excelentÍssimo senhor desembargador … · na constituição estadual por ......

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Procuradoria-Geral de Justiça - 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, no uso de suas atribuições constitucionais, vem, com fulcro no art. 29, inc. I da Lei 8.625/93, c/c. o art. 30, XVI, da Lei Complementar Estadual n.º 95/97, e art. 112, III, da Constituição do Estado do Espírito Santo, propor a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 3.819, de 04 de janeiro de 2012, do Município de Serra (doc. 01) , que deu nova redação ao artigo 206 da Lei 1.522/1991 e ao artigo 2º, inciso II da Lei 3.083/2007, requerendo, desde logo, seja concedida a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, in limine litis e inaudita altera parte, pelos fatos e fundamentos abaixo aduzidos.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Procuradoria-Geral de Justiça

- 1

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO

ESPÍRITO SANTO, no uso de suas atribuições constitucionais, vem, com fulcro

no art. 29, inc. I da Lei 8.625/93, c/c. o art. 30, XVI, da Lei Complementar

Estadual n.º 95/97, e art. 112, III, da Constituição do Estado do Espírito

Santo, propor a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

da Lei nº 3.819, de 04 de janeiro de 2012, do Município de Serra (doc. 01),

que deu nova redação ao artigo 206 da Lei 1.522/1991 e ao artigo 2º,

inciso II da Lei 3.083/2007, requerendo, desde logo, seja concedida a

antecipação dos efeitos da tutela pretendida, in limine litis e inaudita

altera parte, pelos fatos e fundamentos abaixo aduzidos.

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I – DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

No mês de novembro do ano de 2011, o Vereador João Luiz Teixeira

Corrêa apresentou à Câmara Municipal da Serra o Projeto de Lei nº

211/2011, dispondo sobre a alteração de dispositivos das Leis nº 1.522/1991

e 3.083/2007.

As alterações pretendidas pelo Vereador permitem que igrejas ou templos

religiosos possam exceder o limite sonoro estipulado para as demais

pessoas, naturais ou jurídicas, podendo chegar ao limite de 85 dB de 7 às

22 horas, e ainda permite que na véspera de feriados e datas religiosas se

atinja o mesmo limite após as 22 horas.

Cumpre ainda destacar a justificativa trazida pelo vereador ao Projeto de

Lei em questão:

“pesquisas recentes indicam a Serra como uma das cidades

com o maior número de homicídios que estão diretamente

ligados ao narcotráfico. As igrejas tem um papel de extrema

importância em nossa sociedade, recuperando pessoas,

restaurando famílias que acabam sendo vítimas deste

grande mal que assola nossas comunidades, que são as

drogas lícitas e ilícitas. Este importante trabalho feito pelas

comunidades tem sido comprometido pois a grande maioria

destas comunidades não dispõe dos recursos necessários,

para fazer na acústica dos tempos religiosos o trabalho

devido para atender a legislação em vigor, que tem sido

penosa e injusta com as comunidades religiosas”.

Em 09 de janeiro a Lei foi sancionada e promulgada com a seguinte

redação:

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Lei Municipal nº 3.819/2012

DÁ NOVA REDAÇÃO AO INCISO 1º DO ART. 206 DA LEI Nº

1.522/1991 E DÁ NOVA REDAÇÃO AO INCISO II DO ART. 2ª DA

LEI Nº 3.083/2007.

O PREFEITO MUNICIPAL DA SERRA, ESTADO DO ESPÍRITO

SANTO, no uso de suas atribuições legais, faz saber que a

Câmara municipal decretou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º. Dá nova redação ao inciso 1º, do artigo 206, da Lei

1.522/1991 que dispõe sobre a criação do Código de Postura

do Município da Serra a execução regular de política

Administrativa:

Art. 206 – São permitidos os ruídos que provenham:

I – de sinos de igrejas ou templos e, bem assim, de

instrumentos musicais utilizados no exercício do culto ou

cerimônia religiosa, celebrados no recito das respectivas

sedes das associações religiosas, no Máximo de 85

decibéis (85 dB) medido na curva A. No período das 7

às 22 horas, exceto aos sábados e na véspera dos dias

de feriados e datas religiosas de expressão popular,

quando então será livre o horário.

Art. 2º. Dá nova redação do inciso 2º, do artigo 2º, da Lei nº

3.083/2007, que dispõe sobre a autorização ao Poder

executivo Municipal a promover o controle da emissão de

ruídos e poluição sonora de forma a garantir o sossego e o

bem estar público e dá outras providências:

Art. 2º. Excetuam-se das proibições deste artigo os SOS

produzidos por:

II – de sinos de igrejas ou templos e bem assim, de

instrumentos musicais utilizados no exercício do culto ou

cerimônia religiosa, celebrados no recinto das

respectivas sedes das associações religiosas, no Máximo

de 85 decibéis (85 dB) medido na curva A. No período

das 7 às 22 horas, exceto aos sábados e na véspera dos

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dias de feriados e datas religiosas de expressão popular,

quando então será livre o horário.

Art. 3º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

No entanto, conforme será demonstrado, a espécie legislativa acima

colacionada está eivada de irremissível vício de inconstitucionalidade,

merecendo a pronta censura desse E. Tribunal.

II - DA COMPETÊNCIA DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO PARA

O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO

ESTADUAL

Sendo o Brasil uma Federação, tipo de Estado caracterizado pela

descentralização territorial do poder, no qual os Estados-Membros e os

Municípios possuem autonomia, manifesta-se essa unidade de Estado em

três esferas, cada qual delimitada pelas normas da Constituição Federal,

que atua como Estatuto da Federação.

Nos termos dos artigos 18 e 29 da Constituição Republicana de 1988, o

Município goza de autonomia, o que equivale dizer que tais entes detêm

competência para gerir seus próprios interesses. A competência municipal

funda-se em quatro capacidades: I) auto-organização, através da lei

orgânica; II) autogoverno, com a eleição de seu próprio corpo de agentes

políticos; III) capacidade legislativa, preparando o ordenamento jurídico

local e; IV) autoadministração, organizando e mantendo o serviço público

local.

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Essa feição autônoma dos Municípios não tem par nas ordens

constitucionais pretéritas. De fato, as Constituições anteriores

determinavam que os Estados-Membros deveriam organizar seus

municípios, assegurando-lhes autonomia. Note-se que a autonomia era

dirigida aos Estados-Membros, porque a estes cabia organizar os

Municípios.

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, ficou diretamente assegurada a autonomia Municipal, de maneira

que a ingerência do Estado nos assuntos do Município ficou limitada aos

aspectos expressamente indicados na Constituição Cidadã.

Pelo fato de o Município não mais sofrer ingerência do Estado-Membro,

estando a disciplina jurídica principiológica do Município quase que

totalmente inserta na Carta da República, há poucas questões que, por

força da própria Constituição Federal, foram atribuídas à regulação pela

Constituição Estadual (e.g., fusão, desmembramento de municípios, etc.).

Com efeito, somente em raras hipóteses estar-se-á diante de

inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição Estadual,

uma vez que, conforme visto, a Constituição do Estado-Membro pouco ou

quase nada tem a ditar, em termos de diretrizes, ao Município.

Pode ocorrer, contudo, de as Constituições Estaduais repetirem norma já

constante na Constituição da República, caso em que uma eventual

inconstitucionalidade de Lei Municipal ofenderia tanto a Constituição

Federal quanto a Constituição Estadual.

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Assim, como em nosso sistema não se admite ação direta de

inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição da

República Federativa do Brasil, abre-se a possibilidade de controle de

constitucionalidade da Lei Municipal por meio de jurisdição constitucional

estadual, a ser exercida pelo Tribunal de Justiça do Estado.

A Constituição do Estado do Espírito Santo traz essa previsão no art. 109,

inciso I, alínea “e”:

Art. 109. Compete, ainda, ao Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

..............................

e) as ações de inconstitucionalidade contra lei ou atos

normativos estaduais ou municipais que firam preceito desta

Constituição;

A esse propósito, assim se manifesta o Professor André Ramos Tavares1

[...] somente pode existir jurisdição constitucional no âmbito

do Estado-membro se a Constituição Federal assegurar às

unidades federadas não só a liberdade para criar

Constituições autô-nomas, mas também o poder de regular

a defesa judicial de sua específica Constituição. É

exatamente o que fez a atual Lei Magna, no § 2º do mesmo

art. 125. Nesse dispositivo, a Constituição Federal declara a

competência dos Estados para criar mecanismos de

proteção de suas Constituições contra leis inferiores que lhes

sejam contrárias.

Permite-se, assim, uma verdadeira jurisdição constitucional

estadual, a que estarão submetidos os atos normativos

emanados tanto do Estado-membro como de seus

Municípios. Determina o referido dispositivo constitucional:

“Cabe aos Estados a instituição de representação de

1 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional / André Tavares Ramos. 5. ed.

São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 385-386.

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inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou

municipais em face da Constituição Estadual, vedada a

atribuição da legitimação para agir a um único órgão.

Vê-se, pois, que a defesa da Constituição Estadual mira, em última análise,

a defesa da Constituição Federal, por garantir a melhor interpretação das

normas constitucionais em todos os níveis da federação. Ganha, com isso,

a unidade e a força normativa da Lei Fundamental.

Não por outra razão, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite

que cabe Recurso Extraordinário do acórdão que decide representação

de inconstitucionalidade estadual quando o parâmetro é norma presente

na Constituição Estadual por repetição obrigatória:

Reclamação com fundamento na preservação da

competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de

inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça

na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa

a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem

dispositivos constitucionais federais de observancia

obrigatoria pelos Estados. Eficacia jurídica desses dispositivos

constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos

Estados-membros. - Admissão da propositura da ação direta

de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local,

com possibilidade de recurso extraordinário se a

interpretação da norma constitucional estadual, que

reproduz a norma constitucional federal de observancia

obrigatoria pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance

desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente.

(Reclamação 383. Relator: Ministro Moreira Alves. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 11/06/1992).

Sobressai, então, com clareza, que é cabível o conhecimento de ADI pela

Corte Estadual, mesmo que a norma constitucional estadual violada seja

repetição de disposição da Carta Magna, cabendo, da decisão do

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Tribunal de Justiça, recurso extraordinário com fulcro no artigo 102, inciso III,

da CRFB/88.

Destarte, revela-se plenamente possível a argüição de

inconstitucionalidade, via processo objetivo de controle concentrado

abstrato, perante o Tribunal de Justiça, mesmo quando o dispositivo

violado for norma de repetição obrigatória da Constituição da República.

Portanto, se o Supremo Tribunal Federal tem a missão precípua de atuar

como guardião da Constituição da República Federativa do Brasil,

declarando a inconstitucionalidade de leis e atos normativos que com ela

conflitam, resta evidente que cabe a esse Colendo Sodalício Estadual

atuar como guardião da Constituição do Estado do Espírito Santo,

controlando a constitucionalidade das leis e atos normativos municipais ou

estaduais com esta conflitantes.

III – VÍCIO DE COMPETÊNCIA - LEI 3.819/2012 EXTRAPOLA A COMPETÊNCIA

SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO. AFRONTA AOS ARTIGOS 19, INCISO IV E 28,

INCISO II, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.

Para exata compreensão da matéria, mister analisar o que diz a

Constituição da República (que não deve ser encarada como o parâmetro

de constitucionalidade para o presente caso) sobre as regras de

distribuição de competência entre os entes federados.

O artigo 24 da Constituição Federal preconiza que:

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Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal

legislar concorrentemente sobre:

..............................

VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,

defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio

ambiente e controle de poluição.

..............................

§1º- No âmbito da legislação concorrente, a competência

da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º- A competência da União para legislar sobre normas

gerais não exclui a competência suplementar dos Estados .

§ 3º- Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados

exercerão a competência legislativa plena, para atender a

suas peculiaridades.

§ 4º- A superveniência de lei federal sobre normas gerais

suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrária.

O art. 30, sobre a capacidade legislativa local, apregoa:

Art. 30 – Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que

couber.

Seguindo esse panorama, a Constituição Capixaba assim dispôs:

Art. 19. Compete ao Estado, respeitados os princípios

estabelecidos na Constituição Federal:

..............................

IV - exercer, no âmbito da legislação concorrente, a

competente legislação suplementar e, quando couber, a

plena, para atender às suas peculiaridades;

..............................

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Art. 28. Compete ao Município:

I - legislar sobre assunto de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e estadual no que

couber;

Logo, vê-se que compete à União e aos Estados legislar concorrentemente

sobre proteção do meio ambiente e controle da poluição. A competência

da União consiste no estabelecimento das normas gerais, enquanto que

aos Estados compete complementar a legislação federal. Já aos

Municípios cabe a suplementação da legislação federal e estadual no que

couber.

É claro que a competência atribuída aos Estados para complementar as

normas gerais da União não afasta a competência dos Municípios para,

quando houver interesse local, baixar legislação que supra lacunas ou

especifique minúcias decorrentes de idiossincrasias locais. Entretanto, não

poderá o Município, em hipótese alguma, dispor de forma contrária (ou

menos restritiva, como no presente caso) às normas gerais da União. A

atuação municipal, como visto, deve se restringir ao detalhamento

daquelas legislações, para adequá-las às particularidades locais, sob pena

de invadir seara normativa que não lhe é atribuída.

As normas gerais atinentes à poluição sonora estão delineadas na

Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama nº 01/90

(doc. 02), cujo item I esclarece que a “emissão de ruídos, em decorrência

de quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas,

inclusive as de propaganda política, obedecerá, no interesse da saúde, do

sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta

Resolução”, dispondo o item II serem “prejudiciais à saúde e ao sossego

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público (...) ruídos com níveis superiores aos considerados aceitáveis pela

norma NBR 10.152 - Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas visando o

conforto da comunidade, da Associação Brasileira de Normas Técnicas –

ABNT”.

Da análise da Tabela 1 constante da referida NBR 10152 (doc. 03), extrai-se

que os níveis aceitáveis mais elevados são aplicáveis a pavilhões fechados

para espetáculos e atividades esportivas, em nível sonoro aceitável que

pode variar de 45 dB(A) (nível sonoro para conforto) a 60 dB(A) (nível

sonoro aceitável para a finalidade – acima desse limite já se considera

zona de desconforto). Calha reproduzir toda a tabela:

Tabela 1 - Valores dB(A) e NC

Locais dB(A)

Hospitais

Apartamentos, Enfermarias, Berçários, Centros cirúrgicos

Laboratórios, Áreas para uso do público

Serviços

35-45

40-50

45-55

Escolas

Bibliotecas, Salas de música, Salas de desenho

Salas de aula, Laboratórios

Circulação

35-45

40-50

45-55

Hotéis

Apartamentos

Restaurantes, salas de estar

Portaria, recepção, circulação

45–55

40-50

45-55

Residências

Dormitórios

Salas de estar

35-45

40-50

Auditórios

Salas de concerto, teatros

Salas de conferência, cinemas, salas de uso múltiplo

30-40

35-45

Restaurantes 40-50

Escritórios

Salas de reunião

Salas de gerência, salas de projetos e de aministração

Salas de computadores

30-40

35-45

45-65

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Salas de mecanografia 50-60

Igrejas e templos (Cultos meditativos) 40-50

Locais para esporte

Pavilhões fechados para espetáculos e atividades esportivas

45-60

No escopo de melhor ilustrar o que os órgãos técnicos entendem por

limites admissíveis de ruídos, sem que se exponha a saúde humana a riscos,

releva trazer a lume o que diz outra norma técnica da ABNT, a NBR 10151

(doc. 04), na Tabela 1 – Nível de critério de avaliação NCA para ambientes

externos, em dB(A):

Tipos de áreas Diurno Noturno Área de sítios e fazendas 40 35 Área estritamente residencial urbana ou de hospitais ou de

escolas 50 45

Área mista, predominantemente residencial 55 50 Área mista, com vocação comercial e administrativa 60 55 Área mista, com vocação recreacional 65 55 Área predominantemente industrial 70 60

Logo, nas normas técnicas que regulam os patamares de propagação

sonora, o nível mais elevado alcança, no máximo, 70 dB(A).

Ocorre que, a malsinada Lei nº 3.819/2012 ignorou os balizamentos

técnicos federais, fazendo inserir alterações nas Leis nº 1.522/1191 e nº

3083/2007, para expandir aqueles limites apenas para as igrejas e templos

religiosos, fixando em 85 dB(A) para o horário de 7 às 22 horas, e ainda

tornando livre o horário quando se tratar de sábados, véspera de feriados e

datas religiosas de expressão popular.

A lei conferiu, assim, tratamento menos protetivo ao meio ambiente do que

a legislação federal, em clarividente extravasamento da competência

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legislativa municipal, e conseqüente violação dos artigos 19, inc. IV e 28, II

da Constituição do Estado do Espírito Santo.

Corroborando a tese ora apresentada, o Prof. Paulo Affonso Leme

Machado2 baseando-se na doutrina de Alvaro Luiz Valery Mirra pontua

que:

é bastante freqüente, na prática, que os Municípios, ao

legislarem em tema de meio ambiente, procurem diminuir o

rigor do legislador federal ou estadual e, com isso, ampliar

ou facilitar o exercício de atividades potencialmente

degradadoras do meio ambiente em seus territórios, sem o

devido respeito às restrições já anteriormente estabelecidas

pelas normas da União e dos Estados. Tais iniciativas das

municipalidades, porém, devem ser impugnadas por

contrariarem os limites constitucionais da competência

legislativa dos Municípios.

A mesma senda segue Márcia Dieguez Leuzinger3, afirmando que “não se

pode ignorar que o aspecto suplementar diz respeito exclusivamente ao

caráter mais restritivo da norma municipal, não sendo admitida pelo

sistema que contrarie ou deturpe a finalidade e conteúdo das normas

federais e estaduais, visto que a exacerbação da competência municipal

significaria, muitas vezes, o sacrifício da proteção e defesa do meio

ambiente”.

A jurisprudência segue nesse sentido. Esclarecedora decisão do Supremo

Tribunal Federal, mutatis mutandis aplicável ao caso:

2 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, p. 386. 3 LEUZINGER. Márcia Dieguez. Meio Ambiente: propriedade e repartição constitucional de

competências. Rio de Janeiro: Esplanada, 2002, p.131.

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E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -

LEGITIMIDADE ATIVA DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS

DEFENSORES PÚBLICOS (ANADEP) - PERTINÊNCIA TEMÁTICA -

CONFIGURAÇÃO - DEFENSORIA PÚBLICA -RELEVÂNCIA DESSA

INSTITUIÇÃO PERMANENTE, ESSENCIAL À FUNÇÃO DO ESTADO

- A EFICÁCIA VINCULANTE, NO PROCESSO DE CONTROLE

ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE, NÃO SE ESTENDE AO

PODER LEGISLATIVO - LEGISLAÇÃO PERTINENTE À

ORGANIZAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA - MATÉRIA

SUBMETIDA AO REGIME DE COMPETÊNCIA CONCORRENTE

(CF, ART. 24, XIII, C/C O ART. 134, § 1º) - FIXAÇÃO, PELA

UNIÃO, DE DIRETRIZES GERAIS E, PELOS ESTADOS-MEMBROS,

DE NORMAS SUPLEMENTARES - LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL

QUE ESTABELECE CRITÉRIOS PARA INVESTIDURA NOS CARGOS

DE DEFENSOR PÚBLICO-GERAL, DE SEU SUBSTITUTO E DE

CORREGEDOR-GERAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO -

OFENSA AO ART. 134, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA,

NA REDAÇÃO QUE LHE DEU A EC Nº 45/2004 -LEI

COMPLEMENTAR ESTADUAL QUE CONTRARIA,

FRONTALMENTE, CRITÉRIOS MÍNIMOS LEGITIMAMENTE

VEICULADOS, EM SEDE DE NORMAS GERAIS, PELA UNIÃO

FEDERAL - INCONSTITUCIONALIDADE CARACTERIZADA -

AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. ASSOCIAÇÃO

NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS (ANADEP) - ENTIDADE

DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL - FISCALIZAÇÃO

NORMATIVA ABSTRATA - PERTINÊNCIA TEMÁTICA

DEMONSTRADA - LEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM"

RECONHECIDA. –

(...)

A USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, QUANDO

PRATICADA POR QUALQUER DAS PESSOAS ESTATAIS,

QUALIFICA-SE COMO ATO DE TRANSGRESSÃO

CONSTITUCIONAL. - A Constituição da República, nos casos

de competência concorrente (CF, art. 24), estabeleceu

verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União

Federal, os Estados-membros e o Distrito Federal (RAUL

MACHADO HORTA, "Estudos de Direito Constitucional", p. 366,

item n. 2, 1995, Del Rey), daí resultando clara repartição

vertical de competências normativas entre essas pessoas

estatais, cabendo, à União, estabelecer normas gerais (CF,

art. 24, § 1º), e, aos Estados-membros e ao Distrito Federal,

exercer competência suplementar (CF, art. 24, § 2º).

Doutrina. Precedentes. - Se é certo, de um lado, que, nas

hipóteses referidas no art. 24 da Constituição, a União

Federal não dispõe de poderes ilimitados que lhe permitam

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transpor o âmbito das normas gerais, para, assim, invadir, de

modo inconstitucional, a esfera de competência normativa

dos Estados-membros, não é menos exato, de outro, que o

Estado-membro, em existindo normas gerais veiculadas em

leis nacionais (como a Lei Orgânica Nacional da Defensoria

Pública, consubstanciada na Lei Complementar nº 80/94),

não pode ultrapassar os limites da competência meramente

suplementar, pois, se tal ocorrer, o diploma legislativo

estadual incidirá, diretamente, no vício da

inconstitucionalidade. A edição, por determinado Estado-

membro, de lei que contrarie, frontalmente, critérios mínimos

legitimamente veiculados, em sede de normas gerais, pela

União Federal ofende, de modo direto, o texto da Carta

Política. Precedentes. (...) (ADI 2903, Relator(a): Min. CELSO

DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/12/2005, DJe-177

DIVULG 18-09-2008 PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-01

PP-00064 RTJ VOL-00206-01 PP-00134)

Também o Superior Tribunal de Justiça se posicionou sobre o assunto:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO RESCISÓRIA.

LEGITIMIDADE DO MUNICÍPIO PARA ATUAR NA DEFESA DE SUA

COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL. NORMAS DE PROTEÇÃO

AO MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR.

EDIFICAÇÃO LITORÂNEA. CONCESSÃO DE ALVARÁ

MUNICIPAL. LEI PARANAENSE N. 7.389/80. VIOLAÇÃO. (...)2. A

teor do disposto nos arts. 24 e 30 da Constituição Federal,

aos Municípios, no âmbito do exercício da competência

legislativa, cumpre a observância das normas editadas pela

União e pelos Estados, como as referentes à proteção das

paisagens naturais notáveis e ao meio ambiente, não

podendo contrariá-las, mas tão somente legislar em

circunstâncias remanescentes. (...) 4. A Lei Municipal n.

05/89, que instituiu diretrizes para o zoneamento e uso do

solo no Município de Guaratuba, possibilitando a expedição

de alvará de licença municipal para a construção de

edifícios com gabarito acima do permitido para o local, está

em desacordo com as limitações urbanísticas impostas

pelas legislações estaduais então em vigor e fora dos

parâmetros autorizados pelo Conselho do Litoral, o que

enseja a imposição de medidas administrativas coercitivas

prescritas pelo Decreto Estadual n. 6.274, de 09 de março de

1983. Precedentes: RMS 9.279/PR, Min. Francisco Falcão, DJ

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de 9.279/PR, 1ª T., Min. Francisco Falcão, DJ de 28.02.2000;

RMS 13.252/PR, 2ª T., Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de

03.11.2003. (AR 199800252860, TEORI ALBINO ZAVASCKI, STJ -

PRIMEIRA SEÇÃO, 14/04/2008)

Da mesma forma, o Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito

Santo em recente julgado, assim se posicionou:

EMENTA: ação DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

Suspensão LIMINAR DA VIGÊNCIA DA LEI MUNICIPAL N

2.392/2004. AUTORIA DO PODER LEGISLATIVO DO MUNICÍPIO

DE GUARAPARI. AUMENTO DO LIMITE DE PROPAGAÇÃO DE

SOM PREJUDICIAL À SAÚDE PÚBLICA. INFRINGÊNCIA DA

LEGISLAÇÃO FEDERAL DE REGÊNCIA. ELEVAÇÃO DOS

PATAMARES MÁXIMOS DE DECIBÉIS. COMPETÊNCIA

LEGISLATIVA SUPLEMENTAR OU COMPLEMENTAR DO

MUNICÍPIO. APARENTE INCONSTITUCIONALIDADE VERIFICADA.

PRESENÇA DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA.

LIMINAR CONCEDIDA. 1. Levando em consideração a

natureza cautelar da medida liminar em sede de Ação

direta de inconstitucionalidade (RITJES, art. 169, alínea "b"),

necessária se faz a presença do fumus boni iuris e do

periculum in mora. 2. Considerando que compete ao

município legislar sobre assunto de interesse local de forma

suplementar ou complementar à legislação federal e

estadual (art. 30, inciso II c/c art. 24, inciso VI, da CF e art. 28,

incisos I e II, da Constituição do Estado do Espírito Santo),

não poderia a Lei Municipal nº 2.392/2004 elevar os limites

dos níveis toleráveis de sons e ruídos prejudiciais à saúde já

estabelecidos pela legislação federal de regência. 3. Na

hipótese, verifica-se a presença do fumus boni iuris,

porquanto a Lei Municipal nº 2.392/2004 elevou os limites

máximos de pressão sonora. Ultrapassando os parâmetros já

estabelecidos pela legislação geral nacional. Inclusive no

que diz respeito à determinação da União em relação à

observância de normas técnicas editadas pelos órgãos

normatizadores (ABNT e INMETRO). 4. Por sua vez, a presença

do periculum in mora se verifica em razão do habitual e

frequente exacerbamento de potentes aparelhos de som

utilizados com alto volume em vias públicas, provocando a

consequente poluição sonora a redução da capacidade

auditiva das pessoas, além de afetar negativamente o

turismo regional, sendo de somenos importância a

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- 17

circunstância de ter sido a lei municipal em referência

editada em idos de 2004, notadamente porque o dano à

saúde pública é contínuo. 5. Verificada a presença dos

requisitos legais e o relevante interesse de ordem pública,

imperioso deferir o pedido liminar, para determinar a

suspensão da eficácia da Lei nº 2.392/2004, do Município de

Guarapari. (TJES, Classe: Ação de Inconstitucionalidade,

100110014402, Relator : CARLOS HENRIQUE RIOS DO AMARAL,

Órgão julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento:

29/03/2012, Data da Publicação no Diário: 23/04/2012)

Em remate, lapidar decisão desse E. Tribunal de Justiça, assentando que a

atividade legislativa municipal em caráter suplementar não pode

prevalecer sobre normações gerais federais, conforme se lê do excerto

jurisprudencial que segue:

CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. USO DO SOLO URBANO.

COMPETÊNCIA CONCORRENTE. MEIO AMBIENTE. INTERESSE

DA COLETIVIDADE. 1. O uso do solo urbano submete-se aos

princípios constitucionais que informam a função social da

propriedade, evidenciando a defesa do meio ambiente e

do bem estar comum da sociedade. 2. Segundo

precedente do STJ, "a União, os Estados e os Municípios têm

competência concorrente para legislar sobre o

estabelecimento das limitações urbanísticas no que diz

respeito às restrições do uso da propriedade em benefício

do interesse coletivo, em defesa do meio ambiente para

preservação da saúde pública e, até, do lazer" (RONS

8.766⁄PR). 3. Incide, no caso, a Lei Federal nº 6.676⁄79 e a Lei

Estadual nº 3.384⁄80, com a redação do artigo 45 dada pela

Lei nº 5.640⁄98, o que retira a eficácia de qualquer Lei

Municipal que contrarie os citados diplomas legais. 4. A

citada legislação não impede o parcelamento ou

desmembramento do solo em determinadas regiões

consideradas Zonas Especiais, dentre elas o Município de

Guarapari, mas tão somente normativam a forma como se

dará o fracionamento, para evitar abusos ou degradações

do solo e do meio ambiente. 5. Recurso desprovido. (TJES,

Classe: Apelação Civel, 21990192771, Relator: JOSÉ

EDUARDO GRANDI RIBEIRO - Relator Substituto : SAMUEL

MEIRA BRASIL JUNIOR, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA

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- 18

CÍVEL , Data de Julgamento: 20/08/2002, Data da

Publicação no Diário: 12/11/2002)

Ademais, ao determinar que as igrejas e templos religiosos poderiam

ultrapassar o período das 22 horas nos sábados, véspera de feridos e datas

religiosas de expressão popular, quando seria livre o horário, a Lei em

comento ainda desconsiderou por completo o item 6.2.2 trazido pela NBR

10151, norma técnica da ABNT, que dispõe acerca dos limites admissíveis

de ruídos, sem que se exponha a saúde humana a riscos:

6.2.2. Os limites de horário para o período diurno e noturno

da tabela 1 podem ser definidos pelas autoridades de

acordo com os hábitos da população. Porém, o período

noturno não deve começar depois das 22 h e não deve

terminar antes das 7 h do dia seguinte. Se o dia seguinte for

domingo ou feriado o término do período noturno não deve

ser antes das 9 h.

Portanto, vislumbra-se que é dada certa discricionariedade à autoridade

local para determinar os limites de horário para o período diurno e noturno

de acordo com os hábitos da população. Entretanto, esta

discricionariedade se encontra balizada pela segunda parte do item

acima, pelo qual se impõe que o limite de horário nunca comece depois

das 22 horas nem termine antes da 7 horas, logo, o horário de 22 às 7 horas

deve sempre ser observado.

Além disso, percebe-se que, ao tratar de feriados e domingos, a norma

técnica supratranscrita é ainda mais criteriosa, haja vista que para estes

casos o horário noturno não deve terminar antes das 9 horas.

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Sendo assim, a lei municipal, ao suplementar legislação de matéria de

competência concorrente do Estado e da União, não poderia ter

suprimido o rigor trazido pelas normas federais e estaduais, poderia apenas

ampliar o seu rigor, com escopo de adequar a norma ao interesse local.

Entretanto, a norma municipal não só trouxe o aumento do limite sonoro

para 85 dB, como também flexibilizou os limites de horários, permitindo que

o limite sonoro diurno fosse estendido ao período noturno,

desconsiderando por completo os reais motivos das limitações sonoras e

de horário trazidas pela legislação federal, que são a garantia do sossego

público e da saúde da população, bem como a garantia a um meio

ambiente ecologicamente equilibrado.

Ante o exposto, resta clarividente que houve extravasamento da

competência legislativa municipal, e consequente violação aos artigos 19,

inc. IV e 28, II da Constituição do Estado do Espírito Santo, razão pela qual

deve ser declarada a inconstitucionalidade da Lei nº 3.819/2012, do

Município da Serra.

III – VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DO MEIO AMBIENTE

ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO – A MAJORAÇÃO DO LIMITE SONORO

APENAS PARA IGREJAS E TEMPLOS RELIGIOSOS AFRONTA AOS ARTS. 1º E 186

DA CARTA ESTADUAL

Destaca-se, outrossim, o tratamento diferenciado conferido pela lei ora em

análise às igrejas e aos templos religiosos.

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A Lei 3.819/2012, do Município da Serra, estabeleceu limite sonoro mais

benéfico às igrejas e aos templos religiosos (85 dB, no período de 7 às 22

horas), e ainda determinou que os mesmos podem ultrapassar o horário

das 22 horas quando se tratar de sábados, véspera de feriados e datas

religiosas de expressão popular.

Contudo, vislumbra-se que este tratamento diferenciado viola não só os

limites impostos pela Resolução CONAMA nº 001/1990 e pelas normas

técnicas trazidas pelas NBR 10152 e NBR 10151, conforme explanado no

tópico anterior, como também afronta aos princípios da igualdade e do

meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Nesse ponto, destacam-se os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de

Mello, quando discorre acerca do descumprimento de princípios:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma

norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa

não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas

a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de

ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão

do princípio atingido, porque representa a insurgência

contra todo o sistema, subversão de seus valores

fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço

lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

No que tange ao princípio da igualdade, imperioso se faz a leitura do

artigo 1º da Constituição Estadual do Espírito Santo, do qual se infere a

observância aos princípios fundamentais trazidos pela Carta Magna,

vejamos:

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- 21

Art. 1º. O Estado do Espírito Santo e seus Municípios integram

a República Federativa do Brasil e adotam os princípios

fundamentais da Constituição Federal.

Em razão da norma constitucional estadual supra, que faz remissão aos

princípios fundamentais da Carta Magna, resta clarividente que também

são adotados no ordenamento jurídico estadual os princípios trazidos pelo

caput do artigo 5º da Constituição Federal4, dentre eles o princípio da

igualdade.

A respeito da possibilidade de se adotar normas constitucionais estaduais

remissivas à Constituição Federal no controle de constitucionalidade

estadual, destaca-se o brilhante julgado de relatoria da Desembargadora

Catharina Maria Novaes Barcellos:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº

3.062⁄2007, ORIUNDA DO MUNICÍPIO DE SERRA. CRIAÇÃO DE

PRIORIDADE PARA OS ARTISTAS LOCAIS EM EVENTOS CULTURAIS.

INVOCAÇÃO DE CONTRARIEDADE A NORMA CONSTITUCIONAL

ESTADUAL REMISSIVA A ASPECTOS DA CARTA REPUBLICANA.

PARÂMETRO IDÔNEO PARA O CONTROLE CONCENTRADO PERANTE

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NATURALIDADE. FATOR DE DISCRÍMEN

ALHEIO OU EXTERIOR ÀS PESSOAS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA

ISONOMIA E, POR VIA DE CONSEQUÊNCIA, AOS ARTIGOS 1º E 3º DA

CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. PEDIDO JULGADO

PROCEDENTE. EFEITOS EX TUNC. I. As normas constitucionais

estaduais remissivas à disciplina de determinada matéria prevista

na Constituição Federal constituem parâmetro idôneo de controle

concentrado de constitucionalidade no âmbito do Tribunal de

Justiça local. II. Segundo o nosso modelo federativo, cada Estado-

membro possui não apenas o dever de se abster de violar os

princípios cuja observância por cada componente seja

obrigatória, mas também o dever de realizar os fins eleitos na

Constituição federal, assim como assegurar que os seus princípios

sejam observados pela comunidade estadual, na sua esfera de

4 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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vigência, inclusive mediante o controle de constitucionalidade.

[...] IX. Partindo-se do princípio da unidade da Constituição,

mediante o qual se estabelece que nenhuma norma

constitucional será interpretada em contradição com outro

enunciado do mesmo texto, e atentando-se, simultaneamente,

para o entendimento consolidado do STF no sentido de não haver

graus distintos de hierarquia entre normas constitucionais - ou seja,

todas elas se colocariam no mesmo plano - não é possível

implementar ação afirmativa ao arrepio do texto constitucional

(inc. III do art. 19), mormente quando ele busca densificar a matriz

principiológica contemplada no caput do art. 5º do Estatuto

Supremo. X. Ao afrontar o princípio da isonomia positivado na

Constituição Republicana, o art. 1º da Lei Municipal nº 3.062⁄2007

também violou as proposições remissivas veiculadas nos arts. 1º e

3º da Carta Magna Estadual, o que autoriza a procedência do

pedido veiculado na presente demanda, com efeitos ex tunc. XI.

Pedido julgado procedente. (TJES, Classe: Ação de

Inconstitucionalidade, 100080013152, Relator: CATHARINA MARIA

NOVAES BARCELLOS, Órgão julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de

Julgamento: 18/06/2009, Data da Publicação no Diário:

06/07/2009).

Portanto, conforme explanado pela Eminente Desembargadora Relatora,

a proposição remissiva trazida pelo artigo 1º da Constituição Estadual

constitui parâmetro para o controle de constitucionalidade estadual.

Sendo assim, não há qualquer empecilho para que este Egrégio Tribunal

de Justiça declare a inconstitucionalidade de norma municipal com base

na violação ao princípio da igualdade. Feita esta ressalva, retornemos à

análise da inconstitucionalidade da Lei nº. 3.819/2012.

Conforme se infere do diploma legislativo ora impugnado, foi estabelecido

tratamento diferenciado às igrejas e aos templos religiosos, em razão de as

comunidades religiosas desempenharem “um papel de extrema

importância em nossa sociedade”, e, ainda, em função de se considerar

que a legislação tem sido injusta e penosa com as comunidades religiosas

ao exigir que estas cumpram a lei e isolem acusticamente seus espaços.

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- 23

Logo, a lei ora em análise se fundamenta no papel social desempenhado

pelas igrejas e templos religiosos e na falta de recursos financeiros que

estes dispõem, para justificar tratamento mais benéfico do que aquele

despendido aos demais contribuintes do Município.

Ora, como se pode afirmar que a exigência de cumprimento de uma lei

seja penosa e injusta para as igrejas e templos religiosos ao mesmo tempo

em que é plenamente aceitável para os demais munícipes? Ou então,

como presumir que apenas as igrejas e os templos religiosos não dispõem

de recursos para fazer isolamento acústico?

Por certo, não é razoável permitir que algumas entidades produzam

poluição sonora em razão de suas atividades, inclusive em qualquer

horário, sem que se exija delas as mesmas medidas mitigadoras exigíveis

dos demais cidadãos, como por exemplo, a implantação de isolamento

acústico.

Urge salientar que a inconstitucionalidade neste caso se dá em razão de a

mesma lei conceder tratamento mais benéfico às igrejas e aos templos

religiosos ao mesmo tempo em que determina para as demais

manifestações dos munícipes a observância aos limites regulares de

propagação sonora, desprendendo tratamentos diferentes para situações

idênticas.

Sob esse aspecto, cumpre colacionar os ensinamentos do ilustre Ministro

Gilmar Ferreira Mendes, ao discorrer acerca do princípio da isonomia:

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- 24

O princípio da isonomia pode ser visto tanto como exigência

de tratamento igualitário (Gleichbehandlungsgebot) quanto

como proibição de tratamento discriminatório

(ungleichbehandlungsverbot).[...] Tem-se a exclusão de

beneficio incompatível com o principio da igualdade se a

norma afronta o princípio da isonomia, concedendo

vantagens ou benefícios a alguns segmentos ou grupos sem

contemplar outros que se encontram em condições

idênticas. Essa exclusão pode verificar-se de forma

concludente ou explícita. Ela é concludente se a lei

concede benefícios apenas a um grupo específico; a

exclusão de benefícios é explícita se a lei geral que outorga

determinados benefícios a certo grupo exclui sua aplicação

a outros segmentos. O postulado da igualdade pressupõe a

existência de, pelo menos, duas situações que se encontram

numa relação de comparação. Essa relatividade do

postulado da isonomia leva, segundo Maurer, a uma

inconstitucionalidade relativa (relative Verfassungswidrigkeit)

não no sentido de uma inconstitucionalidade menos grave.

É que inconstitucional não se afigura a norma “A” ou “B”,

mas a disciplina diferenciada das situações (die

Unterschiedlichkeit der Regelung)5.

Devemos nos ater ainda para o fato de que o Brasil é um estado laico, e

tal norma atenta contra a liberdade individual de crença religiosa. Isso

porque, a partir do momento que a produção de ruída por igrejas e

templos é permitida em níveis que atinjam os locais próximos, estar-se-á

obrigando a todas as pessoas próximas, independentemente de seu

credo, a participar, mesmo que indiretamente, da atividade religiosa, o

que não é admissível em um Estado Democrático de Direito.

De tal forma, aos cultos religiosos devem ser impostas as mesmas restrições

dadas às manifestações públicas em geral, como forma de preservação

do princípio da igualdade. Não sendo aceitável permitir que o legislador

5 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade:

Estudos de Direito Constitucional. 3. Ed. Ver. E ampl. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 10-11.

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- 25

municipal crie norma para dar tônus de legalidade a uma situação

claramente atentatória às garantias constitucionais.

No que tange ao dever do legislativo de observar o princípio da

igualdade, destaca-se o ensinamento de Uadi Lammego Bulos, in verbis:

A igualdade constitucional mais do que um direito é um

princípio, uma regra de ouro, que serve de diretriz

interpretativa para as demais normas constitucionais. Daí o

Supremo Tribunal Federal apontar o seu tríplice objetivo:

limitar o legislador, a autoridade pública e o particular. [...]

Como limite ao legislador, a isonomia impede que ele crie

normas veiculadoras de desequiparações ilícitas e

inconstitucionais.6

De outro giro, a lei em comento ainda afronta à garantia constitucional a

um meio ambiente ecologicamente equilibrado, esculpida no artigo 186

da Carta Estadual.

Art. 186. Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente saudável e equilibrado, impondo-se-lhes e,

em especial, ao Estado e aos Municípios, o dever de zelar

por sua preservação, conservação e recuperação em

benefício das gerações atuais e futuras.

A violação ao princípio contido no dispositivo supra é facilmente

constatada ao se considerar que o Legislativo Municipal, ao autorizar que

os templos religiosos ultrapassem os limites sonoros, impõe aos cidadãos do

Município da Serra a convivência com ruídos em nível prejudicial à saúde e

ao sossego. Conclui-se que o legislativo, no presente caso, promove o

estímulo à poluição sonora quando deveria combatê-la.

6 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6. Ed. Ver. E atual. São Paulo:

Saraiva, 2011. P. 541.

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Urge, pois, que se restabeleça o direito fundamental da presente geração

a viver numa cidade que prima pelo meio ambiente ecologicamente

equilibrado, e, ainda, que zela pela igualdade de tratamento aos

munícipes, suspendendo os efeitos da Lei em comento por afronta aos

artigos 1º e 186 da Constituição Estadual.

IV – DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

Na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, não se almeja a análise

de um caso concreto, mas sim de lei municipal, com o escopo de se

declarar sua inconstitucionalidade em face da Constituição Estadual,

extirpando do mundo jurídico norma que conflita com essa Lei

Fundamental.

Destarte, necessário se faz a concessão antecipada dos efeitos da tutela

pretendida na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, com

espeque no art. 10 e seguintes da Lei nº 9.868/99, c/c artigo 273 do Estatuto

Adjetivo Civil, pelos fundamentos adiante demonstrados:

Inicialmente, temos o requisito imprescindível à concessão da tutela

satisfativa in limine litis – fumus boni iuris, facilmente constatado pela singela

análise do diploma legal impugnado, que, no exercício de competência

legislativa suplementar, firma limites de pressão sonora que excedem os

limites fixados pelas normas gerais federais de regência, em claro

desbordo de sua competência legislativa, e, ainda, o faz em benefício de

parcela da população, em clara violação aos princípios da igualdade e

do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

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Já o periculum in mora reside no fato de a coletividade ser compelida a

suportar limites de propagação do som potencialmente prejudiciais à

saúde. Tal situação, de grave periclitação do bem-estar público pela

poluição sonora, bem como a interferência na liberdade religiosa, não

podem se prolongar no tempo, devendo ser o quanto antes coibida por

essa Colenda Corte.

Desta forma é urgente a concessão da medida liminar por essa Corte

Constitucional Estadual, tendo em vista estar cabalmente comprovada a

inconstitucionalidade da Lei nº 3.819, de 04 de janeiro de 2012, do

Município de Serra.

IV – DOS PEDIDOS

Ex positis, requeiro:

a) A suspensão liminar da vigência da Lei Municipal nº 3.819/2012,

do Município de Serra, conforme artigo 169, alínea “b”, do

Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça e artigo 12

da Lei Federal nº. 9.868/99;

b) A notificação do Presidente da Câmara Municipal e do Prefeito

da Serra, para os fins previstos no artigo 169, alínea “a”, do

Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça;

c) E, por derradeiro, seja a presente Ação Direta de

Inconstitucionalidade julgada procedente, declarando-se a

inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3819/2012, do Município

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de Serra, adotando-se as providências necessárias para que

cessem, ex tunc, todos os seus efeitos.

Dá-se à causa, por força de expressa disposição legal, o valor de R$ 100,00

(cem reais).

Pede deferimento.

Vitória, em 26 de abril de 2012.

FERNANDO ZARDINI ANTONIO

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA