excelentÍssimo senhor desembargador...
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Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – Sede - Avenida Marechal Câmara, 314, Castelo, Centro,
CEP: 20020-080, Rio de Janeiro – RJ. Telefones: (21) 2332-6354/6190 /6224 Fax:2332-6217
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Processo n. 0026457-45.2015.8.19.0000
A DEFENSORIA PÚBLICA GERAL DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO, órgão público com sede na Avenida Marechal Câmara n. 314, Centro, Rio de
Janeiro – RJ, devidamente presentada pelo Defensor Público-Geral do Estado, bem como
pelos demais membros signatários da presente, vem requerer sua habilitação na qualidade de
AMICUS CURIAE
na representação de inconstitucionalidade em epígrafe, proposta pelo Deputado estadual
Flavio Nantes Bolsonaro, na forma do art. 7°, § 2°, da Lei n. 9.868/1999, aqui aplicável por
analogia, nos termos a seguir:
1. Possibilidade de manifestação da Defensoria Pública como amicus
curiae em processo objetivo de constitucionalidade:
A figura do amicus curiae constitui um instrumento processual que se destina à
ampliação do espaço de discussão em ações de controle concentrado de constitucionalidade,
permitindo que órgãos, entidades e especialistas contribuam com argumentos de fato e de
direito na construção da solução jurídica a ser feita pela Corte.
O Ministro Celso de Mello, ao proferir seu voto na ADI-MC n. 2130, bem
pontuou o papel do amicus curiae no processo de constitucionalidade das leis e atos
normativos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO AMICUS CURIAE.
POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.868/99 (ART. 7º, § 2º). SIGNIFICADO
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POLÍTICO-JURÍDICO DA ADMISSÃO DO AMICUS CURIAE NO
SISTEMA DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO DE
CONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE ADMISSÃO
DEFERIDO.
- No estatuto que rege o sistema de controle normativo abstrato de
constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro processualizou
a figura do amicus curiae (Lei nº 9.868/99, art. 7º, § 2º), permitindo
que terceiros – desde que investidos de representatividade adequada -
possam ser admitidos na relação processual, para efeito de
manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria
controvérsia constitucional.
- A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo
objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de
legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal
Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático,
a abertura do processo de fiscalização concentrada de
constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre
sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de
participação formal de entidades e de instituições que efetivamente
representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os
valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.
Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 - que
contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do
amicus curiae – tem por precípua finalidade pluralizar o debate
constitucional.
Este instituto está expressamente regulamentado no art. 7°, § 2°, da Lei n.
9.868/1999, in verbis:
Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação
direta de inconstitucionalidade.
§ 1o (VETADO)
§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a
representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível,
admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a
manifestação de outros órgãos ou entidades.
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A admissão de uma pessoa como amicus curiae, conforme previsto no
dispositivo supra, depende da relevância da questão a ser analisada e de representatividade
adequada do requerente, entendida essa como a existência de “razões que tornem desejável e
útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma
adequada resolução do litígio constitucional”1.
Não há dúvida que a requerente cumpre esse requisito.
A Defensoria Pública é instituição originalmente criada para a defesa dos
interesses judiciais das pessoas comprovadamente hipossuficientes, tendo como uma das
primeiras leis regulamentadoras a Lei n. 1.060/1950, que cuida do direito à assistência
judiciária gratuita.
Com o movimento processual de ampliação do acesso à justiça, o papel da
Defensoria Pública foi naturalmente ampliado no ordenamento, passando a lhe ser assegurada
a orientação jurídica dos necessitados, além da defesa do regime democrático e a promoção
dos direitos humanos, função essa de reforço na construção de uma sociedade livre,
igualitária, justa e de valorização da dignidade da pessoa humana (art. 3° da Constituição da
República).
Esse é o conteúdo do art. 134 da Constituição da República, norma primária do
regime jurídico da Defensoria Pública:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e
instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação
jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os
graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de
forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV
do art. 5º desta Constituição Federal.
1 STF, ADI 3045, Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 10.08.2005, DJe
01.06.2007.
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Entretanto, a definição de “necessitado” vai além do conceito de
hipossuficiente econômico para abranger também outros interesses que denotem fragilidade.
Dessa forma, cabe a Defensoria Pública a defesa das pessoas ou grupo de pessoas que
denotem alguma fragilidade de ordem econômica, técnica ou jurídica:
(...) o sistema jurídico e a realidade social contemporânea demonstram
que a necessidade nem sempre se encontra relacionada à incapacidade
econômica. Muitas vezes, a necessidade também pode constituir
sinônimo de vulnerabilidade jurídica ou de fragilidade na estrutura
organizacional. Esse caráter multifacetário da carência pode ser
identificado, por exemplo, no caso da defesa do réu sem advogado na
área criminal, na atuação da curadoria especial na área cível e na tutela
dos interesses coletivos lato sensu.
Por essa razão, o termo “necessitados” (art. 134 da CRFB) deve ser
compreendido como verdadeira chave hermenêutica, capaz de
englobar toda a amplitude do fenômeno da carência, em suas diversas
concepções. Isso porque a atuação institucional motivada pela
necessidade econômica (art. 134 c/c art. 5º, LXXIV da CRFB)
representa para a Defensoria Pública apenas o mínimo constitucional,
não podendo ser afastada a tutela objetiva de direitos fundamentais em
razão da necessidade social, cultural, organizativa ou processual.
Justamente por isso, através de uma interpretação teleológica do texto
constitucional, foram legalmente atribuídas à Defensoria Pública
funções institucionais voltadas para a tutela dos direitos e interesses de
sujeitos em situação de vulnerabilidade jurídica ou de grupos
organizacionalmente frágeis. (ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn
Roger Alves. Princípios institucionais da Defensoria Pública. Rio de
Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 355)
Dessa forma, a tutela de pessoas ou grupos vulneráveis justifica a atuação da
Defensoria Pública em favor dos direitos das crianças e dos adolescentes, eleito como um dos
grupos de especial atenção pela Constituição em razão de sua peculiar situação de
desenvolvimento e consequente de fragilidade.
No mesmo sentido é a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu art.
179 e inciso V, alínea “g”:
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Art. 179 - A Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e
instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação
jurídica integral e gratuita, a postulação e a defesa, em todos os graus
e instâncias, judicial e extrajudicialmente, dos direitos e interesses
individuais e coletivos dos necessitados, na forma da lei.
(...)
V - patrocinar:
(...)
g) a defesa do interesse do menor e do idoso, na forma da lei;
No plano legislativo infraconstitucional, a defesa dos direitos de crianças e
adolescentes pela Defensoria Pública vem expressa no art. 4°, XI, da Lei Complementar n.
80/1994:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre
outras:
(...)
XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança
e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades
especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de
outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do
Estado;
Se as disposições constitucionais e a lei orgânica da Defensoria Pública já
instituíam a defesa dos direitos das crianças e adolescentes como função institucional, a Lei n.
8.069/1990 ratifica o sistema protetivo da infância e inclui a instituição no Sistema de
Garantias dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, ou seja, como parte da articulação e
organização interinstitucional para promover a efetivação dos direitos infanto-juvenis.
O art. 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente inaugura o sistema de
garantias ao dispor que “a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-
se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da
União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios”, e o art. 88, inciso V, traz como
diretriz da política de atendimento a “integração operacional de órgãos do Judiciário,
Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em
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um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se
atribua autoria de ato infracional”.
Por compor o Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente e
possuir a função institucional de proteção e promoção dos direitos infanto-juvenis, individual
ou coletivamente, a Defensoria Pública possui representatividade adequada para ingressar no
presente feito na qualidade de amicus curiae.
Igualmente presente se revela o requisito da relevância do caso, porque a
presente representação de inconstitucionalidade visa a invalidar lei que proíbe a revista íntima
ou vexatória nas unidades de sociointernação do Estado do Rio de Janeiro, temática direta e
imediatamente associada aos direitos e garantias fundamentais.
Não fosse isso, convém esclarecer que o Defensor Público-Geral do Estado é
órgão legitimado para deflagração do processo objetivo de controle de constitucionalidade em
nível estadual, como se infere do art. 162 da Carta Estadual2.
Nessa ordem de ideias, se podia a Defensoria Pública, por meio de seu chefe
institucional que esta subscreve, iniciar o processo, por maioria de razão deve ser admitida a
oficiar como amigo da corte, municiando o tribunal de dados e argumentos, enfim,
contribuindo para o amplo debate a respeito da interpretação das normas constitucionais
estaduais.
Deve, portanto, ser admitido o ingresso da requerente como amicus curiae nos
autos da presente representação de inconstitucionalidade.
2. O objeto da representação de inconstitucionalidade:
2 Art 162: “A representação de inconstitucionalidade de leis ou de atos normativos
estaduais ou municipais, em face desta Constituição, pode ser proposta pelo Governador do
Estado, pela Mesa, por Comissão Permanente ou pelos membros da Assembléia Legislativa,
pelo Procurador-Geral da Justiça, pelo Procurador-Geral do Estado, pelo Defensor Público
Geral do Estado, por Prefeito Municipal, por Mesa de Câmara de Vereadores, pelo Conselho
Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, por partido político com representação na
Assembléia Legislativa ou em Câmara de Vereadores e por federação sindical ou entidade de
classe de âmbito estadual”.
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A representação de inconstitucionalidade tem por objeto a Lei n. 7.011, de 25
de maio de 2015, que dispõe sobre o sistema de revista de visitantes nos estabelecimentos de
atendimento ao cumprimento das medidas socioeducativas privativas de liberdade no Estado
do Rio de Janeiro, e tem o seguinte teor:
Art. 1º - A revista de visitantes, necessária à segurança interna das
unidades do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas
(DEGASE) do Estado, será realizada com respeito à dignidade
humana e segundo o disposto nesta Lei.
Parágrafo único - Considera-se visitante todo aquele que ingressa em
unidade do DEGASE para manter contato direto ou indireto com
adolescente interno ou para prestar serviço de administração ou de
manutenção, na condição de funcionário terceirizado.
Art. 2º - Todo visitante que ingressar em unidade do DEGASE será
submetido à revista mecânica, para a qual é proibido o procedimento
de revista manual.
§1º O procedimento de revista mecânica é padrão e deve ser
executado através da utilização de equipamentos necessários e capazes
de garantir a segurança de unidade do DEGASE, tais como detectores
de metais, aparelhos de raio-x, entre outras tecnologias que preservem
a integridade física, psicológica e moral do revistado.
§2° O disposto no caput deste artigo não se aplica a Chefe de Poder,
Ministro, Secretário de Estado, magistrado, parlamentar, membro da
Defensoria Pública e do Ministério Público, Delegado de Polícia,
advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), representantes do Conselho Regional de Serviço Social
(CRESS), representantes do Conselho Regional de Psicologia (CRP),
membros dos Conselhos Municipais de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente, membros do Conselho Estadual de Defesa
dos Direitos da Criança e do Adolescente, membros dos Conselhos
Tutelares e representantes do Sindicado dos Servidores do
Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (Sind-DEGASE),
quando estiverem no exercício de suas funções.
§3° Ficam dispensados da revista mecânica as gestantes e os
portadores de marca passo.
Art. 3º - Fica proibida, no âmbito das unidades do DEGASE do
Estado do Rio de Janeiro, a revista íntima.
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Parágrafo único - Considera-se revista íntima toda e qualquer inspeção
corporal que obrigue o visitante a despir-se parcial ou totalmente,
efetuada visual ou manualmente, inclusive com auxílio de
instrumentos.
Art. 4º - Admitir-se-á, excepcionalmente, a realização de revista
manual em caso de fundada suspeita de que o visitante traga consigo
objetos, produtos ou substâncias cuja entrada seja proibida por lei e/ou
exponha a risco a segurança da unidade do DEGASE.
§1° Para efeito desta Lei, a revista manual é equivalente ao
procedimento de busca pessoal, nos termos do Código de Processo
Penal.
§2º A fundada suspeita deverá ter caráter objetivo, diante do fato
identificado e de reconhecida procedência, registrado pela
administração em livro próprio da unidade do DEGASE e assinado
pelo revistado e duas testemunhas. O registro deverá conter a
identificação do funcionário e a descrição detalhada do fato.
§3° Previamente à realização da busca pessoal, o responsável pelo
estabelecimento fornecerá, ao visitante, declaração escrita sobre os
motivos e fatos objetivos que justifiquem o procedimento, dando-lhe a
opção de recusa a se submeter ao procedimento, no caso de
desistência da visita.
§4º A busca pessoal será efetuada de forma a garantir a privacidade do
visitante, em local reservado, por agente socioeducativo do mesmo
sexo, obrigatoriamente acompanhado de duas testemunhas.
§5º Da busca pessoal estão dispensadas as autoridades mencionadas
no parágrafo 2°, do artigo 2° desta Lei, quando estiverem no exercício
de suas funções, bem como crianças e adolescentes.
Art. 5° - Após a visita, o adolescente interno poderá ser submetido,
excepcionalmente, à busca pessoal.
§1° Em hipótese nenhuma será admitida a revista íntima no
adolescente interno.
§2° A busca pessoal no adolescente interno será realizada conforme o
disposto no artigo 4° desta Lei.
Art. 6° - O Poder Executivo adotará as providências cabíveis e
necessárias para a publicidade do disposto nesta Lei, divulgando-a
para os adolescentes internos e afixando cópias na entrada das
unidades do DEGASE.
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Art. 7º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Da análise da petição inicial da representação, verifica-se que seu autor
argumenta que a lei padeceria de vício de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa
do projeto de lei, e material, porque viola a segurança pública, o direito à vida e à integridade
física.
2.1. Preliminar: a inépcia da petição inicial
O art. 3°, I, da Lei n. 9.868/1999 determina que a petição inicial em ação de
controle de constitucionalidade deverá indicar “o dispositivo da lei ou do ato normativo
impugnado e os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações”, a
qual será considerada inepta, caso descumprida essa exigência, na forma do art. 4° da lei.
A propósito, veja-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
(...) É necessário lembrar que a Lei n. 9.868, de 10 de novembro de
1999, estabelece que a peça inaugural das ações diretas indicará o
dispositivo da lei ou do ato normativo atacado e os fundamentos
jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações [artigo
3º]. Não tendo sido prestado o devido acatamento a essa exigência da
lei, a ação não pode ser conhecida. A inicial não se reveste das
formalidades a ela inerentes, ensejando a declaração da inépcia da
peça por falta de requisitos essenciais, consoante dispõe o artigo 295,
parágrafo único, inciso II, do Código de Processo Civil, combinado
com o artigo 4º, da Lei n. 9.868/99. (ADI 2989-CE. Relator Ministro
Eros Grau. DJ 04.05.2005)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INEPCIA DA
INICIAL. - E NECESSARIO, EM AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, QUE VENHAM EXPOSTOS OS
FUNDAMENTOS JURIDICOS DO PEDIDO COM RELAÇÃO AS
NORMAS IMPUGNADAS, NÃO SENDO DE ADMITIR-SE
ALEGAÇÃO GENERICA DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM
QUALQUER DEMONSTRAÇÃO RAZOAVEL, NEM ATAQUE A
QUASE DUAS DEZENAS DE MEDIDAS PROVISORIAS EM SUA
TOTALIDADE COM ALEGAÇÕES POR AMOSTRAGEM. AÇÃO
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DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE NÃO SE
CONHECE.
(ADI 259. Relator Ministro Moreira Alves. DJ 19.02.1993)
A exigência de fundamentação individualizada de cada uma das normas
justifica-se pelas diferentes causas que motivaram suas aprovações, além de permitir o efetivo
contraditório e defesa de constitucionalidade da norma. Sem o cumprimento deste requisito,
não há como a Assembleia Legislativa ou os demais atores habilitados a participarem do
processo de inconstitucionalidade terem conhecimento amplo da motivação do autor ao
ajuizar a ação.
No caso, percebe-se que o autor impugna a totalidade da Lei n. 7.011/2015,
mas deixa de apresentar os fundamentos em relação a cada uma das normas, fazendo
referência genérica de violação à segurança pública e ao direito a vida.
Sendo assim, requer a V. Exa. que a representação de inconstitucionalidade não
seja conhecida por inépcia da petição inicial.
2.2. Preliminar: ausência de interesse de agir por impossibilidade de
o Tribunal de Justiça analisar representação de
inconstitucionalidade justificada em violação à Constituição da
República
A representação de inconstitucionalidade não deve ser conhecida porque tem
como objeto lei estadual – Lei n. 7.011/2015 – e como parâmetro a Constituição da
República, invocando expressamente a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III) e a segurança
pública (art. 144), conforme se observa de fl. 12 da petição inicial.
O art. 125, § 2°, da Constituição da República atribui aos Tribunais de Justiça
competência para analisar a “inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou
municipais em face da Constituição Estadual”, razão pela qual a pretensão deduzida não pode
vir a ser julgada por esta eg. Corte.
Neste sentido:
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DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ¿ LEI ESTADUAL
QUE INSTITUIU O FUNDO DE COMBATE À POBREZA E ÀS
DESIGUALDADES SOCIAIS (LEI N4056/02 e DECRETO
ESTADUAL Nº 33.123/2003. DIPLOMAS LEGAIS VALIDADOS
PELA EMENDA CONSTITUCIONAL FEDERAL Nº42/2003 ¿
AUSENCIA DECONDIÇÃO DA AÇÃO¿ PROCESSO QUE SE
EXTINGUE. Alegada inconstitucionalidade da Lei e do Decreto
referidos ao argumento de ser inconstitucional o adicional do ICMS
sobre as alíquotas normais de produtos e serviços em circulação no
Estado do Rio de Janeiro em confronto com art. 82 dos Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias¿. Incompetência
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para apreciar a alegação
de inconstitucionalidade de normas estaduais tendo por paradigma
ementa constitucional federal. Desimportante a argumentação que se
invoque para contornar tal impossibilidade.
(TJRJ. Representação de inconstitucionalidade n. 0056557-
51.2013.8.19.0000. relatora Desembargadora Gizelda Leitão Teixeira.
Julgamento em 14.07.2014)
2.3. Da inexistência de inconstitucionalidade formal
A Lei n. 7.011/2015 tem por objeto proibir a realização de revista íntima ou
vexatória nas unidades de socioeducação do Estado do Rio de Janeiro. Desse modo,
diversamente do afirmado, o ato normativo prescreve normas sobre proteção à infância e
juventude, de sorte que é livre a iniciativa para proposição legislativa.
Explica-se.
De acordo com a Constituição da República, Estados, Distrito Federal e União
compartilham competência legislativa no tocante à proteção à infância e juventude, cabendo
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àqueles a edição de regras específicas, destinadas a atender as peculiaridades regionais (art.
24, XV3).
Nessa ordem de ideias, editou-se a Lei Federal 12.594/2012, que instituiu o
SINASE, Sistema Nacional Socioeducativo, especificando a competência de cada um dos
entes federados na política de atendimento a adolescentes em conflito com a Lei.
Aos Estados, por força da norma constitucional e também da legislação federal,
compete “editar normas complementares para a organização e funcionamento do seu sistema
de atendimento e dos sistemas municipais”.
Exercendo essa competência legislativa, os nobres parlamentares Jorge
Picciani e Marcelo Freixo deflagraram o processo que resultou na Lei questionada, a qual,
repita-se, cuida da proteção de adolescentes privados da liberdade e, portanto, de livre
iniciativa.
Ademais, a leitura do ato legislativo impugnado revela que não se tratou de
criar, estruturar ou alterar as atribuições do Departamento Geral de Ações Socioeducativas,
doravante DEGASE, que segue, exatamente com as mesmas tarefas: gerir unidades destinadas
à execução de medidas de internação e semiliberdade, controlando o ingresso de pessoas
naqueles locais.
A novidade foi, tão-só, suplantar um estado inconstitucional de coisas – adiante
o tema será abordado com maior precisão – que expunha desnecessária e injustificadamente
visitantes e adolescentes privados da liberdade a constrangimento, este consistente na revista
íntima e, portanto, vexatória.
No ponto, consoante nos foi informado pela Direção do DEGASE (ofício 48 de
17 de outubro de 2014), todos os visitantes deveriam ser submetidos “aos procedimentos de
revista de acordo com o Plano de Segurança” Socioeducativa, editado pelo DEGASE em
2013. Tal plano previa que:
3 Art. 24: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre: XV - proteção à infância e à juventude”.
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Art. 118: O visitante deverá identificar-se na portaria, apresentando
documento de identificação. Ele receberá, então, o crachá de visitante,
sendo encaminhado para os demais procedimentos Departamento
Geral de Ações Socioeducativas de revista e acompanhamento.
Parágrafo único. A unidade deverá fornecer carteira de identificação
para autorização da visita.
Art. 119. O visitante será conduzido ao local definido para a
realização da visita com o acompanhamento do agente socioeducativo
designado para tal função.
Art. 120. Todas as visitas devem ser submetidas aos procedimentos de
revista e orientadas sobre as normas previstas nessa resolução.
Art. 124. Os socioeducandos deverão passar por revista minuciosa
antes e depois da realização das visitas.
Note-se que, mesmo sem expressa autorização legal e/ou infralegal (em
momento algum o ato normativo secundário editado pela Direção do DEGASE – a produção
coube, dentre outros, a Alexandre Azevedo de Jesus, Diretor-Geral – dispõe sobre a
necessidade de parentes e adolescentes despirem-se das roupas), a Administração Pública
estadual submetia os visitantes e internos a verdadeiro tratamento vexatório.
A Lei em comento veio, portanto, proteger a infância e adolescência contra
essa prática desconforme à lei, normas de direitos humanos, e até mesmo dos atos infra-legais
editados pela própria administração. Não se imiscuiu, portanto, em tarefas de cunho
eminentemente administrativos, cuja competência para iniciar o processo legislativo caberia
ao chefe de poder, o Governador do Estado.
A se admitir a tese autoral, a iniciativa de quase todas as leis estaduais caberá
ao chefe do executivo, afinal, num cenário de federalismo assimétrico e centrípeto, em que
são concentradas quase todas as matérias no seio de competência da União, ao estado-
membro resta pouco a legislar. E, daquele reduzido âmbito atribuído ao Estado, tudo
dependerá da iniciativa do Governador. A Assembleia Legislativa converter-se-ia em mero
órgão de figuração!
Enfim, porque a lei em comento não cuida de regime jurídico de servidores,
não trata de atribuições de Secretarias de Estado, criação de órgãos ou sua reestruturação, mas
sim de proteção à infância e juventude, deve a representação ser julgada improcedente no
ponto.
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2.4. Da inexistência de inconstitucionalidade material
Rejeitada a alegação de inconstitucionalidade formal, a Defensoria
Pública passa a enfrentar a alegação de inconstitucionalidade material. De acordo com a
parte autora, esta se verificaria uma vez que a Lei vulnera a segurança pública, pois a
medida poderia permitir o ingresso de materiais perigosos no interior de unidades de
internação, passíveis de utilização contra outros internos, agentes de segurança, e até
mesmo magistrados e representantes do Ministério Público, que rotineiramente têm
contato com os adolescentes nas inúmeras audiências ocorridas em todo o estado.
Sem razão como adiante se exporá.
Inicialmente, convém esclarecer que, conforme consta do relatório da
organização Humans Rights Watch, “O Brasil atrás das grades”4 (1998), “o primeiro
obstáculo às visitas dos presos é o tratamento humilhante pelo qual passam os
visitantes, que podem estar sujeitos a revista, mal regulamentadas, nas quais são
forçados a se despirem e até mesmo, segundo alegam vários presos, a exame de toque
vaginal”.
Embora se referindo a presos, portanto, pessoas imputáveis condenadas
por crimes e privadas de liberdade, a mesma ideia é aplicável, por analogia, aos
adolescentes que cumprem medida socioeducativa com restrição de liberdade, seja em
unidades de internação ou mesmo em unidades de semiliberdade.
Nessa ordem de ideias, a Lei n. 7.011/2015, ao contrário do alegado,
confere efetividade aos princípios da dignidade da pessoa humana, da prioridade
absoluta, da proteção integral e ao direito à convivência familiar e comunitária, todos
ponderados com o direito coletivo à segurança pública, em autêntica e lícita
concordância prática.
4 Disponível em http://hrw.org/portuguese/reports/presos/prefacio.htm.
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Analisemos cada um dos princípios que a Defensoria Pública entende
terem aplicação ao caso em exame, ao se confrontarem com o direito à segurança
pública (art. 144 da CF/88 e 183 da CERJ).
a) O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1, III da CF/88 e art. 8º da
CERJ)
O conceito de dignidade da pessoa humana tem como marcos a doutrina
de São Tomás de Aquino, Pico della Mirandola e de Kant, embora já fosse conhecido e
discutido desde a antiguidade clássica.
Na doutrina de São Tomás de Aquino a noção de dignidade da pessoa
humana funda-se na identificação entre Deus e homem, este criado à imagem e
semelhança daquele, bem como na capacidade de autodeterminação inerente à natureza
humana, de modo que o ser humano, livre por natureza, em razão de sua dignidade,
existe por sua própria vontade.
Mas é o pensamento de Immanuel Kant, também despido de
religiosidade, que mais influenciaria na conceituação do instituto. Partindo da
autonomia ética do ser humano e de sua racionalidade, Kant assinala que a autonomia
da vontade, entendida como a faculdade de autodeterminação e atuação em
conformidade com a representação de certas leis, é característica encontrada apenas nos
seres racionais, de modo que5
(...) o Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe
como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para
o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em
todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como
nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de
ser considerado simultaneamente como um fim...
5 KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. Apud: SARLET, Ingo
Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de
1988. 6ª ed. rev. e atual Porto Alegre: Livraria do Advogado, 6ª ed. rev. e atual., 2008, pp. 33-
34.
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E complementa sua tese afirmando que6
(...) no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade.
Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela
qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está
acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então
tem ela dignidade... Esta apreciação dá pois a conhecer como
dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na
infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta
em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um
preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade.
Maria Celina Bodin de Moraes, tomando a concepção kantiana para
concretização jurídica da dignidade, afirma que a dignidade pode ser decomposta em
quatro substratos ou subprincípios: a) o sujeito moral que reconhece a existência dos
outros como sujeitos iguais a ele; b) merecedores do mesmo respeito à integridade
psicofísica; c) dotado de autodeterminação; d) parte de um grupo social no qual não
pode ser marginalizado7.
Outra não foi a conclusão do Tribunal Constitucional alemão ao definir o
conteúdo dessa cláusula, prevista no Art. 1 I do GG. Como afirmado pelo Tribunal em
julgamento em dezembro de 1970, “para estar presente uma violação da dignidade
humana o atingido precisa ter sido submetido a um tratamento que coloque em xeque,
6 Ibid., loc. cit.
7 “São corolários desta elaboração os princípios jurídicos da igualdade, da integridade
física e moral – psicofísica – , da liberdade e da solidariedade. De fato, quando se reconhece a
existência de outros iguais, daí dimana o princípio da igualdade; se os iguais merecem idêntico
respeito à sua integridade psicofísica, será preciso construir o princípio que protege tal
integridade; sendo a pessoa essencialmente dotada de vontade livre, será preciso garantir,
juridicamente, esta liberdade; enfim, fazendo a pessoa, necessariamente, parte do grupo social,
disso decorrerá o princípio da solidariedade social.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos
à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 3ª tiragem, 2007, p. 85)
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de antemão, sua qualidade de sujeito [de direitos], ou haver no caso concreto um
desrespeito arbitrário à sua dignidade”8.
A partir dessa delimitação do conceito de dignidade, outra não é a
conclusão senão que a Lei n. 7.011/2015 garante efetividade a esse princípio, impedindo
a exposição pública das pessoas a agentes estatais.
b) O princípio da prioridade absoluta e a doutrina da proteção integral (art. 227 da
CF/88 e art. 45 da CERJ)
O artigo 227 da Constituição da República, o art. 45 da Constituição do
Estado do Rio de Janeiro instituem o princípio da prioridade absoluta ao estabelecer a
primazia em favor de crianças e adolescentes em todas as esferas de interesse. Seja no
campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o interesse infanto-
juvenil deve preponderar. Leva-se em conta a condição de pessoa em desenvolvimento,
pois a criança e o adolescente possuem uma fragilidade peculiar de pessoa em
formação, correndo mais riscos do que um adulto, por exemplo.
Ressalte-se que a prioridade tem um objetivo claro: realizar a proteção
integral, assegurando primazia e a concretização dos direitos fundamentais enumerados
no artigo 227, caput, da Constituição da República e enumerados no caput do artigo 4º
do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ao Poder Público, em todas as suas esferas – legislativa, judiciária ou
executiva –, é determinado o respeito e resguardo, com primazia, dos direitos
fundamentais infanto-juvenis.
A Lei n. 7.011/2015, portanto, constitui reforço às garantias
constitucionais do adolescente, ao proibir que o visitante ou o próprio sancionado sejam
submetidos ao procedimento indigno de violação.
8 MARTINS, Leonardo (Org.). Cinquenta Anos de Jurisprudência do Tribunal
Constitucional Federal Alemão, Montevidéu: Fundação Konrad Adenauer, 2005, p. 181.
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Destaque-se o art. 5° do Estatuto da Criança e do Adolescente que
reforça a impossibilidade de submissão do adolescente visitante ou do adolescente em
conflito com a lei em serem submetidos à revista íntima ou vexatória, prescrevendo que
“nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei
qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
c) O direito à convivência familiar (art. 227 da CF/88 e art 45 e 58 da CERJ)
A proibição legal cumpre igualmente a ordem constitucional de garantia
à prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente ao favorecer o direito de
convivência familiar, que vem elencado no art. 227 da Constituição da República e art.
4° do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O art. 19 do Estatuto traz disposição específica sobre o adolescente em
conflito com a lei e o direito à convivência familiar:
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e
educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família
substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em
ambiente livre da presença de pessoas dependentes de
substâncias entorpecentes.
(...)
§ 4º. Será garantida a convivência da criança e do adolescente
com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas
periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de
acolhimento institucional, pela entidade responsável,
independentemente de autorização judicial.
Ao tratar do direito à convivência familiar em relação aos adolescentes
em conflito com a lei, Andrea Rodrigues Amin, na obra “Curso de direito da criança e
do adolescente: aspectos práticos e teóricos”, menciona que:
Com a promulgação da Lei n. 12.594 de 18 de janeiro de 2012,
que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (Sinase) e regulamentou a execução das medidas
socioeducativas destinadas a adolescentes que pratiquem ato
infracional, pode-se observar a preocupação em identificar a
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situação e a perspectiva familiar daqueles na avaliação dos
resultados desta execução, notadamente porque a nova lei
elencou como um de seus princípios norteadores a
convivencialidade, ou seja, o fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários no processo socioeducativo (art. 35,
IX), corroborando com o ditame do art. 113 do ECA que
preceitua o incentivo e a manutenção da relação familiar durante
o cumprimento da medida.
Ademais, para o cumprimento do Plano Individual de
Atendimento do adolescente infrator (PIA), devem ser levadas
em consideração atividades de integração e apoio à família e as
formas de participação do núcleo familiar para efetivo
cumprimento daquele plano individual.
Como corolário da convivência familiar e comunitária, a
permissão de visitas ao adolescente em cumprimento de medida
de internação pelo cônjuge, companheiro, pais, responsáveis,
filhos, parentes e amigos daquele, além do direito à visita
íntima, quando comprovadamente estiver o(a) adolescente
casado(a) ou em união estável (arts. 67 a 69), denota o papel
fundamental na família na ressocialização do adolescente a
respeito ao que dispõe o art. 16, V, do ECA (direito de participar
da vida familiar e comunitária, sem discriminação).
d) A aplicação da técnica da concordância prática ao caso em exame
Uma vez verificados quais princípios da Constituição Estadual – todos
repetidos, é bem verdade, da Constituição da República – devem orientar a solução da
questão, mister verificar se, à luz da concordância prática, a solução legislativa é
inconstitucional, por aniquilar por completo o direito à segurança de agentes
socioeducativos, demais visitantes, autoridades que ingressam nas unidades de
internação, e até mesmo dos adolescentes que ali se encontram privados da liberdade.
A técnica da concordância prática consiste em método tópico de
interpretação constitucional segundo o qual “impõe-se a coordenação e combinação dos
bens jurídicos em conflito, de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos
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outros”9. Subjacente a essa ideia está a de unidade constitucional e igual hierarquia e
valor dos bens em conflito, o que impede o sacrifício total de um em relação aos outros,
impondo-se o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos10
.
A referida técnica, de utilização recorrente no direito português11
, não é
desconhecida entre nós, como se vê do julgamento da ADPF 101, em que se discutia a
(im)possibilidade de importação de pneus usados e efeitos da decisão prolatada (se
atingiam ou não decisões acobertadas pelo manto da coisa julgada). Naquele julgado, o
STFafirmou que:
“Não se trata nem de abolir a garantia constitucional da coisa
julgada, nem de torná-la absoluta temporalmente. Por um
imperativo de segurança jurídica e de máxima efetividade
constitucional, deve-se prestigiar, no presente caso, uma
interpretação balizada pelos vetores hermenêuticos da
concordância prática e da eficácia integradora da Constituição.
Isto porque o problema a ser aqui enfrentado não se refere à
existência da coisa julgada, mas ao alcance de seus efeitos, para
9 GOMES CANOTILHO, J.J. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. edição
(5ª. reimpressão), Coimbra: Almedina, 2003, p. 1225.
10 Ibidem.
11 À exemplo do acórdão 288/98, em que se discutia a constitucionalidade de decisão da
Assembleia da República que convocou referendo para que fosse respondida a indagação:
Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por
opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente
autorizado. Ali afirmou-se que: “De todo o modo, de acordo com esta leitura, o legislador
ordinário estará vinculado a estabelecer formas de protecção da vida humana intra-
uterina, sem prejuízo de, procedendo a uma ponderação de interesses, dever
balancear aquele bem jurídico constitucionalmente protegido com outros direitos, interesses
ou valores, de acordo com o princípio da concordância prática”.
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que se preserve a eficácia circunscrita ao âmbito específico de
um caso já transitado em julgado”12
.
Pois bem, sopesados os bens constitucionais em conflito, verifica-se que
o legislador estadual adotou solução (a única, é bem verdade, suscetível de ser tomada)
compromissória entre segurança pública e a dignidade dos indivíduos habilitados a
realizar visitas a adolescentes privados de liberdade.
De um lado verifica-se a preocupação legislativa, à vista da obrigação
estatal de guarda assumida a partir da privação da liberdade de jovens em unidades de
internação, com a segurança de todos aqueles que ingressam nesses equipamentos.
Tanto assim que determina que todos os sujeitos serão submetidos à revista, à
exceção de certas autoridades, revistados mecanicamente.
Entretanto, em vista dos abusos cometidos pela Administração
Pública, que, sem fundamento em lei formal e até mesmo ato infralegal (o Plano de
Segurança Socioeducativo não era expresso a determinar a revista vexatória) expunha
os visitantes a constrangimento exagerado, fez-se necessária a atuação legislativa.
Com efeito, essa prática aniquilava o direito a dignidade pessoal de que
são titulares os parentes e amigos de adolescentes e jovens privados de liberdade, afinal
a revista consistia na desnudação de seu corpo, realização de agachamentos, etc.
Ademais, desprotegia, desnecessária e inutilmente, esses sujeitos
especiais de direitos, afinal muitos desses não tinham o direito à convivência familiar
respeitado, em razão da humilhação pela qual seus parentes eram obrigados a passar.
A desnecessidade dessa prática ressai evidente, a medida que as técnicas
atuais existentes (portais metálicos e máquinas de scanner) permitem identificar – com
maior precisão inclusive – a presença de artigos proibidos na posse daquele que
pretende ingressar no estabelecimento.
12 Trecho do voto do Senhor Ministro Gilmar Mendes, DJe n. 108, Divulgação
01/06/2012, ementário 2654-1, p. 269.
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Assim, para coordenar o direito à segurança, dignidade, convivência
familiar, na sua ampla margem de conformação, o legislador estadual houve por bem
banir a prática vexatória. Sua conduta é, portanto, irreprovável, não cabendo ao Poder
Judiciário substituir-se o congressista eleito pelo povo nessa tarefa de compatibilização
de valores e bens em conflitos.
Se há confronto entre o direito à segurança pública e dos adolescentes e
seus visitantes em não serem destinatários de revistas íntimas ou vexatórias, esse
conflito deve ser solucionado à luz do princípio da proporcionalidade, sendo que o
resultado obtido não pode representar a prevalência absoluta de um princípio sobre o
outro e sua consequente exclusão. Há que se obter uma solução intermediária que
compatibilize ambas as situações.
Revela-se plenamente possível garantir a segurança pública a partir do
uso de equipamentos de segurança capazes de identificar objetos cuja entrada é proibida
nas unidades socioeducativas, mesmo tipo de controle que é realizado em aeroportos,
por exemplo, dentre outros locais, sem que seja veiculado o argumento da ineficácia
desses equipamentos.
A solução propugnada pelo Autor não atende a esse critério, na medida
em que promove a exclusão do direito à dignidade dos adolescentes e de seus visitantes.
Reafirma-se, por outro lado, que a circunstância de o adolescente estar
privado de liberdade não lhe retira o direito fundamental à dignidade e a seus
consectários, mas apenas autoriza a restrição do direito de locomoção, na forma e
limites legalmente estabelecidos, devendo o Estado, durante esse período, respeitar os
demais direitos fundamentais da pessoa. Portanto, mesmo incluído em unidade
socioeducativa, faz jus o adolescente a garantia de respeito a sua integridade psicofísica
e a não sujeição a procedimentos degradantes, dentre os quais a revista íntima.
Nota-se, ademais, que os argumentos elencados na petição inicial e que
se destinariam a comprovar que a lei atenta contra a dignidade são lastreados em ilações
e presunções desprovidas de comprovação científica ou sequer documental.
Aduz a parte autora que a lei em análise desconsidera a realidade do
sistema socioeducativo (fl. 10); que nem todos os equipamentos de segurança detectam
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objetos de imenso potencial ofensivo (fl. 10); e reduz o nível de segurança dentro das
unidades (fl. 13).
Afora o fato de que nenhum desses argumentos está devidamente
comprovado por estudos idôneos, tratando-se, portanto, de ilações feitas a partir de
concepções individuais da parte autora, elas não atacam o núcleo central da lei, mas sim
temas atinentes à segurança estatal e seu aparelhamento.
2.5 O estado inconstitucional/ilegal de coisas e o direito internacional
dos direitos humanos
Não fosse a ampla margem de conformação legislativa para solucionar o
conflito entre segurança e dignidade, verifica-se que a disciplina instaurada pela Lei
7.011/2015 era a única possível e conforme com o direito internacional dos direitos humanos.
Com efeito, como já se afirmou, havia uma prática disseminada de
realização de revistas vexatórias em todos os visitantes de adolescentes e jovens adultos
privados de liberdade em unidades de internação gerenciadas pelo DEGASE. A legislação
impugnada veio proteger a infância e adolescência, obstruindo esse comportamento.
Mas, em verdade, essa prática sempre foi vedada pelo direito internacional,
uma vez que o art. 11, 2 do Pacto de São José da Costa Rica13
proibe ingerências arbitrárias a
vida privada do indivíduo. Sobre o tema, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já
se debruçou ao examinar a petição 10.506, apresentada contra a República da Argentina.
Naquele caso, esposa e filha de pessoa privada da liberdade, insurgiram-se
contra revistas vaginais a que eram submetidas antes de ingressar na unidade 1 do Serviço
Penitenciário Federal. Ao decidir o caso a Comissão afirmou que:
13 Art. 11, 2: “Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida
privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à
sua honra ou reputação”.
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a) existem certos aspectos da vida de uma pessoa e especialmente "certos
atributos invioláveis da pessoa humana" que vão mais além da esfera de
ação do Estado e que "não podem ser legitimamente desprezados pelo
exercício do poder público".
b) para que exista congruência com a Convenção, as restrições devem ser
justificadas por objetivos coletivos de importância tal que exerçam
claramente maior peso do que a necessidade social de garantir o pleno
exercício dos direitos consagrados na Convenção e que não sejam mais
limitadores do que o estritamente necessário;
c) A medida que afete de certa forma os direitos protegidos pela Convenção
deve necessariamente: 1. ser prescrita por lei; 2. ser necessária para a
segurança de todos e guardar relação com as justas demandas de uma
sociedade democrática; e 3. ter sua aplicação estritamente limitada às
circunstâncias específicas enunciadas no artigo 32.2 e ser proporcionais e
razoáveis a fim de alcançar esses objetivos.
Assentadas essas premissas, e transposto o raciocínio para o caso em exame,
verifica-se que não havia no direito interno brasileiro lei que autorizasse a realização de
revistas íntimas nos visitantes. Nem mesmo regulamento fora expedido contendo tal previsão,
como se vê da leitura do Plano de Segurança acima mencionado, que apenas afirmava, no
tocante aos indivíduos privados da liberdade, ser necessária a realização de minuciosa revista
ao fim dos encontros.
Destaque-se, outrossim, que o estado de coisas verificado nas unidades de
internação geridas pelo DEGASE, para além de não guardar correspondência com ato
legislativo, também impunha injusta restrição ao direito dos visitantes, porquanto
inadmissível numa sociedade democrática.
Com efeito, a prática generalizada e indistinta de que eram alvo todos os
visitantes, acabava por convertê-los em suspeitos de ilícitos. A sanção penal juvenil imposta a
seus parentes terminava por surtir efeitos contra si, já que, sistemática e independentemente
da presença de indícios, são eles obrigados a despirem-se, agacharem e ter suas regiões
genitais observadas, a fim de verificar se algum objeto é trazido naquela cavidade.
Por outro lado a restrição também é desconforme com o direito internacional
dos direitos humanos, porquanto há outras alternativas tão ou mais seguras para assegurar o
objetivo de proteção da segurança das unidades de internação. Com efeito, o desenvolvimento
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tecnológico fez aparecer aparelhos que permitem a fácil detecção de objetos proibidos, sem
que o indivíduo deva submeter-se ao constrangimento de desnudar-se!
Curiosa é a preocupação com segurança manifestada pela parte autora, quando,
de antemão, é sabido que as revistas íntimas e vexatórias não produzem o resultado esperado
na totalidade das vezes, afinal é realizada por seres humanos e, portanto, sujeita a todos os
equívocos e entraves decorrentes da imperfeição que lhe é natural. O mesmo defeito,
entretanto, não se verifica no tocante às revistas mecânicas, que permitem com muito maior
credibilidade/menor falibilidade, a detecção e encontro de artigos proibidos. Sem pestanejar,
portanto, conclui-se que a medida antes de prejudicar a segurança, a reforça!
2.6 A tese alternativa: a declaração de inconstitucionalidade sem efeito
repristinatório:
Na eventualidade de ser acolhido o pleito inicial, considerando a argumentação
apresentada no item 2.5 – dando conta da desconformidade da prática estatal de outrora em
relação ao direito internacional dos direitos do homem – a Defensoria Pública requer seja
declarada a inconstitucionalidade sem pronúncia de invalidade, recusando-se qualquer
efeito repristinatório da situação antes verificada.
Com efeito, a referida técnica de decisão encontra expressa previsão no art. 27
da Lei 9.868/9914
, e deverá ter lugar toda vez que a retirada da norma do ordenamento
jurídico puder importar em resultado inconstitucional.
Sobre o tema, Gilmar Ferreira Mendes ensina que em alguma situações muitas
vezes não pode o Tribunal eliminar a lei do ordenamento jurídico. A preservação dessa
situação, sem qualquer ressalva poderá importar, outrossim, no agravamento do quadro, de
14 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal
Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou
decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que
venha a ser fixado.
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modo que se recomenda o congelamento da situação jurídica existente, até o pronunciamento
do legislador sobre a superação da situação inconstitucional15
.
Com efeito, se extirpada a Lei objurgada do ordenamento jurídico, corre-se o
risco de ressurgir o estado de coisas inconstitucional, o que produzirá resultado tão
inconstitucional quanto aquele provocado pela edição do ato legislativo.
Ademais, convém esclarecer que, no tocante a pessoas adultas privadas de
liberdade, a prática de revistas vexatórias foi proibida por decisão da 13ª. Câmara Cível desta
Corte de Justiça, em acórdão assim ementado:
Processo : 0008637-13.2015.8.19.0000
1ª Ementa - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. GABRIEL
ZEFIRO - Julgamento: 29/04/2015 - DECIMA TERCEIRA
CAMARA CIVEL
AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM QUE SE BUSCA A PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL A FIM DE QUE CESSEM AS REVISTAS
ÍNTIMAS VEXATÓRIAS NAQUELES QUE VISITAM OS
DETENTOS NO SISTEMA CARCERÁRIO DO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
INDEFERIDA NO PRIMEIRO GRAU. DECISÃO REFORMADA
POR MAIORIA. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA É
FUNDAMENTO DO ESTADO BRASILEIRO (ARTIGO 5º, INCISO
III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). É INADMISSÍVEL QUE,
POR AÇÃO OU OMISSÃO, OS AGENTES DO ESTADO POSSAM
EXPOR CIDADÃOS A SITUAÇÃO VEXATÓRIA, INDIGNA,
DESRESPEITOSA, COMO A DE OBRIGAR MULHERES A SE
DESPIREM E FICAREM DE CÓCORAS. COMO CONDIÇÃO
PARA VISITAREM SEUS ENTES QUERIDOS QUE SE
ENCONTRAM PRESOS. TAL EXIGÊNCIA, EM NOME DE UMA
15 Curso de Direito Constitucional (Paulo Gustavo Gonet Branco co-autor), 7ª edição
revista e atualizada, São Paulo: Sariava, 2012, p. 1427.
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SEGURANÇA QUE PODE SER BUSCADA POR MEIOS MAIS
INTELIGENTES E HUMANOS, É HUMILHANTE, E SE
DESINCOMPATIBILIZA COM A REGRA CONSTITUCIONAL
DE QUE NINGUÉM SERÁ SUBMETIDO A TRATAMENTO
DESUMANO OU DEGRADANTE (ARTIGO 5º, INCISO III, DA
CF). ALÉM DO MAIS, A PUNIÇÃO A QUE SE SUBMETE O
DETENTO NÃO PODE SER ESTENDIDA AOS SEUS ENTES
QUERIDOS, CONSOANTE O DISPOSTO NO ARTIGO 5º,
PARÁGRAFO XLV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
COMANDO JURISDICIONAL QUE DEVE MOSTRAR-SE
DIDÁTICO QUANTO À ADEQUAÇÃO DA CONDUTA
ESTATAL AOS DITAMES CONSTITUCIONAIS: O QUE É
PROIBIDO Pela presente decisão, fica proibida a revista íntima
vexatória nos visitantes dos presídios e casas de detenção do estado. O
QUE É PERMITIDO É permitido que os visitantes sejam submetidos
ao detector de metais, bem como à determinação de que exibam o que
trazem em bolsas, pastas, carteiras, mochilas etc. É permitida a revista
pessoal, não vexatória, consoante o previsto no artigo 244 do CPP,
que independe de mandado. É permitida a revista nos detentos, os
quais se encontram submetidos à disciplina carcerária, em obediência
às normas administrativas pertinentes.
Desse modo, se admitida a repristinação do estado de coisas, as pessoas em
condição peculiar de desenvolvimento serão tratadas de forma mais gravosa do que adultos, o
que provocará resultado absolutamente anti-isonômico.
3. PEDIDO
Ante o exposto, é a presente para requerer:
a) A habilitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro como
amicus curiae, na forma do art. 7°, § 2°, da Lei n. 9.868/1999;
b) Em consequência, a intimação da Defensoria Pública para acompanhar os
atos processuais a serem praticados;
c) Que o pedido formulado na presente representação não seja conhecido e,
ultrapassada as preliminares seja julgado improcedente, reconhecendo-se a
constitucionalidade da Lei 7.011/2015. Na eventualidade de ser acolhida a
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – Sede - Avenida Marechal Câmara, 314, Castelo, Centro,
CEP: 20020-080, Rio de Janeiro – RJ. Telefones: (21) 2332-6354/6190 /6224 Fax:2332-6217
representação, pugna-se pela utilização da técnica de declaração de
inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, obstando a repristinação
do estado de coisas inconstitucional, com fundamento no art. 27 da Lei
9868/99.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Rio de Janeiro, 06 de julho de 2015.
ANDRÉ LUIS MACHADO DE CASTRO
Defensor Público-Geral do Estado do Rio de Janeiro
EUFRÁSIA MARIA SOUZA DAS VIRGENS
Coordenadora da CDEDICA
ELISA COSTA CRUZ
Subcoordenadora da CDEDICA
RODRIGO AZAMBUJA MARTINS
Subcoordenador da CDEDICA