excelentÍssimo senhor doutor ministro...
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO PRESIDENTE DO
COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
URGENTE
Ré presa por portar 01 (um) grama de maconha
BRUNO SHIMIZU, PATRICK LEMOS
CACICEDO, VERÔNICA DOS SANTOS SIONTI, Defensores Públicos
do Estado, e LUCAS MAURÍCIO PIMENTA E SILVA, estagiário de
Direito, no desempenho de suas funções perante a Defensoria Publica
do Estado de São Paulo, com domicílio para intimação no Núcleo de
Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Av.
Liberdade, 32 - 7º andar - sala 04, Cento, São Paulo - SP - CEP: 01502-
000, nesta Capital, vem à presença de V. Exa., com fundamento no art.
5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, e nos art. 647 a 667, todos
do Código de Processo Penal, impetrar o presente.
HABEAS CORPUS
Com pedido liminar
em favor de MAURENE LOPES, RG n. 25.314.979, filho de Efigênia
Rosa de Jesus e de Adelino Saturino, contra ato atribuído à 5ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça, no habeas corpus 318.936, pelos motivos
de fato e direito que passa a expor.
I- DOS FATOS
A impetrante foi condenada em razão de suposta
prática do delito previsto no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006.
Maurene se encontra presa, em regime fechado,
indevidamente desde o dia 08 de agosto de 2012. Em um primeiro
momento estava na Cadeia Pública de Bariri e atualmente, cumpre sua
pena na Penitenciária Feminina da Capital, unidade prisional
superlotada, conforme informações da Secretaria de Administração
Penitenciária de São Paulo (SAP/SP).
Em primeira instância, o MM. Juízo da 1º Vara de
Bariri condenou a paciente à pena de 06 (seis) anos, 09 (nove) meses e
20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento
de 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa pela prática do delito previsto
no artigo 33, caput da Lei 11.343.
Nesta mesma toada, a 3° Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu por manter a
condenação, negando provimento à apelação interposta pela paciente.
Considerando a total ilegalidade do acórdão, tendo
em vista a EVIDENTE desproporcionalidade entre os fatos e a pena de
prisão aplicada, a Defensoria Pública impetro habeas corpus perante o
Superior Tribunal de Justiça, pleiteando o reconhecimento da
desproporcionalidade e da incidência, no caso, do princípio da
insignificância, com a consequente expedição liminarmente de alvará de
soltura em favor da paciente, a fim de que aguarde em liberdade o
julgamento do mérito do habeas corpus.
No entanto, entendeu o Ministro Relator por negar
a liminar pleiteada, decisão que mantém a paciente presa.
Por conseguinte, considerando que:
a) Os fatos concretos e as provas reconhecidas pelas instâncias
inferiores não permitem, a partir de um filtro
constitucional – na esteira do que vem fazendo a
Suprema Corte Espanhola –, a subsunção do caso ao artigo
33, caput, da Lei de Drogas, e
b) Que teratológica, no entender da defesa, a condenação a
uma pena de prisão em regime fechado em estabelecimento
superlotado pelo período de quase 07 anos pela posse de
aproximadamente 01 grama de maconha, impetra-se o
presente habeas corpus, pelas razões de direito a seguir
expostas.
II- DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL PARA APRECIAÇÃO DO PRESENTE REMÉDIO
CONSTITUCIONAL - DA SUPERAÇÃO DA SÚMULA 691, DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
Destaca a Constituição Federal, em seu artigo 102,
a competência originária do Supremo Tribunal Federal para apreciação
de Habeas Corpus em que a autoridade coatora for Tribunal Superior:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal
Federal:
(...)
i) o habeas corpus, quando o coator for
Tribunal Superior ou quando o coator ou o
paciente for autoridade ou funcionário cujos atos
estejam sujeitos diretamente à jurisdição do
Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime
sujeito à mesma jurisdição em uma única
instância.”
No caso em questão, o Exmo. Ministro relator do
feito do C. Superior Tribunal de Justiça negou o pedido de liminar,
pedindo em seguida informações à autoridade coatora.
Sabe-se que este C. Supremo Tribunal Federal,
apoiando-se em interpretação realizada com base na Súmula 691, (“não
compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus
impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a
tribunal superior, indefere a liminar”), não tem como hábito analisar
habeas corpus de denegação de liminar por Tribunal Superior.
No entanto, sabe-se também que, em casos de
grave ilegalidade, abuso, irrazoabilidade e teratologia, tanto o Superior
Tribunal de Justiça como o Supremo Tribunal Federal têm superado o
disposto na súmula para conhecer do writ.
Vejam-se os exemplos abaixo, os quais tratavam
de situação análoga a atuação:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO
DE ENTORPECENTES. FIXAÇÃO DA PENA.
CIRCUNSTÂNCIAS FAVORÁVEIS. IMPOSIÇÃO DE
REGIME DE CUMPRIMENTO MAIS GRAVE DO
QUE O PREVISTO EM LEI. DIREITO À
SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE POR OUTRA RESTRITIVA DE
DIREITOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
EXCEÇÃO À SÚMULA 691. Tráfico de
entorpecentes. Fixação da pena. Circunstâncias
judiciais favoráveis. Pena fixada em
quantidade que permite a substituição da
privação de liberdade por restrição de
direitos ou o início do cumprimento da pena
no regime aberto. Imposição, não obstante,
de regime fechado. Constrangimento ilegal
a ensejar exceção à Súmula 691/STF.
Ordem concedida.”
(HC 101291, Relator(a): Min. EROS GRAU,
Segunda Turma, julgado em 24/11/2009, DJe-
027 DIVULG 11-02-2010 PUBLIC 12-02-2010
EMENT VOL-02389-03 PP-00582)
Assim, requer-se a não aplicação da ventilada
Súmula, diante da evidente urgência e teratologia in casu, pois a
denegação da medida liminar constituiu patente ilegalidade, a
ser sanada urgentemente.
E, concessa máxima vênia, a r. decisão liminar se
limitou a postergar a soltura quando era absolutamente possível
verificar DE PLANO a ilegalidade da custódia, através de simples leitura
do habeas corpus e seus documentos.
Não haveria razão, portanto, em negar-se a
liminar, posto que presentes os pressupostos da concessão da liminar:
fumus boni iuris e periculum in mora.
III- DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE: a insignificância da
conduta
É cediço que a competência do Superior Tribunal
de Justiça, no caso apresentado, não abarca a discussão das provas dos
autos. Perante tal constatação, não há pretensão do impetrante
questionar ou discutir NENHUMA DAS PROVAS DOS AUTOS no presente
‘writ’.
Nota-se que Maurene se encontra presa e
condenada pela posse de 01 (um) grama de maconha, como relatou a
d. Desembargadora Ivana David, em acordão proferido no dia 22
janeiro de 2014:
“A apelante foi acusada porque, segundo a denúncia, na data dos fatos, vendeu para André Sudilio de Oliveira, 1g de maconha, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.” (fls. 4 em anexo).
Ressalta-se que a requerente foi condenada a pena
de 06 (seis) anos, 09 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em
regime inicial fechado, e ao pagamento de 680 (seiscentos e oitenta)
dias-multa pela POSSE DE 01 (UM) GRAMA DE MACONHA.
Diante disso, constata-se flagrante
desproporcionalidade entre a conduta de Maurene e a pena que lhe
foi infligida. Tal conduta é, evidentemente, atípica, uma vez que a
quantidade de droga é ínfima sendo incapaz de causar lesão à saúde
pública.
Como não houve lesão relevante ao bem
jurídico, conclui-se pela atipicidade da conduta, pois, no caso em
voga, transfigura-se cabível a aplicação do princípio da
insignificância.
A Suprema Corte Espanhola possui
entendimento firmado e positivo quanto à possibilidade de incidência do
princípio da insignificância com relação ao delito de tráfico de drogas.
A mais alta corte da Espanha estabeleceu, quanto
à valoração da tipicidade, no julgamento de 28 de outubro de 1998, que
o âmbito do tipo penal não pode ser desmesuradamente ampliado a
ponto de alcançar condutas que, em função da ínfima quantidade da
droga, careçam de efeitos potencialmente danosos, os quais funcionam
como fundamento da proibição penal1.
Em outras palavras, não há crime quando não há
ofensa ao princípio da lesividade (nullum crimen sine iniuria). A partir
da referida decisão, a Suprema Corte da Espanha vem decidindo da
mesma forma em diversos casos similares ao em discussão no presente
‘writ’.
Destaca-se aqui a sentença do Tribunal Superior
da Espanha, de 11 de setembro de 2013, na qual indicados diversos
precedentes jurisprudências da Corte em que defendida a aplicação do
princípio da insignificância no caso de tráfico de drogas, quando a
quantidade de drogas é ínfima:
Nesta área tem sido referido, em Julgamentos deste Tribunal, o princípio da insignificância: quando a quantidade de droga é tão insignificante que é incapaz de produzir algum efeito nocivo à saúde pública, carece a ação de antijuricidade material por falta de um
1 SSTS. 4.7.2003, 16.7.2001, 20.7.99, 15.4.98.
verdadeiro risco para o bem jurídico protegido no tipo. Em última análise, a eliminação da tipicidade do fato nos casos em que a quantidade de droga objeto do tráfico é muito reduzida tem sido apoiado o argumento de que os atos desta natureza carecem de antijuridicidade material e que, em consequência, não constituem delito ( ver: SSTS 1370/2001; 1889/2000; 1716/2002; 977/2003; 1067/2003; 1621/2003), argumento que foi concluído em casos referentes à incapacidade do ato de afetar à saúde pública, dada a impossibilidade de gerar, com tão pouca quantidade de droga, uma ameaça para a saúde pública (ver: SSTS 772/1996, 33/1997, 977/2003, 1067/2003)2. (grifamos)
Conclui-se que o princípio da insignificância diz
respeito aos danos de menor importância em relação a atos que que
representam uma ameaça alegórica aos bens jurídicos tutelados pelo
Estado Democrático de Direito.
Nessa esteira, pressupondo-se que o Direito Penal
deve ser tratado como ultima ratio, o princípio da insignificância limita a
intervenção punitiva do Estado nos casos insignificantes. Isto é, nos
casos em que a lesão sofrida pelo bem jurídico tutelado for ínfima. (HC
92.463/RS, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, D.J. 16.10.2007).
2 Tradução do Julgado Original: En este ámbito se ha hecho referencia en sentencias de esta Sala al principio
de insignificancia: cuando la cantidad de droga es tan insignificante que resulta incapaz de producir efecto
nocivo alguno en la salud, carece la acción de antijuridicidad material por falta de un verdadero riesgo para el
bien jurídico protegido en el tipo. En definitiva la eliminación de la tipicidad del hecho en los casos de muy
reducida cantidad de la droga objeto de tráfico ha sido apoyada en el argumento, de que hechos de esta
naturaleza carecen de antijuricidad material y que, en consecuencia, no constituyen delito (ver: SSTS
1370/2001; 1889/2000; 1716/2002; 977/2003; 1067/2003; 1621/2003), argumento que ha sido completado en
ocasiones haciendo referencia a la incapacidad del hecho para afectar la salud pública, dada la imposibilidad
de generar con tan poca cantidad de droga un peligro para la salud pública (ver: SSTS 772/1996; 33/1997;
977/2003; 1067/2003).
Neste sentido não há razão para que incida a
tipicidade penal nas condutas que não afetam ao bem jurídico tutelado.
Apesar de o princípio da insignificância não estar inserido explicitamente
no ordenamento jurídico pátrio, não há como sustentar sua
inaplicabilidade, uma vez que ele decorre de uma análise constitucional
da tutela penal.
Nesta mesma toada, é cediço que a aplicação do
princípio da insignificância porta requisitos existentes para o seu
emprego. Esses são advindos tanto da atual jurisprudência quanto da
doutrina nacional e se consolidam em quatro condições: (i) mínima
ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social
da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e
(iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica.
É EVIDENTE QUE A POSSE DE 01 (UM) GRAMA
DE MACONHA É DE OFENSIVIDADE MÍNIMA, NÃO APRESENTA
PERICULOSIDADE SOCIAL; QUE SEU GRAU DE
REPROVABILIDADE É QUASE NULO E QUE SUA LESÃO AO BEM
JURÍDICO É INEXPRESSIVA. Assim, a conduta de Maurene
cumprindo todas as exigências necessárias é, absolutamente,
compatível com a aplicação no princípio da insignificância.
Ressalte-se que o Tribunal de Justiça de Minas
Gerais já se posicionou nesse sentido:
Ementa: APELAÇÃO - TRÁFICO DE DROGAS - QUANTIDADE ÍNFIMA DE SUBSTÂNCIA ILÍCITA APREENDIDA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA -
POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO NOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. A apreensão de quantidade ínfima de substância entorpecente enseja a aplicação do princípio da insignificância, seja em relação ao tráfico, seja em relação ao delito de uso. É possível o reconhecimento do princípio da insignificância nos crimes contra a saúde pública porquanto a ausência de lesividade pode caracterizar-se tanto nos delitos supra-individuais quanto nos crimes de perigo abstrato que não dispensa a imprescindível aferição da ofensividade da conduta do acusado. (TJMG Apelação Criminal n° 05550700558380011 MG 1.0555.07.005583-8/001, Des. Rel. Alexandre Victor de Carvalho, DJ 23.08.2008).
A conduta de Maurene, repita-se, apresenta
mínima ofensividade, não há periculosidade na ação, o grau de
reprovabilidade social é baixíssimo e há uma completa inexpressividade
da lesão jurídica.
Diante disso e como devido respeito aos
Princípios da Lesividade e da Proporcionalidade, fundantes e
centrais no Direito Penal Constitucional, necessário que seja deferido o
pedido formulado abaixo.
DO PEDIDO
Note-se que, caso indeferida a liminar, estar-se-á
referendando constrangimento ilegal e violando o ordenamento jurídico
e a Constituição, situação na qual o Poder Judiciário terá falhado em
sua missão de proteção dos direitos fundamentais.
O fumus boni iuris, por sua vez, aflora face à
desnecessidade de qualquer dilação probatória para que se perceba o
constrangimento ilegal, bastando a leitura dos documentos juntados
para que se conclua pela atipicidade da conduta. O periculum in mora
resta demonstrado pela privação injusta e nitidamente ilegal da
liberdade da paciente.
Por todo o exposto, requer-se a concessão da
ordem para que seja reconhecida a atipicidade da conduta em tela
em virtude de sua insignificância com a consequente a absolvição
de Maurene Lopes, expedindo-se liminarmente alvará de soltura em
seu favor, a fim de que aguarde em liberdade o julgamento do mérito
do habeas corpus.
São Paulo 06 de abril de 2015.
Bruno Shimizu
Defensor Público
Patrick Lemos Cacicedo
Defensor Público
Verônica dos Santos Sionti
Defensora Pública
Lucas Maurício Pimenta e Silva
Estagiário de Direito da Defensoria Pública