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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Procuradoria-Geral de Justiça Página 1 de 26 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem, com espeque no artigo 29, I, da Lei nº 8.625/93; artigo 30, XVI, da Lei Complementar Estadual nº 95/97 - Lei Orgânica do Ministério Público; artigo 112, III da Constituição do Estado do Espírito Santo; e artigo 168 e seguintes do Regimento Interno do Tribunal de Justiça - RITJES, propor a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos artigos 1º, §3º; 3º, §2º; 4º da Lei Municipal da Serra nº 1.900/96, da Lei Municipal da Serra nº 2.177/99, que a alterou, requerendo, desde logo, que seja concedida a medida cautelar com o fim de que seja decretada a suspensão liminar das normas impugnadas, pelos fatos e fundamentos abaixo aduzidos.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Procuradoria-Geral de Justiça

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem,

com espeque no artigo 29, I, da Lei nº 8.625/93; artigo 30, XVI, da Lei

Complementar Estadual nº 95/97 - Lei Orgânica do Ministério Público; artigo

112, III da Constituição do Estado do Espírito Santo; e artigo 168 e seguintes

do Regimento Interno do Tribunal de Justiça - RITJES, propor a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

em face dos artigos 1º, §3º; 3º, §2º; 4º da Lei Municipal da Serra nº 1.900/96,

da Lei Municipal da Serra nº 2.177/99, que a alterou, requerendo, desde

logo, que seja concedida a medida cautelar com o fim de que seja

decretada a suspensão liminar das normas impugnadas, pelos fatos e

fundamentos abaixo aduzidos.

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I – DA NORMA IMPUGNADA

A Câmara Municipal da Serra editou a Lei Municipal da Serra nº

1.900/1996, que dispõe sobre a autorização do funcionamento de serviços

de som por sistema de autofalantes em centros comerciais e

comunidades.

Posteriormente, foram realizadas alterações nas redações do artigo 1º, §3º,

e artigo 3º, §2º, desta Lei pela Lei Municipal da Serra nº 2.177/99. A

alteração trazida pela Lei Municipal da Serra nº 2.177/99 disciplinou que a

autorização para o funcionamento do serviço de difusão de som por

autofalante será concedida pela Associação de Serviços de Audição

Pública, de Rádios Livres e Comunitária do Município da Serra.

Além disso, em seu artigo 4º, a Lei Municipal estabeleceu que o limite para

a operação desse serviço é de 70 decibéis.

Ocorre que, consoante será demonstrado, os dispositivos mencionados,

violam o princípio da proporcionalidade, a Resolução CONAMA nº 01/90,

a NBR nº 10.151/00 e a Constituição Estadual.

Veja-se o teor dos dispositivos guerreados:

Lei Municipal de Vitória nº 1.900/96

Autoriza o funcionamento de serviços de som por sistema de

auto-falantes em centros comerciais e comunidades.

O PREFEITO MUNICIPAL DA SERRA, ESTADO DO ESPÍRITO

SANTO usando de suas atribuições legais, faço saber que a

Câmara Municipal da Serra decretou e eu sanciono a

seguinte Lei:

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Art. 1° - Fica autorizado o funcionamento de serviços de som

por sistema de Auto-Falantes nos centros de concentração

comercial e comunidades. (…)

§ 3° - Para obtenção da autorização para funcionamento, a

empresa ou entidade terá que submeter seu projeto de

instalação para apreciação e verificação de viabilidade

técnica à Associação de Serviços de Audição Pública, de

Rádios Livres e Comunitária do Município da Serra. Parágrafo

alterado pela Lei 2177/1999

(...) Art. 3° - Os serviços de Auto-Falantes destinarão 30 minutos

diários de seus programas à divulgação das atividades dos

Poderes Executivo e Legislativo Municipais.

(…) § 2° - As atividades a serem divulgadas serão encaminhadas

pelas Assessorias de Comunicação dos dois Poderes à

Associação de Serviços de Audição Pública, de Rádios Livres

e Comunitária do Município da Serra, que se encarregará de

distribuir o programa aos serviços de som situados no

Município. Parágrafo alterado pela Lei 2177/1999 (…)

Art. 4° - Fica limitado a 70 decibéis o volume para operação

desse serviço.

Conforme visto, a legislação em apreço, por meio da redação conferida

pela Lei nº 2.177/1999 conferiu a uma entidade privada a competência

para autorizar o funcionamento do serviço de difusão de som por

autofalante, o que viola a vedação de delegação de competência

exclusiva dos Poderes.

Ademais, a norma municipal do artigo 4º da Lei Municipal da Serra nº

1.900/1996, ao disciplinar o volume de 70 decibéis como limite para a

operação desse serviço, deixou de observar o imperativo da

proporcionalidade, haja vista que os diversos ambientes externos

necessitam de tratamento diferenciado, conforme Tabela 1 da NBR nº

10.151/00.

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Isto é, a Lei permitiu que serviços de som por sistema de autofalantes

possam atuar em centros de concentração comercial e comunidades em

volume superior aos estabelecidos pela ABNT.

Assim, a norma em questão conferiu tratamento menos protetivo ao meio

ambiente.

Diante disso, faz-se necessária a declaração de inconstitucionalidade dos

dispositivos mencionados da Lei Municipal da Serra nº 1.900/96, da Lei

Municipal nº 2.177/99, que trouxe a sua alteração, bem como do Decreto

nº 3.420/03, que a regulamenta, pelos vícios que se passam a expor.

II – DAS RAZÕES DA INCONSTITUCIONALIDADE

A. NORMA QUE EXCEDE A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA MUNICIPAL.

VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 19, IV, E 28, II, DA CONSTITUIÇÃO DO

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.

Conforme já citado, a Lei Municipal da Serra nº 1.900/96 disciplinou que o

volume dos serviços de autofalantes em centros comerciais e

comunidades fica limitado a 70 decibéis.

Tal disposição, por sua vez, contraria normas federais sobre o assunto e,

logo, configura extrapolação da competência legislativa suplementar

conferida ao legislador municipal.

Para exata compreensão da matéria, cumpra ressaltar a princípio que a

proteção ao meio ambiente e o controle da poluição foram elencados

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pela Constituição da República como matérias cuja competência

legislativa é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal1,

tendo sido reservada ao Município a competência para suplementar a

legislação federal e a estadual2.

A Constituição Estadual do Espírito Santo, consoante os termos da

Constituição da República, dispôs que:

Constituição do Estado do Espírito Santo

Art. 19. Compete ao Estado, respeitados os princípios

estabelecidos na Constituição Federal:

(...)

IV - exercer, no âmbito da legislação concorrente, a

competente legislação suplementar e, quando couber, a

plena, para atender às suas peculiaridades;

Art. 28. Compete ao Município:

I - legislar sobre assunto de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e estadual no que

couber;

Compete, assim, à União e aos Estados legislar concorrentemente sobre

proteção do meio ambiente e controle da poluição: enquanto a primeira

estabelece normas gerais, os Estados complementam a legislação federal.

1 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente

sobre:

(...)

VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos

recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle de poluição.

(...)

§1º- No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a

estabelecer normas gerais.

§ 2º- A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a

competência suplementar dos Estados.

(...) 2 Art. 30 – Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

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Os Municípios, por sua vez, poderão suplementar a legislação federal e

estadual no que couber.

Ressalta-se que a competência atribuída aos Estados para complementar

as normas gerais da União não afasta a competência dos Municípios para,

quando houver interesse local, baixar legislação que supra lacunas ou

especifique minúcias decorrentes de idiossincrasias locais.

No entanto, não poderá o Município, em hipótese alguma, dispor de forma

contrária (ou menos restritiva, no presente caso) às normas gerais da

União. A atuação municipal deve se restringir ao detalhamento daquelas

legislações, para adequá-las às particularidades locais, sob pena de

invadir seara normativa que não lhe é atribuída.

As normas gerais ditadas pela União e de observância obrigatória pelos

demais entes federados atinentes à poluição sonora estão delineadas na

Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama nº 01/90,

cujo item I esclarece que a “emissão de ruídos, em decorrência de

quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive

as de propaganda política, obedecerá, no interesse da saúde, do sossego

público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução”,

dispondo o item II serem “prejudiciais à saúde e ao sossego público, para

os fins do item anterior, os ruídos com níveis superiores aos considerados

aceitáveis pela Norma NBR-10.151 – Avaliação do Ruído em Áreas

Habitadas visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de

Normas Técnicas - ABNT”.

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Desse modo, são tidos como admissíveis (padrão de normalidade) em

áreas habitadas, sem que se exponha a saúde humana a riscos, os

seguintes limites de ruídos:

Tipos de áreas Diurno

dB(A)

Noturno

dB(A) Área de sítios e fazendas 40 35 Área estritamente residencial urbana ou de hospitais ou

de escolas

50

45 Área mista, predominantemente residencial 55 50 Área mista, com vocação comercial e administrativa 60 55 Área mista, com vocação recreacional 65 55 Área predominantemente industrial 70 60

Diante disso, verifica-se que a Lei Municipal da Serra nº 1.900/96, ao

disciplinar o limite único de 70 decibéis (art. 4º) e a exclusão da

autorização somente para os logradouros onde se verifique existência de

hospital, escola ou áreas residenciais nas quais os moradores manifestem a

não aprovação pela implantação do sistema (art. 1º, §2º,), afastou a

aplicabilidade dos limites de aceitabilidade de ruídos previstos para as

demais áreas.

Há, portanto, patente sobreposição da norma municipal aos balizamentos

técnicos federais, tendo a mesma conferido tratamento muito menos

protetivo ao meio ambiente do que o trazido pela legislação federal, em

clarividente extravasamento da competência legislativa municipal, e

consequente violação dos artigos 19, IV e 28, II da Constituição do Estado

do Espírito Santo.

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Corroborando a tese ora apresentada, o Professor Paulo Affonso Leme

Machado3 baseia-se na doutrina de Alvaro Luiz Valery Mirra para pontuar

que:

é bastante freqüente, na prática, que os Municípios, ao

legislarem em tema de meio ambiente, procurem diminuir o

rigor do legislador federal ou estadual e, com isso, ampliar

ou facilitar o exercício de atividades potencialmente

degradadoras do meio ambiente em seus territórios, sem o

devido respeito às restrições já anteriormente estabelecidas

pelas normas da União e dos Estados. Tais iniciativas das

municipalidades, porém, devem ser impugnadas por

contrariarem os limites constitucionais da competência

legislativa dos Municípios.

A mesma senda segue Márcia Dieguez Leuzinger4, afirmando que “não se

pode ignorar que o aspecto suplementar diz respeito exclusivamente ao

caráter mais restritivo da norma municipal, não sendo admitida pelo

sistema que contrarie ou deturpe a finalidade e conteúdo das normas

federais e estaduais, visto que a exacerbação da competência municipal

significaria, muitas vezes, o sacrifício da proteção e defesa do meio

ambiente”.

Nesse sentido, seguem esclarecedoras decisões do Supremo Tribunal

Federal, mutatis mutandis aplicáveis ao caso:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEGITIMIDADE

ATIVA DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES

PÚBLICOS (ANADEP) - PERTINÊNCIA TEMÁTICA -

CONFIGURAÇÃO - DEFENSORIA PÚBLICA -RELEVÂNCIA DESSA

INSTITUIÇÃO PERMANENTE, ESSENCIAL À FUNÇÃO DO ESTADO

- A EFICÁCIA VINCULANTE, NO PROCESSO DE CONTROLE

3 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, p. 386. 4 LEUZINGER. Márcia Dieguez. Meio Ambiente: propriedade e repartição constitucional de

competências. Rio de Janeiro: Esplanada, 2002, p.131.

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ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE, NÃO SE ESTENDE AO

PODER LEGISLATIVO - LEGISLAÇÃO PERTINENTE À

ORGANIZAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA - MATÉRIA

SUBMETIDA AO REGIME DE COMPETÊNCIA CONCORRENTE

(CF, ART. 24, XIII, C/C O ART. 134, § 1º) - FIXAÇÃO, PELA

UNIÃO, DE DIRETRIZES GERAIS E, PELOS ESTADOS-MEMBROS,

DE NORMAS SUPLEMENTARES - LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL

QUE ESTABELECE CRITÉRIOS PARA INVESTIDURA NOS CARGOS

DE DEFENSOR PÚBLICO-GERAL, DE SEU SUBSTITUTO E DE

CORREGEDOR-GERAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO -

OFENSA AO ART. 134, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA,

NA REDAÇÃO QUE LHE DEU A EC Nº 45/2004 -LEI

COMPLEMENTAR ESTADUAL QUE CONTRARIA,

FRONTALMENTE, CRITÉRIOS MÍNIMOS LEGITIMAMENTE

VEICULADOS, EM SEDE DE NORMAS GERAIS, PELA UNIÃO

FEDERAL - INCONSTITUCIONALIDADE CARACTERIZADA -

AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. ASSOCIAÇÃO

NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS (ANADEP) - ENTIDADE

DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL - FISCALIZAÇÃO

NORMATIVA ABSTRATA - PERTINÊNCIA TEMÁTICA

DEMONSTRADA - LEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM"

RECONHECIDA. – (...) A USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA

LEGISLATIVA, QUANDO PRATICADA POR QUALQUER DAS

PESSOAS ESTATAIS, QUALIFICA-SE COMO ATO DE

TRANSGRESSÃO CONSTITUCIONAL. - A Constituição da

República, nos casos de competência concorrente (CF, art.

24), estabeleceu verdadeira situação de condomínio

legislativo entre a União Federal, os Estados-membros e o

Distrito Federal (RAUL MACHADO HORTA, "Estudos de Direito

Constitucional", p. 366, item n. 2, 1995, Del Rey), daí

resultando clara repartição vertical de competências

normativas entre essas pessoas estatais, cabendo, à União,

estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º), e, aos Estados-

membros e ao Distrito Federal, exercer competência

suplementar (CF, art. 24, § 2º). Doutrina. Precedentes. - Se é

certo, de um lado, que, nas hipóteses referidas no art. 24 da

Constituição, a União Federal não dispõe de poderes

ilimitados que lhe permitam transpor o âmbito das normas

gerais, para, assim, invadir, de modo inconstitucional, a

esfera de competência normativa dos Estados-membros,

não é menos exato, de outro, que o Estado-membro, em

existindo normas gerais veiculadas em leis nacionais (como

a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública,

consubstanciada na Lei Complementar nº 80/94), não pode

ultrapassar os limites da competência meramente

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suplementar, pois, se tal ocorrer, o diploma legislativo

estadual incidirá, diretamente, no vício da

inconstitucionalidade. A edição, por determinado Estado-

membro, de lei que contrarie, frontalmente, critérios mínimos

legitimamente veiculados, em sede de normas gerais, pela

União Federal ofende, de modo direto, o texto da Carta

Política. (...) (ADI 2903, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,

Tribunal Pleno, julgado em 01/12/2005, DJe-177 DIVULG 18-

09-2008 PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-01 PP-00064 RTJ

VOL-00206-01 PP-00134)

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI MUNICIPAL.

COMERCIALIZAÇÃO DE ÁGUA MINERAL. TEOR DE FLÚOR.

RESTRIÇÃO À SUA COMPOSIÇÃO: IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA

DISCIPLINADA POR LEI FEDERAL. 1. A decisão agravada

aplicou entendimento fixado pela 2ª Turma desta Corte no

julgamento do RE 596.489-AgR/RS, rel. Min. Eros Grau, DJe

20.11.2009, o qual declarou a inconstitucionalidade da Lei

Municipal 8.640/2000. 2. No caso, padece de

inconstitucionalidade a lei municipal que, na competência

legislativa concorrente, utilize-se do argumento do interesse

local para restringir ou ampliar as determinações contidas

em regramento de âmbito nacional. 3. Agravo regimental a

que se nega provimento. (RE 477508 AgR, Relator(a): Min.

ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/05/2011, DJe-

092 DIVULG 16-05-2011 PUBLIC 17-05-2011 EMENT VOL-02523-

01 PP-00141)

Também o Superior Tribunal de Justiça se posicionou sobre o assunto:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO RESCISÓRIA.

LEGITIMIDADE DO MUNICÍPIO PARA ATUAR NA DEFESA DE SUA

COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL. NORMAS DE PROTEÇÃO

AO MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR.

EDIFICAÇÃO LITORÂNEA. CONCESSÃO DE ALVARÁ

MUNICIPAL. LEI PARANAENSE N. 7.389/80. VIOLAÇÃO. (...) 2.

A teor do disposto nos arts. 24 e 30 da Constituição Federal,

aos Municípios, no âmbito do exercício da competência

legislativa, cumpre a observância das normas editadas pela

União e pelos Estados, como as referentes à proteção das

paisagens naturais notáveis e ao meio ambiente, não

podendo contrariá-las, mas tão somente legislar em

circunstâncias remanescentes. (...) 4. A Lei Municipal n.

05/89, que instituiu diretrizes para o zoneamento e uso do

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solo no Município de Guaratuba, possibilitando a expedição

de alvará de licença municipal para a construção de

edifícios com gabarito acima do permitido para o local, está

em desacordo com as limitações urbanísticas impostas

pelas legislações estaduais então em vigor e fora dos

parâmetros autorizados pelo Conselho do Litoral, o que

enseja a imposição de medidas administrativas coercitivas

prescritas pelo Decreto Estadual n. 6.274, de 09 de março de

1983. Precedentes: RMS 9.279/PR, Min. Francisco Falcão, DJ

de 9.279/PR, 1ª T., Min. Francisco Falcão, DJ de 28.02.2000;

RMS 13.252/PR, 2ª T., Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de

03.11.2003. (AR 199800252860, TEORI ALBINO ZAVASCKI, STJ -

PRIMEIRA SEÇÃO, 14/04/2008)

Em caso análogo ao presente, este Egrégio Tribunal de Justiça já proferiu

decisão declarando a inconstitucionalidade da Lei Municipal da Serra n.º

3.819/2012, que, assim como a presente norma, também elevou os limites

máximos de emissão de ruídos previstos na NBR 10.151, ultrapassando os

parâmetros já estabelecidos pela legislação geral nacional, senão

vejamos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - DIREITO

CONSTITUCIONAL - LEI N.º 3.819/12 DO MUNICÍPIO DE SERRA -

VÍCIO DE INICIATIVA - AUTORIA DO PODER LEGISLATIVO DO

MUNICÍPIO DE SERRA - IGREJAS E TEMPLOS RELIGIOSOS -

AUMENTO DO LIMITE DE PROPAGAÇÃO DE SOM PREJUDICIAL

À SAÚDE PÚBLICA - INFRINGÊNCIA À LEGISLAÇÃO FEDERAL DE

REGÊNCIA - ELEVAÇÃO DOS PATAMARES MÁXIMOS DE

DECIBÉIS - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR OU

COMPLEMENTAR DO MUNICÍPIO - PEDIDO JULGADO

PROCEDENTE - LEI DECLARADA INCONSTITUCIONAL COM

EFEITOS EX TUNC E ERGA OMNES. 1 - Compete ao município

legislar sobre assunto de interesse local de forma

suplementar ou complementar à legislação federal e

estadual (art. 30, inciso II c/c art. 24, inciso VI, da CF e art. 28,

incisos I e II, da Constituição do Estado do Espírito Santo),

não poderia a Lei Municipal de Serra n.º 3.819/2012 elevar os

limites dos níveis toleráveis de sons e ruídos prejudiciais à

saúde já estabelecidos pela legislação federal de regência.

Precedentes do TJES e do STF. 2 - Na hipótese, a Lei

Municipal de Serra n.º 3.819/2012 elevou os limites máximos

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de emissão de ruídos nas igrejas e templos religiosos,

ultrapassando os parâmetros já estabelecidos pela

legislação geral nacional, inclusive no que diz respeito à

determinação da União em relação à observância de

normas técnicas editadas pelos órgãos normatizadores

(ABNT e INMETRO). 3 - Não cabe ao Município, não incluído

entre aqueles legitimados, concorrentemente, quanto ao

meio ambiente, art. 24, VIII, CF, somente dispondo de

competência legislativa subsidiária, no caso decorrente do

art. 30 da CF, abrir exceções ou tolerar níveis de ruído

superiores ao estabelecido na legislação federal e estadual,

sob pena de violação aos arts. 19, IV e 28, II, da Constituição

do Estado do Espírito Santo. 4 - Pedido julgado procedente,

declarando a inconstitucionalidade da Lei Municipal de

Serra n.º 3.819/2012, com atribuição de eficácia erga omnes

e efeitos ex tunc. (...)(TJES, Classe: Procedimento Ordinário,

100120011984, Relator: WILLIAM COUTO GONÇALVES, Órgão

julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento: 18/04/2013,

Data da Publicação no Diário: 30/04/2013)

Diante de todo o exposto, resta clara a extrapolação, por parte do

legislador municipal, de sua competência suplementar e, por conseguinte,

flagrante a inconstitucionalidade do artigo 4º da Lei Municipal da Serra nº

1.900/96, por violação aos artigos 19, IV e 28, II da Constituição do Estado

do Espírito Santo.

Importa registrar que o Decreto nº 3.420/03, ao regulamentar a Lei

Municipal nº 1.900/96, disciplinou, em seu artigo 8º, que os níveis de pressão

sonora, bem como os métodos utilizados para a sua medição e avaliação,

obedecerão, dentre outros atos normativos, a NBR 10.151/00, sendo

anexada (Anexo I) a sua Tabela de Nível de Critério de Avaliação (NCA)

para ambientes externos.

Nota-se que, apesar de o Decreto ter previsto o parâmetro correto de

avaliação de ruídos, o mesmo não possui força normativa para realizar

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alteração de lei, mas, pelo contrário, deveria retirar desta o seu

fundamento de validade.

Dessa forma, em razão da vigência do artigo 4º da Lei Municipal da Serra

nº 1.900/96, infere-se que deve ser decretada a sua inconstitucionalidade,

eis que a mesma confronta os artigos 19, IV e 28, II da Constituição do

Estado do Espírito Santo.

B. NORMA QUE OFENDE AO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE

ECOLOGICAMENTE SAUDÁVEL E EQUILIBRADO E AO PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 3º, 32 E 186 DA

CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.

Além de ser notório o excesso da competência legislativa municipal,

verifica-se ainda que o artigo 4º da Lei Municipal da Serra nº 1.900/96, ao

dispor limite único de 70 decibéis para o sistema de autofalantes em

centros de concentração comercial e comunidades, criou verdadeiro

permissivo legal à poluição sonora em áreas cujo limite deveria ser muito

inferior, conforme se evidencia da tabela I da NBR 10.151/00 da ABNT.

Tal permissivo ofende diretamente aos preceitos constitucionais do direito

fundamental ao meio ambiente ecologicamente saudável e equilibrado e

ao princípio da proporcionalidade.

No que tange ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente

saudável e equilibrado, tem-se que o mesmo é violado na medida em que

a poluição sonora desenfreada produz verdadeiro impacto ambiental,

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haja vista o desconforto, os prejuízos à sadia qualidade de vida e os

possíveis malefícios à saúde por ela provocados.

Ressalta-se que tal direito encontra previsão expressa tanto na

Constituição da República quanto na Constituição do Estado do Espírito

Santo, senão vejamos:

Constituição da República

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-

lo para as presentes e futuras gerações.

Constituição do Estado do Espírito Santo

Art. 186. Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente saudável e equilibrado, impondo-se-lhes e,

em especial, ao Estado e aos Municípios, o dever de zelar

por sua preservação, conservação e recuperação em

benefício das gerações atuais e futuras.

Infere-se que, além disso, houve violação ao princípio da

proporcionalidade, tendo em vista que a NBR 10.151 disciplina níveis

máximos de ruídos para cada tipo de área habitada, fazendo

diferenciação, inclusive, em relação ao período diurno e ao período

noturno.

No caso em tela, a imposição de um limite único de decibéis para o

sistema de autofalantes, qual seja, de 70 dB, além de ser superior aos

assegurados na Tabela I da NBR 10.151/00, desatende a proporcionalidade

prevista para as diferentes áreas habitadas.

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Assim, resta clara a inconstitucionalidade material da Lei Municipal da

Serra nº 1.900/01 em razão de a mesma ofender aos preceitos

constitucionais do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente

saudável e equilibrado e ao princípio da proporcionalidade e, portanto,

violar os artigos 3º, 32 e 186 da Constituição do Estado do Espírito Santo.

C. NORMA QUE OFENDE AS ATRIBUIÇÕES DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA

DOS PODERES. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 91, I; 17, P. ÚNICO; 210,

CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.

Cumpre salientar que o serviço público é aquele prestado pela

Administração ou por meio de delegação, através de controle estatal,

para atender a imperativos essenciais ou secundários da coletividade, ou

meras conveniências do Estado5.

A criação e a regulamentação dos serviços públicos são realizadas pelo

Poder Público, bem como a sua fiscalização.

Analisando-se a legislação colacionada nos artigos 1º, §3º, e 3º, §2º, da Lei

Municipal nº 1.900/01, que se referem à gestão do funcionamento dos

serviços de som por autofalantes, vislumbram-se vícios de

inconstitucionalidade, conforme se passa a expor em detalhes.

Importa registrar que, em âmbito estadual, o Governador do Estado, com

o auxílio dos Secretários de Estado, tem competência privativa para

5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo:

Malheiros, 1993. p. 289.

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exercer a direção superior da administração estadual, conforme dispõe o

artigo 91, I, da Constituição do Estado do Espírito Santo.

Art. 91. Compete privativamente ao Governador do Estado: I

- exercer, com auxílio dos Secretários de Estado, a direção

superior da administração estadual;

Salienta-se que, embora as Constituições da República e Estadual tenham

se omitido no que diz respeito à competência da direção superior da

administração municipal, deve-se aplicar ao Município a mesma regra

estabelecida para a União e os Estados, em razão do princípio da simetria.

Desse modo, nota-se que, cabe ao chefe do Poder Executivo Municipal

exercer a gestão dos serviços públicos, inclusive a autorização para o

funcionamento dos mesmos, bem como a sua fiscalização.

Além disso, cabe destacar que o artigo 17, p. único, 1ª parte, da

Constituição Estadual prevê a vedação de delegação de atribuições de

competência exclusiva por qualquer dos Poderes6.

A esse respeito, Carvalho Filho diferencia os serviços públicos delegáveis

dos indelegáveis:

Serviços delegáveis são aqueles que, por sua natureza ou

pelo fato de assim dispor o ordenamento jurídico,

comportam ser executados pelo Estado ou por particulares

colaboradores. Como exemplo, os serviços de transporte

coletivo, energia elétrica, sistema de telefonia etc.

6 Art. 17. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o

Executivo e o Judiciário. Parágrafo único. É vedado a qualquer dos Poderes delegar

atribuições de sua competência exclusiva. Quem for investido na função de um deles

não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.

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Serviços indelegáveis, por outro lado, são aqueles que só

podem ser prestados pelo Estado diretamente, ou seja, por

seus próprios órgãos ou agentes. Exemplifica-se com os

serviços de defesa nacional, segurança interna, fiscalização

de atividades, serviços assistenciais etc.

Conforme o exposto, infere-se que os serviços de fiscalização de atividades

se tratam de serviços públicos indelegáveis, não podendo ficar ao dispor

de particulares.

Assim, no que se refere à Lei Municipal da Serra nº 1.900/01, resta claro que

a previsão de autorização para o funcionamento dos serviços de som por

sistema de autofalante pela Associação de Serviços de Audiência Pública,

de Rádios Livres e Comunitária do Município da Serra (art. 1º, §3º), bem

como a previsão de sua competência para realizar a distribuição do

programa aos serviços de som situados no Município (art. 3º, §2º), são

inconstitucionais, uma vez que ocorre delegação de atribuições de

competência exclusiva do Município a entidade privada.

Dessa forma, conclui-se que não cabe ao Chefe do Poder Executivo

Municipal delegar autorização e fiscalização de serviço público, em razão

de serem atribuições de competência exclusiva.

É válido ressaltar, no entanto, que ainda que se versasse acerca de serviço

público delegável, a concessão ou permissão deveria obrigatoriamente

observar procedimento de licitação, conforme dispõe o artigo 210, caput,

da Constituição Estadual do Espírito Santo, abaixo transcrito:

Art. 210. Incumbe ao Estado e aos Municípios, diretamente

ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através

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de licitação, a prestação de serviço público, na forma da

lei, que estabelecerá:

Consoante se verifica do texto constitucional, as concessões e permissões

para a prestação de serviços públicos devem sempre ser precedidas de

licitação. Sendo assim, para que possa haver prestação de serviços

públicos por particulares, a licitação é elemento imprescindível.

José dos Santos Carvalho Filho, ao disciplinar acerca do tema, afirma que

tanto na concessão como na permissão é imprescindível a realização de

licitação para a escolha do permissionário, como exigido,

inclusive, pela Constituição (art. 175). Tendo em vista que a

permissão se configurava tradicionalmente como ato

administrativo, e não como contrato, não são raras as

notícias de que algumas permissões tem sido conferidas sem

o referido certame. Se assim for efetivada, a contratação é

nula, não apenas por ofensa ao aludido mandamento

constitucional, como também pelo desrespeito aos

princípios da impessoalidade e da moralidade, sobretudo

porque, em regra, tal conduta visa a beneficiar

determinadas pessoas, com evidente desvio de finalidade7.

Ainda a esse respeito, ao cuidar das concessões de serviços públicos,

Celso Antônio Bandeira de Melo, com a precisão costumeira, faz a

seguinte observação, que se aplica, igualmente, à hipótese da permissão:

Tendo sido visto que a concessão depende de licitação -

até mesmo por imposição constitucional - e como o que

está em causa, ademais, é um serviço público, não se

compreenderia que o concessionário pudesse repassá-la a

outrem, com ou sem a concordância da Administração.

Com efeito, quem venceu o certame foi o concessionário, e

7 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo / José dos Santos

Carvalho Filho. 20. ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. P.. 393.

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não um terceiro - sujeito, este, pois, que, de direito, não se

credenciou, ao cabo de disputa aberta com quaisquer

interessados, ao exercício da atividade em pauta. Logo,

admitir a transferência da concessão seria uma burla ao

principio licitatório, enfaticamente consagrado na Lei Magna

em tema de concessão, e feriria o princípio da isonomia,

igualmente encarecido na Constituição8.

A jurisprudência pátria é uníssona no sentido de que a concessão e a

permissão de exploração de serviços públicos devem ser precedidas de

licitação, senão vejamos o entendimento do Supremo Tribunal Federal.

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE

INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PERMISSÃO OU CONCESSÃO

DE TRANSPORTE PÚBLICO. 1. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO

APÓS O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 2.

RESTABELECIMENTO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-

FINANCEIRO DO CONTRATO. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME

DE PROVAS E DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INCIDÊNCIA

DAS SÚMULAS 279 E 454 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA

PROVIMENTO. (AI 774915 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN

LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 24/08/2010, DJe-179

DIVULG 23-09-2010 PUBLIC 24-09-2010 EMENT VOL-02416-09

PP-02009)

“Recurso extraordinário. Ação direta de

inconstitucionalidade de artigos de lei municipal. Normas

que determinam prorrogação automática de permissões e

autorizações em vigor, pelos períodos que especifica. (...)

Prorrogações que efetivamente vulneram os princípios da

legalidade e da moralidade, por dispensarem certames

licitatórios previamente à outorga do direito de exploração

de serviços públicos” (RE 422.591, Rel. Min. Dias Toffoli,

julgamento em 1º-12-2010, Plenário, DJE de 11-3-2011.)

Ainda nesse sentido, é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça:

8 DE MELO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 12ª ed. Malheiros,

p.618.

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ACÓRDÃO EMENTA: AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.

PEDIDO DE LIMINAR. LEI MUNICIPAL. EXPLORAÇÃO DE

SERVIÇOS DE TAXI. DEPENDE DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO-

PRESENÇA DOS REQUISITOS CONCESSÃO DA MEDIDA ¿

SUSPENSÃO DA LEI MUNICIPAL N. º 4.949/10. 1. De acordo

com os dispositivos constitucionais a permissão de

exploração de serviço de taxi, depende de procedimento

licitatório para escolha de seu permissionário, não sendo

possível a transmissão através ¿herança¿, até porque, trata-

se de contrato intuitu personae. 2. Nota-se ainda que o

perigo da demora poderá acarretar prejuízos futuros à

sociedade, haja vista que a licitação busca justamente dar

oportunidade a todos os cidadãos, que preencham os

requisitos, a oportunidade de obter a permissão para

exploração de serviços de táxi. Além disso, a lei concede

isenção do pagamento da taxa de transferência aos

herdeiros e sucessores, causando prejuízo ao erário. 3. Ante a

presença do fumus boni iuris e do periculum in mora defere-

se a liminar pleiteada. VISTOS, relatados e discutidos os

autos da Ação de Inconstitucionalidade nº 100120001159,

em que são partes as acima indicadas. ACORDA o Egrégio

Tribunal Pleno, na conformidade da ata e das notas

taquigráficas da Sessão que integrou este julgado, à

unanimidade de votos, deferir a liminar pleiteada, nos termos

do voto do eminente relator. (TJES, Classe: Direta de

Inconstitucionalidade, 100120001159, Relator : WILLIAN SILVA,

Órgão julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento:

27/02/2012, Data da Publicação no Diário: 12/04/2012)

À luz do que fora exposto, os artigos 1º, §3,º e 3º, §2º, da Lei Municipal da

Serra nº 1.900/01, ao não observarem a vedação de delegação de

atribuições de competência exclusiva dos Poderes, afrontam o

mandamento constitucional contido no art. 17, §2º, da Constituição do

Estado do Espírito Santo e, em última análise, o art. 210 da mesma Carta,

que prevê a necessidade de licitação para a prestação de serviços

públicos sob regime de concessão ou permissão.

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III – MEDIDA CAUTELAR PLEITEADA – NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DA

EFICÁCIA DA NORMA IMPUGNADA

Resta patente que o princípio constitucional básico do direito à tutela

jurisdicional também assegura ao jurisdicionado o direito a uma sentença

potencialmente eficaz, capaz de evitar dano irreparável a direito

relevante.

Nestes termos, não se pode olvidar que inexiste no ordenamento jurídico

pátrio direito mais relevante do que aquele relacionado com o respeito ao

nosso ordenamento fundamental, consubstanciado nas Constituições

Republicana e Estadual.

Urge salientar que, na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, não

se almeja a análise de um caso concreto, mas sim de legislação em tese,

com o escopo de declarar sua inconstitucionalidade em face da Carta

Política Estadual, extirpando do mundo jurídico lei que com esta conflite.

Destarte, necessária se faz a concessão de medida cautelar na presente

Ação Direta de Inconstitucionalidade, para o fim de suspender a eficácia

das normas impugnadas, com espeque no artigo 10 e seguintes da Lei nº

9.868/99, pelos fundamentos adiante demonstrados:

Consoante demonstrado, as legislações impugnadas disciplinam sobre a

autorização para o funcionamento dos serviços de som por sistema de

autofalante pela Associação de Serviços de Audiência Pública, de Rádios

Livres e Comunitária do Município da Serra (art. 1º, §3º), bem como a sua

competência para realizar a distribuição do programa aos serviços de som

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situados no Município (art. 3º, §2º), em flagrante ofensa à vedação de

delegação de atribuições de competência exclusiva do Município a

entidade privada.

Ademais, a disposição legal criada pelo artigo 4º da Lei em tela, segundo

a qual limita a 70 decibéis o volume para a operação de serviços de som

por sistema de autofalantes nos centros de concentração comercial e

comunidades, permite a não observância aos limites fixados pelas normas

gerais federais de regência, em claro desbordo da competência

legislativa suplementar municipal.

Por fim, a fixação deste limite de forma não congruente com os previstos

pela NBR nº 10.151/00 ofende diretamente aos preceitos constitucionais do

direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente saudável e

equilibrado e ao princípio da proporcionalidade.

Diante disso, resta devidamente evidenciada a flagrante

inconstitucionalidade das normas impugnadas e, portanto, a presença o

fumus boni iuris.

No que tange ao periculum in mora, outro requisito indispensável à

concessão da cautelar, evidencia-se que a demora decorrente do

retardamento da decisão postulada pode acarretar danos irreparáveis

para todos aqueles que de alguma forma estão sendo prejudicados pela

previsão de limite superior aos estabelecidos pela NBR nº 10.151/00 e

sofrem os inúmeros danos físicos e psicológicos que decorrem da poluição

sonora.

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Ainda que se afastasse a ocorrência do periculum in mora, o que não

parece ser o caso, ainda restaria a conveniência política9 da suspensão

da eficácia dos artigos 1º, §3º; 3º, §2º; 4º da Lei Municipal da Serra nº

1.900/96, da Lei Municipal da Serra nº 2.177/99 a qual é suficiente para a

concessão de medida cautelar em ações do controle concentrado.

Sobre essa possibilidade, o ilustre Ministro Luís Roberto Barroso, ao discorrer

acerca da suposta inviabilização da concessão de medida cautelar nas

ações que discutem a constitucionalidade de lei já vigente há muito

tempo, esclareceu que “tal regra, todavia, não é absoluta: por vezes ‘é

possível utilizar-se do critério de conveniência, em lugar do periculum in

mora, para a concessão de medida cautelar’ (STF, DJU, 7 abr. 1995,

ADInMC 1.087-5-RJ, REL. Min. Moreira Alves)”.

Vale registrar que o Supremo Tribunal Federal por vezes deferiu medida

cautelar com fundamento na conveniência política, mesmo após afastar

a incidência do periculum in mora, vejamos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 118 DA

CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. - NÃO HÁ

DUVIDA DE QUE HÁ RELEVÂNCIA JURÍDICA NAS QUESTÕES DE

SABER SE, EM FACE DA ATUAL CONSTITUIÇÃO, PERSISTE A

NECESSIDADE DA OBSERVANCIA PELOS ESTADOS DAS

NORMAS FEDERAIS SOBRE O PROCESSO LEGISLATIVO NELA

ESTABELECIDO, BEM COMO SE OS PRECEITOS DO PAR. 9. DO

ARTIGO 42 E DO PAR. 7. DO ARTIGO 144, AMBOS DA CARTA

MAGNA FEDERAL, OS QUAIS ALUDEM A LEI ORDINARIA,

9 A jurisprudência estabeleceu, de longa data, os requisitos a serem satisfeitos para a

concessão da medida cautelar em ação direta [...]. Alguns julgados referem-se à

relevância do pedido (englobando o sinal de bom direito e o risco de manter-se com

plena eficácia o ato normativo) e à conveniência da medida, que envolve a

ponderação entre o proveito e o ônus da suspensão provisória. (BARROSO, Luis Roberto. O

Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 218)

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ABARCAM O ESTATUTO DOS SERVIDORES PUBLICOS MILITARES.

- DADA A RELEVÂNCIA JURÍDICA DESSAS QUESTÕES, QUE

ENVOLVEM O ALCANCE DO PODER CONSTITUINTE

DECORRENTE QUE E ATRIBUIDO AOS ESTADOS, E POSSIVEL -

COMO SE ENTENDEU NO EXAME DA MEDIDA LIMINAR

REQUERIDA NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N.

568 - UTILIZAR-SE DO CRITÉRIO DA CONVENIENCIA, EM LUGAR

DO "PERICULUM IN MORA". PARA A CONCESSÃO DE MEDIDA

CAUTELAR, AINDA QUANDO O DISPOSITIVO IMPUGNADO JÁ

ESTEJA EM VIGOR HÁ ALGUNS ANOS. PEDIDO DE LIMINAR

DEFERIDO, PARA SUSPENDER "EX NUNC", E ATÉ A DECISÃO

FINAL, A EFICACIA DO INCISO IX DO PARAGRAFO ÚNICO DO

ARTIGO 118 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO. (ADI 1087 MC, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES,

Tribunal Pleno, julgado em 01/02/1995, DJ 07-04-1995 PP-

08870 EMENT VOL-01782-01 PP-00001)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONSTITUIÇÃO

DO AMAZONAS - SERVIDOR PÚBLICO - CONCESSÃO DE

VANTAGEM - ALEGADA USURPAÇÃO DO PODER DE

INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - PROCESSO

LEGISLATIVO - EXTENSAO E LIMITES DO PODER CONSTITUINTE

DECORRENTE - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - O Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art. 11, impôs

aos Estados-membros, no exercício de seu poder

constituinte, a estrita observância dos princípios consagrados

na Carta da Republica. - O poder constituinte decorrente,

assegurado as unidades da Federação, e, em essência, uma

prerrogativa institucional juridicamente limitada pela

normatividade subordinante emanada da Lei Fundamental.

- Modalidades tipológicas em que se desenvolve o poder

constituinte decorrente: poder de institucionalização e

poder de revisão. Graus distintos de eficácia e de

autoridade. Doutrina. - A norma que, inscrita em constituição

estadual, autoriza o servidor público a computar, para efeito

de adicional pelo tempo de exercício de cargo ou função

de confiança, o período de serviço prestado nas três esferas

de governo, sugere a discussão em torno da extensão do

poder constituinte deferido aos Estados-membros, no que

concerne a observância dos princípios inerentes ao processo

legislativo instituídos na Carta da Republica. - A alta

relevância da questão - alcance do poder constituinte

decorrente atribuído aos Estados-membros - torna possível

invocar o juízo de conveniência, que constitui critério

adotado e aceito pelo Supremo Tribunal Federal, em sede

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jurisdicional concentrada, para efeito de concessão da

medida cautelar. Precedentes. (ADI 568 MC, Relator(a): Min.

CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/1991, DJ

22-11-1991 PP-16845 EMENT VOL-01643-01 PP-00045 RTJ VOL-

00138-01 PP-00064)

Verifica-se, portanto, que o lapso temporal transcorrido desde a edição de

da norma impugnada não afastou o necessidade de suspensão liminar de

sua eficácia, tendo em vista a caracterização do fumus boni iuris, do

periculum in mora e ainda da conveniência política em sua suspensão.

Assim, resta evidente que, diante da gravidade da situação apresentada,

os artigos 1º, §3º; 3º, §2º; 4º da Lei Municipal da Serra nº 1.900/96, a Lei

Municipal da Serra nº 2.177/99 não podem se prolongar no tempo,

devendo ocorrer o quanto antes a suspensão da eficácia dos mesmos por

essa Colenda Corte.

Desta forma é urgente a concessão da medida cautelar por essa Corte

Constitucional Estadual para a suspensão da eficácia das normas ora

impugnadas, a fim de obstar que as mesmas continuem a produzir efeitos.

IV – DOS PEDIDOS

Ex positis, requeiro:

a) A concessão de medida cautelar com o fim de que seja

decretada a suspensão liminar dos artigos 1º, §3º; 3º, §2º; 4º da

Lei Municipal da Serra nº 1.900/96, da Lei Municipal da Serra nº

2.177/99, nos termos do artigo 169, alínea “b”, do Regimento

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Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça e artigo 12 da Lei

Federal nº. 9.868/99;

b) A notificação do Presidente da Câmara e do Prefeito Municipal

da Serra, para os fins previstos no artigo 169, alínea “a”, do

Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça;

c) E, por derradeiro, seja a presente Ação Direta de

Inconstitucionalidade julgada procedente, declarando-se a

inconstitucionalidade dos artigos 1º, §3º; 3º, §2º; 4º da Lei

Municipal da Serra nº 1.900/96, da Lei Municipal da Serra nº

2.177/99, adotando-se as providências necessárias para que

cessem, ex tunc, todos os seus efeitos.

Dá-se à causa, por força de expressa disposição legal, o valor de R$ 100,00

(cem reais).

Termos em que,

Pede deferimento.

Vitória, 08 de janeiro de 2016.

EDER PONTES DA SILVA

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA