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3875 EVOLUÇÃO DO DIREITO DE EMPRESA E ELEMENTO DE EMPRESA * EVOLUTION OF COMMERCIAL LAW AND FIRM ELEMENT Clélio Gomes dos Santos Júnior RESUMO A empresa ainda não encontra uma definição uníssona na doutrina. As divergências de entendimento se refletem na caracterização do empresário e na identificação do não- empresário. Uma noção fundamental para o entendimento dessa diferenciação está no elemento de empresa, pouco tratado pela doutrina e ainda não enfrentado pela jurisprudência. Esta indefinição traz uma forte lembrança do sistema francês dos atos de comércio. Do velho círculo vicioso citado por Fran Martins: “(comerciante é a pessoa que pratica atos de comércio; atos de comércio são os praticados pelos comerciantes)”, agora ganha nova fórmula: empresário é quem exerce a atividade econômica sob a forma de empresa; empresa é a atividade exercida pelo empresário. O artigo tem o objetivo de fornecer algumas contribuições para a definição da empresa, em busca da correta caracterização do empresário e da sociedade empresária, por meio da compreensão da expressão elemento de empresa presente no art. 966, parágrafo único, do Código Civil brasileiro. PALAVRAS-CHAVES: DIREITO EMPRESARIAL, EMPRESA, ELEMENTO DE EMPRESA. ABSTRACT The firm does not find just one definition in doctrine. Differences of understanding are reflected in the characterization of the entrepreneur and the identification of non- entrepreneur. A fundamental notion for the understanding of this differentiation is the firm element, not faced by the doctrine and in precedents. This uncertainty brings a strong reminder of the French system of the acts of trade. The old vicious circle mentioned by Fran Martins: "(trader is the person performing trade acts, trade acts are committed by traders), now gets new formula: the entrepreneur is the person who has the firm; firm is the activity performed by the entrepreneur. The article aims to provide some contributions to the definition of the firm, seeking the correct characterization of entrepreneurs, through the understanding of the firm element, included in art. 966, paragraph, of the Brazilian Civil Code. KEYWORDS: COMMERCIAL LAW, FIRM, FIRM ELEMENT. * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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EVOLUÇÃO DO DIREITO DE EMPRESA E ELEMENTO DE EMPRESA*

EVOLUTION OF COMMERCIAL LAW AND FIRM ELEMENT

Clélio Gomes dos Santos Júnior

RESUMO

A empresa ainda não encontra uma definição uníssona na doutrina. As divergências de entendimento se refletem na caracterização do empresário e na identificação do não-empresário. Uma noção fundamental para o entendimento dessa diferenciação está no elemento de empresa, pouco tratado pela doutrina e ainda não enfrentado pela jurisprudência. Esta indefinição traz uma forte lembrança do sistema francês dos atos de comércio. Do velho círculo vicioso citado por Fran Martins: “(comerciante é a pessoa que pratica atos de comércio; atos de comércio são os praticados pelos comerciantes)”, agora ganha nova fórmula: empresário é quem exerce a atividade econômica sob a forma de empresa; empresa é a atividade exercida pelo empresário. O artigo tem o objetivo de fornecer algumas contribuições para a definição da empresa, em busca da correta caracterização do empresário e da sociedade empresária, por meio da compreensão da expressão elemento de empresa presente no art. 966, parágrafo único, do Código Civil brasileiro.

PALAVRAS-CHAVES: DIREITO EMPRESARIAL, EMPRESA, ELEMENTO DE EMPRESA.

ABSTRACT

The firm does not find just one definition in doctrine. Differences of understanding are reflected in the characterization of the entrepreneur and the identification of non-entrepreneur. A fundamental notion for the understanding of this differentiation is the firm element, not faced by the doctrine and in precedents. This uncertainty brings a strong reminder of the French system of the acts of trade. The old vicious circle mentioned by Fran Martins: "(trader is the person performing trade acts, trade acts are committed by traders), now gets new formula: the entrepreneur is the person who has the firm; firm is the activity performed by the entrepreneur. The article aims to provide some contributions to the definition of the firm, seeking the correct characterization of entrepreneurs, through the understanding of the firm element, included in art. 966, paragraph, of the Brazilian Civil Code. KEYWORDS: COMMERCIAL LAW, FIRM, FIRM ELEMENT.

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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1 - Introdução

Com o advento do Código Civil de 2002 o direito comercial completou um ciclo de evolução iniciado no século XX, pós Revolução Industrial. Trata-se da adoção da empresa como categoria fundamental do denominado direito de empresa.

A importância do fenômeno empresa pode ser ilustrada pelas lições de Fábio Konder Comparato e Rubens Requião, nas seguintes palavras:

“Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa.”[1]

“A idéia de empresa, como categoria fundamental do direito comercial, já se impôs nos estudos da disciplina jurídica e nos pronunciamentos jurisprudenciais de nossos tribunais.”[2]

Não obstante ser comum a exaltação da empresa como categoria fundamental do novo direito de empresa, a doutrina ainda não alcançou um consenso sobre o seu conceito.

As divergências na definição da empresa refletem desacertos na caracterização do empresário e na identificação do não-empresário, principalmente quando a atividade econômica é desenvolvida de forma coletiva, por uma sociedade. E para piorar, permanece indefinida na doutrina, e quase esquecida, a noção de elemento de empresa, fundamental para a correta caracterização do empresário e da sociedade empresária, enfim, para a delimitação do âmbito de incidência do novo direito de empresa.

Toda essa indefinição remete o estudioso a uma forte lembrança do sistema francês dos atos de comércio. O velho círculo vicioso, citado por Fran Martins, volta à tona: “(comerciante é a pessoa que pratica atos de comércio; atos de comércio são os praticados pelos comerciantes)”[3], agora sob nova fórmula: empresário é quem exerce a atividade econômica sob a forma de empresa; empresa é a atividade exercida pelo empresário.

Estas intrincadas questões dividem a doutrina, geram dúvidas na interpretação e na aplicação do direito de empresa e contribuem para o enfraquecimento da instituição social mais influente da civilização contemporânea – a empresa.

Este estudo tem o objetivo de fornecer algumas contribuições para a definição da empresa, em busca da correta caracterização do empresário e da sociedade empresária, bem como da compreensão da expressão elemento de empresa presente no art. 966, parágrafo único, do Código Civil brasileiro.

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2 - A evolução do direito comercial para o direito de empresa

O direito comercial surgiu como um conjunto de normas consuetudinárias aplicáveis apenas aos comerciantes matriculados nas corporações de artes e ofícios – guildas. Neste período, que vai do século XII ao XVIII, o direito comercial é o direito de uma classe social, ou melhor, profissional. Criado pelos comerciantes e para reger as suas relações nos mercados e nas feiras[4], esta primeira fase é chamada pela doutrina de direito comercial subjetivo[5]. O interesse em criá-lo foi essencialmente econômico, para afastar do mercado o direito romano e a jurisdição comum[6]. Para tanto, foi necessário forjar um conjunto de regras próprias, especiais ao comércio, aplicadas por uma jurisdição também própria, os cônsules.

Nesse período, a matéria comercial era definida em razão da pessoa do comerciante e só compreendia os mercadores matriculados nas corporações de ofício, o que imprimia um caráter bastante restritivo ao direito, pois a matrícula nas corporações dependia de uma relação duradoura e de confiança, estabelecida entre os mestres e seus aprendizes.[7]

Esse direito de classe vigorou até a Revolução Francesa, mais precisamente, até junho de 1.791, quando a Lei Le Chapelier, visando o ideal de liberdade e igualdade, extinguiu as corporações de ofício e proibiu a formação de qualquer associação profissional.

A partir daí se iniciou o segundo período, com a promulgação do Code de Commerce francês de 1807, encomendado por Napoleão Bonaparte. O direito comercial passou a ser o conjunto de normas jurídicas escritas – código – aplicáveis aos atos de comércio. Só então o direito comercial deixou de ser um direito de classe e passou a reger as relações de todos aqueles que faziam da prática dos atos de comércio a sua profissão habitual. Esta fase é conhecida como direito comercial objetivo[8].

No segundo período, acima mencionado, a matéria comercial passou a ser definida pelo rol de atos de comércio disposto no art. 632 do Code de Commerce, e reproduzido no Brasil pelo art. 19 do Reg. 737 de 1850[9].

Entretanto, a teoria dos atos de comércio não encontrava fundamentação científica na doutrina. Era taxada de artificial, principalmente por manter uma dicotomia que não mais existia no mercado, entre o ato de comércio e o ato civil. João Eunápio Borges comenta que já na redação do Código, os comerciantes convidados pelo Imperador preferiram não incluir um rol de atos de comércio, relegando-o para o Regulamento 737, promulgado no mesmo ano de 1850. Assim, o direito material ficaria imutável no Código, uma aspiração oitocentista, enquanto o direito processual poderia evoluir. Isso ocorreu de fato, pois o Reg. 737 foi revogado logo em 1875.[10]

Com efeito, a teoria dos atos de comércio excluía os negócios imobiliários, a prestação de serviços e o produtor rural do âmbito de incidência do Código Comercial. Estas atividades eram tratadas como atos civis e ficavam à margem do direito comercial e de institutos importantes como a falência e a concordata, a proteção do nome empresarial,

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da escrituração, do ponto comercial pela renovatória de locação, dentre outros mais específicos.

Em verdade, nunca houve razão jurídica alguma para a exclusão destas atividades do direito comercial. A exclusão dos negócios imobiliários, operada pelo art. 121 do Código Comercial e pelo art. 19, §1o, do Regulamento 737, era explicada com base na noção de que os atos de comércio promoviam a circulação física de mercadorias (coisas móveis), mas, nunca convenceu. A exclusão do produtor rural era explicada com base no conceito de Alfredo Rocco[11] e na idéia de que o comerciante só praticava atos de intermediação entre a produção e o consumo, destinados ao mercado, e não ao consumo próprio, mas, também não demonstrava nenhuma coerência científica.

Tanto que a doutrina precisou construir a teoria da vis atractiva do direito comercial, tão artificial quanto a teoria dos atos de comércio, para defender que a prática de um ato civil (produção), aliada a um ato de comércio preponderante (intermediação), atraía estas atividades para o seu âmbito de incidência[12]. Mais plausível é a explicação de Fábio Ulhoa Coelho, que vislumbra uma verdadeira luta de classes – nobreza feudal vs. burguesia – na formação da teoria dos atos de comércio.[13]

Quanto à prestação de serviços, a exclusão era fundamentada na idéia de que a intermediação da força de trabalho[14] não configurava ato de comércio, já que o trabalho não é mercadoria. A explicação histórica também é a única que convence, além de ser mais simples. É que o rol de atos de comércio foi desenvolvido em 1807, e a prestação de serviços surgiu bem depois, com a abolição da escravatura[15]. No Brasil, o rol do Regulamento 737 data de 1850, enquanto que a abolição da escravatura só ocorreu em 1888. Data venia, esta é a única explicação plausível para a ausência de previsão expressa da prestação de serviços no rol dos atos de comércio dos códigos oitocentistas, não obstante a corretagem, a comissão e o transporte estarem presentes.

Em suma, a teoria dos atos de comércio limitava a matéria mercantil aos casos definidos em lei. O direito comercial incidia sobre os atos de comércio, arrolados no art. 632 do Código francês e no art. 19 do Regulamento 737, no Brasil.

No sistema objetivo, as sociedades que tinham por objeto social a compra e venda e/ou locação de imóveis, a construção civil ou a incorporação imobiliária, bem como a prestação de quaisquer serviços, ficavam à margem do direito comercial. Seu registro era civil, sua escrituração informal, e sua condição não lhe atribuía direitos como o nome comercial, o ponto e a renovatória da locação, a falência e a concordata.

É claro que a adoção da teoria dos atos de comércio representou uma ampliação do campo de incidência do direito comercial, pois admitiu o acesso de qualquer pessoa ao mercado, não apenas daquelas matriculadas nas antigas corporações.

Contudo, já nasceu divorciada da realidade econômica do século XIX.

Isto porque a atividade econômica privada sofreu o grande impacto da Revolução Industrial[16]. O modo de produção artesanal cedeu lugar às organizações.

A Revolução deu origem, do século XIX em diante, à sociedade de massa, urbana e consumista, que demanda uma produção em escala cada vez mais organizada, ao estilo

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do fordismo. Esta organização precisava ser apreendida e regulada pelo direito comercial, pois o modelo varejista dos atos de comércio[17] não atendia mais.

Nesse ambiente econômico, pós-revolução industrial, se desenvolveu a teoria da empresa, como uma nova tentativa de ampliação do direito comercial, agora para aceitar um novo modo de produção - a economia de mercado, ou a economia das organizações.

Com a positivação da teoria da empresa no Codice Civile de 1942, a teoria dos atos de comércio foi completamente abandonada. O comerciante foi substituído pelo empresário e a sociedade comercial pela sociedade empresária. Porém, esta substituição operou uma grande ampliação do âmbito de incidência das normas jurídicas especiais, para abarcar atividades antes excluídas e para acompanhar a evolução da economia de mercado.

No Código Civil italiano, o empresário foi definido no art. 2.082 e a atividade empresarial no art. 2.195. O primeiro artigo traça o conceito geral de empresário, o segundo prevê um rol de atividades consideradas empresárias[18].

Sob forte influência do diploma italiano, a teoria da empresa foi consolidada no Brasil, pelo advento do Código Civil de 2002. Não obstante, a teoria já havia sido bastante difundida na legislação e na doutrina pátrias.

Em verdade, a teoria dos atos de comércio começou a perder o prestígio no Brasil em 1875, quando o Decreto Imperial 2.662 revogou o Regulamento 737 de 1850. A partir daí, o desenvolvimento da atividade econômica privada provocou, aos poucos e de forma silenciosa, a derrogação gradual do Código Comercial de 1850.

São exemplos do extermínio gradual da teoria dos atos de comércio: o Decreto 434 de 1891, que tratou da sociedade anônima, considerada comercial qualquer que seja o seu objeto; a promulgação do Código Civil de 1916, que dispôs exaustivamente sobre os prazos de prescrição, as obrigações e os contratos, relegando o Código Comercial às matérias não reguladas naquele, em exemplo vivo de dessuetude; o Decreto 3.708 de 1919, que trouxe a sociedade por cotas, de responsabilidade limitada, tipo utilizado pela sociedade comercial e também pela sociedade civil, em outro exemplo vivo de dessuetude, pois os tipos previstos no Código Comercial de 1850 foram completamente abandonados; o Decreto 1.608 de 1939, que promulgou o Código de Processo Civil, unificou o direito processual e a jurisdição civil e comercial, em uma jurisdição comum; as sucessivas leis sobre os títulos de crédito, que revogaram suas respectivas disposições no Código Comercial (Decreto 2.044/1908, revogado pela Lei Uniforme de Genebra – Decreto 57.663/66; Lei 5.474/68, alterada em 1969, para prever a duplicata de prestação de serviços; Lei 7.357/85); a inclusão da Incorporação Imobiliária no regime do direito comercial, operada pela Lei 4.591/64; a extensão da ação renovatória (idealizada como proteção do ponto comercial) para a indústria e sociedades civis, operada pela Lei 8.245/91; a alteração do Registro do Comércio para o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, operada pela Lei 8.934/94, com a previsão do nome empresarial e sua proteção estendida para sociedade civis; a Lei de Franquia Empresarial - Lei 8.955/94; a Propriedade Industrial, regulada pela Lei 9.279/96, sem distinção da proteção entre comerciantes e não comerciantes; o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, inaugurado pela Lei 9.317/96 e pela Lei

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9.841/99, hoje revogadas pela Lei Complementar 123/2006, com a previsão de um regime diferenciado e favorecido, tanto para comerciantes como para não comerciantes.

Toda essa evolução gradual já apontava para o abandono da teoria dos atos de comércio e adoção da teoria da empresa, para abarcar a atividade econômica desenvolvida por organizações que ficavam à margem do direito comercial objetivo, como a atividade imobiliária, a prestação de serviços e a atividade rural, esta por opção.

Outro exemplo disso está na concessão de concordata preventiva a pecuaristas, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na década de 80, em adesão expressa à tese de doutoramento do saudoso Professor Willie Duarte Costa[19].

Mas a verdadeira importância desta evolução está na adoção de um novo paradigma de regulamentação da atividade econômica privada, pouquíssimo divulgado pela doutrina. É que, sob a égide do Código Comercial de 1850, a matéria comercial era descrita na lei, especificamente no rol de atos de comércio promulgado pelo Regulamento 737. E todos os atos não descritos nesse rol constituíam a matéria civil.

Atualmente, sob a égide do Código Civil de 2002, a matéria empresarial abrange toda a atividade econômica privada presente na economia de mercado, exceto a atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, e desde que não constitua elemento de empresa. Portanto, o âmbito de incidência do direito de empresa é substancialmente mais amplo e abrangente, se comparado aos sistemas anteriores.

Cumpre observar que o legislador brasileiro não impôs balizas à caracterização da atividade econômica privada como empresária. Antes, respeitou o critério econômico da organização dos fatores de produção, como unidade técnica, constituída com a finalidade de fornecer bens e serviços no mercado. Ficou excluída apenas a atividade intelectual desenvolvida de forma artesanal (não organizada), sempre regulada por lei específica e subordinada a um órgão de classe[20], que não admite a lógica da economia de mercado, baseada unicamente na ética empresarial do lucro[21].

A propósito, nosso Código Civil não previu nenhum rol de atividades empresárias, sequer de cunho exemplificativo, como fez o legislador italiano no art. 2.195 do Códice Civile. Isto reforça a tese da abrangência de toda a atividade econômica privada no âmbito do direito de empresa.

Conclusão: antes a matéria comercial era definida em lei e a matéria civil era residual; hoje a matéria empresarial engloba toda a atividade econômica privada exercida no mercado, com exceção das atividades de natureza intelectual, expressamente afastadas pelo art. 966, parágrafo único, do Código Civil, e desde que sejam desenvolvidas de forma artesanal, pois, se absorvidas como elemento de empresa, voltam para nosso direito especial.

Partindo desse estudo sistemático, pode-se compreender que o conceito de empresário é que deriva da noção de empresa, e não o contrário, como a doutrina em direito comercial e de empresa tem amplamente divulgado. Isto porque a noção de empresa é mais ampla e abrangente que o conceito legal de empresário e/ou de sociedade empresária.

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A partir desta noção é possível estudar a caracterização do empresário e da sociedade empresária e a identificação do não empresário e da sociedade não empresária.

3 – O empresário e a sociedade empresária

Rubens Requião noticia que a exposição de motivos (Relazione) do Código Civil italiano explicava que “o Código não dá a definição de empresa, mas a sua noção resulta da definição do empresário.”[22]. Aqui se encontra o início do equívoco na conceituação e na caracterização do empresário, que constitui a proposta de reflexão do presente estudo.

Com base na exposição de motivos do Codice Civile, a doutrina passou a desenvolver a noção de empresa, sempre buscada a partir do conceito de empresário.

E para desmistificar o conceito de empresário advogado pela doutrina, considerado restritivo no presente estudo, propõe-se primeiro uma definição de empresa, e só a partir dela, a construção do empresário, da sociedade empresária e do elemento de empresa.

O vocábulo empresa deriva do latim – prehensus – e significa empreender, praticar, atividade dirigida à realização de um objetivo.[23] A sua origem é geralmente identificada com a época das grandes navegações – mercantilismo – em que era corrente a idéia do lucro como prêmio pelos riscos enfrentados naquelas empresas.

A primeira apreensão do termo pelo direito se deu com a introdução das empresas de manufaturas, de comissão, de transporte por terra e água, de fornecimento e outras, no rol dos atos de comércio enunciado no art. 632 do Code de Commerce.

Por influência do código napoleônico, o Regulamento 737 previu que: “Considera-se mercancia: (...) §3º as empresas de fábricas, de comissões, de depósito, de expedição, consignação e transporte de mercadorias, de espetáculos públicos;”

Ainda na teoria dos atos de comércio a doutrina entendia que empresa era a prática de atos de comércio coordenados, em massa. Esta concepção ainda pode ser encontrada na doutrina francesa, do que é exemplo Jean Escarra, citado por Rubens Requião, visto que na França ainda está em vigor o vetusto Code de Commerce de 1808.

No entanto, o uso da palavra empresa tornou-se corrente a partir do século XIX – pós revolução industrial – com o desenvolvimento do capitalismo de mercado.

Mas em 1909, antes mesmo do Codice Civile, escrevendo sobre os atos objetivos de comércio, Vivante já demonstrava certa atualização da noção de empresa:

“Negócios sobre o trabalho. - Estes negócios assumem um caráter mercantil quando são exercidos por empresas, que coordenam sistematicamente as forças de

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produção humanas, mecânicas e animais a fim de transformarem as matérias primas, ou as já elaboradas, em novos produtos, assumindo o risco de que a própria atividade e as despesas não encontrem uma compensação adequada (...)”.[24]

Nesta linha, Vivante já admitia que “(...) as especulações comerciais sobre imóveis (por ex., as empresas construtoras de casas) (...)” e os “Negócios sobre trabalho.” constituíam matéria mercantil, disciplinada pelo direito comercial objetivo.

Apresentando a evolução da noção de empresa, Rubens Requião cita que Giuseppe Valeri a decompôs em quatro elementos: organização, atividade econômica, fim lucrativo e profissionalidade, para lançar o feliz conceito: “(...) empresa é a organização da atividade econômica destinada à produção de bens ou de serviços, realizada profissionalmente.” [25]

O problema é que esta noção não foi bem compreendida pela doutrina, que buscou definir organização – dos fatores ou meios de produção – como a atividade exercida pelo empresário.

Em verdade, a organização deve ser entendida como organismo ou unidade técnica de produção, conceito que sempre foi utilizado pelos economistas. A noção de organização aqui defendida se refere ao novo modo de produção da economia de mercado, que congrega os fatores de produção de forma coesa, dentro de uma unidade de produção, e que se contrapõe ao modo de produção anterior, que buscava os mesmos fatores de forma dispersa no mercado, num modelo individual, artesanal, manufatureiro, varejista.

O comerciante, que na primeira fase deveria estar matriculado nas corporações de ofício, na segunda fase deveria fazer da mercancia a sua profissão habitual, agora passa a ser visto como o titular da organização. O empresário é quem congrega os fatores de produção, formando e conduzindo a organização como uma unidade técnica de produção.

Logo, qualquer pessoa que se propõe a organizar os fatores de produção, para o abastecimento do mercado, deve ser caracterizada como empresário. Por isso o título de empresário tem uma conotação muito mais ampla do que a doutrina tem divulgado, já que qualquer organização voltada para o mercado tem, na sua condução, a pessoa do empresário.

E para demonstrar de vez a amplitude do tema empresa e o caráter restritivo da noção de empresário advogada pela doutrina, cumpre fazer menção ao artigo de Alberto Asquini, originalmente intitulado Profili dell’impresa e publicado em 1943.

Neste artigo, Asquini sustenta que a empresa é um fenômeno econômico poliédrico, apreendido pelo direito sob diversos perfis. No campo econômico, este fenômeno é conceituado como “(...) toda organização de trabalho e de capital tendo como fim a produção de bens ou serviços para troca.”[26] No campo do direito, o fenômeno econômico pode assumir quatro perfis: subjetivo, funcional, objetivo e corporativo. No aspecto subjetivo, a empresa identifica-se com o empresário. No aspecto funcional, a empresa é vista como a atividade exercida pelo empresário. No aspecto objetivo, a

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empresa confunde-se com o estabelecimento. E no corporativo, a empresa é vista como instituição – organização de pessoas com um fim comum.

Os perfis de Asquini foram inspirados na observação da legislação italiana, que menciona a palavra empresa em vários textos, ora num perfil, ora em outro, de acordo com o interesse tutelado (o empresário, a atividade, o estabelecimento ou a corporação). A observação de Asquini é plenamente válida e aplicável no Brasil.

É o que se vê no art. 2o da CLT, ao dispor que “(...) empregador é a empresa, individual e coletiva (...), na intenção de possibilitar a responsabilização direta de qualquer pessoa, física ou jurídica, que venha a exercer, como titular, a empresa.

O perfil subjetivo foi apreendido de forma deliberada pela CLT, nos artigos 10o e 448, que tratam da sucessão trabalhista, pois a interpretação sistemática da CLT sempre quis atrelar as relações de trabalho à organização, independentemente de quem seja o seu titular, tudo para preservar os direitos dos trabalhadores.[27]

E para não limitá-lo ao direito do trabalho, é importante observar que o perfil subjetivo também é apreendido pela Constituição da República de 1988, ao tratar, no art. 173, do regime jurídico da empresa pública; e pela Lei de Proteção da Concorrência (Lei no 8.884/94), ao tratar, nos artigos 17 e 23, da responsabilidade solidária e da cominação de penas à empresa, respectivamente.

O perfil funcional, defendido por toda a doutrina em direito empresarial, é visto a partir do conceito de empresário, lançado no art. 966 do Código Civil de 2002. Data vênia, a noção é limitada, parcial, capaz de explicar apenas um dos lados deste fenômeno poliédrico que é a empresa. Por isso deve ser evitada, sob pena de incorrer na mesma artificialidade antes vivida sob a égide da teoria dos atos de comércio.

Exemplo do perfil funcional está no art. 974 do Código Civil, que trata da possibilidade do incapaz “(...) continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor da herança.” O artigo tem por fim a proteção da empresa enquanto atividade do empresário, que por fato superveniente da vida se tornou incapaz, ou faleceu, deixando herdeiros que possam dar continuidade à organização.

O perfil objetivo – ou patrimonial – aparece no art. 677 e seguintes do Código de Processo Civil, na figura “Da Penhora, do depósito e da administração de empresa e de outros estabelecimentos”, que tem por fim o recebimento de um crédito por meio da administração judicial do estabelecimento empresarial ou não empresarial, conforme o executado seja empresário ou não, sem cessar a sua atividade econômica.[28]

O perfil corporativo, que deve ser entendido na atualidade como institucional, parece previsto no art. 7o, inc. XI, que trata da participação dos empregados nos lucros e na gestão da empresa, bem como no art. 11, que trata da eleição de representante para promover o entendimento direto dos empregados com os empregadores, ambos da Constituição da República de 1988. Neste perfil, a empresa se mostra como uma organização especial de pessoas, que trabalham em prol de um fim comum, capaz de gerar benefícios para todos – empresário e seus colaboradores.

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O ponto fulcral da exposição de Asquini está no reconhecimento da verdadeira noção de empresa, como organismo econômico. Asquini reconhece que o suporte fático – hipótese de incidência – do direito empresarial é um fato econômico, razão pela qual a definição deve respeitar um critério econômico, não jurídico ou filosófico.

Assim é que se pode rematar que o empresário é qualquer pessoa, física ou jurídica, que desempenha atividade econômica para a produção de bens e serviços.

Vê-se que a organização é o grande elemento caracterizador do empresário e da sociedade empresária.

Os outros elementos citados pela doutrina[29] vêm em caráter complementar do conceito, uma vez que também se fazem presentes em atividades não empresárias.

Trata-se do profissionalismo e do exercício de atividade econômica, que, como será exposto no tópico seguinte, são comuns aos empresários e aos não-empresários.

O profissionalismo relaciona-se com a habitualidade e indica que a atividade empresarial não pode ser eventual, ocasional, ou praticada por esporte, ou por mero lazer.

A atividade econômica é identificada com o intuito de lucro e indica que para se caracterizar como empresário, o sujeito deve atuar na persecução do lucro, ou seja, estão excluídas as atividades com intuito altruísta ou beneficente.

O salto de evolução do direito de empresa, portanto, está no elemento organização, que não pode ser conceituado como “arrumação”, ou com o porte ou complexidade do estabelecimento empresarial, mas, deve ser entendida como unidade dos fatores de produção, reunidos pelo empresário de forma coesa, com a finalidade de abastecer o mercado com bens ou serviços, não importando a natureza ou a qualidade destes últimos.

E não importa para a organização a presença de mão de obra alheia.

Utilizar o critério do emprego de mão de obra alheia seria o mesmo que excluir o pequeno empresário ou a empresa familiar do direito de empresa, opção incoerente com a evolução do direito comercial acima exposta, adotada com o intuito de promover a ampliação do âmbito de incidência deste ramo especial, e não a restrição.

Portanto, rejeita-se o critério da impessoalidade para a caracterização do empresário e da sociedade empresária, bem como para a identificação do não empresário ou da sociedade não empresária.

A posição ora defendida converge com as lições de Euler da Cunha Peixoto:

“Na verdade, a nosso ver, a organização expressa no art. 966 do CC é, simplesmente, aquela necessária a atender o mercado – de serviços ou de produtos – a que se propõe o empresário ou, em outras palavras, a reunião, pelo mesmo, dos meios de produção –

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capital e mão de obra (de terceiros ou dele próprio) – capazes de permitir-lhe cumprir seus objetivos profissionais.”[30]

Desta forma, caracteriza-se como empresário ou sociedade empresária, aquele que exerce qualquer atividade econômica de produção ou circulação de quaisquer bens ou serviços. O conceito é amplo porque deriva da instituição empresa, entendida como a organização dos fatores de produção para a produção ou circulação de bens ou serviços, em suma, a unidade destinada ao abastecimento do mercado.[31]

Aqui já se permite afirmar que a distinção entre sociedade comercial, industrial e civil, ou qualquer outra distinção qualitativa, não se faz relevante, posto que todas estas figuras foram reunidas sob a mesma figura – a sociedade empresária, titular da organização.

Por fim, em coerência com a linha de evolução do direito comercial para o direito de empresa, é forçoso concluir que a caracterização do empresário é feita pela exclusão do não-empresário, o mesmo ocorrendo com a sociedade empresária.

4 – O não-empresário e a sociedade não-empresária

Do quanto até aqui foi exposto, percebe-se que toda atividade econômica exercida como organização deve caracterizar o seu titular como empresário, de acordo com a linha de evolução do direito comercial para o direito de empresa.

As atividades econômicas que não caracterizam o seu titular como empresário devem ser expressamente previstas no Código Civil de 2002. Em outras palavras, é o ordenamento jurídico que excluirá, de forma expressa, a atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços do âmbito do direito de empresa, dada a abrangência da caracterização do empresário, trazida no art. 966 do Código Civil.

Não é por outra razão que, ao conceituar o empresário, o art. 966 exclui expressamente o exercício da atividade intelectual, seja de natureza científica, literária ou artística, desde que desenvolvida de forma artesanal, já que se houver coesão dos fatores de produção em uma unidade, em uma organização, estará presente a empresa, o que implicará na caracterização do seu titular como empresário ou como sociedade empresária.

Arnoldo Wald explica:

“O autor do Anteprojeto, SYLVIO MARCONDES, justifica tal exclusão:

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‘(...) pela simples razão de que o profissional intelectual pode produzir bens, como o fazem os artistas; pode produzir serviços, como o fazem os chamados profissionais liberais; mas nessa atividade profissional, exercida por essas pessoas, falta aquele elemento de organização dos fatores de produção; porque na prestação desse serviço ou na criação desse bem, os fatores de produção, ou a coordenação de fatores, é meramente acidental: o esforço criador se implanta na própria mente do autor, que cria o bem ou o serviço. Portanto, não podem – embora seja profissionais e produzam bens ou serviços – ser considerados empresários.

(...)

A não ser que, organizando-se em empresa, assumam a veste de empresários.”[32]

Em verdade, a exclusão da atividade intelectual se explica pelo modo como ela ainda é desenvolvida, de forma artesanal, manufatureira, não organizada em uma unidade técnica de produção, faltando, pois, o elemento essencial à caracterização do empresário, que é exatamente a organização. Por outro lado, se houver organização dos fatores de produção, e dentre eles se encontrar uma atividade intelectual, esta constituirá elemento de empresa, caracterizando o titular como empresário, como será defendido na conclusão deste trabalho.

A exclusão da atividade intelectual, seja de natureza científica, literária ou artística, encontra explicação na existência de regulamentação para cada uma destas atividades, por leis específicas, bem como a sua subordinação a órgãos de classe[33] próprios.

Essa regulamentação específica da atividade intelectual sempre dispensou a aplicação do direito comercial, e com o direito de empresa não é diferente.

A filiação a órgãos de classe próprios, por sua vez, sempre dispensou o registro do comércio e a escrituração, institutos próprios do empresário e da sociedade empresária.

Além disso, o exercício da atividade intelectual pelos profissionais liberais nunca admitiu a lógica da economia de mercado, baseada na ética empresarial do lucro.

Para ilustrar a ética empresarial do lucro, presente apenas no direito de empresa, faz-se importante a explicação da verdadeira razão pela qual a empresa surgiu no mercado. Ronald H. Coase, no artigo intitulado The nature of the firm, de 1937, explica como surgiu a empresa. Em síntese, Coase lança a tese de que o agente econômico primitivo (comerciante) atuava de forma direta e individual no mercado. Desta forma, o comerciante precisava buscar todos os elementos (insumos) que se encontravam dispersos no mercado, para desempenhar sua atividade de intermediação, em busca do lucro. Para tanto, enfrentava vários custos, denominados custos de transação.[34] Com o desenvolvimento da atividade econômica, principalmente após a revolução industrial, o mesmo agente econômico percebeu que poderia organizar aqueles elementos (insumos), dentro de uma unidade técnica de produção ou circulação, reduzindo os custos de transação e maximizando o lucro perseguido. Ao congregar os fatores de produção em uma organização – firm é melhor traduzida como organização ou empresa – seja por

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meio do direito de propriedade ou dos contratos, o mesmo agente econômico consegue compor os custos de transação e otimizar a procura pelo lucro.

Portanto, fica claro que a empresa surgiu dentro da economia de mercado para reduzir os custos de transação inerentes à atividade e, consequentemente, maximizar o lucro.

É nesse sentido que Coase defende que a empresa – firm – é um modo de produção mais eficiente que o mercado, considerando o modo anterior, individual e artesanal do comerciante. A busca dos fatores de produção (bens, capital, trabalho) de forma dispersa no mercado envolve imenso risco e insegurança. A organização dos fatores de produção – insumos – em uma unidade técnica coesa elimina esse risco e essa insegurança. Como resultado, a atividade se torna mais eficiente.

Nesta perspectiva encontra-se a ética empresarial, sempre em busca da melhor organização dos fatores de produção, entendendo como melhor organização aquela que gera menor custo e maior lucro. Com essa técnica, o empresário cria outra ordem de custos, para substituir os custos de transação mencionados. Trata-se dos custos de produção[35], agora internalizados e controlados dentro da organização.

Ocorre que a atividade intelectual desempenhada pelos profissionais liberais não pode seguir esta ética empresarial, de redução dos custos e otimização do lucro, não sem observar a ética profissional própria de cada profissão de classe. Bom exemplo disso está no trabalho do advogado, intelectual por excelência, regido por um Estatuto de Ética e Disciplina que privilegia o caráter público do serviço e a função social da profissão[36].

A mesma coisa acontece com outras profissões intelectuais, como a dos médicos e profissionais da saúde, que desempenham função pública e de interesse social.

Neste sentido, todas as atividades excluídas pelo art. 966, parágrafo único, do Código Civil, levam em conta o elemento organização, para descaracterizar ou (re)caracterizar o profissional liberal como empresário. Daí a importância desse critério.

No entanto, outras pessoas podem estar excluídas do conceito de empresário, desde que exerçam atividade não econômica (altruísta) ou não profissional (eventual).

Quanto à sociedade não-empresária, basta lembrar que esta também deve estar excluída de forma expressa do direito de empresa, como ocorre com as associações, sociedades simples, fundações, organizações religiosas e partidos políticos, de acordo com a interpretação sistemática dos artigos 44 e 982 do Código Civil.

A exclusão das associações, fundações, organizações religiosas e partidos políticos se explica pela ausência de economicidade na atividade. Nenhuma dessas pessoas jurídicas de direito privado desempenha atividade econômica. Por tal razão, estas pessoas não podem perseguir o lucro. Podem gerar renda, mas esta deve ser revertida para a própria entidade, nunca distribuída entre os seus participantes. Esta afirmação decorre do próprio conceito de sociedade, única pessoa jurídica regulada pelo Código Civil para o exercício da empresa coletiva e a partilha dos resultados entre os sócios.[37]

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Por decorrência da vedação do exercício de atividade econômica, faltam às associações, fundações, organizações religiosas e partidos políticos, os outros dois elementos, posto que o profissionalismo envolve ganho para o sustento próprio do agente e a organização pressupõe a reunião dos fatores de produção destinada ao abastecimento mercado.

Noutro ponto, a exclusão da sociedade simples do direito de empresa já soa incoerente, dada a sua posição topográfica no Código Civil, dentro do Livro II.

Outra crítica é feita em relação à redação do art. 982 do Código Civil, que trata a sociedade empresária como aquela que exerce atividade própria de empresário e simples as demais. Este artigo não observou a linha de evolução do direito comercial para o direito de empresa, pois, gera a idéia de que a sociedade simples estaria pairando no sistema e preenchendo as lacunas deixadas pela sociedade empresária, o que não é verdade. Como a sociedade empresária é toda sociedade que exerce atividade econômica própria de empresário, sociedade simples é toda sociedade que exerce atividade excluída do conceito de empresário.

Desta feita, a sociedade simples seria aquela que tem por objeto social uma das atividades excluídas do conceito de empresário pelo art. 966, parágrafo único, do Código Civil, desde que esta atividade não constitua elemento de empresa, isto é, seja desenvolvida de forma rudimentar, artesanal, manufatureira.

Em verdade, a definição da sociedade simples como não-empresária mostra-se bastante difícil, considerando que qualquer sociedade exerce atividade econômica voltada para o mercado, portanto, organizada em uma unidade de produção.

A idéia proposta neste estudo nega a funcionalidade da sociedade simples, cujo advento não contribuiu em nada com a linha de evolução do direito comercial para o direito empresarial.

Pelo contrário, gerou dúvidas na doutrina, e certamente será a causa de muitos desacertos no mercado, considerando que a sociedade empresária se vincula ao Registro de Empresas e a sociedade simples ao Registro das Pessoas Jurídicas, na forma do art. 1.150 do CC, e que o registro perante o órgão inadequado gera a irregularidade ou a caracterização da sociedade em comum, conforme art. 986 do CC, o que acarreta graves conseqüências para o agente econômico, como a responsabilidade ilimitada para os sócios, a falta de proteção do nome empresarial, a escrituração irregular, a ilegitimidade para pedir falência de seus devedores e para propor a recuperação judicial.

A sociedade simples, criada pelo Código de Obrigações suíço, foi importada do Código Civil italiano, mas, sem qualquer função para o nosso sistema.

Primeiro, porque no direito italiano a sociedade simples não tem personalidade jurídica, é tratada como a sociedade em comum[38]. Segundo porque a sociedade empresária teria aptidão para abranger toda e qualquer atividade econômica, e para as atividades não econômicas já existe a associação e a fundação. Terceiro porque o tipo societário sociedade simples não tem a menor aplicação como fonte subsidiária dos outros tipos, haja vista que a sociedade anônima dispõe de diploma muito mais completo e avançado que o ora criticado.

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De qualquer forma a sociedade simples está presente no Código Civil, para função tripla, conforme a maior parte da doutrina: identificar a sociedade não-empresária, servir de tipo societário para a sociedade não-empresária e servir de fonte subsidiária para os outros tipos societários.

O ponto fulcral da exposição está na identificação do não-empresário e da sociedade não-empresária com base em toda evolução aqui defendida, para concluir que estes ocupam um mínimo espaço no mercado, destinado à atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, que não constitua elemento de empresa.

5 – Conclusão: compreensão da expressão “elemento de empresa”

Para uma possível conclusão, vale lembrar a lição de Carvalho de Mendonça:

“Empresa é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens e serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade.”[39]

Desta lição retira-se a noção de que a empresa é realmente um fato econômico, que surge da organização dos fatores de produção e é apreendido pelo direito sob diversos aspectos. Porém, não deixa de ser um fato econômico apenas porque foi juridicizado.

Por tal razão, a expressão elemento de empresa também deve ter uma interpretação econômica[40]. Assim, cada fator de produção reunido para a formação da organização constitui um elemento de empresa. São elementos de empresa os bens, o capital e o trabalho. A doutrina contemporânea em economia tem somado aos três meios de produção clássicos um novo, qual seja, a empresarialidade, que se identifica com a atividade do empresário, como capacidade de organização. A empresa é formada por todos esses elementos. Quando a atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística for absorvida como um dos fatores de produção, ela constituirá um elemento de empresa.

Com isso, é possível concluir que a empresa é uma organização de fatores de produção, criada e gerida pelo seu titular, o empresário ou sociedade empresária. O empresário, ou a sociedade empresária, é a pessoa que atua na economia de mercado. Para tanto, serve-se da empresa com o intuito de reduzir custos de transação e otimizar o lucro.

O não-empresário e a sociedade simples constituem figura ínfima nos dias atuais, diante da grande ampliação do âmbito de incidência do direito de empresa. Estes apontamentos

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levam à grande conclusão do trabalho: elemento de empresa é cada um dos fatores ou meios de produção, organizados pelo empresário ou pela sociedade empresária.

6 – Bibliografia

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[1] COMPARATO, Fábio K. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 3.

[2] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 27a ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 58.

[3] MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 27a ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 21.

[4] Esta é a origem da dicotomia entre a atividade de produção e a circulação de mercadorias. A atividade ligada à terra, propriedade da nobreza feudal, regia-se pelo direito romano e pelo sistema de vassalagem. Os comerciantes, egressos do regime feudal e fundadores das comunas e dos burgos, precisavam de um novo estatuto, mais ágil e eficiente. Nele, incluíram apenas suas atividades – a circulação de mercadorias. Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 2ª. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. vol. 1.

[5] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 27a ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 11.

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[6] Cf. CARVALHO DE MENDONÇA. J. X. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 6a ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1957. Onde se colhem as lições: “O comércio e a indústria, sob o influxo das idéias do Cristianismo, travaram, em bem da sua liberdade e desenvolvimento, luta renhida contra as velhas instituições políticas e contra a inflexibilidade, rigidez e franqueza das regras do direito romano, o jus commune, que, por muitos séculos, auxiliado pelo jus gentium, bastou a prover as exigências do tráfico comercial.” (p. 53) e “Em começo, os usos vieram suprir a insuficiência dos textos romanos, regendo casos novos. Depois deram batalha franca a esses textos, estreitos, incompatíveis com a ordem incipiente de fatos, que reclamavam especial disciplina jurídica.” (p. 54).

[7] Cf. SZTAJN, Rachel. Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004. p. 26.

[8] REQUIÃO, Rubens. op. cit. p. 12.

[9] É interessante observar que, tanto na França quanto no Brasil, foram comerciantes convidados pelo Imperador que redigiram o rol de atos de comércio dos Códigos. Por óbvio, este rol só poderia conter os atos por eles já praticados no mercado. Daí a razão para a exclusão da produção, das atividades ligadas à terra e da prestação de serviços do rol de atos de comércio. Cf. BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 32 e p. 36.

[10] “Nosso Código, afastando deliberadamente a própria expressão atos de comércio, timbrou em ser exclusivamente um código dos comerciantes, ou melhor, o código da profissão mercantil.” in BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 97.

[11] Cf. BERTOLDI, Marcelo M. Curso Avançado de Direito Comercial. 4a ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 29. “Referido autor conclui que ‘é ato de comércio todo ato que realiza ou facilita um interposição na troca’.”

[12] Cf. COSTA, Wille Duarte. A possibilidade de aplicação do conceito de comerciante ao produtor rural. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1994. Tese de Doutorado.

[13] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 2ª. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. vol. 1.

[14] BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967.

[15] O primeiro país a proibir o tráfico de escravos foi a Inglaterra, em 1806.

[16] Alguns fatos importantes, como a abolição da escravatura (1806) e a invenção da máquina a vapor (1807) na Inglaterra, a invenção do navio a vapor (1819) e do motor elétrico (1821) nos EUA, sem dúvida alguma influenciaram o surgimento do novo modo de produção – empresa.

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[17] BORGES, op. cit., p. 34, comentando sobre o Code de Commerce: “Direito do passado, codificado no limiar da grande revolução econômica e industrial do século XIX, aquêle código já nasceu velho, incapaz de reger as relações do grande comércio, que iria assinalar-se pelo desenvolvimento da navegação a vapor, das estradas de ferro, da mobilização da riqueza através dos títulos de crédito, das sociedades anônimas, dos bancos, etc.” Em nota de rodapé desta página remata que “Assim, pôde-se dizer que, em sua redação de 1807, o Código de Comércio era um code de boutiquiers (...), expressão que poderíamos traduzir por um código de vendeiros, uma vez que ‘código de varejistas’, que seria a tradução mais adequada, não tem, em nossa língua, o caráter pejorativo que se encontra no francês code de boutiquiers.”

[18] Cf. PACIELLO, Gaetano. A evolução do conceito de empresa no direito italiano. RDM: no 29, p. 39/56, 1978.

[19] COSTA, Wille Duarte. A possibilidade de aplicação do conceito de comerciante ao produtor rural. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1994. Tese de Doutorado.

[20] Do que são exemplo os profissionais liberais: advogado, médico, dentista, músico, escritor etc, desde que a atividade seja desenvolvida como atividade-fim, pois, se for desenvolvida como atividade-meio, ou seja, se absorvidas como um dos fatores da produção, caracteriza o empresário ou a sociedade empresária.

[21] Para uma melhor compreensão das atividades excluídas do conceito de empresário, remete-se o leitor ao artigo do Prof. GONTIJO, Vinícius José Marques. O empresário no código civil brasileiro. RDM: ano XLIII, no 135, jul./set 2004, p. 76/87.

[22] REQUIÃO, Rubens. op. cit. p. 54.

[23] DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 303.

[24] VIVANTE, Cesare. Instituições do direito comercial. 2ª ed. Sorocaba-SP: Editora Minelli, 2007. p. 43.

[25] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 27 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 54.

[26] COMPARATO, Fábio Konder. Perfis da Empresa. RDM. no 104. out/dez. 1996.

[27] “Na verdade, empregador não é a empresa – ente que não configura, obviamente, sujeito de direitos na ordem jurídica brasileira. Empregador será a pessoa física, jurídica ou ente despersonificado titular da empresa ou estabelecimento. A eleição do termo empresa, pela CLT, para designar a figura do empregador apenas denuncia, mais uma vez, a forte influência institucionalista e da teoria da relação de trabalho que se fez presente no contexto histórico de elaboração desse diploma justrabalhista. (...) De fato, a eleição do termo empresa tem o sentido funcional, prático, de acentuar a importância do fenômeno da despersonalização da figura do empregador. Ao enfatizar a empresa como empregador, a lei já indica que a alteração do titular da empresa não terá grande

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relevância na continuidade do contrato (...)” DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6a ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 391/380.

[28] “A preocupação do legislador aqui é com a continuidade da exploração econômica, que não deve ser tolhida pela penhora, em face da função social que desempenham as empresas comerciais, industriais e agropastoris.” (...) “O sistema depositário-administrador visa a impedir a ruína total e a paralisação da empresa, evitando prejuízos desnecessários e resguardando o interesse coletivo de preservar quanto possível as fontes de produção e comércio e de manter a regularidade do abastecimento.” THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 29a ed. vol. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 193.

[29] Cf. WALD, Arnoldo. Comentários ao Novo Código Civil, v. XIV : livro II, do direito de empresa / Arnoldo Wald ; coordenador : Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense , 2005.

[30] CUNHA PEIXOTO, Euler. Empresário individual e sociedade empresária. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte. n. 46. 2005. p. 95/109.

[31] No mesmo sentido do texto, colhe-se em NEGRÃO, Ricardo. Direito empresarial: estudo unificado. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 5. a seguinte lição: “O termo empresário substitui o vocábulo comerciante, mas, como deflui do conceito legal – art. 966 do CC -, é mais abrangente que este. (...) No sistema empresarial, toda e qualquer produção ou circulação de serviços está submetida ao conceito de empresa, desde que não exercida pessoalmente por profissional intelectual, ou de natureza científica, literária ou artística.” Em sentido contrário ao do texto escreve CASTRO, Moema Augusta Soares de. Manual de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2007., valendo citar: “Podemos dizer que o empresário do diploma de 2002 é o antigo comerciante que, por sua vez, sucedeu ao mercador da Idade Média.” Não se pode conceber que o empresário seja exatamente o antigo comerciante, nem este o antigo mercador, tendo em vista a linha de evolução do direito comercial para o direito de empresa traçada no presente trabalho.

[32] Cf. WALD, op. cit. p. 45.

[33] Do que são exemplo os profissionais liberais: advogado, médico, dentista, músico, escritor etc, desde que a atividade seja desenvolvida como atividade-fim, pois, se for desenvolvida como atividade-meio, ou seja, se absorvidas como um dos fatores da produção, caracteriza o empresário ou a sociedade empresária.

[34] “Custos de transação são os custos de realização e cumprimento de transações ou trocas de titularidade. Ou seja, na realização de qualquer negócio jurídico, os agentes considerarão os custos embutidos naquele negócio para parametrizar suas ações em busca de um melhor e mais eficiente resultado econômico.” CATEB, Alexandre B. Análise Econômica da Lei de Sociedades Anônimas. p. 265 in TIMM. Luciano Benetti. Direito & Economia. 2a ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. Nas palavras do próprio Ronald H. Coase “search and information costs, bargaining and decision costs, policing and enforcement costs” in COASE, Ronald Harry. The firm, the market, and the law. Chicago: University Chicago Press. 1992. p. 6.

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[35] Custos de produção se resumem ao “Custo total: quantia que a empresa paga para comprar os insumos usados na produção.”, p. 270, e incluem “(...) o custo de oportunidade de alguma coisa é tudo aquilo de que se abre mão para adquiri-la.”, p. 271, enfim “A empresa incorre em custos quando compra insumos para produzir os bens e serviços que planeja vender.” p. 273, ambas in MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia: princípios de micro e macroeconomia. 2a ed. Rio de Janeiro: Campus, 2001.

[36] O Estatuto da Advocacia e a OAB já define: “Art. 2. O advogado é indispensável à administração da justiça. §1.o No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.”

[37] Vide art. 981 do Código Civil.

[38] FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Código Civil comentado, volume XI: direito de empresa, artigos 887 a 926 e 966 a 1.195. São Paulo: Atlas, 2008. p. 188.

[39] Cf. CARVALHO DE MENDONÇA. J. X. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 6a ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1957. p. 482.

[40] A III Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal conclui que: “A expressão “elemento de empresa” demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores da organização empresarial.