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1 Excelentíssima Senhora Desembargadora Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região Processo nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR Luiz Inácio Lula da Silva, apelante nos autos do processo em referência, por seus advogados, com fundamento nos artigos 994, inciso VIII, e 1.042, ambos do Código de Processo Civil, bem como no artigo 303, parágrafo único do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, vem interpor o presente agravo contra a decisão denegatória de recurso extraordinário proferida por Vossa Excelência (Evento 260), pelas razões a seguir expostas.

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Excelentíssima Senhora Desembargadora Vice-Presidente do Tribunal

Regional Federal da 4ª Região

Processo nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR

Luiz Inácio Lula da Silva, apelante nos autos do processo em

referência, por seus advogados, com fundamento nos artigos 994, inciso VIII, e

1.042, ambos do Código de Processo Civil, bem como no artigo 303, parágrafo

único do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, vem

interpor o presente agravo contra a decisão denegatória de recurso

extraordinário proferida por Vossa Excelência (Evento 260), pelas razões a seguir

expostas.

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O recurso é tempestivo, pois a r. decisão monocrática que

inadmitiu o recurso extraordinário foi disponibilizada em 22.06.2018 e não foi

publicada até a presente data. O agravante toma ciência da decisão agravada nesta

oportunidade.

Após regular processamento do agravo, requer-se sejam os

autos encaminhados ao Excelso Supremo Tribunal Federal, onde o Recurso

Extraordinário deverá ser conhecido, julgado e integralmente provido.

P. deferimento.

Porto Alegre, 25 de junho de 2018.

José Paulo Sepúlveda Pertence Cristiano Zanin Martins OAB/DF 578 OAB/SP 172.730

José Roberto Batochio Valeska Teixeira Z. Martins

OAB/SP 20.685

OAB/SP 153.720

Luiz Carlos Sigmaringa Seixas OAB/DF 814

Evandro Pertence OAB/DF 11.841

Manoel Caetano Ferreira Filho Luiz Carlos da Rocha

OAB/PR 8.749 OAB/DF 52.051

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Razões do agravante, Luiz Inácio Lula da Silva

Eminente Relator,

Egrégio Supremo Tribunal Federal,

A decisão que inadmitiu o Recurso Extraordinário

01. Em 23.04.0218 o ora agravante interpôs recurso extraordinário (e também

recurso especial) contra os acórdãos que julgaram as apelações e os embargos de

declaração opostos sucessivamente. As razões recursais demonstraram que tais

arestos contrariaram, de forma direta, os seguintes dispositivos constitucionais:

art. 5º, incisos XXXVII, XXXIX, XLV, XLVI, LIII, LIV, LV, LVII, XLV,

XLVI, LXVII; art. 37; art. 93, IX; art. 109, art. 127; e art. 129, I e II.

02. Em outras palavras, demonstrou-se nas razões recursais, com hialina clareza,

que os acórdãos recorridos contrariaram:

i. A garantia do juiz natural competente, pois permitiram a fixação da

competência do Juízo da 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba por

prevenção no âmbito da Operação Lava Jato sem a identificação de

qualquer valor proveniente de desvios de contratos firmados pela

Petrobras;

ii. A garantia do juiz natural imparcial, em seus aspectos subjetivo e

objetivo;

iii. A garantia da presunção de inocência, pois o agravante foi tratado

como culpado desde a fase pré-processual;

iv. A garantia da isenção e da impessoalidade dos membros do

Ministério Público, tendo o agravante sido tratado como inimigo da

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acusação pelos membros do Parquet que compõem a Força-Tarefa

Lava Jato;

v. As garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido processo

legal, pelo sistemático cerceamento de defesa;

vi. A garantia da legalidade estrita na seara criminal (nullum crimen

nulla poena sine lege);

vii. A garantia da fundamentação idônea para a condenação criminal;

viii. A garantia da individualização da pena;

ix. A vedação constitucional à prisão por dívida cível.

03. Entretanto, em 22.06.2018, às vésperas do julgamento de medida cautelar

ofertada perante o Supremo Tribunal Federal para atribuir efeito suspensivo a esse

recurso extraordinário (PET 7670), designado para a data de 26.06.2018, sobreveio

decisão proferida pela eminente Desembargadora Vice-Presidente do Tribunal

Regional Federal da 4ª Região, para inadmiti-lo.

04. Segundo essa decisão, o recurso extraordinário não mereceria trânsito porque

(a) encontraria óbice na Súmula 279/STF1, (b) objetivaria apreciação de ofensa

reflexa à Constituição Federal, e (c) também esbarraria na Súmula 284/STF2.

05. Com todas as vênias, a decisão de inadmissão não merece prosperar,

porquanto o recurso extraordinário preenche todos os pressupostos de

admissibilidade, não havendo incidência, no caso concreto, dos obstáculos

indicados pela Vice-Presidência do TRF4.

1 “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. 2 "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.

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06. As razões recursais demonstraram que os acórdãos recorridos contrariaram o

Texto Constitucional e que essa análise prescinde do reexame de provas, tratando-

se de controvérsias de direito e não de fato. Outrossim, as ofensas incidem

diretamente sobre a Lei Maior, violando frontalmente seus dispositivos. Por

último, as transgressões foram fundamentadas de forma clara, indicando à

saciedade e adequadamente a forma como os acórdãos recorridos contrariaram a

Lei Maior, não havendo qualquer prejuízo à compreensão das teses suscitadas.

07. Adiante, serão infirmados todos os fundamentos da decisão agravada,

demonstrando-se, minuciosamente, que o recurso extraordinário merece ser

admitido, processado e, ao final, provido para que sejam reconhecidas as inúmeras

ofensas diretas promovidas pelo acórdão do Tribunal de Apelação à Constituição

da República.

Não incidência da Súmula 279/STF

08. De acordo com a r. decisão agravada, não seria possível analisar a

contrariedade aos arts. 5º, incisos XXXIV, XXXVIII, XLVI, LIII e LVII; 37,

caput; 129, incisos I e II; 93, inciso IX, da Constituição Federal, tal como invocada

no bojo das razões do recurso extraordinário, porque incidiria — segundo a vice-

presidência do Tribunal Regional — o óbice previsto no verbete da Súmula

279/STF.

09. Segundo tal decisum, “o recurso não merece prosseguir porque o

acolhimento das teses levantadas pela defesa demandaria o revolvimento do

conjunto fático-probatório, o que é vedado no âmbito do recurso extraordinário,

nos termos da Súmula nº 279 do STF”.

10. Data venia, esse entendimento não poderá prevalecer.

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11. Com efeito, conforme demonstrado nas razões recursais, os acórdãos

proferidos pelo Tribunal de Apelação contrariaram os supramencionados

dispositivos constitucionais.

12. Não se busca no recurso extraordinário o revolvimento ao conjunto

fático-probatório, mas apenas a adequada valoração dos fatos e provas

reconhecidas de forma soberana pela base empírica dos arestos recorridos à luz dos

arts. 5º, incisos XXXIV, XXXVIII, XLVI, LIII e LVII; 37, caput; 129, incisos I e

II; 93, inciso IX da Constituição Federal.

13. Afinal, a vedação ao “reexame de prova”, tal como assentado na Súmula

279/STF, não significa que os tribunais superiores deverão ignorar os fatos da

causa. Os fatos incontroversos sobre os quais se manifestaram as instâncias

ordinárias são passíveis de conhecimento por esse Supremo Tribunal Federal,

sendo possível a atribuição a esses de uma nova consequência jurídica.

14. Como cediço, o recurso extraordinário pode envolver duas análises diversas.

O primeiro – juízo de cassação – refere-se à admissão do recurso, por meio do qual

se declara a ocorrência de violação à Lei Maior, de modo a desconstituir a decisão

recorrida. Já pelo segundo – juízo de revisão –, devolve-se toda a matéria discutida

ao Tribunal Superior para apreciação do mérito e rejulgamento da questão,

possibilitando, portanto, nesta etapa, até mesmo o reexame de provas.

15. Nesse sentido, ensinam NELSON NERY JR. e ROSA MARIA DE ANDRADE

NERY3:

O sistema brasileiro dos recursos excepcionais (RE, REsp e RR) confere dupla competência recursal ao tribunal ad quem (STF, STJ e TST), que

3 Nery Junior, Nelson. Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação

Extravagante. 10. ed. Ed RT, 2008

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tem, simultaneamente, competência para proferir os juízos de cassação e de revisão. Isso significa que o tribunal superior analisará, num primeiro momento, a regularidade da decisão judicial recorrida, proferindo juízo de cassação. Caso a decisão recorrida esteja incorreta, o tribunal superior dará provimento ao recurso e cassará a referida decisão porque, v. g., ofendeu a CF (RE e RR) ou negou vigência à lei federal (REsp e RR). Somente depois de haver dado provimento ao recurso excepcional, cassando a decisão judicial recorrida, é que o tribunal superior analisará, num segundo momento, o direito posto em causa, proferindo juízo de revisão, rejulgando a causa. (destacou-se).

16. Esse entendimento encontra respaldo não apenas na legislação e na doutrina,

como também na própria jurisprudência desse STF, como se verifica,

exemplificativamente, no julgado abaixo:

Por fim, não procede a crítica à técnica de julgamento empregada na decisão agravada. O inc. III do art. 102 da Constituição impõe que o Supremo julgue a causa por completo quando presentes as hipóteses de conhecimento do recurso extraordinário. Nessa linha, a Súmula 456/STF: o Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie. Portanto, descabida a pretensão do Estado de que se acolhesse seu recurso extraordinário unicamente porque o entendimento desta Corte difere do aplicado pela Corte de origem. A aplicação do direito fixado por esta Corte conduz à improcedência da demanda, o que pode e deve desde logo ser declarado por esta Corte (...)

Agravo regimental a que se nega provimento" (destacamos)4

17. A violação ao artigo 5º, incisos XXXVII, LIII, LIV, LV e LVII da Constituição

Federal é direta e não incide no óbice do verbete sumular 279/STF, já que, ao

contrário do que consta na decisão agravada, o recurso extraordinário em referência

busca, essencialmente, o reconhecimento da parcialidade do julgador pela teoria

objetiva da imparcialidade, que prescinde do vedado revolvimento ao conjunto

fático-probatório.

18. No que toca à ofensa ao postulado constitucional da não-culpabilidade,

também não procede a alegada necessidade de incursão no arcabouço

probatório, pois é possível observar que todas as circunstâncias que evidenciam 4 STF, RE 797294 AgR, Relator Teori Zavascki, Segunda Turma, julgamento em 24.2.2015, DJe de 10.3.2015)

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que o Agravante foi tratado como culpado desde a fase pré-processual estão

devidamente assentadas na base empírica dos acórdãos recorridos.

19. Ainda, sobre as alegadas ofensas ao art. 5º, LIV e LV, não procede a

afirmada incidência da Súmula 279/STF.

20. Com efeito, foi demonstrado no recurso extraordinário que, no curso da

instrução criminal, o Juiz (a) cerceou a defesa ao indeferir a produção de provas;

(b) deferiu a produção de prova documental sem conceder à defesa prazo

razoável para análise; (c) impediu arbitrariamente a gravação das audiências,

garantia processual que integra o conceito de ampla defesa; (d) indeferiu, a seu

talante, a inquirição das testemunhas a respeito de acordos de colaboração

premiada celebrados no exterior; (e) suprimiu a fase de diligências

complementares; (f), indeferiu a juntada de documentos colhidos em ação penal

supostamente conexa.

21. Todas estas restrições indevidas à ampla defesa e ao contraditório foram

confirmadas pelo acórdão condenatório e pelos acórdãos que julgaram os

embargos de declaração opostos na sequencia.

22. Por sua vez, o Tribunal local (g) na sessão de julgamento da apelação,

concedeu 20 minutos de sustentação oral ao Ministério Público, 10 minutos ao

assistente de acusação, e assegurou às defesas apenas 15, muito embora os

corréus, delatores informais, tenham na prática aderido ao polo ativo do feito

criminal; e (h) por ocasião de julgamento dos embargos de declaração, deixou de

considerar documentos relevantes e supervenientes apresentados pela Defesa,

alegando tão somente a ocorrência de preclusão consumativa.

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23. Em síntese, limitou-se sempre que possível o exercício da ampla defesa,

perpetuando a disparidade de armas entre esta e a acusação.

24. A respeito da desnecessidade do reexame de provas, é preciso enfatizar

que todas as circunstâncias que evidenciam as violações apontadas estão

devidamente assentadas na base empírica dos acórdãos recorridos. Confira-se:

a) Produção probatória Prova pericial “A prova pericial requerida é irrelevante à solução da controvérsia, em particular aquela destinada a identificar a origem dos recursos supostamente pagos a título de propina. Isso porque a inicial acusatória é cristalina ao indicar que a Construtora OAS mantinha um caixa geral para pagamento de propinas ao Partido dos Trabalhadores. Em certa medida, a denúncia é coerente com o contexto. A solicitação ou recebimento de vantagem indevida, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, ou aceitar promessa de tal vantagem (art. 317, CP), não pressupõe que o pagamento seja proveniente somente de recursos ilícitos”. Prova testemunhal “De igual modo, são impertinentes as testemunhas que nada acrescentam para a elucidação dos fatos. A defesa requereu a oitiva do Embaixador Paulo Cesar de Oliveira Campos, que tinha por finalidade demonstrar a atuação lícita, proba e ética do ex-Presidente em relação aos assuntos relacionados a Petrobras. Pretende a defesa, na verdade, tão somente trazer aos autos depoimento meramente abonatório a respeito da gestão do apelante à frente da Presidência da República, sem apontar, contudo, nenhuma pertinência do testemunho para com os fatos narrados na denúncia”. Provas documentais “Também não há ilegalidade no indeferimento de juntada de documentos relativos às missões empresariais realizadas pelo ex-Presidente entre os anos de 2003 e 2010, pois isso não desnatura ou modifica a compreensão com relação aos fatos imputados na acusação. É irrelevante, porque imprestável para aferir a legalidade do pagamento do acervo presidencial por empresa privada, saber, ainda, qual o tratamento jurídico dado por ex-Presidentes ao seus acervos. Para fins penais, não se questiona, como já assentado em HC nº 5042023-62.2016.4.04.0000/PR, a possibilidade de financiamento por empresas de projetos dessa espécie. Contudo, o que se discute não é a regularidade ou não da operação, mas sim em quais circunstâncias se deu o financiamento.

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(...) O mesmo se diga com relação aos projetos de lei apresentados pelo governante. A imputação é bastante específica e a prova requerida, além de ser pública e passível de obtenção pela própria defesa, é de duvidosa utilidade, assim como documentos referentes ao Tribunal de Contas, à Controladoria-Geral da União ou a Planner Trustee, no que pertine aos recursos disponibilizados pela OAS para construção e o empreendimento Solaris”. b) Gravação das audiências “Com efeito, não se verifica ilegalidade no indeferimento do pedido pelo juízo de primeiro grau. As gravações de audiência naquela instância já passam de uma década e, até hoje, nunca transitou por este Tribunal inusitado pedido, tampouco notícia de que a gravação oficial realizada pela Justiça Federal tenha sido prejudicial a algum réu. Apesar dos esforços argumentativos, não vejo como se aplicar subsidiária e indistintamente regras emprestadas, já que o Código de Processo Penal traz previsão própria a respeito do tema (art. 405), muito embora não desça às minúcias do Código de Processo Civil. Nessa perspectiva, deve-se ter cuidado com as tentativas de processualização civil do processo penal, já que, havendo disposição específica especial, não se aplica o CPC. Note-se que o juízo determinou a colocação de mais um equipamento de gravação, mas o fez por mera liberalidade, e não por supor alguma provável falha do sistema de gravações. A propósito, isso não ocorreu ao longo de toda 'Operação Lava-Jato' ou mesmo nos 197 (cento e noventa e sete) juízos criminais e cíveis de toda a 4ª Região; e não se tem relatos de prejuízos às partes”.

c) Indeferimento das questões formuladas às testemunhas “A defesa de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA alega cerceamento de defesa em razão do indeferimento de perguntas aos colaboradores, sustentando que o art. 203 do Código Penal estabelece o dever de a testemunha responder com a verdade. Como já referido, descabe à Corte Recursal sindicar toda a prova e, no caso, as declarações tomadas em juízo pelos colaboradores. Assim, o exame fica restrito aos depoimentos de Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, Eduardo Hermelino Leite, Pedro Barusco, Nestor Cerveró, Alberto Youssef, Milton Pascovitch e Fernando Antônio Falcão Soares, expressamente indicados nas razões de recurso (fls. 129-142). Afirma a defesa que as testemunhas acima referidas estão em fase de firmar ou já firmaram acordo de colaboração premiada no Brasil ou no exterior e que, portanto, não apresentam a isenção necessária de uma testemunha. Sem razão, contudo. Na verdade, a utilidade das declarações de colaboradores é questão a ser aferida quando do enfrentamento do mérito. Porém, anote-se que as perguntas indeferidas pelo juízo não dizem respeito aos fatos do processo. Todas elas trazem questionamentos a respeito de eventuais colaborações que estariam sendo entabuladas, o que, ao sentir da defesa, comprometeria a veracidade

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das afirmações dos depoentes, porque interessados em fazer prevalecer suas versões. De todo modo, argumentou a defesa, ainda, que o importante seria capturar a completude do ato judicial para observar as expressões faciais e corporais não somente do acusado, mas também do Parquet e, por que não, do Juízo. Ora, o Ministério Público Federal e o Juízo não são réus ou testemunhas do processo. Há, na verdade, excesso da defesa ao referir constrangimentos ilegais em desfavor do paciente, segundo entende, caracterizados por fatos absolutamente estranhos ao curso da ação penal”. d) Ausência de tempo para análise da documentação apresentada

tardiamente pela Petrobras “Recorrendo a uma breve retrospectiva, a impertinência da juntada de contratos e documentos não relacionados aos fatos imputados já havia sido objeto de controvérsia quando do exame das respostas à acusação e indeferida. Neste ponto, aliás, há aparente coincidência também com o objeto do HC nº 5002991-16.2017.4.04.0000/PR. A pretensão de prazo especial não inferior a noventa dias para o exame do material apresentado pela Petrobras carece de previsão legal. A documentação juntada em meio digital é inédita para todos os atores processuais (defesa, acusação e juízo). Não se desconsidera que a existência de milhares de páginas para exame demanda longo tempo, mas carece de razoabilidade a pretensão de sobrestamento da ação penal até a aferição da integralidade da documentação por ela própria solicitada, quando a inicial acusatória está suficientemente instruída”. e) Supressão da fase de diligências complementares “Afirma a defesa que houve 'supressão da fase de diligências complementares do art. 402 do CPP', em razão do indeferimento de diversas diligências complementares solicitadas pela defesa. Em regra, como já desenvolvido no item 2.4, cabe ao magistrado avaliar o cabimento de determinada diligência, porquanto submetida ao critério judicial de necessidade e relevância das provas (§ 1º do art. 400 CPP, na forma da Lei nº 11.719/08), não se confundindo o indeferimento de provas, notadamente após encerrada a instrução, com eventual supressão da fase do art. 402 do CPP”. f) Indeferimento da juntada de documentos da ação penal conexa “Pugnou a defesa a nulidade da ação penal em face do indeferimento da juntada de depoimentos prestados por Jorge Gerdau, Bruno Boetger, Pérsio Dangot, Glenn Mallett, João Paulo Torres, Patrícia Moraes, Graciema Bertoletti, Antonio Romualdo Galliez Pinto da Silva, Caio Scatamburlo Costa, Fábio Gabai Puga e Sérgio Spinelli Silva Júnior, porque seriam de extrema relevância para a discussão conduzida na presente ação penal. Aduz que 'em despacho proferido no dia 11.07.2017, o Juízo a quo indeferiu pedido formulado pelo Apelante que pugnou pela juntada de depoimentos tomados na ação penal conexa de autos nº 5063130-17.2016.4.04.7000/PR, sob a alegação de que '[d]escabe o pretendido nessa fase e os depoimentos referidos sequer são relevantes para o julgamento da presente”.

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g) Sustentação oral “Dr. CRISTIANO ZANIN MARTINS (TRIBUNA): Na verdade, colocaria uma questão adicional: temos aqui também acusados que aderiram à tese da acusação. Então, na somatória, teríamos aqui, ao menos, uma hora de sustentação oral de teses que dizem respeito à acusação. O que, a nosso ver, viola o princípio da paridade, que pressupõe a simetria do tratamento entre as partes. Então, se a defesa terá quinze minutos em contraposição a uma hora de teses de acusação, haveria, a nosso ver, afronta ao princípio da paridade de armas e, por essa razão, peço a V. Exa., peço à colenda Turma que defira um prazo igual à defesa ao tempo em que serão sustentadas as teses de acusação. Ou seja, se serão trinta mais quinze e outro quinze por um réu que aderiu à tese de acusação, a defesa pede para ter também o prazo de uma hora. Peço ainda, tendo em vista que a maior extensão da acusação recai sobre o apelante que eu represento, que eu possa ter a oportunidade de fazer uso da palavra em último lugar. Des. Federal LEANDRO PAULSEN (PRESIDENTE): Pois não. Doutor, por favor, peço que anuncie seu nome e em nome de quem fala. Dr. FERNANDO AUGUSTO HENRIQUES FERNANDES (TRIBUNA): Fernando Fernandes, pela defesa de Paulo Okamotto. Para contribuir com o julgamento e inserir todas as questões de ordem de uma só vez, tendo em vista que está inscrito para representar o réu Agenor o Dr. Luís, colega nosso, e tendo em vista que esse réu, na sentença, é registrado que colaborou com o Ministério Público, se requer em questão de ordem que se fale antes das demais defesas, porque não há uma congruência de fato, há uma proximidade do réu com a acusação e a defesa deveria, portanto, falar somente depois dessa defesa, que tem um papel misto. Des. Federal LEANDRO PAULSEN (PRESIDENTE): Excelências, a ordem dos trabalhos é muito simples e ocorrerá tal qual se dá em todos os processos desta Turma. Não teremos, como inferido, trinta minutos para o Ministério Público e mais quinze minutos para o assistente da acusação. O que ocorrerá, isso sim, é a divisão deste tempo entre o Ministério Público e o assistente de acusação. O Ministério Público falará vinte minutos e o assistente da acusação, outros dez, totalizando trinta minutos pela acusação. De outro lado, temos três advogados inscritos para falarem em favor da defesa. O conteúdo das falas de cada um desses advogados é da responsabilidade dos eminentes Patronos. O advogado Dr. Cristiano Zanin solicita que fale em último lugar; de outro lado, o advogado que se inscreveu em favor de Paulo Okamotto pede para falar logo no início das sustentações da defesa. Esses pleitos podem ser atendidos, não há problema algum, de modo que as sustentações da defesa se iniciarão pelo Dr. Luís Carlos Dias Torres, falando pelo apelante e apelado Agenor Franklin Magalhães Medeiros; na sequência, teremos a fala do Dr. Fernando Augusto Henriques Fernandes pelo apelante-apelado Paulo Okamotto; e então, por fim, o Dr. Cristiano Zanin, falando pelo apelante e apelado Luiz Inácio Lula da Silva. Todos com o prazo regulamentar integral de quinze minutos”.

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h) Desconsideração de documentos novos “Em petição acostada no evento 128 dos autos, em 26/02/2018, a defesa de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA apresenta declaração manuscrita de João Vaccari Neto que, segundo alega, desmente categoricamente as declarações de Léo Pinheiro. Diz que: 'Nela, João Vaccari aduz que jamais tratou de pagamentos de vantagens indevidas com Léo Pinheiro, muito menos que teria intermediado o afirmado acerto espúrio, em nome do Peticionário, para compensação de valores relativos ao apartamento 164-A (tríplex)'. (...) O Código de Processo Penal estabelece um rito a ser seguido nas ações penais, não havendo previsão de 'prazo eterno' para recursos, tampouco possibilita a juntada de provas em qualquer fase. No caso, a oportunidade para a oposição dos embargos de declaração se esgotou com o protocolo do recurso, em 20/02/2018, último dia de prazo, inexistindo qualquer peculiaridade que justifique a pretendida emenda da petição. Há, assim, clara preclusão consumativa. (...) Também em razão da preclusão consumativa, não merece ser conhecida a petição juntada ao evento 144 (vídeos no evento 145), na qual a defesa de LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA requer seja considerado o depoimento prestado por Márcio Faria da Silva prestado em ação penal correlata e a conversão do julgamento em diligência. (...) Com relação à eventual colaboração informal entre autoridades brasileiras e americanas, a tese é inusitada, fantasiosa e sem qualquer proveito para o processo. Não há um elemento concreto sequer nos autos - tampouco apontado pela defesa - que indique que o processo tenha sido maculado por provas trocadas entre Brasil e Estados Unidos da América. Novamente, se não for pelo amor à teoria das nulidades (item 2.6), cujos efeitos concretos carecem de demonstração e que, por isso, em nada aproveitaria à defesa, trata-se de tese que nada mais objetiva do que desacreditar toda a investigação e ampliar a discussão para questões estranhas à ação penal que ora se examina. Portanto, igualmente não merece ser conhecida a manifestação”.

25. A situação do Agravante, tal como reproduzida pela base empírica dos

acórdãos recorridos, evidencia o completo esvaziamento das garantias do

contraditório, ampla defesa e devido processo, estando-se diante de reiteradas

decisões arbitrárias que subtraíram do agravante o direito de exercer adequada e

amplamente a defesa técnica e a autodefesa.

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26. No que respeita às violações aos arts. 5º, incisos XLV e XLVI, e 93, IX,

ambos da Carta Política, tampouco existe a necessidade de nova incursão no

campo probatório, considerando que a contrariedade ao Texto Constitucional –

em todos os casos – é verificada também a partir da base empírica dos acórdãos

recorridos.

27. Com efeito, a decisão agravada decidiu pela inadmissibilidade do

recurso extraordinário também quanto a este ponto, assinalando que “a

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a análise dos

aspectos atinentes à dosimetria importa em reexame de matéria fático

probatória, encontrando óbice na Súmula 279, do STF, além de configurarem

ofensa reflexa ao texto constitucional, por demandarem o exame da legislação

infraconstitucional”.

28. A respeito da incidência da Súmula 279, com a devida vênia, equivocou-se

o Tribunal de Apelação, pois não se pretende ver reexaminadas provas no recurso

extraordinário interposto, tampouco matéria fática. Busca-se apenas a correta e

justa aplicação do dispositivo constitucional violado. A simples menção aos fatos

para fins de contextualização não implica na alegada pretensão de reexame de

matéria fato-probatória. A lei não se aplica no vácuo e a contextualização das

circunstâncias que conduziram as r. decisões que afrontam a Constituição se mostra

implacável.

29. Realmente, não se pretende verificar o acerto no cálculo da dosimetria, já

que isso poderia exigir a análise dos fatos e dos critérios estabelecidos para essa

finalidade no Código Penal. Entretanto, busca-se demonstrar que não há no texto

do v. acórdão uma só linha que possa sugerir o arbitramento da pena-base em

patamares tão superiores ao mínimo-legal. A garantia constitucional da

individualização da pena, nessa situação, mostra-se absolutamente desconsiderada.

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30. Portanto, para a constatação dessas violações constitucionais basta a simples

análise dos acórdãos recorridos — da base empírica definida de forma sobrenada

pela Corte de Apelação. Sua redação demonstrará de maneira suficiente a ausência

de fundamentação idônea capaz de justificar as penas impostas ao agravante, não

sendo necessário qualquer reexame fático-probatório para se chegar a essa

conclusão.

31. Ademais, enfrenta-se controvérsia essencialmente de direito. Afinal,

imprescindível que o Supremo Tribunal Federal decida: (a) se, para fins de fixação

da pena-base, a negativação de mais de uma circunstância judicial em razão de

um mesmo fundamento fático implica em violação ao princípio da individualização

da pena e da fundamentação idônea de decisões judiciais; bem como (b) se, a

majoração da pena em fração maior que 1/6 para cada circunstância judicial

desfavorável consubstancia infringência aos referidos princípios constitucionais

supramencionados.

32. Para a resolução das controvérsias supramencionadas, é desnecessária

qualquer análise do conjunto fático-probatório. Indubitável, destarte, a não

incidência do óbice prescrito no verbete sumular nº 279/STF.

Ofensa direta e não reflexa ao Texto Constitucional

33. Ainda de acordo com a decisão agravada a ofensa ao art. 5º, incisos

XXXVII, XXXIX, XLVI, LIII, LV e LVII, art. 93, inc. IX, e art. 109 da

Constituição Federal, tal como suscitado nas razões recursais, implicaria análise de

afronta reflexa à Constituição Federal:

Não merece trânsito a pretensão recursal no que concerne à alegação de violação ao princípio do Juiz natural, uma vez que tal exame depende da prévia análise das normas infraconstitucionais (...). ---------------------------------------------------------------------------------------------

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No que tange à suspeição do Juiz, tem-se que a ofensa aos dispositivos constitucionais invocados, ainda que fosse reconhecida, afetaria os preceitos constitucionais somente de modo indireto ou reflexo, cuja reparação é inviável em recurso extraordinário. --------------------------------------------------------------------------------------------- As violações à Constituição Federal apontadas pela defesa importam em revolvimento do conjunto fático-probatório. Além disso, é pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de ser inviável o exame de alegações aos princípios do acesso à justiça, da legalidade, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, quando imprescindível o exame de normas infraconstitucionais, por se tratar de ofensa meramente indireta ou reflexa às normas constitucionais. --------------------------------------------------------------------------------------------- O recorrente alega afronta ao princípio da legalidade (artigo 5º, inciso XXXIX, da CF) uma vez que foi condenado por receber a vantagem consistente no imóvel, mas o aresto reconhece textualmente que ele nunca teve a propriedade ou posse, isto é, que o bem nunca ingressou em sua esfera patrimonial, sendo atípica a sua conduta. Argumenta que, ao condenar o recorrente com base em inferências alheias à imputação, empregou-se indevidamente a Teoria do Domínio do Fato, “para que ele fosse publicamente enxovalhado e, ao final, julgado, não com base em ato comissivo ou omissivo inerente à função, mas, sim, pela teórica influência do Presidente da República nas nomeações da Petrobrás, em violação ao artigo 29, do Código Penal". Com relação ao delito de lavagem de dinheiro, aduz que a conduta considerada típica pelo Tribunal Regional, se tivesse ocorrido, quando muito, caracterizaria exaurimento do delito de corrupção a ele imputado. (...) [A]s violações apontadas, ainda que fossem reconhecidas, não importariam em ofensa direta ao texto constitucional. --------------------------------------------------------------------------------------------- No que concerne aos aspectos da dosimetria, que nos dizeres do recorrente acabaram por vulnerar o princípio da individualização da pena (artigo 5º, inciso XLVI, da CF), igualmente não merece trânsito a pretensão recursal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a análise dos aspectos atinentes à dosimetria importa em reexame de matéria fático-probatória, encontrando óbice na Súmula nº 279, do STF, além de configurarem ofensa reflexa ao texto constitucional, por demandarem o exame da legislação infraconstitucional. --------------------------------------------------------------------------------------------- Por fim, no que tange à alegação de que a aplicação do artigo 387, inciso IV, do CPP, nos termos em que procedida, se mostra incompatível com o artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, igualmente não há ofensa direta a ensejar a admissibilidade recursal também neste ponto.

34. Com o devido respeito, também não pode prevalecer esse entendimento.

17

35. Conforme já assentou esta Excelsa Corte, quando a discussão jurídica tratada

em recurso extraordinário se centra, essencialmente, na violação de direitos

fundamentais, ainda que normas infraconstitucionais estejam sendo igualmente

violadas, não se está discutindo violação constitucional reflexa, mas sim

descumprimento direto da Lei Maior, conforme dispôs o STF, em voto de lavra

do eminente Ministro Gilmar Mendes:

“Por essas razões, procura o Tribunal formular um critério que limita a impugnação das decisões judiciais mediante recurso constitucional. Sua admissibilidade dependeria, fundamentalmente, da demonstração de que, na interpretação e aplicação do direito, o Juiz desconsiderou por completo ou essencialmente a influência dos direitos fundamentais, que a decisão se revela grosseira e manifestamente arbitrária na interpretação e aplicação do direito ordinário ou, ainda, que se ultrapassaram os limites da construção jurisprudencial. Não raras vezes, observa a Corte Constitucional que determinada decisão judicial afigura-se insustentável, porque assente numa interpretação objetivamente arbitrária da norma legal.”5 (destacou-se)

36. O que se pretende, em sede recursal a esta Corte Constitucional, não é a

simples análise de normas infraconstitucionais violadas, mas que se combata

decisão manifestamente arbitrária na interpretação e aplicação do direito,

vulnerando as garantias constitucionais do agravante.

37. É facilmente perceptível que não há pretensão de analisar normas

infraconstitucionais que versam sobre competência, mas tão somente que se avalie

se o direito fundamental do acusado de ser julgado por tribunal competente —

e não por um juízo de exceção — foi observado pelos vv. acórdãos recorridos.

38. A garantia do juiz natural, com a consequente vedação à criação de juízo ou

tribunal de exceção, que resulta no direito fundamental de a pessoa ser julgada pelo

5 ARE 748371/MT – RG, Relator Min. Gilmar Mendes, j. em 07.06.2013.

18

órgão jurisdicional legalmente competente e previamente definido como tal, está

positivada na Constituição da República no art. 5º, incisos XXXVII e LIII6.

39. O recurso extraordinário versa também sobre violação direta e inequívoca de

preceito constitucional ao dispor que a Justiça Federal é materialmente

incompetente para julgar o agravante. A violação alegada neste caso diz respeito

única e exclusivamente ao art. 109, da Constituição da República.

40. Para aferir a violação direta do aresto aos artigos 5º, XXXVII e LIII, e 109,

da Constituição Federal não há necessidade de qualquer exame da legislação

infraconstitucional, mas apenas do Texto Constitucional, que define com densidade

suficiente os critérios de competência no âmbito da Justiça Federal.

41. Descabido ainda suscitar os acórdãos proferidos por esta corte suprema no

julgamento do ARE 1027785 AgR na tentativa de reforçar a decisão agravada.

42. Bem diferente é a situação destes autos, em que o próprio juiz de primeiro

grau reconheceu não haver identificado qualquer recurso de contratos da Petrobras

dirigido ao agravante — premissa fundamental para a fixação da competência

da 13ª. Vara Federal Criminal segundo os critérios estabelecidos por este

Sodalício no julgamento da QO/Inq. 4.130.

43. Com efeito, a situação destes autos é marcada pelo reconhecimento do

próprio juiz de primeiro grau da total ausência de qualquer recurso de

contratos da Petrobras que tenha sido dirigido ao agravante — afastando

6 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; (...)LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

19

qualquer situação apta a justificar a competência, por conexão, da Justiça Federal

de Curitiba a partir dos critérios afirmados por esta Corte na citada QO/Inq. 4.130.

44. Ademais, considerou-se que a apreciação da ofensa à garantia da

imparcialidade do juiz seria inviável em sede de recurso extraordinário porque as

violações, caso ocorridas, importariam em ofensa reflexa à Constituição Federal.

45. Entretanto, com o devido acatamento, a decisão agravada está equivocada.

Houve violação direta à Constituição da República. É imprescindível colacionar,

aqui, trecho do voto do Ministro CELSO DE MELLO, no Habeas Corpus nº 95.5818/PR,

em que destacou o direito fundamental de qualquer pessoa a ser julgada por um juiz

ou por um tribunal imparcial, discussão tomada em sede constitucional:

“O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Parece-me, em face dos documentos que instruem esta impetração e da sequência dos fatos relatados neste processo, notadamente do gravíssimo episódio do monitoramento dos Advogados do ora paciente, que teria ocorrido, na espécie, séria ofensa ao dever de imparcialidade judicial, o que se revelaria apto a caracterizar transgressão à garantia constitucional do ‘due process of law’.” (...) O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Peço vênia para deferir o pedido e, em consequência, invalidar o procedimento penal, pois tenho por gravemente ofendida, no caso em exame, a cláusula constitucional do devido processo legal, especialmente se se tiver em consideração o comportamento judicial relatado na presente impetração. Na realidade, a situação exposta nos autos compromete, segundo penso, o direito de qualquer acusado ao ‘fair trial’, vale dizer, a um julgamento justo efetuado perante órgão do Poder Judiciário que observe , em sua conduta, relação de equidistância em face dos sujeitos processuais, pois a ideia de imparcialidade compõe a noção mesma inerente à garantia constitucional do ‘due process of law’.”

“(...) Tenderia a extrair desses fatos demonstrados nos autos esta ofensa, transgressão do dever total da imparcialidade. Interesse pessoal que o magistrado revela em determinado procedimento persecutório, adotando medidas que fogem da ortodoxia dos meios, que o ordenamento positivo coloca a disposição do Poder Público. Transformando-se a atividade do Magistrado numa atividade de verdadeira investigação penal, quer dizer o Magistrado investigador.

20

(...) Agora a questão da fundamentação, vi as decisões muito bem fundamentadas, mas o que me preocupa não é a questão da fundamentação em si mas os atos praticados pelo magistrado, a sua conduta, a conduta que ele revelou ao longo deste procedimento. Qualquer que venha a ser a decisão, não importa, no caso houve condenação inclusive penal mas o fato é o seguinte nós não estaríamos validando um comportamento transgressor de prerrogativas básicas consagradas não apenas na nossa Constituição mas em Declarações de Direitos promulgadas no âmbito global pelas Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana de 1948, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, a Carta Europeia de Direitos Fundamentais de 2000, quer dizer esses são documentos da maior importância que cristalizam conquistas inestimáveis das pessoas em sua luta permanente contra a ação expansiva do Poder e o Direito Público subjetivo de qualquer pessoa sob investigação de ser julgada por um Tribunal absolutamente imparcial, não apenas independente mas sobretudo imparcial. Este juízo de valor, este juízo axiológico é determinante na constatação de eventual transgressão a garantia do devido processo, e eu tenderia a extrair desses comportamentos que infelizmente são comportamentos que as vezes tendem a se tornar recorrentes, o STF já se defrontou no Plenário da Corte com comportamento muito grave de determinado Juiz Federal da 1 subseção judiciária de São Paulo, não é simplesmente transformando a sua Vara num verdadeiro feudo imune a ação das leis, da Constituição da República e até mesmo as manifestações decisórias emanadas do TRF da 3ª região, do STJ e finalmente do STF, esse é claro um comportamento pontual, comportamentos marginais, comportamentos excepcionais que devem ser profligados, censurados e que felizmente não compõe o cotidiano da atividade dos magistrados e tribunais deste país mas de qualquer maneira são condutas graves, eu não questiono a honorabilidade dos magistrados em questão, não é esse o tema, o que eu ponho em destaque é exatamente o Direito Fundamental de qualquer pessoa independentemente da natureza do delito que lhe haja sido imputado de ser julgada por um juiz ou por um tribunal imparcial. Essa é uma prerrogativa básica, essencial. É uma garantia fundamental e inerente à cláusula constitucional do devido processo e a mim me parece considerados os documentos que instruem a esta impetração e toda essa sequência de fatos e relatos de condutas, me leva a deslumbrar uma grave ofensa ao dever de imparcialidade do Poder Judiciário, de qual maneira que eu tenderia a deferir o pleito reconhecendo a nulidade”.7 (destacou-se)

7 Este trecho do voto do Ministro Celso de Mello não consta na íntegra do voto, de modo que foi possível obtê-la através da transcrição do áudio da sessão de julgamento. Publicado pelo canal do Conjur no YouTube. < https://www.youtube.com/watch?v=VUa7u-HVTMA> Acesso em jun. 2018.

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46. Consigne-se que as razões do recurso extraordinário, orientada pela base

empírica dos acórdãos recorridos, evidenciam (i) uma série de “pré-juízos

contaminantes” que o magistrado de 1º grau proferiu durante a fase investigatória; (ii)

sua animosidade com relação à Defesa do agravante; (iii) sua retratação social como

oponente do agravante; (iv) e ainda sua sistemática participação em eventos de cunho

político e organizados por adversários do agravante — tudo a indicar a perda da

imparcialidade subjetiva e objetiva.

47. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal possui relevante precedente

em que o Ministro Cezar Peluso, em seu voto-vista, aplicou a teoria da

imparcialidade objetiva: Habeas corpus 94.641-1/BA, (rel. Ministro Joaquim

Barbosa):

“Caracteriza-se, portanto, hipótese exemplar de ruptura da situação de imparcialidade objetiva, cuja falta incapacita, de todo, o magistrado para conhecer e decidir causa que lhe tenha sido submetida, em relação à qual a incontornável predisposição psicológica nascida de profundo contato anterior com as revelações e a força retórica da prova dos fatos o torna concretamente incompatível com a exigência de exercício isento da função jurisdicional. Tal qualidade, carente no caso, diz-se objetiva, porque não provém de ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados jurídicos na causa, sejam partes ou não (imparcialidade dita subjetiva), mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição que irá o juiz desenvolver na causa, no sentido de que não haja ainda, de modo consciente ou inconsciente, formado nenhuma convicção ou juízo prévio, no mesmo ou em outro processo, sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte jurídica da lide por decidir”.

48. Estando o magistrado julgador destituído da necessária imparcialidade para

julgar o agravante, há violação direta dos seguintes dispositivos constitucionais,

todos afetados, em maior ou menor medida, pela ausência de imparcialidade do

juiz: artigo 5º, incisos XXXVII e LIII da CF (juiz natural e imparcial), devido

processo legal (art. 5º, LIV da CF), contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV da CF) e

presunção de inocência (art. 5°, LVII da CF).

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49. Além de ser julgado por juiz incompetente e parcial, o agravante foi

subtraído de seus direitos fundamentais a não culpabilidade presunção de

inocência, tendo sido tratado como culpado desde a fase pré-processual.

50. Dentre as violações retratadas no recurso, merece destaque a condução

coercitiva imposta ao Agravante — a despeito dele jamais ter se recusado a prestar

um depoimento — e a autorização judicial para que houvesse a divulgação de

conversas telefônicas interceptadas em ramais usados pelo agravante, envolvendo

diálogos com agentes políticos (a então Presidente da República também foi

alcançada por tal decisão de primeira instância), com colaboradores, amigos,

familiares e até mesmo com seus advogados.

51. Embora a decisão agravada cite a referida controvérsia8 suscitada pela

Defesa, não há qualquer fundamentação a respeito de sua admissibilidade. Apenas

mencionou-se a tese, sem haver, contudo, apreciação efetiva da violação direta à

Constituição.

52. O Supremo Tribunal Federal reconheceu, no julgamento das ADPF 395 e

444, que a condução coercitiva de investigado para interrogatório não se

compatibiliza com a Constituição Federal, dentre outras razões, porque despoja o

investigado da presunção de inocência.

53. Conforme voto do eminente ministro Celso de Mello no julgamento em

questão:

8 Em suas razões recursais, sustenta a defesa que os acórdãos recorridos contrariaram, de forma direta, os seguintes dispositivos constitucionais: (i) artigo 5º, incisos XXXVII, XXXIX, XLV, XLVI, LIV, LV, LVII, XLV, XLVI, LXVII, (ii) artigo 37; (iii) artigo 93, IX; (iv) artigo 109 e (v) 129, I e II, especificando as supostas ofensas nos seguintes termos: (...) c) violação ao princípio que consagra a presunção de inocência, tendo o agravante sido tratado como culpado desde a fase pré-processual, em afronta ao princípio insculpido no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal;

23

“Tenho para mim que se revela inadmissível, sob perspectiva constitucional, a possibilidade de condução coercitiva do investigado, do indiciado ou do réu, especialmente se se analisar a questão sob a égide da própria garantia do devido processo legal, inclusive da prerrogativa contra a autoincriminação, dos direitos que dela resultam e da presunção de inocência”. (destacou-se)

54. Anteriormente, no julgamento de medida cautelar nestas ADPF, o ministro

Gilmar Mendes observou:

“Quanto à presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF), seu aspecto relevante no caso é a vedação de tratar pessoas não condenadas como culpadas. A condução coercitiva consiste em capturar o investigado ou acusado e leva-lo sob custódia policial à presença da autoridade, para ser submetido a interrogatório. A restrição temporária da liberdade mediante condução sob custódia por forças policiais em vias públicas não são tratamentos que normalmente possam ser aplicados a pessoas inocentes. O investigado conduzido é claramente tratado como culpado”. (destacou-se)

55. Ante a declaração da incompatibilidade desse instituto com a Constituição

Federal, impossível considerar que a ofensa do acórdão recorrido à presunção de

não culpabilidade seria meramente reflexa.

56. Quanto à ocorrência de violação direta à Constituição Federal por violação

ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, tem-se que, embora

existam restrições consideráveis à admissibilidade de recursos extraordinários

nessas matérias, este Excelso Supremo Tribunal Federal reconhece que tais

entraves não são absolutos, comportando certa flexibilidade.

57. Este entendimento foi assentado no já citado julgamento do ARE 748371 –

RG. Naquela oportunidade, esta Corte assentou que, excepcionalmente, nas

situações em que se constatar o “manifesto esvaziamento do princípio”, cabível sua

admissão pela via do recurso extraordinário:

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“Relembro que a ampla defesa possui densidade constitucional, portanto admite, em situações excepcionais de manifesto esvaziamento do princípio, o acesso à jurisdição desta Suprema Corte, por meio de recurso extraordinário. (...) Sua admissibilidade dependeria, fundamentalmente, da demonstração de que, na interpretação e aplicação do direito, o Juiz desconsiderou por completo ou essencialmente a influência dos direitos fundamentais, que a decisão se revela grosseira e manifestamente arbitrária na interpretação e aplicação do direito ordinário ou, ainda, que se ultrapassaram os limites da construção

jurisprudencial.”9

58. O precedente se aplica integralmente ao caso concreto. A situação retratada a

exaustão nas razões recursais indicam o completo esvaziamento das garantias do

contraditório, ampla defesa e devido processo, estando-se diante de reiteradas

decisões arbitrárias, que subtraíram do agravante o direito de exercer adequada e

amplamente a defesa técnica e a autodefesa.

59. Com relação à violação da garantia da legalidade estrita na seara criminal,

esta Corte Constitucional reconheceu a existência de repercussão geral para discutir

a atipicidade da conduta descrita no artigo 50 do Decreto-Lei 3.688/1941 (Lei das

Contravenções Penais). Ora, se foi reconhecida a repercussão geral do tema,

parece evidente que foi igualmente aferida a violação direta à Constituição.

Confira-se:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRAVENÇÃO PENAL. ARTIGO 50 DO DECRETO-LEI 3.688/1941. JOGO DE AZAR. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TIPICIDADE DA CONDUTA AFASTADA PELO TRIBUNAL A QUO FUNDADO NOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS. ARTIGOS 1º, IV, 5º, XLI, E 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. QUESTÃO RELEVANTE DO PONTO DE VISTA ECONÔMICO, POLÍTICO, SOCIAL E JURÍDICO. TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.10

9 ARE 748371/MT – RG, Relator Min. Gilmar Mendes, j. em 07.06.2013. 10 RE 966177 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 03/11/2016.

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60. Nesta oportunidade, consignou o Ministro Marco Aurélio: “O princípio

constitucional da legalidade, a encerrar homenagem à segurança jurídica,

conduz a concluir-se pela repercussão geral da matéria e, assim, pela sequência

do extraordinário”.

61. No mesmo sentido, foi reconhecida repercussão geral para apreciar a

tipicidade das condutas descritas no artigo 233 do Código Penal e do artigo 19 da

Lei de Contravenções Penais, tudo à luz do princípio da legalidade:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 233 DO CP. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. QUESTÃO JURÍDICA QUE TRANSCENDE O INTERESSE SUBJETIVO DA CAUSA. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL E PELA REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA.11 --------------------------------------------------------------------------------------------- CONSTITUCIONAL. PENAL. ART. 19 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS. PORTE DE ARMA BRANCA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PENAL. ANÁLISE SOBRE A OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE DA CONDUTA DESCRITA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. Questão relevante do ponto de vista social e jurídico.12

62. Ainda merece atenção o reconhecimento de repercussão geral no RE

640.139, em que foi reafirmada a jurisprudência da Corte asseverando-se que “o

princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança

aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de

ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo

agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os

limites subjetivos das partes”13 (destacou-se)

11 RE 1093553 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 29/03/2018. 12 ARE 901623 RG, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 22/10/2015 13 RE 640139 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 22/09/2011, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO.

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63. A partir da observação de todos estes precedentes, conclui-se que a ofensa ao

princípio da legalidade importa em violação direta ao Texto Constitucional, de

forma que a discussão sobre a adequação típica de condutas pode ser realizada por

meio de recurso extraordinário.

64. Por fim, não merece prosperar a decisão de inadmissão do recurso na parte

em que considera que a dosimetria da pena não poderia representar violação direta

da Constituição da República. Ao contrário, este Supremo Tribunal Federal

reconhece a possibilidade de violação direta da garantia da individualização da

pena.

65. Como demonstrado nas razões recursais, as violações a dispositivos legais na

dosimetria fizeram com que a pena fosse artificialmente elevada em quase quatro

vezes acima do mínimo, evidenciando que o rigor do Tribunal Regional se deu para

evitar a prescrição da pretensão punitiva, em manifesto desacordo com a reiterada

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal14.

66. Além disso, em irresignação muito semelhante à contida nas razões do

recurso extraordinário deste agravante, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a

repercussão geral de recurso extraordinário com agravo no qual o mesmo elemento

de convicção deu respaldo à exasperação da pena em mais de uma fase da

dosimetria. Considerou-se que houve bis in idem na fixação da pena:

14 “HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO QUALIFICADO TENTADO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO EXCESSIVA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. MATÉRIA ARGUIDA ORIGINARIAMENTE NESTA CORTE. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (...) III – No caso, a fixação do quantum da pena-base em 4 (quatro) anos – o dobro do mínimo abstratamente previsto para o furto qualificado – se fez de modo genérico, a partir de valores subjetivos abstratos, sem referir-se às circunstâncias do caso concreto, utilizando-se, até mesmo, do núcleo do tipo penal – e qualificadoras – imputado ao paciente para, assim, estabelecer as consequências e a circunstâncias do crime. Nulidade. IV – Não conhecimento do writ. Ordem concedida de ofício para determinar ao juízo de origem que proceda à nova dosimetria da pena, sem prejuízo da condenação imposta ao paciente” (STF. HC 117.001, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 24.9.13).

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“Recurso extraordinário com agravo. Repercussão Geral. 2. Tráfico de Drogas. 3. Valoração da natureza e da quantidade da droga apreendida em apenas uma das fases do cálculo da pena. Vedação ao bis in idem. Precedentes. 4. Agravo conhecido e recurso extraordinário provido para determinar ao Juízo da 3ª VECUTE da Comarca de Manaus/AM que proceda a nova dosimetria da pena. 5. Reafirmação de jurisprudência. (...) No presente caso, o Juiz de 1º grau, ao realizar a fixação da pena, levou em consideração a quantidade e a natureza da droga tanto na primeira quanto na terceira fase da dosimetria para elevar a pena do recorrente, o que é vedado nos termos da jurisprudência desta Corte. Assim, manifesto-me pela existência de repercussão geral da questão constitucional debatida e pela reafirmação da jurisprudência desta Corte, de modo a fixar o entendimento no sentido de que as circunstâncias da natureza e da quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena.”15

67. Além disso, a dosimetria da pena já foi objeto de outros recursos

extraordinários que tiveram sua repercussão geral reconhecida, como se verifica

abaixo:

“CRIMINAL - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL - PROCESSOS EM CURSO - PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE - ALCANCE. Possui repercussão geral controvérsia sobre a possibilidade de processos em curso serem considerados maus antecedentes para efeito de dosimetria da pena, ante o princípio da presunção de não-culpabilidade.”16

68. A toda evidência, a ofensa ao princípio da individualização da pena,

especialmente quando se está diante de fixação de reprimenda manifestamente

arbitrária, é frontal à Lei Maior.

69. Por fim, o acórdão recorrido, ao impor a reparação dos danos fixados na

sentença como condição para a progressão de regime, estabeleceu uma modalidade

15 RE 666334 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 03/04/2014. 16 RE 591054 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 23/10/2008.

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indireta de prisão por dívida civil, vedada pelo Texto Constitucional. O art. 5º,

inciso LXVII estabelece que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do

responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação

alimentícia e a do depositário infiel”. Não pode a prisão — ou a sua manutenção

—, por outro lado, ser meio de coação para o pagamento de suposto dano arbitrado

pela sentença condenatória — de natureza cível.

70. Notório que se trata de incompatibilidade frontal com o Texto

Constitucional.

71. Em relação à suposta existência de tese firmada pelo STF a respeito do

tema, verifica-se que o precedente invocado Tribunal Regional17 se trata, em

verdade, de caso isolado que não foi julgado à luz do mecanismo da repercussão

geral. É dizer, por ser precedente que produziu efeitos meramente inter partes e não

erga omnes (como seria em sede de repercussão geral), não pode obstar a

apreciação deste relevante fundamento do recurso extraordinário pela Excelsa

Corte. Em suma, não há jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal

sobre o tema.

72. Ressalte-se, ainda, que naquela oportunidade o Min. Marco Aurélio divergiu

da corrente majoritária para reconhecer a inconstitucionalidade do § 4º do art. 33 do

Código Penal, por incompatibilidade com o art. 5º, LXVII da CF:

“Presidente, tenho enormes dificuldade em conciliar a parte penal, no que envolvida a liberdade de ir e vir, com a que se pode apontar como cível, que é a referente à liquidação dos danos causados – e já disse aqui que o Estado ainda não se movimentou para buscar, por meio próprio – que é o Judiciário – essa reparação. Não consigo conceber que se condicione a progressão no regime de cumprimento da pena à questão alusiva à reparação do dano. A pena envolve a liberdade de ir e vir. A reparação do dano pode até alcançar – e

17 EP 22 ProgReg-AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2014

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pela Constituição alcança, na extensão do benefício, direito dos sucessores – o patrimônio. A mesclagem é impropria. Reconheço que se deve atingir a parte mais sensível do corpo humano, que parece ser, ao que tudo indica no contexto vivenciado, o bolso, mas para chegar-se a esse resultado não se pode desconhecer princípios ligados à individualização da pena, em termos de recuperação, de ressocialização, de abrandamento no cumprimento, presente o instituto da progressão” (destacou-se)

73. Portanto, há violação direta da garantia constitucional do art. 5º, LXVII,

sendo tese eminentemente de direito e que precisa ser pacificada por essa Suprema

Corte.

Da não incidência da súmula nº 284/STF

74. Nas razões do recurso extraordinário, aduziu o agravante, de forma

fundamentada, a ofensa ao art. 37, caput, da Carta Magna, pois, a despeito de a

Constituição da República determinar que a conduta dos membros do Ministério

Público deve ser pautada pelos valores da impessoalidade e seriedade, ao exercer a

titularidade da ação penal, foi ele tratado, desde o início da persecução penal, como

um verdadeiro inimigo — com culpabilidade firmada e definida.

75. Consoante já salientado, concluiu a decisão agravada que “[o] acesso às

chamadas instâncias extraordinárias detém a precípua finalidade de estabilização

e uniformização do sistema, pela adequada aplicação e interpretação das normas

legais e constitucionais. Desta forma, o discurso retórico, sem a precisa indicação

das violações aos dispositivos supostamente violados, não perfaz a imprescindível

tecnicidade demandada pelos recursos excepcionais” e, por isso, incidiria o óbice

insculpido na Súmula 284/STF, a qual dispõe que "é inadmissível o recurso

extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata

compreensão da controvérsia".

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76. Tal acepção, concessa venia, é evidentemente descabida.

77. Importante salientar neste ponto que embora não se possa exigir

imparcialidade do dominus litis, deve-se demandar, em relação ao Ministério

Público, impessoalidade e serenidade no exercício acusatório — de modo a

garantir que o acusado, durante o processo criminal, tenha seus direitos e garantias

fundamentais respeitados, incluindo-se o inafastável direito de ser presumido

inocente.

78. Nessa linha, a pretensão ventilada em sede extraordinária encontra amparo

na jurisprudência da Suprema Corte que, na autorizada voz de seu decano, já

assentou que “[o] Ministério Público está vinculado aos fatos e à busca de uma

decisão justa, não à peremptória opinião pessoal de determinado agente18”.

79. A título de reforço, pertinente demonstrar que a vulneração ao dispositivo

constitucional indicado, além das consequentes transgressões aos direitos

fundamentais do agravante, acarretados por atos deliberados dos agentes do

Parquet, teve repercussão mundial — como se verifica na aberrante entrevista

coletiva convocada à época do oferecimento da exordial acusatória.

80. Incontestável, pois, reconhecer que a tese aqui tratada foi devidamente

fundamentada, não se podendo invocar o óbice da Súmula 284/STF.

Da inequívoca repercussão geral

81. Oportuno sucintamente discorrer, ainda que em sede de agravo, acerca da

inequívoca presença da repercussão geral de cada uma das teses aventadas no apelo

raro.

18 STF, HC 102.147/GO, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 03.02.2011.

31

82. Nessa toada, cabe a essa Suprema Corte interromper o que, de excepcional,

parece ter-se tornado cotidiano: a usurpação de competência, de juízos de outros

foros e de diferentes esferas do Poder Judiciário, pelo Juízo da 13ª. Vara Federal

Criminal de Curitiba.

83. A incapacidade e o desinteresse do Tribunal a quo em perquirir fundamento

legítimo para afirmar a competência do juízo de origem emergem com nitidez. O

Tribunal Regional ratificou a usurpação de competência do juiz de primeiro grau

com base na genérica narrativa do Ministério Público Federal a respeito de

supostos delitos que não integram a imputação e com ela não possuem relação

direta.

84. Certo é que a delimitação da competência da Justiça Federal pelo artigo 109

da Constituição da República e a consequente competência residual da Justiça

Estadual são matérias essencialmente – e não indiretamente – constitucionais, de

modo que é inequívoco o cabimento do recurso extraordinário.

85. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu, por exemplo, a

repercussão geral de causa envolvendo a definição de competência para processo e

julgamento de crime ambiental de exportação ilegal de animais silvestres, em

razão da potencial transnacionalidade do delito, a qual depende, como se sabe, da

ocorrência de atos de preparação ou execução no exterior (art. 109, V, CR/88)19.

86. Em outro processo criminal, relatado pelo eminente Ministro Luiz Fux e que

envolvia a “interceptação, por terceiros, de comunicações de dados e telemáticas

de sistemas mantidos por entes públicos federais”, o STF reconheceu a natureza

constitucional e a repercussão geral da “fixação de competência do juízo para

19 ARE 737.977-RG, Min. Luiz Fux, DJe de 10.5.13.

32

conhecer e julgar a ação penal”.20

87. Trecho do acórdão da origem transcrito no aresto proferido por essa corte

suprema revela a pertinência do precedente ao caso dos autos: segundo constou da

ementa, “o crime atribuído ao réu, ora paciente, limita-se, segundo a exordial

acusatória, a surtir efeitos sobre particulares, de forma a não justificar a

competência da Justiça Federal, na hipótese descrita no artigo 109, IV, da CF”.

88. Em outros precedentes, cíveis, mas também relevantes para o tema em

discussão, esse Supremo Tribunal admitiu a repercussão geral de “controvérsia

acerca da competência para processar e julgar pedido formalizado pela União, na

qualidade de terceira interessada em relação ao processo originário, voltado a ver

rescindida decisão prolatada por juiz estadual” 21; fê-lo também a respeito da

competência da Justiça Federal para julgamento de mandado de segurança

impetrado contra ato de sociedade de economia mista22. Assentou, ainda, que

“possui repercussão geral a controvérsia alusiva à competência para processar e

julgar as ações de insolvência civil nas quais haja interesse da União, entidade

autárquica ou empresa pública federal, considerado o preceito do artigo 109,

inciso I, da Constituição Federal”23.

89. Já no julgamento de embargos de declaração no RE 808.513, relativo a

pensionistas de ex-funcionários da FEPASA, incorporada pela Rede Ferroviária

Federal S.A., o Supremo Tribunal declarou a incompetência da Justiça Estadual e

20 RE 626.531-RG, Min. Luiz Fux, DJe de 10.5.13.

21 RE 598.650-RG, Min. Marco Aurélio, DJe de 5.2.15.

22 RE 726.035-RG, Min. Luiz Fux, DJe de 2.5.14.

23 RE 678.162-RG, Min. Marco Aurélio, DJe de 19.11.15.

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determinou a remessa dos autos à Justiça Federal, depois de reconhecer a usurpação

de função desta por aquela24.

90. Portanto, a (in)competência, da Justiça Federal ou da Justiça Estadual, assim

como a usurpação de função de uma pela outra, possuem natureza constitucional

— com inequívoca repercussão geral — uma vez que a afirmação inválida de

competência atinge o arcabouço judiciário.

91. Além disso, esse caso envolve a notória e confessa tendência absorvente do

Juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, e foi deflagrado no contexto da midiática

sequência de eventos denominada Operação Lava Jato, possivelmente o coletivo

de processos judiciais mais rumoroso da história do País, o que evidencia a

relevância política, social e jurídica das questões constitucionais aqui arguidas25.

92. O que está em discussão é a impossibilidade de restrição da garantia de um

julgamento justo, imparcial e independente. Tal garantia representa fundamento,

legitimidade e pressuposto lógico de toda relação processual. Direito natural

secularizado que é condição para a legitimidade da atuação do Poder Judiciário.

93. Ademais, a solução do processo transcende a subjetividade das partes, por

envolver a aplicação – ou melhor, a restrição indevida – das mais relevantes

garantias constitucionais individuais, tais como o contraditório, a ampla defesa, a

presunção de inocência, ou, em resumo, o devido processo legal.

94. A discussão vertida no recurso extraordinário em tela é tema de amplo

24 Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 13.4.16.

25 Código de Processo Civil/2015 Artigo 1.035: “§ 1o Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo”.

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debate nacional e até mesmo de pesquisas de opinião pública que indicam,

majoritariamente, que a condenação do agravante pela Justiça Federal de Curitiba,

secundada pelo TRF4, abalaram a própria imagem do Poder Judiciário brasileiro26.

95. É pertinente, nesse sentido, a decisão do Supremo Tribunal na Questão de

Ordem no AI 664.567:

“o RE busca preservar a autoridade e a uniformidade da inteligência da Constituição, o que se reforça com a necessidade de repercussão geral das questões constitucionais nele versadas, assim entendidas aquelas que ‘ultrapassem os interesses subjetivos da causa’. Trata-se de decisão vaga e genérica, que não abordou a prestação jurisdicional solicitada, devendo ser, portanto, cassada. Nessa esteira, o entendimento do eminente Ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 838.857: “a exigência do art. 93, IX, da Constituição não impõe seja decisão exaustivamente fundamentada. O que se busca é que o julgador informe de forma clara e concisa as razões de seu convencimento.” (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 06.09.2007).

96. Por tudo isso, está devidamente caracterizada a relevância e transcendência

das questões constitucionais apontadas, de modo que deve ser reconhecida presente

a repercussão geral no recurso extraordinário.

Conclusões

97. Vê-se, por todo o exposto, que o recurso extraordinário manejado pelo

agravante preenche todos os requisitos de admissibilidade, não havendo qualquer

óbice constitucional, legal ou sumular para o seu processamento, ao contrário do

que consta na r. decisão agravada.

26 https://jornalggn.com.br/noticia/para-maioria-condenacao-de-lula-foi-politica-revela-cut-vox-populi

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98. Requer-se, dessa forma:

(i) seja o Ministério Público Federal intimado para oferecer

resposta no prazo de 15 (quinze) dias, na forma do art. 1.042,

§3º, do CPC;

(ii) seja proferido juízo de retratação, de forma a admitir o recurso

extraordinário em tela, determinando-se a remessa dos autos

ao Supremo Tribunal Federal;

(iii) caso assim não se decida, sejam os autos remetidos ao

Supremo Tribunal Federal, que deverá prover o agravo para o

fim de determinar o processamento do recurso extraordinário.

P. deferimento.

Brasília, 25 de junho de 2018

José Paulo Sepúlveda Pertence Cristiano Zanin Martins

OAB/DF 578 OAB/SP 172.730

José Roberto Batochio Valeska Teixeira Z. Martins OAB/SP 20.685

OAB/SP 153.720

Luiz Carlos Sigmaringa Seixas

OAB/DF 814 Evandro Pertence OAB/DF 11.841

Manoel Caetano Ferreira Filho Luiz Carlos da Rocha

OAB/PR 8.749 OAB/DF 52.051