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Evasão Marraquexe é um turbilhão de sons, cheiros e cores. É uma cidade moderna e cosmopolita, ao mesmo tempo que se mantém fiel às tradições. Os atentados terroristas da semana passada deixaram marcas profundas no país mas não destruíram a beleza sedutora da cidade imperial. TEXTO DE RITA SALDANHA DA GAMA , EM MARRAQUEXE FOTOGRAFIA DE PAULA NUNES 82 Fora de Série Maio 2011

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Evasão

Marraquexe é um turbilhão de sons, cheiros e cores. É uma cidade moderna e cosmopolita, ao mesmo tempo que se mantém fi el

às tradições. Os atentados terroristas da semana passada deixaram marcas profundas no país mas não destruíram a beleza

sedutora da cidade imperial.T E X TO D E R I TA SA L DA N H A DA GA M A , E M M A R R AQ U E X E FOTO G R A F I A D E PAU L A N U N E S

82 Fora de Série Maio 2011

APAIXONAMO-NOS POR MARRAQUEXE assim que aterramos. Apesar de haver neve no topo das montanhas do Atlas – que separam a cidade do de-serto – cheira a Verão. A noite acaba de cair mas mais parece hora de ponta. É ao fi m da tarde que a cidade ganha vida e o ritmo é alucinante. No cami-nho para o hotel, as “aceleras” parecem mosquitos à nossa volta. Sucedem-se, aos montes, de um lado e de outro do carro, com duas ou mais pessoas, com e sem capacete. Diz-nos o motorista que este é o meio de transporte mais popular na cidade. “É melhor pa-ra andar na Medina”, explica a rir. Percebemos mais tarde porquê. A ideia da viagem era traçar um roteiro da “Cidade Rosa” e conhecer um dos mais bonitos e emblemá-ticos hotéis do mundo. Foi o que fi zemos. Entramos no La Mamounia com as expectativas em alta e não nos desiludimos. Só nos faltou o tapete mágico por-que a sensação era a de que tínhamos aterrado num

palácio das “1001 Noites”. Sentimo-nos rainhas logo à chegada. “Salaam Aleikum!”, dizem-nos. É o nosso “olá”, mas que traduzido à letra signifi ca “que a paz esteja sobre vós”. É difícil descrever sensações no La Mamounia. São muitas, confundem-se e surgem a grande velocida-de. Comecemos pelo mais evidente. A simpatia e hospitalidade de um ‘staff ’ habituado a receber a nata da nata internacional. Por estes corredores já desfi laram estrelas como os Rolling Stones, Nicole Kidman, Alfred Hitchcock, Nelson Mandela, Jac-ques Chirac, Carolina do Mónaco ou mesmo Wins-ton Churchill que escolheu o mítico hotel marro-quino para descansar depois da Segunda Guerra Mundial. Depois, o cheiro. É que até o ar é perfu-mado no La mamounia. E claro, tudo o que os olhos vêem e a memória tenta absorver rapidamente. São tantos os pormenores que é difícil reter tudo num simples olhar.

JACQUES GARCIA VOLTOU A DAR

AO LA MAMOUNIA O LUXO E CHAR ME

PER DIDO AO MISTUR AR A TR AÇA MAR ROQUINA COM

ART DÉCO E ARTE CONTEMPOR ÂNEA.

Maio 2011 Fora de Série 83

84 Fora de Série Maio 2011

Evasão

O LABIR ÍNTICO MERCADO ‘SOUK’

É UM DOS MAIS EXÓTICOS DO PAÍS.

FAZ PARTE DO CHAR ME DA CIDADE

E É IR R ESISTÍVEL. É UMA EXPLOSÃO

DE CHEIROSE COR ES.

Na abertura, vista da piscina e dos emblemáticos jardins do La Mamounia. Ao lado, piscina interior do spa, eleito o melhor do mundo pela “Condé Nast Traveler” e a ‘suite’ executiva, uma das mais procuradas do hotel, com duas casas de banho, sala, quarto, ‘closet’ e varanda com vista para a mesquita da Koutoubia e para os jardins do hotel. Custa cerca de 900 euros a noite.

cá também há ‘habibis’ (namorados)”, diz Abouri-cha a rir – e até mulheres a fumar e a conversar em esplanadas de cafés. Só não gostam que lhes tirem fotografi as, mas isso nem mesmo os homens e so-bretudo os polícias.

LABIRINTO DE SENTIDOSFoi por causa desta “abertura” que o elenco de “O Sexo e a Cidade 2” trocou Abu Dhabi, onde supos-tamente decorre a acção, pela Medina de Marraque-xe, onde o título do fi lme e o comportamento das protagonistas não chocou os mais conservadores, à semelhança do que aconteceu no Dubai. Até deixa-ram pedaços do cenário numa das labirínticas ruas do mercado ‘souk’. Este é mais um ponto de visita obrigatório. O mer-cado, que é um dos mais exóticos do país, faz parte do charme de Marraquexe e é irresistível. É uma ex-plosão de cheiros e cores, entre especiarias, túnicas, tapetes, carteiras ou as tradicionais babuchas (uma espécie de chinelo bicudo e colorido). E, se gostar, mais vale comprar logo, é que entre ruas e ruelas é fácil perder o rumo. Aconselhamos sapatos con-fortáveis e algum tempo, porque arrisca-se a andar quilómetros e perder umas boas horas a negociar os preços. É tradição e faz parte de encanto de Mar-rocos. A oferta é imensa e o movimento estontean-te, sobretudo porque as motos aparecem por todos os lados. “São melhores para andar na Medina”, disseram-nos. Já percebemos porquê, só não espe-rávamos correr o risco de ser atropeladas em ple-no mercado e enquanto fazíamos compras. Entre o árabe e o francês também se ouve muito espanhol e mesmo inglês. A língua portuguesa é que continua a ser uma raridade apesar da proximidade. “Não há muita procura”, conta-nos Hatem, nosso guia e úni-co a falar português por ali. Nem mesmo Cristiano Ronaldo parece ainda ter conquistado o coração dos mais fervorosos adeptos do futebol. Durante o pas-seio é difícil resistir a um típico chá de menta, en-quanto nos perdemos entre os cheiros e paladares das especiarias que prometem pratos exóticos ou mezinhas milagrosas para curar qualquer maleita. As lojas de especiarias têm de ser reconhecidas pelo Estado e os vendedores devem estar devidamente habilitados e identifi cados.

Fechado durante três anos, o La Mamounia reabriu, em 2009, com cara nova. Um trabalho minucioso do ‘designer’ francês Jacques Garcia que recuperou o hotel de uma anterior reforma desastrosa e vol-tou a dar-lhe a ‘allure’ de sempre. Mais luxo, con-forto e elegância recuperaram o charme perdido, já que a perícia de Garcia soube misturar a traça mar-roquina com Art Déco ou arte contemporânea. Ao palácio original, construído em 1923, o ‘designer’ francês acrescentou-lhe o spa – agora eleito o me-lhor do mundo pela “Condé Nast Travel” –, o centro de ‘fi tness’, mais quartos e mais espaço. Agora, são 136 quartos, 71 ‘suites’, sete ‘suites’ especiais e três Riads (paraíso em português) com três quartos, sala e piscina privada. Não faltam as tradicionais deco-rações árabes feitas por artesãos, o conforto, a alta tecnologia e os mimos que um hotel de luxo exige, os acessórios com assinatura Hermès, e ainda uma vista deslumbrante para os jardins do palácio, para as montanhas do Atlas e para a Medina, com a mes-quita da Koutoubia (Kutubiyah em árabe) no centro das atenções. Mas voltemos à nossa viagem. Depois de termos sido recebidas com as tradicionais tâmaras e um ‘shot’ de leite doce, para dar as boas vindas, fomos conhecer os quartos, antes de um maravilhoso jan-tar no Don Alfonso, o restaurante italiano do ho-tel. Um, dos quatro que existem, dois dos quais com duas estrelas Michelin. Estava cheio, assim como a Galerie Majorelle, um dos espaços de passagem obrigatória e uma delícia também para os olhos pa-ra quem não se hospeda no mítico hotel.Segunda maior cidade de Marrocos, Marraquexe está a tornar-se num destino cada vez mais apela-tivo para quem gosta de luxo. Entre hotéis de to-po e campos de golfe, a cidade mantém o charme e exotismo de sempre, com uma visão mais ociden-tal. Algumas mulheres conservam os véus, mas ou-tras aboliram-nos por completo. Especialmente as mais novas que até já abandonaram as túnicas até aos pés. “Isto mudou muito nos últimos dez anos”, conta-nos Abdellatif Abouricha, relações públicas do Conselho Regional de Turismo de Marrocos e um dos nossos guias durante a visita. Nada de gran-des decotes, é certo, mas já se vêem saias curtas, ca-belos soltos, beijinhos em bancos de jardim – “Vê,

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CHURCHILL DESCR EVIA

MAR R AQUEXE COMO “O LUGAR

MAIS BONITO DO MUNDO

INTEIRO”. Y VES SAINT LAUR ENT

INSPIR AVA-SE LÁ.

Ao lado, vista para o interior da mesquita Koutoubia, para onde os fi éis se deslocam depois da última chamada do dia para a oração. Só os muçulmanos podem entrar. Durante a oração os homens fi cam à frente e as mulheres atrás. Em baixo, monumento de homenagem a Yves Saint Laurent, no local onde estão depositadas as suas cinzas, nos jardins Majorelle. Mais abaixo, uma mulher faz as tradicionais tatuagens árabes na principal praça da cidade. Do lado direito, Hassan, chefe das ‘calèches’ em Marraquexe, e um pormenor de uma decoração árabe.

E, se todos os caminhos vão dar a Roma, nos ‘souks’ todos vão dar à praça Djema El-Fnaa, a principal pra-ça da cidade situada mesmo no centro da Medina. É aqui que tudo acontece, pelo menos ao cair da noite. Se durante o dia vemos uma enorme praça, com al-guns vendedores ambulantes – atenção, fuja a sete pés dos sumos de laranja. É dor de barriga na certa – os tradicionais encantadores de serpentes e mulhe-res a fazerem tatuagens árabes; à noite transforma-se num gigantesco palco de atracções com músicos e actores a fazerem a festa. Fica irreconhecível. O cen-tro da praça, que de manhã estava vazio, dá lugar a uma espécie de feira de “comes e bebes” com mesas corridas e dezenas de tasquinhas a prometerem as mais maravilhosas iguarias e especialidades marro-quinas. E há de tudo. Desde caracóis a ‘couscous’ ou ‘mechoui’ (borrego assado no forno), é um verdadei-ro roteiro de pratos típicos. Ao pôr-do-sol, sugerimos-lhe mais um chá de menta na esplanada de um dos cafés em cima da praça. É impressionante ver a velo-cidade a que se enche de gente.

CONTRASTES QUE ENCANTAM Se preferir um passeio mais romântico ou uma visita rápida pela cidade, porque não escolher uma ‘cale-che’? Hassan foi quem nos guiou pela cidade. Uma cidade pintada de rosa, por imposição da lei, com ca-sas baixas, ruas largas, muros altos e lisos e portas tra-balhadas. Uma explosão de contrastes que se refl ecte na paisagem, com cavalos e motos a percorrer a cida-de lado a lado, mulheres cobertas de véus frente a um imponente McDonald’s ou prédios e lojas altamente modernas rodeadas de uma cidade mais tradicionalis-ta. Ao fundo, a mesquita da Koutoubia, edifício mais

alto e um dos principais monumentos da cidade. A entrada só é permitida aos muçulmanos, mas de fora é possível ver um grande tapete estendido que convi-da à oração. São cinco os momentos do dia dedicados a ela. Homens à frente e mulheres atrás respondem ao chamamento do ‘muezim’ que vem de um altifa-lante do alto do minarete. O dia santo é a Sexta-feira, mas ao contrário de outros países árabes, este é um dia normal de trabalho para os marroquinos. O fi m-de-semana faz-se ao Sábado e Domingo, como em Por-tugal, a única diferença é que à Sexta o dia de trabalho ou escola é interrompido para a missa. Outro dos grandes monumentos da cidade é o Jar-dim da Majorelle. Criado por Jacques Majorelle, pin-tor francês que se instalou em Marraquexe que fez do jardim uma espécie de espaço de culto às plantas exóticas e cores garridas a fazer lembrar um quadro. Predominam os azuis e o amarelo, assim como as palmeiras, ou bambus ou os cactos. Mas, apesar de ter herdado o nome de Majorelle, é a ao estilista Yves Saint Laurent que o jardim deve a vida. É que foi Saint Laurent quem recuperou o jardim que Majorelle dei-xou ao abandono. Apaixonou-se pelo espaço assim que o viu, tal como se apaixonou pela cidade. Era em Marraquexe que gostava de se isolar para criar as no-vas colecções e foi Marraquexe que escolheu como última morada. É neste jardim que as cinzas de Yves Saint Laurent estão depositadas, num monumento em memória do criador, mesmo ao lado da casa onde vivia parte do tempo com Pierre Bergé, com quem di-vidiu a vida nas últimas décadas. Dos jardins passamos para o Palácio Bahia, um Riad típico, com pátio central a céu aberto forrado a mosai-cos, mármores e tectos trabalhados. Serviu em tem-pos de casa ao grande vizir Ba Ahmed Bem Moussa, suas quatro mulheres e 24 concubinas. É dos poucos palácios que estão bem conservados e hoje serve de palco a inúmeros espectáculos e concertos. Tempo ainda para passar pelos jardins de La Menara, onde foi fundada a cidade, com direito a fotografi a em cima de um camelo, uma passagem pelo bairro judeu e o Kasbah (mercado) ou um rápido olhar ao palácio real. E tudo isto a poucas horas de Lisboa, com voos direc-tos ou a fazer escala em Casablanca. O que não falta é animação na cidade que Churchill descrevia como “o lugar mais bonito do mundo inteiro”.

A JORNALISTA VIAJOU A CONVITE DA EMBAIXADA DE MARROCOS UM MÊS ANTES DOS ATENTADOS NO PAÍS.