

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (grifamos).

69. A aplicação da cláusula penal, como pactuada no compromisso de

compra e venda de imóvel, importaria em ônus excessivo para o comprador, impondo-lhe,

na prática, a perda da quase totalidade das prestações pagas, e atendendo-se ao espírito

do que dispõe o art. 53 do Código de Defesa do Consumidor, cumpre ao Juiz adequar o

percentual de perda das parcelas pagas a um montante razoável.

70. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça14 tem considerado

razoável, em princípio, a retenção pelo promitente vendedor de 10% do total das parcelas

quitadas pelo comprador, levando-se em conta que o vendedor fica com a propriedade do

imóvel, podendo renegociá-lo. Com o mesmo entendimento, o Tribunal de Justiça do

Distrito Federal e Territórios:

13 TJDF – APC 19990710142568 – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Vasquez Cruxên – DJU 02.05.2001 – p. 51.14 REsp 85936/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ 21/09/1998, p. 166

27

Page 28: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RESCISÃO DE CONTRATO. RETENÇÃO DE 30%. DESCABIMENTO. RETENÇÃO DO VALOR DO SINAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CLÁUSULA DE PARCELAMENTO ABUSIVA.1. É abusiva a cláusula penal que prevê a retenção de 30% dos valores pagos sendo correta a redução desse percentual para 10%, uma vez que a penalidade busca cobrir despesas operacionais, administrativas e comerciais do bem que se manterá na posse da vendedora, podendo ser novamente comercializado.2. "O silêncio do réu acerca da pretensão autoral, impõe a este os efeitos da revelia, não podendo ser conhecida questão levantada apenas em sede de apelação, sob pena de afronta ao efeito devolutivo do recurso e de supressão de instância."(Acórdão n.719247, 20110310306156APC, Relator: GISLENE PINHEIRO, 5ª Turma Cível, Publicado no DJE: 08/10/2013. Pág.: 180) .3. É abusiva a cláusula contratual que estabelece a restituição dos valores pagos de maneira parcelada, pois beneficia demasiadamente a construtora em detrimento do consumidor.4. Recurso desprovido15.

71. Dessa forma, impende seja reconhecida a abusividade das alíneas “b”

e “c” da cláusula 6.3, já que estas atribuem ao comprador os encargos relativos a taxas,

tributos, impostos, IPTU e condomínio antes da efetiva entrega das chaves. Pugna-se

ainda pela redução da cláusula penal para o patamar de 10% (dez por cento) dos valores

pagos, devendo o valor residual ser entregue ao consumidor em parcela única.

f) Cláusula 6.4.1 – Perda de benfeitorias úteis e voluptuárias x art. 1.219 CC

72. Segue a redação da cláusula abusiva:

6.4.1 Ainda, na hipótese de distrato, o COMPRADOR perderá em favor da VENDEDORA as benfeitorias úteis e voluptuárias que vier a introduzir no imóvel.

15 Acórdão n.774457, 20110111890973APC, Relator: SEBASTIÃO COELHO, Revisor: GISLENE PINHEIRO, 5ª

Turma Cível, Data de Julgamento: 26/03/2014, Publicado no DJE: 02/04/2014. Pág.: 137

28

Page 29: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

73. Em primeiro lugar, a cláusula que estabelece a perda ao direito de

indenização por benfeitorias úteis ou voluptuárias é incompatível com os art. 1.219 e

1.220, do Código Civil, e ainda atentatória ao art. 51, inciso XVI, do Código de Defesa do

Consumidor que assim dispõe:

CC - Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

CC - Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

CDC - Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...)XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias

74. Ora, até o possuidor de má-fé tem direito a ser ressarcido quanto a

eventuais benfeitorias necessárias, quanto mais um consumidor de boa-fé no exercício de

seu direito de rescisão contratual. Em consonância com o Código Civil, a lei de

parcelamento do Solo Urbano – Lei nº 6.766/79, em seu art. 34, assim estabelece:

Art. 34. Em qualquer caso de rescisão por inadimplemento do adquirente, as benfeitorias necessárias ou úteis por ele levadas a efeito no imóvel deverão ser indenizadas, sendo de nenhum efeito qualquer disposição contratual em contrário.

75. Sobre o tema, este TJDFT já se pronunciou pela necessidade de

indenização mesmo no caso de contrato de compra e venda firmado em imóveis

irregulares, de forma que com mais razão faz-se necessário o reconhecimento da

abusividade das cláusulas que privam o consumidor de boa-fé do exercício de tal direito:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL, REINTEGRAÇÃO DE POSSE E PERDAS E DANOS. CONTRATO DE

29

Page 30: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DISCUSSÃO DE BENFEITORIAS EM SEDE DE CONTESTAÇÃO. POSSIBILIDADE. IMÓVEL IRREGULAR. NULIDADE DO CONTRATO. INDENIZAÇÃO DAS BENFEITORIAS. CABIMENTO. RESTITUÍÇÃO DE PRESTAÇÕES PAGAS. AUSÊNCIA DE PROVA. INDENIZAÇÃO PELO USO DO IMÓVEL. NÃO CABIMENTO.1. Tratando-se de Ação de Rescisão Contratual c/c Reintegração de Posse, é permitido à parte ré pleitear, em contestação, o direito de indenização pelas benfeitorias realizadas no imóvel, em razão da natureza dúplice das ações possessórias.2. O contrato de promessa de compra e venda que tem por objeto imóvel cuja propriedade pertence a terceiro alheio ao negócio jurídico, se mostra ilícito por violar as disposições contidas na Lei nº 6.766/79, que impede expressamente a venda ou a promessa de venda de lote em situação irregular.3. Diante da declaração de nulidade do contrato, é devido o retorno das partes “ao status quo ante”, com a devolução do imóvel à promitente vendedora, devendo a promitente compradora ser indenizada pelas benfeitorias úteis e necessárias erigidas no bem e facultada a retirada das benfeitorias voluptuárias.4. Tendo em vista a ausência de comprovação do pagamento de prestações pactuadas, não há como ser imposta à promitente vendedora a obrigação de restituir valores a este título.3. Em razão da restituição das partes ao estado anterior e da faculdade do exercício do direito de retenção do bem até o pagamento das benfeitorias, mostra-se incabível o reconhecimento do direito da promitente vendedora de receber valores a título de aluguel pela utilização do imóvel.5. Recurso de Apelação conhecido e parcialmente provido.(Acórdão n.788737, 20130111205360APC, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, Revisor: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 08/05/2014, Publicado no DJE: 16/05/2014. Pág.: 136)

76. Assim, requer o reconhecimento da nulidade da cláusula 6.4.1.

g) Cláusulas 7.1, 7.2 e 7.2.1 – Do prazo de tolerância de 180 dias e do atraso

das obras

7.1 As obras de cada fase deverão estar concluídas nas respectivas datas previstas na letra “G” do Quadro-Resumo, admitida, para cada fase, tolerancia de 180 (cento e oitenta) ,

30

Page 31: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

7.2 - Ficam também ressalvados os motivos de força maior ou caso fortuito,quando então o prazo será prorrogado pelo tempo equivalente à paralisação das obras, mais o necessário para a retomada do ritmo normal dos serviços, não se configurando em mora a VENDEDORA durante este período, uma vez que a ocorrência se dá por razão alheia à sua vontade.

7.2.1 - Incluem-se entre os motivos de força maior ou caso fortuito, greves chuvas, dias inoperantes, falta de materiais, mudanças políticas econômicas, guerras, revoluções, epidemias, paralisação dos meios de transporte, falta de combustível, planos econômicos que afetam o setor da construção civil, deficiência no fornecimento de serviços públicos e das concessionárias, atrasos nas vistorias de alvarás de responsabilidade dos órgãos públicos, tais como, Corpo de Bombeiros e Administração Regional, embargos de qualquer natureza ou causa, ou outros que, independentemente da vontade da VENDEDORA, afetem a normal consecução deste contrato.

77. Atento a disposições contratuais que eximem as construtoras da

responsabilidade na hipótese de atraso de obras, como é o caso da cláusula epigrafada,

desnecessário mencionar que o prazo ajustado deve ser cumprido (art. 30 do CDC) e que

as hipóteses de caso fortuito e força maior não estão elencadas como excludentes de

responsabilidade no CDC, haja vista ter sido adotada tipologia taxativa no art. 14, §3º, do

CDC.

78. Isso porque, se não o fizesse, o consumidor ficaria completamente

desamparado, à mercê das infinitas escusas de que as construtoras poderiam lançar mão

para justificar seus atrasos. Ademais, exemplificativamente, cita-se que a escassez

superveniente de mão-de-obra, o excesso de chuvas, as greves no sistema de transporte

público ou a demora na concessão do Habite-se não são reconhecidos como fortuitos

ensejadores da superação do prazo de entrega. Confiram-se os seguintes julgados:

“(…) Não caracteriza caso fortuito ou força maior a alegação de escassez da mão-de-obra de profissionais da construção civil, chuvas, greves no sistema de transporte público ou demora na concessão de carta "habite-se", pois ínsitos ao risco da atividade, não havendo como,

31

Page 32: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

por tais fundamentos, isentar o devedor pela responsabilidade quanto ao tempestivo cumprimento da obrigação (…)”16

“O excesso de chuvas ou eventual greve no transporte público ou falta de mão de obra qualificada não se prestam a afastar a obrigação da construtora em cumprir o pactuado, que deve ser suportada por ela, que é obrigada a arcar com os riscos da atividade. Não cabe à empresa contratada elidir-se de obrigação a qual assumiu contratualmente, utilizando-se de argumentos inconsistentes para desvencilhar-se de seu cumprimento, em especial, tratando-se de casos previsíveis.17”

79. Da análise do entendimento jurisprudencial, observa-se, portanto, que

a cláusula referida viola a proporcionalidade, a boa-fé e o princípio da vinculação da

publicidade.

80. Quanto ao princípio da vinculação da publicidade, o qual, por

hermenêutica, redunda do tradicional preceito de força obrigatória dos contratos, citam-se

as oportunas disposições do art. 30 do CDC e proficiência de Herman Benjamin:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.”

“A vinculação atua de duas maneiras: obrigando o fornecedor mesmo quanto ele se nega a contratar ou, diferentemente, introduzindo-se em contrato eventualmente assinado. (…)A regra do Código é 'prometeu, cumpriu'. Mas e se o fornecedor recusar o cumprimento da sua oferta ou publicidade? Ou se, ainda com o mesmo resultado, não tiver condições de cumprir o que prometeu?A resposta parcial está no art. 35: o consumidor pode escolher entre o cumprimento forçado da obrigação e aceitação de outro bem de consumo. Caso o contrato já tenha sido firmado, sem contemplar integralmente o conteúdo da oferta ou publicidade, é lícito ao consumidor, ademais, exigir a sua rescisão, com restituição do já pago, mais perdas e danos.

16 Acórdão n.724342, 20120111959967APC, Relator: SEBASTIÃO COELHO, Revisor: GISLENE PINHEIRO, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 09/10/2013, Publicado no DJE: 21/10/2013. Pág.: 205.17Acórdão n.778180, 20130110487334APC, Relator: ALFEU MACHADO, Revisor: LEILA ARLANCH, 1ª Turma

Cível, Data de Julgamento: 09/04/2014, Publicado no DJE: 23/04/2014. Pág.: 71

32

Page 33: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

Claro que as perdas e danos serão devidas sempre e não somente no caso de rescisão contratual. Decorrem elas do sistema geral do art. 6º, VII.”18

81. Não é demais acrescentar que o atraso injustificado na entrega das

obras afronta a legítima expectativa dos consumidores, que veem seus planejamentos

financeiros e suas metas pessoais prejudicados pela desídia da construtora no

desenvolvimento da edificação, provocando danos que ultrapassam os lindes patrimoniais.

Nem se olvide que o elemento temporal é fundamental critério para a decisão final do

consumidor sobre a conveniência ou não da celebração da avença

82. O que ocorre é que muitas construtoras – como é o caso das rés –,

visando a angariar clientes, aumentar sua competitividade e incrementar seus lucros,

estipulam prazos demasiado curtos para a conclusão das obras, cujo cumprimento,

quando não impossível, mostra-se ao menos de difícil alcance. Tal conduta, em evidência,

não merece perseverar.

83. Faz-se necessário, consequentemente, indenizar os consumidores

que experimentaram atrasos em suas obras, como ilustrativamente se destacam aqueles

do empreendimento. Como se verifica pelo doc. 07, demonstrado está o atraso no

empreendimento, muito embora insista a empresa em justificar a demora em falsas

razões de força maior.

h) Cláusulas 7.5, 14.2, 15.2, 17.4.14 e 17.4.15 – das cláusulas-mandato

84. Foram transcritas as cláusulas ora questionadas:

18GRINOVER, Ada Pellegrini, BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e, FINK, Daniel Roberto, FILOMENO, José Geraldo Brito, WATANABE, Kazuo, NERY JUNIOR, Nelson e DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, pp. 232/233.

33

Page 34: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

6.3.17.5 - O condomínio será construído com fiel observância das plantas aprovadas, das especificações e do Memorial Descritivo, podendo a VENDEDORA ou sua contratada, em cumprimento de exigências dos Poderes Públicos, em virtude de imposições técnicas ou legais supervenientes, modificar a planta, os Memoriais Descritivos e de Incorporação, bem como a Minuta da Convenção de Condominío, ainda que tais modificações impliquem em alterações nas frações ideais e áreas comuns do Condomínio, executando serviços não previstos ou deixando de executar outros, em razão do que o COMPRADOR, nomeia e constitui a VENDEDORA como sua procuradora para representá-lo perante os órgãos técnicos competentes, especialmente a Administração Regional e o Cartório Imobiliário, ambos da localização do imóvel, mandato este que é outorgado em caráter irrevogável.

14.2 – Faculta o COMPRADOR à VENDEDORA o direito de alienar, ceder ou caucionar total ou parcialmente os direitos e créditos decorrentes deste instrumento a quaisquer pessoas físicas ou jurídicas, mantida a sua responsabilidade técnica, nada tendo a se opor o COMPRADOR quanto à referida operação;

15.2.Por este mesmo instrumento, o COMPRADOR nomeia e constitui a VENDEDORA sua bastante procuradora, outorgando-lhe poderes irrevogáveis e irretratáveis na forma prevista nos artigos 684 e 686, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro, para exercer todos os poderes e praticar todos os atos que concernem a ele, COMPRADOR, na qualidade de participante do condomínio. Entre esses poderes, incluem-se especialmente os seguintes:

A) representá-lo perante o Cartório Imobiliário competente e, assim, confirmar o registro da incorporação; efetivar, no momento próprio, o registro da instituição, divisão, especificação e convenção do condomínio, total ou parcial; exercer o direito de desistência da incorporação; proceder à oportuna averbação das construções; formular pedidos e requerimentos de qualquer natureza;

B) modificar, alterar, ratificar, re-ratificar, registrar, em qualquer de suas disposições, a NBR, o projeto e a minuta da convenção da convenção de condomínio, ainda que após instituído o condomínio, já registrados ou não no Cartório Imobiliário competente;

C) proceder à redação final da convenção de condomínio e elaborar os instrumentos de sua instituição, divisão e especificação, total ou parcial, e todos os documentos que se fizerem necessários na consecução destes fins; elaborar, aprovar e expedir os Regimentos Internos ou Regulamentos

34

Page 35: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

Internos do Condomínio, estabelecendo cláusulas e condições de qualquer natureza; subscrever e assinar esses instrumentos e documentos;

D) elaborar quaisquer outros documentos, com as disposições necessárias, úteis ou convenientes; inclusive constituir patrimônio de afetação conforme previsto nos itens e subitens 17.1, 17.1.1 e 17.1.2, modificá-los, retificá-los, re-ratificá-los, subscrevê-los e assiná-los; registrá-los no Registro de Imóveis e órgãos competentes; podendo realizar esses atos por instrumento particular ou escritura pública;

E) representar a ele, COMPRADOR, perante os Poderes Públicos para quaisquer fins, especialmente quanto à aprovação de projetos relativos ao empreendimento e à obtenção de alvarás de qualquer natureza; e, assim também, representá-lo perante as empresas concessionárias de serviços públicos, para promover as instalações e ligações destes no empreendimento e na unidade autônoma objeto desta contratação;

F) representá-lo, igualmente, perante a Administração Regional onde se localiza o imóvel, requerendo o quanto necessário em relação às construções do Condomínio e efetuando a inscrição fiscal da unidade autônoma objeto desta contratação;

G) apresentar documentos e prestar informações a qualquer órgão ou entidade competentes;

H) promover todas as medidas para a implementação e funcionamento do Condomínio, incluindo-se nessas medidas a contratação da sua administradora ou administradoras e a contratação das empresas de manutenção técnica, como a de elevadores, e as demais prestadoras de serviços;

I) realizar contratos de financiamento e proceder por qualquer forma à captação de recursos, que tenham sido ou venham a ser tomados ou contratados; para junto à instituição financeira assinar, aditar, re-ratificar, alterar o contrato com garantia hipotecária e ou alienação fiduciária de bem imóvel objeto do presente; concordar previamente com os termos dos citados contratos, que deverão ser lavrados conforme os dispositivos da legislação própria; caucionar, ceder e securitizar os direitos creditórios originados deste instrumento ou dos contratos que forem celebrados; custodiar, ceder fiduciariamente e securitizar, se e quando necessário, as notas promissórias e/ou outros títulos emitidos pelo COMPRADOR e vinculados a este instrumento, bem como constituir garantias reais; sub-rogar o COMPRADOR, em razão do presente instrumento, sem qualquer alteração de tais valores e seus vencimentos, critérios e índices de atualização monetária, cujo pagamento é assegurado pela garantia a ser constituída pela VENDEDORA; para este fim, a VENDEDORA poderá,

35

Page 36: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

igualmente, contratar, retificar e alterar cláusulas e condições com as partes interessadas ou envolvidas, assinando os documentos cabíveis; e

J) substabelecer o presente mandato, no todo ou em parte, com ou sem reservas.

17.4.14 - Levando em conta a implantação em três etapas, a VENDEDORA poderá, a seu exclusivo critério, alterar o projeto e as características das demais fases do Empreendimento Imobiliário, haja vista a mesma não se encontrar lançada ao público, no que se refere à quantidade e características das unidades autônomas e às áreas comuns, inclusive de lazer, localizadas em seu entorno, visando a atender necessidades técnicas, de segurança ou ainda, atender à demanda do mercado vigente no momento da comercialização da(s) mencionada(s) etapa(s).

17.4.15 - Tais modificações poderão ser feitas independentemente de anuência ou comparecimento de adquirentes de unidades da(s) etapa(s) anteriormente já lançada(s), sendo que, entretanto, não poderão ser alteradas a área privativa ou a fração ideal das unidades autônomas já alienadas a terceiros.

85. A empresa ré, além de estabelecer obrigação contratual de anuência

prévia, irrestrita e irrevogável do consumidor em relação aos contratos de financiamento

que celebrará tendo como garantia o imóvel àquele pertencente, faz-se sua procuradora

com amplos poderes para representá-lo perante a instituição financiadora da construção,

possuindo autorização para praticar todos os atos para tanto necessários, para concordar

com os termos dos contratos e escrituras, para assinar contratos e escrituras de re-

ratificação, bem como para representá-lo perante os cartórios de Registro de Imóveis,

repartições públicas federais, estaduais e municipais.

86. Ainda, torna-se, por meio de contrato de adesão, procuradora do

consumidor para regularização de eventuais alterações ou modificações no projeto de

construção, bem como perante o cartório de registro de imóveis competente, para efetivar

a averbação da construção e os registros decorrentes da futura especificação e

36

Page 37: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

Convenção de Condomínio, podendo, para tanto, assinar todos os documentos

necessários.

87. Como se não fosse suficiente, estabelece obrigatoriedade de

constituição de mandato entre os compradores, com poderes amplos, inclusive para

receber citação, confessar dívidas e avalizar promissórias, imposição injustificada e

absolutamente prejudicial ao consumidor, que apenas visa facilitar os futuros atos a serem

praticados pela fornecedora.

88. O que se vê, portanto, é que tais cláusulas desequilibram a relação

contratual em favor da ré. Há nesta situação óbvio conflito de interesses, ficando o

consumidor à discricionariedade da vendedora, independentemente de sua vontade ou de

seus planos, circunstância de denota abusividade, como demonstra o seguinte julgado do

egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

CIVIL E CONSUMIDOR - AÇÃO DECLARATÓRIA - PRETENSÃO REVISIONAL DE CONTRATO - CARTÃO DE CRÉDITO - SUJEIÇÃO À LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA - INEXISTÊNCIA DE LIMITAÇÃO DE JUROS - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - TAXA DE JUROS ELEVADA - ENCARGOS VARIÁVEIS - ONEROSIDADE EXESSIVA (ART. 6, V, CDC) - TEORIA DA REVISÃO PURA - ILEGALIDADE DA CLÁUSULA-MANDATO.

(…) 4 - A cláusula-mandato afigura-se extremamente potestativa e destoa completamente do sistema protetivo instituído pela Lei nº 8.078/90 (art. 51, IV), bem como dos novos postulados do Direito das Obrigações contemplados pelo Código Civil de 2002 (art. 122 do Código Civil), porquanto sujeita o consumidor ao arbítrio da administradora, ao mesmo tempo em que permite que esta realize um novo negócio jurídico em nome do cliente, eximindo-se, por completo, do risco inerente ao negócio.19

89. A despeito desse assunto, cite-se artigo do prof. Alberto do Amaral

Júnior, publicado no Boletim Jurídico, tratando da abusividade da cláusula mandato:

19 20070110153666, Relator J.J. COSTA CARVALHO, 2ª Turma Cível, julgado em 12/11/08, DJ 26/01/09 p. 102.

37

Page 38: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

Se é verdade que a estipulação da cláusula mandato não provoca necessariamente a prática de abusos, não se pode deixar de reconhecer que na maioria das hipóteses a sua inserção nos “contratos para o consumo” é, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, abusiva.

O artigo 51, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor considera nulas as cláusulas que "imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor". Como se depreende do teor do dispositivo legal, a questão deve ser analisada sob o ângulo da relação jurídica fundamental que faculta ao fornecedor concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor. O problema, nesse sentido, não pode ser encarado à luz do direito cambiário, que não oferece os elementos necessários para a interpretação correta da norma em exame. O que está em causa é investigar as condições em que a inserção da cláusula mandato é abusiva nos contratos para o consumo.

(…) A questão referente à abusividade da cláusula mandato 'nos contratos para o consumo' não comporta solução única. O problema consiste em saber se a cláusula mandato afeta ou não o equilíbrio das relações contratuais, fator básico para a caracterização da sua abusividade. A propósito, o núcleo do conceito de abusividade das cláusulas contratuais do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor está na existência de cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada perante o fornecedor. A desvantagem exagerada resulta do desequilíbrio das posições contratuais, que pode ou não ser consequência direta da disparidade de poder econômico entre fornecedor e consumidor.”20

90. A contrariedade ao sistema jurídico é flagrante, considerando a

incidência dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor outrora destacados. Em

razão da abusividade, decorre o flagrante desequilíbrio da relação contratual.

91. Desastrosos são os efeitos oriundos de tais cláusulas abusivas,

leoninas, e até porque não dizer vexatórias; utilizar-se de cláusulas contratuais que

concedem às rés poderes para agir em nome da outra parte contratante é ato que,

indubitavelmente, extrapola todos e quaisquer limites ou conceitos de justiça.

20 http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=121, pesquisado em 25/06/09.

38

Page 39: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

92. Recorde-se, por oportuno, das 42 mil famílias21 que foram vítimas da

falência da construtora Encol e acompanharam a derrocada da maior incorporadora e

construtora do Brasil na segunda metade da década de 90, que possuía cláusula-mandato

em seu contrato padrão e utilizou-a em prejuízo dos consumidores. Em maior ou menor

grau, todas essas famílias foram afetadas pela crise da empresa, cujo principal problema

estava lastreado no uso da abusiva cláusula-mandato.

93. Logo, é abusiva a conduta da ré dada a garantia postada no Código de

Defesa do Consumidor que veda as cláusulas que imponham mandatário ou

representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor (art. 51,

VIII), sendo impositiva sua supressão.

i) Cláusulas 7.10 – Da impossibilidade de variação das medidas do imóvel

7.10 - As partes estipulam que as diferenças nas áreas comuns ou de utilização privativa, das áreas totais e de fração ideal de terreno de até 5% (cinco por cento) das constantes do projeto aprovado, para mais ou para menos, comparativamente às dos quadros da NBR 12.721, e destes comparativamente às do projeto de execução, não darão à VENDEDORA, nem ao COMPRADOR, quaisquer direitos a ressarcimento pelas diferenças que, até aquele limite, resultarem da execução da obra. A VENDEDORA poderá promover alterações na planta de unidade ainda não comercializadas, sempre dentro das posturas locais.

94. A cláusula ad corpus, inicialmente positivada no Código Civil de 1916,

objetivava evitar o conflito na venda de fazendas e sítios, cuja importância para o

comprador era o bem como um todo, diante da dificuldade, à época, de se delimitar a

metragem exata do imóvel negociado, o que, definitivamente não é o caso. O consumidor,

21 Informação obtida em: <http://veja.abril.com.br/260203/p_076.html>. Acesso em 28 de abril de 2014.

39

Page 40: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

atualmente, está pagando por metragem milimetricamente ofertada e qualquer variação,

nesse sentido, corre em seu prejuízo.

95. O Superior Tribunal de Justiça entende pela abusividade da referida

cláusula:

Civil. Recurso especial. Contrato de compra e venda de imóvel regido pelo Código de Defesa do Consumidor. Referência à área do imóvel. Diferença entre a área referida e a área real do bem inferior a um vigésimo (5%) da extensão total enunciada. Caracterização como venda por corpo certo. Isenção da responsabilidade do vendedor. Impossibilidade. Interpretação favorável ao consumidor. Venda por medida. Má-fé. Abuso do poder econômico. Equilíbrio contratual. Boa-fé objetiva.

- A referência à área do imóvel nos contratos de compra e venda de imóvel adquiridos na planta regidos pelo CDC não pode ser considerada simplesmente enunciativa, ainda que a diferença encontrada entre a área mencionada no contrato e a área real não exceda um vigésimo (5%) da extensão total anunciada, devendo a venda, nessa hipótese, ser caracterizada sempre como por medida, de modo a possibilitar ao consumidor o complemento da área, o abatimento proporcional do preço ou a rescisão do contrato.

- A disparidade entre a descrição do imóvel objeto de contrato de compra e venda e o que fisicamente existe sob titularidade do vendedor provoca instabilidade na relação contratual.

- O Estado deve, na coordenação da ordem econômica, exercer a repressão do abuso do poder econômico, com o objetivo de compatibilizar os objetivos das empresas com a necessidade coletiva.

- Basta, assim, a ameaça do desequilíbrio para ensejar a correção das cláusulas do contrato, devendo sempre vigorar a interpretação mais favorável ao consumidor, que não participou da elaboração do contrato, consideradas a imperatividade e a indisponibilidade das normas do CDC.

- O juiz da eqüidade deve buscar a Justiça comutativa, analisando a qualidade do consentimento.

- Quando evidenciada a desvantagem do consumidor, ocasionada pelo desequilíbrio contratual gerado pelo abuso do poder econômico, restando, assim, ferido o princípio da eqüidade contratual, deve ele receber uma proteção compensatória.

- Uma disposição legal não pode ser utilizada para eximir de responsabilidade o contratante que age com notória má-fé em detrimento

40

Page 41: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

da coletividade, pois a ninguém é permitido valer-se da lei ou de exceção prevista em lei para obtenção de benefício próprio quando este vier em prejuízo de outrem.

- Somente a preponderância da boa-fé objetiva é capaz de materializar o equilíbrio ou justiça contratual.

Recurso especial conhecido e provido22.

96. A contrariedade ao sistema jurídico é flagrante, considerando a

incidência dos dispositivos do CDC antes destacados. Em razão da abusividade, decorre a

onerosidade excessiva para o consumidor que pode se ver na obrigação de pagar por

uma metragem e não recebê-la, só aproveitando à ré, em flagrante desequilíbrio da

relação contratual.

j) Cláusulas 10.2 e 10.3 – Da constituição de hipoteca sobre o imóvel

97. Foram transcritas as disposições impugnadas:

10.2 - Em garantia do crédito concedido à VENDEDORA, recaiu sobre as benfeitorias e construções sobre ela acrescidas ou por acrescer hipoteca nos termos dos subitens abaixo e ainda, penhor dos direitos creditórios decorrentes da comercialização do empreendimento ao qual pertence à unidade autônoma ora transacionada.

10.2.1 O imóvel objeto deste instrumento encontra-se hipotecado Banco Santander (Brasil)S/A e somente será liberada do ônus hipotecário após a quitação da dívida do empréstimo concedido à VENDEDORA para a construção do empreendimento. A hipoteca de que trata o item acima abrange o terreno e cada uma das unidades residenciais do edifício, incluindo-se o imóvel que o COMPRADOR esta adquirindo.

10.2.2 - A VENDEDORA cede fiduciariamente, nesta data, ao Banco Santander (Brasil) S/A, todos os créditos relativos às parcelas de pagamento deste instrumento, que deverão ser pagas diretamente ao citado Banco e serão destinados à amortização da dívida decorrente do

22 REsp 436853/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/05/2006, DJ 27/11/2006,

p. 273.

41

Page 42: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

empréstimo concedido à VENDEDORA. O referido penhor será consubstanciado em aditamento ao contrato de penhor registrado em Cartório de Registro de Títulos e Documentos de São Paulo.

10.2.3 - O Banco Santander (Brasil) S/A, agente financeiro da construção objeto deste instrumento, poderá, desde que a VENDEDORA, sua financiada, inadimplir suas obrigações contratuais, executar a dívida relativa ao imóvel que está sendo adquirido.

10.2.4 - Em qualquer caso, se a VENDEDORA deixar de pagar a sua dívida junto ao Banco Santander (Brasil) S/A, este poderá promover a execução da garantia hipotecária, que abrange o imóvel que está sendo adquirido.

10.2.5 - Havendo necessidade de suplementação de verbas para a construção deste empreendimento a VENDEDORA poderá gravá-lo como novas garantidas, inclusive hipoteca em favor do mesmo credor, como o que desde já concordam e autorizam expressamente.

10.2.6 - O imóvel objeto deste instrumento encontra-se hipotecado ao Banco Santander (Brasil) S/A e somente será liberado do ônus hipotecário após a quitação da dívida do empréstimo concedido à VENDEDORA para a construção do empreendimento, ou quando for o caso da assinatura do contrato de financiamento bancário para a aquisição do imóvel junto ao credor hipotecário, ocasião em que sera constituída nova hipoteca ou alienação fiduciária em favor deste para garantir o financiamento concedido ao COMPRADOR.

10.2.7 - Pelo exercício de fiscalização pra acompanhar o cronograma fisico-financeiro da obra, o Banco Santander (Brasil) S/A não assume qualquer responsabilidades pela construção do empreendimento, solidez e segurança da construção, bem como, sobre qualquer vício ou defeito da construção.

10.3 - Assim declara o COMPRADOR estar de acordo com a obtenção do referido empréstimo, com a constituição de hipoteca ou alienação fiduciária do bem objeto do presente, e declara aceitar receber as notificações, assinar aditamentos contratuais, escrituras ou qualquer documento exigido pela instituição financeira para consecução do presente negócio.

98. É inegável – conforme já decidido pelos tribunais – “a nulidade e

abusividade das cláusulas contratuais que autorizam o incorporador a oferecer o imóvel

em hipoteca ao agente financeiro, ainda quando tal gravame já tenha sido instituído antes

42

Page 43: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

da venda ao adquirente final, pois este não pode responder pela dívida por si contraída e,

ainda, assumir a responsabilidade pelo pagamento de obrigação pecuniária assumida pelo

construtor perante o agente financeiro”23

99. Logo, afigura-se totalmente ineficaz, em relação aos terceiros

compradores, a hipoteca instituída sobre o empreendimento imobiliário, pois em franco

prejuízo dos consumidores-adquirentes e em clara violação ao artigo 51, inciso IV e

parágrafo 1º, incisos II e III do Código de Defesa do Consumidor. Sobre o tema, o Superior

Tribunal de Justiça, inclusive já sumulou a matéria através do Enunciado 308: “A hipoteca

firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da

promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.”.

100. Assim, necessário reconhecer a abusividade das cláusulas 10.2 e

10.3 que autorizam a constituição de hipoteca sobre o imóvel.

k) Cláusula 13.2 – Da obrigatoriedade de recebimento das chaves em 10 dias, sob pena deliberar a vendedora de responsabilidade

101. Eis o teor da cláusula:

13.2 - A posse será precedida de minuciosa vistoria da unidade, com assinatura do respectivo “Termo de Entrega das Chaves”, a ser realizada pelo COMPRADOR, no prazo máximo de 10 (dez) dias, contados da dara da convocação que a VENDEDORA lhe fará nesse sentido, sob pena de não o fazendo, dar como aceita a unidade no estado em que se encontrar, liberando a VENDEDORA de qualquer responsabilidade quanto a eventuais reparos, sejam de qualquer natureza.

23 TRF-1 - AC: 4758 PA 1998.01.00.004758-6, Relator: JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.),

Data de Julgamento: 04/09/2003, TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR, Data de Publicação: 25/09/2003 DJ p. 106.

43

Page 44: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

102. O Código de Defesa do Consumidor considera abusiva cláusula que

importe em renúncia ou mitigação de responsabilidade do fornecedor por vícios dos

produtos e serviços. Eis o teor do art. 51, inciso I, do CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. (…)

103. Não é razoável imputar ao consumidor uma penalidade por um prazo

criado ao arbítrio da construtora, ainda mais quando o Código de Defesa do Consumidor,

em seu art. 26, inciso II, estabelece prazo de garantia de 90 (noventa) dias em caso de

bens duráveis, não podendo a empresa limitar a lei em contrato.

104. Dito isso, impera reconhecer a abusividade da cláusula 13.2 eis que

ela comporta enunciado que implica disposição de direito pelo consumidor.

l) Cláusula 13.3 – Cobrança de taxas, tributos e verbas condominiais sem entrega das chaves

105. A cláusula objurgada possui as seguintes disposições:

13.3 - A partir da data de assinatura deste compromisso ou da primeira assembléia condominial do Condomínio, o que ocorrer por último, independente das chaves terem sido entregues, todos os tributos, taxas condominiais e outras despesas incidentes ou que venham a incidir sobre a unidade ora compromissada e sua correspondente fração ideal, serão de exclusiva responsabilidade do COMPRADOR, ainda que lançados em nome da VENDEDORA. Deixando de efetuar os pagamentos aqui previstos, enquanto não tiver recebido a escritura

44

Page 45: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

definitiva, o COMPRADOR será considerado em mora para todos os fins de direito e estará sujeito a sofrer as sanções constantes na Cláusula 6, supra. A VENDEDORA poderá optar entre promover ação de obrigação de fazer, de cobrança ou de execução do valor das despesas não paga, sem óbice ao ressarcimento dos prejuízos que vier a sofrer ante a omissão do COMPRADOR.

106. A cláusula 13.3 acaba por transferir para o consumidor, por meio de

contrato de adesão, tributos, contribuições incidentes sobre o negócio imobiliário, inclusive

o pagamento de IPTU, e condomínio - antes mesmo que ele exista. Assim, todas estas

despesas estão sendo exigíveis antes da entrega das chaves ou da imissão na posse,

o que viola o disposto no art. 123 do CTN24 e no art. 4º, §§ 4º e 5º, do Decreto nº 16.100

do Distrito Federal (Regulamento do IPTU)25, bem como a jurisprudência do TJDFT26

No caso vertente, o promitente-comprador sequer chegou a receber as chaves do imóvel. "Se não há elemento seguro a indicar que o promitente-comprador exerceu posse direta sobre o imóvel, a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais é do promitente-vendedor" (Resp 722.501/SP; Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma; DJ de 28.05.2007). Assim, e pelo mesmo motivo, não poderá ser compensado pela promitente-vendedora, do valor a ser reembolsado, qualquer despesa condominial, tributária ou de quaisquer outros encargos que recaiam sobre a unidade imobiliária. (…)

107. Sobre o tema, seguem os seguintes julgados:

“11. Não havendo a entrega das chaves do imóvel e, portanto, a efetiva imissão na posse, ainda não se pode falar em responsabilidade do promissário compradora pelo pagamento das despesas condominiais.

24Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.25Art. 4º (...)

§ 4º Respondem solidariamente pelo pagamento do imposto (...) os promitentes compradores imitidos na posse (...). § 5º Salvo disposição legal em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento do tributo, não têm validade para modificação do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.26 TJ-DF - APL: 1207444520068070001 DF 0120744-45.2006.807.0001, Relator: HUMBERTO ADJUTO ULHÔA,

Data de Julgamento: 17/10/2007, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: 22/11/2007, DJU Pág. 345

45

Page 46: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

(…)” (Acórdão n.756075, 20120111080295APC, Relator: ANA CANTARINO, Revisor: JAIR SOARES, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 22/01/2014, Publicado no DJE: 11/02/2014. Pág.: 132)

“(…) A cobrança das taxas condominiais antes de transferir a propriedade e a posse aos recorridos é abusiva, por violar o microssistema de defesa do consumidor. (…)” (Acórdão n.692488, 20120410121603ACJ, Relator: HECTOR VALVERDE SANTANA, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 09/07/2013, Publicado no DJE: 19/07/2013. Pág.: 231)

108. Assim, à semelhança do que consta na cláusula 6.3, alíneas “b” e

“c”, impende também ser conhecida a abusividade da cláusula 13.3, já que estas atribuem

ao comprador os encargos relativos a taxas, tributos, impostos, IPTU e condomínio antes

da efetiva entrega das chaves.

m) Cláusula 17.2 – Da dispensa das certidões previstas na Lei nº 7.433/85 e regulamentadas pelo Decreto nº 93.240/86

17.2 Por se caracterizar a VENDEDORA empresa que tem como objeto social, a compra, venda, incorporação, construção de imóveis,e, não fazendo o imóvel objeto do presente instrumento parte de seu ativo imobilizado, fica a mesma dispensada da apresentação da Certidão Negativa de Débitos do INSS, bem como da Certidão Conjunta de Débitos Relativos a Tributos Federais e à Dívida Ativa da União, emitida pela Secretarial da Receita Federal. Neste sentido, o COMPRADOR dispensa agora e por ocasião da lavratura da escritura, a apresentação das certidões que trata a Lei nº 7.433/85, consoante faculta o Decreto nº 93.240/86.

109. Em princípio importa mencionar que o Decreto nº. 93.240/86 tem seu

fundamento de validade na Lei nº. 7.433/85, e, portanto, não poderia ir de encontro aos

seus ditames. Dito isso, assim prescreve o parágrafo 2º, do artigo 1º, da Lei nº. 7.433/85:

Art. 1º - Na lavratura de atos notariais, inclusive os relativos a imóveis, além dos documentos de identificação das partes, somente serão apresentados os documentos expressamente determinados nesta Lei.

46

Page 47: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

§ 2º - O Tabelião consignará no ato notarial, a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais, feitos ajuizados, e ônus reais, ficando dispensada sua transcrição. (Sublinhamos)

110. Em segundo lugar, a única hipótese de dispensa prevista no Decreto

nº 93.240/86 está inserida no art. 1º, §2º do regramento, que se refere tão somente às

certidões atinentes aos tributos incidentes sobre o imóvel, conforme consta do art. 1º,

inciso III, alínea “a”, conforme se pode observar:

Art 1º Para a lavratura de atos notariais, relativos a imóveis, serão apresentados os seguintes documentos e certidões:

I - os documentos de identificação das partes e das demais pessoas que comparecerem na escritura pública, quando julgados necessários pelo Tabelião;

II - o comprovante do pagamento do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles relativos, quando incidente sobre o ato, ressalvadas as hipóteses em que a lei autorize a efetivação do pagamento após a sua lavratura;

III - as certidões fiscais, assim entendidas:

a) em relação aos imóveis urbanos, as certidões referentes aos tributos que incidam sobre o imóvel, observado o disposto no § 2º, deste artigo;

b) em relação aos imóveis rurais, o Certificado de Cadastro emitido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, com a prova de quitação do último Imposto Territorial Rural lançado ou, quando o prazo para o seu pagamento ainda não tenha vencido, do Imposto Territorial Rural correspondente ao exercício imediatamente anterior;

IV - a certidão de ações reais e pessoais reipersecutórias, relativas ao imóvel, e a de ônus reais, expedidas pelo Registro de Imóveis competente, cujo prazo de validade, para este fim, será de 30 (trinta) dias;

V - os demais documentos e certidões, cuja apresentação seja exigida por lei.

§ 1º O Tabelião consignará na escritura pública a apresentação dos documentos e das certidões mencionadas nos incisos II, III, IV e V, deste artigo.

47

Page 48: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

§ 2º As certidões referidas na letra a , do inciso III, deste artigo, somente serão exigidas para a lavratura das escrituras públicas que impliquem a transferência de domínio e a sua apresentação poderá ser dispensada pelo adquirente que, neste caso, responderá, nos termos da lei, pelo pagamento dos débitos fiscais existentes.

111. Observe-se que quando se pretendeu criar uma situação de

dispensa de apresentação de alguma certidão, fez-se expressamente, como no caso do §

2º, do art. 1º do Decreto nº. 93.240/86, situação esta em que o adquirente pode dispensar

a apresentação das certidões de tributos que incidam sobre o imóvel, mas responderá,

nos termos da lei, pelo pagamento dos débitos fiscais existente.

112. Por sua vez, todas as demais certidões devem ser devidamente

apresentadas, especificamente a certidão de feitos ajuizados e a certidão de ônus reais,

sendo abusiva qualquer cláusula tendente e excluir exigência legalmente imposta em

prejuízo do consumidor.

VI- DANOS MORAIS COLETIVOS

113. Dispõe o Código de Defesa do Consumidor que é direito básico do

consumidor a “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,

coletivos e difusos” (art. 6º, VI).

114. A Constituição Federal, em seu art. 1º, III, tutela a dignidade da

pessoa humana, garantindo a inviolabilidade da integridade das pessoas e assegurando o

direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Não

esquece, entretanto, a Magna Carta, de proteger os direitos coletivos, por intermédio do

Ministério Público (art. 127 CF).

48

Page 49: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

115. Analisando o artigo da Constituição acima mencionado, Carlos

Alberto Bittar Filho afirma que:

“seja protegendo as esferas psíquica e moral da personalidade, seja defendendo a moralidade pública, a teoria do dano moral, em ambas as dimensões (individual e coletiva), tem prestado e prestará sempre inestimáveis serviços ao que há de mais sagrado no mundo: o próprio homem, fonte de todos os valores”.27

116. Os danos morais ou anímicos, esclarece Fernando Noronha, são

“todas as ofensas que atinjam as pessoas nos aspectos relacionados com os sentimentos,

a vida afetiva, cultural e de relações sociais; elas traduzem-se na violação de valores ou

interesses puramente espirituais ou afetivos, ocasionando perturbações na alma do

ofendido”.28

117. Encampando a linha intelectiva aqui defendida, acrescenta Bittar

Filho:

(...) O dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa). 29

118. No mesmo caminho da doutrina supracitada, em abalizado

comentário sobre o dever de indenizar os danos morais coletivos, pondera Luis Gustavo

Grandinetti Castanho de Carvalho:

27 Bittar Filho, Carlos Alberto. Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor nº 12, p. 55.28 Noronha, Fernando. Direito das Obrigações: fundamentos das obrigações: introdução à responsabilidade civil. v. São

Paulo; Saraiva, 2003, P. 560.29Bittar Filho, Carlos Alberto. Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor nº 12.

49

Page 50: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

O Direito se preocupou durante séculos com os conflitos intersubjetivos. A sociedade de massas, a complexidade das relações econômicas e sociais, a percepção da existência de outros bens jurídicos vitais para a existência humana, deslocaram a preocupação jurídica do setor privado para o setor público; do interesse individual para o interesse difuso ou coletivo; do dano individual para o dano difuso ou coletivo. Se o dano individual ocupou tanto e tão profundamente o Direito, o que dizer do dano que atinge um número considerável de pessoas? É natural que o Direito se volte, agora, para elucidar as intrincadas relações coletivas e difusas e especialmente à reparação de um dano que tenha esse caráter. 30

119. Nesse diapasão é que o Ministério Público, tutor dos direitos

metaindividuais, vem pleitear a condenação da empresa por danos morais coletivos

causados pelas cláusulas abusivas impostas em seus contratos, desestimulando, por

outro lado, condutas similares.

120. O pedido justifica-se pela conduta reiterada e consciente adotada

pela ré, que se recusa a adequar os seus contratos às normas consumeristas, fato este

que tem gerado inconformismo de diversos consumidores. Tal circunstância é comprovada

pela prova nos autos, especialmente a pesquisa realizada pelo Chefe de Divisão de

Análise e Controle dos Feitos do Consumidor e da Saúde em 15 de julho de 2013, quando

se constatou a existência de 1.139 (mil cento e trinta e nove) reclamações no site

ReclameAqui em desfavor da ré (doc. 05).

121. Não se pode olvidar, ainda, do aspecto retributivo que tal sanção

encerra, o que é investigado no âmbito da Teoria do Desestímulo.

30CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por dano não patrimonial e interesse difuso

(dano moral coletivo). Revista da Emerj – Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, v. 3, n. 9, p. 21-42.

50

Page 51: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

VII - DA APLICAÇÃO DAS VERBAS PUNITIVAS E DA TEORIA DO

DESESTÍMULO

122. A atribuição desta Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do

Consumidor surge da constatação de que há cláusulas nos referido contratos que

preveem desvantagem exagerada ao consumidor.

123. Nesse ensejo, impende utilizar a Teoria do Desestímulo, fixando

indenização razoável a inibir atitudes similares, tendo em vista que a condenação em

verbas punitivas tem o condão de punir o autor do ato ilícito, desestimulando-o a repeti-lo

ou a terceiros copiá-lo.

124. Portanto, ao Juiz de Direito é dado o direito potestativo de fixar o

quantum indenizatório devido nas ações judiciais que envolvam interesses coletivos, haja

vista a indenização não ter só caráter ressarcitório, pois o que se quer é a prevenção de

atos futuros, coibindo atitudes antijurídicas análogas.

125. Na determinação do quantum compensatório deverá avaliar e

considerar o potencial e a força econômica do lesante, elevando artificialmente o valor da

indenização a fim de que este sinta o reflexo da punição, com a observância da TEORIA

DO DESESTÍMULO. Ou seja, o valor não deve enriquecer indevidamente o ofendido, mas

deve ser suficientemente elevado para desencorajar novas agressões a direito alheio.

126. Não é outra a conclusão a ser adotada, em face do que abaixo se

expõe, transcrito ipsis litteris do voto vencedor da Desembargadora do Tribunal de

Justiça do Distrito Federal Dra. Fátima Nancy Andrighi, emérita doutrinadora no

campo da responsabilidade civil, na Apelação Cível nº 47.303/98:

“INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PAGAMENTO DE TRIBUTO. AUSÊNCIA DE REPASSE DA RECEITA PELO BANCO. AJUIZAMENTO

51

Page 52: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

DE EXECUÇÃO FISCAL. NEGLIGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. 1- EFETUADO O PAGAMENTO ATEMPADO DO IPTU EM INSTITUIÇÃO BANCÁRIA E NÃO TENDO ESTA REALIZADO O REPASSE DA RECEITA À SECRETARIA DE FAZENDA, CULMINANDO NA INSCRIÇÃO DO DÉBITO COMO DÍVIDA ATIVA E NO AJUIZAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O CIDADÃO, INCORRE O BANCO EM CONDUTA CULPOSA, COLORADA PELA NEGLIGÊNCIA NA DESTINAÇÃO DAS VERBAS RECOLHIDAS, ACENTUADA PELO POUCO CASO COM QUE DILIGENCIOU PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA. 2- A HONRA, OBJETIVA OU SUBJETIVA, É BEM TUTELADO JURIDICAMENTE E, ATINGIDA, FAZ NASCER OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR, FIXADO O QUANTUM SEGUNDO ALGUNS CRITÉRIOS BÁSICOS: A UM, REPARATÓRIO, OU SEJA, ARBITRAR VALOR CAPAZ DE DAR À VÍTIMA COMPENSAÇÃO E LHE CONSEGUIR SATISFAÇÃO DE QUALQUER ESPÉCIE, AINDA QUE MATERIAL; A DOIS, PUNITIVO DO INFRATOR PELO FATO DE HAVER ATINGIDO UM BEM JURÍDICO DA VÍTIMA E, A TRÊS, DESESTIMULADOR, FAZENDO COM QUE O AGENTE ACREDITE LHE SER MAIS VANTAJOSO MANTER O CUIDADO OBJETIVO NECESSÁRIO EM SUA CONDUTA A PAGAR INDENIZAÇÕES POR DANOS MORAIS”.

127. Cabe ainda a referência ao acórdão do Tribunal de Justiça do DF,

cujo relator é o ilustre Desembargador Alfeu Machado, na ACJ 2006011033223-5:

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONSUMIDOR. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. VÍCIO NA ATIVIDADE. RECEBIMENTO DO MONTANTE INTEGRAL DO PRÊMIO. UTILIZAÇÃO NÃO AUTORIZADA DOS RECURSOS DO CONTRATANTE PELA CORRETORA. APÓLICE CANCELADA POR FALTA DE PAGAMENTO DO PRÊMIO. PREJUÍZOS MATERIAIS E MORAIS. NÃO RENOVAÇÃO DA APÓLICE. ABUSO DE DIREITO. QUEBRA DA BOA FÉ CONTRATUAL. OFENSA À BOA FÉ. ART. 422, DO CCB/02. QUEBRA DE CONFIANÇA. DANO MORAL SUPORTADO. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. ART. 186 E 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CCB/02 C/C ART. 14 DO CDC - LEI 8078/90. VÍCIO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICABILIDADE DO CDC. DANO MORAL CONFIGURADO. CONSTRANGIMENTO E ANGÚSTIA ANORMAIS. TORMENTOS. FRUSTRAÇÃO. ABUSO DE DIREITO. DEVER DE INDENIZAR. VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO ATENDENDO AOS CRITÉRIOS DA

52

Page 53: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. PRECEDENTES DAS TURMAS RECURSAIS. O "QUANTUM" FIXADO NA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, DEVE ATENTAR PARA AS CIRCUNSTÂNCIAS ESPECÍFICAS DO EVENTO, PARA A SITUAÇÃO PATRIMONIAL DAS PARTES, PARA A GRAVIDADE E A REPERCUSSÃO DA OFENSA, BEM COMO PARA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, SEM GERAR ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. DEVE BUSCAR EFETIVA ALTERAÇÃO DE CONDUTA NA PARTE QUE AGRIDE DIREITO DO CONSUMIDOR. TEORIA DO DESESTÍMULO. VIOLAÇÃO DE DIREITO DA PERSONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. MAIORIA. (20060110332235ACJ, Relator ALFEU MACHADO, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 24/04/2007, DJ 03/07/2007 p. 183).(GRIFAMOS)

128. O saudoso doutrinador Carlos Alberto Bittar, também mencionado

pela Desembargadora Andrigui, assim tratou da teoria do desestímulo:

"... a reparação de danos morais exerce função diversa daquela dos danos materiais. Enquanto estes se voltam para a recomposição do patrimônio ofendido, através da aplicação da fórmula "danos emergentes e lucros cessantes" (C. Civ., art. 1.059), aqueles procuram oferecer compensação ao lesado, para atenuação do sofrimento havido. De outra parte, quanto ao lesante, objetiva a reparação impingir-lhe sanção, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem.É que interessa ao Direito e à sociedade que o relacionamento entre os entes que contracenam no orbe jurídico se mantenha dentro de padrões normais de equilíbrio e de respeito mútuo. Assim, em hipótese de lesionamento, cabe ao agente suportar as conseqüências de sua atuação, desestimulando-se, com a atribuição de pesadas indenizações, atos ilícitos tendentes a afetar os referidos aspectos da personalidade humana.

(...) omissis (...)

Essa diretriz vem de há muito tempo sendo adotada na jurisprudência norte-americana, em que cifras vultosas têm sido impostas aos infratores, como indutoras de comportamentos adequados, sob os prismas moral e jurídico, nas interações sociais e jurídicas".31

31 Danos Morais: critérios para a sua fixação, in Repertório IOB Jurisprudência, n. 15/93, p. 293, nº 5.

53

Page 54: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

129. Maria Celina Bodin Moraes, seguindo tal entendimento, leciona que

“não são poucos os que hoje afirmam que a satisfação do dano moral visa, além de

atenuar o sofrimento injusto, desafrontar o inato sentimento de vingança, retribuindo o mal

com o mal; prevenir ofensas futuras, fazendo com que o ofensor não deseje repetir tal

comportamento; e servir de exemplo, para que tampouco se queira imitá-lo.”

130. E continua a citada jurista:

“Diz-se, então, que a reparação do dano moral detém um duplo aspecto, constituindo-se por meio de um caráter compensatório, para confortar a vítima – ajudando-a a sublimar as aflições e tristezas decorrentes do dano injusto - , e de um caráter punitivo, cujo objetivo, em suma, é impor uma penalidade exemplar ao ofensor, consistindo esta na diminuição de seu patrimônio material e na transferência da quantia para o patrimônio da vítima.”32

“Ao lado desta tese, surgiu uma outra, decorrente da exemplaridade normalmente contida nas regras de punição. É chamada a teoria do desestímulo, segundo a qual deve estar inserida no âmbito da indenização 'quantia significativa o bastante, de modo a conscientizar o ofensor de que não deve persistir no comportamento lesivo, todavia é preciso cuidar para não enriquecer excessivamente o lesado'. Em igual sentido, sustentou-se que há necessidade de se impor uma pena ao ofensor, no dano moral, “para não passar impune a infração, e, assim, estimular novas agressões”, de modo que a indenização funcionará também como “ uma espécie de pena privada em benefício da vítima”.33

131. Assim, a condenação ao pagamento da quantia de R$ 14.000.000,00

(quatorze milhões reais) mostra-se razoável, face ao porte da ré, bem como aos parâmetros

fornecidos pelas decisões prolatadas nos Processos nº. 2009.01.1.199748-2 (doc. 10) e

2004.01.1.102028-0 (doc. 11), referentes à condenação em danos morais coletivos.

32 Moraes, Maria Celina Bodin de; Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos

morais; Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 219 (grifos nossos).33 Op. cit. p. 221/222.

54

Page 55: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

VIII- DO PEDIDO

132. Ex positis, requer a Vossa Excelência sejam declaradas abusivas e

reconhecida a nulidade de todas as cláusulas mencionadas na inicial, em especial para:

132.1. declarar a abusividade da Cláusula 6.2, modificando-a para atribuir a ela a

seguinte redação: “atraso de, no mínimo, 3 (três) meses do vencimento de qualquer

obrigação contratual ou de 3 (três) prestações mensais, assegurado ao devedor o

direito de purgar a mora dentro do prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data do

vencimento da obrigação não cumprida ou da primeira prestação não paga”(art. 1º,

inc. VI, da Lei nº 4.864/65);

132.2. declarar a abusividade decorrente da convivência da Cláusula 6.3, alínea “a” e

da Cláusula 15.1.3- em função do bis in idem -, condenando as rés a devolverem em

dobro os valores pagos em razão da Cláusula 6.3, alínea “a”, nos últimos cinco anos, sob

pena de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) – no caso de

descumprimento da ordem judicial –, a ser destinada ao Fundo criado pelo art. 13 da Lei

Federal n° 7.347/85 e Lei Complementar Distrital n° 50/97;

132.3. declarar abusiva e desproporcional as Cláusulas 6.3 (alíneas “b” e “c”), 6.3.1,

6.3.2, 6.4 e 6.4.1, que estabelecem cláusula penal que pode alcançar o patamar

indefensável de 80% (oitenta por cento) do valor pago pelo consumidor, reduzindo-a a

25% sobre o total das parcelas pagas pelo consumidor adquirente, desde que este valor

não ultrapasse 6% do valor total do contrato34;

34Parâmetros idênticos ao da Cláusula Primeira, parágrafo décimo-segundo do TAC nº 640/2011, celebrado entre o MPDFT e as empresas OAS Empreendimentos S.A., Sibipiruna Empreendimentos Imobiliários Ltda. e Figueiredo Ávila Engenharia Ltda., a saber: “ Parágrafo Décimo-Segundo – A empresa Sibipiruna Empreendimentos Imobiliários Ltda. compromete-se a retirar e não mais incluir em seus dispositivos contratuais cláusulas semelhantes ao disposto na Cláusula 10.2.2.1, item “b”, estabelecendo-se como cláusula penal que serão deduzidos até 25% (vinte e cinco por cento) do valor pago pelo comprador, bem como um teto a fim de que a cláusula penal não supere 6% do valor total do contrato.”.

55

Page 56: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

132.4. declarar a nulidade das demais cláusulas combatidas, a saber, Cláusulas 7.1,

7.2, 7.2.1, que tratam da tolerância de 180 dias; Cláusulas 7.5, 14.2, 15.2, 15.4, alínea “c”,

17.4.14, 17.4.15, e alínea “b”, item 5, da letra “K” do Quadro-Resumo (que

consubstanciam cláusulas-mandato e venda-casada); da Cláusula 7.10 (que estipula ser a

venda dos imóveis “ad corpus”); das Cláusulas 10.2 e 10.3 (que autorizam a constituição

de hipoteca); da Cláusula 13.2 (que exonera a vendedora de responsabilidade); da

Cláusula 13.3 (que autoriza a cobrança de verbas condominiais antes da entrega das

chaves); e da Cláusula 17.2 (que dispensa as rés de apresentação das certidões);

132.5. determinar às rés que se abstenham (obrigação de não-fazer) de incluir as

cláusulas combatidas nos novos contratos, ou cláusulas com teor assemelhado, sob pena

de multa cominatória no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a cada descumprimento, a

ser revertido ao Fundo de Defesa do Consumidor;

132.6. condenar as rés, solidariamente, em em danos morais coletivos no valor de

R$ 14.000.000,00 (quatorze milhões reais);

132.7.condenar as requeridas a fazerem prova, nestes autos, do efetivo

cumprimento da sentença, informando a qualificação de todos os consumidores

ressarcidos e juntando os comprovantes dos respectivos ressarcimentos, sob pena de

multa de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil de reais).

133. Condenar ainda as rés, solidariamente, pelos danos positivos e

negativos (lucros cessantes) causados aos consumidores do empreendimento

denominados”Taguá Life Center” em virtude do atraso da obra, ignorando a previsão da

Cláusula 7.4, e adotando como parâmetro a jurisprudência do TJDFT, que estipula lucros

cessantes no valor de um aluguel de imóvel semelhante35.

35“O atraso na entrega de imóvel gera o dever de indenizar o lucro cessante pelo valor do aluguel de imóvel semelhante.” (Acórdão n.793122, 20130310131127APC, Relator: SEBASTIÃO COELHO, DJE: 04/06/2014. Pág.: 154)

56

Page 57: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

134. Não sendo condenadas nos valores requeridos na alínea 132.6, o

que se admite por epítrope, requer seja condenada em danos morais coletivos no valor a

ser arbitrado por esse juízo.

135. Requer-se ainda a Vossa Excelência:

135.1. a citação, na pessoa dos representantes das rés, para, querendo, contestar

o pedido, sob pena de revelia e confissão;

135.2. a produção de toda a espécie de provas documentais, testemunhais,

periciais e outras necessárias e admitidas em direito, especialmente auditoria contábil;

135.3. em razão da verossimilhança das alegações, a inversão do ônus da prova

sobre os fatos narrados nesta exordial;

135.4. a publicação do edital previsto no art. 94 do CDC; e

135.5. a condenação das rés ao pagamento das custas processuais, diligências e

verba honorária, tudo a ser recolhido ao Fundo criado pelo art. 13 da Lei Federal nº

7.347/85 e Lei Complementar Distrital n° 50/97.

Dá-se a causa o valor de R$ 14.000.000,00 (quatorze milhões reais).

Brasília-DF, 19 de setembro de 2014.

GUILHERME FERNANDES NETOPromotor de Justiça

57

Page 58: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

Relação de documentos

Doc. 1 – Portaria nº. 303, de 24 de setembro de 2013, que instaurou o Inquérito Civil

Público;

Doc. 2 – Instrumento particular de compromisso de compra e venda de unidade

autônoma;

Doc. 3 – Instrumento particular de promessa de cessão de direitos e outras avenças;

Doc. 4 – Termo da audiência realizada em 25 de março de 2014;

Doc. 5 – Minuta de Termo de Ajustamento de Conduta nº 2

Doc. 6 – Página da internet indicada por http://imoveisatrasados.com.br/index.php?

area=artigos&acao=ler&id=118

Doc. 7 – Diligências realizadas pelo Setor de Apoio com imagens que confirmam o atraso

das obras;

Doc. 8 – Declaração de Venda Parcelada fornecida pela Lopes Royal (LPS Brasília

Consultoria de Imóveis Ltda.) que comprova que referida empresa foi contrata pelas rés

para intermediação das vendas das unidades do empreendimento Taguá Life Center;

Doc. 9 – Contrato Social e 1ª Alteração da Toledo Investimentos Imobiliários Ltda.

Doc. 10 – Representação do Sr. Humberto Eustáquio Gomes e Elaine França Gomes

quanto ao atrasado das obras e utilização do “prazo de tolerância”;

58

Page 59: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA …df.consumidorvencedor.mp.br/documents/81607/108572/acp.pdf · empreendimento imobiliário denominado “Taguá Life Center”,

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMinistério Público do Distrito Federal e Territórios

Doc. 11 – Sentença no processo nº 2009.01.1.199748-2 em que houve condenação em

danos morais coletivos; e

Doc. 12 – Acórdão no processo nº 2004.01.1.102028-0 em que houve condenação em

danos morais coletivos.

Doc. 13 – Resposta da Tecnisa S/A e Toledo Investimentos Imobiliários Ltda. à proposta

de Termo de Ajustamento de Conduta nº 2;

Doc. 14 – Representação do consumidor Getúlio Cardoso Lopes Filho, questionando a

cobrança de despesas de corretagem e a falta de esclarecimento sobre o tema, bem como

a excessividade das verbas rescisórias estipuladas no contrato;

59