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Ministério Público Estado de Goiás EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE MINEIROS/GO O Ministério Público do Estado de Goiás, por seu órgão que esta assina, no uso e gozo de suas atribuições legais, vem, mui respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com esteio na Lei 7.347/85 e nas disposições do artigo 129, III da Constituição Federal, art. 25, IV, alínea "b", da Lei Federal n. 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e art. 110, §3º, da Lei Orgânica do Município de Mineiros e da legislação processual civil, vêm pelo presente ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA INIBITÓRIA com pedido de LIMINAR (Poder Geral de Cautela) e de Improbidade Administrativa em face do MUNICÍPIO DE MINEIROS, pessoa jurídica de direito público interno, representado pela chefe do executivo, Prefeita Municipal NEIBA MARIA MORAES BARCELOS, brasileira, casada, portadora da carteira de identidade n. 2.478.313 e do CPF n. 377.503.721-72, residente e domiciliada na Rua 10, qd.06, lt. 03, Mineiros/GO, e do MINEIROS ESPORTE CLUBE – MEC, pessoa jurídica de direito privado, que promove o incentivo ao esporte, especialmente o futebol amador e profissional, associação civil fundada em 1952, filiado à Federação Goiana de Futebol e à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), inscrita no CNPJ 03.239.015/0001-03, situada na Rua 10, s/n, Centro, Mineiros/GO, que deverá ser citada na pessoa do seu presidente e vereador desta cidade Reginaldo do Vale Resende (Minduim), NEIBA MARIA MORAES BARCELOS, prefeita municipal, brasileira, casada, portadora da carteira de identidade n. 2.478.313 e do CPF n. 377.503.721-72, residente e domiciliada na Rua 10, qd.06, lt. 03, Mineiros/GO; REGINALDO DO VALE RESENDE, vereador desta cidade que pode ser localizado em seu local de trabalho, qual seja, Câmara Municipal, Praça José Alves de Assis;

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Ministério PúblicoEstado de Goiás

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE MINEIROS/GO

O Ministério Público do Estado de Goiás, por seu órgão que esta assina, no uso e gozo de suas atribuições legais, vem, mui respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com esteio na Lei 7.347/85 e nas disposições do artigo 129, III da Constituição Federal, art. 25, IV, alínea "b", da Lei Federal n. 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e art. 110, §3º, da Lei Orgânica do Município de Mineiros e da legislação processual civil, vêm pelo presente ajuizar

AÇÃO CIVIL PÚBLICA INIBITÓRIA com pedido de LIMINAR (Poder Geral de Cautela) e de Improbidade Administrativa em face do

MUNICÍPIO DE MINEIROS, pessoa jurídica de direito público interno, representado pela chefe do executivo, Prefeita Municipal NEIBA MARIA MORAES BARCELOS, brasileira, casada, portadora da carteira de identidade n. 2.478.313 e do CPF n. 377.503.721-72, residente e domiciliada na Rua 10, qd.06, lt. 03, Mineiros/GO, e do

MINEIROS ESPORTE CLUBE – MEC, pessoa jurídica de direito privado, que promove o incentivo ao esporte, especialmente o futebol amador e profissional, associação civil fundada em 1952, filiado à Federação Goiana de Futebol e à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), inscrita no CNPJ 03.239.015/0001-03, situada na Rua 10, s/n, Centro, Mineiros/GO, que deverá ser citada na pessoa do seu presidente e vereador desta cidade Reginaldo do Vale Resende (Minduim),

NEIBA MARIA MORAES BARCELOS, prefeita municipal, brasileira, casada, portadora da carteira de identidade n. 2.478.313 e do CPF n. 377.503.721-72, residente e domiciliada na Rua 10, qd.06, lt. 03, Mineiros/GO;

REGINALDO DO VALE RESENDE, vereador desta cidade que pode ser localizado em seu local de trabalho, qual seja, Câmara Municipal, Praça José Alves de Assis;

Ministério PúblicoEstado de Goiás

SERGISLEI CARRIJO DA SILVA, vereador desta cidade e Presidente da Casa de Leis, que pode ser localizado em seu local de trabalho, qual seja, Câmara Municipal, Praça José Alves de Assis;

WASHINGTON LUÍS ALVES DA COSTA, vereador desta cidade que pode ser localizado em seu local de trabalho, qual seja, Câmara Municipal, Praça José Alves de Assis;

PAULO ADVÍNCULA DA CUNHA, vereador desta cidade que pode ser localizado em seu local de trabalho, qual seja, Câmara Municipal, Praça José Alves de Assis;

DONIZETI LOPES PEREIRA, vereador desta cidade que pode ser localizado em seu local de trabalho, qual seja, Câmara Municipal, Praça José Alves de Assis;

SÍLVIO AZARIAS DE OLIVEIRA, vereador desta cidade que pode ser localizado em seu local de trabalho, qual seja, Câmara Municipal, Praça José Alves de Assis;

ERNESTO VILELA DE RESENDE, vereador desta cidade que pode ser localizado em seu local de trabalho, qual seja, Câmara Municipal, Praça José Alves de Assis;

em defesa dos direitos dos contribuintes deste município e do respeito à Lei Orgânica Municipal, pelas razões que passa a expor:

DOS FATOS

No mês de janeiro/2007, recesso legislativo, surpreendentemente, os vereadores foram convocados extraordinariamente para votação de projeto de lei do Poder Executivo; a convocação extraordinária ocorre quando a matéria legislativa a ser votada é de extrema urgência (relevância pública).

Pois bem, a finalidade dessa convocação era a seguinte: aprovação de projeto legislativo número 01/2007, que autoriza o Poder Executivo a repassar (doar) ao Mineiros Esporte Clube – Mec, entidade privada com finalidade lucrativa (esporte profissional do futebol, série A), recursos públicos, correspondente a R$200.000,00 (duzentos mil reais), em quatro repasses mensais.

Tal projeto de lei (01/2007) foi submetido à votação nos dias 25 e 26 de janeiro próximo, e aprovado pelos membros do Poder Legislativo Municipal, dando ensejo à fase

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seguinte que é a sanção, promulgação e publicada Lei Municipal por parte da Prefeita Municipal, Sra. Neiba Maria Barcelos.

O diploma normativo em epígrafe, “Autoriza o repasse de recursos financeiros à entidade que menciona e dá outras providências” e tem a seguinte redação (doc apenso):

“Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a firmar Convênio com o Mineiros Esporte Clube-MEC, podendo repassar subvenção a título de contribuição, a quantia de R$200.000,00 (duzentos mil reais), divididos em quatro repasses mensais, sucessivos, e proporcionais, ocorrendo a transferência à conta de dotação prevista no vigente orçamento.

Art. 2º Fica o Poder Executivo autorizado a firmar convênio com a entidade referida no art. 1º desta Lei, nos termos constantes do respectivo plano de aplicação.

Art. 3º A transferência da subvenção autorizada no art. 1º desta lei fica condicionada à comprovação de regularidade através de prestação de contas de subvenções e convênios anteriores.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

A finalidade é ajudar o “Mecão” a prosseguir com seu “desempenho” no campeonato “Goianão2007” cuja classificação, conforme site da própria entidade, é a de segundo colocado na 1ª fase do Grupo B (doc. Anexo).

DA VEDAÇÃO DE DESTINAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS

ÀS ENTIDADES PRIVADAS COM FINALIDADE LUCRATIVA

A Lei Orgânica do Município de Mineiros estabelece, em seu artigo 110, §3º, estabelece que:

“§3º- É vedada à destinação de recursos públicos para auxílio ou subvenção as instituições privadas com fins lucrativos.”(sic)

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O artigo 110 do diploma regulador do Município de Mineiros trata do Sistema Único de Saúde, dos recursos públicos e de sua limitação (não doação para terceiros particulares) para que haja o fornecimento regular de serviços médicos e medicamentos aos cidadãos.

Contudo, a saúde pública de Mineiros está sendo cotidianamente criticada por vários moradores; no Ministério Público semanalmente comparecem cidadãos doentes, necessitando de cirurgias, remédios e outros atendimentos, narrando que foram até os locais públicos de atendimento e sequer foram atendidos!

É de conhecimento público, Excelência, que há poucas semanas no Hospital Municipal foi afixada uma placa dizendo que o Município só atenderia cidadãos residentes no Município que comprovassem essa condição; em caso de morador que não tenha o respectivo título eleitoral, o direito constitucional à saúde lhe é negado! Uma vergonha!

Mas o Município, embora não forneça o atendimento à saúde constitucionalmente obrigado, semana passada demonstrou-se preocupado com o “bem estar” dos torcedores do Mineiros Esporte Clube – “Mecão”!, a “Águia do Vale do Araguaia”!?!; remeteu ao Poder Legislativo projeto de lei, com urgência, para permissão de repasse de R$200.000,00 (duzentos mil reais) ao clube privado, para ajudar o time a disputar o campeonato estadual (veja bem, disputar!, campeonato!); ora, coitadinho dos jogadores profissionais que trabalham para o MECÃO! Não estão contente com os seus salários mínimos! ! !; e a saúde, esquecida...

E se a saúde do Município fosse adequada e houvesse efetivamente um bom atendimento, será que, a despeito de vedação da Lei Orgânica, há outra área de prioridade constitucional que mereceria maior respeito pelo Município? A resposta é simples: inúmeras. Cite-se, como exemplo, criança e adolescente e em geral, a educação. Há salas de aula em Mineiros em que os alunos estudam em verdadeira situação desumana, diante da temperatura existente dentro das salas de aula! Há também sala de aula que mais se parece com escolas do interior do nordeste mais precário! E o dinheiro público que está “sobrando” vai para o Mecão?

Em respeito à discricionariedade administrativa, não houvesse a vedação legal, poder-se-ia até se admitir; contudo, o legislador derivado municipal não pode deixar de observar o que dispõe a Lei Orgânica do Município de Mineiros: É vedada a destinação de recursos públicos para auxílio ou subvenção às instituições privadas com fins lucrativos!

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DA CONFIGURAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA PROFISSIONAL COMO ENTIDADE COM FINALIDADE LUCRATIVA

Mário Luiz Delgado, advogado e assessor parlamentar da Câmara dos Deputados, redator de alguns dispositivos do Novo Código Civil, no texto que se encontra em anexo à presente, demonstrou com clareza que o Código Civil alterou substancialmente a natureza jurídica dos clubes e associações desportivas ou sociedades desportivas que tenham como finalidade o Esporte Profissional. Colaciono parte de sua exposição que é clara e de despicienda explicação:

“No Brasil, a grande maioria dos clubes, quer sociais ou profissionais, sempre adotou a forma de associação ou de sociedade civil sem fins lucrativos, indiferentemente, mesmo porque o velho Código não distinguia os dois conceitos. Já os clubes de futebol profissional, independentemente de serem associações ou sociedades civis, são considerados pela lei brasileira como "entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais" . A Lei nº 9.615, de 1998, com as alterações promovidas pela Lei nº 9.981, de 14.7.2000, procurou incentivar a que essas entidades que exploram o desporto profissional adotassem outra forma jurídica mais apropriada às suas atividades , facultando aos clubes uma das três alternativas seguintes : 1. Transformarem-se em sociedades civis de fins econômicos; 2. transformarem-se em sociedades comerciais ; ou 3. Constituir ou contratar sociedade comercial para administrar suas atividades profissionais. Na hipótese de optarem por transmudar a sua natureza jurídica de associação para a antiga sociedade comercial, hoje sociedade empresária, determinou a lei que a entidade não poderia utilizar seus bens patrimoniais, desportivos ou sociais para integralizar sua parcela de capital, salvo com a concordância da maioria absoluta da assembléia-geral dos associados e na conformidade do respectivo estatuto. Apesar da faculdade e dos incentivos oferecidos, a maioria dos clubes de futebol, ao que parece, preferiu, sobretudo por questões fiscais, manter a forma associativa.

A Medida Provisória nº 79, de 27 de novembro 2002, por sua vez, ao ensejo de adaptar o tratamento diferenciado do desporto profissional à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - novo Código Civil, estabeleceu , entre outras providências, que a exploração e gestão do desporto profissional constituiriam "exercício profissional de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, inclusive para efeito do disposto no Livro II da Parte Especial da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil". (Art. 2º ) E facultou às entidades desportivas (aí incluídas as entidades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais, as ligas em que se organizarem e as entidades de administração de desporto profissional) constituírem-se regularmente como sociedades empresárias, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 do Código Civil ( Art. 7º ). Apesar de falar em faculdade, a norma é impositiva e praticamente obriga a imediata transformação dessas entidades, ao estabelecer, em

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seu art. 9º, que as entidades desportivas que não se constituírem regularmente em sociedades empresárias, além de ficarem impedidas de obter empréstimos, financiamentos ou patrocínios de entidades ou órgãos públicos, inclusive empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, pela União, estarão sujeitas ao regime da sociedade em comum, em especial ao disposto no art. 990 do Código Civil, que atribui responsabilidade solidária e ilimitada a todos os sócios pelas obrigações sociais. Nesse particular, a MP nº 79 repete regra anteriormente constante da MP nº 39, norma provisória que veio a ser rejeitada pelo Congresso Nacional. Essa MP nº 39 já havia estabelecido que "em face do caráter eminentemente empresarial da gestão e exploração do desporto profissional, as entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as ligas em que se organizarem que não se constituíssem em sociedades comerciais ou não contratassem sociedades comerciais para administrar suas atividades profissionais equiparar-se-iam, para todos os fins de direito, às sociedades de fato ou irregulares, na forma da lei comercial " . E nesse tipo de sociedade, despiciendo lembrar , a responsabilidade dos sócios é sempre solidária e ilimitada.”

Dessa forma, a omissão de regularização jurídica do Mineiros Esporte Clube será objeto de futura intervenção ministerial, o que não afasta a sua natureza de entidade que tenha finalidade lucrativa, até mesmo porque integrante de todos os campeonatos de Futebol Profissional.

DA CONVOCAÇÃO EXTRAORDINÁRIA

DA CÂMARA MUNICIPAL E SUA PREVISÃO

NA LEI ORGÂNICA

A Lei Orgânica Municipal estabelece em seu artigo 30 que a convocação extraordinária da Câmara Municipal dar-se-á:

“I- Pelo Prefeito Municipal, quando a entender necessária;

II- Pelo Presidente da Câmara, quando a entender necessária;”

Cada um dos vereadores receberam, pelos dois dias de convocação, pagamentos extras para aprovarem o projeto de lei “urgente”, PARA PERMITIR, mesmo

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contrariando a própria Lei Orgânica Municipal, ao Poder Executivo, doar dinheiro público a entidade privada com finalidade lucrativa (clube de futebol profissional).

Ora, a disposição da Lei Orgânica que estabelece a convocação extraordinária e o recebimento das diárias foi devidamente respeitado; contudo, houve, pelos vereadores, “vista grossa” à proibição da distribuição de dinheiro público a particulares, texto este também inserido na carta municipal. Esses são os representantes do povo!

DAS VIOLAÇÕES DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ADMINISTRATIVOS:

A questão discutida na presente lide é saber se pode o administrador do patrimônio da coletividade, ainda que autorizado por lei, transferir a terceiros recursos públicos, na forma de subvenções, no atendimento de interesses particulares de dirigentes de clube de futebol e de torcedores (eventualmente eleitores), desrespeitando Lei Orgânica Municipal?

Trata-se de questão de alta indagação e que demanda a prévia lembrança de alguns princípios que norteiam a Administração Pública, entendida esta como “a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade do âmbito federal, estadual ou municipal, segundo os preceitos do Direito e da moral, visando o bem comum” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 17ª edição, Ed. Malheiros, pág. 79).

Pelo princípio da legalidade o administrador fica adstrito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, deles não podendo se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal; mas não se trata apenas de mera sujeição à lei formal, haja vista que esta, para revestir-se de validade, tem, necessariamente, que se subsumir ao Direito, ao ordenamento jurídico e às normas e princípios constitucionais, inclusive à moralidade e à finalidade administrativa.

O princípio da moralidade administrativa, com assento constitucional, obriga o gestor da coisa pública, como ensina Hauriou, a distinguir entre o bem e o mal, entre o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, e, sobretudo, entre o honesto e o desonesto. O ato administrativo, assim, não deve obediência apenas à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, na esteira do que já proclamavam os romanos: non omne quod licet honestum est.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro observa, com propriedade: "não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conceito de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige a proporcionalidade entre os meios s os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos

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à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos”. E arremata: “a partir do momento em que a CF, no art. 37, inseriu o princípio da moralidade entre os de observância obrigatória pela Administração Pública e, no art. 5°, inciso LXXIII, colocou a lesão à moralidade administrativa como um dos fundamentos da ação popular, ela veio permitir duas conclusões: a primeira é a de que o ato administrativo imoral é tão inválido quanto o ato administrativo ilegal; a Segunda é uma conseqüência da primeira, ou seja, é a de quem sendo inválido, o ato administrativo imoral pode ser apreciado pelo Poder Judiciário, para fins de decretação de sua invalidade (...) Ora, pode perfeitamente ocorrer que a solução escolhida pela autoridade, embora permitida por lei, em sentido formal, contrarie valores éticos não protegidos diretamente pela regra jurídica, mas passíveis de proteção por estarem subjacentes em determinada coletividade” (Direito Administrativo, 6ª edição. Ed. Atlas, 1996, p. 69/71).

Assim, é certo que o Legislativo pode aprovar e o Executivo sancionar projetos que ditem, sob seu manto, o interesse público. Mas não podem, certamente, encobrir sob a roupagem diáfana desse conceito a edição de leis imorais e ilegais (que desrespeitam a Lei Orgânica Municipal), que favoreçam determinadas entidades privadas e indivíduos, com desprezo aos interesses maiores da comunidade, pondo à margem normas e regras superiores, que devem balizar a conduta de todo legislador e administrador público.

O princípio da impessoalidade, referido na CF de 1988, nada mais é do que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador que só pratique o ato para o seu fim legal, entendido este, unicamente, como aquele que a norma de Direito indica expressamente ou virtualmente como objeto do ato, de forma impessoal.

O princípio da economicidade, utilizado como um dos critérios para o controle da execução orçamentária (art. 70, CF), reforça a idéia de que os atos administrativos devem zelar pela relação custo/benefício. Neste passo, as despesas, as alterações patrimoniais, as admissões de pessoal, sobretudo para os cargos que dispensam concurso, não se subtraem ao exame da finalidade, do efetivo interesse público buscado. A economicidade permite ao juiz ou fiscal das contas públicas aferir, em cada caso, se houve ou não malversação da verba pública.

Ora, a doação de R$200.000,00 (duzentos mil reais), transferência de valores do erário público a um ente particular – clube de futebol profissional, não resiste a qualquer dos princípios invocados!

Embora tenha sido autorizada por lei municipal – de efeitos concretos e desrespeitando a LOM-, a subvenção que pretende a Prefeitura Municipal doar ao MECÃO cumpriu apenas o aspecto formal do princípio da legalidade. Trata-se de norma imoral, pessoal e inoportuna, que não veio de encontro aos interesses públicos, expedida com flagrante desrespeito à Lei Orgânica Municipal.

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É preciso pois, que o Poder Judiciário, último depositário das esperanças do cidadão na contenção da sangria do erário público proporcionada por atos ilegais do administrador e legisladores, aja com rigor, reconhecendo os abusos e chamando à responsabilidade os “representantes” do povo ou aqueles indevidamente beneficiados por tais atos ilegais e ilegítimos.

DA APROVAÇÃO DE LEI DE EFEITOS CONCRETOS

ATO ADMINISTRATIVO DISFARÇADO

Sem dúvida, o projeto de lei aprovado pela Casa Legislativa trata-se, na verdade, de ato administrativo, apenas formalmente denominada “lei municipal”; trata-se de uma daquelas Leis de efeitos concretos, cuja essência é de ato administrativo típico, embora travestido em norma legal.

Nesse caso, trata-se de “lei” para o repasse único de verba a entidade particular; não há qualquer disposição que contenha preceito que gere qualquer eficácia continuativa. Inadmissível é que essa "lei" pretenda justamente fim proibido, ilegal. O e. Tribunal de Justiça de Goiás acolhe a tese de que contra tais “leis” é cabível até o mandamus, verbis:

"MANDADO DE SEGURANCA. CARENCIA DE ACAO. PERDA DO OBJETO. IMPETRACAO CONTRA PROJETO DE LEI. ATO DE EFEITOS CONCRETOS PERFEITAMENTE INDIVIDUALIZADO. 2. NAO OCORRE A CARENCIA DE ACAO, POR SER O PEDIDO JURIDICAMENTE POSSIVEL, CONQUANTO, IN CASU, TEM ELE RESPALDO LEGAL, PRESO NA ASSERTIVA DE QUE NAO SE PRETENDE A REVOGACAO DE LEI EM TESE E SIM DE LEI DE EFEITO CONCRETO E A SUA AUTO-APLICABILIDADE AMEACARA SUA PROPRIA EXISTENCIA. 3. IGUALMENTE, NAO OCORRE A PERDA DO OBJETO DO PEDIDO FACE A TRAMITACAO DO PROJETO DE LEI NA CAMARA MUNICIPAL, VEZ QUE ESTA, AINDA, NA PENDENCIA DA SANCAO PELO PREFEITO. A CONCLUSAO DE UMA DAS FASES DA ELABORACAO DE LEI NAO PROVOCA A PERDA DO OBJETO. 4. O MANDAMUS E PROPRIO PARA ATACAR ATO ADMINISTRATIVO ESPECIFICO. TODAVIA, EM SEDE ESTREITA, PRESTA-SE PARA FERIR LEIS E DECRETOS DE EFEITOS CONCRETOS, POR EQUIVALEREM A ATOS ADMINISTRATIVOS NOS SEUS RESULTADOS IMEDIATOS. APELOS CONHECIDOS E PROVIDOS". (TJGO; 4ª CC; Apel. Cível n. 57081-4/189; Rel. Des. Floriano Gomes; DJ 13580 de 16/07/2001)

DA LEGITIMIDADE PASSIVA DOS VEREADORES QUE

COM DOLO APROVARAM O PROJETO DE LEI DE EFEITOS CONCRETOS

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A notícia da aprovação do projeto de lei objurgado chegou ao Ministério Público por meio de ENCAMINHAMENTO dos vereadores Renato Vasques de Souza e Maria Rodrigues de Jesus Pereira que apresentaram-se como agentes políticos que reconheceram um erro (culpa, na modalidade imprudência), no ato de aprovação de projeto de Lei que fere o disposto na Lei Orgânica do Município; o próprio teor da Lei Orgânica Municipal, apensado à presente, foi trazido pela Vereadora Maria Rodrigues (Maria Sapateiro), com os grifos inseridos nos textos legais desrespeitados.

Por leis e decretos de efeitos concretos entendem-se aqueles que trazem em si mesmos o resultado específico pretendido (...). Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou decreto por exigências administrativas. Não contém mandamentos genéricos, nem apresentam qualquer regra abstrata de conduta; atuam concreta e imediatamente como qualquer ato administrativo de efeitos individuais e específicos” (Hely Lopes Meirelles, na obra “Mandado de Seurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, “Habeas Data”, 13ª Edição, RT, pág. 18).

A lei impugnada trata-se de ato administrativo complexo, vez que resultante da conjugação de vontades de órgãos diferentes. Estes órgãos, por conseguinte, são plenamente responsáveis pela edição do ato e de suas conseqüências, daí porque todos aqueles que concorreram de forma decisiva para o seu resultado final, ou se beneficiaram dele, integram o pólo passivo desta ação.

Tal princípio, aliás, é exatamente o mesmo que norteia a responsabilidade nas ações populares. O art. 6°, da Lei n° 4.717/65 reza que devem figurar no pólo passivo da ação, entre outras, as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, além dos beneficiários do mesmo ato. É evidente, pois, que a hipótese é de litisconsórcio passivo necessário.

Neste sentido:

“Ação Popular. Citação dos membros da Câmara Legislativa Municipal que participaram da elaboração do ato impugnado. Litisconsórcio necessário”.

Consta do v. aresto:

“Já em 1966, Barbosa Moreira, comentando a Lei n° 4.717/65, em trabalho publicado na Revista de Direito Administrativo aludia à possibilidade da ação popular ser dirigida contra ato legislativo, sustentando que “o diploma regulador não foi expresso a respeito, mas não há porque deixar de entender latu sensu a palavra “atos”, no art. 1°, à

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semelhança do que se dá com relação a tantos outros textos, v.g., o art. 8°, parágrafo único, da Constituição de 1946 (cfr. o art. 1°, da Lei n° 4.337, de 1° de junho de 1964). E prosseguiu: “Quid juris, aí, no tocante à legitimação passiva? As autoridades a que faz menção o art. 6°, da Lei n° 4.717 são quaisquer autoridades – legislativas, inclusive – e têm de ser citadas; quanto a isso não há dúvida” (RDA 85/399)”. (STJ, REsp. 1.861, 2 ª

Turma, Rel. Min. José de Jesus Filho, j. 11.3.92, RSTJ 32/196).

“Ação Civil Pública – Distrito Industrial – Doação – Possível, ante a permissão legal, a instituição de zona ou distrito industrial, precedida de autorização legislativa e plano de implantação, seguida de desapropriação dos imóveis, vedada a doação, em qualquer de suas modalidades. Preliminares rejeitadas. Recurso parcialmente provido para reconhecer a legitimidade passiva de Prefeito e Vereadores e declarar nula a Lei Municipal n° 11.086/95 do Município de São Carlos, mantida no mais a r. sentença” (TJSP – 2ª Câmara de Direito Público, v.u., Apelação Cível n° 079.460.5/0-00, Voto n° 2764, Relator Lineu Peinado).

No referido acórdão constou:

“Colhe guarida o recurso, na parte em que pugna pelo reconhecimento da legitimidade passiva dos Vereadores e do Prefeito Municipal, que obraram visando aprovar o conjunto de leis e regulamentos aptos a propiciar a instalação da co-ré nos limites do Município. Tais atos, nominados como lei ou decretos, constituem-se em atos administrativos, aos quais o agente político não deve permanecer imune, cabendo-lhes responder pelo prejuízo a que deram causa pela atuação.

Não se diga gozarem os Vereadores da denominada imunidade parlamentar pois é pacífico o entendimento de ser o parlamentar imune, salvo nos crimes contra a honra, enquanto no exercício de seu mandato, imunidade esta de caráter penal e não de caráter civil. Não é possível assim falar-se em imunidade parlamentar em relação a ações de caráter civil onde o escopo é a indenização do dano causado ao patrimônio público. Entender-se a imunidade parlamentar em outro sentido seria albergar-se a teoria da irresponsabilidade do parlamentar por atos por ele praticados, entendimento que positivamente não pode ser acolhido.

Colhe-se, pois, o recurso, guarida neste ponto, para reconhecer-se a legitimidade de Prefeito e Vereadores para responder ação civil pública, cujo escopo é o de proteger o patrimônio público”.

Tendo em vista a necessidade da presença de dolo para a imputação de conduta ímproba, mesmo quando se refere aos atos de improbidade descritos no artigo 10 da Lei n. 8.429/92, conforme ponderou Aristides Junqueira Alvarenga, no artigo “Reflexões sobre Improbidade Administrativa no Direito Brasileiro”, após sustentar que a improbidade é “marcada

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pela desonestidade”, diz que “é inconcebível excluir o dolo do conceito de desonestidade e, consequentemente, do conceito de improbidade, tornando-se inimaginável que alguém possa ser desonesto por mera culpa”. Cristiano Álvares Valadares do Lago (RT786/800), que não adentra na discussão da inconstitucionalidade e Sérgio de Andréa Ferreira (Boletim de Direito Administrativo agosto/2002, p.621), que a prestigia, encampam o mesmo entendimento.

Por tal motivo, entende o Ministério Público que os vereadores denunciantes da irregularidade demonstraram que não tinham a intenção concreta e intangível de aprovar o projeto legislativo para remessa ilegal de dinheiro público a pessoa jurídica de direito privado, com finalidade lucrativa, razão pela qual não foram arrolados como agentes do pólo passivo da presente demanda.

DA TUTELA INIBITÓRIA PARA IMPEDIR

A CONTINUAÇÃO DA AÇÃO ILÍCITA

Tutela inibitória é tema que foi bastante esmiuçado pelo processualista Luiz Guilherme Marinoni, professor titular de Direito Processual Civil dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da República. Colaciono trechos de suas palavras, publicadas no site do Jusnavegandi:

“A tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento, e assim não se liga instrumentalmente a nenhuma ação que possa ser dita "principal". Trata-se de "ação de conhecimento" de natureza preventiva, destinada a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito .

A sua importância deriva do fato de que constitui ação de conhecimento que efetivamente pode inibir o ilícito. Dessa forma, distancia-se, em primeiro lugar, da ação cautelar, a qual é caracterizada por sua ligação com uma ação principal, e, depois, da ação declaratória, a qual já foi pensada como "preventiva", ainda que destituída de mecanismos de execução realmente capazes de impedir o ilícito.

A inexistência de uma ação de conhecimento dotada de meios executivos idôneos à prevenção, além de relacionada à idéia de que os direitos não necessitariam desse tipo de tutela, encontrava apoio no temor de se dar poder ao juiz, especialmente "poderes executivos" para atuar antes da violação do direito. Supunha-se que a atuação do juiz, antes da violação da norma, poderia comprimir os direitos de liberdade. Tanto é verdade que a doutrina italiana, ainda que recente, chegou a afirmar expressamente que a tutela inibitória antecedente a qualquer ilícito – denominada de "tutela puramente preventiva" – seria "certamente la più energica", mas também "la più preoccupante, come è di tutte le prevenzioni che possono eccessivamente limitare l’umana autonomia" .

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A ação inibitória é conseqüência necessária do novo perfil do Estado e das novas situações de direito substancial. Ou seja, a sua estruturação, ainda que dependente de teorização adequada, tem relação com as novas regras jurídicas, de conteúdo preventivo, bem como com a necessidade de se conferir verdadeira tutela preventiva aos direitos, especialmente aos de conteúdo não-patrimonial.

Fundamentos da tutela inibitória

A ação inibitória se funda no próprio direito material. Se várias situações de direito substancial, diante de sua natureza, são absolutamente invioláveis, é evidente a necessidade de se admitir uma ação de conhecimento preventiva. Do contrário, as normas que proclamam direitos, ou objetivam proteger bens fundamentais, não teriam qualquer significação prática, pois poderiam ser violadas a qualquer momento, restando somente o ressarcimento do dano.

Como o direito material depende - quando pensado na perspectiva da efetividade - do processo, é fácil concluir que a ação preventiva é conseqüência lógica das necessidades do direito material. Basta pensar, por exemplo, na norma que proíbe algum ato com o objetivo de proteger determinado direito, ou em direito que possui natureza absolutamente inviolável, como o direito à honra ou o direito ao meio ambiente. Lembre-se, aliás, que várias normas constitucionais afirmam a inviolabilidade de direitos, exigindo, portanto, a correspondente tutela jurisdicional, que somente pode ser aquela capaz de evitar a violação.

Não obstante tudo isso, a Constituição Federal de 1988 fez questão de deixar claro que "nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5.º, XXXV, CF). Ora, se a própria Constituição afirma a inviolabilidade de determinados direitos e, ao mesmo tempo, diz que nenhuma lei poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário "ameaça a direito", não pode restar qualquer dúvida de que o direito de acesso à justiça (art. 5.º, XXXV, CF) tem como corolário o direito à tutela efetivamente capaz de impedir a violação do direito.

Na verdade, há direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional e, assim, direito fundamental à tutela preventiva, o qual incide sobre o legislador - obrigando-o a instituir as técnicas processuais capazes de permitir a tutela preventiva - e sobre o juiz - obrigando-o a interpretar as normas processuais de modo a delas retirar instrumentos processuais que realmente viabilizem a concessão de tutela de prevenção.

Lembre-se que a ação declaratória não é capaz de conceder tutela de inibição do ilícito, uma vez que somente pode declarar a respeito de uma relação jurídica ou, excepcionalmente, de um fato (art. 4o, CPC). A sentença declaratória, como é sabido, é a sentença típica do estado liberal clássico, uma vez que, além de incapaz de permitir ao juiz interferir sobre a vontade do demandado, tem seu fim restrito a regular uma relação jurídica já determinada pela autonomia de vontade.

A ação cautelar, por outro lado, pelo fato de exigir uma ação principal, também não é adequada para proteger os direitos que dependem da inibição de um ilícito. O direito à inibição do ilícito não pode ser considerado como direito que objetiva uma tutela que seria mero instrumento de outra. Imaginar que a ação inibitória é instrumental exige a resposta acerca de que tutela ela estaria servindo. Ora, tendo em vista que não há como aceitar que o direito à prevenção conduz a uma tutela que pode ser vista como instrumento de outra, é impossível admitir uma ação inibitória rotulada de cautelar, ou mesmo uma ação cautelar "satisfativa" ou "autônoma", como era chamada antes da reforma de 1994.

Pressupostos da tutela inibitória

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A ação inibitória se volta contra a possibilidade do ilícito, ainda que se trate de repetição ou continuação. Assim, é voltada para o futuro, e não para o passado. De modo que nada tem a ver com o ressarcimento do dano e, por conseqüência, com os elementos para a imputação ressarcitória – os chamados elementos subjetivos, culpa ou dolo.

Além disso, essa ação não requer nem mesmo a probabilidade do dano, contentando-se com a simples probabilidade de ilícito (ato contrário ao direito). Isso por uma razão simples: imaginar que a ação inibitória se destina a inibir o dano implica na suposição de que nada existe antes dele que possa ser qualificado de ilícito civil. Acontece que o dano é uma conseqüência eventual do ato contrário ao direito, os quais, assim, podem e devem ser destacados para que os direitos sejam mais adequadamente protegidos.

Assim, por exemplo, se há um direito que exclui um fazer, ou uma norma definindo que algo não pode ser feito, a mera probabilidade de ato contrário ao direito – e não de dano – é suficiente para a tutela jurisdicional inibitória. Ou seja, o titular de uma marca comercial tem o direito de inibir alguém de usar a sua marca, pouco importando se tal uso vai produzir dano. Do mesmo modo, se uma norma impede a venda de determinado produto, a associação dos consumidores (por exemplo) pode pedir a inibição da venda, sem se preocupar com dano.

Alguém, mais apressado, poderia supor que a distinção entre probabilidade de dano e probabilidade de ilícito não tem repercussão prática. Ora, a possibilidade do uso da ação inibitória, nos casos exemplificados no parágrafo anterior, já seria suficiente para desfazer o equívoco. Contudo, quando se percebe que a matéria da ação inibitória se restringe ao ilícito, verifica-se que o autor não precisa alegar dano e o que réu está impedido de discuti-lo. Bem por isso, o juiz, em tal caso, não pode cogitar sobre o dano e, dessa forma, determinar a produção de prova em relação a ele.

É certo, porém, que em alguns casos há uma identidade cronológica entre o ato contrário ao direito e o dano, pois ambos podem acontecer no mesmo instante. Nessas hipóteses, a probabilidade do dano constituirá o objeto da cognição do juiz e, assim, o autor deverá aludir a ele e o réu poderá obviamente discuti-lo. Por isso mesmo, a prova não poderá ignorá-lo. Porém, fora daí, vale a restrição da cognição ao ato contrário ao direito, não apenas pela razão de que essa é a única forma de realizar o desejo da norma - que estabelece uma proibição exatamente para evitar o dano -como também porque, em determinados casos, são proibidas ações contrárias ao direito, independentemente de provocarem efeitos danosos.

Ação ilícita continuada

Quando se pensa em repetição do ilícito, supõe-se um intervalo entre um ato e outro, e assim na possibilidade de se impedir a prática de um novo ilícito, independente do primeiro. Porém, a questão se complica quando a atenção se volta para o ilícito continuado. Isso porque é possível supor uma ação com eficácia ilícita continuada e uma ação continuada ilícita.

Na primeira hipótese há apenas uma ação, cujo efeito ilícito perdura no tempo, enquanto que, no segundo caso, há uma ação continuada (ou uma atividade) ilícita. Nessa última situação, a ilicitude continua na medida do prosseguimento da ação ou da atividade, ao passo que na primeira a ilicitude não é relacionada com a ação, mas sim com o efeito que dela decorre e se propaga no tempo.

Se é correto inibir a continuação de uma ação ou de uma atividade, o ilícito, cujos efeitos são continuados, deve ser removido. Quando o ilícito se relaciona com os efeitos da ação que se exauriu, basta remover o ato que ainda produz efeitos, pois não se teme uma ação futura.

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A ação inibitória diz respeito à ação ilícita continuada, e não ao ilícito cujos efeitos perduram no tempo. Isso por uma razão lógica: o autor somente tem interesse em inibir algo que pode ser feito e não o que já foi realizado. No caso em que o ilícito já foi cometido, não há temor a respeito do que pode ocorrer, uma vez que o ato já foi praticado. Como esse ato tem eficácia continuada, sabe-se de antemão que os seus efeitos prosseguirão no tempo. Portanto, no caso de ato com eficácia ilícita continuada, o autor deve apontar para o que já aconteceu, pedindo a remoção do ato que ainda produz efeitos.

Exemplificando: a produção de fumaça poluente constitui agir ilícito continuado. Isto é, a ilicitude pode ser medida pelo tempo em que a ação se desenvolve. Nessa hipótese, há como usar a ação inibitória, pois o juiz pode impedir a continuação do agir. Porém, no caso de despejo de lixo tóxico em local proibido, há ato ilícito - que depende apenas de uma ação – de eficácia continuada. Nesse caso, basta a remoção do ilícito, ou melhor, que a tutela jurisdicional remova o ato já praticado para que, por conseqüência, cessem os seus efeitos ilícitos.

Portanto, a ação inibitória deve atuar quando se teme a continuação de ação ilícita, enquanto que a ação de remoção de ilícito deve se preocupar com o ilícito de eficácia continuada.

Tutela inibitória mediante imposição de não-fazer

Considerando-se as antigas normas, que apenas distribuíam direitos, o medo de violação de um direito nada mais podia ser do que o temor de uma ação positiva, ou seja, de um fazer.

Porém, quando se percebeu o dever do Estado editar normas para proteger os direitos fundamentais – por exemplo, o dever de proteger o consumidor e o meio ambiente -, as normas jurídicas "civis" também assumiram função preventiva, que até então era reservada às normas penais. Essa função preventiva passou a ser exercida através de normas proibitivas e impositivas de condutas. Na verdade, com a evolução da sociedade, cada vez mais surgiram direitos dependentes de algo que deveria ser feito, não mais bastando a simples abstenção (ou não-violação). Ou seja, o próprio direito material passou a depender de ações positivas. Essas últimas passaram a ser imprescindíveis para a prevenção dos direitos.

Isso significa que a prevenção deixou de se contentar apenas com a abstenção, passando a exigir um fazer. Nessa perspectiva, ficou fácil perceber que o ilícito poderia ser, além de comissivo, também omissivo. Se alguém possui dever de fazer para que um direito não seja violado, é evidente que o não-fazer implica em ato contrário ao direito, o qual pode ser qualificado de ilícito omissivo.

Dessa forma, torna-se fácil compreender que a ação inibitória não visa somente impor uma abstenção, contentando-se, assim, com um não-fazer. O seu objetivo é evitar o ilícito, seja ele comissivo ou omissivo, razão pela qual pode exigir um não-fazer ou um fazer, conforme o caso.

O direito brasileiro possui normas processuais (arts. 84, CDC, e 461, CPC) que autorizam ao juiz não apenas impor um fazer ou um não-fazer, como também impor um fazer quando houver sido pedido um não-fazer, desde que o fazer seja mais adequado à proteção do direito no caso concreto.

De modo que, se o direito material exige um não fazer, nada impede que o juiz ordene um fazer para que o direito seja efetivamente tutelado. Assim, por exemplo, se alguém está proibido de perturbar a vizinhança, nada impede que o juiz, ao invés de ordenar a paralisação da atividade, ordene a instalação de determinado equipamento. Nesse caso, partindo-se da premissa de que não há regra de direito material que obrigue a instalação do equipamento, a imposição do fazer decorre do poder conferido ao juiz, pela legislação processual (arts. 84, CDC, e 461, CPC), de se valer – evidentemente mediante fundamentação – da medida executiva mais adequada ao caso concreto.

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Imaginar que a tutela inibitória somente pode impor um não-fazer é esquecer que o próprio direito processual (arts. 461, CPC e 84, CDC ) dá ao juiz o poder de impor um fazer quando foi pedido um não fazer com o objetivo de viabilizar uma tutela jurisdicional mais efetiva, e, mais do que isso, que existem normas de direito de material que, com o objetivo de prevenção, impõem condutas positivas. Ora, se a norma de direito material impõe uma conduta positiva com o fim de proteger um direito, é evidente que a ordem judicial de fazer, no caso em que o dever positivo foi violado, presta tutela jurisdicional inibitória.

Se a tutela inibitória pode ser usada para impor um fazer quando a norma já foi violada, a sua oportunidade é ainda mais evidente nos casos em que se teme a violação ou a repetição da violação. Exemplificando: se uma norma obriga as indústrias de cigarro a informar o consumidor sobre os efeitos nocivos de seu produto, e determinada indústria já veiculou propaganda sem conter essa informação, é lógica a possibilidade de o legitimado à ação coletiva requerer, mediante ação inibitória coletiva (ver a seguir), que o juiz ordene, sob pena de multa, que a informação seja realizada quando da próxima propaganda, dando-se efetividade à norma que objetiva proteger a saúde dos cidadãos.

Nos casos em que a norma define um dever de prestação fática ao Estado, não é correto pensar que tal dever não possa ser pensado como uma atribuição para a proteção, imaginando-se que ao direito à proteção bastariam prestações direcionadas a exigir dos particulares a não violação dos direitos.

É certo que há direitos fundamentais que não podem ser vistos como direitos de defesa (direitos que se contentam em afastar a intromissão do Estado), mas como direitos a algo, ou seja, como direitos a prestações. Porém, dentro do gênero direitos a prestações, está incluído o direito à proteção.

Acontece que, quando se consideram as prestações de proteção, não é correto associá-las apenas a ações normativas ou fáticas dirigidas a proteger um particular diante do outro. Ora, se uma norma define um dever fático ao Estado, pouco importa se esse é um dever de fazer observar uma norma (por exemplo) ou um dever de realizar algo para proteger um direito. Em outras palavras, não é correto pensar que o dever do Estado fiscalizar a proibição de corte de árvores possui natureza distinta do dever do Estado tratar dos esgotos urbanos e industriais.

A tutela antecipatória

As ações inibitória e de remoção do ilícito, diante de sua natureza, não podem dispensar a tutela antecipatória. A técnica antecipatória é imprescindível para a estruturação de um procedimento efetivamente capaz de prestar as tutelas inibitória e de remoção do ilícito. Se a natureza dessas tutelas exige tal técnica, não é difícil visualizar, na legislação processual, o local de sua inserção. Ora, tanto o art. 461 do CPC, quanto o art. 84 do CDC, permitem "ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu", na "ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer".

A tutela antecipatória não requer, nesses casos, a probabilidade de dano irreparável ou de difícil reparação. A idéia de subordinar a tutela antecipatória ao dano provável está relacionada a uma visão das tutelas que desconsidera a necessidade de tutela dirigida unicamente contra o ilícito. Se há necessidade de tutela destinada a evitar ou a remover o ilícito, independentemente do dano que eventualmente possa por ele ser gerado, a tutela antecipatória, seja de inibição ou de remoção, também não deve se preocupar com o dano. No caso de inibição, basta a probabilidade de que venha a ser praticado ato ilícito, enquanto que, na remoção, é suficiente a probabilidade de que tenha sido praticado ato ilícito. Porém, tratando-se de ação inibitória nada

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impede que o autor invoque a probabilidade do dano nos casos em que há identidade cronológica entre o ilícito e o dano, até porque esse último, apesar de não ser sintoma necessário, constitui sintoma concreto do ilícito.

Contudo, além da probabilidade de que tenha sido praticado (remoção) ou venha a ser praticado (inibição) um ilícito, exige-se o que as normas dos arts. 461, §3o, CPC e 84, §3o, CDC, denominam "justificado receio de ineficácia do provimento final". Esse "justificado receio de ineficácia do provimento final" quer indicar, diante da ação inibitória, "justificado receio" de que o ilícito seja praticado antes da efetivação da tutela final. No caso de remoção, o periculum in mora é inerente à própria probabilidade de o ilícito ter sido praticado. Ou melhor: como a tutela final, na ação de remoção, objetiva eliminar o próprio ilícito ou a causa do dano, não há como supor que a tutela antecipada de remoção exija, além da probabilidade da prática do ilícito (fumus), a probabilidade da prática do dano (que seria o perigo nas ações tradicionais). Isso por uma razão óbvia: a simples prática do ilícito abre oportunidade à tutela final, sem que seja preciso pensar em dano, que já é pressuposto pela regra de proteção e, assim, descartado para a efetividade da tutela jurisdicional, seja final ou antecipada. Perceba-se que, quando se demonstra que provavelmente foi praticado um ilícito, evidencia-se, por conseqüência lógica, que provavelmente poderá ocorrer um dano.

Por outro lado, diante dos termos do art. 273, § 2º, do CPC, que afirma que "não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado", discute-se se a tutela antecipatória pode ser concedida diante do risco de causar prejuízo irreversível ao demandado. Entretanto, por uma simples questão de lógica, não há como deixar de conceder tutela antecipatória a um direito provável sob o argumento de que há risco de dano irreparável ao direito do réu. Isso porque essa modalidade de tutela antecipatória já parte do pressuposto de que um direito provável pode ser lesado. Portanto, não admitir a tutela antecipatória, com base no referido argumento, é o mesmo que deixar de dar tutela ao direito provável para não colocar em risco o direito improvável (31).

Para a concessão da tutela antecipatória, nesses casos, requer-se que a atuação do juiz, na proteção do direito do autor, seja justificável diante do risco de dano imposto ao réu. Não se trata de verificar qual é o "dano maior", como se estivéssemos frente a uma operação aritmética, mas sim de analisar se é justificável, em face dos valores dos direitos em conflito e das circunstâncias do caso concreto, a proteção do direito do autor mediante a imposição de um risco de dano irreversível ao réu. No caso em que a concessão da tutela antecipada causa risco de dano irreversível ao réu, exige-se a ponderação dos direitos em conflito de acordo com as circunstâncias do caso concreto para concluir-se se é justificável a atuação do juiz mediante a imediata proteção do direito do autor.

Frise-se que a probabilidade da ilicitude pode ser suficiente para a admissão da tutela antecipatória, ainda quando ela possa colocar em risco o direito do réu. Basta pensar, por exemplo, no caso em que se requer tutela antecipatória para impedir a construção de uma indústria em lugar proibido pela legislação ambiental. Nessa hipótese a tutela antecipada inibitória requer apenas a probabilidade da prática do ilícito. A prevenção do dano, no caso, já é feita pela própria legislação, ao determinar que no local não é possível a instalação da indústria. A tutela antecipatória não se liga, em situações como essa, à probabilidade do dano, mas sim à probabilidade do ilícito. Note-se, aliás, que se a tutela inibitória tivesse uma relação necessária com o dano ambiental, o réu poderia defender-se alegando que a simples construção da indústria não acarreta dano ao meio ambiente e que, portanto, não há fundado receio de dano irreparável capaz de autorizar a tutela inibitória antecipada. Não é incomum, de fato, na prática da ação civil pública, contestações que afirmam que não há perigo de dano (e, portanto, fundamento para a tutela antecipatória) porque ainda não foi deferida a Licença de Operação, que é requisito indispensável para a indústria passar a operar. É certo que se impedindo o ilícito evita-se um provável e futuro dano. Entretanto, para se dar efetividade ao direito, é fundamental impedir a sua violação, pouco

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importando se o dano não é iminente. Em hipóteses como essa, estando o ilícito caracterizado como provável e iminente, cabe a tutela antecipatória ainda que um prejuízo possa ser imposto ao réu (32).

Por último, é importante verificar a distinção entre prova e juízo, bem como analisar o objeto da prova em face da tutela antecipatória, conforme a ação seja inibitória, de remoção do ilícito ou ressarcitória. O art. 273 do CPC, ao tratar da "tutela antecipatória", diz que o juiz poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela, desde que, "existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação".

Como um dos principais responsáveis pelo gasto de tempo no processo é a produção da prova, muitas vezes admite-se a antecipação da tutela antes que todas elas tenham sido produzidas. Afirma-se, então, que a tutela é concedida com a postecipação da produção da prova ou com a postecipação do contraditório. Nesses casos, "prova inequívoca" significa prova formalmente perfeita, cujo tempo para produção não é incompatível com a imediatidade em que a tutela deve ser concedida (para que o direito não seja frustrado) (33).

No caso em que o procedimento deve prosseguir para que outras provas sejam produzidas, o juízo formado, no seu curso, deve ser denominado de "juízo provisório", muito embora seja designado, pelo referido art. 273, de "juízo de verossimilhança". Afirmar que a prova deve formar um "juízo de verossimilhança", porém, é dizer o óbvio. Isso porque toda prova, esteja finalizado ou não o procedimento, apenas pode permitir a formação de um "juízo de verossimilhança", uma vez que a verdade é algo absolutamente inatingível (34). Ao que parece, o legislador, ao aludir a "juízo de verossimilhança", pretendeu expressar a idéia de juízo não formado com base na plenitude de provas e argumentos das partes, e assim não deveria ter se valido da expressão "juízo de verossimilhança", mas sim da de "juízo-provisório" (35).

Por outro lado, é importante salientar a diferença entre o objeto da prova em face da tutela inibitória antecipada, da tutela de remoção do ilícito antecipada e da tutela ressarcitória antecipada. Tratando-se de tutela inibitória antecipada, o juízo provisório deve recair sobre fato que indique que o fato temido poderá ocorrer antes da efetivação da tutela final e, evidentemente, sobre a afirmada ilicitude desse último. No caso de tutela de remoção do ilícito antecipada, ao contrário, o juízo provisório, além de considerar a ilicitude, deve se centrar sobre um fato já ocorrido, e não sobre um fato futuro. Como já foi dito, o periculum in mora, nesse caso, é decorrência automática da probabilidade da ocorrência do ilícito e, nesse sentido, deve ser extraído da própria probabilidade de violação.

A prisão como meio de coerção indireta

Resta analisar, ainda, a questão da possibilidade de se ordenar sob pena de prisão a partir dos artigos 461, §5o, do CPC e 84, §5o, do CDC. Nessa linha, é necessário considerar o art. 5o, LXVII da Constituição Federal, que assim estabelece: "não haverá prisão por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel".

A interpretação dessa norma deve considerar os direitos fundamentais. Assim, se é necessário vedar a prisão do devedor que não possui patrimônio – e assim considerar um direito fundamental -, também é absolutamente indispensável permitir o seu uso, em certos casos, para a efetividade da tutela dos direitos.

A interpretação que simplesmente nega o uso da prisão como meio coercitivo desconsidera os métodos hermenêuticos modernos (39), os quais são absolutamente necessários quando o que se tem a interpretar é um contexto de grande riqueza e complexidade. Com efeito, não sendo o caso de apenas considerar o texto da norma, como se ela estivesse isolada do contexto, é necessário recorrer ao método hermenêutico-concretizador (40). Ou seja, deparando-se com a norma do art. 5o, LXVII, da Constituição Federal, deve o intérprete

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estabelecer, como é óbvio, a dúvida que a sua interpretação suscita, qual seja: se ela veda o uso da prisão como meio de coerção indireta ou apenas a prisão por dívida em sentido estrito. A partir daí, verificando-se que a norma aponta para dois direitos fundamentais, isto é, para o direito à efetividade da tutela jurisdicional e para o direito de liberdade, deve ser investigado o que significa dar aplicação a cada um deles. Concluindo-se, a partir da análise da própria razão de ser desses princípios, que a sua aplicação deve ser conciliada ou harmonizada, não há como deixar de interpretar a norma no sentido de que a prisão deve ser vedada quando a prestação depender da disposição de patrimônio, mas permitida para a jurisdição poder evitar – quando a multa e as medidas de execução direta não se mostrarem adequadas – a violação de um direito. Note-se que essa interpretação, além de considerar o contexto, e por essa razão ser muito mais abrangente do que a "clássica", dá ênfase aos direitos fundamentais, realizando a sua necessária harmonização para que a sociedade possa ver a sua concretização nos locais em que a sua própria razão recomenda. De outra maneira, os próprios direitos ficarão desprovidos de tutela, e assim o ordenamento, exatamente na parte que consagra direitos invioláveis, assumirá uma configuração meramente retórica, e nesse sentido sequer merecerá a designação de "jurídico" (41).

Considerando a tutela inibitória que impõe um não-fazer, a tutela inibitória que impõe um fazer e a tutela de remoção de ilícito, é fácil concluir que a prisão poderá ser utilizada para impor um não-fazer ou mesmo para impor um fazer infungível que não implique em disposição de dinheiro e seja imprescindível à efetiva proteção de um direito. Nesses casos, ao mesmo tempo em que prisão não estará sendo usada para constranger o demandado a dispor de patrimônio, ela estará viabilizando – no caso em que a multa e a medida de execução direta não se mostrarem adequadas – a efetiva prevenção do direito, ou melhor, a tutela jurisdicional específica por excelência, única a permitir a tutela dos direitos que não se conciliam com o ressarcimento.

A prisão, depois de descumprida a ordem judicial, somente conserva caráter coercitivo no caso em que ainda se espera um fazer infungível, pois no caso em que a ameaça de prisão objetiva um não-fazer, a efetivação da prisão evidentemente não pode ter função coercitiva. Contudo, a violação da ordem diz respeito ao juiz civil e, assim, deve ficar dentro da sua esfera de poder. Isso porque a prisão, no caso, não tem a finalidade de castigar o réu, mas sobretudo o objetivo de preservar a seriedade da função jurisdicional.

Na verdade, a partir do momento em que se concebe o uso da prisão como meio coercitivo em relação a ordem de não-fazer, não há como excluir da jurisdição civil o poder de aplicá-la, sob pena dela simplesmente deixar de existir como meio destinado a dar efetividade à decisão do juiz civil. O problema, assim, não é o de saber se a aplicação da prisão, no caso de descumprimento de ordem de não-fazer, e da competência do juiz civil, mas sim o de admitir que esse juiz tem a necessidade e a possibilidade – diante dos direitos fundamentais – de determinar a prisão como meio de convencer a parte ao cumprimento da sua decisão.

Lembre-se que o juiz civil somente pode ordenar sob pena de prisão nos casos em que outra modalidade executiva não se mostrar adequada e o cumprimento da ordem não exigir a disponibilização de patrimônio. Assim, deve haver, de um lado, a evidência de que não existe nenhuma modalidade executiva capaz de dar efetividade à tutela jurisdicional, e, de outro, a constatação de que o uso da prisão não permitirá a restrição da liberdade de quem não observou a ordem apenas por não possuir patrimônio. Ou melhor, nesse caso a prisão estará garantindo a efetividade ao direito à tutela jurisdicional sem violar o direito daquele que, por não possuir patrimônio, não pode ser obrigado a cumprir a ordem judicial, nem muito menos punido por não tê-la observado.

Nessas hipóteses, a própria decisão que ordena o não-fazer deve fixar o prazo da prisão, considerando as circunstâncias do caso concreto. Não é preciso dizer que o enfrentamento do meio executivo adequado não é a parte mais agradável (ou simpática) da dogmática processual, mas não se pode esquecer que a sua análise é imprescindível à efetividade da tutela dos direitos. Pensar na prisão como meio de coerção civil não implica em

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ter uma visão autoritária da justiça civil, mas sim em ter consciência de que o seu uso não pode ser descartado para se dar efetividade aos direitos. Em um país em que a multa freqüentemente pode não atingir peso coercitivo, a ameaça de prisão é imprescindível para evitar, por exemplo, a violação dos direitos da personalidade ou do direito ambiental. A não admissão do seu uso, em razão de um preconceito que não olha para o contexto social do país e para os direitos não-patrimoniais, pode abrir as portas até mesmo para que sejam instituídos "testas de ferro", sem patrimônio, com a única missão de violar os direitos.”

No caso presente, na data de ontem (segunda-feira, 29/01/2007, a lei irregularmente aprovada já pode ter sido sancionada e promulgada, dependendo de publicação para a expedição do ato (entrega do dinheiro à entidade particular); desse modo, o ato ilícito é continuativo pois iniciou-se com ato administrativo ilegal travestido de lei municipal e pode estar aguardando somente a publicação do ato para sua finalização. Certamente, assim que o Mineiros Esporte Clube receber o dinheiro público efetuará um sumiço em todo o dinheiro, sem ao menos prestar conta dos recursos públicos, em total desrespeito ao Patrimônio Público.

DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Conforme fartamente declinado, a Sra. Neiba Maria Moraes Barcelos, com o apoio e aprovação dos vereadores que aprovaram o projeto de lei com dolo, foi responsável pela edição de uma Lei, autorizando o Poder Público a doar R$200.000,00 a um clube particular de futebol (amador e PROFISSIONAL), em flagrante desrespeito ao ordenamento jurídico vigente, e causando prejuízos aos cofres públicos.

Consistiu em ato de improbidade administrativa, visto que traduz-se em norma imoral, pessoal e inoportuna, que não veio de encontro aos interesses públicos.

A Constituição Federal preceitua que “os atos de improbidade administrativa importarão na suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (art. 37, § 4°).

A Lei Federal n° 8.429, de 02.06.92, regulamentou o dispositivo constitucional acima transcrito.

Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos (art. 4°, da Lei n° 8.429/92).

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Constituem atos de improbidade administrativa, dentre outros relacionados pelo legislador ordinário, que foram praticados pelo chefe do executivo e pelos Vereadores que também figuram na condição de réus:

A) que causam lesão ao erário, qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1°, da mencionada Lei, (...) – art. 10, “caput”;

B) agir negligentemente no que diz respeito à conservação do patrimônio público (art. 10, inciso X, in fine);

C) Liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular (artigo 10, inciso XI);

D) Permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente (artigo 10, inciso XII);

E) que atentam contra os princípios da administração pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições (...) – art. 11, “caput”;

F) Praticar ato visando fim proibido em lei (Lei Orgânica Municipal) ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência (art. 11, inciso I).

Os agentes públicos, no caso específico dos autos, a Prefeita Municipal e os vereadores citados, que aprovaram a lei municipal cientes da irregularidade, cujos efeitos se pretende sustar, devem ser punidos severamente, nos termos do art. 12, da Lei n° 8.429/92, independentemente da responsabilidade civil de reparação dos danos, das sanções penais ou administrativas.

DO PEDIDO INIBITÓRIO LIMINAR

Provado sobejamente o ilícito continuativo e a perspectiva de grave dano ao Patrimônio Público Municipal, em desrespeito à Lei Orgânica local e aos princípios administrativos constitucionais, a tutela inibitória para impedir a execução da lei de efeitos concretos (repasse dos R$200.000,00 ao MEC) deve ser deferida imediatamente, sob pena de ineficácia do provimento final; o poder geral de cautela da medida inibitória é necessário porque se

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o dinheiro for repassado ao clube de futebol em poucas horas poderá ele ser desviado e certamente nunca mais retornará aos cofres públicos; enquanto isso, saúde só para quem é eleitor, educação em qualquer lugar e infância e juventude em segundo plano.

Deste modo, requer-se, a concessão liminar da tutela inibitória para impedir a continuidade do ilícito (e não de dano), ordenando que a Prefeitura Municipal de Mineiros se abstenha de efetuar qualquer repasse de dinheiro público ao MEC – Mineiros Esporte Clube, com base na Lei Municipal de efeitos concretos aprovada pela Câmara Municipal nos dias 25 e 26 de janeiro de 2007, até que seja prolatado o provimento jurisdicional final na presente ação civil pública inibitória.

DA DESNECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO DA

PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO INTERESSADA

PARA O BLOQUEIO DOS VALORES DA ENTIDADE PRIVADA

A Lei n. 8.437/92, em seu artigo segundo, prevê o prazo de 72 (setenta e duas) horas para que os representantes judiciais das pessoas jurídicas de direito público se pronunciem sobre pedido de liminar, em ação civil pública, antes de sua eventual concessão contra a Fazenda Pública.

Portanto, em respeito a essa disposição, contudo, diante da necessidade de se proteger o Patrimônio Público, há que se ressalvar que o poder geral de cautela do magistrado deve prevenir que o grande risco de continuidade do ilícito resulte em dano efetivo (desvio dos recursos) e conseqüentemente no prejuízo definitivo aos cofres públicos.

Destarte, requer o Ministério Público a concessão de tutela inibitória de não fazer contra a pessoa jurídica de direito privado, qual seja, Mineiros Esporte Clube, consubstanciada no bloqueio de quaisquer recursos públicos recebidos pela entidade do Poder Público Municipal com fundamento na Lei que permitiu a doação de R$200.000,00, em quatro parcelas, pelo Município a ela, impedindo-a de movimentar o dinheiro público até que a pessoa jurídica de direito público se manifeste no prazo de 72 (setenta e duas) horas, para análise da tutela inibitória liminar em face do Poder Público.

Há, julgados que admitiram até a concessão de liminar contra pessoa jurídica de direito público, sem sua oitiva, contudo, estes são minoria em nosso direito. O E. Tribunal de Justiça de Goiás, em recurso interposto pela ré AGETOP, dando provimento ao agravo, assim já decidiu, verbis:

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"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACAO CIVIL PUBLICA. LIMINAR CONTRA A FAZENDA PUBLICA. REQUISITOS. ANTE O DISPOSTO NO ART. 2, DA LEI 8.437/92, NA ACAO CIVIL PUBLICA A LIMINAR SERA CONCEDIDA, QUANDO CABIVEL, APOS A AUDIENCIA DO REPRESENTANTE JUDICIAL DA PESSOA JURIDICA DE DIREITO PUBLICO, QUE DEVERA SE PRONUNCIAR NO PRAZO DE 72 HORAS. EXCECAO A ESSA REGRA TEM SIDO ADMITIDA SOMENTE EM SITUACAO EXCEPCIONAIS, INCLUINDO-SE A POSSIBILIDADE DE INEFICACIA FUTURA DA TUTELA PLEITEADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO." (2ªCam Civ; DJ 14545 de 01/07/2005, Livro 1259; Rel. Des. Gilberto Marques Filho; AI 42711-0/180; AGRAVANTE: AGENCIA GOIANA DE TRANSPORTES E OBRAS AGETOP; AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO

DOS PEDIDOS INICIAIS

Pelas regras constitucionais e ordinárias citadas na REQUER o Ministério Público do Estado de Goiás, depois da apreciação da tutela inibitória inaudita altera parte em face do Mineiros Esporte Clube-MEC acima:

a) a notificação do Município de Mineiros para a resposta preliminar, nos termos da Lei n. 8.437/92;

b) com a resposta, antecipação de tutela inibitória, com fundamento no art. 12 da Lei n. 7.347/85 c/c art. 273 e 460, parágrafo 3º do CPC, fixando-se ao Município de Mineiros a obrigação de não fazer correspondente ao não repasse de quaisquer recursos públicos ao MEC – Mineiros Esporte Clube “Mecão”, em respeito ao disposto na Lei Orgânica Municipal, artigo, 110, §3º, sob pena de prisão, nos termos apontados pelo processualista Luiz Guilherme Marinoni, bem como de multa diária liminar e pessoal;

Por fim, como pedidos finais, REQUER o Ministério Público do Estado de Goiás:

a) a citação do Município de Mineiros e do MEC para responderem a presente Ação Civil Pública, com intimação para cumprimento da tutela inibitória liminar, para que, querendo, contestem o presente pedido, no prazo da lei, sob pena de presumir-se aceitos como verdadeiros os fatos narrados nesta peça vestibular (CPC, art. 285);

b) com a resposta, a confirmação da antecipação dos efeitos da tutela inibitória e a condenação do Município na obrigação de não fazer, qual seja, de não efetuarem qualquer

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conduta que transfira recursos públicos para o Mineiros Esporte Clube, decretando-se incidentalmente a nulidade da “Lei Municipal” de efeitos concretos n...

c) a declaração da perda da função pública exercida pela Prefeita Municipal e Vereadores nominados (Lei n° 8.429/92, artigo 12), com a respectiva suspensão dos direitos políticos dos réus, pelo prazo de oito anos (Lei n° 8.429/92, artigo 12, c/c artigo 10 do mesmo diploma legal);

d) a condenação dos requeridos Prefeita Municipal e Vereadores, bem como o Mineiros Esporte Clube a pagarem uma multa civil e, ainda, na proibição de contratarem com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de cinco anos (artigos 3° e 12, II, da Lei n° 8.429/92);

e) sejam todos os requeridos condenados ao pagamento de honorários advocatícios, fixados nos termos do art. 20, parágrafo único, do CPC, em favor do Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos lesados a que se refere o art. 13 da Lei n° 7.347/85, valendo lembrar que tal condenação nada mais é do que um ônus da sucumbência atinente à parte vencida, não importando que o autor da ação tenha serviço jurídico de caráter permanente (RTJ 62/455), mesmo que seja o Ministério Público (RTJ 84/141 e 71/861); sejam condenados também ao pagamento das custas processuais, honorários periciais e demais verbas de estilo.

Requer provar o alegado por meio de todos os meios de provas admitidos, sem exceção, em especial pela juntada de documentos, depoimento pessoal dos requeridos, sob pena de confesso, ou de seus representantes legais, oitiva de testemunhas e realização de perícias.

Dá-se à causa o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).

Pede Deferimento.

Mineiros, 30 de janeiro de 2007

Daniel Roberto Dias do Amaral

promotor de Justiça

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