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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 47ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE NATAL EM DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA Av. Mal. Floriano Peixoto, 550, Petrópolis, Natal/RN – CEP 59020-500 Tel/fax: (84) 3232-7182 – e-mail: [email protected] EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL/RN, A QUEM COUBER POR DISTRIBUIÇÃO LEGAL. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por intermédio de seus representantes em exercício nas Promotorias de Defesa dos Direitos da Saúde de Natal, com endereço para intimações indicado no cabeçalho desta peça, no uso de suas atribuições legais, vêm, perante Vossa Excelência, com fulcro nos incisos II e III do art. 129 da Constituição Federal, bem como no inciso IV, do art. 1º da Lei nº 7.347/1985, ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de antecipação de tutela em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, pessoa jurídica de direito público interno, a ser intimado para o cumprimento da medida antecipatória adiante pleiteada na pessoa da Governadora do Estado, Rosalba Ciarlini Rosado, com endereço no Centro Administrativo, Candelária, Natal/RN, e Secretário Estadual de Saúde, Luiz Roberto Leite Fonseca, com endereço na Av. Mal. Deodoro da Fonseca, 730, Centro, Natal/RN, e posteriormente citado na pessoa do Procurador Geral do Estado, com endereço na Av. Afonso Pena, 1155, Tirol, Natal/RN, aduzindo, para tanto, as razões de fato e de direito a seguir expendidas. 1/23

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Page 1: EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO … da ação contra... · audiências ministeriais, a exemplo da reunião datada de 08-11-2012, em que a SESAP entregou a relação

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE47ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE NATAL EM DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA

Av. Mal. Floriano Peixoto, 550, Petrópolis, Natal/RN – CEP 59020-500Tel/fax: (84) 3232-7182 – e-mail: [email protected]

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL/RN, A QUEM COUBER POR DISTRIBUIÇÃO LEGAL.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por intermédio de seus representantes em exercício nas Promotorias de Defesa dos Direitos da Saúde de Natal, com endereço para intimações indicado no cabeçalho desta peça, no uso de suas atribuições legais, vêm, perante Vossa Excelência, com fulcro nos incisos II e III do art. 129 da Constituição Federal, bem como no inciso IV, do art. 1º da Lei nº 7.347/1985, ajuizar a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de antecipação de tutela

em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, pessoa jurídica de direito público interno, a ser intimado para o cumprimento da medida antecipatória adiante pleiteada na pessoa da Governadora do Estado, Rosalba Ciarlini Rosado, com endereço no Centro Administrativo, Candelária, Natal/RN, e Secretário Estadual de Saúde, Luiz Roberto Leite Fonseca, com endereço na Av. Mal. Deodoro da Fonseca, 730, Centro, Natal/RN, e posteriormente citado na pessoa do Procurador Geral do Estado, com endereço na Av. Afonso Pena, 1155, Tirol, Natal/RN, aduzindo, para tanto, as razões de fato e de direito a seguir expendidas.

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I. DOS FATOS E SEUS FUNDAMENTOS

Desde meados de 2006, a 47ª Promotoria de Justiça de Natal, com atribuições na defesa dos direitos da saúde, vem atuando junto ao Governo do Estado em busca de uma solução para o grave deficit de recursos humanos enfrentado na área da saúde pública, situação que se tornou crônica pela não realização de concurso público por mais de 10(dez) anos.

Tal atuação apresentou seus primeiros frutos no ano de 2008, quando foi realizado um concurso público com mais de 5.000(cinco mil) vagas para cargos técnicos e administrativos de nível médio e superior.

Entretanto, por problemas relacionados à lisura e regularidade da empresa contratada, deu-se a anulação do certame1, com a deflagração de novo processo administrativo para a realização de novo concurso.

Após longa tramitação e superação de vários entraves burocráticos, o concurso veiculado pelo edital nº 001/2010-SEARH/SESAP teve seu resultado publicado e homologado, dando início às nomeações dos aprovados para lotação nas unidades da Rede.

Nesse momento, o Ministério Público instaurou o Inquérito Civil nº 028/2010-47PmJ, com o objetivo de acompanhar as nomeações dos aprovados no concurso público para a Secretaria de Estado da Saúde Pública/SESAP e sua efetiva entrada em exercício.

Ocorre que, ao mesmo tempo em que informações eram colhidas a respeito das nomeações feitas pela Pasta Sanitária, chegavam ao conhecimento deste Órgão Ministerial dados relativos à persistência do deficit de recursos humanos em toda a rede hospitalar do Estado do Rio Grande do Norte, plasmados em documentos oriundos da própria SESAP.

A conclusão era inegável: as nomeações realizadas a partir do mencionado edital não haviam sido suficientes para suprir o deficit existente, tornando necessárias contratações temporárias e complementação de escalas através de cooperativas médicas para garantir o funcionamento dos serviços de saúde, em flagrante terceirização (irregular) de atividade-fim e precarização do trabalho.

Tais mecanismos, que deveriam ser transitórios e excepcionais, foram perdurando no tempo, ensejando novas provocações ministeriais voltadas à regularização dos serviços pelo Governo do Estado.

Dentre as providências destacam-se: a realização de reuniões e

1 Disponível em: http://nofoco.wordpress.com/2008/09/03/consulplan-divulga-comunicado-sobre-o-concurso-da-saudern/. Acesso em 22/04/2014, às 14h40min.

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audiências ministeriais, a exemplo da reunião datada de 08-11-2012, em que a SESAP entregou a relação dos servidores afastados do serviço público; a expedição de recomendações, em 15-01-2013 e 15-01-2014, expedidas no intuito de regulamentar e reanalisar os inúmeros afastamentos para estudos e licenças para o trato de interesse particular concedidos pelo Estado do Rio Grande do Norte a profissionais da saúde; e o protocolo de representação junto ao Ministério Público de Contas/TCE-RN.

Paralelamente, vários procedimentos ministeriais foram instaurados para acompanhar situações pontuais, a exemplo dos Inquéritos Civis nºs 002/2009-47PmJ (incompletude das escalas de obstetras, anestesiologistas e clínica médica no Hospital Santa Catarina); 005/2009-47PmJ (deficiência de recursos humanos no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel); 009/2010-47PmJ (contratação de serviços médicos privados para complementação de escalas médicas no âmbito dos hospitais públicos da Rede Estadual); 020/2010-47PmJ (ausência de fonoaudiólogos nos hospitais e unidades de referência da SESAP); 021/2010-47PmJ (necessidade de escala de cirurgia pediátrica na UTI Neonatal do Hospital Santa Catarina); 001/2011-47PmJ (insuficiência de clínicos gerais no Pronto Socorro Clóvis Sarinho/Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel); 024/2012-47PmJ (apurar a existência de deficit de profissionais de enfermagem no Hospital Infantil Maria Alice Fernandes); e 011/2013-47PmJ (apurar a existência de deficit de profissionais de enfermagem no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel), conforme documentos em anexo (doc. 1).

No que diz respeito à representação formulada perante o MP de Contas, o resultado também foi bastante positivo, vez que a Corte determinou a realização de uma auditoria operacional em todos os hospitais públicos estaduais do RN, abrangendo condições estruturais, abastecimento, processos administrativos de aquisição, controle de frequência, recursos humanos, custo-efetividade, entre outros aspectos.

O resultado do extenso procedimento foi apresentado ao Governo do Estado em meados de fevereiro/2014, com um diagnóstico que, dentre varias mazelas, apontava o deficit de recursos humanos em unidades de saúde como um dos mais graves obstáculos ao adequado funcionamento da Rede Pública Hospitalar. (doc. 2).

Nesse ponto, afigura-se importante destacar alguns trechos do Relatório Final da Auditoria Operacional do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte:

119. Apesar das dificuldades na elaboração do dimensionamento, esse trabalho tem sido realizado e demonstrado que existe déficit de profissionais em todos os hospitais da rede da SESAP, havendo em alguns casos excessos em algumas especialidades médicas ou outros profissionais, conforme resumo constante do Quadro 10. Esse quadro apresenta de forma resumida as necessidades de pessoal

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dessas unidades de saúde, em especial para Médicos, Técnicos de Enfermagem e Enfermeiros, tendo em vista que as maiores necessidades de pessoal se concentram nessas especialidades.

121. Esse quadro de carência de profissionais foi confirmado quando das visitas e em entrevistas com diretores e funcionários dessas unidades hospitalares. Ademais, verificou-se que a SESAP com o objetivo de suprir necessidades em algumas especialidades, a exemplo de neurologistas e anestesistas, vem contratando há algum tempo cooperativas médicas.

122. Observou-se ainda, a utilização por parte da SESAP, de plantões eventuais de forma permanente de modo a cobrir a necessidade de pessoal, bem como a utilização de profissionais cedidos pelos municípios em alguns acordos informais.

Por outro lado, o relatório indicou certas unidades hospitalares localizadas no interior do estado que não apresentavam relação custo-benefício que justificasse sua existência, ou seja, hospitais que são mantidos pelo Estado do RN a um custo bastante alto, mas que não apresentam resolutividade no atendimento à população e que terminam por destinar seus pacientes à capital.

Essa assertiva foi consolidada mediante o quadro abaixo:

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Diante desse quadro caótico desvelado pela equipe de Auditoria do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte, este Órgão Ministerial novamente empreendeu diligências para obter esclarecimentos sobre o deficit de pessoas na SESAP, colhendo, inclusive, depoimentos e documentos dos técnicos e chefias da Coordenadoria de Recursos Humanos da Pasta em audiências ministeriais.

Dentre eles, o mais importante foi o detalhamento do pessoal aprovado no concurso público de 2010, com indicação das vagas oferecidas por especialidade, número de profissionais nomeados, número de profissionais que efetivamente entraram em exercício e, finalmente, as vagas remanescentes, após o cômputo das providas e das objeto de desistência (doc. 03). Senão vejamos:

Cargo Cadastro reserva Deficit

Méd. Clínico Geral 245 26

Méd. Pneumologista 03 06

Méd. Ultrassonografista 17 02

Méd. Urologista 16 04

Enfermeiro 4.259 174

Farmacêutico Bioquímico 166 22

Técnico em enfermagem 2.545 471

Técnico em radiologia 146 32

Total de profissionais de saúde a serem nomeados 737

E a situação fica ainda mais gritante quando confrontamos o número de cargos criados pela Lei Complementar Estadual nº 333, de 29 de junho de 2006, que instituiu o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração dos servidores efetivos da SESAP/RN, com aqueles efetivamente ocupados atualmente. Observe-se:

Categoria Nº de cargos ocupados

Nº de cargos criados por Lei

Nº de cargos vagos

Nº de cargos para

preenchimento imediato

Técnico de enfermagem

1384 4000 2616 658

Enfermeiro 907 2000 1093 218

Fonoaudiólogo 40 100 60 8

Assist. Social 284 400 116 62

Farmacêutico- 334 600 266 33

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bioquímico

Médico - todas as especialidades

1764 4000 2236 288

Ora, ao criar os cargos que devem compor a força de trabalho de um determinado órgão público, o legislador se baseia nos dados reais fornecidos após um extenso e minucioso trabalho de dimensionamento de recursos humanos, a fim de que a demanda do serviço público a ser oferecido à população corresponda ao contingente de pessoas adequado à sua prestação. E, segundo essa valiosa premissa, o atual quadro de servidores em exercício na Secretaria de Estado da Saúde Pública encontra-se muito aquém das necessidades existentes, chegando, de fato, a menos de 50%(cinquenta por cento) para algumas categorias!

Isso é tão verdade que diariamente a mídia impressa e televisionada noticia as precárias condições em que funcionam determinados hospitais, com pacientes aguardando horas e até mesmo dias por um atendimento que deveria ser imediato e não o é por força de um quadro funcional insuficiente, já exaurido pela crescente demanda que chega aos serviços de saúde.

Assim, conclui-se que a nomeação dos profissionais de saúde listados nos quadros acima para recompor as escalas de trabalho é imprescindível. Mas, não é somente imprescindível, é também urgente. Explica-se.

É que o concurso realizado no ano de 2010, já mencionado, está com o prazo de validade para expirar em 24/06/2014, ou seja, em cerca de 60(sessenta) dias, findos os quais a perspectiva para a realização de um novo certame não é das mais alvissareiras. Até porque, eventual admissão de pessoal decorrente de um novo concurso público implicaria em ultrapassar etapas (planejamento, execução e homologação) que, como cediço, normalmente não são tão céleres e, por outro lado, a legislação eleitoral (art. 73, V, da Lei nº 9.504/1977) veda essas nomeações a partir de 1º/07/2014, in verbis:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...)V - nomear; contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover; transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados: a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança; b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público,

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dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República; c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo; d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo; e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários.(Destaques acrescidos).

Em resumo, caso o concurso atualmente válido expire sem que os aprovados remanescentes (cadastro reserva) sejam nomeados e ingressem no quadro do SESAP, a Pasta enfrentará longo período sem poder suprir seu deficit de recursos humanos, impondo aos serviços e usuários do SUS no RN um prejuízo ainda maior do que o hoje suportado pelas precárias condições da Rede.

Por fim, é importante destacar que a recomposição mínima da força de trabalho pleiteada nesta ação judicial se refere tão somente aqueles hospitais estaduais que apresentam resolutividade, sendo os responsáveis pelo atendimento da maior parte da demanda existente no RN, além da UNICAT. São eles:

1. Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel – referência estadual na urgência e emergência em traumatologia;

2. Hospital Giselda Trigueiro – referência estadual em infectologia;3. Hospital Maria Alice Fernandes – referência estadual em pediatria;4. Hospital Dr. José Pedro Bezerra - referência estadual na atenção materno-

infantil;5. Hospital Dr. João Machado – referência estadual na urgência e emergência

em psiquiatria;6. Hospital Dr. Ruy Pereira - referência estadual na atenção vascular; e7. UNICAT – referência estadual do Componente Especializado da Assistência

Farmacêutica.

II. DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE NO NORTE EM GARANTIR O PLENO FUNCIONAMENTO DA REDE HOSPITALAR ESTADUAL INSTALADA NO MUNICÍPIO DE NATAL

Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão elencados nos artigos 196 a 200 da Constituição Federal. Especificamente, o art. 196 dispõe que:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

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O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988, configura direito fundamental de segunda geração. Nesta geração estão os direitos sociais, culturais e econômicos, que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado. Não se trata mais, como nos direitos de primeira geração, de apenas impedir a intervenção do Estado em desfavor das liberdades individuais.

No intuito de concretizar o mandamento constitucional, o legislador estabeleceu preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, estabelece, em seu art. 2º, que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Poder Público prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, assegurando acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Dispõe, então, o Decreto nº 7.508/2011, que regulamenta a Lei nº 8.080/1990, que a atuação do Estado no que tange à Saúde será prestada através do Sistema Único de Saúde – SUS:

Art. 3°. O SUS é constituído pela conjugação das ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde executados pelos entes federativos, de forma direta ou indireta, mediante a participação complementar da iniciativa privada, sendo organizado de forma regionalizada e hierarquizada.

O artigo 7° da Lei nº 8.080/1990 estabelece que as ações e serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde serão desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da CF, obedecendo, ainda, aos seguintes princípios:

Art. 7° [...]I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;II - Integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;[...]XI – conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população;

Verifica-se, pois, que a própria norma disciplinadora do Sistema Único de Saúde elenca como princípio a integralidade da assistência, definindo-a como um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema.

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Destarte, uma vez que o art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever do Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação, não deve este direito fundamental sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de dificultar-se-lhe o acesso, ainda mais quando existe estrutura hospitalar apta para atender aos usuários SUS, mas, faltam recursos humanos para que as mesmas funcionem plenamente.

Não há dúvida, pois, quanto ao dever do Estado do Rio Grande do Norte de dotar seus hospitais públicos com quantitativo de profissionais suficiente para o atendimento dos casos clínicos que lhes chegam.

III. DA IMPOSSIBILIDADE DE A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL ANULAR OS MANDAMENTOS CONSTITUCIONAIS QUE ALBERGAM O DIREITO À SAÚDE NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO

Estabelecidas as premissas acima, cumpre, agora, expor que não merecem prosperar as repetidas alegações do gestor estadual de que existem profissionais aprovados em concurso público para serem convocados, porém, a lei de responsabilidade fiscal impossibilita a contratação, uma vez que o ente estadual encontra-se acima do limite de gastos de pessoal.

Ao prevalecer tal entendimento, os serviços públicos essenciais de saúde, que têm relevância pública, restariam prejudicados quanto ao seu adequado funcionamento, fulminando a normativa constitucional do princípio da eficiência e frustrando a expectativa legítima dos aprovados no referido certame.

De partida, cumpre esclarecer que o Parquet visa à nomeação de profissionais para estruturar os hospitais da rede pública estadual situados em Natal, como forma de melhorar o serviço público de saúde. Não se trata de defender o eventual direito subjetivo individual do candidato aprovado dentro do número de vagas à nomeação, mas sim, de toda a coletividade, que diariamente se socorre dos serviços públicos de saúde.

Disso decorre a legitimidade da atuação do Parquet estadual para zelar pelo efetivo respeito dos serviços de relevância pública e aos direitos assegurados na carta Política (art. 129, inc. II), incluindo as ações e serviços de saúde (art. 197 da CF).

É cediço que os serviços públicos não devem sofrer interrupção, ou seja, sua prestação deve ser contínua para evitar que a paralisação provoque, como muitas vezes ocorre, colapso nas múltiplas necessidades dos particulares, sendo devida, no regime jurídico dos serviços públicos, a observância do princípio da

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continuidade.

Nesse contexto, ganha maior relevo o aludido princípio diante da prestação de serviços públicos sociais, por meio dos quais o Estado atende aos reclamos sociais básicos. Nos presentes autos, o serviço público prestado pelos hospitais, que atende norma constitucional, visa a uma prestação assistencial e protetiva do direito fundamental à vida e à saúde.

Assim também, a Administração deve observar o princípio da eficiência, pelo qual cabe à Administração Pública não apenas prestar o serviço público, mas fazê-lo de modo a alcançar o melhor resultado prático possível, cujo fundamento legal encontra-se no caput do art. 37 da Constituição Republicana.

Leonardo José Carneiro da Cunha2 enumera, dentre os limites ao poder discricionário da Administração, os princípios constitucionais da Administração Pública, dando destaque ao princípio da eficiência, calcado no dever do administrador público atuar para alcançar o melhor resultado possível, atendendo ao conteúdo dos referidos princípios.

Juarez Freitas, por sua vez, afirma que o administrador público, quando do exercício das escolhas administrativas, está obrigado a exercer suas funções tendo como meta a melhor atuação. Segundo o referido autor, isso é devido ao fato de que na gestão dos recursos públicos, o gestor deve pautar suas decisões com base na relação existente entre a discricionariedade e os princípios da eficiência (dever de fazer do modo certo), da eficácia (dever de fazer o que deve ser feito) e da economicidade (dever de otimizar a ação estação)3.

Assim, não se discute a necessidade da admissão de profissionais aprovados no último concurso público, bem como, a necessidade de ser realizado novo concurso público contemplando as áreas que não foram abrangidas no último certame, assim como aquelas que já não possuem mais candidatos aprovados dentro do cadastro de reserva.

Confirmando a falta de recursos humanos, existem inúmeros Pareceres Técnicos da Comissão Técnica de Dimensionamento de Recursos Humanos da Secretaria Estadual de Saúde apontando o deficit de profissionais, especialmente, de enfermeiros e técnicos de enfermagem, como exoposto na descrição dos fatos.

Ademais, também restou claro que a Administração não vem nomeando e empossando candidatos aprovados para preencher os cargos

2 A Fazenda Pública em Juízo. 7 ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 555.

3 Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. São Paulo: Malheiros,

2007, p. 29.

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vagos decorrentes de exoneração, o que vem causando cada vez mais diminuição no número de profissionais de saúde que trabalham na área de urgência e emergência, bem como também ficou demonstrado o grande número de cargos criados por lei que não se encontram preenchidos, como os de técnico de enfermagem, em que, dos 4.000(quatro mil) cargos previstos em lei, somente 1.384(um mil trezentos e oitenta e quatro) estão preenchidos no âmbito da SESAP, equivalendo a um percentual de 34,6%(trinta e quatro vírgula seis por cento) dos cargos.

Destarte, uma vez que o art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever do Estado a prestação de assistência à saúde, devendo-se garantir acesso universal e igualitário do cidadão aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação, não deve este direito sofrer embaraços impostos pelas autoridades administrativas.

Quanto ao aspecto financeiro, a Administração Pública não tem justificativa para deixar de admitir os candidatos aprovados em concurso, consoante o número de vagas previstas em edital, com vistas à lotação desses profissionais nos serviços públicos de saúde.

Isso porque o argumento que visa a obstar a nomeação dos profissionais de saúde, em função de o Ente Público haver alcançado o limite prudencial de despesas com pessoal, não prevalece diante da presunção da existência de prévia dotação orçamentária para a realização do concurso público.

Nesse sentido, a Constituição Federal dispõe (§ 1º, I, do art. 169) que a “criação de cargos [...], bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta [...], só poderão ser feitas” caso haja “prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes”.

À Administração Pública incumbe, pois, antes da autorização e divulgação de edital de concurso público, apresentar preliminar dotação orçamentária, capaz de abarcar todas as projeções de despesas com pessoal e acréscimos decorrentes da futura nomeação dos candidatos aprovados. Portanto, não há que se falar em ausência de verba pública para admissão dos candidatos aprovados em concurso público.

A única exceção admissível é no caso da Administração Pública não obter os créditos previstos na lei orçamentária. Neste caso, o Ente Federativo deverá fundamentar pormenorizadamente a ausência de nomeação.

Em relação aos candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no Edital, havendo a premente necessidade do serviço público, os

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Tribunais tem entendido pela possibilidade e necessidade de sua convocação4, principalmente, na reposição de cargos vagos decorrentes de exoneração, uma vez que não acarreta aumento de despesa de pessoal.

Sendo assim, como bem afirmou o Min. Celso de Melo, nos autos da ADPF nº 45, a eventual inexistência de recursos financeiros que dificultam a implementação dos direitos fundamentais sociais somente podem ser invocadas pelo Estado, com a finalidade de exonerá-lo de suas obrigações constitucionais, diante da ocorrência de “justo motivo objetivamente aferível”.

Ademais, apesar de a Lei de Responsabilidade Fiscal impor restrições ao Ente que ultrapasse o limite de gasto com pessoal, consoante disposto no parágrafo único do art. 22 da LC nº 101/2000, a nomeação de servidores, em especial na saúde pública, deve ser tolerada como forma de conferir efetividade a direitos fundamentais positivos. Vejamos o parágrafo único do art. 22 da Lei de Responsabilidade Fiscal:

(…)Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:(...)IV. provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança”;(destaque acrescido)

A análise puramente literal do dispositivo acima conduziria ao entendimento de que todo provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal para a área da saúde somente estaria admitida como forma de reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento dos servidores.

No entanto, essa interpretação merece temperamentos, sob pena de se criar uma verdadeira desassistência na área da saúde. Isso porque, seja na área da educação, segurança pública ou na saúde, a nomeação de servidores consiste em forma de conferir efetividade a tais direitos fundamentais.

Doutra banda, é importante destacar que a possibilidade de nomeação dos concursados de 2010, dentro das necessidades da SESAP, foi recentemente objeto de apreciação por parte do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte sob a ótica da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O Governo do Rio Grande do Norte, sob a justificativa de ter ultrapassado o limite de gastos com pessoal e colocar em risco a saúde financeira do Estado, vinha tendo os registros das nomeações solicitadas para diversas áreas

4 REsp 1185379/MG, Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 15/03/2012.

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negados pela Corte de Contas. Entretanto, após recente reapreciação da questão por meio da consulta nº 0012/90/2014-TC, esse entendimento foi alterado para entender como exceções à essa regra as nomeações nas áreas de saúde, educação e segurança que objetivam prover cargos que vagaram por falecimento, aposentadoria, exoneração, dispensa ou demissão dos antigos ocupantes.

Nesse sentido, transcrevemos trecho do voto do relator, acolhido à unanimidade pela Corte, bem como a ementa da decisão:

Decisão nº 167/2014-TC

(…) após nova análise da matéria, vejo que o posicionamento esposado pela Consultoria Jurídica é o mais adequado, sobretudo quando cotejado com a atual realidade da Administração Pública, nos termos abaixo transcritos:

“No caso em análise, seguindo os métodos sociológico e ampliativo, é preciso adaptar a norma às reais necessidades sociais e econômicas contemporâneas à formulação da lei, extraindo do texto normativo mais do que ditam as palavras.Nessa linha de pensamento, comungo o ensinamento da Professora Maria Zanella Di Pietro que, com precisão, vaticinou que o dispositivo em análise (art. 22, parágrafo único, inciso IV, da LRF, ficara mais completo se previsse também a reposição, nessas áreas, além das hipóteses de falecimento e aposentadoria, de outros casos de vacância, como os que decorrem de exoneração, dispensa ou demissão do servidor.”

Com efeito, particularmente entendo que se aplica ao caso em análise o brocardo ubi idem ratio, ibi idem jus (onde houver a mesma razão, aplica-se o mesmo direito). Dessarte, a despeito do entendimento já exarado por esta Corte (que respeito profundamente, embora discorde), penso que é possível o provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, para substituição de pessoal decorrente de exoneração, demissão ou de dispensa, nas áreas de saúde, educação e segurança, desde que os gastos com pessoal, nessas hipóteses, se mantenham no mesmo patamar e que a reposição seja para a atividade-fim.

EMENTA: Consulta. Direito Constitucional. Direito Administrativo. Direito Financeiro. Limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Despesa. Limite. Despesa com pessoal. Superação do limite prudencial. Interpretação das vedações previstas no parágrafo único do art. 22 da LRF. Interpretação sociológica e extensiva das possibilidades de reposição de pessoal nas áreas de saúde, educação e segurança pública.(Destaques acrescidos).

Ora, consoante informações da Coordenadoria de Recursos Humanos da SESAP, em dois anos ocorreram mais de 450 exonerações no âmbito da secretaria, e, somente, no período de janeiro de 2013 a janeiro de 2014 houve exoneração de 16(dezesseis) médicos clínicos gerais, 11(onze) enfermeiros, 23(vinte e três) técnicos de enfermagem, 01(um) técnico de radiologia e 02(dois) farmacêuticos, para os quais não ocorreram reposição, sob o argumento adotado de

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que, como estes foram decorrentes de exoneração, não seria possível a reposição.

Nesse sentido, ao comentar o artigo 22 da LC nº 101/2000, CARLOS MAURÍCIO CABRAL5 em sua obra Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, alerta para a possibilidade de ocorrer problemas na Administração em virtude do rigorismo dessa lei. O doutrinador defende, ainda, com base na interpretação sistêmica e no princípio da razoabilidade, uma harmonização entre o que está positivado no art. 22, inciso IV da Lei de Responsabilidade fiscal e a defesa constitucional dos direitos sociais à educação, saúde e segurança a fim de evitar que, em situações anômalas (altos índices de exoneração na saúde pública, como no presente), a execução dos serviços públicos nesses setores sociais seja seriamente prejudicada, agravando ainda mais o caos na saúde pública deste Estado.

Apontando em idêntico norte, o Tribunal Pleno do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul6, admitiu a reposição de servidores, na área de saúde, em decorrência de exoneração ou demissão, uma vez que, segundo o Tribunal, não provoca aumento de despesa com pessoal.

Por último, destaca-se que o remédio para redução das despesas com pessoal encontra-se estampado na própria Constituição, que elenca medidas a serem adotadas quando atingido o limite prudencial, não se admitindo seja o serviço público de saúde prejudicado em função de sua não aplicação pelo Ente Federativo.

Nesse aspecto, assim dispõe a Constituição Federal:

Art. 169 (…)§3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências:I. redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança;II. exoneração dos servidores não estáveis.(...)§ 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.

Em conclusão, não se pode ocasionar a desassistência do serviço público de saúde à população em detrimento da higidez da Lei de Responsabilidade Fiscal, quando a medida legal a ser adotada consiste na redução de despesa com

5 Recife: Nossa Livraria, 2001.6 Informação nº 80/2002.

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cargos comissionados e funções de confiança, devendo a Administração observar os princípios da eficiência e da continuidade do serviço público, o que somente será concretizado no caso em tela com a nomeação de servidores do último concurso da área da saúde para lotação na rede hospitalar estadual existente no Município do Natal.

IV. DESPESAS DECORRENTES DE DECISÕES JUDICIAIS COMO EXCEÇÃO AO LIMITE DE GASTOS COM PESSOAL

Concluindo a análise das repercussões legais e orçamentárias relacionadas ao pedido de nomeação de servidores para atuação nos hospitais estaduais de Natal, cumpre destacar que a Lei de Responsabilidade Fiscal elenca, dentre as exceções aos limites percentuais de gastos com pessoal, os gastos decorrentes de decisão judicial. Nesse sentido, o art. 19, §1º, IV da LRF a seguir exposto:

Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:(…)II. Estados: 60% (sessenta por cento);(...)§ 1º Na verificação do atendimento dos limites definidos neste artigo, não serão computadas as despesas:IV. decorrentes de decisão judicial e da competência de período anterior ao da apuração a que se refere o § 2o do art. 18.

Diante do comando legal exposto, outra não pode ser a conclusão senão a de que, mesmo que os gastos com pessoal no RN tenham superado os limites estabelecidos na LRF, o acolhimento do pedido de nomeação de recursos humanos pelo Poder Judiciário, embasado nas razões constitucionais e humanitárias já expostas, não será computado no cálculo do montante de despesas de pessoal e, consequentemente, não implicará nas sanções estabelecidas no art. 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal ao Ente Federativo Estatal.

Esse é, inclusive, o posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema7, no qual se espelhou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte:

(…) Outrossim, a alegação de que deveria ser obedecido o princípio da legalidade orçamentária, igual sorte não assiste o apelante, haja vista que a própria Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 19, § 1º, IV, exclui expressamente do limite de despesas com pessoal as que

7 STJ. REsp nº 935418/AM (2007/0062246-1). Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. Data: 19/02/2009.

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são decorrentes de decisão judicial, o que afasta, de plano, a escusa do ente público, desmerecendo maiores considerações.(Apelação Cível n° 2010.005764-6, Relator: Juiz Convocado NILSON CAVALCANTI, Data: 22/03/2011)

Assim, após a nomeação dos candidatos concursados e lotação na rede hospitalar estadual pública em Natal, o Estado do Rio Grande do Norte poderá adotar medidas administrativas para que os gastos com pessoal permaneçam dentro dos limites legais estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal, de acordo com o preceituado no já citado art. 169, §§ 3º e 4º da Constituição Federal.

V. DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

V.1. Da necessidade da medida – presença da fumaça do bom direito e do perigo da demora

Idealizada para minorar as mazelas que o tempo de tramitação do processo causa à parte detentora do direito material, a tutela antecipada busca adiantar os efeitos práticos do futuro provimento final da procedência da demanda.

Neste sentido, ensina Luiz Guilherme Marinoni8:

(...) é correto dizer que a tutela antecipatória visa apenas a distribuir o ônus do tempo do processo. É preciso que os operadores do direito compreendam a importância do novo instituto e o usem de forma adequada. Não há motivos para timidez no seu uso, pois o remédio surgiu para eliminar um mal que já está instalado, uma vez que o tempo do processo sempre prejudicou o autor que tem razão.

Como se vê, a tutela antecipatória de mérito é uma providência de

natureza mandamental, com o escopo de entregar ao autor da demanda, de forma total ou parcial, a própria pretensão deduzida em juízo ou os seus efeitos. É espécie de tutela satisfativa no plano fático, conferindo ao requerente o bem da vida buscado na ação de conhecimento.

Nesse sentido, o Código de Processo Civil estabelece, em seu art. 273, caput e inciso I, os requisitos da concessão da medida, quais sejam, o receio de dano irreparável ou de difícil reparação e a existência de prova inequívoca que demonstre a verossimilhança das alegações do autor, in verbis:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I. haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; [...]

8 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento, 2.º, Ed. Revista do Tribunais, p. 229.

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Embora a expressão “poderá” possa suscitar dúvidas quanto à possível discricionariedade do magistrado na concessão da tutela antecipatória, constitui-se, em verdade, uma obrigação, sendo dever do juiz concedê-la, desde que presentes os requisitos autorizadores.

Em relação à prova inequívoca, ressalte-se que a norma prevê apenas uma cognição sumária, de modo que o juízo de probabilidade deve ser exigido em grau compatível com os direitos que estão jogo.

No presente caso, o que está em jogo é o direito fundamental à saúde dos usuários SUS norte riograndenses residentes em Natal, os quais acorrem aos hospitais públicos em busca de atendimento de urgência e emergência em traumatologia, traumato ortopedia, doenças infectocontagiosas, terapia intensiva e pediatria, ficando a mercê do tempo, enquanto aguardam atendimento.

O fumus boni iuris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado, é representado de modo manifesto através da violação indisfarçável, pelo ente estatal, das disposições contidas na Constituição Federal, artigo 1°, incisos II e III, artigos 196 e seguintes, ao estatuir que “saúde é direito de todos e dever do Estado”, bem como, estabelecendo como fundamento do Estado Democrático de Direito o respeito à cidadania e à dignidade da pessoa humana.

Quanto ao justificado receio de ineficácia do provimento final da demanda, também não resta dúvida da sua caracterização, uma vez que a saúde dos cidadãos que utilizam a Rede Pública Estadual de Saúde está ameaçada, mormente em face da ausência de médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e demais profissionais necessários ao atendimento de urgência e emergência, à realização de cirurgias e funcionamento dos leitos de UTI.

Outrossim, embora se saiba que a concessão da tutela antecipada implicará na realização de gastos pelo Poder Público, é preciso ressaltar que os direitos que estão intimamente relacionados com a dignidade da pessoa humana, como o direito à saúde e à integridade física dos cidadãos, não podem ser limitados em razão da escassez de recursos financeiros, sobretudo, quando ela é fruto das escolhas do Administrador. A reserva do possível não pode ser oponível à realização do mínimo existencial.

Ademais, muitas das nomeações a serem realizadas servirão para repor as mais de 450(quatrocentos e cinquenta) exonerações ocorridas nos últimos 2(dois) anos e cujos cargos permanecem vagos.

Assim, mostra-se como cumprido o requisito para a concessão da medida ora pleiteada, qual seja, o requerimento da parte, aqui formulado, assim como

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o seguinte, relativo a demonstração da verossimilhança das alegações, feita ao longo das alegações fáticas e jurídicas na presente peça, embasada em normas legais que evidenciam a necessidade da prevalência da dignidade da pessoa humana e garantia do direito à saúde e, por fim, nos documentos acostados aos autos.

Ao final, ainda resta demonstrada a urgência do pedido, visto que o concurso foi homologado através da Portaria nº 028 de 24.06.2010, publicada no Diário Oficial do Estado nº 12.241 de 26.06.2010 e republicada por incorreção no Diário Oficial do Estado nº 12.251 de 13.07.2010, já tendo sido prorrogado através da Portaria nº 124, de 20.06.2012, publicada no Diário Oficial do Estado nº 12.731, de 21.06.2012, estando prestes a vencer em junho de 2014.

Diante do exposto, com supedâneo nos argumentos ora apresentados, estando suficientemente demonstrados o fumus boni juris e o periculum in mora, bem como com a iminência de expirar o prazo de validade do concurso, o Ministério Público requer a Vossa Excelência que conceda a antecipação parcial dos efeitos da tutela, determinando à Governadora do Estado e ao Secretário Estadual de Saúde que nomeie, convoque e dê posse aos candidatos aprovados no último concurso público realizado para a SESAP/RN (2010) e que estão no cadastro reserva, obedecendo a ordem de classificação, conforme as necessidades apontadas pelo Parecer Técnico da Comissão Técnica de Dimensionamento de Recursos Humanos da Secretaria Estadual de Saúde, a saber:

Cargo Cadastro reserva Deficit

Méd. Clínico Geral 245 26

Méd. Pneumologista 03 06

Méd. Ultrassonografista 17 02

Méd. Urologista 16 04

Enfermeiro 4.259 174

Farmacêutico Bioquímico 166 22

Técnico em enfermagem 2.545 471

Técnico em radiologia 146 32

Total de profissionais de saúde a serem nomeados

737

Requer, ainda, a fixação de multa PESSOAL no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada dia de descumprimento do comando judicial, em face da Governadora do Estado, sem prejuízo dos comandos legais previstos no caput e § 5º do artigo 461 do CPC.

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V.2. Da reversibilidade da medida a ser concedida

Comprovado o preenchimento dos requisitos necessários à concessão da tutela antecipada, torna-se necessário registrar o entendimento que vem sendo adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, no sentido de que, uma vez comprovada a necessidade do serviço público, a Administração terá mitigado o seu poder discricionário, devendo efetuar a nomeação dos candidatos aprovados em concurso público, ainda que fora do número de vagas inicialmente previstas.

Além disso, o Tribunal entende que a concessão de tutela antecipada para nomeação de candidatos aprovados em concurso público não têm caráter de irreversibilidade. Nesse sentido, a decisão monocrática proferida pelo Desembargador Relator Saraiva Sobrinho, que deu provimento ao recurso interposto pela 4ª Promotoria de Justiça de Parnamirim, para reformar decisum a quo que havia indeferido o pedido de antecipação de tutela em Ação Civil Pública que objetivava a contratação imediata de profissionais para o Centro Cirúrgico do Hospital Regional Deoclécio Marques de Lucena. Senão vejamos:

(...) Como sabido, a aprovação em concurso público, dentro do número de vagas previstas no Edital, convalida a mera expectativa em direito subjetivo à nomeação, e, quando premente a necessidade do serviço, independe da expiração do prazo de validade do certame. […]Aliás, em casos desse jaez (patente necessidade), ainda que o candidato se encontre no cadastro de reserva, possui direito subjetivo à nomeação, mitigando, assim, a discricionariedade da Administração, como propugnado pela Corte Superior suso: […]Assim, no caso em apreço, resta evidenciado o pressuposto da verossimilhança da alegação, bem como o periculum in mora (artigo 273, caput e inciso I, do CPC) autorizadores da concessão da tutela antecipada.E, diferentemente do entendido pelo Magistrado a quo, não vislumbro qualquer irreversibilidade na medida, mormente porque a posse dos candidatos se dará em caráter precário (por força de decisão judicial provisória), bem assim o pagamento dos vencimentos será compensado pela prestação dos serviços.(Agravo de Instrumento n° 2012.006523-0/0001.00. Relator: Desembargador Saraiva Sobrinho. Julgado em: 01/06/2012)

Tal decisão foi mantida pelo Órgão Colegiado do Tribunal de Justiça, conforme se observa do acórdão abaixo transcrito:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO DO RELATOR QUE, AMPARADO NO ART. 557, § 1º - A, DEU PROVIMENTO AO RECURSO PARA DETERMINAR A NOMEAÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS NO CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO NA SECRETARIA DA SAÚDE. GARANTIA DO FUNCIONAMENTO DE CENTRO CIRÚRGICO. NECESSIDADE DA ADMINISTRAÇÃO CONFIGURADA. EXISTÊNCIA DE SERVIDORES CEDIDOS. ATO VINCULADO. INEXIGÊNCIA DA

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OITIVA DO AGRAVADO. EVENTUAL OFENSA AO CONTRADITÓRIO SUPERADA COM A RATIFICAÇÃO DA MATÉRIA PELO COLEGIADO. PRECEDENTES DO STJ. DECISUM MANTIDO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.[…] No mais, não comporta provimento, pelos mesmos argumentos bem lançados no decisum monocrático de fls. 88/90 (Relatoria do Desembargador Saraiva Sobrinho), o qual, a fim de evitar tautologia, transcrevo ipsis litteris:

"(...) Como sabido, a aprovação em concurso público, dentro do número de vagas previstas no Edital, convalida a mera expectativa em direito subjetivo à nomeação, e, quando premente a necessidade do serviço, independe da expiração do prazo de validade do certame.[…]Idêntica linha vem sendo adotada pelo Pleno desta Corte:'CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE ARQUITETO. (...) NOMEAÇÃO DE CANDIDATOS QUE NÃO COMPARECERAM PARA TOMAR POSSE NO CARGO. COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE VAGAS REMANESCENTES E DA NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DESTAS VAGAS POR OUTROS CANDIDATOS HABILITADOS. ATO VINCULADO DA ADMINISTRAÇÃO ATÉ O NÚMERO DE CANDIDATOS CONVOCADOS PARA TOMAREM POSSE. DIREITO SUBJETIVO, LÍQUIDO E CERTO DA CANDIDATA À NOMEAÇÃO NO CARGO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. CONCESSÃO DA SEGURANÇA QUE SE IMPÕE' (MS 2010.012497-8, Rel. Des. Amaury Moura Sobrinho, Julg. 23/03/2011).À vista do exposto, desprovejo o recurso.

[…](Agravo Interno em Agravo de Instrumento n° 2012.006523-0/0001.00. Relator: Desembargadora Sulamita Bezerra Pacheco. Julgado em: 12/07/2012)

De fato, verifica-se que, no caso de sucumbência na ação judicial, há possibilidade de promover o desfazimento do vínculo jurídico/funcional dos candidatos precariamente empossados por força de decisão judicial provisória, de tal modo que não se pode falar em irreversibilidade, isto é, a concessão da liminar não inviabiliza o retorno ao status quo ante, em caso de sua revogação.

Por outro lado, não há que se falar em efetivo prejuízo aos cofres da Fazenda Pública, em virtude do pagamento da remuneração dos servidores nomeados, uma vez que teriam efetivamente exercido suas funções durante o período em que estiveram em exercício.

Assim, verifica-se que não está presente na hipótese o chamado periculum in mora inverso, quando o dano resultante da concessão da tutela antecipada poderia ser superior ao dano enfrentado pela não concessão, uma vez que a convocação, nomeação e posse dos aprovados se daria em caráter

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precário.

Importante ainda consignar o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça de que os candidatos aprovados em concurso público e nomeados por força de medida liminar, como antecipação de tutela, não tem direito à sua manutenção no cargo em caso de revogação da medida.

Inclusive, ainda que tenha decorrido razoável lapso temporal entre a concessão da medida e sua revogação, não será aplicável à hipótese a teoria do fato consumado. Nesse sentido:

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REVOGAÇÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. TEORIA DO FATO CONSUMADO. Não é possível dispensar a submissão ao processo de revalidação de diploma estrangeiro estabelecido na Lei n. 9.394/1996 (LDB) ainda que o autor, por força de antecipação de tutela na ação originária, esteja exercendo a atividade profissional há vários anos. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não se aplica a teoria do fato consumado em situações amparadas por medidas de natureza precária, como liminar e antecipação do efeito da tutela, não havendo que se falar em situação consolidada pelo decurso do tempo, sob pena de se chancelar situação contrária à lei. Essa linha de pensamento tem sido extensivamente aplicada nos casos referentes a concurso público, nas hipóteses em que o candidato consegue provimento liminar para mantê-lo no certame, mas a ação é julgada improcedente ao final. Precedentes citados: MS 13.895-DF, DJe 23/3/2012; AgRg no REsp 1.263.232-SE, DJe 9/9/2011; AgRg no REsp 1.018.824-SE, DJe 13/12/2010; AgRg no RMS 22.307-PA, DJe 2/8/2010, e AgRg no Ag 1.070.142-RJ, DJe 9/3/2009.(REsp 1.333.588-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 16/10/2012.)

ADMINISTRATIVO. CURSO DE FORMAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR. MATRÍCULA MEDIANTE LIMINAR. TEORIA DO FATO CONSUMADO. INAPLICABILIDADE.1. "É pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual a aplicação da teoria do fato consumado em matéria de concurso público requer o cumprimento dos requisitos legalmente estabelecidos. Tampouco se aplica a teoria do fato consumado em caso de situações amparadas por medidas de natureza precária, como liminar e antecipação do efeito da tutela, não havendo que se falar em situação consolidada pelo decurso do tempo" (AgRg no REsp 1.263.232/SE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011). No mesmo sentido: "Não se aplica a teoria do fato consumado nos casos em que o candidato permanece no certame por força de decisão judicial concedida a título precário. Precedentes" (AgRg no REsp 1.018.824/SE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 13.12.2010). E ainda, entre outros: "A Teoria do Fato Consumado não se aplica às hipóteses nas quais a participação do candidato no certame ocorre apenas por força de decisão precária" (AgRg no Ag 1.070.142/RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 9.3.2009).

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2. Agravo Regimental não provido.(AgRg nos EDcl no REsp 1331012/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 13/03/2013)

Dessa forma, o Poder Público tem a garantia de que ao final, com eventual revogação da medida, não prevalecerão supostas teses levantadas pelos candidatos de que têm direito a permanecer nos cargos, de modo que não haverá prejuízos aos cofres públicos decorrentes de futuras indenizações ou manutenção dos candidatos nos cargos.

VI. DOS PEDIDOS

Ante todo o exposto, o Ministério Público requer a esse Juízo:

1) seja concedida a tutela antecipada, nos termos formulados pelo Parquet;

2) seja procedida à citação do réu para, querendo, responder à presente ação no prazo legal, sob pena de revelia;

3) a confirmação da medida antecipatória acima detalhada, com o julgamento favorável do presente pedido principal;

4) a condenação do demandado em obrigação de fazer, consistente em nomear, convocar e dar posse aos candidatos aprovados no último concurso público realizado para a SESAP/RN (2010) e que estão no cadastro reserva, obedecendo a ordem de classificação, conforme as necessidades apontadas pelo Parecer Técnico da Comissão Técnica de Dimensionamento de Recursos Humanos da Secretaria Estadual de Saúde, a saber:

Cargo Cadastro reserva Deficit

Méd. Clínico Geral 245 26

Méd. Pneumologista 03 06

Méd. Ultrassonografista 17 02

Méd. Urologista 16 04

Enfermeiro 4.259 174

Farmacêutico Bioquímico 166 22

Técnico em enfermagem 2.545 471

Técnico em radiologia 146 32

Total de profissionais de saúde a serem 737

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nomeados

5) a fixação de multa PESSOAL no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada dia de descumprimento do comando judicial, em face da Governadora do Estado, sem prejuízo dos comandos legais previstos no caput e § 5º do artigo 461 do CPC;

6) a condenação do requerido no pagamento das custas processuais, com as devidas atualizações monetárias;

7) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, em face do previsto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85 e do art. 87 da Lei nº 8.078/90;

8) sejam as intimações do Autor feitas pessoalmente, mediante entrega dos autos na 47ª Promotoria de Justiça de Natal, face ao disposto no art. 236, § 2º, do Código de Processo Civil e no art. 149, inc. XX, da Lei Complementar Estadual nº 141/96 (Lei Orgânica do Ministério Público do Rio Grande do Norte).

Por fim, mesmo já tendo apresentado prova pré-constituída do alegado, o Ministério Público Estadual pugna pela produção de prova documental, testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção judicial, que se fizerem necessárias ao pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com a apresentação das contestações.

Dá-se à causa o valor de R$ 724,00 (setecentos e vinte e quatro reais) para fins meramente fiscais.

Termos em que, confia no deferimento.

Natal, 30 de abril de 2014.

Carlos Henrique Rodrigues da SilvaPromotor de Justiça Substituto

Marcelo Coutinho MeirelesPromotor de Justiça Substituto

Elaine Cardoso de M. Novais Teixeira62ª Promotora de Justiça de Natal

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