excelentíssimo senhor juiz federal da 14ª vara cível da subseçã

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 14ª VARA CÍVEL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO. Autos n.º 2007.61.00.010459-7 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL , pelo Procurador da República signatário, e as ASSOCIAÇÕES CIVIS AUTORAS DESTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA , pelos advogados infra-assinados, vêm respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar sua RÉPLICA às CONTESTAÇÕES de fls. 1952-1971 e 1973-1996, nos seguintes termos: 1

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 14ª VARA CÍVEL DA

SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO.

Autos n.º 2007.61.00.010459-7

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo

Procurador da República signatário, e as ASSOCIAÇÕES CIVIS AUTORAS

DESTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA, pelos advogados infra-assinados, vêm

respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar sua

RÉPLICA

às CONTESTAÇÕES de fls. 1952-1971 e 1973-1996, nos seguintes termos:

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

I. SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DAS RÉSI. SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DAS RÉS

A UNIÃO e a ANATEL, nas contestações juntadas

aos autos, aduzem, PRELIMINARMENTE, as seguintes defesas

processuais:

a) a “incompetência absoluta” (sic) do juízo pois,

tratando-se da postulação de “providência jurisdicional que tenha eficácia

no âmbito nacional”, a ação deveria tramitar no foro do Distrito Federal (fls.

1975-1977);

b) a falta de interesse processual do Ministério

Público Federal, uma vez que, “ao ingressar com a ação em questão, não

está o Ministério Público zelando pelos interesses coletivos, mas, ao

contrário, encontra-se possivelmente violando o mais importante dos

direitos fundamentais do cidadão, que é o direito à vida”, pois “o

funcionamento clandestino de rádios comunitárias... pode pôr em risco

todas as transmissões em serviços regulares de comunicação... oferecendo

sérios perigos a inúmeras atividades públicas e privadas ligadas”;

c) a impossibilidade jurídica do pedido por ofensa

ao princípio da separação de poderes, pois “não pode o Poder Judiciário

substituir-se ao Executivo... para assegurar o funcionamento provisório dos

serviços de radiodifusão prestados pelas associações comunitárias”;

d) a ilegitimidade passiva ad causam da ré

ANATEL, pois esta autarquia não é entidade competente para conferir a

outorga dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

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NO MÉRITO, alegam as Rés que:

a) a outorga do serviço de radiodifusão

comunitária é ato privativo do Poder Executivo, ad referendum do

Congresso Nacional, nos termos do disposto no art. 223 da Constituição da

República e na Lei Federal 9.612/98. Assim, não está o Poder Judiciário

autorizado a sub-rogar-se no papel do Poder Concedente, quanto à

apreciação dos aspectos de ordem técnica, jurídica e política envolvidos na

delegação do serviço;

b) a “eventual demora na outorga dos serviços”

não pode ser imputada à Ré ANATEL, cuja função legal consiste apenas na

administração do espectro de radiofreqüências, “realizando fiscalizações e

interrompendo toda e qualquer interferência prejudicial havia no espectro”;

c) o uso não autorizado do espectro pode gerar

interferências prejudiciais à segurança das comunicações de aeronaves,

aeroportos, ambulâncias, hospitais e polícia, pondo em risco a própria vida

humana.

As duas primeiras questões, por se confundirem

com as defesas apresentadas como matéria preliminar ao exame do mérito,

serão enfrentadas no item seguinte. A última será analisada no item III

desta manifestação.

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II. RESPOSTA ÀS PRELIMINARES ARGÜÍDAS

1. Competência territorial da subseção judiciária de São Paulo.

Afirma a UNIÃO que o juízo competente nas

hipóteses de tutela jurisdicional coletiva de âmbito nacional é o foro do

Distrito Federal.

Muito embora a advogada pública não mencione o

dispositivo legal específico, a interpretação dada pela Ré ao art. 93, inciso

II, do Código de Defesa do Consumidor padece de um erro semântico,

identificado pelo Ministro César Asfor Rocha no julgamento do Conflito de

Competência n.º 28.003/RJ:

“Quando o inciso II do art. 93 fala em Distrito Federal,

foro da capital do estado ou foro do Distrito Federal, ele

não está a dizer, data venia, que a ação será proposta

na capital do estado, quando o dano for localizado e

será no Distrito Federal, quando for em mais de dois

estados. Não está a dizer isso porque o inciso I já se

reporta ao dano localizado. Toda vez que o dano for

localizado, a regra a ter incidência é a disposta no

inciso I. No inciso II incidirá quando o dano não for

localizado. E é assim porque o que a lei pretende é

facilitar o acesso à justiça àqueles que têm os seus

direitos afrontados.

Vamos admitir, por hipótese, que haja um incidente no

extremo Norte do País, por exemplo, em Roraima e no

Acre. Os reflexos se deram nesses dois estados. Os

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ofendidos vão ter que vir ao Distrito Federal para

propor uma ação civil pública? Os poderão propor lá?

Eles não precisam vir necessariamente aqui.

Por isso, data venia, quando o inciso II fala em foro

da capital do estado ou foro do Distrito Federal,

ele está equiparando o Distrito Federal a um ente

assemelhado a um estado. Por isso ele não

colocou uma expressão só. Parece até que

propositadamente o legislador colocou no foro da

capital do estado ou do Distrito Federal para os danos

de âmbito nacional ou regional.

Seria um erro muito grosseiro, data venia, se ele

colocasse essa expressão querendo dizer que o foro

nacional se reporta ao Distrito Federal, que veio em

segundo lugar, e o dano regional ao estado, que veio

em primeiro lugar. Até por interpretação literal pode-se

concluir, data venia, que quando o dano tiver reflexo

em mais de um estado, aplica-se o inciso II, e quando

o dano tem reflexo apenas em um estado, aplica-se o

inciso I”.1

Vale lembrar que, atualmente, tanto a 2ª Seção

quanto a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça consolidaram o

entendimento de que, “em se tratando de ação civil coletiva para o

combate de dano de âmbito nacional, a competência não é exclusiva

do foro do Distrito Federal”:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL COLETIVA.

CÓDIGO DO CONSUMIDOR, ART. 93, II.

A ação civil coletiva deve ser processada e

julgada no foro da capital do Estado ou no do

1 STJ - 2ª Seção – CC 28003/RJ – Rel. Min. Naves – j. 24.11.99 – DJU 11.03.02 e LEXSTJ 154/46 – m.v.

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Distrito Federal, se o dano tiver âmbito nacional

ou regional; votos vencidos no sentido de que, sendo

o dano de âmbito nacional, competente seria o foro do

Distrito Federal. Conflito conhecido para declarar

competente o Primeiro Tribunal de Alçada Civil do

Estado de São Paulo.”2

“Conflito de competência. Ação Civil Pública. Código de

Defesa do Consumidor.

1. Interpretando o artigo 93, inciso II, do Código de

Defesa do Consumidor, já se manifestou esta Corte no

sentido de que não há exclusividade do foro do

Distrito Federal para o julgamento de ação civil

pública de âmbito nacional. Isto porque o referido

artigo ao se referir à Capital do Estado e ao

Distrito Federal invoca competências territoriais

concorrentes, devendo ser analisada a questão

estando a Capital do Estado e o Distrito Federal

em planos iguais, sem conotação específica para

o Distrito Federal.

2. Conflito conhecido para declarar a competência do

Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São

Paulo para prosseguir no julgamento do feito.”3

“COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE

CONSUMIDORES. INTERPRETAÇÃO DO ART. 93, II, DO

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO DE

ÂMBITO NACIONAL.

Em se tratando de ação civil coletiva para o

combate de dano de âmbito nacional, a

2 STJ – 2ª Seção - CC 17532/DF – Rel. Ministro Ari Pargendler – j. 29.02.00 - DJU 05.02.01, p. 69.3 STJ – 2ª Seção - CC 17533/DF – Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito – j. 13.09.00 – DJU 30.10.2000 e JBCC 185/588.

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competência não é exclusiva do foro do Distrito

Federal. Competência do Juízo de Direito da Vara

Especializada na Defesa do Consumidor de Vitória/ES.”4

“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO

DE ÂMBITO NACIONAL – GENERAL MOTORS DO BRASIL

LTDA – COMPRA DE VEÍCULOS – TERMO DE GARANTIA

– CLÁUSULA CONTRATUAL - ANULAÇÃO –

COMPETÊNCIA - CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR, ART. 93, INC. II - FORO DA CAPITAL

DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – PRECEDENTE.

- Esta eg. Corte já se manifestou no sentido de que

não há exclusividade do foro do Distrito Federal

para o julgamento de ação civil pública de âmbito

nacional.

- Tratando-se de ação civil pública proposta com o

objetivo de ver reparado possível prejuízo de âmbito

nacional, a competência para o julgamento da lide deve

observar o disposto no art. 93, II do Código de Defesa

do Consumidor, que possibilita o ingresso no juízo

estadual da Capital ou no Juízo Federal do Distrito

Federal, competências territoriais concorrentes,

colocadas em planos iguais.

- Acolhida a preliminar de incompetência do foro

suscitado, resta prejudicada a questão referente à

deserção do recurso de apelação proclamada.

- Recurso especial conhecido e provido, determinando a

competência do Foro da Capital do Estado do Espírito

Santo para processar e julgar o feito.”5

4 STJ – 2ª Seção - CC 26842/DF – Rel. Ministro Waldemar Zveiter – Rel. p/ Acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha – j. 10.10.01 – DJU 05.08.02 e RSTJ vol. 160/217.5 STJ – 2ª Turma - REsp 218492/ES – Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins – j. 02.10.01 – DJU 18.02.02 e RT 799/192.

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Como se vê, nenhuma incompetência territorial há

na propositura de ação coletiva de efeitos nacionais na capital deste Estado,

uma vez que a correta interpretação do art. 93, inciso II, do Código de

Defesa do Consumidor fixa a competência concorrente entre os foros da

Capital do Estado e do Distrito Federal, para os danos que ultrapassem o

âmbito meramente local.

Não obstante, ainda que a advogada da UNIÃO

tivesse razão, a incompetência territorial tem natureza relativa e,

portanto, só pode ser argüida mediante exceção6, jamais como

matéria preliminar da contestação ofertada, pena de preclusão.

2. Interesse processual do Ministério Público Federal na obtenção

da tutela jurisdicional coletiva requerida.

Como já referido na petição inicial desta ação, o

interesse e legitimidade do Ministério Público Federal para a presente causa

decorrem do disposto no art. 5º da Lei Complementar Federal 75/93, cujo

inciso IV atribui à instituição o dever de "zelar pelo efetivo respeito dos

Poderes Públicos da UNIÃO aos princípios, garantias, condições, direitos,

deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à

comunicação social".

Ora, em matéria de radiodifusão, a realização do

direito fundamental à comunicação depende, primordialmente, da

organização do uso do espectro público de radiofreqüência pelo

Poder Concedente, de forma a garantir a complementariedade entre os

6 Como se depreende da leitura dos arts. 301, II, e 307 do Código de Processo Civil.

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sistemas público, comercial e estatal (art. 223 da CR), o cumprimento dos

princípios constitucionais arrolados no art. 221 e o acesso dos usuários do

serviço a múltiplas fontes de informação (inclusive comunitárias),

assegurando, desse modo, a realização de um dos valores fundantes do

regime democrático, qual seja, o pluralismo de idéias na pólis (art. 1º, V, da

CR).

Em termos mais técnicos, trata-se do que teoria

constitucional alemã chama de "garantia de organização"

(Einrichtungsgarantie) em seu duplo status, negativo (direito a que a

organização estatal não elimine a posição jurídica fundamental do

titular do direito) e positivo (direito a instituições que sustentem e

promovam o exercício dos direitos fundamentais).7

A natureza institucional do direito à comunicação

na radiodifusão foi apontada com especial clareza pelo Tribunal

Constitucional Federal alemão, no julgado BVerfGE 57, 295 (3.

Rundfunkentscheidung). Vale citar as razões da decisão, pois elas servem

perfeitamente como fundamento jurídico desta demanda:

"A formação pela radiodifusão da opinião pública e

individual livres exige inicialmente a liberdade de [do

medium] radiodifusão em face do domínio e influência

estatais. Assim, a liberdade de radiodifusão tem, como

os direitos de liberdade clássicos, um significa de

resistência [à intervenção do Estado]. Mas com isto

ainda não está garantido o que deve ser garantido. Pois

a simples liberdade em face do Estado ainda não

significa que a formação de opinião livre e ampla 7 Sobre direito à organização e teoria do status, cf. Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 461 e ss. e Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, pp. 74-76.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

pelo medium radiodifusão seja possível; esta

tarefa não tem como ser cumprida somente mediante

uma conformação negatória [de status negativus da

liberdade de radiodifusão]. Muito mais necessária é

uma ordem positiva que garanta que a

diversidade das opiniões existentes seja expressa

na radiodifusão da forma mais ampla e completa

possível, oferecendo-se, desse modo, informação

abrangente. Para se atingi-lo, são necessárias

regulamentações processuais, materiais e

organizacionais que sejam orientadas pela função

da liberdade de radiodifusão e por isso adequadas a

concretizar o que o Art. 5 I GG quer garantir.”8

Analisando as decisões em matéria de radiodifusão

proferidas pelo Tribunal Constitucional alemão, Robert Alexy enfatiza que o

dever de organização, no caso, é correlato do direito público

subjetivo de todos à livre e plural comunicação de idéias:

"Si se toma en serio la tesis según la cual los derechos

fundamentales son, en primer lugar, derechos

subjetivos, es inevitable una segunda tesis: si una

libertad individual está protegida iusfundamentalmente,

entonces la protección tiene, en principio, la forma de

un derecho subjetivo. Pero, esto no significa que, en

principio, al deber de organización del Estado

corresponden derechos de los individuos en la medida

en que al Estado le está ordenada la organización

porque así lo exige la protección de la libertad de cada

cual. Así, pues, en la medida en que una

organización de la radiodifusión pluralista e

8 A decisão está na coletânea Cinqüenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão (coletânea original de Jürgen Schwabe, organização, introdução e tradução de Leonardo Martins), Montevideo, Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005, pp. 475-483.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

independiente del Estado está exigida

iusfundamentalmente por la libertad de formación

de la opinión y de información del individuo, para

el Estado vale no sólo un deber objetivo; más bien

a este deber corresponde un derecho subjetivo

del individuo afectado.”9

Na verdade, os argumentos lançados pelas duas

Rés não dizem propriamente respeito à inexistência do direito, mas sim ao

suposto (e jamais tecnicamente demonstrado) risco que o

funcionamento de rádios comunitárias pode acarretar à segurança

das comunicações, sobretudo das comunicações aeronáuticas.

Voltaremos a tratar deste ponto controvertido (e crucial para a presente

demanda) mais adiante.

Por ora, convém explicitar que, ao editar a Lei

Federal 9.612/98, a UNIÃO se obrigou a estruturar uma organização apta a

atender e dar respostas céleres a todos os requerimentos de autorização de

funcionamento de radiodifusão comunitária; desde que, é claro, atendidas

as formalidades legais exigidas dos proponentes. Por outro lado, as

entidades postulantes são titulares, ao menos, de um direito público

subjetivo à organização de um serviço eficiente, capaz de analisar,

em prazo razoável, a possibilidade técnica da outorga pretendida.

É sintomático que nenhuma das Rés tenha

impugnado a afirmação de que o serviço federal de outorgas de

radiodifusão comunitária é, para dizer o mínimo, ineficiente.

9 Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 480.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Todavia, ao tempo em que reconhece o PÉSSIMO

funcionamento do serviço, a UNIÃO comodamente obsta o exercício do

direito fundamental à comunicação comunitária, sob o (falso) argumento de

que a concessão da tutela jurisdicional, nos exatos termos em que foi

requerida, importaria em risco à segurança das comunicações.

Como restará provado no curso desta ação,

nenhuma incompatibilidade há entre a tutela jurisdicional coletiva

buscada e a imprescindível preservação da segurança das

comunicações radioelétricas.

Desse modo, não há que se falar em “falta de

interesse de agir” do Ministério Público Federal.

3. Possibilidade jurídica do pedido ante a inexistência de ofensa à

separação de poderes.

Argumentam as Rés que os Autores desta ação

pretendem que “o Poder Judiciário sub-rogue-se ao papel de Poder

Concedente, quanto aos aspectos de ordem técnica, jurídica e política para

a outorga da permissão” (fls. 1987).

Nada mais falso.

O pedido desta ação está assim formulado:

“concessão de tutela antecipatória de efeitos nacionais para o fim de

ordenar à UNIÃO e à ANATEL que se abstenham de impedir o

funcionamento provisório dos serviços de radiodifusão comunitária

prestados pelas associações comunitárias e fundações instaladas no

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

território brasileiro que apresentaram a petição referida no art. 9º, caput,

da Lei 9.612/98 há mais de 18 meses. O funcionamento do serviço estará

garantido somente até a conclusão definitiva dos respectivos

processos administrativos, cabendo às entidades radiodifusoras

cumprir fielmente as normas de regência do serviço, especialmente

no que se refere à limitação da potência e ao disposto no art. 4º da

Lei 9.612/98.

A pretensão dos Autores está amparada em

reiteradas decisões do E. Superior Tribunal de Justiça, cuja 2ª Turma, aliás,

expressamente rejeitou o argumento das Rés ao asseverar que:

"Efetivamente, cabe ao Executivo, por disposição

constitucional, autorizar, conceder e fiscalizar o serviço

de radiodifusão, não podendo o Judiciário imiscuir-se na

esfera de um serviço eminentemente técnico e

complexo, como se vislumbra pelas exigências da lei à

obtenção de permissão.

Por outro ângulo, o funcionamento das rádios

comunitárias é de importância à sociedade,

especialmente às comunidades mais carentes,

devendo o Estado, pelo Poder Executivo, prestar

contas de um serviço que lhe está atribuído. Em

outras palavras, a competência exclusiva de um

órgão não lhe outorga o direito de fazer ou não

fazer, a seu bel prazer. Ao contrário, a competência

exclusiva impõe ao órgão o dever de prestar os

serviços que lhes estão afetos, ao tempo em que

outorga aos destinatários do serviço o direito de

exigi-lo, a tempo e modo. Daí deixar o legislador

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

assinalado em lei o prazo para o desenvolvimento da

atividade administrativa, quando chamada a examinar

o procedimento de outorga de uma rádio comunitária.

(...)

A autorização estatal é obrigatória, por força de

lei, mas não depende da vontade imperial do

agente condutor do órgão autorizante. Daí a

perplexidade quanto a omissão do poder

concedente, podendo o Judiciário ser chamado a

solucionar o engavetamento de pedidos.”10

No mesmo sentido manifestou-se a 1ª Turma

daquela E. Corte:

“A Lei 9.784/99 foi promulgada justamente para

introduzir no nosso ordenamento jurídico o instituto da

Mora Administrativa como forma de reprimir o arbítrio

administrativo, pois não obstante a

discricionariedade que reveste o ato da

autorização, não se pode conceber que o cidadão

fique sujeito a uma espera abusiva que não deve

ser tolerada e que está sujeita, sim, ao controle

do Judiciário a quem incumbe a preservação dos

direitos, posto que visa a efetiva observância da

lei em cada caso concreto.”11

Haveria ofensa ao princípio constitucional da

separação de poderes se os Autores postulassem ao Poder

10 STJ - REsp 549253/RS - rel. Min. Eliana Calmon - 2ª Turma - j. 11.11.03 - DJU 15.12.03 , p. 283 - v.u.11 STJ - REsp 531349/RS - rel. Min. José Delgado - 1ª Turma - j. 03.06.04 - DJU 09.08.04, p. 174.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Judiciário a OUTORGA de funcionamento de rádios comunitárias, em

substituição à manifestação do Poder Concedente. Não é isso, porém,

o que se pleiteia nesta ação.

O que se está buscando na presente demanda é

garantir o funcionamento PROVISÓRIO de rádios comunitárias cujas

associações mantenedoras aguardam, para além do prazo razoável, a

manifestação do Poder Concedente.

Para essas associações, a tutela jurisdicional

coletiva só vigoraria até o pronunciamento (favorável ou contrário)

do Poder Concedente.

E mais: o pedido deduzido nesta ação condiciona

o funcionamento das rádios ao cumprimento fiel das normas de

regência do serviço, especialmente no que se refere à limitação da

potência12 e ao disposto no art. 4º da Lei 9.612/98.13

12 O limite máximo de potência da antena, como preceitua o parágrafo primeiro do art. 1o da Lei 9.612/98, é de no máximo 25 watts, raio de 1 km de cobertura do sinal e altura do sistema irradiante não superior a trinta metros. Esse limite de potência , cumpre ressaltar, é ínfimo em comparação a emissoras transmissoras de freqüência modulada (FM) desta capital. A título exemplificativo, a RÁDIO ELDORADO LTDA., opera com potência a 25 mil watts e as RÁDIOS BANDEIRANTES e TRANSAMERICA FM, operam com potência máxima de 35 mil watts autorizados (fonte: Sistema de controle de radiodifusão (SRD) da ANATEL: www.anatel.gov.br. consulta em 23/04/07).13 Art 4º As emissoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária atenderão, em sua programação, aos seguintes princípios:I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas em benefício do desenvolvimento geral da comunidade;II - promoção das atividades artísticas e jornalísticas na comunidade e da integração dos membros da comunidade atendida;III - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, favorecendo a integração dos membros da comunidade atendida;IV - não discriminação de raça, religião, sexo, preferências sexuais, convicções político-ideológico-partidárias e condição social nas relações comunitárias.§ 1º É vedado o proselitismo de qualquer natureza na programação das emissoras de radiodifusão comunitária.§ 2º As programações opinativa e informativa observarão os princípios da pluralidade de opinião e de versão simultâneas em matérias polêmicas, divulgando, sempre, as diferentes interpretações relativas aos fatos noticiados.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Como sustentar, nessas circunstâncias, que há

ofensa ao princípio da separação de poderes?

4. Legitimidade ad causam da ANATEL .

Já asseveramos na petição inicial que a ANATEL foi

incluída no pólo passivo desta ação porque integra o processo

administrativo de outorga e fiscalização do serviço, consoante se depreende

da leitura do art. 10 do Regulamento do Serviço de Radiodifusão

Comunitária (Decreto Presidencial 2.615/98). In verbis:.

Art. 10. Compete à ANATEL:

I - designar, em nível nacional, para utilização do

RadCom, um único e específico canal na faixa de

freqüências do Serviço de Radiodifusão Sonora em

Freqüência Modulada;

II - designar canal alternativo nas regiões onde houver

impossibilidade técnica de uso do canal em nível

nacional;

III - certificar os equipamentos de transmissão

utilizados no RadCom;

IV - fiscalizar a execução do RadCom, em todo o

território nacional, no que disser respeito ao uso do

espectro radioelétrico.

§ 3º Qualquer cidadão da comunidade beneficiada terá direito a emitir opiniões sobre quaisquer assuntos abordados na programação da emissora, bem como manifestar idéias, propostas, sugestões, reclamações ou reivindicações, devendo observar apenas o momento adequado da programação para fazê-lo, mediante pedido encaminhado à Direção responsável pela Rádio Comunitária.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

No que se refere às competências indicadas nos

incisos I e II do citado Regulamento, afirma a Ré que “nenhuma omissão

pode ser imputada à ANATEL... uma vez que a Agência já fixou, há muito

tempo, o canal a ser utilizado pelas rádios comunitárias, em São Paulo” (fls.

1957).

Ocorre, Excelência, que esta ação tem âmbito

nacional, e é certo que a ANATEL ainda não designou canais de freqüência

em todos os Municípios brasileiros. Assim, ao contrário do que alega a Ré,

houve omissão no cumprimento dos deveres indicados nos incisos I e II do

art. 10 do Regulamento do Serviço de Radiodifusão Comunitária.

Ademais, uma vez que o pedido principal desta

ação (obrigação de não-fazer consistente em se abster de impedir o

funcionamento provisório dos serviços de radiodifusão comunitária, nas

condições especificadas na ação) afetará diretamente o exercício do poder

de polícia indicado nos incisos III e IV do mesmo artigo, a ANATEL deve

obrigatoriamente participar da relação jurídica processual pois, caso

contrário, não poderia sofrer os efeitos da tutela jurisdicional pleiteada.

A propósito, vale lembrar a lição de Arruda Alvim:

“... A legitimação para a causa (legitimatio ad causam)

constitui-se na própria titularidade subjetiva (ativa) do

direito de ação, no sentido de dever ser movida a ação

por aquele a quem a lei outorgue tal poder, figurando

como réu aquele a quem a mesma lei submeta aos

efeitos da sentença proferida no processo (legitimação

passiva para a causa.

Será, regra geral, parte legítima ativa aquela a quem a

lei atribua a titularidade do direito de ação; e, do ponto

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

de vista passivo, será aquela que, em regra, sendo

julgada procedente a ação, deverá ser afetada pela

eficácia de sentença a ela contrária, ou, se

improcedente, deverá ser ‘absolvida’ do pedido,

beneficiando-se igualmente, da eficácia da sentença,

que lhe será, então, favorável”14.

Pelas razões acima apresentadas, os Autores

postulam a rejeição das preliminares deduzidas pelas Rés, com o

conseqüente prosseguimento do feito até julgamento final do mérito.

14 Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, São Paulo Revista dos Tribunais, 1996, pp. 26-27.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

III. SOBRE O MÉRITO DESTA AÇÃO

1. “Rádio comunitária derruba avião”. O argumento ad terrorem

lançado pelas Rés.

A crise sem precedentes da aviação civil,

provocada pela notória e confessa incompetência da Administração Pública

Federal, produziu o ambiente propício para a disseminação do argumento

de que as emissões de radiodifusão comunitária prejudicam a segurança

das comunicações e, no limite, põem em risco a própria vida dos usuários

do serviço.

Afirmam as Rés:

“... o funcionamento clandestino de rádios

comunitárias – entenda-se clandestino quando

desprovido da respectiva outorga do Poder Público – ,

pode por em risco todas as transmissões em

serviços regulares de comunicação, de proteção

ao vôo, oferecendo sérios perigos a inúmeras

atividades públicas e privadas ligadas à

segurança de comunidades.

TANTO É VERDADE que, EM RECENTE NOTÍCIA

VEICULADA PELO JORNAL O GLOBO, de 30 de maio

de 2007, ATESTOU-SE QUE, INDUBITAVELMENTE,

A OPERAÇÃO CLANDESTINA DE RÁDIOS

COMUNITÁRIAS INTERFERE NA COMUNICAÇÃO NOS

AEROPORTOS DO PAÍS, pondo em risco a vida de

milhares de passageiros...” (fls. 1844)

19

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

“O uso adequado e eficiente do espectro de

radiofreqüências é salutar para garantir a segurança da

comunicação de aeronaves, aeroportos, ambulâncias,

hospitais, polícia, além de uma gama de serviços

públicos necessários ao bem estar da comunidade... O

uso não autorizado pode gerar interferências

prejudiciais e risco à vida humana. Por tudo isto é

que a ANATEL já realizou a interrupção de diversos

serviços, sejam ou não de rádios comunitárias, para

que o espectro não fosse utilizado de forma indevida.

A título exemplificativo, cumpre informar que a

INFRAERO, Empresa Brasileira de Infra-estrutura

Aeroportuária, constantemente encaminha para a

ANATEL notícias de interferências sofridas por

aeronaves, como se poderá ver dos relatos ora

juntados, impedindo a clara comunicação entre pilotos

e torre de controle. Veja-se, por exemplo, as

descrições ‘RÁDIO COMERCIAL não identificada,

forte ruído e ininteligível’, ‘RÁDIO COMERCIAL

não identificada, áudio com música estilo

sertanejo, porém sem identificação’, ‘RÁDIO

COMERCIAL não identificada, forte ruído

ininteligível, restringindo a clareza na

comunicação, comandante solicitou freqüência

secundária.’

Cite-se que mesmo as rádios comunitárias que

usam baixa potência para emissão de sinais,

podem, caso utilizem equipamentos não

certificados, emitir sinal acima da potência

permitida, afetando, sim, a navegação aérea, por

exemplo, ou quaisquer outros serviços não menos

importantes. TAIS FATOS TÊM SIDO AMPLAMENTE

20

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NOTICIADOS PELA IMPRENSA, CONFORME SE

OBSERVA DAS MATÉRIAS JORNALÍSTICAS

ANEXAS.” (fls. 1878)

“Irreparáveis, Excelência, serão os danos que poderão

advir do funcionamento do serviço sem prévia análise

técnica do órgão competente, ou sem que a ANATEL

possa aferir a potência dos equipamentos utilizados, o

que ameaça de forma flagrante a segurança das

comunicações brasileiras – que fazem uso do espectro

e que ultrapassa (sic), inclusive, as fronteiras

nacionais. Se uma rádio comunitária, ainda que de

baixa potência, utilizar um equipamento não

certificado pela ANATEL, emitindo uma potência

superior a permitida, graves danos podem ocorrer

de forma irreversível ao serviço que for ‘vítima’

de tal interferência.” (fls. 1883).

Como restará provado no curso desta ação, os

argumentos lançados pelas duas Rés são falsos e buscam,

propositadamente, induzir este juízo em erro, ao atribuir às rádios

comunitárias toda a responsabilidade por interferências nos

sistemas de comunicação de radiofreqüência, notadamente a

comunicação aérea.

Antes de apresentar as informações de ordem

técnica que afastam as alegações apresentadas pelas Rés, desejam os

Autores demonstrar a tibieza dos argumentos formulados nas

contestações.

21

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Com efeito, a “verdade” do fato impeditivo

lançado pelas Rés está amparada somente em notícias de jornal,

desprovidas de qualquer fundamentação técnica. Para as Rés, é

“indubitável” que rádios clandestinas interferem na comunicação de

aeronaves, pois assim está dito nas reportagens publicadas na imprensa.

Salta aos olhos, também, que os documentos de

fls. 1913-1916, juntados pela ANATEL com o escopo de demonstrar a

tese da interferência das rádios ditas comunitárias no sistema de

navegação aérea, NÃO dizem respeito a rádios comunitárias

(autorizadas ou não), mas sim a interferências causadas por

RÁDIOS COMERCIAIS!!!

Em outras palavras: muito embora aleguem que

as rádios comunitárias não autorizadas (“rádios clandestinas”) são

responsáveis por prejudicar os sistemas de comunicação e colocar a vida de

passageiros do transporte aéreo em risco, AS RÉS NÃO JUNTARAM

SEQUER UMA PROVA APTA a demonstrar, tecnicamente, a grave

afirmação formulada. Em vez disso, lançam mão do batido

argumento ad terrorem, apelando ao medo coletivo de um acidente

aéreo para fazer valer sua tese, no lugar de apresentar as razões de

ordem técnica que permitiriam concluir que a tutela jurisdicional, na

forma como foi requerida, colocaria de fato o sistema de navegação

aérea em risco.

O erro do raciocínio das Rés está na conveniente

confusão entre a situação jurídica da emissora de radiodifusão (rádio

“autorizada” e “não-autorizada/clandestina”) e a capacidade da emissora

de provocar interferências em outros sistemas de comunicação. A

confusão consiste em atribuir somente às emissoras não-

22

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

autorizadas/clandestinas a capacidade de interferir em sistemas de

comunicação.

Ocorre, Excelência, que consoante atestam os

pareceres e documentos ora anexados, NÃO HÁ RELAÇÃO ALGUMA

ENTRE A SITUAÇÃO JURÍDICA DA EMISSORA E A APTIDÃO DA

MESMA PARA INTERFERIR EM SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO. Com

efeito, há dezenas de casos de emissoras comerciais autorizadas

que, por defeito em seus equipamentos, provocam interferências

indesejadas em sistemas de comunicação. Tal fato, todavia, é

convenientemente omitido tanto pelas Rés quanto pelo poderosíssimo lobby

organizado em torno da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e

Televisão – ABERT.

O próprio Gerente Regional da ANATEL em São

Paulo, porém, respondendo à indagação específica formulada pelo Ministério

Público Federal reconheceu que:

“Embora menos comum, TAIS INTERFERÊNCIAS

TAMBÉM PODEM SER ORIUNDAS DE EMISSORAS

REGULARMENTE INSTALADAS. Tal fato se deve

principalmente a PROBLEMAS TÉCNICOS

MOMENTÂNEOS EM SEUS EQUIPAMENTOS OU

MESMO POR PRODUTOS DE INTERMODULAÇÃO

provocados conjuntamente com outras emissoras não-

outorgadas. Nestas ocorrências, tais emissoras são

notificadas para imediatamente sanarem o problema,

sob pena de interrupção. Tal procedimento

demonstrou-se eficaz para estas ocorrências, sendo

que POSSUÍMOS REGISTROS DE PROBLEMAS

CAUSADOS PELAS SEGUINTES EMISSORAS

23

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

OUTORGADAS: Rádio Difusora Taubaté Ltda.,

Fundação Logos Edições Jornalismo e

Radiodifusão, Rádio Transcontinental Ltda, S/C

Mais Comunicação Ltda., Rede Central de

Comunicação Ltda., Rede Autonomista de

Radiodifusão Ltda., Rádio Transamérica de São

Paulo Ltda., Fundação Cásper Líbero, Fundação

Brasil 2000, Rádio Musical de São Paulo Ltda.,

Antena Um Radiodifusão Ltda., Rede Central de

Comunicação Ltda., Rádio Regional Comunicação,

Rádio Pontal FM Ltda., O Diário Rádio e Televisão

Ltda., Universidade de São Paulo, Rádio

Piratininga de São José de São José dos Campos

Ltda.”

Pedimos vênia para transcrever abaixo trechos de

notificações formuladas pela Aeronáutica, atestando que até mesmo a

REDE GLOBO, através de uma de suas repetidoras locais, foi

responsável por provocar interferência no sistema de navegação

aérea. As notificações estão sendo anexadas aos autos com a presente

manifestação.

“Informamos sobre interferência na freqüência 127,0

MHZ do Controle de Tráfego Aéreo (ACC) do CINDACTA

1.

1) Ocorre num raio de 100 km, tendo como centro a

cidade de Bom Despacho – MG;

2) Verificações feitas pelo departamento técnico do

CINDACTA 1, constatou-se que o máximo de sinal

interferente ocorre em 19º 33’ 53’’ S e 45º 17’ 07’’ W;

3) Informações das Aeronaves, FOI POSSÍVEL

DETECTAR O SINAL INTERFERENTE COM A

24

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PROGRAMAÇÃO DA REDE GLOBO. TALVEZ ALGUM

REPETIDOR REGIONAL.

Solicito à ANATEL uma ação urgente no sentido de

solucionar o problema.”

“Informo a V. Sa. que está havendo interferência da

RÁDIO COMERCIAL RD 90 FM... nas freqüências

de operação deste Destacamento.

Solicito fazer o rastreamento das freqüências acima a

fim de proteger o Controle de Tráfego Aéreo do

Aeroporto de São José dos Campos – SP, bem como a

devida intervenção junto a referida rádio, para que seja

solucionado o problema.”

“Informo a V.Sa. que está havendo interferência de

Rádio Comercial nas freqüências de operação deste

destacamento. Constatou-se que a RÁDIO

COMERCIAL LOGUS FM... está interferindo na

freqüência 121,9 MHz e que a RÁDIO COMERCIAL

PIRATININGA está interferindo na freqüência

119,25 MHz.

(...)

Informo que as Rádios em questão, por outras

vezes, já causaram interferência nas freqüências

de Tráfego Aéreo deste Aeródromo.”

“Thomaz, boa tarde.

Segue abaixo, para as suas providências, o resultado

da radiomonitoragem executada pela equipe do GEIV

(Grupo Especial de Inspeção de Vôo), referente às

interferências ocorridas nas freqüências

aeronáuticas dos aeroportos de Guarulhos e de

25

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Congonhas, realizadas nas datas e estações

abaixo descritas:

17.OUT.05

19:00 Freqüência afetada: 111,1 Mhz

Freqüência que a afetou: 88,1 Mhz, azimute 249º

(GRU)

RÁDIO GAZETA FM

18.OUT.05

09:45 Freqüência afetada: 111,1 Mhz

Freqüência que a afetou: 100,1 Mhz, azimute 340º

(Congonhas)

RÁDIO TRANSAMÉRICA

10:20 Freqüência afetada: 111,1 Mhz

Freqüência que a afetou: 104,1 Mhz, azimute 356º

(GRU)

RÁDIO TUPI

10:45 Freqüência afetada: 119,8 Mhz

Freqüência que a afetou: 96,1 Mhz, azimute 008º

(Congonhas)

RÁDIO BAND FM

(...)

19.OUT.05

110,1 Mhz: Interferência da RÁDIO 89 FM. A partir

das 9:20, a interferência alcançou altos níveis

(Congonhas).

119,6 Mhz: Interferência da RÁDIO BAND FM, que

utiliza a freqüência 96,1 Mhz (Congonhas).

26

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121,5 Mhz: Interferência da RÁDIO NOVA BRASIL

FM, que utiliza a freqüência 89,7 Mhz (Congonhas).

Como se vê, Excelência, É COMPLETAMENTE

FALSO ATRIBUIR ÀS RÁDIOS NÃO-OUTORGADAS A

RESPONSABILIDADE ÚNICA POR INTERFERÊNCIAS SOFRIDAS PELO

SISTEMA DE COMUNICAÇÃO AERONÁUTICA. Grandes emissoras

comerciais – como GAZETA FM, BAND FM, NOVA BRASIL FM e 89 FM –

igualmente causaram interferências no sistema de navegação aérea,

consoante atestam os documentos apresentados ao Ministério Público

Federal pela própria Ré ANATEL, ora juntados à ação.

É evidente que rádios não-outorgadas também

têm a capacidade de causar interferências. O que negamos é a

associação espúria entre a situação jurídica da emissora

(outorgada/não-outorgada) e a capacidade de provocar

interferências no sistema de comunicação aéreo, como se apenas as

rádios não-outorgadas pudessem causar prejuízos à comunicação

das aeronaves com os órgãos de controle de tráfego.

A fim de dissipar qualquer dúvida a respeito do

ponto controverso, solicitamos o parecer técnico do recém criado

Instituto Observatório Social de Telecomunicações (IOST),

organização não governamental, sem fins lucrativos e sem vinculação

político partidária, que tem por objetivo geral observar, estudar e divulgar a

situação do Brasil em relação aos direitos dos usuários de

telecomunicações, bem como suas tendências tecnológicas e cenários atuais

e futuros.

27

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Transcrevemos, abaixo, os principais trechos do

parecer:

1. O tema “radiointerferências nas faixas aeronáuticas”

tem-se mostrado altamente polêmico, seja pelos

aspectos políticos e econômicos envolvidos, seja

pelos riscos que impõem à delicada atividade de

navegação aeronáutica.

2. Entretanto, a despeito de sua importância, são

poucos os estudos existentes sobre o tema. De

uma forma geral, constata-se grandes lacunas

de informação. Os casos noticiados pela mídia

são pontuais e, em que pese a gravidade da

questão, a falta de informações completas

dificulta a formação de uma avaliação serena e

equilibrada. Um tratamento mais confiável

deveria partir de um levantamento mais

abrangente de dados, contendo séries

históricas completas e, à medida do possível,

uma descrição pormenorizada de cada evento,

para que os mesmos possam ser analisados

com a máxima isenção possível.

3. Exemplos de lacunas de informação são os registros

incompletos, sem a indicação da data da ocorrência,

ou localização da aeronave, ou ainda, em alguns

casos extremos, a falta de indicação da freqüência

interferida.

(...)

... a ocorrência de interferências nessas faixas é uma

questão assaz grave para ser tratada de forma leviana.

28

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Assim, deve-se buscar identificar as várias causas

que podem levar à formação dessas

interferências, de forma equilibrada e serena,

para que possam ser obtidas soluções

duradouras.

O texto a seguir busca, a partir dos dados constantes

nos documentos encaminhados pelo Ministério Público

Federal a esta organização, tentar identificar essas

causas. Para completar a compreensão, foram

buscadas informações complementares em outras

fontes, especialmente as disponíveis na Internet.

Os diversos episódios constantes dos referidos

documentos, complementadas pelas informações de

outras fontes, levam à conclusão da existência de

interferências nas faixas de radionavegação e

radiocomunicação aeronáuticas de diversas

origens, as quais poderiam ser, a grosso modo,

agrupadas nas seguintes categorias:

i. interferências intencionais;

ii. interferências (não-intencionais) provocadas

por sistemas de radiodifusão;

iii. interferências (não-intencionais) provocadas

por outros serviços e aparelhos de

telecomunicações;

iv. interferências (não-intencionais) provocadas

por outras fontes.

(...)

1. As pessoas que não são da área, e mesmo muitos

dos engenheiros, desconhecem as razões pelas

29

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

quais as interferências ocorrem. Em linhas gerais,

as interferências eletromagnéticas – que nada

mais são que sinais eletromagnéticos

presentes aonde eles não são desejados –

ocorrem por um ou pela soma dos seguintes

fatores:

i. formação de um sinal diferente do desejado, na

origem;

ii. captação de sinais diferentes dos desejados, no

destino;

iii. conversão não prevista de um sinal com

características inicialmente desejadas em outro, com

características não desejadas; e finalmente

iv. os diferentes materiais oferecem um maior ou

menor grau de isolamento (blindagem) contra a

passagem de ondas eletromagnéticas mas,

rigorosamente falando, não existe material com a

característica de isolante absoluto.

Essas diversas questões são geralmente tratadas, na

engenharia elétrica, no capítulo denominado

“compatibilidade eletromagnética”. Para o escopo do

presente estudo, os dois primeiros fatores são os que

apresentam maior interesse.

A figura 1 a seguir ilustra a localização dos sinais de FM

e a faixa aeronáutica no espectro. A faixa de FM,

originalmente, vai de 88 a 108 MHz. Após a edição

da Lei nº 9.612/98, de Radiodifusão Comunitária, a

Anatel buscou ampliar essa faixa visando acomodar as

novas emissoras, estendendo a parte inferior da faixa

até 87,4 MHz (canal 198). Já as faixas reservadas à

aviação ocupam de 108 a 118 MHz com o serviço

de radionavegação (“ILS localizer”) e a porção de

30

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

118 a 137 MHz com o serviço de

radiocomunicação entre a torre de controle e as

aeronaves.

87,4 108 118 137 MHz

FM ILS COM

I II IIIB

No mundo ideal, os sinais de rádio FM, gerados dentro

da faixa de 87,4 a 108 MHz, deveriam ficar confinados

a essa região do espectro, pois todos os receptores de

FM estão projetados para receberem os sinais nessa

faixa de freqüência (ou, pelo menos, de 88 a 108 MHz).

Esse é o caso indicado como “I” na figura 1.

O sistema de radionavegação, na parte relativa aos

sinais de auxílio ao pouso da aeronave (Instrument

Landing System, ILS) é composto por dois grupos de

sinais. O primeiro possibilita o alinhamento horizontal

da aeronave com a pista (“localizer”), compreendendo

um par de sinais que operam em uma dada freqüência

na faixa de 108 a 118 MHz; e o segundo possibilita o

alinhamento vertical da aeronave com a “linha virtual

31

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

de descida” (“glide path”), sendo composto por um par

de sinais na faixa de 328 a 335 MHz. Cada aeroporto

possui equipamentos que transmitem um par de

freqüências características de “localizer” e “glide path”.

O receptor ILS das aeronaves, por sua vez, está

teoricamente programado para interpretar somente

esses sinais. Essa situação está indicada como “II” na

figura 1.

Já os rádios de comunicação aeronáutica (“COM”), por

sua vez, estão projetados para transmitirem e

receberem sinais na faixa de 118 a 137 MHz, indicado

como “III” na figura 1.

As radiointerferências, seja na faixa de ILS, seja

na COM, podem ocorrer por sinais gerados dentro

dessas freqüências e, nesse caso, são

classificadas pela recomendação ITU-R IS.1009

como “interferência de tipo A”. Ou podem ocorrer

por sinais gerados em outras freqüências, sendo

nesse caso classificadas como “interferências de

tipo B”.

As questões que se apresentam aqui, são: (1) como e

porquê ocorrem interferências de tipo A; e (2) como e

porquê, no caso da interferência de tipo B, um sinal

gerado em outro ponto do espectro acaba atingindo as

faixas aeronáuticas.

(...)

32

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

4. Interferências Provocadas por Sistemas de

Radiodifusão

Grande parte das queixas dos pilotos acerca de

interferências sofridas nos sistemas de radionavegação

e radiocomunicação, segundo os dados constantes do

PA 1.34.001.001444/2005-31 e supondo que não tenha

ocorrido uma pré-filtragem das amostras, refere-se a

interferências provocadas por emissoras de

radiodifusão.

As emissoras de radiodifusão na faixa de FM,

sejam elas comerciais, comunitárias ou outras,

estejam legalizadas ou não, transmitem na faixa

de 88 (ou 87,4) a 108 MHz. Não é intuito delas

irradiarem sinais nas faixas de radionavegação e

radiocomunicação aeronáuticas, pois não é ali

que residem seus ouvintes. Portanto, o sinal

dessas rádios somente vai desaguar nas faixas

aeronáuticas por obra do acaso, por uma das

seguintes razões:

i. problemas no sistema de transmissão

(equipamento, instalações) da emissora, de modo

a gerar sinais espúrios nas faixas aeronáuticas;

e/ou

ii. formação de produtos de intermodulação no

receptor, devido à presença de dois ou mais sinais

cujo resultado esteja dentro da faixa de operação

do receptor; ou

iii. interferência decorrente da incapacidade do

estágio de entrada do receptor em rejeitar sinais

33

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

de intensidade elevada de freqüências próximas

porém fora de sua faixa de operação.

Analisando-se os dados constantes do PA

1.34.001.001444/2005-31, PARECE SER OPORTUNO

PROMOVER UMA TAXONOMIA DAS EMISSORAS

QUE TRANSMITEM NA FAIXA DE 88 A 108 MHZ

(FM). A SIMPLES DIVISÃO EM EMISSORAS

“LEGAIS” E “ILEGAIS” (OU “PIRATAS”) NÃO É

SUFICIENTE, POIS O PROBLEMA DE

INTERFERÊNCIAS ELETROMAGNÉTICAS É UM

PROBLEMA TÉCNICO, QUE NÃO TOMA

CONHECIMENTO DO LADO JURÍDICO DA

QUESTÃO. ALÉM DISSO, SEGUNDO O SITE DA

ANATEL, SISTEMA INTERATIVO SRD, MUITAS

DAQUELAS QUE OPERAM EM CARÁTER

COMERCIAL, COM POTÊNCIAS ELEVADAS, SÃO

EMISSORAS NÃO AUTORIZADAS.

Assim, do ponto de vista técnico, parece ser mais

adequado classificar as emissoras em quatro

grupos, com critério misto de potência e natureza

da emissora, embora tal classificação também

tenha suas limitações. Os grupos seriam:

a. as emissoras comerciais e educativas, que

operam geralmente com potência superior a 1

kW (classes Especial, A, B e eventualmente C);

b. emissoras de média potência, tipicamente de

100 a 1 kW (em torno da classe C);

c. emissoras de baixa potência, comunitárias,

com 25 W;

d. outros serviços de radiodifusão, que não as da

faixa de FM.

34

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

A seguir serão abordados os casos de interferência de

cada um desses grupos.

4.1. Emissoras comerciais e educativas na faixa

FM

O PA 1.34.001.001444/2005-31 relata vários casos

envolvendo emissoras comerciais, os quais podem ser

divididos em dois grupos. O primeiro grupo envolve os

casos em que a emissora comercial (ou educativa)

estava, por alguma razão, gerando sinais espúrios ou

harmônicos, provocando interferências no serviço

aeronáutico ou em outros serviços de

telecomunicações. O segundo grupo é composto por

ocorrências em que, ao se aferir o sistema de

transmissão, nada foi constatado.

4.1.1. Exemplos de interferências provocadas por

emissoras comerciais

Alguns exemplos do primeiro grupo são relatados a

seguir.

Caso 4 ( PA 1.34.001.001444/2005-31 fl 466) .

Conforme informações do Ministério das Comunicações,

Delegacia no Estado de Minas Gerais, a Rota de

Fiscalização levada a cabo em maio de 1997 identificou

um problema de emissão de espúrios na Rádio Três

Marias (MG).

Instada a solucionar o problema, assim relata a referida

rádio, no dia 22/05/1997:

“De: Rádio Três Marias FM (etc.)

35

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Para: Dentel – Departamento Nacional de

Telecomunicações (etc.)

A Rádio Três Marias FM, permissionária do serviço de

radiodifusão sonora em freqüência modulada nesta

cidade, vem apresentar a V.Sa. as providências que

foram tomadas com relação às interferências

detectadas desta emissora nos sistemas de

comunicação de aeronaves. O Transmissor Plante 1 kW,

(...) 104,7 MHz, teve sua válvula de saída substituída

pelo Eng. Jorge Luiz Xavier, que ao tentar sintonizar o

mesmo com válvula antiga, estava gerando espúrios

em todo o espectro de FM e adjacências. Foi

verificado por meio de um Scanner Receiver Kenwood

RZ1 e não se detectou mais nenhum sinal espúrio

(...).” (Grifo nosso).

Caso 5 ( PA 1.34.001.001444/2005-31 fl. 467) .

Conforme informações do Ministério das Comunicações,

Delegacia no Estado de Minas Gerais, a Rota de

Fiscalização levada a cabo em maio de 1997 identificou

um problema de intermodulação de serviço de

radiodifusão FM (99,7 MHz) com um serviço de

retransmissão de televisão. Instada a resolver o

problema, assim relata a referida rádio, no dia

28/05/1997:

“Prezado Senhor,

Em virtude de recentes medidas de campo feitas em

nossa cidade nas proximidades de nossos

transmissores pelo Sr. José Eduardo, foi detectado um

batimento em 127 MHz.

(...) nosso equipamento está de volta à normalidade,

após substituirmos o Gerador de Stereo, identificado

como o causador do batimento de freqüência.”

36

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Caso 6 ( PA 1.34.001.001444/2005-31 Anatel,

2003). A Anatel relata a ocorrência, em 02/04/2003,

de intermodulação devido aos sinais da Rádio Cidade de

Itu (SP) operando na freqüência de 104,7 MHz e o

Sistema Regional de Radiodifusão, de Votorantin (SP)

operando em 91,1 MHz. A conjunção de ambos

estava provocando um sinal interferente em

118,25 MHz. Após análise, foi constatado como

origem um problema de filtragem da primeira emissora.

Caso 7 ( PA 1.34.001.001444/2005-31 fls 2328-

2330). Em 05/04/2005 o DECEA de São José dos

Campos relata queixa de interferência provocada pela

Rádio Difusora de Taubaté. Notificada pela Anatel, a

emissora alegou que seus equipamentos encontravam-

se em ordem, mas poderia estar havendo

intermodulação com sinais de outra emissora cuja

antena encontrava-se co-localizada no mesmo prédio.

Caso 8 ( PA 1.34.001.001444/2005-31 fls 2334-

2335). O GEIV (Grupo Especial de Inspeção de Vôo)

relata vários casos de interferências na faixa de

radionavegação (ILS), devido a emissoras comerciais,

como a Rádio Gazeta (dia 17/10/2005, 19:00), Rádio

Transamérica (dia 18/10/2005, 9:45) e Rádio Band FM

(18/10/2005 10:45).

Notificada pela Anatel, alega a Rádio Transamérica (PA

1.34.001.001444/2005-31, fls 2336-2345) que seus

equipamentos encontram-se em ordem, mas aventa a

hipótese de estar havendo batimento com a rádio (não

autorizada) 89,1 MHz, conforme os cálculos:

F1 = 100,1 MHz (Rádio Transamérica)

37

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

F2 = 89,1 MHz (rádio 89)

batimento 2xF1 – F2 = 111,1 MHz – freqüência do ILS

interferido.

Entretanto, ainda que a hipótese aventada pela Rádio

Transamérica pareça fazer sentido, resta indagar por

quê o sinal 2xF1 (segunda harmônica dessa emissora)

estaria presente no ar com uma potência significativa.

Nos termos do Regulamento Técnico para Emissoras de

Radiodifusão Sonora em Freqüência Modulada (1998)

da Anatel, esse sinal deveria ter uma potência máxima

de -31,2 dB, ou 76 miliwatts, para a referida emissora

– portanto, em um nível que seria insignificante para

provocar o batimento com o sinal da 89 FM.

Caso 9 ( PA 1.34.001.001444/2005-31 fls. 2471-

2474). Por instância da INFRAERO de Ribeirão Preto, a

Anatel notificou a Rádio USP FM de Ribeirão Preto por

supostas interferências na freqüência de 118 MHz, em

26/03/2007. A referida emissora, após checagem em

conjunto com o fabricante do equipamento, constatou

não haver emissão de espúrios, porém uma

sobremodulação de 130%. Aparentemente, após a

correção do mesmo, não foram mais verificadas as

referidas interferências.

Os exemplos citados ilustram casos de

interferência provocados por emissoras

comerciais. Como pode ser observado pelos

exemplos, elas podem ocorrer tanto por emissão

de espúrio diretamente na freqüência afetada

(casos 4 e 9), quanto por batimento com sinais de

outras emissoras (casos 5 a 8). Nos casos

citados, as interferências surgiram devido a

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problemas técnicos nos equipamentos

transmissores dessas emissoras.

(...)

4.2. Interferências provocadas por emissoras de

média potência

Conforme descrito no parágrafo 31, denominamos,

para o propósito exclusivo deste documento,

“emissoras de média potência” como aquelas que

atuam com potências superiores a 25 watts,

tipicamente na faixa de 100 a 1.000 watts, e atuam de

forma irregular perante a Anatel.

A maior parte das ocorrências de interferência parece

recair neste caso. Entretanto, uma análise das séries

históricas indica alguns outros denominadores comuns,

que merecem atenção:

a. umas poucas emissoras são responsáveis por

um grande número de incidentes;

b. essas emissoras transmitem, em ocasiões diversas,

empregando diferentes nomes fantasia. Por

exemplo, as rádios MP Gospel, FM 101.5, Rádio

Station, Rádio Trans São Paulo e Virtual FM, com

episódios registrados de março a junho de 2007,

parecem referir-se, pelos telefones divulgados e

pela alternância de datas de ocorrência, à mesma

emissora;

c. volta e meia são fornecidos números de telefone.

Entretanto, ao discar-se para esses números, por

vezes o número é dado pela operadora como

inexistente, ou a ligação é atendida por pessoa

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aparentemente em domicílio (vozes e sons de

ambiente domiciliar), sem qualquer vínculo com a

emissora.

Os dados levantados indicam, no mais das vezes, a

geração de sinais espúrios por parte dessas emissoras,

interferindo diretamente nas faixas aeronáuticas.

Existem dois possíveis fatores que contribuem

para a formação desses sinais espúrios:

a. emprego de equipamentos com características

técnicas inadequadas; e/ou

b. instalação mal feita, com problemas como o de

descasamento de impedâncias.

A TESE MAIS DIFUNDIDA PELA AGÊNCIA

REGULADORA E EMISSORAS COMERCIAIS É A DA

NECESSIDADE DO EMPREGO DE EQUIPAMENTOS

HOMOLOGADOS, PARA SE EVITAR O PROBLEMA

“A”. APESAR DESSA FRASE SER CORRETA NO

MAIS DAS VEZES, SUA VALIDADE NÃO É

ABSOLUTA. AQUELES DIVERSOS INCIDENTES

RELATADOS NA SEÇÃO 4.1 OCORRERAM, TODOS,

COM EQUIPAMENTOS HOMOLOGADOS. Os

problemas, naqueles casos cuja causa foi

identificada, foram devidos a um mal

funcionamento ou regulagem do equipamento

(homologado). Assim, no caso das emissoras de

potência média, os equipamentos, ainda que

homologados, poderiam também causar

problemas se incorrerem no caso “b”, de

instalações mal feitas.

Cabe reparar também que, ao contrário do observado

nas emissoras comerciais, é rara a ocorrência de

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interferências por intermodulação, sendo o mais

freqüente a incidência direta de sinais espúrios. Uma

possível explicação para esse fenômeno é que os

produtos de intermodulação ocorrem no receptor da

aeronave e, além da freqüência, importa o elevado

nível da potência incidente. Assim, quanto maior a

potência irradiada pela emissora, maior é o risco

de geração de produtos de intermodulação no

receptor aviônico. Ou, simetricamente, quanto menor

um, menor o outro.

4.3. Interferências provocadas por emissoras

comunitárias

A despeito da existência de uma miríade de emissoras

comunitárias, operando com potências de até 25 watts,

O PA 1.34.001.001444/2005-31 NÃO REGISTRA

UM ÚNICO CASO DE INCIDENTE ENVOLVENDO

TAIS EMISSORAS. Ocorrências existem nas quais é

citada uma “rádio comunitária tal”, mas sem a

indicação de sua potência.

DAS CENTENAS DE INCIDENTES DE

RADIOINTERFERÊNCIA REGISTRADOS, E DA

DEZENA E POUCA DE EMISSORAS IDENTIFICADAS

E AUTUADAS PELA ANATEL E POLÍCIA FEDERAL,

EM TODOS OS CASOS A POTÊNCIA OPERADA ERA

SUPERIOR AO EMPREGADO PELAS RÁDIOS

COMUNITÁRIAS, DE 25 WATTS. A menor potência

observada, nas rádios autuadas, foi de 41 watts, da

Rádio Peniel FM, localizada no município de Guarujá,

SP. Todas as demais operavam acima de 100 watts.

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4.4. Interferências provocadas por outros

serviços de radiodifusão.

Um problema que ocorre com certa incidência é a

interferência provocada por emissoras (geradoras ou

retransmissoras) do serviço de televisão. E, em menor

grau, por emissoras de radiodifusão comerciais

operando na faixa de AM, conforme ilustrados pelos

seguintes casos.

Caso 14 (PA 1.34.001.001444/2005-31 fl. 457,

Anatel, 2003). Em 06/02/2002, o Controle de Tráfego

Aéreo (ACC) do Cindacta-I comunica à Anatel a

ocorrência de interferência na freqüência de 127,0 MHz,

na posição 19º33'53”S – 45º17'07”W. O conteúdo do

sinal interferente foi identificado como programação da

Rede Globo.

Caso 15 (PA 1.34.001.001444/2005-31 fl 464).

Em maio de 1997, a Delegacia no Estado de Minas

Gerais do Ministério das Comunicações efetuou Rota de

Fiscalização, tendo notificado três estações

retransmissoras de televisão na cidade de Morada Nova

de Minas, por estarem irradiando sinais espúrios fora

de faixa.

Caso 16 (PA 1.34.001.001444/2005-31 fl 456).

Em 07/01/2003, o CINDACTA-I de Brasília comunicou a

ocorrência de interferências em todas as freqüências da

estação VHF de Jataí-GO. Segundo o CINDACTA, a

fonte interferente foi identificada como sendo a Rádio

Difusora AM 680 kHz de Jataí. O caso não pode ser

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resolvido administrativamente pelo CINDACTA, que

então solicitou apoio à Anatel.

7. Conclusão

Do conjunto de informações levantadas e analisadas,

depreende-se que são muitas as possíveis causas de

interferências que incidem sobre as faixas de

radionavegação e radiocomunicação aeronáuticas.

NO CASO DAS INTERFERÊNCIAS PROVOCADAS

POR ENTIDADES DE RADIODIFUSÃO, OS

PROBLEMAS INDEPENDEM DO CARÁTER LEGAL OU

NÃO DESSAS ENTIDADES, ATÉ PORQUE SÃO

MUITAS AS EMISSORAS COMERCIAIS QUE NÃO

POSSUEM A DEVIDA OUTORGA DOS PODERES

COMPETENTES. ANTES, O PROBLEMA DE

RADIOINTERFERÊNCIA, QUE POSSUI UM

CARÁTER EMINENTEMENTE TÉCNICO, ADVÉM DE

ORIGENS TÉCNICAS: EQUIPAMENTOS MAL

AJUSTADOS E INSTALAÇÕES MAL FEITAS. A

HOMOLOGAÇÃO DO EQUIPAMENTO, POR PARTE

DA ANATEL, FORNECE UMA CERTA RETAGUARDA,

PORÉM NÃO É UMA GARANTIA ABSOLUTA

CONTRA A GERAÇÃO DESSAS INTERFERÊNCIAS.

OUTRO ASPECTO IMPACTANTE É A POTÊNCIA DOS

SINAIS IRRADIADOS: QUANTO MAIOR, MAIOR É

A PROBABILIDADE DE OCORRÊNCIA DE

PRODUTOS DE INTERMODULAÇÃO.”

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Como se vê, Excelência, nada mais injusto e

equivocado do que acusar os Autores desta ação de “violar o mais

importante dos direitos fundamentais do cidadão, que é o direito à vida”

(fls. 1981). Como demonstram à saciedade os documentos e o parecer ora

anexado a estes autos, DAS CENTENAS DE INCIDENTES DE

INTERFERÊNCIA REPORTADOS PELOS ÓRGÃOS DE CONTROLE

AÉREO, NENHUM ENVOLVIA RÁDIOS COM POTÊNCIA INFERIOR A 25

WATTS, LIMITE ESTABELECIDO PELA LEI 9.612/98.

Vale lembrar que, diversamente do que

maliciosamente alegam as Rés, não estão os Autores postulando o

“funcionamento das rádios comunitárias no país, com isenção do

cumprimento das exigências legais pertinentes” (fls. 1978). O pedido da

ação coletiva não poderia ser mais claro a respeito da verdadeira pretensão

dos Autores: “a concessão de tutela antecipatória de efeitos nacionais para

o fim de ordenar à UNIÃO e à ANATEL que se abstenham de impedir o

funcionamento provisório dos serviços de radiodifusão comunitária

prestados pelas associações comunitárias e fundações instaladas no

território brasileiro que apresentaram a petição referida no art. 9º, caput,

da Lei 9.612/98 há mais de 18 meses. O funcionamento do serviço

estará garantido somente até a conclusão definitiva dos respectivos

processos administrativos, cabendo às entidades radiodifusoras

cumprir fielmente as normas de regência do serviço , especialmente

no que se refere à limitação da potência e ao disposto no art. 4º da

Lei 9.612/98”.

No mais, tratando-se de fato impeditivo do direito

coletivo tutelado pelos Autores desta ação, é ônus15 das Rés provar, com

15 Código de Processo Civil, art. 333, inciso II.

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argumentos de ordem técnica16, que rádios geridas por associações

comunitárias, ainda que não autorizadas, mas que operam nos

estritos limites da Lei 9.612/98 (inclusive com a potência de

transmissão restrita a 25 watts), têm o condão de prejudicar os

sistemas de comunicação, a ponto de pôr em risco direitos de

terceiros. A julgar pelas notificações de interferência encaminhadas ao

Ministério Público Federal pela própria ANATEL, o argumento ad terrorem é

insustentável do ponto de vista fático.

2. Confissão tácita das Rés a respeito dos fatos alegados na inicial.

Como já mencionado, a contestação apresentada

pelas Rés não contém uma linha sequer a respeito da notória e comprovada

incompetência do serviço de outorga de radiodifusão comunitária, prestado

pelo Ministério das Comunicações e pela ANATEL. A faute du service17

constitui a causa de pedir próxima desta ação, e era ônus das Rés

impugnar, precisamente, na contestação, os fatos narrados na inicial. Como

16 E não mediante a juntada de matérias jornalísticas de cunho sensacionalista, desprovidas de qualquer fundamento técnico.17 Vale trazer à colação, a propósito, a lição de André de Laubadère: « La faute administrative peut revêtir l’un ou l’autre des deux aspects suivants : Elle peut, d’une part, consister en un faute individuelle, commise par un agent qu’il est possible d’identifier (...) Mais la faute administrative peut également consister en une faute anonyme dont l’auteur n’apparait pas d’une manière claire sous la forme d’un fonctionnaire identifiable : c’est le service dans son ensemble qui a mal fonctionné (...) La jurisprudence a du reste donné a ce type de faute administrative le nom, sans doute purement métaphorique mais fort expressif, de faute du service public » (apud Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Sao Paulo, Malheiros, 1996, p. 577).

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não o fizeram, devem sofrer os efeitos da revelia, nos termos do que

dispõem os arts. 30218 e 31919 do Código de Processo Civil.

Nem se alegue que a presunção de veracidade dos

fatos não impugnados não incide sobre a Fazenda Pública, pois o E.

Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir justamente o

contrário: “A falta de contestação enseja, quanto à matéria de fato,

os efeitos da revelia contra a Fazenda Pública”20.

Portanto, as alegações de que: a) as Rés vêm

ilegalmente obstando a tramitação de milhares de pedidos de autorização

de funcionamento de rádios comunitárias em todo o Brasil ao retardar, sine

die, a publicação dos Avisos de Habilitação necessários ao andamento do

processo; b) mesmo após a publicação dos Avisos de Habilitação, a

ineficiência e a burocracia da União prolongam em mais de três anos e meio

a expedição do ato de autorização de funcionamento das rádios

comunitárias, não devem ser consideradas fatos controvertidos neste

processo, dispensando, desse modo, a produção de outras provas em

acréscimo à farta documentação já juntada quando da propositura da

demanda.

18 Art. 302. Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados, salvo: I – se não for admissível, a seu respeito, a confissão; II – se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considera substância do ato; III – se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.19 Art. 319. Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor.20 STJ – 6ª Turma – REsp 132706-DF – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – j. 01.09.97 – v.u. – DJU 13.10.97, p. 51.671.

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IV. SÍNTESE DOS ARGUMENTOS E REQUERIMENTOS FINAIS

Ao final desta manifestação, gostariam os Autores

de enfatizar os seguintes pontos:

a) os Autores estão em juízo para assegurar a

efetividade de um direito fundamental da maior relevância para qualquer

Estado Democrático, qual seja, o direito à livre e plural comunicação de

idéias;

b) o exercício de tal direito, em pequenas

comunidades, vem sendo sistematicamente obstado pelas Rés, na medida

em que o serviço público de outorga de radiodifusão comunitária é

reconhecidamente ineficiente e moroso;

c) as Rés implicitamente confessaram a faute du

service na medida em que não apresentaram nenhuma impugnação

específica aos fatos que constituem a causa de pedir desta ação;

d) ante a manifesta omissão do Poder Concedente,

e em respeito ao princípio constitucional da efetividade da tutela

jurisdicional (CR, art. 5º, XXXV), compete ao Poder Judiciário assegurar

resultado prático equivalente àquele necessário à realização do direito não-

patrimonial lesado;

e) o pedido principal formulado nesta ação nada

mais faz do que buscar estender, erga omnes, os efeitos de inúmeras

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decisões proferidas pelo E. Superior Tribunal de Justiça, em ações

individuais ajuizadas por associações comunitárias;

f) nenhuma ofensa há à separação de poderes,

uma vez que os Autores não pretendem que a tutela jurisdicional substitua

a manifestação do Poder Concedente. O que se está buscando nesta ação é

tão somente a garantia do funcionamento provisório das rádios

comunitárias cujas respectivas associações mantenedoras aguardam, para

além do prazo razoável, a manifestação do Poder Concedente;

g) muito embora aleguem que “o funcionamento

clandestino de rádios comunitárias pode pôr em risco inúmeras atividades

públicas e privadas ligadas à segurança de comunidades”, as Rés não

juntaram uma única prova apta a demonstrar, tecnicamente, a veracidade

da grave afirmação que fazem. Em vez disso, lançam mão do batido

argumento ad terrorem, apelando ao medo coletivo de um acidente aéreo

para fazer valer sua tese, no lugar de apresentar as razões de ordem

técnica que permitiriam concluir que a tutela jurisdicional, na forma como

foi requerida, colocaria de fato o sistema de navegação aérea em risco;

h) como demonstram à saciedade o parecer e os

documentos anexados à presente manifestação, não há relação alguma

entre a situação jurídica da emissora (outorgada/não-outorgada) e a

aptidão da mesma para interferir em sistemas de comunicação. Isto porque

a própria ANATEL registrou (e ainda registra) inúmeras interferências

provocadas por emissoras outorgadas, inclusive grandes emissoras

comerciais como Rede Globo, Rádio Gazeta FM, Rádio Transamérica, Rádio

Tupi, Band FM, Rádio 89 FM, e Nova Brasil FM;

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i) em contrapartida, de TODOS os casos de

interferência informados ao Ministério Público Federal, NENHUM dizia

respeito a emissões comunitárias de potência igual ou inferior a 25 watts,

limite legal imposto pela Lei 9.612/98;

j) deste modo, conclui-se que não fundamento de

ordem fática que justifique a não-concessão da tutela jurisdicional, nos

estritos limites pleiteados pelos Autores, qual seja, “a concessão de tutela

antecipatória de efeitos nacionais para o fim de ordenar à UNIÃO e à

ANATEL que se abstenham de impedir o funcionamento provisório dos

serviços de radiodifusão comunitária prestados pelas associações

comunitárias e fundações instaladas no território brasileiro que

apresentaram a petição referida no art. 9º, caput, da Lei 9.612/98 há mais

de 18 meses”;

h) mais uma vez, desejamos enfatizar que a tutela

jurisdicional pleiteada exige que as entidades radiodifusoras beneficiadas

cumpram fielmente as normas de regência do serviço, especialmente no

que se refere à limitação da potência de irradiação (25 watts).

Nesses limites tão estreitos, não se vislumbra

perigo algum à segurança das comunicações, e muito menos risco à vida

humana.

Por todo o exposto, requerem os Autores:

a) a juntada dos documentos e laudos anexos;

b) a produção de PROVA PERICIAL, na forma do

que dispõem os arts. 420 e seguintes do Código de Processo Civil, com o

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

escopo de esclarecer o ponto controvertido desta ação, qual seja, o

de que rádios não-outorgadas que emitem suas transmissões no

limite de potência de 25 watts são capazes de interferir

significativamente em sistemas de comunicação, mormente o

sistema de navegação aérea;

c) a fixação do PRAZO DE 60 DIAS para que a

UNIÃO dê efetivo andamento a TODOS os pedidos de autorização de

funcionamento de radiodifusão comunitária protocolados na

Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das

Comunicações, sob pena de imposição de MULTA DIÁRIA não

inferior a R$ 50.000,00, a ser suportada pessoalmente pelos

dirigentes daquele órgão, nos termos do que autoriza o art. 461, § 4º,

do Código de Processo Civil.

São Paulo, 29 de outubro de 2007.

SERGIO GARDENGHI SUIAMA

Procurador da República

EDUARDO ALTOMARE ARIENTE

OAB/SP 206.944

ANNA CLÁUDIA PARDINI VAZZOLER

OAB/SP 163.557

50