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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIRETO DA __ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seus agentes que esta subscrevem, em exercício junto à Promotoria de Proteção à Saúde Pública, situada na Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251, CEP 80.230-110, Rebouças, Curitiba/PR, usando das atribuições que lhes são conferidas pelos arts. 127, caput e 129, III, da Constituição da República, e também amparados pelo art. 120, III, da Constituição do Estado do Paraná e fundamentados no art. 25, IV, alínea “a”, da Lei Federal n.º 8.625, de 12-2-1993, em combinação com os arts. 57, IV, alínea “b”, da Lei Complementar Estadual n.º 85, de 27-12-1999; 3º, 5º, 11, 12 e 19, todos da Lei Federal n.º 7.347, de 24-7-1985, e 273 e 461, caput e parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil Brasileiro e demais disposições pertinentes, bem como no Procedimento Administrativo Ministerial n.º 174/02, em anexo, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedidos de antecipação de tutela e de multa cominatória , contra o ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público interno ora representado pelo senhor Procurador-Geral do Estado, com endereço na Rua Conselheiro Laurindo, n.º 561, CEP 80.060-100, Centro, Curitiba-PR, pelos motivos de fato e de direito que, a seguir, deduz. I. A SAÚDE COMO COROLÁRIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A Carta Federal proclama que a República Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBA Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 3250-4858/ 3250-4863 1

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIRETO DA __ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seus agentes que esta subscrevem, em exercício junto à Promotoria de Proteção à Saúde Pública, situada na Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251, CEP 80.230-110, Rebouças, Curitiba/PR, usando das atribuições que lhes são conferidas pelos arts. 127, caput e 129, III, da Constituição da República, e também amparados pelo art. 120, III, da Constituição do Estado do Paraná e fundamentados no art. 25, IV, alínea “a”, da Lei Federal n.º 8.625, de 12-2-1993, em combinação com os arts. 57, IV, alínea “b”, da Lei Complementar Estadual n.º 85, de 27-12-1999; 3º, 5º, 11, 12 e 19, todos da Lei Federal n.º 7.347, de 24-7-1985, e 273 e 461, caput e parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil Brasileiro e demais disposições pertinentes, bem como no Procedimento Administrativo Ministerial n.º 174/02, em anexo, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedidos de antecipação de tutela e de multa cominatória,

contra o ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público interno ora representado pelo senhor Procurador-Geral do Estado, com endereço na Rua Conselheiro Laurindo, n.º 561, CEP 80.060-100, Centro, Curitiba-PR, pelos motivos de fato e de direito que, a seguir, deduz.

I. A SAÚDE COMO COROLÁRIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Carta Federal proclama que a República Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.

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A expressão “dignidade da pessoa humana” - princípio jurídico essencial contido no art. 1º, III, da CF - já se encontrava inserta na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, na qual se assevera que o reconhecimento da “dignidade inerente a todos os membros da família humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.

O art. 1° desse diploma internacional proclama:

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

Karl LARENZ1, instado a pronunciar-se sobre o personalismo ético da pessoa no direito privado, reconhece na dignidade pessoal a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência (a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio. Isso significa dizer, então, que a pessoa humana constitui-se no ser, e a dignidade, por sua vez, o seu valor.

Mas o direito do século XXI não se contenta com conceitos axiológicos formais, que podem ser usados retoricamente para quase qualquer tese. Demanda, sim, o aprofundamento dos mesmos e especialmente, neste caso, da idéia nuclear que o princípio jurídico da dignidade contempla.

Como o próprio nome revela, o princípio da dignidade da pessoa

fundamenta-se na essência da pessoa humana e esta, por sua vez, pressupõe, antes de mais nada, a presença de uma condição objetiva: a própria vida. Considerando-se cada indivíduo em si mesmo, tem-se que a vida é condição necessária da própria existência. Logo, a dignidade do ser humano impõe um primeiro dever básico, que é, justamente, o de reconhecer a intangibilidade da vida, e esse pressuposto configura-se como um preceito jurídico absoluto - um imperativo jurídico categórico - do qual decorre, logicamente e como conseqüência do respeito à vida, o fato da dignidade dar embasamento jurídico para se exigir o respeito à integridade física e psíquica (condições naturais) e aos meios mínimos para o exercício da própria vida (condições materiais) 2 .

Como fundamento primeiro da República, o princípio jurídico da dignidade tem, portanto, a proteção e a defesa da vida humana como pressuposto, pois sem vida não há pessoa, e sem pessoa, não há que se falar em dignidade. Trata-se de preceito absoluto, que não comporta exceção e está, de resto, ratificado pelo caput do art. 5º da CF.

1 LARENZ, Karl. Derecho civil: parte general. Madri: Editoriales de Derecho Reunidas, 1978. p. 46.2 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. RT , v.

797, ano 91, p. 11-26, mar. 2002.

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Essa tese é reconhecida, acima de todas as outras (inclusive as de ordem econômico-financeiras), pelos nossos Tribunais, como se lê no seguinte pronunciamento do STF:

“Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendendo — uma vez configurado esse dilema — que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida.” (grifo nosso - STF– Petição n.º 1246-1-SC - MIN. CELSO DE MELLO).

Ora, se o direito à vida está intrinsecamente ligado à idéia de dignidade humana, como visto, tem-se que o seu corolário necessário - o direito à saúde – também o está, uma vez que este (a saúde), na sua essência, atende a preservação daquela (a vida).

A saúde, concebida como o “estado completo de bem-estar físico, mental e social e não simplesmente como a ausência de doença ou enfermidade”3 é, pois, direito humano fundamental, oponível ao Estado nos termos do art. 196 da CF, direito que viabiliza e garante a própria vida, pressuposto da dignidade da pessoa humana e, como tal, deve ser incansavelmente protegido e respeitado, sendo inadmissível qualquer conduta comissiva ou omissiva, especialmente da Administração Pública, tendente a ameaçá-lo ou frustrá-lo.

II. O CABIMENTO DA PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA E SUA CONJUNTURA

Versa o presente feito, em síntese, sobre o descumprimento, por parte do Estado do Paraná, das disposições trazidas pela Emenda Constitucional n.º 29/00, tendo-se verificado que não foram por ele aplicados no ano de 2003 os recursos orçamentários mínimos da receita própria, em ações e serviços públicos de saúde, gerando, pela omissão, gravíssimos prejuízos para a saúde da população paranaense, impondo-se o devido adimplemento.

Essa situação, se bem observada, amolda-se num quadro mais amplo e revelador de desmonte do Estado Social.

Notório no constitucionalismo liberal é a não atuação do Estado como guia da sociedade na realização de fins comuns. No rigor ideológico desse modelo, a única tarefa cabível ao Poder Público é a de manter a ordem e a segurança, sob a égide

3 Conceito da Organização Mundial da SaúdeCENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DE CURITIBARua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251 - Rebouças CEP: 80230-110 Fone: 3250-4858/ 3250-4863

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de leis gerais, constantes e uniformes, a fim de que cada cidadão possa realizar, livremente, o seu interesse individual.

Opõe-se a esse esquema - notadamente estático e puramente normativo - a idéia do Estado Social, em que predomina a eminente função de direcionar a sociedade rumo ao bem comum. Este, por sua vez, é concebido como o conjunto de metas a serem perseguidas pelas políticas públicas, as quais sintetizam os valores que a sociedade elege como os mais relevantes. Inegável, então, que o Estado Social consagra uma função dirigente, adredemente vinculada ao alcance dos objetivos fundamentais que a Constituição estabelece.

A Carta Federal brasileira, de cunho indiscutivelmente social, discrimina os objetivos fundamentais da República Federativa, no seu art. 3º:

“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;II – garantir o desenvolvimento nacional;III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

O disposto no assinalado inciso IV, de certo modo, bem resume o sentido global da norma transcrita e permite afirmar que o Estado Social é, fundamentalmente, um promotor do bem-estar coletivo. Sua legitimidade não se esgota, nessa perspectiva, na edição de leis voltadas à mera manutenção da ordem pública neutra, sem conteúdo direcional, mas, ao contrário, consiste na promoção do bem comum mediante o desempenho efetivo de atividades programadas nos mais diversos setores.

Para o sucesso desse mister, o Poder Público deve observar, entre outras coisas, as normas que orientam a distribuição de receitas públicas para investimentos nas áreas consideradas prioritárias pela própria Lei Maior. A aplicação desses recursos orçamentários em políticas públicas, especialmente aquelas voltadas à realização de direitos fundamentais, como é o direito à saúde, não é matéria posta à discricionariedade do Executivo, sujeita a avaliações acerca da sua oportunidade e conveniência. Ao contrário, constitui-se em ato administrativo vinculado do qual não pode o Administrador Público se furtar.

Por outro lado, o Estado não possui autorização para suspender a liberação de recursos no transcorrer de determinado exercício financeiro, nem mesmo sob o argumento de que tais despesas ultrapassam os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF - Lei Complementar n.º 101/00), porque, ainda que esse diploma legal assim dispusesse expressamente, a hipótese permaneceria inaceitável, face à sua flagrante inconstitucionalidade. Note-se, inclusive, que a própria LRF traz

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ressalva a respeito da aplicação das verbas constitucionalmente vinculadas (art. 9º, § 2º) 4 , determinando que as mesmas não sejam objeto das limitações gerais que impõem.

Do contexto ora explicitado, depreende-se que o orçamento, e nele as despesas vinculadas à satisfação de direitos fundamentais da pessoa humana, como cuida, na base, o caso vertente, constituem deveres impostergáveis do Poder Público e, verificando-se a existência de lesão ou ameaça de lesão às normas constitucionais orçamentárias em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, cumpre identificar e utilizar o remédio judicial cabível e adequado para sancionar o dano produzido.

Fábio Konder COMPARATO5, discorrendo sobre o tema, afirma que tal remédio jurídico:

“... é sempre a ação civil pública, quer se trate da não-inclusão ou inadequada previsão, nos orçamentos, das verbas correspondentes às políticas de atendimento dos direitos fundamentais, quer se esteja diante de um desvio de despesa, ou da não-liberação de verbas no curso do exercício financeiro. O art. 3º da Lei Federal n.º 7.347, de 24/7//85, com efeito, dispõe que a ação ‘poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer’...” (sem grifo no original)

Segue refletindo acerca da pertinência do ajuizamento de demanda relativa ao descumprimento dessas normas constitucionais em exercícios financeiros já findos:

“...Parece-me inegável que a violação dos preceitos constitucionais acarreta, em tais hipóteses, um claro dano patrimonial, correspondente ao montante de despesas não incluídas no orçamento, ou nele incluídas, mas aplicadas em outras áreas, não prioritárias ... Na representação do interesse do povo e como substituto processual dos grupos sociais titulares dos direitos fundamentais em questão, o

4 Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

§ 2o Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias.

5 COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. p. 67-89. out. 2001.

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Ministério Público pode e deve ajuizar uma ação civil pública , tendo como objeto o ressarcimento desses danos sociais. A ação será proposta contra entidade da federação, em cujo orçamento ocorreu a violação dos preceitos constitucionais, com base no princípio da responsabilidade objetiva, cabendo à pessoa jurídica de direito público promover, conforme o caso, a ação regressiva contra o Chefe do poder executivo, na qualidade de agente responsável (Constituição, art. 37, §6º)...” (grifo nosso)

Assim, conclui-se, a ação civil pública é o instrumento processual apto a corrigir ofensa a direito individual e social indisponíveis decorrentes da não aplicação de recursos orçamentários constitucionalmente determinados em ações e serviços públicos de saúde, como ora se trata e, dessa forma, ao Ministério Público, enquanto representante da sociedade, convencido da existência de lesão daí decorrente, impõe-se provocar a função jurisdicional do Estado visando a efetiva defesa do interesse público indiscutivelmente maculado6.

III. A LEGITIMIDADE PROCESSUAL ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ESPÉCIE

Em adendo ao que se disse no articulado anterior, a Constituição Federal ampliou o campo de atuação do Ministério Público, atribuindo-lhe, no art. 127, a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Em seu art. 129, apontou as funções institucionais do Parquet, entre as quais:

“Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:I – (...)II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;(...)

6 Destaque, por oportuno, que todo o raciocínio e o pedido a ser aqui desenvolvido independe de eventual iniciativa em relação a qualquer hipótese de incidência criminal eventualmente incidente, inclusive nos termos do art. 52 da Lei Orgânica da Saúde (Lei Federal n.º 8.080/90) e também de improbidade administrativa que ficam ressalvados. Como bem menciona Fábio Konder COMPARATO:... Não se deve afastar a hipótese de considerar o procedimento comissivo ou omissivo das autoridades públicas, em violação do dever constitucional de realizar as políticas públicas ligadas aos direitos fundamentais, como ato de improbidade administrativa, nos termos do disposto no art. 11 – II da Lei n.º 8.429, de 2/7/1992: ‘retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício.” (“O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. p. 85. out. 2001).

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III – promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (...)”

O art. 120 da Constituição do Estado do Paraná, por sua vez, reproduz o acima enunciado nos incisos II e III, acrescendo ao rol de atividades do MP o contido no inciso XI:

“Art. 120 - São funções institucionais do Ministério Público:(...)XI – receber petições, reclamações, representação ou queixas de qualquer pessoa por desrespeito aos direitos assegurados na Constituição Federal e nesta, promovendo as medidas necessárias à sua garantia;(...)

No mesmo sentido, tem-se a incumbência conferida ao Parquet pelo art. 57, V, da Lei Complementar n.º 85/99 (Lei Orgânica do Ministério Público do Paraná):

“Além das funções previstas na Constituição Federal, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, na Constituição Estadual e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: (...)V – promover a defesa dos direitos constitucionais do cidadão para a garantia do efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância pública...;”

É importantíssimo recordar que a Carta da República contém apenas uma única alusão expressa a serviços de relevância pública, e o faz no art. 197 que trata justamente das ações e serviços públicos de saúde.

Antonio Augusto Mello de CAMARGO FERRAZ e Antonio Herman de Vasconcelos e BENJAMIN, no artigo intitulado “O conceito de relevância pública na Constituição Federal” (In: Série Direito e Saúde/OPAS/OMS. N. 1, Brasília: OPAS, 1992. P. 29-39) apresentam uma síntese interessante acerca do significado da expressão “relevância pública”, inserta na CF:

“... pensamos que seja possível desde logo estabelecer que a expressão “relevância pública” nos arts. 129, II e 197 da Constituição Federal está a significar: a qualidade de “função pública”, como verdadeiro dever-poder, que regra a garantia da saúde pelo Estado; a natureza jurídica de direito público subjetivo da saúde, criando uma série de interesses na sua realização – públicos, difusos, coletivos e individuais homogêneos; o limite da indisponibilidade, tanto pelo prisma do Estado

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como do próprio indivíduo, do direito à saúde; a idéia de que, em sede do art. 197, o interesse primário do Estado corresponde à garantia plena do direito à saúde e as suas ações e serviços, sempre secundários, só serão legítimas quando imbuídas de tal espírito; o traço de essencialidade que marca as ações e serviços de saúde.” (sem grifo no original)

Vê-se, então, que o fato das ações e serviços de saúde terem sido explicitamente qualificados como de relevância pública na CF, não deixa espaço para qualquer discussão acerca de sua essencialidade e, da mesma forma, impõe aos agentes do Estado que atuem diligentemente na prestação de tais atividades, a fim de que sejam aptas, em quantidade e qualidade, a realizar o direito subjetivo que lhe corresponde.

Infere-se, pois, que a missão institucional do Ministério Público está hoje ontologicamente relacionada à defesa da sociedade, na luta pela manutenção do Estado de Direito e pelo respeito à cidadania. Esse papel constitucional deve ser exercido inclusive, e se for o caso, em oposição a agentes do próprio Estado, pois, no sistema de freios e contrapesos concebido pelo constituinte, foram atribuídas ao parquet funções institucionais relacionadas diretamente com a fiscalização do Poder Executivo.

O Ministério Público é o responsável em promover as medidas necessárias para a restauração do respeito dos poderes públicos aos direitos constitucionalmente assegurados, de forma que clara é sua legitimidade postulatória nos casos em que o próprio poder público figura como patrocinador de lesão a interesse social e/ou individual indisponível, o que faz por meio do instrumento processual que se apresente como mais adequado para o caso, dada a redação aberta da norma inserta no art. 127 da Carta Federal.

Constata-se, na espécie, e a seguir será demonstrado, que o Estado do Paraná, no ano de 2003, violou diretamente o preceituado nos arts. 196 e 198, § 2º, II, da Constituição Federal; art. 77, § 1º, do ADCT; arts. 167 e 172, § 1º, da Constituição Estadual; arts. 7º, VIII; 15, II, VIII e X; 33, caput e 39, § 1º da Lei Federal n.º 8.080/90; e arts. 1º, II, § 2º e 2º da Lei Federal n.º 8.142/90, ocasionando inegáveis prejuízos à saúde dos seus cidadãos.

O que a presente demanda busca proteger é, portanto, em última análise, o direito constitucionalmente assegurado à saúde da população (art. 196, CF) e o respectivo financiamento das suas ações e serviços, que tem, sem qualquer sombra de dúvida, caráter difuso, dada a sua natureza de indisponibilidade e o número indeterminável de membros do grupo social atingidos pela atual e irregular situação. Assim sendo, é clara a legitimidade do Ministério Público para o desencadeamento da presente ação e imperativa, por dever de ofício, é a desincumbência desse mister por parte da Promotoria de Proteção à Saúde Pública.

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IV. A LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM

O réu, conforme já afirmado, deixou de aplicar recursos orçamentários próprios no Sistema Único de Saúde do Paraná, no ano de 2003, prejudicando o seu financiamento e gerando sensíveis prejuízos à saúde dos paranaenses, posto que de todos é conhecido o grau de insuficiência para atender com dignidade mínima as demandas dos cidadãos.

Édis MILARÉ7 esclarece sobre a legitimidade passiva em ações civis públicas:

“Parte passiva da ação (...) será o responsável pelo dano ou pela ameaça de dano, seja pessoa física ou jurídica, inclusive a Administração Pública, porque tanto esta como aquelas podem infringir normas de direito material...” (grifo nosso)

O Estado do Paraná não respeitou as normas da EC nº 29, relativas ao financiamento do Sistema Único de Saúde, que resultou no baixíssimo investimento público no setor, desde o ano 2000 (incluindo 2003, objeto desta ação, são mais de 750 milhões de reais não aplicados em ações e serviços de saúde), deixando de disponibilizar à sociedade paranaense os tão necessários recursos, capazes de promover melhorias e ampliação concretas nos precários serviços públicos de saúde que a ela são ofertados, resultando em sérios prejuízos às pessoas, aferíveis nos indicadores negativos de saúde (muitas vezes funestos, que vão, v.g., da ausência de leitos em UTI às condições mediante as quais são tratados aqueles com distúrbios psiquiátricos), apesar da propaganda oficial insistentemente procurar transmitir outra imagem.

Trata-se de situação gravíssima em que a própria pessoa jurídica de direito público interno, responsável pela salvaguarda e garantia do direito à saúde, mediante sua atuação omissiva, violou e causou efetivo dano difuso, o qual deve ser prontamente reparado.

Por tudo isso, deve o Estado do Paraná figurar no pólo passivo do presente feito.

V. BREVE SÍNTESE DO PA MINISTERIAL N.º 174/02

O procedimento administrativo ministerial n.° 174/02, que instrui a presente, foi instaurado pelo Ministério Público a partir do determinado na Resolução nº 2208 da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Paraná, cujo conteúdo é o de

7 MILARÉ, Édis. Ação Civil Pública. Lei 7.347/85 – Reminiscências e Reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 247

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acompanhar a tramitação da lei orçamentária do Paraná junto à Assembléia Legislativa, fiscalizando a aplicação dos recursos destinados à saúde, bem como a implantação do plano de saúde do sistema penitenciário do Estado do Paraná (fls. 2).

O documento de fls. 15/22, emanado do Conselho Estadual de Saúde (5ª Conferência Estadual de Saúde), demonstra que a proposta orçamentária referente ao ano de 2003 para a área da saúde restava abaixo do mínimo constitucional.

Os valores apresentados como devidos pelo CES para o ano de 2003, de acordo com a EC 29/00 e Lei de Diretrizes Orçamentárias deste Estado, utilizou o percentual de 10,75% como referência, correspondendo a cerca de 573 milhões de reais; contudo, para o referido ano, orçou a Secretaria da Fazenda um valor aproximado de R$ 223 milhões e a SESA um valor de R$ 430 milhões, valores que demonstram que o Estado do Paraná, antes até do início do exercício de 2003, já previra índices abaixo dos exigidos constitucionalmente para a saúde e apresentara, como incluídos em referida área, despesas que deveriam constar de outras pastas, diversas da saúde pública propriamente dita que, embora com ela guardem alguma afinidade, às vezes extremamente longínqua, somente sob um conceito excessivamente ampliado e absolutamente inadequado poderiam ser considerados como “ações e serviços públicos de saúde”, visto que seus possíveis reflexos sobre a saúde da coletividade são apenas indiretos ou completamente destituídos do caráter universal característico do SUS.

Colacionou-se aos autos as Resoluções do CES nº 31/02 e 22/02, as quais salientam a inadequação orçamentária para a saúde, ressaltando “que estão inclusos valores de ações de saúde desenvolvidas por outras Secretarias, que o CES/Pr não as reconhece e por não cumprir a Emenda Constitucional nº 29/2000 e a Lei Estadual nº 13.727/2002” (fls. 26 e 27).

Em atenção ao ofício nº 256/03 (fls.23), em que são solicitadas ao senhor Governador do Estado informações sobre os valores de recursos próprios do Tesouro do Estado do Paraná destinados, em 2003, para ações e serviços públicos de saúde, conforme a EC 29/00, informou a Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Social, às fls. 30/32, que o percentual a ser investido pelo Paraná no ano de 2003 excederia o patamar mínimo previsto pela Constituição, uma vez que o valor efetivamente aplicado seria aproximadamente R$ 47 milhões a mais do que o pregado constitucionalmente.

O relatório de Auditoria nº 18/2003, de fls. 36/40, elaborado a pedido desta Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde Pública e anteriormente ao fim do exercício anual de 2003, demonstrou que diversos gastos apontados na programação orçamentária não se enquadravam naqueles permitidos pela EC 29/00 e Portaria nº 2.047 do Ministério da Saúde.

Juntou-se aos autos a Resolução do Conselho Estadual de Saúde nº 15/2003 que, dentre outros, considerou necessária a suplementação orçamentária para

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o ano de 2003, visando a recompor o orçamento da saúde, alcançando o referencial de 10,75% constitucionalmente exigido (fls.50).

Oficiou-se ao Serviço Nacional de Auditoria do Ministério da Saúde solicitando análise da adequação do montante orçamentário estadual previsto para a área da saúde, no ano de 2003, face à previsão da Portaria MS/GM nº 2.047/02 e da Resolução nº 322/03 do CNS (fls. 45), tarefa desempenhada à fls. 55/60, 66/74, e, em especial à fls. 82/107, cujo resultado revelou que, excluindo-se os valores que não podem ser abrangidos pelo conceito de saúde da Portaria nº 2.047/02 (apresentados na tabela de fls. 106 como “expurgados”), o Estado do Paraná aplicou em ações e serviços de saúde cerca de R$ 422 milhões, o que representa apenas 7,36%.

O setor de Auditoria do Ministério Público do Paraná elaborou a manifestação de nº 21/2005, que se encontra à fls. 118/128. Referido documento, produzido após o exercício financeiro de 2003 e já baseado no montante efetivamente aplicado em ações e serviços de saúde naquele ano, de acordo com o percentual de 10% estabelecido pela Portaria 2047/GM, de 05/11/2002 e na Resolução CSN nº 322, de 08/03/2003, verificou que, dos R$ 577.455.144,53 que deveriam ter sido aplicados em saúde, apenas R$ 422.398.356 foram efetivamente investidos em referida área, resultando, assim, numa defasagem de aplicação de R$ 155.056.788,01 (cento e cinquenta e cinco milhões, cinquenta e seis mil, setecentos e oitenta e oito reais e um centavo).

A seguir, colacionou-se documento oriundo do Tribunal de Contas (cópia de documento acostado a outro procedimento investigatório em trâmite neste Promotoria de Justiça que visa a averiguar a regular composição e constituição do Fundo Estadual de Saúde), que enuncia haver descumprimento, por parte do gestor estadual, acerca das disposições constitucionais e legais atinentes aos investimentos em saúde no ano de 2003 (fls. 131/139).

Por fim, a título de complementação, o setor de auditoria do Ministério Público confeccionou novo Relatório de Auditoria, a fim de adequar o montante que o Estado do Paraná deveria ter aplicado em saúde em 2003, de acordo com o percentual de 10,75% especificado no artigo 30, inciso VII, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (fl. 11) e Emenda Constitucional nº 29/00, chegou à conclusão de que o réu, em verdade, dos R$ 620.764.280,37 que obrigatoriamente deveriam ter sido destinados em favor da saúde, apenas R$ 422.398.356 foram efetivamente investidos em referida área, resultando, assim, num déficit de aplicação de R$ 198.365.923,85 (cento e noventa e oito milhões, trezentos e sessenta e cinco mil, novecentos e vinte e três reais e oitenta e cinco centavos).

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VI. O SIGNIFICADO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 29/00

Posta a situação fática, há que se recordar que, desde a implantação do Sistema Único de Saúde, o financiamento de suas ações e serviços foi, seguramente, o aspecto mais candente a ele relacionado, eis que a norma constitucional que tratou do assunto - especialmente o antigo parágrafo único, do art. 198, da CF - a despeito de ter aplicabilidade imediata, caracterizava-se como norma aberta.

Até a aprovação da EC nº 29, em setembro de 2000, os governos estaduais e municipais exerciam ampla discricionariedade para destinar ao setor saúde o montante de recursos de suas receitas próprias que bem entendessem de maneira que os investimentos na área sempre foram – e ainda são - incapazes de fazer frente ao grave quadro epidemiológico que se configurou a partir dos processos sociais típicos das últimas décadas8. O reflexo negativo desse contexto sobre o SUS foi a grande ampliação da demanda por ações e serviços públicos, que passaram a ser a única possibilidade em termos de atenção à saúde para milhões de cidadãos brasileiros, notadamente os que se situam na faixa eu medeia entre a pobreza e a miserabilidade.

Desde longa data, porém, forças da sociedade civil organizada têm buscado garantir politicamente a ampliação de recursos financeiros a serem utilizados no setor saúde, a fim de incrementar e aprimorar as ações e serviços prestados pelo SUS e, dessa forma, responder com maior eficácia e efetividade às demandas sanitárias da sociedade.

8 Nas últimas décadas, a sociedade brasileira sofreu drásticas e velozes mudanças, que repercutiram sobre as condições de vida e saúde das pessoas. Em apenas 40 anos – de 1940 a 1980 – a população urbana passou de 31,2% para 67,6%, chegando, em 1991, a 76% e, depois, a estagnação econômica que dominou a década de 80 agravou o quadro de desigualdade social no Brasil e impediu que milhões de brasileiros tivessem acesso a direitos sociais elementares, entre os quais à saúde.

“A participação na renda nacional dos 50% mais pobres caiu, entre 1960 e 1990, de 18% para 12%; enquanto, no mesmo período, os 20% mais ricos elevaram de 54% para 65% seu controle sobre a renda no país.(...) A ineficiência do Estado e a péssima distribuição de renda provocaram uma deterioração da qualidade de vida, evidenciada nos índices que a medem. Na área da educação, os dados são alarmantes. 58% dos brasileiros com mais de 15 anos não vão além da sexta série. Dos alunos que ingressam no ciclo básico, apenas 22% conseguem concluir a oitava série. No México, no Uruguai e na Venezuela, esses percentuais são, respectivamente, de 71,4%, 85,9% e de 73,1%. Aproxima-se o século XXI e o Brasil tem ainda 22% de analfabetos em sua população, mais que o Paraguai (12%), o Chile (6%) e o México (10%). Em cada 10.000 acidentes do trabalho ocorridos no Brasil, 77 provocam a morte do obreiro. (...) Os índices de mortalidade infantil também não inspiram orgulho. Em cada mil crianças nascidas, morrem 69 no Brasil. Em Porto Rico são 15, na Itália 11 e no Japão são apenas 6. GUIMARÃES JÚNIOR, João Lopes. Papel Constitucional do Ministério Público. In: Ministério Público: instituição e processo. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 91-93.

No mesmo sentido, citando dados do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp, José Eduardo Faria indica que ‘os 20% mais pobres tiveram, entre 1960 e 1980, sua participação na renda nacional reduzida de 3,9% para 2,8%; já os 10% mais ricos passaram de 39,6% para 50,9% da renda nacional. Em 1960, os 50% mais pobres da população economicamente ativa detinham 16% da renda total; em 1980, controlavam 14,4% e, em 1983, detinham 12,4% da renda total’. Essa má distribuição de renda propicia um quadro de profunda e perversa injustiça social. GUIMARÃES JÚNIOR, João Lopes. Ministério Público: proposta para uma nova postura no processo civil. In: Op. cit.. p. 150.

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O avanço mais significativo nessa busca ocorreu, indubitavelmente, com o advento da Emenda Constitucional n.º 29/00, que ampliou e tornou mais preciso o conteúdo do art. 198 da CF, acrescentando-lhe os parágrafos 2° e 3° e respectivos incisos, bem como o art. 77 e parágrafos no ADCT, regras que determinam, em síntese, a aplicação de um percentual mínimo de recursos provenientes do tesouro dos Estados em atividades finalísticas de saúde pública.

As Diretrizes Gerais do Relatório da 12ª Conferência Nacional de Saúde,

realizada no ano 20039, sabidamente o maior movimento da sociedade brasileira exercendo diretamente o controle social na saúde no país, ilustraram a preocupação com a aplicação, em ações e serviços de saúde, dos valores e percentuais previstos pela Emenda Constitucional nº 29/00 e pela Resolução CNS nº 322/03.

Dentro das Diretrizes Gerais de tal Conferência delineou-se:

“Solicitar do Ministério Público as providências necessárias para que a União, os estados e municípios cumpram a Emenda Constitucional n.º 29/00 (EC 29/00), bem como as punições para os gestores que não o zerem”.“Propor ações intersetoriais, com execução e gerenciamento exclusivo do poder público, entre os órgãos das três esferas de governo que tenham responsabilidades na promoção da saúde, garantindo investimentos para a política habitacional urbana e rural, geração de emprego e renda, lazer, segurança alimentar e nutricional, preservando-se as determinações da EC 29/00 e garantindo o aumento dos investimentos para as ações de saneamento ambiental, contribuindo para ampliação da oferta e da melhoria da qualidade do abastecimento de água à população, da oferta de rede coletora e de esgoto tratado, da melhoria das condições sanitárias dos domicílios, da ampliação de serviços de drenagem urbana (ambientalmente sustentável), e para a ampliação da coleta, tratamento e destinação final adequada dos resíduos sólidos”.“Apoiar o veto ao artigo 96 da Reforma Tributária que trata da desvinculação de recursos da União (DRU), assim como rejeitar possíveis iniciativas de desvinculação de recursos dos estados e municípios (DRE e DRM) e exigir a aplicação, pelas três esferas de governo, da EC 29/00 e da Resolução 322/03 do Conselho Nacional de Saúde, com a punição dos gestores que não as cumprirem. Dessa forma, os recursos do orçamento da saúde serão aplicados em ações e serviços específicos da saúde e não em condicionantes e determinantes (alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer e acesso aos bens e serviços essenciais), que devem ser financiados por outras fontes”.“Repassar ao orçamento da saúde, além dos recursos determinados pela EC 29/00 para o ano fiscal, os recursos não utilizados no ano fiscal

9 Documento se encontra disponível na página www.ensp.fiocruz.br/radis/web/relatoriofinal12.pdfCENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE

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anterior, aplicando as penalidades previstas na EC 29/00 e nas Leis Federais n.º 8.080/90 e n.º 8.142/90”.

No mesmo documento, a Moção nº 20, aprovada em plenário, expõe que:

“Moção nº 20: O plenário da 12ª Conferência Nacional de Saúde aprova o apoio ao cumprimento da EC 29/00 pela União, estados e municípios e, ao mesmo tempo, de repúdio aos governos estaduais que não obedeceram, em seus orçamentos fiscais para 2004, o cumprimento dessa garantia constitucional e da Resolução nº 322/03 do Conselho Nacional de Saúde, homologada pelo Ministério da Saúde, que define diretrizes para a aplicação da EC 29/00 em todo o território Nacional, bem como o envio, do Ministério Público, de denúncia pela atitude anticonstitucional. Considerando que o adequado e suficiente financiamento do SUS é fator indispensável para sua plena efetivação e que a Emenda Constitucional 29/00 (EC 29/00) significa um avanço no processo da construção do SUS, desde que seu cumprimento seja efetivado, na plenitude, pelas três esferas de Governo”.

Percebe-se, assim, que as normas aditadas no texto constitucional pela

Emenda em foco são extremamente importantes para a consolidação do SUS e sintetizam um dos passos mais significativos que o legislador deu rumo ao aperfeiçoamento do sistema público de saúde, que é, por si mesmo, uma forte síntese e retrato da intensa movimentação democrática dos últimos anos da década de 80, época em que se verificou o ápice da Reforma Sanitária, a efetiva luta de forças da sociedade civil em prol do alcance da garantia da implantação de políticas sanitárias comprometidas com a vida e com a dignidade da pessoa humana, em perfeita consonância com os princípios basilares da Constituição da República.

VII. A COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA ESTABELECER NORMAS GERAIS EM TEMA DE SAÚDE E SEU EFEITO VINCULANTE

A exegese combinada dos art. 23, II, e 24, XII, da Constituição Federal, permite afirmar que, na esfera legislativa, a União tem o poder-dever de expedir normas gerais, os Estados e o Distrito Federal de formular normas supletivas e os Municípios de estabelecerem normas sanitárias de interesse local. Nenhuma das entidades estatais integrantes do SUS, portanto, tem competência exclusiva, quer no campo administrativo ou material, quer no legislativo. No primeiro caso, ela é comum a todos os entes federados e, no segundo, concorrente entre a União e os Estados/Distrito Federal.

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Paulo Affonso Leme MACHADO10, ao tratar do alcance do termo “legislar” empregado na Carta Magna, defende:

“Uma questão de alto interesse jurídico é de situar o alcance da expressão legislar sobre normas gerais de defesa e proteção à saúde por parte da União.O termo `legislar` não se refere somente à lei formal, isto é, àquela proveniente de uma manifestação do Poder Legislativo. Themistocles B. Cavalcanti explicita: Legislar significa criar normas que disciplinam as atividades políticas e administrativas mencionadas expressamente na Constituição, compreendendo principalmente as leis em seu sentido material. É a função normativa em sua significação material, compreende não só o direito substantivo como também o formal... Pontes de Miranda é do mesmo entendimento, assimilando ao termo legislação `qualquer regra jurídica, inclusive o decreto, o regulamento`.(...) Muitos atos administrativos se antecipam às leis específicas. A legalidade, contudo, dos decretos e portarias (...) há de ser medida sob o ângulo do seu fundamento em lei, ainda que esta seja de caráter geral. (...) Não se pode admitir sejam olvidados os decretos e as portarias federais, mesmo que não constituam leis formais. O que é importante pesquisar é se o decreto ou a portaria federal não invadiu o campo constitucional dos Estados (...), pois os atos administrativos federais não podem ser exaustivos... Assim, os Estados (...) em suas leis não podem contrariar aquilo que como norma geral a União dispôs em decretos e portarias no tocante à defesa e proteção da saúde.” (sem grifo no original)

A lição tem aqui um sentido muito especial, pois significa que os atos do CNS e do Ministério da Saúde têm força normativa, devendo ser acatados pelos entes estatais em suas políticas de implementação pública na área da saúde, não podendo ser desrespeitados pela legislação estadual que verse sobre o mesmo assunto.

A Lei Orgânica da Saúde, ao preceituar as atribuições comuns às

diferentes esferas de governo, leva em conta que tais atividades serão desenvolvidas em harmonia com as idéias-força do Sistema Único de Saúde, de modo que a interpretação dessas competências comuns seja sempre extraída da inteligência do conjunto de princípios que dão corpo ao SUS, especialmente os expressos no art. 198 da CF (descentralização, regionalização, conceito de rede de serviços).

Sob tais circunstâncias, as normas editadas pela União devem ser observadas pelos Estados, visto que àquela incumbe a direção nacional do sistema

10 Citado por CARVALHO, G.I; SANTOS, L. Sistema Único de Saúde: comentários à Lei Orgânica da Saúde (Leis n.º 8.080/90 e n.º 8.142/90). 3ª ed., São Paulo: Editora da Unicamp, 2001. p. 136.

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de saúde11, podendo esses, por sua vez, adequar a regulamentação de questões tratadas no âmbito federal, de forma suplementar, por meio de lei ou outro tipo de ato normativo, sem, contudo, contrariá-las, nem tampouco de suas diretrizes essenciais se distanciar. Há, com isso, a conciliação entre as competências da União e dos Estados com a racionalidade que permeia o sistema público de saúde, reconhecendo-se o papel de coordenação nacional desempenhado pela União.

Tal lógica é que empresta validade aos atos que regem mais de perto a matéria desta ação: a Resolução nº 322, do Conselho Nacional de Saúde, e a Portaria nº 2.047, do Ministério da Saúde.

VIII. EMENDA Nº 29 E OS ESTADOS – SUAS OBRIGAÇÕES ESPECÍFICAS RELATIVAS AO FINANCIAMENTO DO SUS

A simples leitura das normas constitucionais específicas permite facilmente deduzir que, até o exercício financeiro de 2004, foi ordenada a aplicação de, no mínimo, doze por cento da receita própria dos Estados em ações e serviços públicos de saúde, estabelecendo no ADCT a regra de transição a ser observada pelos entes federados até aquele ano, qual seja, a redução anual e progressiva da diferença entre o percentual de fato aplicado em saúde e aquele que deve ser à proporção mínima de um quinto ao ano.

Com a finalidade de melhor regulamentar a efetiva execução das disposições constitucionais mencionadas, em novembro de 2002, o Ministério da Saúde publicou a Portaria MS/GM n.º 2.047/02, que estabeleceu as diretrizes operacionais para a aplicação da Emenda Constitucional n.º 29/00, nos moldes preconizados previam pela Resolução CNS n.º 316/02, então de regência12. Dispôs, no seu art. 2º, II, que:

“Para os Estados e os Municípios, até o exercício financeiro de 2004, deverá ser observada a regra de evolução progressiva de aplicação dos percentuais mínimos de vinculação, prevista no art. 77, do ADCT.§ 1º O percentual mínimo de aplicação em ações e serviços públicos de saúde em 2000 é de 7%.§ 2º Os Estados e Municípios deverão aumentar anualmente seus percentuais de aplicação em saúde segundo uma razão fixa mínima, observando-se o seguinte:(...)II – os Estados:a) que tiverem aplicado percentual igual ou inferior a 7%, em 2000,

deverão somar, a partir de 2001, inclusive, a razão de 1 ponto ao

11 Os arts. 9º, 16 e 17 da Lei Federal n.º 8.080/90, dispõem sobre a direção do SUS e competências da União e dos Estados, respectivamente.12 Hoje é a atual Resolução CNS nº 322/03, que reproduziu o teor da antiga Resolução nº 316/02.

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percentual aplicado no exercício anterior, respeitando o disposto no § 1º deste artigo, até 2003, inclusive;

(...)c) Em 2004, deverão aplicar 12% da base de cálculo em ações e

serviços de saúde públicos de saúde. ..”

Em outras palavras, vê-se que desde o ano 2000 os governos estaduais deveriam estar investindo um percentual mínimo de suas receitas próprias em saúde, a partir do patamar de 7% da receita líquida anual, expressamente definido na Constituição Federal como o mínimo a ter sido aplicado naquele exercício, aumentando-o paulatinamente, conforme demonstra a dicção do art. 7º, §1º da Emenda Constitucional 29/00. Tal evolução culminaria, no ano de 2003, com uma aplicação de 10,75% em ações e serviços de saúde, consoante, inclusive, determinação recepcionada no art. 30, inc. VII, da Lei Estadual nº 13727, de 15 de julho de 2002. No entanto, verifica-se que isso não foi cumprido pelo Governo do Paraná.

Assim, se se considerar a dicção do art. 7º, §1º, da EC 29 e do artigo 30, inciso VII, da Lei nº 13727, de 15 de julho de 2002 (fl. 11), o Estado do Paraná, para o ano de 2003, deveria ter aplicado, no mínimo, em ações e serviços de saúde, o percentual de 10,75%13, o que não foi efetivamente realizado.

Mister destacar que para efeitos de cálculo do quantum não aplicado pelo Estado do Paraná em 2003, pelos serviços de auditoria realizados pelo DENASUS e pelo setor de Auditoria do MP (em um primeiro momento – fls. 122/125), foi utilizado o critério de 10%, sem sombra de dúvida mais benéfico ao réu, índice esse previsto pela Portaria GM/MS nº 2.047/02 e pela Resolução CNS nº 322/03 e que, mesmo assim, facilmente percebe-se não ter sido esse percentual respeitado pelo réu.

IX. AS AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE

a) Observações Gerais sobre os Conceitos de “Ações e Serviços de Saúde”

Para a correta compreensão desta causa é fundamental fixar a acepção técnico-jurídica de “ações e serviços de saúde”.

Tal expressão está ligada, na sua raiz, obviamente, ao conceito de saúde, mas com ele não se confunde. Por isso, é necessário retomar o conceito nuclear de saúde a partir da análise conjugada do art. 196 da CF c/c o art. 3º da Lei Orgânica da Saúde (Lei Federal n.º 8.080/90)14:

13 Segundo o preceito da Emenda Constitucional nº 29/00.14 Note-se que a norma do art. 3º da Lei 8.080/90 “classifica-os como fatores “determinantes e e condicionantes”, e não, prontamente, como ações e serviços de saúde”, conforme entendimento do Estado do Paraná para atingir as metas previstas pela Emenda Constitucional 29 no tocante à saúde pública (fonte: Parecer Jurídico/Atricon-Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, jan/2001, Interessado: Ministério da Saúde, Assunto: ações e serviços de saúde).

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Art. 196, CF. “ A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”Lei Federal n.º 8.080/90, art. 3º. “A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.”

Guido Ivan de CARVALHO e Lenir SANTOS15 sustentam, acerca do assunto, que:

“...o artigo 196 deve ser desdobrado em duas partes: 1. a de dicção mais objetiva que obriga o Estado a manter, na forma do

disposto no art. 198 da Constituição e na Lei n.º 8.080/90, ações e serviços públicos de saúde que possam prevenir, de modo mais direto, mediante uma rede de serviços regionalizados e hierarquizados, os riscos de agravo à saúde (assistência preventiva) e recuperar o indivíduo das doenças que o acometem (ações curativas);

2. a de linguagem mais difusa que corresponde a programas sociais e econômicos que visem à redução coletiva de doenças e seus agravos, com melhoria da qualidade de vida do cidadão.”

O entendimento acima traz, em síntese, duas perspectivas sobre o tema saúde: uma estrita, pragmática, de caráter mais delimitado, e outra ampla, estrutural, de caráter absolutamente difuso.

Vê-se, assim, que o conceito de saúde e, por conseqüência do direito a ela correspondente, encerra complexidade, estendendo-se para muito além da simples ausência de doença (que era o primitivo conceito de saúde, manejado antes de 1948), alcançada mediante a oferta de serviços essencialmente assistenciais (preventivos e curativos típicos) – perspectiva estrita - para incluir outros condicionantes, de índole econômica e política, voltados à proteção geral da coletividade, que interferem direta e indiretamente no bem-estar físico, social e mental de cada indivíduo – noção difusa (critério adotado atualmente pela Organização Mundial de Saúde), tais como as determinantes da alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, renda, educação, lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais, segundo preceito do art. 3º da Lei nº 8.080/90.

15 CARVALHO, G.I; SANTOS, L. Sistema Único de Saúde: comentários à Lei Orgânica da Saúde (Leis n.º 8.080/90 e n.º 8.142/90). 3ª ed., São Paulo: Editora da Unicamp, 2001. p. 41.

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Dessa forma, é evidente que a realização do direito à saúde, amplamente considerado, invoca a conjugação de esforços de vários setores da Administração porque, em última análise, está diretamente relacionado com a qualidade de vida de todos e de cada um, sofrendo influência em maior ou menor grau de várias políticas públicas.

Porém, aqui importa aplicar a noção estrita de saúde (caso contrário, perderia sentido à própria EC/29).

Na hipótese vertente, o que deve ocorrer, por meio da atuação do Poder Executivo (SESA), é a alocação de todos os recursos envolvidos no custeio de sua atividade finalística (prestação de ações e serviços de saúde) no Fundo Estadual de Saúde sob fiscalização do Conselho correspondente, conforme estabelece a Lei Federal nº 8.080/90.

b) O Conceito S tricto Sensu de “Ações e Serviços Públicos de Saúde” – sua Incidência na Espécie

O artigo 6º, da Portaria GM/MS nº 2.047/02 define “despesas em ações e serviços públicos de saúde” como:

“Art. 6° Para efeito da aplicação do art. 77 do ADCT, consideram-se despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas de custeio e de capital, financiadas pelas três esferas de governo, relacionadas a programas finalísticos e de apoio que atendam, simultaneamente, aos princípios do art. 7° da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às seguintes diretrizes:I – sejam destinadas às ações e serviços de acesso universal, igualitário e gratuito;II – estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada Ente Federativo;III – sejam de responsabilidade específica do setor de saúde, não se confundindo com despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que incidentes sobre as condições de saúde.Parágrafo único. Além de atender aos critérios estabelecidos no caput, as despesas com ações e serviços de saúde, realizadas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios deverão ser financiadas com recursos alocados por meio dos respectivos Fundos de Saúde, nos termos do art. 77, § 3º, do ADCT”.

Por sua vez, o art. 8º define o que não são consideradas “ações e serviços de saúde”:

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“...não são consideradas como despesas com ações e serviços públicos de saúde, para efeito de aplicação do disposto no art. 77 do ADCT, as relativas a:I – pagamento de aposentadorias e pensões;II – assistência à saúde que não atenda ao princípio da universalidade (clientela fechada);III – merenda escolar;IV – saneamento básico, mesmo o previsto no inciso XII do art. 7º, realizado com recursos provenientes de taxas ou tarifas e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, ainda que excepcionalmente executado pelo Ministério da Saúde, pela Secretaria de Saúde ou por entes a ela vinculados;V – limpeza urbana e remoção de resíduos sólidos (lixo);VI – preservação e correção do meio ambiente, realizadas pelos órgãos de meio ambiente dos Entes Federativos e por entidades não-governamentais;VII – ações de assistência social não vinculadas diretamente à execução das ações e serviços referidos no art. 7º, bem como aquelas não promovidas pelos órgãos de Saúde do SUS;Parágrafo único. Não integrarão o montante considerado para o cálculo do percentual mínimo constitucionalmente exigido:(...)II – no caso dos Estados, (...) as despesas listadas no art. 7º, no exercício em que ocorrerem, realizadas com receitas oriundas de operações de crédito contratadas para financiá-las. (grifo nosso)

Assim sendo, a única acepção de ação e serviço público de saúde aceitável, no caso, é a que se volta basicamente para o conjunto de serviços de caráter assistencial, preventivos e curativos, ofertados pelo SUS à população, disciplinados nos arts. 5º, III, e 6º e incisos da Lei nº 8.080/9016.

16

1

Art. 6º, Lei nº 8.080/90: Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):I - a execução de ações:a) de vigilância sanitária;b) de vigilância epidemiológica;c) de saúde do trabalhador; ed) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;II - a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico;III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde;IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção;VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde;VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano;IX - a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico;

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Sabe-se que a organização do Poder Executivo se dá mediante a repartição de receitas e atribuições entre seus órgãos. Se os recursos são divididos, as responsabilidades também o são (e efetivamente devem sê-lo), de modo que cada entidade executora aja comprometida com o alcance de suas finalidades específicas, para as quais foi especial e administrativamente concebida.

Ora, caso todas as áreas que possuem, em maior ou menor grau, alguma relação com a saúde pudessem livremente incluir suas ações e serviços entre aqueles custeados com os recursos advindos da EC nº 29, forçoso também seria reconhecer que os respectivos recursos inerentes a cada um desses setores “extra-saúde” passariam por lei (Lei Federal n.º 8.080/90, art. 33 e ss.), a ser considerados recursos próprios da saúde e, por conseqüência, por essa Pasta deveriam ser diretamente geridos, mediante a alocação integral dos mesmos no Fundo Estadual de Saúde e com aplicação em conformidade com o contido no Plano Estadual de Saúde, sob a fiscalização do correspondente Conselho. A não ser assim, o percentual de receita para a saúde, estabelecido pela EC n.º 29/00, restaria totalmente prejudicado e sem efeito.

Em outras palavras, a evidente intenção da EC nº 29 foi ampliar o

volume de receita, garantindo sua aplicação exclusivamente no Sistema Único de Saúde. Se não houver esse limite, permitir-se-á ao administrador público alegar que qualquer ação ou serviço público pode estar coberto pelo abrangente e subjetivo “guarda-chuva” que representaria o conceito amplo de ações e serviços de saúde. Com isso, o percentual exigido para aplicação na área da saúde pública até poderia ser ficticiamente demonstrado nos balanços do governo, mas sem que nenhum investimento realmente novo tivesse sido realizado. Através dessas manobras meramente cosméticas de contabilidade pública, esvaziar-se-ia completamente o propósito da norma constitucional, comprometendo a viabilidade do SUS e, conseqüentemente, o interesse e o dever primário do Estado em realizar o direito ora em comento.

Por tudo isso, somente o conceito estrito de saúde é aceitável como delimitador das realizações insertas no cálculo de percentuais de recursos investidos em ações e serviços públicos de saúde.

c) O Errôneo Entendimento da Administração Estadual sobre o Conceito de “Ações e Serviços de Saúde”

XI - a formulação e execução da política de sangue e seus derivados

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Comparando-se as informações provindas do Executivo estadual lançadas no PA nº 174/02 (fls. 30/32) com o exposto na Portaria MS/GM n.º 2.047/02, conclui-se que houve inclusão de despesas na conta da saúde de atividades que se situam entre aquelas a serem excluídas do conceito considerado, tais como, exemplificativamente: serviço de assistência à saúde da SESP, manutenção do ensino em Jacarezinho, PARANASAN, TECPAR - produção de vacina (fls. 106).

Isso quer dizer que, à primeira vista, do percentual apresentado inicialmente pelo governo como investimento no setor saúde devem ainda ser deduzidas as parcelas correspondentes a todas as atividades que nele não são admitidas como pertinentes.

Ou seja: o Estado do Paraná além de aplicar recursos na promoção, manutenção e recuperação da saúde muito aquém do devido, ainda “enxerta” gastos impróprios, para inflar artificialmente o seu percentual orçamentário, o que a toda vista mostra-se inadequado e ilegal.

X. ESTADO DO PARANÁ: O EFETIVO DESCUMPRIMENTO DA EC 29/00, DA LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS DO ESTADO E OS NÚMEROS QUE O REVELAM

a) os Números Produzidos pela Administração Estadual

Consoante as informações trazidas ao PA n.º 174/02, a verdade incontestável é que a administração pública, por qualquer critério que se empregue, jamais integralizou o aporte de recursos que lhe cumpria no campo da saúde.

De início, é importante lembrar que a fonte oficial de dados destinados a subsidiar o acompanhamento e a fiscalização das aplicações financeiras em saúde é, em princípio, o SIOPS - Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde do Ministério da Saúde – no qual a responsabilidade de alimentar o sistema com informações fidedignas é do próprio declarante, neste caso a Secretaria de Saúde do Estado, nos termos do § 2º, do art. 9º da Portaria MS/GM n.º 2.047/02.17

No Paraná, observa-se que, até a presente data, o SIOPS sistematicamente não está tendo informações adequadas, havendo omissão de dados

17 Idealizado em 1999 pelo Ministério da Saúde e implementado pela Portaria Interministerial MS/GM n.º 1.163/00, o SIOPS organiza e executa a coleta, o processamento e a disponibilização de informações sobre receitas e gastos na área da saúde pública. Contém registros que possibilitam melhorias no planejamento, gestão e avaliação acerca do financiamento do setor, bem como proporciona maior transparência para a atuação do controle social sobre os gastos públicos investidos nessa seara. É o instrumento, por excelência, destinado ao acompanhamento, fiscalização e controle da aplicação dos recursos vinculados a ações e serviços públicos de saúde, conforme estabelece o art. 9º da Portaria MS/GM n.º 2047/02. Por isso, e também porque é de preenchimento obrigatório, é que deve ser considerado como fonte primária de informação sobre a questão ora enfocada.

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imprescindíveis. Com isso, frustra-se o seu maior propósito, que é justamente o da publicidade de investimentos, que possibilita o seu controle e fiscalização.

A não alimentação de dados ao SIOPS, além de frustrar a publicidade dos investimentos em saúde, ainda implica reconhecimento de que os percentuais aplicados em referida área estão aquém do preceituado constitucionalmente.

Sendo assim, os percentuais informados no Procedimento Administrativo Ministerial n.° 174/02, os quais após os devidos levantamentos, podem ser assim consolidados:

QUADRO COMPARATIVO

1) QUADRO COMPARATIVO ENTRE OS PERCENTUAIS APLICADOS NO SETOR SAÚDE, DE ACORDO COM A DETERMINAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 29/00 E LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS DO ESTADO, E OS PRATICADOS PELO PARANÁ, NO ANO DE 2003, SEGUNDO FONTES DO PRÓPRIO GOVERNO ESTADUAL (SESA/ISEP E SEFA), da AUDITORIA DO MINISTÉRIO PUBLICO/CAOP , CONSELHO ESTADUAL DE SAÚDE DO PARANÁ E DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE AUDITORIA DO SUS -DENASUS

Ano

Percentual a ser aplicado em

ações e serviços de saúde, de acordo com a

Emenda Constitucional nº

29/00 e Lei de Diretrizes

Orçamentárias nº 13.727/02

Ministério Público (Relatório de Auditoria nº 33/2005)

Valores aplicados pelo

Estado do Paraná

Valores que deveriam ter

sido aplicados pelo Estado

Déficit apresentado no ano de 2003 na área de saúde

2003 10,75%R$ 422.398.356,52

R$ 620.764.280,37

R$ 198.365.923,85

Como se observa, os recursos próprios estaduais aplicados no setor saúde no ano de 2003 são absolutamente insuficientes quando confrontados com os valores

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determinados pela EC. n.º 29/00, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Resolução CSN nº 322, de 08/03/2003 e Portaria nº 2047/GM de 05/11/2002.18

A partir da conversão dos índices acima citados, tem-se como não aplicado em saúde, em 2003, um valor de R$ 198.365.923,85 (fls. 169/171).

b) O Que Preceituou a Lei Orçamentária do Paraná para 2003

É imprescindível comentar a informação constante na lei orçamentária do ano aqui discutido, de cujos anexos19 extrai-se que a vinculação constitucional dos recursos do tesouro estadual, divulgada pela Secretaria Estadual da Fazenda, demonstra que foi previsto o percentual de 10,75%, mas este, além de não obedecido na prática, ainda teve incluídos em seu bojo valores que não poderiam ser considerados pertencentes à categoria “ações e serviços de saúde”.

E mais: conforme Resolução nº 15/2003 do CES20, o Estado deixou de propor a pactuação com objetivo de recompor os valores financeiros devidos nos anos de 2000 a 2002, objeto da Ação Civil Pública nº 1989/2003, em trâmite perante a 1ª Vara da Fazenda Pública desta Capital (fls.50).

c) O Que Diz o Departamento Nacional de Auditoria do SUS

18 Quadro comparativo entre os percentuais aplicados no setor saúde, de acordo com a determinação da Portaria 2047/GM, de 05/11/2002 e Resolução CNS 322, DE 08/03/2003, e os praticados pelo Paraná, no ano de 2003, segundo fontes do próprio Governo Estadual (SESA/ISEP E SEFA), da Auditoria do Ministério Público/CAOP, Conselho Estadual de Saúde do Paraná e do Departamento Nacional de Auditoria do SUS -DENASUS

ANO% mínimo de recursos a ser aplicado em ações e serviços de saúde públicos, consoante determinação da

Portaria nº 2047/GM, 05/11/02 e Resolução CSN nº 322, de 08/03/2003% de recursos efetivamente aplicado pelo Estado do Paraná, consoante informação doDENASUS**MP***

200310% 7,36%7,3%

19 Documento anexo ao Procedimento Administrativo 174/02.20 “Resolução CES/PR nº 15/2003. Considerando: a diretriz constitucional do controle da sociedade no SUS; a urgência de alocar recursos provenientes do tesouro estadual no SUS; o arcabouço legal existente sobre a destinação de recursos financeiros para o SUS; a inexistência de uma proposta concreta da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2004.

Resolve:Que a SESA/ISEP viabilize suplementação orçamentária, visando recompor o orçamento da saúde no ano de 2003, alcançando o patamar de 10,75%, de acordo com a Emenda Constitucional nº 29/2000, Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano de 2003 e artigo 23 da Lei nº 13980/2002”

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Informação do Departamento Nacional de Auditoria do SUS – Denasus demonstra que o percentual aplicado pelo Governo estadual no exercício financeiro de 2003, em ações e serviços públicos de saúde, foi de 7,36%, em manifesto contraste com a legislação mencionada no relatório de fls. 82/111.

Importante ressaltar o contido no último parágrafo do documento de fls. 109 e no documento de fls. 110

“Considerando as receitas demonstradas no quadro nº 05 e as despesas do quadro nº 13 acima, verifica-se que o Governo do Estado do Paraná aplicou efetivamente no exercício de 2003 o valor de R$ 422.398.356,52 correspondendo a 7,36% de suas receitas em saúde, não atendendo o contido na Emenda Constitucional nº 29/2000, que exige um percentual mínimo de 10% não atingindo a meta de 10,75% proposta no orçamento inicial do Estado, informado na Lei de Diretrizes Orçamentárias nº 13.727/02”.

“O Governo do Estado do Paraná não cumpriu com as formalidades da EC 29/00, quando aplicou apenas 7,36% dos recursos próprios em ações e serviços de saúde no exercício de 2003, não atingindo o mínimo de 10% exigido pela Portaria nº 2.047/02 e Resolução nº 322/03 do Conselho Nacional de Saúde.”

“Em face das análises e comentários sobre os recursos aplicados com ações e serviços de saúde relacionados pela SEFA,no balanço de 2003, com a finalidade de cumprir as exigências da Emenda Constitucional nº 29/2000, concluímos que o Governo do Estado do Paraná não cumpriu com os valores mínimos para aplicação de recursos na área da saúde,conforme determina a legislação vigente”

Oportuno destacar, ainda, a partir do relatório do DENASUS que, após a devida análise técnico-contábil das contas estaduais referentes a 2003, evidenciou-se que dentre os gastos efetivados com saúde, muitos deles não se encaixavam no conceito estrito de “ações e serviços de saúde”, tanto assim que foram do cálculo final expurgados: valores inseridos em área de ensino (Programa de Apoio a mestrados na área da saúde, instalação de recém doutores na área da saúde, iniciação científica na área e recursos para financiamento de cursos de mestrado e doutorado), bem como outros referentes a outras áreas (CEP Paranasan, SUDERHSA saneamento básico, TECPAR produção de vacina, SEAP assistência de saúde em folha, pensão especial para hanseníase SEAP) são, a toda evidência, não pertencentes ao conceito estrito de saúde (Portaria nº 2.047/02)21, comprovando-se, desta maneira, que o Estado, além de

21 Referidas despesas não podem ser admitidas como despesas com atividades finalísticas de saúde pública, nem como serviços disponibilizados para a população em geral, pois se referem a ações que se dirigem, claramente, a clientelas fechadas, completamente destituídas do caráter universal que regra o SUS, ou despesas cuja responsabilidade específica não pertence ao setor saúde propriamente dito, advindo de atividades desenvolvidas por outros órgãos do Executivo no desempenho de suas atribuições específicas, e que apenas porque guardam algum parentesco indireto e distante com a saúde pública.

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não aplicar o mínimo constitucional em saúde, ainda enxerta em referida pasta valores que nada ou pouco se encaixam ao seu conceito (fls. 103 e 109).

d) As Impropriedades Constatadas através da Auditoria do Ministério Público

A análise realizada pelo serviço de auditoria do Ministério Público do Paraná, constante à fls. 36/40 e complementado às fls.122/132 e 169/171, fundamentou-se tanto nas determinações da Emenda Constitucional n.º 29/00, Lei de Diretrizes Orçamentárias, como nas demais normas relacionadas à matéria, especialmente o contido na Resolução CNS n.º 316/02 (hoje Resolução CNS n.º 322/03 – publicada no DOU. de 05/06/2003, Seção 1, Página 26 e 27) e na Portaria MS/GM n.º 2.047/02, além de dados apresentados pelo próprio governo estadual.

Frisou-se em referida auditoria que o total das receitas realizadas no exercício de 2003 (base de cálculo do valor a ser aplicado em saúde) foi de R$ 422.398.356,52, mas considerando o percentual de 10,75% exigível para o exercício de 2003, estabelecido na EC 29/2000 e na Lei de Diretrizes Orçamentárias, o Estado do Paraná deveria ter aplicado em ações e serviços de saúde o montante de R$ 620.764.280,37.

Portanto, verificou-se que o Estado do Paraná deixou de aplicar o montante de R$ 198.365.923,85 em ações e serviços de saúde no exercício de 2003.

d) A posição do Tribunal de Contas do Estado

O Tribunal de Contas do Estado do Paraná, através de sua 2ª Inspetoria de Controle Externo, em manifestação contida em outro Procedimento Administrativo, o de n º 140/03, em trâmite nesta Promotoria de Justiça, que cuida do Fundo Estadual de Saúde, concluiu pela completa ilegalidade dos atos do Estado do Paraná.

Cópias dos documentos correspondentes naquele autuado foram encartadas neste, tornando-se importante destacar do pronunciamento do TCE (fls.135/143) que:

“Saliente-se que a Inspetoria Geral de Controle, para efeito de análise das contas governamentais, tem promovido ajustes nos valores apresentados pelo Governo do Estado, desconsiderando, a exemplos dos demonstrados na tabela acima,certos gastos apresentados pelo Governo

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Estadual como efetivados em ações e serviços públicos de saúde, os quais, no entanto, não preenchem os requisitos legais para tanto.Dentre os motivos da desconsideração estão:Despesas custeadas por fontes diferentes das receitas tributárias, consoante mandamento constitucional;Despesas apresentadas sem o detalhamento necessário,não permitindo-se inferir o seu relacionamento com ações ou serviços públicos de saúde”

Mais adiante:

“De todo exposto, pode-se inferir que, o Governo Estadual não está cumprindo os mandamentos constitucionais e legais a respeito da aplicação de recursos em ações e serviços de saúde, em especial pelos seguintes motivos:1. por estar considerando como tais os gastos realizados órgãos componentes da Administração Pública Direta e Indireta, contrariando a orientação constitucional para a reunião dos recursos em um único Fundo de Saúde;2. por estar considerando como gastos realizados com ações e serviços públicos de saúde, despesas que não reunem os requisitos para tanto, tais como, despesas custeadas por recursos diferentes daqueles oriundos da Receita dos Impostos previstos na EC 29/00;3. por estar considerando como gastos realizados com ações e serviços públicos de saúde,despesas apresentadas sem o detalhamento necessário, que permitam inferir o seu relacionamento com as referidas ações ou serviços;4. por não estar aplicando em ações e serviços de saúde os percentuais mínimos exigidos pela referida Emenda Constitucional.”

Enfim, todos os órgãos que fiscalizaram o orçamento de saúde (DENASUS, TCE e MP) chegaram à mesma conclusão: o Estado foi omisso quanto ao seu dever legal.

XI. O CONTROLE SOCIAL DESRESPEITADO. A DÍVIDA DO ESTADO PARA COM A SAÚDE, SEU TÍTULO E CONFISSÃO.

A Lei Federal n.º 8.142/90 versa sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e, também, sobre as transferências de recursos que para ele são destinados.

Segundo esse diploma legal, os conselhos nacional, estaduais e municipais de saúde são órgãos colegiados compostos por representantes do Governo, dos prestadores de serviços, dos profissionais de saúde e dos usuários do

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SUS, que atuam, em caráter permanente e deliberativo, na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive no que tange aos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo (art. 1º, § 2º, da Lei Federal n.º 8.142/90).

Em outras palavras, tem-se que os referidos colegiados são instâncias que expressam o exercício concreto de poder decisório do povo, na medida em que permitem a interferência direta e legítima da comunidade nas decisões acerca das ações e serviços públicos de saúde que a ela são ofertados, acompanhando-os e fiscalizando-os. Representam os Conselhos de Saúde uma das formas mais elaboradas de exercício da cidadania que melhor consagram os ideais democráticos do Estado, em absoluta sintonia com o que revela o parágrafo único, do art. 1°, da Constituição Federal:

“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Tamanha é a importância desses entes que constituem eles órgãos permanentes e de caráter deliberativo, vale dizer que não se prestam apenas a serem consultados sobre determinada matéria, senão que devem ter suas decisões, de regra, homologadas pelo administrador.

Relembre-se que homologar, no dizer de PLÁCIDO E SILVA22, “exprime o ato pelo qual a autoridade judicial ou administrativa ratifica, confirma ou aprova um outro ato, a fim de que possa investir-se de força executória ou apresentar-se com validade jurídica, para ter eficácia legal.”

Assim sendo, em sede administrativa, homologar é o meio de controle da legalidade do ato administrativo, efetuado pela autoridade competente, à qual não cabe, em princípio, perquirir sobre o conteúdo da deliberação tomada pelo Conselho de Saúde. Assim é, até mesmo porque a Administração Pública tem representante nato nessa instância de controle, podendo, portanto, participar legitimamente das discussões que antecedem a tomada de qualquer decisão. É essa dimensão democrática dos Conselhos de Saúde que exprime, na prática, o pluralismo político que fundamenta a República Federativa do Brasil (art.1°, V, CF), na medida em que coloca em correlação direta, num mesmo ambiente, diferentes forças sociais, representativas de distintos interesses, para que debatam e balizem seus entendimentos sobre determinado tema, externando, no final, uma única decisão que, pelo menos em tese, deve corresponder à síntese possível, à solução para o momento e caso considerados.

Evidente, além disso, que a intenção das normas ao estabelecerem a sistemática de controle social é, justamente, garantir a transparência na gestão dos recursos destinados à saúde pública, colocando-os sob a fiscalização de órgão

22 Citado por CARVALHO, G.I; SANTOS, L. Op. cit.. p. 301.CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE

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composto por representantes da sociedade, estimulando, assim, a participação da população na condução das políticas públicas sanitárias.

No caso sob análise, no entanto, importa salientar o descaso do Poder Executivo para com o papel do Conselho de Saúde do Paraná, cujas manifestações sobre o objeto dessa ação foram reiteradamente desrespeitadas.

Vê-se nos autos que o Governo Estadual, a despeito do teor das Resoluções CES nº 31/02 (fls. 26), 22/02 (fls. 27) e 15/2003 (fls. 50) e 23/2003 (fls.51), todas devidamente homologadas pelo Secretário Estadual de Saúde, jamais tencionou em segui-las na prática.

A despeito da desobediência do gestor às Resoluções acima citadas, o Conselho Estadual de Saúde, após exaustivo trabalho analítico, concluiu, em tais documentos, que o Estado do Paraná não cumpriu a meta constitucional da Emenda 29 no ano de 2003, tendo-se verificado, ainda, que foram apresentadas despesas, pela Secretaria Estadual da Fazenda, incluídas entre aquelas consideradas da saúde, que não devem integrar a base de cálculo para fins de cumprimento dos parâmetros constitucionais em foco.

Fruto disso, a Resolução CES/PR n.º 15/03 (fls. 50), aprova a viabilização de suplementação orçamentária para 2003, visando a recompor o orçamento da saúde para tal ano, com vistas a alcançar o 10,75% de acordo com a Emenda Constitucional 29/00 e Lei Estadual de Diretrizes Orçamentárias.

Ora, o que daí se extrai é a explícita confissão da dívida pelo próprio gestor estadual do SUS e o reconhecimento de seu critério de cálculo (Emenda Constitucional 29/00 e Lei de Diretrizes Orçamentárias).

Ao homologar – e assim tornar juridicamente eficaz e vinculante – a decisão do Conselho de Saúde do Paraná que declara, com todas as letras, a necessidade de alocação dos recursos previstos na EC n.° 29/00, no orçamentos deste (2003), tudo conforme a Resolução nº 22/02 (fls. 27), o Estado concretiza esse reconhecimento.

Sem qualquer sombra de dúvida, o Estado do Paraná “confessou a dívida” acumulada na área de saúde, inclusive sublinhando que os valores a serem considerados para fins de cálculo devem obedecer ao estabelecido na referida Emenda Constitucional e na Lei Estadual nº 13.727/02, o que significa dizer que qualquer eventual controvérsia que ainda remanescesse acerca do que pode ou não ser integrado na conta da saúde pública, restaria completamente esvaziada de sentido.

Entretanto, o Governo do Paraná, mesmo tendo assumido objetiva e publicamente a dívida em foco, simplesmente descartou o posicionamento do Conselho de Saúde, ignorando a referida decisão e, sem qualquer razão plausível,

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deixou de incluir, como devia, na lei orçamentária de 2003 os valores necessários ao cumprimento da EC 29/00.

Feitas essas considerações, observa-se que o documento de fls. 169/171, pertencente ao relatório de Auditoria do Ministério Público do Paraná n.º 21/2005, relata os valores que deixaram de ser aplicados em saúde pública pelo Estado do Paraná, em consonância com a dicção da Emenda Constitucional 29/00 (art. 7º, §1º).

Logo, a mais superficial verificação dos números apurados pela Auditoria do Ministério Público e pelo DENASUS permite concluir que o Estado do Paraná não cumpriu as determinações da EC n.º 29/00 e Lei de Diretrizes Orçamentárias, tendo aplicado em ações e serviços públicos de saúde muito menos recursos do que deveria ter feito durante 2003, além de incluir como “despesas com saúde” itens que delas não fazem parte, conforme se afirmou acima.

Pergunta-se: o que custou essa ausência dos devidos recursos em sofrimento e perdas às pessoas que aqui vivem e necessitam utilizar do Sistema Único de Saúde?

XII. A INFUNDADA VERSÃO DO ESTADO DO PARANÁ SOBRE A APLICAÇÃO DOS RECURSOS EM SAÚDE, EXERCÍCIO 2003.

Após cientificar-se de todo o contido neste procedimento administrativo, o Estado do Paraná, na tentativa de justificar sua atuação, alegou, em síntese, ter havido constitucionalidade e legalidade na aplicação de recursos efetuados na área de saúde, exercício de 2003, pois: i) a Portaria GM/MS nº 2047/02 e a Resolução nº 322/02, utilizadas para amparar a análise e a avaliação do referido exercício, “não podem servir de disciplina normativa cogente e substitutiva da espécie legislativa exigida no texto constitucional, a saber, Lei Complementar”; ii) também por ausência de Lei Complementar, não há nenhum desenho acerca do significado da expressão “ações e serviços públicos de saúde”, capaz de vincular a atuação administrativa; iii) o Estado aplicou, na área da saúde, verbas a mais do que a meta mínima instituída legal e constitucional e, no seu entender, houve “plena consonância” entre os gastos efetuados na área de saúde e o disposto na Lei nº 8080/90 (fls. 152/164).

Da leitura dos motivos de fato e de direito apresentados, torna-se possível perceber que não existe qualquer razão ao Estado do Paraná. Porém, por questão metodológica e para que tudo reste bem esclarecido, importante expender algumas considerações sobre as alegações de defesa apresentadas pelo réu no procedimento administrativo.

Conforme enfatizado, a saúde é um dos direitos que devem ser concretizados por meio de políticas públicas, como forma de alcançar a dignidade da pessoa humana, encurtando a distância que existe entre a normatividade constitucional

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e a realidade constitucional, já que esta se encontra em desvantagem em relação àquela. Para diminuir esse espaço, o Estado, em caráter de obrigatoriedade, não pode deixar de atuar para proteger direitos fundamentais, sobretudo os prestacionais originários, rol no qual se amolda, com perfeição, a saúde pública, por força constitucional, garantindo-lhes inteira eficácia, ainda que de forma progressiva, já que possuem aplicação imediata23, não sendo correto afirmar que dependem para a perfectibilização de norma regulamentadora/ lei complementar.

Em razão disso, diferentemente do alegado pelo réu, deve o Estado atuar de forma a garantir o adequado financiamento da saúde, uma vez que linhas, mais do que gerais, já estão traçadas no âmbito constitucional e infraconstitucional e ainda que não houvesse tal definição legislativa, o direito prestacional originário da saúde e, conseqüentemente, o adequado financiamento das ações e serviços de saúde poderia ser reclamado. É o que razoavelmente se espera do Estado, diante de hermenêutica respeitosa aos direitos fundamentais, não havendo como prosperar qualquer dos argumentos do Estado do Paraná em sua defesa.

Prova disso é que, consoante frisado, para atingir esse desiderato e evitar que o investimento em saúde pública ficasse restrito àquilo que os governantes entendessem como necessários, o constituinte derivado logrou acrescentar, através da EC nº 29/2000, os parágrafos 2º e 3º ao artigo 198 da Constituição Federal, prevendo a aplicação de recursos mínimos da carga orçamentária da União, dos Estados, dos Municípios e Distrito Federal para financiar as ações e serviços públicos de saúde. Ainda com o objetivo de que a questão restasse respeitada com resolutividade e conferir aplicação imediata ao dispositivo constitucional, resultou elaborada regra de transição constante do art. 77 do ADCT, de onde se infere a previsão, de forma gradativa, dos percentuais mínimos a serem direcionados às ações e serviços prestados via SUS, até o ano de 2004.

Levando-se em consideração a necessidade de aplicação de recursos mínimos e tendo em vista que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único, constata-se que os gastos devem enquadrar-se ao disposto no artigo 200 da Carta Magna24 e nos artigos 5º e 6º da Lei nº 8080/90, além de atender aos princípios norteadores do SUS

23 Art. 5°, § 1°, da CF.24 “Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I- controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse da saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III- ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV- participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V- incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VI- fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII- participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII- colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”

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(universalidade, igualdade, integralidade da assistência), sob pena de se efetuar gastos atinentes a outras áreas da Administração, em manifesto prejuízo à saúde pública.

Portanto, equívoco há em afirmar a “necessidade de Lei Complementar para delinear o significado da expressão “ações e serviços públicos de saúde””, já que essas iniciativas (ações e serviços públicos de saúde) são tratadas e definidas nos planos constitucional e legal, sendo também certo a desnecessidade de regulamentação, já que o próprio §3º, do art. 198, da Constituição Federal é claro em apresentar as hipóteses que carecem de estabelecimento através de Lei Complementar e, consoante facilmente se percebe, não há qualquer menção nesse dispositivo às ações e aos serviços de saúde pública.

Além do mais, sem querer ser repetitivo (item IX supra), conquanto seja possível imaginar que todos os gastos capazes de repercutir, ainda que indiretamente, no bem-estar das pessoas, propiciando-lhes benefícios para a saúde, possam ser compreendidos como ações e serviços de saúde, deve-se, para o alcance do cumprimento da EC nº 29/2000, pautar-se por uma acepção mais estreita, sob pena de se inviabilizar a adequada gestão e planejamento na seara da saúde.

Tanto isso é verdade que, a Quinta Diretriz da Resolução CNS n° 316/02 (corroborada pela Quinta Diretriz da Resolução CNS 322/03), bem como o artigo 6°, da Portaria MS/GM n° 2047/02, estabeleceram quais as hipóteses que podem ser consideradas como despesas em ações e serviços de saúde, enquanto que, a título de complementação, o artigo 8° dessa portaria torna claro quais as despesas que não podem ser compreendidas como ações e serviços públicos de saúde, para efeito de aplicação do disposto no art. 77 do ADCT.

Portanto, apenas um conceito restrito, uma interpretação restritiva de ações e serviços de saúde torna-se aceitável como fator a ser utilizado no cálculo do percentual de recursos a serem investidos pelo réu em ações e serviços de saúde, não havendo, de igual forma, qualquer dúvida sobre quais iniciativas podem ser consideradas como de saúde, posto que perfeitamente delineadas no âmbito da constituição, na Lei n° 8080/90 e nas normatizações editadas pelo Ministério da Saúde, sobretudo para restar respeitado o princípio da universalidade.

Dessa forma, consoante apontam as informações que acompanham esta petição inicial, por qualquer critério que se empregue, o Estado do Paraná jamais integralizou o aporte de recursos que lhe cumpria no campo da saúde.

Valendo-se dos próprios exemplos apresentados pelo réu em sua

manifestação, os recursos destinados pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior com a administração e manutenção do ensino de Educação Física e Fisioterapia em Jacarezinho-PR e as verbas encaminhadas pela Secretaria de Estado de Agricultura e do Abastecimento à defesa sanitária vegetal, devem ser considerados como indevidos, pois enquanto o primeiro, serve

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“exclusivamente” para manter o ensino superior com os cursos mencionados (fl. 101), beneficiando apenas seus integrantes, deixando de atender toda a sociedade e de promover benefício de forma geral e igualitária, em manifesto prejuízo à configuração do princípio da universalidade das ações e serviços; o segundo, por sua vez, não encontra justificativa na Portaria GM/MS n° 2047/02 (fl. 107), justamente em razão de que a ação deveria ser executada através de financiamento específico, não proveniente da saúde.

Apenas para proporcionar melhor compreensão da matéria, ainda que assim não fosse, ainda que se entendesse que essas despesas possam ser consideradas como de saúde – o que a toda vista não reúne as mínimas condições de subsistir -, tais alocações de recursos continuam a apresentar-se como ilegais e inconstitucionais, já que nesta seara todos os recursos públicos devem ser aplicados, obrigatoriamente, por meio dos Fundos de Saúde25, que funcionam como receptores único dos valores. No âmbito dos Estados a receita é encaminhada ao Fundo Estadual de Saúde, cuja gerência somente pode ser feita pelo Secretário de Estado da Saúde, sob a fiscalização do Conselho Estadual de Saúde, circunstâncias essas que, segundo confissão apresentada, não vêm sendo observadas pelo Estado do Paraná, visto que, nos exemplos citados, se o objetivo principal realmente fosse a saúde, deveria a verba ser dirigida exclusivamente pela Secretaria de Estado da Saúde e não por intermédio de gestores outros que não o da saúde, em flagrante prejuízo do SUS, vulnerando, por igual, os princípios de transparência e unicidade. Aliado a isso, tais valores sequer foram submetidos à deliberação do Conselho Estadual de Saúde, o que por si só já seria suficiente para descaracterizar legalmente a proposição governamental de que são recursos destinados à saúde.26

Portanto os argumentos apresentados pelo réu, constituem-se em tentativa desesperada de alcançar a qualquer custo, os números percentuais estabelecidos pela EC 29/00 e Lei Estadual de Diretrizes Orçamentárias no tocante à saúde, enxertando ações e despesas com ela juridicamente incompatíveis.

Mister destacar que todos esses fatos não são do desconhecimento do ilustre Procurador do Estado, o eminente Professor Clèmerson Merlin Clève, pois em palestra proferida no último Congresso Estadual do Ministério Público, ocorrida em 09/12/04, no Município de Foz do Iguaçu, brindou a vários Promotores e Procuradores de Justiça, com o ensinamento no sentido de que diante de direitos como a saúde (prestacional originário), deve ocorrer a insistência na tese de que incumbe ao Poder Público consignar na peça orçamentária as dotações necessárias para o alcance de suas realizações progressivas, no intuito de alcançar a perfeita implementação de políticas públicas.

Por tudo isso, não há como negar auto-aplicação à EC n° 29, já que seu cumprimento depende, tão somente, da realização de cálculos matemáticos para a

25 Art. 77 do Ato das Disposições Transitórias, com redação dada pela EC nº 29/2000.26 Essas irregularidades também são objeto de investigação, através de procedimento administrativo em trâmite nesta Promotoria de Justiça, em vias de ser concluído.

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correta destinação, progressiva, dos recursos a serem direcionados à saúde pública, sendo que tal interpretação, de caráter restrito, é a única possível de conferir eficácia jurídica e social aos preceitos da emenda. A respeito, assinala o constitucionalista Luís Roberto Barroso:

“[...] Há um certo consenso de que se interpretam restritivamente as normas que instituem as regras gerais, as que estabelecem benefícios, as punitivas em geral e as de natureza fiscal”.27

Diante da real importância dirigida ao financiamento das ações e serviços, a referida emenda incluiu, dentre as hipóteses de intervenção da União nos Estados, Municípios e no Distrito Federal, por exemplo, a não aplicação dos percentuais do orçamento próprio com o custeio das ações e serviços públicos de saúde (art. 34, inc. VII, al. “e”, e art. 35, inc. III, ambos da CF/88).

Como se não bastasse, a omissão na aplicação de verbas vinculadas às ações e serviços públicos de saúde também autorizam a retenção e o condicionamento dos recursos a serem repassados aos Estados pela União, através do Fundo de Participação dos Estados – FPE.

Em razão do arcabouço normativo presente em nossa lei maior, não há como o Estado subtrair-se à adequada aplicação de recursos, a tal ponto de que não há como afirmar ser essa matéria posta à discricionariedade do Estado, consoante pretende o réu, já que, ao contrário, consoante já exposto, trata-se, in casu, de ato administrativo vinculado, do qual não pode o Administrador Público se furtar, ante a necessidade de sua observância cogente, sob pena de o ente federado ser submetido à intervenção da União.

Mesmo assim, o Estado do Paraná, descurando de seus deveres para com a sociedade, procura a todo custo, frustrar o direito à saúde a todos os paranaenses assegurados, continuando a financiar inadequadamente a saúde.

Prova disso é o conteúdo da matéria publicada no jornal “Gazeta do Povo”, do dia 10 de junho de 2005, à fl. 11, intitulada “MINISTÉRIO DA SAÚDE PODE CORTAR VERBAS DE ESTADOS . Paraná seria um dos atingidos em razão de determinação legal” (fl. 167):

“O PARANÁ PODE PERDER DINHEIRO DO GOVERNO federal se manter os gastos com saúde abaixo do que determina a lei. O Ministério

27 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 121.

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da Saúde está definindo uma forma de premiar estados que cumprirem a emenda constitucional n° 29, de 2000, que determinou aos estados metas de investimentos da receita própria com saúde. Estados que não cumprirem a emenda, devem receber menos recursos. Com isso, o Paraná deve ser uma das unidades da federação mais prejudicadas com a resolução.Pela última avaliação publicada pelo Ministério da Saúde, referente a 2003, o Paraná é o terceiro estado que mais deixou de aplicar em saúde, ganhando apenas de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. O estado teria aplicado 7% do orçamento com a pasta, faltando R$ 242,8 milhões para completar o porcentual de 10% do orçamento, previsto para 2003. A emenda previa um aumento progressivo de investimento na área da saúde, partindo de 7% em 2001 e chegando a 12% em 2004.O Paraná contabiliza gastos com saneamento básico e pagamento de servidores inativos nas despesas com saúde, o que entra em conflito com uma resolução de 2003 do Conselho Nacional de Saúde. Essa resolução é utilizada pelo ministério para medir os investimentos feitos nos estados, que retirou do montante declarado pela Secretaria estadual da Saúde despesas que não considera sendo da pasta, resultando na diferença” (grifo nosso).

A situação não pode mais perdurar! É chegado o momento de se dar um basta, pois sua manutenção produz seqüelas em muitos, resultantes ou do atendimento intempestivo ou do não-atendimento de suas necessidades vitais manifestas, em prejuízo da eficaz concretização da saúde.

XIII. DAS CONSEQUÊNCIAS JUDICIAIS RESULTANTES DO IRREGULAR FINANCIAMENTO DA SAÚDE

Diante a falta de estrutura, de materiais, de assistência farmacêutica e/ou de leitos, que o equivocado financiamento da saúde acaba produzindo, cada vez mais está aumentando a interposição de ações judiciais contra o Estado, obrigando a função jurisdicional examinar, com freqüência maior, conflitos jurídicos de interesses ajuizados por usuários do SUS ou por instituições legitimadas a buscar a reparação da insatisfação social.

A correta aplicação dos valores na área da saúde, além de obedecer aos ditames legais, traria consequências imediatas ao panorama atual de saúde no Estado do Paraná, diminuindo as filas por leitos em UTI, a busca por medicamentos, pela execução de exames ou de adequadas ações e serviços de saúde através da via judicial.

Dessa forma, além de procurar alcançar o encaminhamento, ao Fundo Estadual de Saúde, do montante que o Estado do Paraná deixou de aplicar em saúde,

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serve, também, esta ação para evitar a continuidade da interposição de um número elevado de ações versando sobre saúde pública, o que obstruiria ainda mais a assoberbada função jurisdicional e facilitaria o registro de possíveis sentenças contraditórias.

Em outras palavras, ao se combater a inadequada aplicação de recursos em ações e serviços de saúde, tal iniciativa serve para fazer frente à litigiosidade de massa, propiciando a satisfação das necessidades e aspirações comuns na seara da saúde.

XIII. A TUTELA ANTECIPADA

A concessão da tutela antecipada constitui-se em ferramenta de extrema utilidade contra os males decorrentes do tempo de tramitação do processo, exigindo a presença de dois requisitos essenciais: prova inequívoca do alegado e a verossimilhança da alegação.

Para a agilização da entrega da prestação jurisdicional, não subsiste qualquer dúvida quanto à existência – mais do que provável na espécie - do direito alegado, consoante se infere dos argumentos e dispositivos legais mencionados. Ademais, tal afirmativa parte do reconhecimento de que prova inequívoca não é aquela utilizada para o acolhimento final da pretensão, mas apenas o conjunto de dados de convencimento capazes de, antecipadamente, através de cognição sumária, permitir a verificação da probabilidade da parte requerente ver antecipados os efeitos da sentença de mérito.

Na hipótese vertente, a prova material inequívoca pode ser inferida por meio de toda a documentação coligida no Procedimento Administrativo e pelas razões de direito supra invocadas.

Por conseqüência, a verossimilhança do direito invocado acaba também se tornando evidenciada, com forte juízo de probabilidade, mais que isso, de certeza, ante a flagrante desobediência do réu às normas constitucionais e infraconstitucionais, o que cada vez mais vem dificultando o alcance da reparação necessária. Em outras palavras, o fator verossímil exigido está patenteado nas conclusões apresentadas pela Auditoria do Departamento Nacional de Auditoria do SUS-DENASUS, do Ministério Público e pelo relatório apresentado pelo Tribunal de Contas do Estado (fls. 136/144), além das Resoluções emanadas do Conselho Estadual de Saúde, no exercício do Controle Social.

Na seara da saúde, a não resolução dos problemas, em hipótese nenhuma pode ser admitida como realidade imutável e despida de qualquer conseqüência. Sempre haverá conseqüências, algumas irreparáveis.

No caso concreto, existe o receio de dano irreparável que se configura como um dano potencial, ante o agudo contraste entre a conduta do réu e as normas constitucionais citadas, caracterizando efetiva e permanente lesão à saúde e à vida dos

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cidadãos, que ocorre dia a dia nos hospitais, nos ambulatórios, nas farmácias, como conseqüência advinda da não aplicação de recursos orçamentários na saúde pública. Disso dão testemunha os jornais e todos os demais meios de comunicação, quase diariamente. Poder-se-ia trazer à colação centenas de reportagens a respeito. Mas é desnecessário. O descalabro é tristemente notório. São milhares de pessoas que, por ausência de recursos públicos e, ipso facto, de estrutura sanitária, flagrados em corredores de hospitais e postos de saúde sem assistência, tendo agravada sua situação de saúde, quando não perdendo a própria vida. A situação é muito mais do que dramática: é constitucionalmente escandalosa e socialmente chocante.

Portanto, estender tal estado de coisas ao julgamento final da ação significa, sem rebuças, permitir a permanência indefinida dessas verdadeiras barbaridades.

Em sede de saúde coletiva, a escassez de investimentos, apesar de histórica, não pode ser admitida como realidade imutável e despida de qualquer conseqüência, até mesmo porque a sociedade, representada no Congresso Nacional, ao editar a Emenda Constitucional 29 veio interromper a cadeia de desatenção e absurda insuficiência de recursos, que muito perdurou nessa seara apesar da dicção do art. 196 da Constituição Federal provir de 1988. A omissão do Estado, quando deixa de aplicar os percentuais orçamentários devidos no setor, produz, no mínimo, a impossibilidade de ampliar a oferta dos serviços já existentes ou promover a melhoria de sua qualidade e, apenas por isto, como já se disse, gera milhares de desatendidos, sem consultas médicas, sem exames, sem internamentos hospitalares, sem vigilância sanitária, sem vigilância epidemiológica, afetando a saúde do trabalhador, a qualificação dos recursos humanos, prejudicando, concretamente, o controle e a fiscalização de alimentos, água e bebidas para o consumo humano, a execução da política de sangue e seus derivados, o controle e a fiscalização de substâncias tóxicas e radioativas, enfim, todo o arcabouço de atribuições que integra o SUS constante do art. 6º da Lei Federal n.º 8.080/90.

Essa omissão atinge a todos indiscriminadamente, inclusive os que, eventualmente, detenham cobertura de planos de saúde que, como se sabe, não apostam na assistência integral como o SUS e, assim, também estão fadados a sofrer os maléficos efeitos de semelhante política econômica quando lhes falta atendimento para os procedimentos mais caros e complexos e têm que recorrer à assistência pública de saúde.

Mas o aspecto mais impiedoso que daí resulta é que os maiores lesados acabam sendo sempre aqueles mais pobres, sem qualquer outra forma de atenção médica privada e que não dispõem de formas de organização e reação a tal contexto de negação. Estão fadados, em muitos casos, a perecer anonimamente, muitas vezes da mesma forma anódina que existiram para o Estado ao longo de suas vidas.

O dano decorrente da pré-falada omissão, tem caráter difuso e é de difícil mensuração, mas atinge a sociedade como um todo e pode ser percebido nos baixos

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indicadores gerais de saúde, tão divulgados pelas mídias contemporâneas, sobre os quais repercute de forma mais negativa ainda.

Deduz-se do exposto que a realidade da saúde paranaense é caótica, permanecendo grande parte da população refém do descaso do Estado que, mesmo tendo ciência dessas e de outras mazelas advindas da insuficiência de recursos aplicados na área, bem como do teor da norma constitucional inserta na Emenda 29, nada faz (ou melhor, faz deliberadamente a menos), negligenciando que inúmeras pessoas têm, diariamente, o seu direito à saúde absolutamente frustrado, restando-lhes seqüelas que deverão ser por elas suportadas, resultantes ou do atendimento intempestivo ou do não-atendimento de suas necessidades vitais manifestas, chegando inclusive ao ponto de ver em risco a própria vida ou sobrevivência. Caso tivessem sido investidos os valores constitucionalmente devidos em ações e serviços públicos de saúde, é inquestionável que grande parte desses verdadeiros flagelos pessoais e coletivos teriam sido certamente evitados.

Enfim, qual o custo humano – social e individual – que se está a pagar em relação a isto? É ele justo? Que crença poderá haver, para todos nós, acerca da validade do pacto social primário, de valores fundamentais para o ser humano nele estabelecidos, a persistir tal quadro?

A intervenção do Poder Judiciário, neste momento, será crucial na formulação dessas respostas.

E não se diga ser impossível a concessão de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública.

Depreende-se da jurisprudência do col. Tribunal de Justiça do Paraná a manifesta possibilidade de concessão de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública. A respeito:

“Mandado de segurança – Liminar Deferida – Fornecimento de medicamento necessário a saúde da agravada – razões do recurso que insurgem contra a possibilidade de concessão de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública - § 3., artigo 1., da Lei nº 8.437/92 – Inaplicabilidade no caso em comento – Relevância dos direitos invocados pela recorrida – Agravo improvido. A vedação contida no artigo 1. da Lei nº 8.437, de 1992, especificamente no § 3., não prevalece quando o assunto em debate referir-se ao direito a saúde e à vida, assegurados a todos os cidadãos.”28

Destaca-se que a questão não fica restrita à jurisprudência, pois consoante corretamente enfatizado pelo Juiz de Direito Carlos Roberto Feres:

28 TJPR. Ac nº 24.091. Rel. Dilmar Kessler. julg. Em 10/11/2004, unân. CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO À SAÚDE

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“O poder do juiz de conceder ou não a antecipação da tutela não configura um ato discricionário na acepção que tal ato possui no direito administrativo. O Juiz tem, isso sim, se configurados os requisitos previstos no art. 273 e seus parágrafos e incisos do Código de Processo Civil, não apenas o poder, mas o dever de conceder a antecipação. Seu campo de atuação “discricionário” (relativa margem de liberdade de escolha) está apenas dentro dos limites impostos pelo legislador, mesmo quando interpreta conceitos vagos ou indeterminados, influenciando, certamente, na formação de sua convicção, não apenas sua formação pessoal, mas o meio social em que vive e as circunstâncias fáticas que cercam o pedido.”29

A isso soma-se o ensinamento doutrinário acerca da possibilidade de antecipação da tutela em desfavor do Poder Público:

“como bem acentua Hugo de Brito Machado, com apoio no pensamento de Calmon de Passos, a tutela antecipada foi instituída exatamente para viabilizar a execução provisória em hipótese nas quais isto não seria possível. Quer porque ainda inexista sentença, quer porque esta, já prolatada, está com seus efeitos suspensos pela interposição de recursos. Ora, se o escopo da antecipação é acautelar o direito do autor, sob ameaça de perecimento, e punir o réu, cuja conduta no processo é reprovável, que razão existe para se supor que contra a Fazenda Pública não se possa prover acautelamento ou sancionar o seu comportamento réprobo. Absurda se nos afigura qualquer interpretação que, à luz dos dizeres do art. 273, incisos e parágrafos, discrimine o Estado para torná-lo isento à precipitação de efeitos. Assim, quer se enxergue o problema pelo prisma constitucional ou processual específico, uma e somente uma é a conclusão possível: também contra a Fazenda Pública cabe a antecipação de tutela.”30

No caso em tela, encontrando-se plenamente fundado o pedido da exordial no dever previsto pela Emenda Constitucional nº 29/00, na urgência em prestar os serviços de saúde à população paranaense, na assombrosa situação em que se encontram os estabelecimentos hospitalares e o atendimento médico em nossas cidades, e na relevância dos serviços que deixaram de ser prestados pelo Estado em função da sua negligência em destinar as verbas constitucionalmente previstas para a saúde, é inafastável (e não pode haver demora, pelos danos que ela trará consigo) a antecipação da tutela, conforme esposado acima.

29 FERES, Carlos Roberto. Antecipação da tutela jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 81. Com o mesmo entendimento José Roberto dos Santos Bedaque destaca que: “Caso se verifiquem os pressupostos legais, é seu dever fazê-lo. Existe, é verdade, maior liberdade no exame desses requisitos, dada a imprecisão dos conceitos legais. Mas essa circunstância não torna discricionário o ato judicial”. In: Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 244.30 MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Tutela Antecipada. 2. ed. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 619.

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Logo, diante das conseqüências irreversíveis que advêm da imperdoável omissão do Estado, é que se pleiteia a concessão da tutela antecipada, no sentido de determinar seja depositado no Fundo Estadual de Saúde, de imediato e mensalmente, no mínimo 1% da dívida orçamentária demonstrada às fls. 169/171 (R$ 198.365.923,85 – cento e noventa e oito milhões, trezentos e sessenta e cinco mil, novecentos e vinte e três reais e oitenta e cinco centavos), cominando-se multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo atraso no cumprimento da decisão que a conceder, nos termos da Código de Processo Civil, arts. 273 e 461, §4º, mas a ser paga com recursos públicos, porém nunca os relativos à própria área da saúde (fundo de saúde), pois se assim for se estará novamente penalizando a população e estabelecendo contradição lógica com a presente demanda.

Em tempo, destaque-se a inexigibilidade de caução (artigo 588, inciso II, do CPC), uma vez que a transferência dos valores se dará do Tesouro para o Fundo Estadual de Saúde, conta cujo gestor é a Secretaria Estadual de Saúde, órgão do Estado do Paraná. Raciocínio diverso importaria em exigir-se caução da Fazenda Pública Estadual para garantir débito dela própria.

XV. O PEDIDO

Isso exposto, pleiteia-se:

1) o recebimento da presente petição, com a documentação em anexo, e sua respectiva autuação e registro;

2) a concessão da antecipação de tutela pleiteada e especificada no item anterior, inaudita altera pars e independentemente de justificação prévia ou, se a entendendo necessária, observado o prazo de setenta e duas horas da Lei Federal n° 8.437/92;

3) a cominação de multa diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), pelo não cumprimento da medida antecipada;

4) seja julgado procedente o pedido, com lastro preferencial na metodologia final de cálculo esposada à fls. 169/171, determinando-se sejam pagos todos os valores devidos pelo Estado do Paraná, consoante determinação da Constituição Federal, para aplicação na área de saúde, vale dizer o remanescente orçamentário do ano de 2003, no importe respectivo de R$ 198.365.923,85 (cento e noventa e oito milhões, trezentos e sessenta e cinco mil, novecentos e vinte e três reais e oitenta e cinco centavos), em conformidade com a Auditoria realizada, valor acrescido de juros e correção monetária, a ser depositado no Fundo Estadual de Saúde, regulamentado pela Lei Estadual nº 10.703, de 10 de janeiro de 1994 e regulamentado pelo Decreto nº 4.029/94, assim como pelo Código de Saúde do Estado do Paraná (Lei nº 13.331/01);

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5) a produção, na hipótese de se mostrar necessária, de todas as provas legalmente admissíveis, especialmente inquirição de testemunhas, juntada de documentos (nos termos do artigo 397 do Código de Processo Civil) e exames periciais que se fizerem necessários;

6) a condenação do réu nos ônus de sucumbência acaso cabíveis;

7) a dispensa de pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, conforme estabelecido no art. 18 da Lei de Ação Civil Pública.

Dá-se à causa o valor de R$ 198.365.923,85 (cento e noventa e oito milhões, trezentos e sessenta e cinco mil, novecentos e vinte e três reais e oitenta e cinco centavos) para efeitos fiscais.

P. Deferimento.

Curitiba, 04 de julho de 2005.

Marcelo Paulo Maggio Luciane Maria Duda

Promotor de Justiça Promotora de Justiça

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