excelentÍssimo senhor desembargador...

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Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro Sede - Avenida Marechal Câmara, 314, Castelo, Centro, CEP: 20020-080, Rio de Janeiro RJ. Telefones: (21) 2332-6354/6190 /6224 Fax:2332-6217 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Processo n. 0026457-45.2015.8.19.0000 A DEFENSORIA PÚBLICA GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, órgão público com sede na Avenida Marechal Câmara n. 314, Centro, Rio de Janeiro RJ, devidamente presentada pelo Defensor Público-Geral do Estado, bem como pelos demais membros signatários da presente, vem requerer sua habilitação na qualidade de AMICUS CURIAE na representação de inconstitucionalidade em epígrafe, proposta pelo Deputado estadual Flavio Nantes Bolsonaro, na forma do art. 7°, § 2°, da Lei n. 9.868/1999, aqui aplicável por analogia, nos termos a seguir: 1. Possibilidade de manifestação da Defensoria Pública como amicus curiae em processo objetivo de constitucionalidade: A figura do amicus curiae constitui um instrumento processual que se destina à ampliação do espaço de discussão em ações de controle concentrado de constitucionalidade, permitindo que órgãos, entidades e especialistas contribuam com argumentos de fato e de direito na construção da solução jurídica a ser feita pela Corte. O Ministro Celso de Mello, ao proferir seu voto na ADI-MC n. 2130, bem pontuou o papel do amicus curiae no processo de constitucionalidade das leis e atos normativos: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO AMICUS CURIAE. POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.868/99 (ART. 7º, § 2º). SIGNIFICADO

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Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – Sede - Avenida Marechal Câmara, 314, Castelo, Centro,

CEP: 20020-080, Rio de Janeiro – RJ. Telefones: (21) 2332-6354/6190 /6224 Fax:2332-6217

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL

DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Processo n. 0026457-45.2015.8.19.0000

A DEFENSORIA PÚBLICA GERAL DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO, órgão público com sede na Avenida Marechal Câmara n. 314, Centro, Rio de

Janeiro – RJ, devidamente presentada pelo Defensor Público-Geral do Estado, bem como

pelos demais membros signatários da presente, vem requerer sua habilitação na qualidade de

AMICUS CURIAE

na representação de inconstitucionalidade em epígrafe, proposta pelo Deputado estadual

Flavio Nantes Bolsonaro, na forma do art. 7°, § 2°, da Lei n. 9.868/1999, aqui aplicável por

analogia, nos termos a seguir:

1. Possibilidade de manifestação da Defensoria Pública como amicus

curiae em processo objetivo de constitucionalidade:

A figura do amicus curiae constitui um instrumento processual que se destina à

ampliação do espaço de discussão em ações de controle concentrado de constitucionalidade,

permitindo que órgãos, entidades e especialistas contribuam com argumentos de fato e de

direito na construção da solução jurídica a ser feita pela Corte.

O Ministro Celso de Mello, ao proferir seu voto na ADI-MC n. 2130, bem

pontuou o papel do amicus curiae no processo de constitucionalidade das leis e atos

normativos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO AMICUS CURIAE.

POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.868/99 (ART. 7º, § 2º). SIGNIFICADO

Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – Sede - Avenida Marechal Câmara, 314, Castelo, Centro,

CEP: 20020-080, Rio de Janeiro – RJ. Telefones: (21) 2332-6354/6190 /6224 Fax:2332-6217

POLÍTICO-JURÍDICO DA ADMISSÃO DO AMICUS CURIAE NO

SISTEMA DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO DE

CONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE ADMISSÃO

DEFERIDO.

- No estatuto que rege o sistema de controle normativo abstrato de

constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro processualizou

a figura do amicus curiae (Lei nº 9.868/99, art. 7º, § 2º), permitindo

que terceiros – desde que investidos de representatividade adequada -

possam ser admitidos na relação processual, para efeito de

manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria

controvérsia constitucional.

- A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo

objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de

legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal

Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático,

a abertura do processo de fiscalização concentrada de

constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre

sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de

participação formal de entidades e de instituições que efetivamente

representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os

valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.

Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 - que

contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do

amicus curiae – tem por precípua finalidade pluralizar o debate

constitucional.

Este instituto está expressamente regulamentado no art. 7°, § 2°, da Lei n.

9.868/1999, in verbis:

Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação

direta de inconstitucionalidade.

§ 1o (VETADO)

§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a

representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível,

admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a

manifestação de outros órgãos ou entidades.

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A admissão de uma pessoa como amicus curiae, conforme previsto no

dispositivo supra, depende da relevância da questão a ser analisada e de representatividade

adequada do requerente, entendida essa como a existência de “razões que tornem desejável e

útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma

adequada resolução do litígio constitucional”1.

Não há dúvida que a requerente cumpre esse requisito.

A Defensoria Pública é instituição originalmente criada para a defesa dos

interesses judiciais das pessoas comprovadamente hipossuficientes, tendo como uma das

primeiras leis regulamentadoras a Lei n. 1.060/1950, que cuida do direito à assistência

judiciária gratuita.

Com o movimento processual de ampliação do acesso à justiça, o papel da

Defensoria Pública foi naturalmente ampliado no ordenamento, passando a lhe ser assegurada

a orientação jurídica dos necessitados, além da defesa do regime democrático e a promoção

dos direitos humanos, função essa de reforço na construção de uma sociedade livre,

igualitária, justa e de valorização da dignidade da pessoa humana (art. 3° da Constituição da

República).

Esse é o conteúdo do art. 134 da Constituição da República, norma primária do

regime jurídico da Defensoria Pública:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à

função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e

instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação

jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os

graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de

forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV

do art. 5º desta Constituição Federal.

1 STF, ADI 3045, Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 10.08.2005, DJe

01.06.2007.

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Entretanto, a definição de “necessitado” vai além do conceito de

hipossuficiente econômico para abranger também outros interesses que denotem fragilidade.

Dessa forma, cabe a Defensoria Pública a defesa das pessoas ou grupo de pessoas que

denotem alguma fragilidade de ordem econômica, técnica ou jurídica:

(...) o sistema jurídico e a realidade social contemporânea demonstram

que a necessidade nem sempre se encontra relacionada à incapacidade

econômica. Muitas vezes, a necessidade também pode constituir

sinônimo de vulnerabilidade jurídica ou de fragilidade na estrutura

organizacional. Esse caráter multifacetário da carência pode ser

identificado, por exemplo, no caso da defesa do réu sem advogado na

área criminal, na atuação da curadoria especial na área cível e na tutela

dos interesses coletivos lato sensu.

Por essa razão, o termo “necessitados” (art. 134 da CRFB) deve ser

compreendido como verdadeira chave hermenêutica, capaz de

englobar toda a amplitude do fenômeno da carência, em suas diversas

concepções. Isso porque a atuação institucional motivada pela

necessidade econômica (art. 134 c/c art. 5º, LXXIV da CRFB)

representa para a Defensoria Pública apenas o mínimo constitucional,

não podendo ser afastada a tutela objetiva de direitos fundamentais em

razão da necessidade social, cultural, organizativa ou processual.

Justamente por isso, através de uma interpretação teleológica do texto

constitucional, foram legalmente atribuídas à Defensoria Pública

funções institucionais voltadas para a tutela dos direitos e interesses de

sujeitos em situação de vulnerabilidade jurídica ou de grupos

organizacionalmente frágeis. (ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn

Roger Alves. Princípios institucionais da Defensoria Pública. Rio de

Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 355)

Dessa forma, a tutela de pessoas ou grupos vulneráveis justifica a atuação da

Defensoria Pública em favor dos direitos das crianças e dos adolescentes, eleito como um dos

grupos de especial atenção pela Constituição em razão de sua peculiar situação de

desenvolvimento e consequente de fragilidade.

No mesmo sentido é a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu art.

179 e inciso V, alínea “g”:

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Art. 179 - A Defensoria Pública é instituição essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e

instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação

jurídica integral e gratuita, a postulação e a defesa, em todos os graus

e instâncias, judicial e extrajudicialmente, dos direitos e interesses

individuais e coletivos dos necessitados, na forma da lei.

(...)

V - patrocinar:

(...)

g) a defesa do interesse do menor e do idoso, na forma da lei;

No plano legislativo infraconstitucional, a defesa dos direitos de crianças e

adolescentes pela Defensoria Pública vem expressa no art. 4°, XI, da Lei Complementar n.

80/1994:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre

outras:

(...)

XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança

e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades

especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de

outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do

Estado;

Se as disposições constitucionais e a lei orgânica da Defensoria Pública já

instituíam a defesa dos direitos das crianças e adolescentes como função institucional, a Lei n.

8.069/1990 ratifica o sistema protetivo da infância e inclui a instituição no Sistema de

Garantias dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, ou seja, como parte da articulação e

organização interinstitucional para promover a efetivação dos direitos infanto-juvenis.

O art. 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente inaugura o sistema de

garantias ao dispor que “a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-

se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da

União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios”, e o art. 88, inciso V, traz como

diretriz da política de atendimento a “integração operacional de órgãos do Judiciário,

Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em

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um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se

atribua autoria de ato infracional”.

Por compor o Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente e

possuir a função institucional de proteção e promoção dos direitos infanto-juvenis, individual

ou coletivamente, a Defensoria Pública possui representatividade adequada para ingressar no

presente feito na qualidade de amicus curiae.

Igualmente presente se revela o requisito da relevância do caso, porque a

presente representação de inconstitucionalidade visa a invalidar lei que proíbe a revista íntima

ou vexatória nas unidades de sociointernação do Estado do Rio de Janeiro, temática direta e

imediatamente associada aos direitos e garantias fundamentais.

Não fosse isso, convém esclarecer que o Defensor Público-Geral do Estado é

órgão legitimado para deflagração do processo objetivo de controle de constitucionalidade em

nível estadual, como se infere do art. 162 da Carta Estadual2.

Nessa ordem de ideias, se podia a Defensoria Pública, por meio de seu chefe

institucional que esta subscreve, iniciar o processo, por maioria de razão deve ser admitida a

oficiar como amigo da corte, municiando o tribunal de dados e argumentos, enfim,

contribuindo para o amplo debate a respeito da interpretação das normas constitucionais

estaduais.

Deve, portanto, ser admitido o ingresso da requerente como amicus curiae nos

autos da presente representação de inconstitucionalidade.

2. O objeto da representação de inconstitucionalidade:

2 Art 162: “A representação de inconstitucionalidade de leis ou de atos normativos

estaduais ou municipais, em face desta Constituição, pode ser proposta pelo Governador do

Estado, pela Mesa, por Comissão Permanente ou pelos membros da Assembléia Legislativa,

pelo Procurador-Geral da Justiça, pelo Procurador-Geral do Estado, pelo Defensor Público

Geral do Estado, por Prefeito Municipal, por Mesa de Câmara de Vereadores, pelo Conselho

Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, por partido político com representação na

Assembléia Legislativa ou em Câmara de Vereadores e por federação sindical ou entidade de

classe de âmbito estadual”.

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A representação de inconstitucionalidade tem por objeto a Lei n. 7.011, de 25

de maio de 2015, que dispõe sobre o sistema de revista de visitantes nos estabelecimentos de

atendimento ao cumprimento das medidas socioeducativas privativas de liberdade no Estado

do Rio de Janeiro, e tem o seguinte teor:

Art. 1º - A revista de visitantes, necessária à segurança interna das

unidades do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas

(DEGASE) do Estado, será realizada com respeito à dignidade

humana e segundo o disposto nesta Lei.

Parágrafo único - Considera-se visitante todo aquele que ingressa em

unidade do DEGASE para manter contato direto ou indireto com

adolescente interno ou para prestar serviço de administração ou de

manutenção, na condição de funcionário terceirizado.

Art. 2º - Todo visitante que ingressar em unidade do DEGASE será

submetido à revista mecânica, para a qual é proibido o procedimento

de revista manual.

§1º O procedimento de revista mecânica é padrão e deve ser

executado através da utilização de equipamentos necessários e capazes

de garantir a segurança de unidade do DEGASE, tais como detectores

de metais, aparelhos de raio-x, entre outras tecnologias que preservem

a integridade física, psicológica e moral do revistado.

§2° O disposto no caput deste artigo não se aplica a Chefe de Poder,

Ministro, Secretário de Estado, magistrado, parlamentar, membro da

Defensoria Pública e do Ministério Público, Delegado de Polícia,

advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil

(OAB), representantes do Conselho Regional de Serviço Social

(CRESS), representantes do Conselho Regional de Psicologia (CRP),

membros dos Conselhos Municipais de Defesa dos Direitos da

Criança e do Adolescente, membros do Conselho Estadual de Defesa

dos Direitos da Criança e do Adolescente, membros dos Conselhos

Tutelares e representantes do Sindicado dos Servidores do

Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (Sind-DEGASE),

quando estiverem no exercício de suas funções.

§3° Ficam dispensados da revista mecânica as gestantes e os

portadores de marca passo.

Art. 3º - Fica proibida, no âmbito das unidades do DEGASE do

Estado do Rio de Janeiro, a revista íntima.

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Parágrafo único - Considera-se revista íntima toda e qualquer inspeção

corporal que obrigue o visitante a despir-se parcial ou totalmente,

efetuada visual ou manualmente, inclusive com auxílio de

instrumentos.

Art. 4º - Admitir-se-á, excepcionalmente, a realização de revista

manual em caso de fundada suspeita de que o visitante traga consigo

objetos, produtos ou substâncias cuja entrada seja proibida por lei e/ou

exponha a risco a segurança da unidade do DEGASE.

§1° Para efeito desta Lei, a revista manual é equivalente ao

procedimento de busca pessoal, nos termos do Código de Processo

Penal.

§2º A fundada suspeita deverá ter caráter objetivo, diante do fato

identificado e de reconhecida procedência, registrado pela

administração em livro próprio da unidade do DEGASE e assinado

pelo revistado e duas testemunhas. O registro deverá conter a

identificação do funcionário e a descrição detalhada do fato.

§3° Previamente à realização da busca pessoal, o responsável pelo

estabelecimento fornecerá, ao visitante, declaração escrita sobre os

motivos e fatos objetivos que justifiquem o procedimento, dando-lhe a

opção de recusa a se submeter ao procedimento, no caso de

desistência da visita.

§4º A busca pessoal será efetuada de forma a garantir a privacidade do

visitante, em local reservado, por agente socioeducativo do mesmo

sexo, obrigatoriamente acompanhado de duas testemunhas.

§5º Da busca pessoal estão dispensadas as autoridades mencionadas

no parágrafo 2°, do artigo 2° desta Lei, quando estiverem no exercício

de suas funções, bem como crianças e adolescentes.

Art. 5° - Após a visita, o adolescente interno poderá ser submetido,

excepcionalmente, à busca pessoal.

§1° Em hipótese nenhuma será admitida a revista íntima no

adolescente interno.

§2° A busca pessoal no adolescente interno será realizada conforme o

disposto no artigo 4° desta Lei.

Art. 6° - O Poder Executivo adotará as providências cabíveis e

necessárias para a publicidade do disposto nesta Lei, divulgando-a

para os adolescentes internos e afixando cópias na entrada das

unidades do DEGASE.

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Art. 7º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Da análise da petição inicial da representação, verifica-se que seu autor

argumenta que a lei padeceria de vício de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa

do projeto de lei, e material, porque viola a segurança pública, o direito à vida e à integridade

física.

2.1. Preliminar: a inépcia da petição inicial

O art. 3°, I, da Lei n. 9.868/1999 determina que a petição inicial em ação de

controle de constitucionalidade deverá indicar “o dispositivo da lei ou do ato normativo

impugnado e os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações”, a

qual será considerada inepta, caso descumprida essa exigência, na forma do art. 4° da lei.

A propósito, veja-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

(...) É necessário lembrar que a Lei n. 9.868, de 10 de novembro de

1999, estabelece que a peça inaugural das ações diretas indicará o

dispositivo da lei ou do ato normativo atacado e os fundamentos

jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações [artigo

3º]. Não tendo sido prestado o devido acatamento a essa exigência da

lei, a ação não pode ser conhecida. A inicial não se reveste das

formalidades a ela inerentes, ensejando a declaração da inépcia da

peça por falta de requisitos essenciais, consoante dispõe o artigo 295,

parágrafo único, inciso II, do Código de Processo Civil, combinado

com o artigo 4º, da Lei n. 9.868/99. (ADI 2989-CE. Relator Ministro

Eros Grau. DJ 04.05.2005)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INEPCIA DA

INICIAL. - E NECESSARIO, EM AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE, QUE VENHAM EXPOSTOS OS

FUNDAMENTOS JURIDICOS DO PEDIDO COM RELAÇÃO AS

NORMAS IMPUGNADAS, NÃO SENDO DE ADMITIR-SE

ALEGAÇÃO GENERICA DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM

QUALQUER DEMONSTRAÇÃO RAZOAVEL, NEM ATAQUE A

QUASE DUAS DEZENAS DE MEDIDAS PROVISORIAS EM SUA

TOTALIDADE COM ALEGAÇÕES POR AMOSTRAGEM. AÇÃO

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DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE NÃO SE

CONHECE.

(ADI 259. Relator Ministro Moreira Alves. DJ 19.02.1993)

A exigência de fundamentação individualizada de cada uma das normas

justifica-se pelas diferentes causas que motivaram suas aprovações, além de permitir o efetivo

contraditório e defesa de constitucionalidade da norma. Sem o cumprimento deste requisito,

não há como a Assembleia Legislativa ou os demais atores habilitados a participarem do

processo de inconstitucionalidade terem conhecimento amplo da motivação do autor ao

ajuizar a ação.

No caso, percebe-se que o autor impugna a totalidade da Lei n. 7.011/2015,

mas deixa de apresentar os fundamentos em relação a cada uma das normas, fazendo

referência genérica de violação à segurança pública e ao direito a vida.

Sendo assim, requer a V. Exa. que a representação de inconstitucionalidade não

seja conhecida por inépcia da petição inicial.

2.2. Preliminar: ausência de interesse de agir por impossibilidade de

o Tribunal de Justiça analisar representação de

inconstitucionalidade justificada em violação à Constituição da

República

A representação de inconstitucionalidade não deve ser conhecida porque tem

como objeto lei estadual – Lei n. 7.011/2015 – e como parâmetro a Constituição da

República, invocando expressamente a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III) e a segurança

pública (art. 144), conforme se observa de fl. 12 da petição inicial.

O art. 125, § 2°, da Constituição da República atribui aos Tribunais de Justiça

competência para analisar a “inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou

municipais em face da Constituição Estadual”, razão pela qual a pretensão deduzida não pode

vir a ser julgada por esta eg. Corte.

Neste sentido:

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DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ¿ LEI ESTADUAL

QUE INSTITUIU O FUNDO DE COMBATE À POBREZA E ÀS

DESIGUALDADES SOCIAIS (LEI N4056/02 e DECRETO

ESTADUAL Nº 33.123/2003. DIPLOMAS LEGAIS VALIDADOS

PELA EMENDA CONSTITUCIONAL FEDERAL Nº42/2003 ¿

AUSENCIA DECONDIÇÃO DA AÇÃO¿ PROCESSO QUE SE

EXTINGUE. Alegada inconstitucionalidade da Lei e do Decreto

referidos ao argumento de ser inconstitucional o adicional do ICMS

sobre as alíquotas normais de produtos e serviços em circulação no

Estado do Rio de Janeiro em confronto com art. 82 dos Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias¿. Incompetência

do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para apreciar a alegação

de inconstitucionalidade de normas estaduais tendo por paradigma

ementa constitucional federal. Desimportante a argumentação que se

invoque para contornar tal impossibilidade.

(TJRJ. Representação de inconstitucionalidade n. 0056557-

51.2013.8.19.0000. relatora Desembargadora Gizelda Leitão Teixeira.

Julgamento em 14.07.2014)

2.3. Da inexistência de inconstitucionalidade formal

A Lei n. 7.011/2015 tem por objeto proibir a realização de revista íntima ou

vexatória nas unidades de socioeducação do Estado do Rio de Janeiro. Desse modo,

diversamente do afirmado, o ato normativo prescreve normas sobre proteção à infância e

juventude, de sorte que é livre a iniciativa para proposição legislativa.

Explica-se.

De acordo com a Constituição da República, Estados, Distrito Federal e União

compartilham competência legislativa no tocante à proteção à infância e juventude, cabendo

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àqueles a edição de regras específicas, destinadas a atender as peculiaridades regionais (art.

24, XV3).

Nessa ordem de ideias, editou-se a Lei Federal 12.594/2012, que instituiu o

SINASE, Sistema Nacional Socioeducativo, especificando a competência de cada um dos

entes federados na política de atendimento a adolescentes em conflito com a Lei.

Aos Estados, por força da norma constitucional e também da legislação federal,

compete “editar normas complementares para a organização e funcionamento do seu sistema

de atendimento e dos sistemas municipais”.

Exercendo essa competência legislativa, os nobres parlamentares Jorge

Picciani e Marcelo Freixo deflagraram o processo que resultou na Lei questionada, a qual,

repita-se, cuida da proteção de adolescentes privados da liberdade e, portanto, de livre

iniciativa.

Ademais, a leitura do ato legislativo impugnado revela que não se tratou de

criar, estruturar ou alterar as atribuições do Departamento Geral de Ações Socioeducativas,

doravante DEGASE, que segue, exatamente com as mesmas tarefas: gerir unidades destinadas

à execução de medidas de internação e semiliberdade, controlando o ingresso de pessoas

naqueles locais.

A novidade foi, tão-só, suplantar um estado inconstitucional de coisas – adiante

o tema será abordado com maior precisão – que expunha desnecessária e injustificadamente

visitantes e adolescentes privados da liberdade a constrangimento, este consistente na revista

íntima e, portanto, vexatória.

No ponto, consoante nos foi informado pela Direção do DEGASE (ofício 48 de

17 de outubro de 2014), todos os visitantes deveriam ser submetidos “aos procedimentos de

revista de acordo com o Plano de Segurança” Socioeducativa, editado pelo DEGASE em

2013. Tal plano previa que:

3 Art. 24: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente

sobre: XV - proteção à infância e à juventude”.

Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – Sede - Avenida Marechal Câmara, 314, Castelo, Centro,

CEP: 20020-080, Rio de Janeiro – RJ. Telefones: (21) 2332-6354/6190 /6224 Fax:2332-6217

Art. 118: O visitante deverá identificar-se na portaria, apresentando

documento de identificação. Ele receberá, então, o crachá de visitante,

sendo encaminhado para os demais procedimentos Departamento

Geral de Ações Socioeducativas de revista e acompanhamento.

Parágrafo único. A unidade deverá fornecer carteira de identificação

para autorização da visita.

Art. 119. O visitante será conduzido ao local definido para a

realização da visita com o acompanhamento do agente socioeducativo

designado para tal função.

Art. 120. Todas as visitas devem ser submetidas aos procedimentos de

revista e orientadas sobre as normas previstas nessa resolução.

Art. 124. Os socioeducandos deverão passar por revista minuciosa

antes e depois da realização das visitas.

Note-se que, mesmo sem expressa autorização legal e/ou infralegal (em

momento algum o ato normativo secundário editado pela Direção do DEGASE – a produção

coube, dentre outros, a Alexandre Azevedo de Jesus, Diretor-Geral – dispõe sobre a

necessidade de parentes e adolescentes despirem-se das roupas), a Administração Pública

estadual submetia os visitantes e internos a verdadeiro tratamento vexatório.

A Lei em comento veio, portanto, proteger a infância e adolescência contra

essa prática desconforme à lei, normas de direitos humanos, e até mesmo dos atos infra-legais

editados pela própria administração. Não se imiscuiu, portanto, em tarefas de cunho

eminentemente administrativos, cuja competência para iniciar o processo legislativo caberia

ao chefe de poder, o Governador do Estado.

A se admitir a tese autoral, a iniciativa de quase todas as leis estaduais caberá

ao chefe do executivo, afinal, num cenário de federalismo assimétrico e centrípeto, em que

são concentradas quase todas as matérias no seio de competência da União, ao estado-

membro resta pouco a legislar. E, daquele reduzido âmbito atribuído ao Estado, tudo

dependerá da iniciativa do Governador. A Assembleia Legislativa converter-se-ia em mero

órgão de figuração!

Enfim, porque a lei em comento não cuida de regime jurídico de servidores,

não trata de atribuições de Secretarias de Estado, criação de órgãos ou sua reestruturação, mas

sim de proteção à infância e juventude, deve a representação ser julgada improcedente no

ponto.

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2.4. Da inexistência de inconstitucionalidade material

Rejeitada a alegação de inconstitucionalidade formal, a Defensoria

Pública passa a enfrentar a alegação de inconstitucionalidade material. De acordo com a

parte autora, esta se verificaria uma vez que a Lei vulnera a segurança pública, pois a

medida poderia permitir o ingresso de materiais perigosos no interior de unidades de

internação, passíveis de utilização contra outros internos, agentes de segurança, e até

mesmo magistrados e representantes do Ministério Público, que rotineiramente têm

contato com os adolescentes nas inúmeras audiências ocorridas em todo o estado.

Sem razão como adiante se exporá.

Inicialmente, convém esclarecer que, conforme consta do relatório da

organização Humans Rights Watch, “O Brasil atrás das grades”4 (1998), “o primeiro

obstáculo às visitas dos presos é o tratamento humilhante pelo qual passam os

visitantes, que podem estar sujeitos a revista, mal regulamentadas, nas quais são

forçados a se despirem e até mesmo, segundo alegam vários presos, a exame de toque

vaginal”.

Embora se referindo a presos, portanto, pessoas imputáveis condenadas

por crimes e privadas de liberdade, a mesma ideia é aplicável, por analogia, aos

adolescentes que cumprem medida socioeducativa com restrição de liberdade, seja em

unidades de internação ou mesmo em unidades de semiliberdade.

Nessa ordem de ideias, a Lei n. 7.011/2015, ao contrário do alegado,

confere efetividade aos princípios da dignidade da pessoa humana, da prioridade

absoluta, da proteção integral e ao direito à convivência familiar e comunitária, todos

ponderados com o direito coletivo à segurança pública, em autêntica e lícita

concordância prática.

4 Disponível em http://hrw.org/portuguese/reports/presos/prefacio.htm.

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Analisemos cada um dos princípios que a Defensoria Pública entende

terem aplicação ao caso em exame, ao se confrontarem com o direito à segurança

pública (art. 144 da CF/88 e 183 da CERJ).

a) O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1, III da CF/88 e art. 8º da

CERJ)

O conceito de dignidade da pessoa humana tem como marcos a doutrina

de São Tomás de Aquino, Pico della Mirandola e de Kant, embora já fosse conhecido e

discutido desde a antiguidade clássica.

Na doutrina de São Tomás de Aquino a noção de dignidade da pessoa

humana funda-se na identificação entre Deus e homem, este criado à imagem e

semelhança daquele, bem como na capacidade de autodeterminação inerente à natureza

humana, de modo que o ser humano, livre por natureza, em razão de sua dignidade,

existe por sua própria vontade.

Mas é o pensamento de Immanuel Kant, também despido de

religiosidade, que mais influenciaria na conceituação do instituto. Partindo da

autonomia ética do ser humano e de sua racionalidade, Kant assinala que a autonomia

da vontade, entendida como a faculdade de autodeterminação e atuação em

conformidade com a representação de certas leis, é característica encontrada apenas nos

seres racionais, de modo que5

(...) o Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe

como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para

o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em

todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como

nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de

ser considerado simultaneamente como um fim...

5 KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. Apud: SARLET, Ingo

Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de

1988. 6ª ed. rev. e atual Porto Alegre: Livraria do Advogado, 6ª ed. rev. e atual., 2008, pp. 33-

34.

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E complementa sua tese afirmando que6

(...) no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade.

Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela

qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está

acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então

tem ela dignidade... Esta apreciação dá pois a conhecer como

dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na

infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta

em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um

preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade.

Maria Celina Bodin de Moraes, tomando a concepção kantiana para

concretização jurídica da dignidade, afirma que a dignidade pode ser decomposta em

quatro substratos ou subprincípios: a) o sujeito moral que reconhece a existência dos

outros como sujeitos iguais a ele; b) merecedores do mesmo respeito à integridade

psicofísica; c) dotado de autodeterminação; d) parte de um grupo social no qual não

pode ser marginalizado7.

Outra não foi a conclusão do Tribunal Constitucional alemão ao definir o

conteúdo dessa cláusula, prevista no Art. 1 I do GG. Como afirmado pelo Tribunal em

julgamento em dezembro de 1970, “para estar presente uma violação da dignidade

humana o atingido precisa ter sido submetido a um tratamento que coloque em xeque,

6 Ibid., loc. cit.

7 “São corolários desta elaboração os princípios jurídicos da igualdade, da integridade

física e moral – psicofísica – , da liberdade e da solidariedade. De fato, quando se reconhece a

existência de outros iguais, daí dimana o princípio da igualdade; se os iguais merecem idêntico

respeito à sua integridade psicofísica, será preciso construir o princípio que protege tal

integridade; sendo a pessoa essencialmente dotada de vontade livre, será preciso garantir,

juridicamente, esta liberdade; enfim, fazendo a pessoa, necessariamente, parte do grupo social,

disso decorrerá o princípio da solidariedade social.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos

à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Editora

Renovar, 3ª tiragem, 2007, p. 85)

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de antemão, sua qualidade de sujeito [de direitos], ou haver no caso concreto um

desrespeito arbitrário à sua dignidade”8.

A partir dessa delimitação do conceito de dignidade, outra não é a

conclusão senão que a Lei n. 7.011/2015 garante efetividade a esse princípio, impedindo

a exposição pública das pessoas a agentes estatais.

b) O princípio da prioridade absoluta e a doutrina da proteção integral (art. 227 da

CF/88 e art. 45 da CERJ)

O artigo 227 da Constituição da República, o art. 45 da Constituição do

Estado do Rio de Janeiro instituem o princípio da prioridade absoluta ao estabelecer a

primazia em favor de crianças e adolescentes em todas as esferas de interesse. Seja no

campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o interesse infanto-

juvenil deve preponderar. Leva-se em conta a condição de pessoa em desenvolvimento,

pois a criança e o adolescente possuem uma fragilidade peculiar de pessoa em

formação, correndo mais riscos do que um adulto, por exemplo.

Ressalte-se que a prioridade tem um objetivo claro: realizar a proteção

integral, assegurando primazia e a concretização dos direitos fundamentais enumerados

no artigo 227, caput, da Constituição da República e enumerados no caput do artigo 4º

do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ao Poder Público, em todas as suas esferas – legislativa, judiciária ou

executiva –, é determinado o respeito e resguardo, com primazia, dos direitos

fundamentais infanto-juvenis.

A Lei n. 7.011/2015, portanto, constitui reforço às garantias

constitucionais do adolescente, ao proibir que o visitante ou o próprio sancionado sejam

submetidos ao procedimento indigno de violação.

8 MARTINS, Leonardo (Org.). Cinquenta Anos de Jurisprudência do Tribunal

Constitucional Federal Alemão, Montevidéu: Fundação Konrad Adenauer, 2005, p. 181.

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Destaque-se o art. 5° do Estatuto da Criança e do Adolescente que

reforça a impossibilidade de submissão do adolescente visitante ou do adolescente em

conflito com a lei em serem submetidos à revista íntima ou vexatória, prescrevendo que

“nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei

qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.

c) O direito à convivência familiar (art. 227 da CF/88 e art 45 e 58 da CERJ)

A proibição legal cumpre igualmente a ordem constitucional de garantia

à prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente ao favorecer o direito de

convivência familiar, que vem elencado no art. 227 da Constituição da República e art.

4° do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O art. 19 do Estatuto traz disposição específica sobre o adolescente em

conflito com a lei e o direito à convivência familiar:

Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e

educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família

substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em

ambiente livre da presença de pessoas dependentes de

substâncias entorpecentes.

(...)

§ 4º. Será garantida a convivência da criança e do adolescente

com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas

periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de

acolhimento institucional, pela entidade responsável,

independentemente de autorização judicial.

Ao tratar do direito à convivência familiar em relação aos adolescentes

em conflito com a lei, Andrea Rodrigues Amin, na obra “Curso de direito da criança e

do adolescente: aspectos práticos e teóricos”, menciona que:

Com a promulgação da Lei n. 12.594 de 18 de janeiro de 2012,

que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento

Socioeducativo (Sinase) e regulamentou a execução das medidas

socioeducativas destinadas a adolescentes que pratiquem ato

infracional, pode-se observar a preocupação em identificar a

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situação e a perspectiva familiar daqueles na avaliação dos

resultados desta execução, notadamente porque a nova lei

elencou como um de seus princípios norteadores a

convivencialidade, ou seja, o fortalecimento dos vínculos

familiares e comunitários no processo socioeducativo (art. 35,

IX), corroborando com o ditame do art. 113 do ECA que

preceitua o incentivo e a manutenção da relação familiar durante

o cumprimento da medida.

Ademais, para o cumprimento do Plano Individual de

Atendimento do adolescente infrator (PIA), devem ser levadas

em consideração atividades de integração e apoio à família e as

formas de participação do núcleo familiar para efetivo

cumprimento daquele plano individual.

Como corolário da convivência familiar e comunitária, a

permissão de visitas ao adolescente em cumprimento de medida

de internação pelo cônjuge, companheiro, pais, responsáveis,

filhos, parentes e amigos daquele, além do direito à visita

íntima, quando comprovadamente estiver o(a) adolescente

casado(a) ou em união estável (arts. 67 a 69), denota o papel

fundamental na família na ressocialização do adolescente a

respeito ao que dispõe o art. 16, V, do ECA (direito de participar

da vida familiar e comunitária, sem discriminação).

d) A aplicação da técnica da concordância prática ao caso em exame

Uma vez verificados quais princípios da Constituição Estadual – todos

repetidos, é bem verdade, da Constituição da República – devem orientar a solução da

questão, mister verificar se, à luz da concordância prática, a solução legislativa é

inconstitucional, por aniquilar por completo o direito à segurança de agentes

socioeducativos, demais visitantes, autoridades que ingressam nas unidades de

internação, e até mesmo dos adolescentes que ali se encontram privados da liberdade.

A técnica da concordância prática consiste em método tópico de

interpretação constitucional segundo o qual “impõe-se a coordenação e combinação dos

bens jurídicos em conflito, de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos

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outros”9. Subjacente a essa ideia está a de unidade constitucional e igual hierarquia e

valor dos bens em conflito, o que impede o sacrifício total de um em relação aos outros,

impondo-se o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos10

.

A referida técnica, de utilização recorrente no direito português11

, não é

desconhecida entre nós, como se vê do julgamento da ADPF 101, em que se discutia a

(im)possibilidade de importação de pneus usados e efeitos da decisão prolatada (se

atingiam ou não decisões acobertadas pelo manto da coisa julgada). Naquele julgado, o

STFafirmou que:

“Não se trata nem de abolir a garantia constitucional da coisa

julgada, nem de torná-la absoluta temporalmente. Por um

imperativo de segurança jurídica e de máxima efetividade

constitucional, deve-se prestigiar, no presente caso, uma

interpretação balizada pelos vetores hermenêuticos da

concordância prática e da eficácia integradora da Constituição.

Isto porque o problema a ser aqui enfrentado não se refere à

existência da coisa julgada, mas ao alcance de seus efeitos, para

9 GOMES CANOTILHO, J.J. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. edição

(5ª. reimpressão), Coimbra: Almedina, 2003, p. 1225.

10 Ibidem.

11 À exemplo do acórdão 288/98, em que se discutia a constitucionalidade de decisão da

Assembleia da República que convocou referendo para que fosse respondida a indagação:

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por

opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente

autorizado. Ali afirmou-se que: “De todo o modo, de acordo com esta leitura, o legislador

ordinário estará vinculado a estabelecer formas de protecção da vida humana intra-

uterina, sem prejuízo de, procedendo a uma ponderação de interesses, dever

balancear aquele bem jurídico constitucionalmente protegido com outros direitos, interesses

ou valores, de acordo com o princípio da concordância prática”.

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que se preserve a eficácia circunscrita ao âmbito específico de

um caso já transitado em julgado”12

.

Pois bem, sopesados os bens constitucionais em conflito, verifica-se que

o legislador estadual adotou solução (a única, é bem verdade, suscetível de ser tomada)

compromissória entre segurança pública e a dignidade dos indivíduos habilitados a

realizar visitas a adolescentes privados de liberdade.

De um lado verifica-se a preocupação legislativa, à vista da obrigação

estatal de guarda assumida a partir da privação da liberdade de jovens em unidades de

internação, com a segurança de todos aqueles que ingressam nesses equipamentos.

Tanto assim que determina que todos os sujeitos serão submetidos à revista, à

exceção de certas autoridades, revistados mecanicamente.

Entretanto, em vista dos abusos cometidos pela Administração

Pública, que, sem fundamento em lei formal e até mesmo ato infralegal (o Plano de

Segurança Socioeducativo não era expresso a determinar a revista vexatória) expunha

os visitantes a constrangimento exagerado, fez-se necessária a atuação legislativa.

Com efeito, essa prática aniquilava o direito a dignidade pessoal de que

são titulares os parentes e amigos de adolescentes e jovens privados de liberdade, afinal

a revista consistia na desnudação de seu corpo, realização de agachamentos, etc.

Ademais, desprotegia, desnecessária e inutilmente, esses sujeitos

especiais de direitos, afinal muitos desses não tinham o direito à convivência familiar

respeitado, em razão da humilhação pela qual seus parentes eram obrigados a passar.

A desnecessidade dessa prática ressai evidente, a medida que as técnicas

atuais existentes (portais metálicos e máquinas de scanner) permitem identificar – com

maior precisão inclusive – a presença de artigos proibidos na posse daquele que

pretende ingressar no estabelecimento.

12 Trecho do voto do Senhor Ministro Gilmar Mendes, DJe n. 108, Divulgação

01/06/2012, ementário 2654-1, p. 269.

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Assim, para coordenar o direito à segurança, dignidade, convivência

familiar, na sua ampla margem de conformação, o legislador estadual houve por bem

banir a prática vexatória. Sua conduta é, portanto, irreprovável, não cabendo ao Poder

Judiciário substituir-se o congressista eleito pelo povo nessa tarefa de compatibilização

de valores e bens em conflitos.

Se há confronto entre o direito à segurança pública e dos adolescentes e

seus visitantes em não serem destinatários de revistas íntimas ou vexatórias, esse

conflito deve ser solucionado à luz do princípio da proporcionalidade, sendo que o

resultado obtido não pode representar a prevalência absoluta de um princípio sobre o

outro e sua consequente exclusão. Há que se obter uma solução intermediária que

compatibilize ambas as situações.

Revela-se plenamente possível garantir a segurança pública a partir do

uso de equipamentos de segurança capazes de identificar objetos cuja entrada é proibida

nas unidades socioeducativas, mesmo tipo de controle que é realizado em aeroportos,

por exemplo, dentre outros locais, sem que seja veiculado o argumento da ineficácia

desses equipamentos.

A solução propugnada pelo Autor não atende a esse critério, na medida

em que promove a exclusão do direito à dignidade dos adolescentes e de seus visitantes.

Reafirma-se, por outro lado, que a circunstância de o adolescente estar

privado de liberdade não lhe retira o direito fundamental à dignidade e a seus

consectários, mas apenas autoriza a restrição do direito de locomoção, na forma e

limites legalmente estabelecidos, devendo o Estado, durante esse período, respeitar os

demais direitos fundamentais da pessoa. Portanto, mesmo incluído em unidade

socioeducativa, faz jus o adolescente a garantia de respeito a sua integridade psicofísica

e a não sujeição a procedimentos degradantes, dentre os quais a revista íntima.

Nota-se, ademais, que os argumentos elencados na petição inicial e que

se destinariam a comprovar que a lei atenta contra a dignidade são lastreados em ilações

e presunções desprovidas de comprovação científica ou sequer documental.

Aduz a parte autora que a lei em análise desconsidera a realidade do

sistema socioeducativo (fl. 10); que nem todos os equipamentos de segurança detectam

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objetos de imenso potencial ofensivo (fl. 10); e reduz o nível de segurança dentro das

unidades (fl. 13).

Afora o fato de que nenhum desses argumentos está devidamente

comprovado por estudos idôneos, tratando-se, portanto, de ilações feitas a partir de

concepções individuais da parte autora, elas não atacam o núcleo central da lei, mas sim

temas atinentes à segurança estatal e seu aparelhamento.

2.5 O estado inconstitucional/ilegal de coisas e o direito internacional

dos direitos humanos

Não fosse a ampla margem de conformação legislativa para solucionar o

conflito entre segurança e dignidade, verifica-se que a disciplina instaurada pela Lei

7.011/2015 era a única possível e conforme com o direito internacional dos direitos humanos.

Com efeito, como já se afirmou, havia uma prática disseminada de

realização de revistas vexatórias em todos os visitantes de adolescentes e jovens adultos

privados de liberdade em unidades de internação gerenciadas pelo DEGASE. A legislação

impugnada veio proteger a infância e adolescência, obstruindo esse comportamento.

Mas, em verdade, essa prática sempre foi vedada pelo direito internacional,

uma vez que o art. 11, 2 do Pacto de São José da Costa Rica13

proibe ingerências arbitrárias a

vida privada do indivíduo. Sobre o tema, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já

se debruçou ao examinar a petição 10.506, apresentada contra a República da Argentina.

Naquele caso, esposa e filha de pessoa privada da liberdade, insurgiram-se

contra revistas vaginais a que eram submetidas antes de ingressar na unidade 1 do Serviço

Penitenciário Federal. Ao decidir o caso a Comissão afirmou que:

13 Art. 11, 2: “Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida

privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à

sua honra ou reputação”.

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a) existem certos aspectos da vida de uma pessoa e especialmente "certos

atributos invioláveis da pessoa humana" que vão mais além da esfera de

ação do Estado e que "não podem ser legitimamente desprezados pelo

exercício do poder público".

b) para que exista congruência com a Convenção, as restrições devem ser

justificadas por objetivos coletivos de importância tal que exerçam

claramente maior peso do que a necessidade social de garantir o pleno

exercício dos direitos consagrados na Convenção e que não sejam mais

limitadores do que o estritamente necessário;

c) A medida que afete de certa forma os direitos protegidos pela Convenção

deve necessariamente: 1. ser prescrita por lei; 2. ser necessária para a

segurança de todos e guardar relação com as justas demandas de uma

sociedade democrática; e 3. ter sua aplicação estritamente limitada às

circunstâncias específicas enunciadas no artigo 32.2 e ser proporcionais e

razoáveis a fim de alcançar esses objetivos.

Assentadas essas premissas, e transposto o raciocínio para o caso em exame,

verifica-se que não havia no direito interno brasileiro lei que autorizasse a realização de

revistas íntimas nos visitantes. Nem mesmo regulamento fora expedido contendo tal previsão,

como se vê da leitura do Plano de Segurança acima mencionado, que apenas afirmava, no

tocante aos indivíduos privados da liberdade, ser necessária a realização de minuciosa revista

ao fim dos encontros.

Destaque-se, outrossim, que o estado de coisas verificado nas unidades de

internação geridas pelo DEGASE, para além de não guardar correspondência com ato

legislativo, também impunha injusta restrição ao direito dos visitantes, porquanto

inadmissível numa sociedade democrática.

Com efeito, a prática generalizada e indistinta de que eram alvo todos os

visitantes, acabava por convertê-los em suspeitos de ilícitos. A sanção penal juvenil imposta a

seus parentes terminava por surtir efeitos contra si, já que, sistemática e independentemente

da presença de indícios, são eles obrigados a despirem-se, agacharem e ter suas regiões

genitais observadas, a fim de verificar se algum objeto é trazido naquela cavidade.

Por outro lado a restrição também é desconforme com o direito internacional

dos direitos humanos, porquanto há outras alternativas tão ou mais seguras para assegurar o

objetivo de proteção da segurança das unidades de internação. Com efeito, o desenvolvimento

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tecnológico fez aparecer aparelhos que permitem a fácil detecção de objetos proibidos, sem

que o indivíduo deva submeter-se ao constrangimento de desnudar-se!

Curiosa é a preocupação com segurança manifestada pela parte autora, quando,

de antemão, é sabido que as revistas íntimas e vexatórias não produzem o resultado esperado

na totalidade das vezes, afinal é realizada por seres humanos e, portanto, sujeita a todos os

equívocos e entraves decorrentes da imperfeição que lhe é natural. O mesmo defeito,

entretanto, não se verifica no tocante às revistas mecânicas, que permitem com muito maior

credibilidade/menor falibilidade, a detecção e encontro de artigos proibidos. Sem pestanejar,

portanto, conclui-se que a medida antes de prejudicar a segurança, a reforça!

2.6 A tese alternativa: a declaração de inconstitucionalidade sem efeito

repristinatório:

Na eventualidade de ser acolhido o pleito inicial, considerando a argumentação

apresentada no item 2.5 – dando conta da desconformidade da prática estatal de outrora em

relação ao direito internacional dos direitos do homem – a Defensoria Pública requer seja

declarada a inconstitucionalidade sem pronúncia de invalidade, recusando-se qualquer

efeito repristinatório da situação antes verificada.

Com efeito, a referida técnica de decisão encontra expressa previsão no art. 27

da Lei 9.868/9914

, e deverá ter lugar toda vez que a retirada da norma do ordenamento

jurídico puder importar em resultado inconstitucional.

Sobre o tema, Gilmar Ferreira Mendes ensina que em alguma situações muitas

vezes não pode o Tribunal eliminar a lei do ordenamento jurídico. A preservação dessa

situação, sem qualquer ressalva poderá importar, outrossim, no agravamento do quadro, de

14 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista

razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal

Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou

decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que

venha a ser fixado.

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modo que se recomenda o congelamento da situação jurídica existente, até o pronunciamento

do legislador sobre a superação da situação inconstitucional15

.

Com efeito, se extirpada a Lei objurgada do ordenamento jurídico, corre-se o

risco de ressurgir o estado de coisas inconstitucional, o que produzirá resultado tão

inconstitucional quanto aquele provocado pela edição do ato legislativo.

Ademais, convém esclarecer que, no tocante a pessoas adultas privadas de

liberdade, a prática de revistas vexatórias foi proibida por decisão da 13ª. Câmara Cível desta

Corte de Justiça, em acórdão assim ementado:

Processo : 0008637-13.2015.8.19.0000

1ª Ementa - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. GABRIEL

ZEFIRO - Julgamento: 29/04/2015 - DECIMA TERCEIRA

CAMARA CIVEL

AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM QUE SE BUSCA A PRESTAÇÃO

JURISDICIONAL A FIM DE QUE CESSEM AS REVISTAS

ÍNTIMAS VEXATÓRIAS NAQUELES QUE VISITAM OS

DETENTOS NO SISTEMA CARCERÁRIO DO ESTADO DO RIO

DE JANEIRO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

INDEFERIDA NO PRIMEIRO GRAU. DECISÃO REFORMADA

POR MAIORIA. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA É

FUNDAMENTO DO ESTADO BRASILEIRO (ARTIGO 5º, INCISO

III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). É INADMISSÍVEL QUE,

POR AÇÃO OU OMISSÃO, OS AGENTES DO ESTADO POSSAM

EXPOR CIDADÃOS A SITUAÇÃO VEXATÓRIA, INDIGNA,

DESRESPEITOSA, COMO A DE OBRIGAR MULHERES A SE

DESPIREM E FICAREM DE CÓCORAS. COMO CONDIÇÃO

PARA VISITAREM SEUS ENTES QUERIDOS QUE SE

ENCONTRAM PRESOS. TAL EXIGÊNCIA, EM NOME DE UMA

15 Curso de Direito Constitucional (Paulo Gustavo Gonet Branco co-autor), 7ª edição

revista e atualizada, São Paulo: Sariava, 2012, p. 1427.

Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – Sede - Avenida Marechal Câmara, 314, Castelo, Centro,

CEP: 20020-080, Rio de Janeiro – RJ. Telefones: (21) 2332-6354/6190 /6224 Fax:2332-6217

SEGURANÇA QUE PODE SER BUSCADA POR MEIOS MAIS

INTELIGENTES E HUMANOS, É HUMILHANTE, E SE

DESINCOMPATIBILIZA COM A REGRA CONSTITUCIONAL

DE QUE NINGUÉM SERÁ SUBMETIDO A TRATAMENTO

DESUMANO OU DEGRADANTE (ARTIGO 5º, INCISO III, DA

CF). ALÉM DO MAIS, A PUNIÇÃO A QUE SE SUBMETE O

DETENTO NÃO PODE SER ESTENDIDA AOS SEUS ENTES

QUERIDOS, CONSOANTE O DISPOSTO NO ARTIGO 5º,

PARÁGRAFO XLV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

COMANDO JURISDICIONAL QUE DEVE MOSTRAR-SE

DIDÁTICO QUANTO À ADEQUAÇÃO DA CONDUTA

ESTATAL AOS DITAMES CONSTITUCIONAIS: O QUE É

PROIBIDO Pela presente decisão, fica proibida a revista íntima

vexatória nos visitantes dos presídios e casas de detenção do estado. O

QUE É PERMITIDO É permitido que os visitantes sejam submetidos

ao detector de metais, bem como à determinação de que exibam o que

trazem em bolsas, pastas, carteiras, mochilas etc. É permitida a revista

pessoal, não vexatória, consoante o previsto no artigo 244 do CPP,

que independe de mandado. É permitida a revista nos detentos, os

quais se encontram submetidos à disciplina carcerária, em obediência

às normas administrativas pertinentes.

Desse modo, se admitida a repristinação do estado de coisas, as pessoas em

condição peculiar de desenvolvimento serão tratadas de forma mais gravosa do que adultos, o

que provocará resultado absolutamente anti-isonômico.

3. PEDIDO

Ante o exposto, é a presente para requerer:

a) A habilitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro como

amicus curiae, na forma do art. 7°, § 2°, da Lei n. 9.868/1999;

b) Em consequência, a intimação da Defensoria Pública para acompanhar os

atos processuais a serem praticados;

c) Que o pedido formulado na presente representação não seja conhecido e,

ultrapassada as preliminares seja julgado improcedente, reconhecendo-se a

constitucionalidade da Lei 7.011/2015. Na eventualidade de ser acolhida a

Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – Sede - Avenida Marechal Câmara, 314, Castelo, Centro,

CEP: 20020-080, Rio de Janeiro – RJ. Telefones: (21) 2332-6354/6190 /6224 Fax:2332-6217

representação, pugna-se pela utilização da técnica de declaração de

inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, obstando a repristinação

do estado de coisas inconstitucional, com fundamento no art. 27 da Lei

9868/99.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 06 de julho de 2015.

ANDRÉ LUIS MACHADO DE CASTRO

Defensor Público-Geral do Estado do Rio de Janeiro

EUFRÁSIA MARIA SOUZA DAS VIRGENS

Coordenadora da CDEDICA

ELISA COSTA CRUZ

Subcoordenadora da CDEDICA

RODRIGO AZAMBUJA MARTINS

Subcoordenador da CDEDICA