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Tiago Araújo Coelho de Souza Etnografia Wajãpi/AP do Processo Saúde-Doença: Um Enfoque Odontológico Belo Horizonte 2005

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Tiago Araújo Coelho de Souza

Etnografia Wajãpi/AP do Processo Saúde-Doença:

Um Enfoque Odontológico

Belo Horizonte

2005

Tiago Araújo Coelho de Souza

Etnografia Wajãpi/AP do Processo Saúde-Doença:

Um Enfoque Odontológico

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da

Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de

Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do

título de Mestre em Odontologia.

Área de Concentração: Saúde Coletiva

Orientadora: Profª. Dr.ª Efigênia Ferreira e Ferreira

Co-orientadora: Profª. Dr.ª Dominique Tilkin Gallois

Belo Horizonte

2005

22

Souza, Tiago Araújo Coelho de D047 Etnografia Wajãpi/AP do Processo Saúde-Doença: um enfoque S726e odontológico / Tiago Araújo Coelho de Souza, 2005. 2005 75f.: il. T Orientadora: Efigênia Ferreira e Ferreira Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Odontologia.

1. Saúde Bucal - Teses. 2. Antropologia Cultural - Teses. 3. Índios Sul-americanos – Teses. I. Ferreira, Efigênia Ferreira e. II. Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Odontologia. III. Título.

BLACK - D047

33

DEDICATÓRIA

Aos povos indígenas, pela maneira

singela com que nos fazem refletir

sobre nossa origem, cultura e sobre

o pensar e o fazer saúde.

Aos Wajãpi/AP, um povo fascinante e

amigo que, com sua riqueza cultural e

carisma, me ensinaram uma nova

odontologia.

À odontologia, por tudo que me tem

proporcionado, nesta busca, por um

conhecimento distinto do paradigma

biomédico.

44

AGRADECIMENTOS

À Efigênia, muitas vezes orientadora,

outras professora, mas sempre amiga.

Seu conhecimento e personalidade

enobrecem a saúde coletiva. Fico

honrado em tê-la conhecido...Efigênia a

você o meu muito obrigado!

À Dominique, seu conhecimento, vivência e

dedicação aos Wajãpi são mais que aulas, são o

fiel retrato do amor aos povos indígenas.

Obrigado por nortear meu caminho e meu olhar

à causa indígena.

À Faculdade de Odontologia da UFMG,

muito mais que uma entidade de ensino, um

lar onde o respeito e a valorização do

conhecimento refletem no cuidado ao outro.

À Faculdade de Odontologia da UFPA,

berço de minha formação profissional e

genitora do interesse pela saúde coletiva.

55

AGRADECIMENTOS

Aos amigos que tornaram esta caminhada possível, obrigado: Profª

Isabela Pordeus, Profª Andréa Vargas, Prof Marcos Werneck, Prof Saul

Martins, Profª Mirian Valle, Profª Marisa Drumond, Profª Elza Araújo, Elton

Gois, Humberto Junior, Carol Martins, Juliana Gallbach, Alessandra Neves,

Luis Cota, Fernanda Porto, Fernando Portela, Neli Medeiros, Karina Barros,

Carla, Isadora, Sara, Janete e Wanessa.

À Thalita Santa Rosa, amiga-irmã que tornou o mestrado e minha estadia,

em Belo Horizonte, muito mais que simples momentos, mas sim dias felizes e

especiais. Conte sempre comigo!

A Alfonso Gala Garcia, es un hermano muy querido, seu destino é brilhar

e fazer os outros felizes, muito obrigado por sua amizade!

À Patrícia Zarzar, palavras não servem para descrevê-la, mesmo que um

dia inventem um neologismo, ele não poderá expressar sua especificidade,

porque é arretada demais. Te adoro eterna amiga!

66

AGRADECIMENTOS

À vovó, aos meus pais e aos meus

irmãos, pessoas chaves de minha

formação, exemplos de vida, doação,

humildade, fortaleza, religiosidade,

união e amor. Amo vocês !

À Lívia, mulher, companheira, amiga,

cúmplice, colega de profissão, eterna

namorada, noiva e esposa. Por sua presença,

força e empenho em cada momento das

batalhas travadas. Presença que nem a

distância foi capaz de enfraquecer. Meu

sincero obrigado. Te amo!

77

EPÍGRAFE

Certa vez, um amigo me perguntou qual era o assunto de

minha dissertação, eu respondi uma pesquisa qualitativa.

Porém, antes de finalizar ele perguntou se eu era doido,

mesmo assim continuei a responder, uma pesquisa

qualitativa em odontologia. Ele reafirmou sua indagação em

tom mais acentuado, porém continuei a responder uma

pesquisa qualitativa em odontologia voltada para a saúde

indígena. Ele acabara de confirmar que eu era louco e avisou

que os meus problemas estavam triplicados...Bem, hoje

tenho a certeza de que meu amigo é meu amigo, mas

também que os problemas quando solucionados se elevam

ao cubo de felicidades.

Tiago Araújo Coelho de Souza

88

RESUMO

Este estudo teve como objetivo descrever alguns aspectos das representações sócio-culturais dos Wajãpi/AP e o seu processo de apropriação acerca das informações em saúde bucal. Foi desenvolvido através de uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico onde através dos registros discursivos, observacionais e escritos buscou-se conhecer a concepção de saúde e doença dos Wajãpi/AP, além de identificar os hábitos, as transformações nos padrões alimentares e os cuidados com a saúde bucal ao longo da trajetória de contato com a sociedade envolvente. Os resultados mostram que a intensificação do processo de contato com a sociedade nacional introduziu a prática do assalariamento e, com isso, o comprometimento com o discurso biomédico; e que a mudança no regime alimentar dos Wajãpi/AP, ao consumir alimentos industrializados, não decorre de necessidade nutricional e nem de escassez alimentar, mas da obtenção de status diferenciado produzido pela própria política do assalariamento. Para concluir, as narrativas míticas e sua interface com a saúde bucal relacionam-se à cosmologia, por isso não explicam o componente etiológico do processo saúde-doença bucal, mas garantem a relação de vínculo com a comunidade, através da sensibilidade da equipe de saúde bucal e da construção de instrumentos, culturalmente, diferenciados. E, finalmente, há evidências de questionamentos sobre a saúde bucal por parte dos Wajãpi/AP o que nos garante afirmar que este povo está aprendendo objetivar uma nova prática de saúde bucal.

99

ABSTRACT

This study had as objective describes some aspects of the social and cultural representations of the Wajãpi/AP people and your appropriation process concerning the information in oral health. Was developed an ethnographical qualitative research where interviews, observations and annotations was used to know the conception of health and disease of Wajãpi/AP people. Also this study looked for try to identify the habits and the transformations in the Wajãpi alimentation along the contact with the national society. The results show that the contact process with the national society introduced the practice of the wage payment and with that the compromising with the biomedical speech; the change in the feeding of the population Wajãpi doesn't come from the biological need and nor of alimentary shortage, but of the obtaining of differentiated status produced by the own politics of the wage payment. In conclusion the mythical narratives and your interface with the oral health show that the cosmology doesn't explain the etiology of the health disease oral process, but it guarantees the entail relationship with the community, through the sensibility of the oral health team and the construction of instruments, culturally, differentiated. And, finally, there are evidences of questions about the oral health for the Wajãpi people this fact guarantees to us that this people are learning to aim at a new practice of oral health.

1100

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1a - Distritos Sanitários Especiais Indígenas, no Brasil.............................................. 20 FIGURA 1b – Terra Indígena Wajãpi, no estado do Amapá...................................................... 20 FIGURA 2 - Pirâmide etária da população Wajãpi, Amapá, 1980............................................. 27 FIGURA 3 - Pirâmide etária da população Wajãpi, Amapá, 2004............................................. 27 FIGURA 4 - Ponto de intersecção resultante da lógica Wajãpi/AP, de saúde............................ 30 FIGURA 5 - Fluxograma das barreiras culturais vivenciadas, pela

equipe de saúde bucal............................................................................................. 32

FIGURA 6 - Fluxograma das barreiras estruturais vivenciadas, pela equipe de saúde bucal............................................................................................. 33

FIGURA 7 - Fluxograma das barreiras organizacionais vivenciadas, pela equipe de saúde bucal............................................................................................. 34

FIGURA 8 - Fluxograma das barreiras operacionais vivenciadas, pela equipe de saúde bucal............................................................................................. 35

FIGURA 9 - Ilustração da concepção de James Clifford (1998), sobre a etnografia.................. 37 FIGURA 10 - Triangulação dos registros escritos, observacionais e discursivos....................... 38 FIGURA 11 - Fluxograma do estudo.......................................................................................... 40 FIGURA 12 - Pariri e Tãsi, elementos da narrativa mítica Wajãpi/AP, sobre

as questões relativas à vida e à morte.................................................................. 41

FIGURA 13 - Variação no discurso, entre os agentes indígenas de saúde (AIS) e os demais entrevistados, quanto ao processo saúde-doença............................. 43

FIGURA 14 - Carne de caça e beiju, alimentos tradicionais dos Wajãpi/AP............................. 46 FIGURA 15 - Novos alimentos comprados, devido à política do assalariamento...................... 48 FIGURA 16 - Kurãpãnã e Kurawa, recursos da floresta, utilizados no cuidado com a saúde bucal................................................................................................ 51 FIGURA 17 - Ilustração da utilização do Kurãpãnã................................................................... 52 FIGURA 18 - Ilustração da utilização do Kurawa...................................................................... 53 FIGURA 19 - Associação da higiene bucal com a higiene corporal........................................... 54 FIGURA 20 - Localização das aldeias, em Terra Indígena Wajãpi............................................ 57

1111

GRÁFICO 1 - População Wajãpi/AP, segundo o gênero, 1984 a 2004..................................... 25

GRÁFICO 2 - Média de CPO-d, segundo os núcleos das aldeias.............................................. 59

GRÁFICO 3 - Distribuição dos componentes do CPO-d, segundo os núcleos das aldeias....... 60

1122

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Indicadores demográficos da população Wajãpi /AP, 2000 a 2004...................... 25

TABELA 2 - Estatísticas vitais da população Wajãpi/AP, 2002 a 2004..................................... 26

TABELA 3 - Levantamento das necessidades coletivas, 2002................................................... 56

TABELA 4 - CPO-d segundo faixa etária................................................................................... 58

1133

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACD - Auxiliar de cirurgião dentista

AP - Amapá

Apina - Conselho das Aldeias Wajãpi

AIS - Agente Indígena de Saúde

AISAN - Agente Indígena de Saneamento

CTI - Centro de Trabalho Indigenista

DESAI - Departamento de Saúde Indígena

DSEI - Distrito Sanitário Especial Indígena

FUNASA - Fundação Nacional de Saúde

FUNAI - Fundação Nacional do Índio

GEA - Governo do Estado do Amapá

ISA - Instituto socioambiental

PSW - Programa de Saúde Wajãpi

SIASI - Sistema de Informação da Atenção da Saúde Indígena

SIL - Summer Institute of Linguistics

SUS - Sistema Único de Saúde

1144

VOCABULÁRIO WAJÃPI / AP

Janejar - Entidade criadora dos homens, animais e da natureza

Karaikõ - Aquele que não é Wajãpi, ou seja, o ‘não índio’

Karakuri - Denominação dada ao ‘dinheiro’, do não índio

Kurawa - Fibra vegetal utilizada para fazer punho de rede, fio do arco e flecha e no cuidado com a saúde bucal, através da retirada de resto de alimento entre os dentes

Kurãpãnã - Espécie de árvore usada, entre outras coisas, no cuidado com a boca e com os

dentes. Utiliza-se a seiva e a porção interna de sua casca Mo’ã jarã - ‘O dono do remédio’, terminologia usada para identificar quem trabalha com a

saúde Pariri - Tipo de planta semelhante à bananeira

Taimigwerã - Terminologia utilizada para referenciar ‘o tempo dos nossos avós’

Tãsi - Tipo de pedra característica por sua cor branca e encontrada em cachoeiras

1155

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 16

2. UM POUCO DA HISTÓRIA DOS WAJÃPI/AP.......................................................... 20

2.1 Aspectos demográficos e epidemiológicos dos Wajãpi/AP................................ 24

2.2 Cosmologia Wajãpi/AP e o processo saúde doença............................................ 28

3 ODONTOLOGIA E OS POVOS INDÍGENAS................................................................... 31

4 ABORDAGEM METODOLÓGICA: Um olhar etnográfico............................................... 36

5 AS NARRATIVAS MÍTICAS E A INTERFACE COM A SAÚDE BUCAL................... 41

6 A MUDANÇA NO REGIME ALIMENTAR DOS WAJÃPI/AP........................................ 45

7 A SAÚDE BUCAL WAJÃPI/AP, SUA LÓGICA E SEUS ÍNDICES................................ 50

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Aprendendo odontologia com os Wajãpi / AP..................... 61

9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 64

ANEXOS..................................................................................................................................... 69

1166

1 INTRODUÇÃO

“Estou, em setembro de 2003, e, agora, vejo como é engraçada a história de

nossas vidas, estou retornando para a Terra Indígena Wajãpi, no centro-oeste do

Amapá, porém não mais como cirurgião-dentista do Programa de Saúde Wajãpi

(PSW) e sim como um aluno de pós-graduação da Faculdade de Odontologia de

Minas Gerais que vem conhecer a trajetória deste povo em relação à saúde bucal.

O mais interessante é que, em 2002, eu já realizava estas análises de forma

empírica, mas somente, agora, tenho um referencial teórico que me possibilita ser

mais reflexivo aos fatos. Por que eu precisei sair, para somente depois fazer essa

reflexão? (...) Não sei, mas espero colaborar com a odontologia contando, neste

diário de campo, alguns fatos que fundamentarão o amadurecimento não somente

de minha dissertação, mas, principalmente, o amadurecimento de minha pessoa

enquanto SER HUMANO” (Diário de Campo, 2003-2004)1.

A população indígena, no Brasil, representa 0,23% da população total, estimada em

aproximadamente 434.816 pessoas, pertencentes a 210 povos, falantes de 170 línguas. Embora

pequeno, este percentual não consegue expressar a diversidade da organização sócio-cultural, dos

povos indígenas, nem tampouco, as teorias cosmológicas, acerca da criação do universo,

importantes aliadas para a compreensão das representações, destes povos (SIASI, 2005;

BRASIL, 2000; RICARDO, 2000).

Ao se tentar compreender as concepções e práticas de saúde existentes, em grupos sociais

específicos, percebe-se que os valores culturais determinam a explicação do processo saúde-

doença. Nas comunidades indígenas, a contextualização cultural ainda tem sido pouco utilizada,

pelos programas de saúde, como ferramenta consubstancial de ajuda, ao modo de pensar e de

fazer a atenção, em terra indígena.

Os programas de saúde indígena têm dado ênfase à organização dos serviços, à

viabilização de infra-estrutura e às tentativas de levantamentos epidemiológicos, pilares de um

modelo médico ocidental cuja base conceitual visa à cura, somente do componente físico da

doença.

1 O Diário de Campo 2003-2004 foi o instrumento utilizado para anotações complementares durante a pesquisa (ver Abordagem Metodológica: um olhar etnográfico)

1177

Atualmente, a assistência, neste modelo, conta com a ajuda de uma tecnologia leve-dura,

na qual prevalece a medicalização, o uso de equipamentos, os hospitais e o processo de trabalho,

cada vez mais individualizado, que enfraquece o controle social e desvaloriza a lógica indígena

de saúde (ATHIAS, 2004; MEHRY, 1997).

Estas assertivas são reforçadas pelo discurso de algumas lideranças indígenas, durante a

Reunião de Conselho Local realizada, em dezembro de 2003, em Terra Wajãpi/AP.

“Antigamente, o povo Wajãpi rezava pra curar os doentes” (Liderança Wajãpi)

“Pajé, antigamente, realmente, funcionava...pajé de agora (profissionais de saúde)

não mostra doença, é, por isso, que tem que dar remédio forte” (Liderança Wajãpi)

“Todos nós, seres humanos, erram e a solução é que precisa conhecer a cultura

Wajãpi para ser respeitado, respeitar o jeito dos Wajãpi” (Professor indígena)

Visando mudar este quadro, importantes atores das diversas áreas do conhecimento têm

desenvolvido esforços diferenciados em prol da ruptura do paradigma curativo aos povos

indígenas, merecendo destaque: a maior interação com as ciências sociais; a criação dos

conselhos locais e distritais de saúde; o novo modelo de gestão da saúde indígena; o apoio das

universidades e a divulgação de pesquisas etnográficas (BRASIL, 2004a; LANGDON, 2004;

PEIRANO, 1995).

No estado do Amapá, a gênese da atenção, em saúde, à população Wajãpi tem suas

ações atreladas, na busca pela doença, reflexo do modelo de atenção campanhista praticado

pelas instituições de saúde àquela época. Porém, no intuito de reorientar as práticas assistenciais

vigentes e valorizar as representações sócio-culturais dos Wajãpi, foi idealizado, em 1996, o

Programa de Saúde Wajãpi (PSW).

Em 1998, o PSW foi transferido, devido a problemas burocráticos, para a gestão do

Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina), uma organização indígena criada, desde 1994, pelas

lideranças, para dar mais representatividade e autonomia a este povo (PROGRAMA WAJÃPI /

CTI, 1999).

1188

A odontologia, em Terra Wajãpi, é caracterizada pelas décadas de ausência da atenção em

saúde bucal, fato agravado pela trajetória de contato com a sociedade industrializada e que

resultou em algumas mudanças, no regime alimentar dos Wajãpi. Além disso, considera-se que o

conhecimento, estritamente biológico, dos profissionais de saúde facilitou a inserção de inúmeros

componentes da odontologia tradicional ocidental, como o flúor, a escova, creme e fio dental,

sem uma preocupação prévia das representações de higiene, saúde e doença, da população

Wajãpi/AP.

Os relatos que descrevem as representações e apropriações indígenas acerca das

informações ocidentais, em saúde bucal, são escassos, o que existe são trabalhos quantitativos,

não longitudinais e sem a presença da visão indígena sobre as mudanças ocorridas, sejam elas

positivas ou não (ARANTES, 2003; ARANTES, SANTOS e COIMBRA JR, 2001).

Portanto, esta dissertação vem, através do princípio da preservação e respeito aos

Wajãpi/AP possibilitar que os mesmos manifestem suas opiniões e concepções sobre as

informações e os serviços de saúde bucal dirigidos, a eles.

Dentro deste contexto, o presente estudo foi desenvolvido através de uma pesquisa

qualitativa de cunho etnográfico cujo objetivo principal incidiu sobre a descrição e análise de

alguns aspectos das representações sócio-culturais dos Wajãpi/AP e o seu processo de

apropriação acerca das informações, em saúde bucal, ao longo da trajetória de contato com as

práticas de assistência em saúde.

No que tange aos objetivos específicos, o estudo almejou conhecer a concepção de saúde

e de doença dos Wajãpi/AP, além de identificar os hábitos, as transformações nos padrões

alimentares e os cuidados com a saúde bucal, ao longo da trajetória de contato com a sociedade

envolvente.

Optou-se, neste estudo, romper com o modelo escrito utilizado pela odontologia

ocidental tradicional, em suas dissertações, uma vez que o assunto, em questão, necessitava de

uma abordagem multidisciplinar ancorada, nos princípios das ciências sociais, uma escrita mais

livre e um roteiro mais flexível.

É pertinente esclarecer que a estrutura do trabalho traz consigo uma discussão constante,

ao longo de seus capítulos. Em um primeiro momento, são levantadas questões embasadas pela

literatura e, posteriormente, reflexões do autor, exemplificadas através das entrevistas, das

ilustrações e das experiências vivenciadas, em campo.

1199

As ilustrações são uma constante neste estudo, pois servem para visualizar a estrutura e o

dinamismo das reflexões proporcionadas pelos registros escritos, discursivos e observacionais.

A visualização por meio de imagens são características próprias do autor que as utiliza,

sob a forma de fluxogramas e figuras, como um estímulo para a discussão e questionamentos

sobre os temas abordados.

Neste mesmo âmbito, o autor utiliza grifos nos registros discursivos (entrevistas) para

demonstrar como algumas palavras e o contexto em si estimularam e instigaram suas reflexões.

2200

2 UM POUCO DA HISTÓRIA DOS WAJÃPI / AP

Os Wajãpi são um povo de tradição e língua Tupi-Guarani que estão distribuídos entre os

limites geográficos da fronteira Brasil-Guiana Francesa. Esta população, ao longo de sua história

de aproximação com a sociedade envolvente, imprimiu “sucessivas migrações rumo ao norte,

desde sua área de origem, no curso baixo do rio Xingu (...) escapando das frentes de colonização

e dos empreendimentos missionários no baixo Amazonas” (GALLOIS, 1988).

A população, que ocupa o lado brasileiro, divide-se em subgrupos territoriais, no Parque

Indígena do Tumucumaque e na Terra Indígena Wajãpi (FIG. 1b), esta detentora da população

predominante (ISA, 2004).

A Terra Indígena Wajãpi teve sua homologação, pelo decreto 1.775, que estabelece uma

área de 607.017 hectares, localizada na região centro-oeste do estado do Amapá. Sua extensão

geográfica abrange os municípios de Laranjal do Jari (60%) e de Pedra Branca do Amapari

(40%) correspondendo a 4,23% do território amapaense (PROGRAMA WAJÃPI / CTI, 1999;

BRASIL, 1996).

FIGURA 1a - Distritos Sanitários Especiais Indígenas, no Brasil

Fonte: FUNASA, 2004

FIGURA 1b - Terra Indígena Wajãpi, no estado do Amapá

Fonte: Adaptado de GEA, 2001

2211

A população que vive, no Estado do Amapá, é também conhecida como os Wajãpi do

Amapari, advindos de cinco grupos locais distintos, que ainda preservam suas diferenças

dialetais, nos dias de hoje (GALLOIS, 1988).

“Em vários momentos, durante minhas atividades com os professores e com os

agentes indígenas de saúde, presenciei algumas diferenças entre os membros das

aldeias Maryry, Ytapé e Ytuwasu no que tange ao modo de falar, agir, escrever e

até mesmo nas narrativas contadas” (Diário de campo, 2003-2004).

Os Wajãpi vivem em núcleos familiares, amplamente dispersos, entre as 46 aldeias

permanentes e/ou acampamentos temporários distribuídos, pela Terra Indígena. O tipo e a

localização das habitações estão intimamente relacionados às atividades agrícolas, à caça, à

pesca e à coleta, principais meios de subsistência, desta população. O sistema produtivo, deste

povo, consiste na produção para o consumo das famílias e não na ênfase de seu excedente.

Adicionado a isto, considere-se o fato de que muitas destas aldeias assumem posições

estratégicas no que tange à proteção dos limites geográficos da Terra Wajãpi (IEPE, 2004;

PROGRAMA WAJÃPI / CTI, 1999).

O modo de vida Wajãpi é assegurado pelo caráter de união, entre os membros da

comunidade e garantido pelo ritmo tranqüilo do seu cotidiano. No entanto, esta tranqüilidade é

muitas vezes, compreendida pela sociedade envolvente, como uma letargia física e mental, que

expõe o povo Wajãpi ao jargão de preguiçoso.

Porém, o modo de vida dos Wajãpi não é um carpe dien desnorteado, e sim uma

contextualização da necessidade de viver o presente, sem especular o futuro, mas,

principalmente, respeitando o passado e o conhecimento de cada integrante da comunidade.

“Vendo essa população saindo pra caçar e pescar pelos caminhos inexistentes da

floresta Amazônica, vendo-os caminharem dias e dias para visitar os parentes em

aldeias distantes, outras vezes vendo as lesões nas costas por carregarem pesos

monumentais nos seus panakus (‘mochilas’ de palha) e muitas vezes vendo a

sensibilidade na produção do artesanato e dos desenhos - patrimônios imateriais

da humanidade - fico me perguntando por que a sociedade nacional taxa a

população indígena de preguiçosa ?” (Diário de campo, 2003-2004).

2211

A organização política dos Wajãpi/AP possui aspectos semelhantes aos demais povos

indígenas da Amazônia Legal, onde a liderança nas aldeias segue um curso espontâneo e não

autoritário, tendo como principal virtude, a capacidade de agregar aliados, através de um

discurso firme e que, na maioria das vezes, está voltado para amenizar os conflitos internos,

distribuir os bens adquiridos e mobilizar a comunidade (GARNELO e SAMPAIO, 2003;

PROGRAMA WAJÃPI / CTI, 1999).

No entanto, a intensificação do processo de contato com a sociedade envolvente

introduziu a prática do assalariamento e com isso o aparecimento de novos espaços de poder

garantindo, principalmente aos mais jovens - detentores da fluência na língua portuguesa - o

status de professores, agentes de saúde, agentes de saneamento, pilotos fluviais e pilotos

terrestres.

Durante a trajetória de contato do povo Wajãpi/AP com a sociedade nacional, percebe-se,

desde 1950, que uma ameaça ao território deste povo se concretiza através da eminente e

desenfreada busca por minérios.

Em 1973, a FUNAI implantou um posto de atração2, em território Wajãpi, visando

proteger esta população dos impactos da construção da Rodovia Perimetral Norte. Ao mesmo

tempo, os missionários evangélicos, do Summer Institute of Linguistics (SIL) e, posteriormente

da Missão Novas Tribos do Brasil, ofereceram, no campo da saúde, uma alternativa de

assistência (ISA, 2001, PROGRAMA WAJÃPI / CTI, 1999, GALLOIS, 1988).

Todo este contexto é compreendido como o responsável por um período de concentração

e sedentarização do povo Wajãpi.

“Esse período de sedentarização e assistencialismo representou um grande risco

para a existência coletiva dos Wajãpi. Os índios passaram a viver em padrões

totalmente estranhos à sua dinâmica sócio-cultural. Em primeiro lugar, a

concentração populacional em apenas um ponto era catastrófica do ponto de

vista sociológico. Além disso, a interrupção da exploração de locais mais

distantes, concentrando os índios em torno do Posto, gerava o rápido

esgotamento dos recursos, tornando suas atividades insuficientes para o

provimento de suas famílias” (PROGRAMA WAJÃPI / CTI, 1999).

2 Categoria administrativa de posto indígena da FUNAI.

2222

No campo da saúde, a relação concentração/sedentarização, adicionada mais tarde pela

política de assalariamento, fortaleceu o modelo de atenção curativo-emergencial, a busca pela

doença; instituiu a medicalização na sociedade; estimulou novas demandas como o consumo por

alimentos industrializados; e contribuiu para a incorporação de novos hábitos e conceitos em

saúde bucal.

Já, na década de 1980, os Wajãpi sedimentaram sua reflexão acerca do prejuízo que o

processo de sedentarização ocasionou e puderam reconhecer os malefícios decorrentes desta

concentração, retomando, gradualmente, sua distribuição pela Terra Indígena. Sendo assim, o

antes desconhecido e desejado mundo do karaikõ (não índio) começava a demonstrar o seu

caráter dicotômico ao apresentar suas novidades atraentes e toda a sua morbidez, até então

desconhecida (PROGRAMA WAJÃPI / CTI, 1999).

Em 1994, visando dar maior representatividade ao povo Wajãpi, as lideranças criaram

uma organização para cuidar dos interesses, deste povo, perante à sociedade não índia, o

Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina). Este conselho recebeu, em 1996, uma considerável ajuda

quando o Programa Wajãpi do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) resolveu estender suas ações

- anteriormente voltadas para a educação, organização político-administrativa, gestão territorial e

ambiental - para o campo da saúde.

Este fato permitiu a reorientação das práticas assistenciais vigentes e a valorização das

representações sócio culturais dos Wajãpi. Paralelamente a isso, o Programa de Saúde Wajãpi

(PSW) foi transferido para a gestão do Apina, o que reforçou a autonomia deste povo.

Atualmente, a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) possui um convênio com o Apina

caracterizado pelo repasse de verbas da FUNASA e pelo suporte logístico do Distrito Sanitário

Especial Indígena (DSEI) do Amapá e Norte do Pará, para que as ações de saúde levem em

consideração as especificidades culturais deste povo, garantam o acesso à atenção integral e

fortaleçam o subsistema da saúde indígena.

2233

2.1 Aspectos demográficos e epidemiológicos dos Wajãpi/AP

Em um momento da história, não muito distante, o povo Wajãpi/AP se viu,

demograficamente, reduzido a 151 indivíduos3, conseqüência de uma epidemia de sarampo

provocada pelo convívio com garimpeiros, na parte sul de sua área (GALLOIS, 1988).

Esta íntima relação da demografia com a epidemiologia era semelhante ao contexto

vivenciado pelos povos indígenas, do Brasil, até a década de setenta (SANTOS e COIMBRA Jr,

2003; DAVIS, 1978).

No entanto, maiores detalhes, desta trajetória descendente, mantinham-se obscuros

devido aos escassos estudos e ao deficiente acompanhamento dos órgãos competentes. Porém

uma assertiva era senso comum a de que a curva decrescente era reflexo da conturbada trajetória

de contato com a sociedade envolvente.

Este panorama corrobora com a invisibilidade demográfica e epidemiológica que

vivenciam os povos indígenas do Brasil e prejudica as reflexões acerca dos acontecimentos em

saúde (COIMBRA Jr e SANTOS, 2000).

Os registros escritos do Programa de Saúde Wajãpi (PSW) e as informações cadastradas

no Sistema de Informação da Atenção da Saúde Indígena (SIASI), pertencente à Fundação

Nacional de Saúde (FUNASA), apontam para um crescimento populacional da população

Wajãpi (SIASI, 2005).

Sendo assim, este povo contabilizou, ao final do referido ano, 684 indivíduos

distribuídos, em 343 homens (50,14%) e 341 mulheres (49,85%), repetindo uma tendência de

quase paridade, durante duas décadas (GRAF. 1).

A taxa de crescimento, anual dos Wajãpi/AP, foi de 3,95%, em 2004, e a taxa de

fecundidade de 20,1% , um dos responsáveis pela manutenção deste crescimento (TAB. 1).

Estes índices fortalecem a constatação de que “a maioria dos povos indígenas tem

crescido, em média, 3,5% ao ano, muito mais do que a média de 1,6% estimada para o período,

de 1996 a 2000, para a população brasileira, em geral” (AZEVEDO, 2000).

3 Primeiro censo efetuado pela FUNAI em área Wajãpi datado de 1973.

2244

0

100

200

300

400

500

600

700

800

1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004

Ano

Popu

laçã

o

Masc. Fem. Total

GRÁFICO 1 - População Wajãpi/AP, segundo o gênero, 1984 a 2004

Fonte: SIASI, 10.01.2005

TABELA 1

Indicadores demográficos da população Wajãpi/AP, 2000 a 2004

Ano População Wajãpi/AP

Taxa de Crescimento

Mulheres em Idade

Fértil

Taxa de Fecundidade

Anual

Nascidos Vivos

2000 559 128 22,7% 29

2001 580 3,62% 133 15,8% 21

2002 622 6,75% 137 32,8% 45

2003 657 5,33% 146 28,1% 41

2004 684 3,95% 154 20,1% 31

Fonte: SIASI, 10.01.2005

2255

O Coeficiente Geral de Mortalidade (CGM) calculado, em 2004, para a população

Wajãpi, foi de 5,85 por mil habitantes, sendo que a metade dos óbitos (n=2) ocorreu em crianças

menores de 01 ano (TAB. 2).

O Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI) calculado, em 2004, para a população

Wajãpi, foi de 6,45 por cem nascidos vivos, sendo que as causas dos óbitos, nesta faixa etária,

foram desencadeadas por uma afecção originada, no período perinatal, e por uma doença

congênita do aparelho respiratório.

É importante salientar que em populações pequenas, não se pode perder o foco sobre o

número absoluto do numerador (óbitos < 1 ano) e do denominador (nascidos vivos).

TABELA 2

Estatísticas vitais da população Wajãpi/AP, 2002 a 2004

Ano População Wajãpi/AP

Nascidos Vivos

Óbitos em < 1

ano

Óbito Geral

CMI* CGM**

2002 622 45 1 3 2,22 4,82 2003 657 41 2 6 4,87 9,13 2004 684 31 2 4 6,45 5,85

Fonte: SIASI, 10.01.2005 * CMI – Coeficiente de Mortalidade Infantil por 100 ** CGM – Coeficiente Geral de Mortalidade por 1000

No que tange à faixa etária, este povo possui semelhanças à população indígena, em

geral, ou seja, uma idade mediana baixa onde a pirâmide populacional apresenta um

alargamento, na base, garantindo o aspecto típico de populações, com elevadas taxas de

natalidade.

Em 1980, 59% (115) da população Wajãpi estava abaixo de 15 anos e apenas 1,02% (2)

acima de 50 anos. Este quadro, manteve-se em 2004, 54,97% (376) da população abaixo de 15

anos e 6,14% (42) acima de 50 (FIG. 2 e 3).

2266

FIGURA 2 - Pirâmide etária da população Wajãpi, Amapá, 1980

Fonte: SIASI, 10.01.2005

FIGURA 3 - Pirâmide etária da população Wajãpi, Amapá, 2004

Fonte: SIASI, 10.01.2005

2277

2.2 Cosmologia Wajãpi/AP e o processo saúde-doença

“Diz a tradição oral Wajãpi que, no tempo das origens, homens e animais

partilhavam um espaço homogêneo, cortado por um único rio. A floresta que

conhecemos, hoje, não existia e as árvores eram baixas. Nesse tempo, todos os

ocupantes da terra reproduziam um único modo de ser, pois não havia diferença

entre as espécies (...) Foi, na ocasião de uma festa, promovida pelo herói criador

Janejar, que homens e animais se distanciaram. Os que se tornariam pássaros

apanharam dejetos da cobra sucuriju para se enfeitar com cores diferentes.

Dançaram e cantaram para os que se tornariam humanos, que puderam assim

aprender suas músicas (...) Tudo e todos, nesta terra, tem dono: homens, plantas,

animais e elementos inanimados. Cada porção do espaço conhecido é definido

como a moradia de um respectivo dono e das espécies que ele controla,

consideradas seus xerimbabos. As relações dos senhores dos animais com os

homens manifestam-se, através de ações de cooperação, na identificação e cura

de males e infortúnios, mas igualmente nas de agressão, atingindo quem

transgrediu a regra do jogo, intervindo de modo excessivo no domínio alheio”

(PROGRAMA WAJÃPI / CTI, 1999).

A Cosmologia consiste de teorias sobre a natureza do universo, materializadas a partir da

concepção e classificação, entre as grandes oposições, como vida-morte, humano-não humano e

duro-mole. Portanto, para tratar destes assuntos, cada cultura seleciona temas que contam, de

forma regular, essas oposições, que servem como “parâmetros de orientação para a ação

cotidiana, dinamicamente, reconstruída, segundo as necessidades do contexto e do momento

atual da sociedade” (HILL, 1993).

A íntima ligação entre cosmologia e organização social possibilita uma compreensão da

estrutura (modo de ser) dos povos indígenas, esclarecendo as concepções dos indivíduos e da

sociedade quanto ao universo. Já a reflexão quanto ao conteúdo, desta cosmologia, dá-se pelas

vias de acesso, como as narrativas míticas, que carregam consigo importantes elementos das

representações destes povos (GALLOIS, 2000).

2288

No campo da saúde, as representações sobre o processo saúde-doença são determinadas

pelos saberes culturais de cada etnia. Conhecer suas particularidades culturais e concepções,

auxilia na construção de um modelo assistencial diferenciado que garanta atenção integral

voltada ao indivíduo, percebido em seu ambiente e em suas relações sócio culturais.

Por um lado, as representações indígenas de saúde estão atreladas a um conhecimento

coletivo, em que prevalece a causalidade espiritual, a cura xamânica e um sistema diferenciado

de acolhimento das informações. Por outro, essas representações são influenciadas pelo discurso

biomédico cotidiano de que a etiologia das doenças está relacionada às mudanças biológicas e de

que a cura depende da tecnologia e dos medicamentos (FIGUEROA 2003; GARNELO e

SAMPAIO 2003; GARNELO e WRIGHT, 2001; WIIK 2001).

“Mo’ã jarã ikatua, (enfermeiro bom) vai procurar doença em Yvytõtõ” (Liderança Wajãpi)

A população Wajãpi/AP vivencia o processo saúde-doença e os seus comportamentos

associados às duas grandes categorias: o Ãjã, entendida como uma agressão mágica

desencadeada por esta categoria genérica de ser não humano e que demanda um comportamento

ético adequado pelo indivíduo doente; e o Ojipy, interpretado como uma contaminação mágica

deflagrada, pelo contato com certos fluídos, objetos ou pessoas (GALLOIS, 2004).

Esta compreensão do processo saúde-doença Wajãpi/AP está voltada para o âmbito

espiritual mas, atualmente, vem sofrendo forte influência do discurso biomédico que impõe um

sistema hermético de combinação de sintomas, para descrever e enquadrar as doenças.

Sendo assim, esta complexa relação é vivenciada em Terra Indígena sob a seguinte ótica:

o indivíduo doente que valoriza o componente cosmológico/espiritual procura o pajé para saber

como esta agressão ou contaminação entrou no seu corpo e como ele deve proceder para obter a

cura, seguindo uma ‘ética da moderação’4 (FIG. 4). Paralelamente a isto, o discurso dos

profissionais de saúde se dissemina pela Terra Wajãpi com demasiada valorização ao

componente biológico da doença. Este fato distancia a lógica Wajãpi/AP de saúde, inibe a

construção de um saber interétnico e desencadeia uma introspecção do componente cosmológico.

4 Prática de bom comportamento por parte do indivíduo doente para o restabelecimento do estado de saúde e da harmonia com o componente cosmológico.

2299

S A Ética Ú da Cosmologia D Moderação E

FIGURA 4 - Ponto de intersecção, resultante da lógica Wajãpi/AP, de saúde

“Um dos momentos mais mágicos da minha convivência, com esta população,

aconteceu, em Janeiro de 2004, quando eu estava percorrendo as aldeias com a

equipe do Programa de Saúde Wajãpi (PSW) para ouvir as lideranças sobre o

planejamento das ações, em saúde de 2004. Devido ao fato do rio estar baixo e a

voadeira (transporte fluvial usual na região) estar lotada, tive que ficar na aldeia

Mariry, por mais uns dias. Aproveitando o momento, sai do enfoque das reuniões

de planejamento e apenas conversei com a comunidade. Foi, neste momento, que

pude, realmente, conhecer e entender as narrativas míticas deste povo, apesar de

estar trabalhando com os Wajãpi desde 2002. Somente, a partir daquele instante,

percebi que não era mais ‘o dentista’ ou ‘o pesquisador’ e sim o amigo, aquele

em quem se confia e se abre sobre as convicções e crenças. Obrigado povo

Wajãpi/AP por sua confiança” (Diário de campo, 2003-2004).

3300

3 ODONTOLOGIA E OS POVOS INDÍGENAS

“A Odontologia como categoria de nível superior é uma conseqüência tanto da

evolução natural ou científica da profissão, quanto de dois fatores fundamentais e

interligados entre si: primeiro, o processo de urbanização e industrialização da

sociedade que acompanha o desenvolvimento econômico; e segundo, o aumento

da ocorrência da cárie dental” (PINTO, 2000).

A atenção em saúde bucal voltada aos povos indígenas, do Brasil, segue a mesma lógica

temporal do modelo médico assistencial já direcionado a estes povos. Este modelo possui dois

momentos distintos, o primeiro se caracteriza pelas campanhas esporádicas da Fundação

Nacional do Índio (FUNAI), centradas nos postos de atração e voltadas às ações curativo-

emergenciais. Em um segundo momento, a partir de 1999, começam a serem desenvolvidas ações

sistemáticas descentralizadas, nas aldeias e pólos-base, sob um enfoque preventivo-educacional.

Este segundo momento, coincide com a legitimação da Fundação Nacional de Saúde

(FUNASA), como a responsável pela atenção integral à saúde dos povos indígenas, no Brasil

(BRASIL, 2004b).

No campo da saúde bucal, esta mudança dos atores institucionais proporcionou um

período de reflexão e oxigenação cientifica, pois importantes iniciativas foram estabelecidas

para a discussão quanto ao modo de pensar e fazer odontologia, em terra indígena.

Dentre estas iniciativas, podemos citar a realização, em 1999, do “diagnóstico

qualitativo da situação de saúde bucal nos 34 DSEI’s”, bem como o inicio do ciclo de

capacitações aos cirurgiões-dentistas, atuantes nesta área (GUERRA, 2005).

Em 2001, a ênfase estabelecida voltou-se para a reorganização dos serviços, a

divulgação de experiências exitosas e, principalmente, para a busca de uma diretriz nacional, em

saúde bucal voltada para esta população (FERREIRA, 2005; BRASIL, 2004b).

Já em 2003, o Departamento de Saúde Indígena (DESAI) traçou o perfil da rede de

serviços, em saúde bucal, dos distritos, identificados importantes pontos de estrangulamento

acerca do modelo assistencial vigente. Também, neste mesmo ano, ocorreu, em Brasília, uma

oficina para discutir os instrumentos de monitoramento e avaliação das ações, em saúde bucal

(FERREIRA, 2005; GUERRA, 2005; DESAI, 2003).

3311

No entanto, o maior produto, deste encontro, foi a possibilidade de reunir o discurso dos

profissionais acerca das principais barreiras impostas à equipe de saúde bucal, no cotidiano de

suas ações, aqui categorizadas como:

Barreiras Culturais: O acesso geográfico, as vicissitudes da natureza e o domínio

da língua são os empecilhos mais lembrados quando se fala em saúde indígena, porém estes

elementos são apenas parte integrante das barreiras culturais vivenciadas, neste campo, e que

não estão relacionadas, propriamente, aos hábitos culturais dos índios e sim à cultura biomédica

da formação dos profissionais da saúde (FIG. 5).

“O tipo de pessoal que existe no país num dado instante é resultante de um

processo evolutivo da odontologia” (CHAVES, 1986).

Atualmente, o que se observa nos programas de saúde bucal indígena são transposições

da prática clínica privada para o campo da saúde coletiva. É fato, que a equipe de saúde bucal

não tem resposta e preparo para diversas concepções e novidades inerentes ao cotidiano da vida

em terra indígena. Assim, torna-se cada vez mais necessário que o conhecimento referente às

representações sócio-culturais dos povos indígenas, seus padrões alimentares, organização

social, demografia e epidemiologia sejam discutidos e agregados à formação acadêmica dos

profissionais da odontologia, pois a ampliação das ações com grupos sociais específicos e a

redistribuição espacial da força de trabalho exigirão cada vez mais a compreensão destes

determinantes do processo saúde-doença (PINTO, 2000).

Não estabelece a relação de vínculo

FIGURA 5 - Fluxograma das barreiras culturais vivenciadas, pela equipe de saúde bucal

Profissional Não compreende os demais determinantes

do processo formado e centrado BARREIRAS no conhecimento

biomédico CULTURAIS

saúde doença

Desvaloriza as representações sócio-culturais

3322

Aliada, a este contexto, a formação acadêmica e cultural dos profissionais da

odontologia pouco contribui para a discussão de valores não validados pela ciência médica

ocidental, sendo preciso repensar a formação desses profissionais no intuito de findar as suas

atividades isoladas e aproximar os centros formadores da causa indígena. Tudo isto para que se

tenha condições de formar e estimular profissionais dentro dos preceitos técnicos, mas

sobretudo conhecedores dos preceitos das ciências sociais e do respeito às representações sócio-

culturais dos povos indígenas.

Barreiras Estruturais: Entende-se por barreira estrutural toda ausência ou

deficiência do componente físico que prejudica o desenvolvimento das ações, em saúde bucal

(FIG. 6).

Este tema é recorrente nos discursos e relatórios dos profissionais e aponta em direção à

falta de infra-estrutura, à carência qualitativa e quantitativa de instrumental, à escassez de

material de consumo, à falta de um local salubre para a prática de intervenções invasivas, a

ambientes não ergonômicos e à ausência de energia para garantir a esterilização e o

funcionamento de equipamentos. Porém o que mais se observa é a inadequação dos

equipamentos e materiais da odontologia, voltados para uma outra realidade, que não a da saúde

indígena.

Logo, este contexto nos faz refletir sobre a lógica de produção da tecnologia dura

tradicional nos questionando para que e para quem a odontologia tem a oferecer seu capital

social.

Falta de infra-estrutura, materiais

Baixa qualidade dos serviços e desestímulo

profissional

Carência qualitativa e quantitativa de instrumental

FIGURA 6 - Fluxograma das barreiras estruturais vivenciadas, pela equipe de saúde bucal

Inadequação da infra-estrutura e dos

equipamentos à lógica da saúde indígena

BARREIRAS ESTRUTURAIS

Desvalorização da atenção básica

e insumos

Manutenção do paradigma biomédico

3333

Barreiras Organizacionais: São as responsáveis pelas distorções na rede de atenção

da saúde indígena (FIG. 7), em seu âmbito nacional, regional e local e podem ser visualizadas

pelo desconhecimento dos chefes de distritos e coordenadores técnicos às diretrizes de saúde

bucal voltada aos povos indígenas.

Este quadro reforça a idéia de que as ações odontológicas acontecem, de maneira

desagregada de um corpus multidisciplinar, dificultando assim a interação e a comunicação da

equipe de saúde bucal com os demais atores da saúde indígena. Adicionado a isto, pese o fato de

que a ausência de capacitações técnica e antropológica para a equipe de saúde bucal propicia o

empirismo das ações, em campo, e distanciam os profissionais do conhecimento produzido, nas

Universidades, implicando, cada vez mais, no ostracismo e na baixa qualidade, dos serviços

ofertados.

Na organização dos serviços, a falta de articulação com os programas de saúde bucal

dos municípios e a lacuna deixada pela rede de referência especializada vem diminuindo a

resolutividade e o impacto da assistência odontológica, além de prejudicar o fortalecimento do

sistema único de saúde (SUS). No que tange à organização das informações, em saúde bucal,

tem-se um extenso instrumento de coleta, um frágil registro e um incipiente sistema de

informação que não possibilitam a reversão da ‘invisibilidade epidemiológica’ voltada a esses

povos (COIMBRA Jr e SANTOS, 2000).

Diretriz de saúde bucal desconhecida

Atenção odontológica desagregada

FIGURA 7 - Fluxograma das barreiras organizacionais vivenciadas, pela equipe de saúde bucal

Falta de articulação com os municípios

Ineficiência da rede de referência

BARREIRAS ORGANIZACIONAIS

Ações empíricas em saúde bucal

Baixa resolutividade dos serviços

Enfraquecimento do SUS

Fragilidade do sistema de informações

Falta de capacitação técnica - antropológica

Invisibilidade epidemiológica

3344

Barreiras Operacionais: São as barreiras encontradas durante o desenvolvimento,

monitoramento e avaliação das ações odontológicas (FIG. 8). Estes empecilhos, geralmente,

induzem os profissionais a se acomodarem perante às dificuldades existentes e engessam o

senso crítico e as atitudes que garantem o entendimento e a maneira diferenciada de se fazer

odontologia, em terra indígena.

A prática odontológica ainda não se estabeleceu como um processo, dinamicamente,

organizado e ainda traz consigo a supervalorização das técnicas e a monopolização do saber,

concentrando em alguns indivíduos esse conhecimento e impossibilitando a coletividade de

usufruir, plenamente, da atenção em saúde bucal. Aliada, a isto, a constante rotatividade dos

profissionais tem levado à descontinuidade das ações (LOUREIRO, 2004; CORDÓN, 1998).

A falta de discernimento acerca das atribuições, etapas e ações pertinentes, a cada

membro da equipe de saúde bucal, tem imposto limitação à operacionalização das ações, pois,

no geral, esta compreensão se resume à execução de procedimentos clínicos apreendidos, nos

bancos das escolas técnicas e universidades.

Sendo assim, fazem-se necessários abandonar o aparato material e utilizar o aparato

intelectual, em prol da identificação das necessidades e expectativas dos povos indígenas;

estimular e executar medidas de promoção da saúde; realizar atividades educacionais e

preventivas; despertar a proximidade com os professores indígenas; intensificar as visitas

domiciliares; estreitar as ações intersetoriais e reforçar a figura do Agente Indígena de Saúde

(AIS) perante à comunidade no que tange ao programa de saúde bucal (FUNASA, 2004).

Desconhecimento das atribuições, etapas,

Engessamento do senso crítico e acomodação profissional

FIGURA 8 - Fluxograma das barreiras operacionais vivenciadas, pela equipe de saúde bucal

Supervalorização das técnicas e

monopolização do saber

BARREIRAS OPERACIONAIS

Ações isoladas, fragmentadas e dependentes da

tecnologia

e ações da equipe de saúde bucal

Descontinuidades das ações de saúde bucal

Alta rotatividade dos profissionais

3355

4 ABORDAGEM METODOLÓGICA: um olhar etnográfico

“A etnografia é a interpretação das culturas” (CLIFFORD, 1998).

Durante o século XVIII, o movimento iluminista preconizou o uso da razão, em prol do

respeito à humanidade, por toda América e Europa. Este movimento norteou o pensar de

diversas áreas do conhecimento e deixou, para o campo da etnografia, a influência de um

discurso objetivista e de confronto entre vários pontos de vista (GONÇALVES, 1998;

DARTON, 1996; HAMPSON, 1973).

No entanto, com o surgimento do movimento romântico, a etnografia começa a

incorporar aspectos mais subjetivos sobre a concepção de cultura, fortalecendo sua busca pela

‘dialética cultural’. Logo, a etnografia deixa de ser uma metodologia de relatos, de caráter

neutro e positivista, para ser entendida como uma construção dinâmica, contextualizada, no

tempo e no espaço, através das experiências vivenciadas e exteriorizadas, pelos atores

envolvidos (CLIFFORD e MARCUS, 1998; PEIRANO, 1995).

A etimologia da palavra ‘etnografia’ remete ao grego éthnos que refere à raça, a povo e à

nação, já a palavra ‘grafia’ é entendida como o uso da linguagem enquanto comunicação escrita,

ou seja, a etnografia seria a descrição de todas as manifestações de um povo, como crenças,

organização social, língua, cultura e outras (HOUAISS e VILLAR, 2001). Porém, a etnografia

apresenta distinções conceituais e metodológicas que estão, diretamente, ligadas ao recorte

geográfico e temporal de sua gênese.

Na Inglaterra, foi chamada de antropologia social e, na América, de antropologia

cultural, e a metodologia que prevaleceu, em ambos, foi a observação participante individual. Já

na França, denominou-se de etnologia a um ‘misto sem um corpus único’ legitimado pelo

trabalho de campo individual ou em equipe (CLIFFORD, 1998).

Estas diferenças conceituais referentes à etnografia são observadas com clareza no

discurso de estudiosos acerca do assunto, compreendida por Lévi-Strauss (1973) como a

“observação e análise de grupos humanos considerados em sua particularidade...visando a sua

reconstituição, tão fiel quanto possível à vida de cada um deles”.

3366

Segundo Clifford (1998), Geertz escreve a etnografia como uma atitude interpretativa

voltada para a busca de estruturas de significação, contextualizadas, através de uma descrição

densa.

Para James Clifford (1998), a etnografia atual é a base da antropologia social e cultural

(FIG. 5), mas os processos de construção estão baseados, nos textos etnográficos, os quais

consideram importantes portadores de momentos históricos e culturais distintos, mas que

representam as ‘atividades híbridas’, entre a escrita e as relações vivenciadas por etnógrafos,

nativos e outros personagens.

FIGURA 9 - Ilustração da concepção de James Clifford (1998), sobre

A pesquisa etnográfica valoriza a concepção indígena de saúde,

possibilita a descrição de um sistema de significados culturais, sem emitir

abordagem qualitativa observa e descreve a organização sócio-cultural de um

as concepções referentes a um recorte contextual, sem desconectá-lo, do seu

de investigação social deve ser entendido, não somente, como um

representações culturais, mas como uma construção, a partir do olhar

pesquisador exerce o papel subjetivo de participante e o papel objet

(CLIFFORD, 1998; LÜDKE e ANDRÉ, 1986; WILSON, 1977).

Dentro deste contexto, o trabalho de campo e a análise dos dados

foram pautados na técnica de triangulação dos registros escritos, observaci

descritos por Malinowsky, em 1976, e tiveram sempre como pano de fundo

culturais e ambientais do povo Wajãpi/AP (FIG. 10).

ANT ROP OL OGI

ETNOGRAFIA A

a etnografia

na medida em que

juízo de valor. Esta

grupo, destacando

meio. Este método

a reprodução das

reflexivo onde o

ivo de observador

, nesta dissertação,

onais e discursivos,

as relações sociais,

3377

Entende-se por registros escritos o diário de campo do pesquisador composto de

reflexões e anotações referentes aos indicadores epidemiológicos já levantados pelo Programa

de Saúde Wajãpi (PSW). Os registros observacionais ocorreram ao longo de toda a pesquisa,

através da observação participante dos costumes, festas, rituais, gestos e expressões particulares

que vieram a ter relação direta com a concepção Wajãpi do processo saúde-doença. Já os

registros discursivos constaram de entrevistas semi-estruturadas individuais com os caciques,

lideranças, professores e agentes indígenas de saúde (AIS), entre os tópicos abordados: a

identificação das práticas de higiene bucal, as narrativas míticas, os hábitos e as mudanças no

padrão alimentar ao longo da trajetória de contato a sociedade nacional.

Este estudo teve aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)

através do parecer nº 1646/2004, estando o trabalho, Etnografia Wajãpi/AP do processo saúde-

doença: um enfoque odontológico, registrado no CONEP sob o número 10384.

FIGURA 10 - Triangulação dos registros escritos, observacionais e discursivos

Inicialmente, foram realizadas entrevistas individuais com os AIS, caciques, professores

e lideranças indígenas visando à categorização acerca dos fragmentos de algumas narrativas

míticas; seus hábitos e mudanças no padrão alimentar, além dos cuidados com a boca e com os

elementos dentários.

3388

As categorizações deram ênfase à visão dos entrevistados e permitiram descrições

densas sobre os temas. Após estas descrições foram agrupados textos temáticos que eram

checados sistematicamente com as observações de campo. Paralelamente, foram analisados os

registros escritos das atividades de saúde bucal bem como os indicadores epidemiológicos e os

relatórios de 2002, 2003 e 2004 do Programa de Saúde Wajãpi.

Os registros discursivos apontaram para temas que merecem um olhar diferenciado pela

equipe de saúde bucal em Terra Wajãpi, porém os mais destacados, pelos entrevistados,

possuíam íntima ligação ao advento da política de assalariamento pelas instituições de saúde; ao

aparecimento de novos espaços de poder; à proximidade dos grandes centros; à introspecção da

cosmologia; e à mudança nos padrões alimentares desta população.

Portanto, estes principais temas foram agrupados em três eixos principais de análise: As

Narrativas Míticas e a Interface com a Saúde Bucal; A Mudança no Regime Alimentar dos

Wajãpi/AP; e A Saúde Bucal Wajãpi/AP, sua lógica e seus índices.

“Conhecer as mudanças alimentares oriundas da trajetória de contato com a

sociedade envolvente, conversar sobre os cuidados de higiene bucal e ouvir sobre

as narrativas míticas Wajãpi, possibilitaram-me redimensionar a visão positivista

que eu tinha da odontologia e assim pude valorizar mais o outro, através da sua

lógica e concepção” (Diário de Campo, 2003-2004).

3399

Autorização do estudo pelas entidades competentes:

Apina, FUNASA, DSEI /AP, COEP e CONEP

O B S E R V A Ç Ã O

P A R T I C I P A N T E

Assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Entrevistas iniciais

Categorização (mapa semântico)

Aprofundamento das entrevistas semi-estruturadas

professoresAIS caciques comunidade

Síntese possível, análise dos dados e comunicação dos dados

Apina, FUNASA, DSEI /AP, COEP e CO

FIGURA 11 - Fluxograma do estudo

A N Á L I S E

D O S

D O C U M E N T O S

às entidades competentes:

NEP

4400

5 AS NARRATIVAS MÍTICAS E A INTERFACE COM A SAÚDE BUCAL

“Antigamente Janejar pegou o palmito de pariri para fazer os dentes dos Wajãpi,

por isso que, atualmente, os nossos dentes não duram muitos e muitos anos (...)

Os dentes dos animais foram feitos da pedra Tãsi, por isso que os animais como a

cutia, o veado e o catitu têm os dentes fortes” (Agente Indígena de Saúde)

FIGURA 12 - Pariri e Tãsi, elementos da narrativa mítica Wajãpi/AP, sobre as

questões relativas à vida e à morte

Fonte: Oficina de saúde bucal, 20045

Os fragmentos das narrativas míticas são um elemento, entre muitos outros de um

complexo ciclo de narrativas, que dão conta, não dá origem dos dentes, mas de questões mais

amplas (GALLOIS, 2002).

Logo, este estudo não estará propondo nenhuma análise das narrativas míticas, mas

utiliza excertos de algumas delas, na tentativa de aproximar a odontologia e as representações

culturais dos Wajãpi/AP, no intuito de permitir que a equipe de saúde bucal entenda como são

construídas as formas de pensamento desta população, a respeito do universo.

5 Estratégia montada pelo Programa de Saúde Wajãpi, entre os anos de 2002 a 2004, visando a formação dos Agentes Indígenas de Saúde e dos técnicos de enfermagem, bem como a organização da assistência odontológica em Terra Wajãpi.

4411

Os profissionais de saúde fazem sua análise da história Wajãpi, através de uma visão

estacionária, pois entendem que a ausência de TV, rádio, celular e outros bens de consumo da

sociedade ocidental, seja a responsável pela falta de informação deste povo. Porém é preciso

que estes profissionais ousem lançar um olhar diferenciado à história cumulativa dos Wajãpi e,

assim, despertem para a riqueza e diversidade sócio-cultural transmitida de geração a geração.

“Eu estava revendo minhas fotos tiradas, em terra indígena e, numa delas, eu

estava rodeado de agentes indígenas de saúde. Engraçado que me deparei com

um fato interessante e que até aquele momento não tinha me ocorrido. Naquele

meio, eu era o diferente, muitas vezes tentei fazer com que eles pensassem,

através do meu modo de ver as coisas, depois disso ficou mais fácil entender

como eu deveria pensar através da lógica Wajãpi” (Diário de campo 2003-2004).

A prática odontológica tende a usar, como pano de fundo, a comparação entre o processo

de saúde-doença ocidental e alguns elementos da cultura Wajãpi, mas para isso continua a

utilizar os mesmos instrumentos da lógica tradicional de saúde bucal, como as técnicas de

escovação, a ênfase anatômica, personificação de elementos dentários e os conceitos quanto à

forma, do número e à função dos dentes.

Este tipo de enfoque proporciona a simples transposição das práticas, a mera tradução

dos elementos e não garante ações diferenciadas ao povo Wajãpi. O ideal seria que a equipe de

saúde bucal soubesse ouvir a população para assim utilizar seu conhecimento, provocar seu

pensamento e despertar seu interesse.

Portanto, o aprofundamento por parte da equipe de saúde bucal quanto às narrativas

míticas deve ser entendida como um importante instrumento para a construção do vinculo com a

comunidade, pois, antes de sensibilizar os indivíduos perante o mundo da odontologia, é

imperativo que a equipe de saúde bucal esteja sensível as diferentes representações sócio-

culturais existentes.

No entanto, é necessário entender que a cultura de um povo não está reduzida às

narrativas míticas e que os profissionais do campo da saúde precisam aprender a olhar sua

própria cultura com um certo distanciamento, compreendendo assim que esta é uma entre muitas

alternativas a serem utilizadas (GALLOIS, 2004).

4422

“Toda vez que inicio uma conversa com alguém da comunidade falando, sobre as

narrativas míticas, inicialmente, surgem alguns risos, mas depois estas se tornam

na melhor maneira de conversar horas a fio valorizando os saberes e as práticas

há muito existentes, no grupo” (Diário de campo, 2003-2004).

Um fato interessante observado, nas entrevistas sobre as referencias às narrativas míticas

dos Wajãpi, foi a variação no discurso entre os agentes indígenas de saúde (AIS) e os demais

entrevistados, fato que reforçou a idéia acerca de um certo compromisso com o discurso

biomédico - financiador do status dos AIS - devido à aquisição de um espaço de poder

diferenciado, através da política de assalariamento das instituições de saúde e que deixa

transparecer, em Terra Wajãpi/AP, uma certa diferença no pensar e agir quando o assunto é o

processo saúde-doença (FIG. 13).

Discurso

Biomédico

FIGURA 13 - Variação no discurso, entre os agentes indígenas de saúde (AIS) e os demais

entrevistados, quanto ao processo saúde-doença

O comprometimento dos AIS, com o discurso biomédico, também pode ser observado,

nos registros discursivos sobre os cuidados com a boca e com os elementos dentários, além de

transparecer a incorporação de conceitos e termos técnicos próprios da odontologia ocidental.

Outra constante nas entrevistas, foi o posicionamento dos mais jovens quanto aos

saberes e cuidados dos mais “velhos”. Fato que aponta para as dificuldades de comunicação

entre as diferentes faixas etárias.

Cosmologia

Processo Saúde-Doença

AIS Entrevistados

Entrevistados

4433

“O kurãpãnã é uma árvore que tem no mato...serve pra aquele sapinho da boca

que é candidíase e serve também pra limpar os dentes pra os dentes ficarem forte,

igual por exemplo como flúor” (Agente Indígena de Saúde)

“Tem...ypõsi...a gente pega galho bem fino, galho novo assim e pega e faz assim

na mão (gesto de esfregar) e coloca na boca pra mastigar...não é pra engolir... é

como remédio se não dá dor de estômago” (Agente Indígena de Saúde)

“O kurãpãnã a gente usa, como por exemplo, quando a gente vai caçar de manhã

cedo a gente corta pedaço né... aquele líquido sai...sai...sai...e não sai mesma

hora não, sai três horas aquele líquido aqui...eu acho interessante é isso que é

nossa preocupação também com os mais novos...como por exemplo os agentes de

saúde é a turma nova não tão sabendo mais isso” (Professor Indígena)

“Com certeza (o kurãpãnã) é parente do flúor” (Agente Indígena de Saúde)

“Na hora da janta se fica resto de comida no dente da gente então a gente utiliza

e tira isto porque naquela época não tinha pasta e escova ai a gente usava este

aqui (kurawa; fibra vegetal)...a gente usa no dia a dia mesmo e até agora nós

usamos...e esse daqui tem significado também...como por exemplo a gente não

pode usar durante a noite...porque os mais velhos conversaram com a gente

né...como por exemplo se a gente usa de noite o cabelo da gente fica branco”

(Professor Indígena)

“...isso é história de velho” (Agente Indígena de Saúde)

4444

6 A MUDANÇA NO REGIME ALIMENTAR DOS WAJÃPI/AP

“Dentre as espécies vegetais cultivadas, a mandioca brava é, sem dúvida, a

planta de maior abundância na roça (...) A mandioca é a base alimentar da

população Wajãpi, conseguida o ano todo a partir das diversas roças manejadas

por uma família. Além da mandioca, os Wajãpi plantam em sua roça milho,

macaxeira, batata-doce, banana, cará, jerimum, cana-de-açúcar, amendoim,

favas, abacaxi, caju e outras espécies. A pupunha, com mais de 16 variedades

locais, é outra espécie vegetal cultivada, que desempenha um papel importante

na identificação dos sítios de ocupação histórica, além de ser significativo

complemento nutricional na época de entressafra de outros alimentos. Ela é

também utilizada na produção de bebida fermentada (...) Os Wajãpi têm como

estratégia deixar as áreas do centro e do extremo norte de sua terra para a

reprodução dos animais, sendo que ali não fazem roças. Essa prática permite a

recomposição das populações animais (...) Entre as espécies mais caçadas,

destacam-se: (i) mamíferos – porcos-do-mato, antas, veados, preguiças e

macacos, especialmente o coamba e o guariba; (ii) roedores – paca, cotia; (iii)

aves – mutuns, araras, jacamins, tucanos, nambus, jacus e outras; (iv) répteis –

jacarés e diversas espécies de quelônios (...) Na pesca a espécie mais valorizada

é o trairão, encontrado em abundância nos rios e igarapés da região; curimatã,

aracu, acará, são as outras espécies mais consumidas” (PROGRAMA WAJÃPI /

CTI, 1999).

Os povos indígenas têm uma relação com a natureza que transcende a compreensão dos

não índio. Esta íntima ligação tem representações da origem do mundo e norteia o cotidiano

dessa população. Não bastasse o aspecto cultural, é também deste importante componente vital,

que os povos indígenas retiram os elementos para a sua subsistência, através da agricultura, da

caça, da pesca, da coleta ou do artesanato, ficando bem evidente o impacto social, cultural e

epidemiológico, resultante dos desequilíbrios acometidos à natureza (FIG. 14).

Nos trabalhos que abordam o estado nutricional e as mudanças nos padrões alimentares

dos povos indígenas, do Brasil, têm sido uma constante a observação da relação desigual entre a

4455

distribuição de terra e a concentração populacional. Nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, vivem,

aproximadamente, 40% da população indígena, constatando com o percentual da área de

abrangência, destes povos, de aproximadamente 2% das terras indígenas, do Brasil. Em

contrapartida, os povos do Norte e Centro-Oeste são detentores de 98% da extensão territorial e

abrigam 60% deste contingente populacional (COIMBRA JR., SANTOS, e ESCOBAR, 2004;

RICARDO, 2000).

FIGURA 14 - Carne de caça e beiju, alimentos tradicionais dos Wajãpi/AP

Fonte: Oficina de saúde bucal, 2004

A população Wajãpi/AP vivencia uma distribuição satisfatória de terra em relação a sua

população, aproximadamente um (01) hectare para cada indivíduo. Sendo assim, a limitação

imposta pela escassez territorial não se configura como responsável pela mudança, no regime

alimentar dos Wajãpi/AP, mas três componentes paralelos da trajetória de contato com a

sociedade envolvente: o processo de sedentarização, a introdução de novos alimentos e a

política de assalariamento.

Até meados de 1980, os Wajãpi/AP responderam, tradicionalmente, ao processo de

sedentarização, pois mesmo com a implantação do posto de atração da FUNAI, em 1973, ainda

vigorava a tradição de intensa movimentação entre as aldeias e o ritmo sazonal de subsistência

de cada família. Neste período, não há relatos da introdução de alimentos, pela FUNAI, mas há

queixas da comunidade em relação à concentração populacional e à escassez de alimentos

(GALLOIS, 2004).

Ao final dos anos oitenta, começam a surgir uma maior quantidade de postos de saúde,

em virtude do início das políticas de saúde e das ações de missionários. Estas ações aglutinaram

4466

a população em três aldeias principais: Taitetuwa, Ytuwasu e Mariry e, com isso, estimularam o

movimento natural da comunidade de ir ao encontro dos ‘novos postos de atração’.

Paralelamente, surgem nas escolas experimentos com merenda causando certa confusão

no entendimento dos Wajãpi de que a alimentação era somente para os alunos e não para toda a

comunidade (GALLOIS, 2004).

Neste momento, os únicos que tinham um contato mais intenso com a comida, dos não

índios, eram os indivíduos doentes que ficavam internados, nos postos de saúde, ou que iam

para a cidade fazer exames ou cuidar da saúde. Estas idas e vindas despertaram o gosto por esta

nova modalidade de alimento. Porém poucos eram os Wajãpi que detinham recursos financeiros

para adquirir os gêneros alimentícios da cidade.

Ao final de 1999, intensificaram-se os cursos de formação e o pagamento de salário para

os Agentes Indígenas de Saúde, fato que repercutiu, com certa pressão, para que os professores

indígenas também fossem remunerados. Logo, o dinheiro não veio pela carência em si, nem

pela conquista de um direito para atender uma necessidade, mas pela política de assalariamento

iniciada, pela FUNAI, e perpetuada pelas instituições de saúde e educação.

“Antigamente não tinha tanta alimentação diferente, por exemplo, hoje em dia,

tem sal, tem açúcar, tem leite, as coisas que a gente come hoje em dia é tudo

misturado é tudo químico o que a gente come não é nem natural” (Professor

Indígena)

“Antigamente nós não comíamos comida do branco por isso nossos avós não tem

dente estragado, agora atualmente nós recebemos (salário) e fomos para cidade e

trouxe muita comida do karaikõ (não índio)” (Agente Indígena de Saúde)

À medida que mais integrantes das famílias iam sendo incorporados à folha de

pagamento, menor era a pressão dos núcleos familiares mais conservadores, que facilitavam o

crescimento do gosto e do costume, em adquirir os alimentos do não índio (FIG. 15).

Sendo assim, esta situação possibilitou o aparecimento de novos espaços de poder,

através da oferta de empregos para professores, agentes de saúde, agentes de saneamento, pilotos

fluviais e pilotos terrestres, tendo sempre os jovens, como público preferido desta política de

4477

assalariamento, devido à fluência bilíngüe e ao oportuno desejo em adquirir os mesmos produtos

que as equipes de saúde trazem consigo.

“Naquela época do Taimigwerã (avós) tinha muita comida..., eles não comiam

comida do karaikõ (não índio) só comida própria mesmo. Hoje em dia tem

enlatado, arroz, suco (...) o agente de saúde, professor quem tem dinheiro compra

tudo e traz pra cá” (Liderança Wajãpi)

FIGURA 15 - Novos alimentos comprados, devido à política do assalariamento

Fonte: Oficina de saúde bucal, 2004

Portanto, a mudança no regime alimentar em função do processo de sedentarização não

está relacionada à necessidade biológica de adquirir a comida do karaikõ (não índio) fato

confirmado nos relatórios do Programa de Saúde Wajãpi (2004), pois não há indícios de

desnutrição. O que há é uma necessidade social em obter o status de assalariado para garantir

assim uma posição diferenciada, perante à população Wajãpi e à sociedade dos karaikõ (não

índios).

O processo de sedentarização, a introdução de novos alimentos e a política de

assalariamento influenciam, negativamente, o perfil de saúde bucal da população,

principalmente, dos mais jovens, e se não for associado a uma abordagem preventiva e

educacional diferenciada poderá resultar em péssimos indicadores. É imprescindível que equipe

de saúde bucal desenvolva ações integradas com os agentes indígenas de saúde e com

professores para a discussão e operacionalização de estratégias educacionais que sensibilizem a

comunidade, acerca dos efeitos negativos, desta nova modalidade de consumo.

4488

“O programa de saúde bucal ainda não conseguiu sensibilizar a população

Wajãpi acerca dos prejuízos causados por alguns tipos de alimentação do

karaikõ (não índio), pois tenho observado que existe um discurso preparado e

que muito se aproxima das idéias de terceiros (equipe de saúde) de que todo tipo

de comida do não índio faz mal, não se estabelecendo critérios de distinção entre

os alimentos, nem tampouco seus impactos. Acredito ser necessária uma

abordagem da odontologia, AIS e dos professores indígenas acerca das verdades

e mentiras sobre os alimentos e, mais do que isso, que se fortaleça, nessa

população, uma cultura de aquisição da escova, creme e fio dental visando

diminuir a prática paternalista das instituições de saúde, reforçando a idéia de

que o salário serve para aquisição de bens úteis à saúde e não para o consumo de

futilidades” (Diário de campo, 2003 – 2004).

4499

7 A SAÚDE BUCAL WAJÃPI/AP, SUA LÓGICA E SEUS ÍNDICES

“Antigamente, nós não ficamos preocupados se nosso dente vai estragar com

aquilo que a gente usa, por exemplo kurãpãnã do mato serve bem para isso a

gente só faz lavar nossa boca...então quer dizer que nossos dentes eram fortes

hoje em dia nossos dentes tão fracos eu vejo que lavamos bastante e mesmo assim

estraga” (Professor Indígena)

A odontologia, em Terra Indígena, reflete a mesma ausência dos estudos da medicina

ocidental, quer seja pela falta de dados epidemiológicos robustos, quer seja pela falta de

sensibilidade às representações socioculturais dos povos indígenas. Este contexto inviabiliza a

construção de um programa odontológico diferenciado em que não haja predomínio de um

modelo de atenção, mas uma troca de saberes.

Arantes (2003), ao comentar sobre a saúde bucal da população indígena brasileira,

afirma que as mudanças sociais e culturais advindas do contato interétnico interferem nas

formas de subsistência, ocasionando alterações nos padrões de saúde bucal. Porém o autor

ressalta que nem sempre a história de contato é o determinante exclusivo para o aumento das

doenças, cabendo aos profissionais identificar as particularidades culturais dos determinantes de

saúde-doença e reorganizar as ações odontológicas.

No estado do Amapá, a população indígena dispõe de atendimento odontológico mais

sistemático desde 2001. Porém, em um primeiro momento, as ações ficaram centradas na

demanda acumulada das décadas de ausência da odontologia, em Terra Indígena. Atualmente, a

equipe de saúde bucal do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Amapá e Norte do Pará

vem tentando reverter o quadro curativo-emergencial, através da reorganização das ações, da

ampliação do enfoque preventivo-educacional e da integração com os demais programas de

saúde, eliminando assim as experiências pontuais, o isolamento geográfico e a fragmentação das

informações em saúde bucal (PSW / RELATÓRIO ODONTOLÓGICO, 2003).

O Programa de Saúde Bucal, em Terra Wajãpi, estabeleceu como missão, durante o

período de 2002 a 2004, o estreitamento do vínculo com a comunidade, pois percebeu que as

barreiras lingüísticas e as representações sócio-culturais dos Wajãpi necessitavam de estratégias

distintas das atividades que o saber odontológico dispunha. Para tal, enfatizou o fortalecimento

5500

dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS) perante às lideranças e à comunidade, através da

construção de instrumentos para que os AIS realizassem suas atividades preventivas e

educacionais, sem necessitar dos recursos pré-moldados e utilizados pela odontologia junto à

população não índia (PSW / RELATÓRIO ODONTOLÓGICO, 2003).

“Saúde era bom...mais não era muito bom porque não tinha dentista pra fazer

curso, pra fazer oficina, pra aprender a cuidar dos dentes, pra ensinar o AIS

conversar com a comunidade pra aprender também” (Agente Indígena de

Saúde)

A população Wajãpi possui alguns cuidados, com a saúde bucal, que, a um primeiro

olhar, sugerem uma prática repassada entre gerações (FIG. 16). No entanto, com o

aprofundamento das entrevistas e da observação participante, percebe-se que não há uma prática

explícita de cuidados em saúde bucal, mas o uso dos recursos da floresta sem conotação

preventiva, mas sim uma espontaneidade em que o indivíduo utiliza o instrumento mais

próximo, para sanar um incômodo, na cavidade oral.

FIGURA 16– Kurãpãnã e Kurawa, recursos da floresta, utilizados no cuidado com a saúde bucal

Fonte: Oficina de saúde bucal, 2004

5511

Adicionada, a este contexto em Terra Wajãpi, uma apropriação do discurso e dos

instrumentos da prática médica ocidental no desenvolvimento de algumas atividades e costumes

indígenas. Este quadro impossibilita, muitas vezes, a separação do que é próprio da cultura

Wajãpi, do que foi incorporado, ao longo da trajetória de contato deste povo.

“Tem um tipo de árvore nossa que chama kurãpãnã...primeiro corta a casca ai

depois sai o leite, depois pega o leite na mão e mete na boca pra escovar os

dentes. Você já usou? Já...já quando não encontra o (homem) branco, eu fazia

muito quando eu era criança. E hoje não faz mais? Não porque agora só

pensando pasta e escova né” (Liderança Wajãpi)

“Kurãpãnã aqui dentro da área indígena tem muito...é uma árvore conhecida dos

mais velhos, meu avô me explicou um pouco, quando eu vivia no Taitetuwa

depois eu me afastei não procurei saber mais...o kurãpãnã serve como por

exemplo igual pasta de vocês isso (o kurãpãnã) a gente usa dia a dia

também...agora os novos não tão usando mais” (Professor Indígena)

FIGURA 17 – Ilustração da utilização do Kurãpãnã

Fonte: Oficina de saúde bucal, 2004

5522

“O Kurawa é uma planta...serve pra tudo como por exemplo pra fazer fio de arco

e serve também pra fazer punho de rede. Esse kurawa a gente usa também como

fio dental que vocês usam entendeu?...E até agora a gente usa como por exemplo

na hora da janta se fica resto de comida no dente da gente então utiliza e tira”

(Agente Indígena de Saúde)

FIGURA 18 – Ilustração da utilização do Kurawa

Fonte: Oficina de saúde bucal, 2004

“Não sei se os Wajãpi incorporaram o uso do Kurawa devido à comparação com

o fio dental do não índio ou se eles realmente mantinham isto como um costume

através dos tempos? O discurso dos mais jovens demonstra certa inconsistência

pois é uma fala sem uma prática, porém o discurso dos mais velhos já demonstra

a utilização de algum recurso extraído da floresta mesmo não ficando claro como

este conhecimento chegou à eles. Acredito que não podemos chamar os cuidados

que os Wajãpi tem de uma prática de saúde bucal, pois toda prática vem da

teorização de uma necessidade aplicada à vida do indivíduo e da comunidade.

Acredito sim que o desenvolvimento dessas ações precisam ser estimuladas pela

equipe de saúde bucal no intuito de valorizar a estrutura que existe para que não

se perca este conhecimento e isto sim é bem aceito pela comunidade, a sua

valorização cultural” (Diário de campo, 2003-2004).

5533

No que tange às estratégias lançadas pela equipe de saúde bucal para estimular a limpeza

dos dentes vislumbra-se que esta deveria ser sempre associada à higiene corporal, pois o

discurso de escovar os dentes após a alimentação não tem nenhuma difusão e assimilação entre

os Wajãpi já que esta população se alimenta constantemente e não tem como parâmetros um

número fixo de alimentações durante o dia.

FIGURA 19 – Associação da higiene bucal com a higiene corporal

Fonte: Oficina de saúde bucal, 2004

“Quando vejo os Wajãpi andando para o rio com a escova de dente na cintura

com a mesma desenvoltura com que eles fazem com o pente para o cabelo,

começo a pensar que isso não seria um indício de que o discurso do cuidado com

a saúde bucal está crescendo. Este fato me fez lembrar da reflexão de Anthony

Seeger em ‘O significado dos ornamentos corporais’ em que ele fala de que

ignorar a cultura material, os sinais e ornamentos seria um erro tão grande

quanto se concentrar somente neles” (Diário de Campo, 2003-2004).

A responsabilização em relação às odontalgias encontra distinções entre as faixas etárias

da população Wajãpi. Os jovens relatam que, hoje, teriam mais dor de dente por causa da

comida do karaikõ (não índio), já a população mais velha acredita que antes tinha mais dor de

dente, porque não tinha dentista.

5544

Essas opiniões apontam para a diferença que cada indivíduo tem em relação a sua

experiência de vida, mas também retratam a relação entre a experiência de dor e dois

personagens do mundo ocidental: o alimento industrializado e o dentista.

“Eu acho que agora tem muita (dor de dente) porque nós comemos comida de

karaikõ...deve ter dor de dente agora antigamente dente bom, não come comida

de karaikõ” (Agente Indígena de Saúde)

“Antigamente tinha muita dor dente (...) não tinha dentista” (Liderança

indígena)

“Você acha que no tempo dos teus avós tinha mais dor de dente ou menos

dor de dente ? Menos. Por que? Porque é...eles cuidavam dentes E hoje os

Wajãpi cuidam dos dentes? Cuida...não como época do Tamõ werã, porque eles

usavam kurãpãnã e outros tipos também...eu não sabia antes não, ai depois como

nós estudamos...conversei com cacique...e ele disse que Tamõ usa kurãpãnã da

floresta nos dentes” (Professor Indígena)

Desde 2002, a equipe de saúde bucal, do Programa de Saúde Wajãpi (PSW) vem

desenvolvendo levantamentos coletivos (TAB. 3) e ações pautadas nas diretrizes para atenção à

saúde bucal nos DSEI’s.

Este documento base da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) estabelece, entre seus

objetivos, a organização do fluxo de informações em prol da avaliação e acompanhamento das

ações de saúde bucal, além da utilização da epidemiologia como um instrumento organizador da

assistência (BRASIL, 2004).

Centrados no contexto de fortalecer a rede de informações da saúde indígena no Amapá

e melhor compreender a distribuição da cárie dentária entre os Wajãpi, o PSW analisou os dados

pertinentes ao serviço da equipe de saúde bucal, em 2003, e comparou a prevalência de cárie de

acordo com a localização das aldeias, à possibilidade de acesso ao serviço odontológico e à

trajetória com os diferentes agentes de contato (PSW/ Relatório Odontológico Anual, 2002;

PSW/ Relatório Odontológico Anual, 2003).

5555

TABELA 03

Levantamento das necessidades coletivas, 2002

NECESSIDADES N * % H D R E

Não tem dente Cariado ou que precise de Restauração ou Extração **

96 26,82% 74 13 09 -

Até 03 dentes Cariados, Restaurados ou Extraídos **

194 54,19% - - 92 102

De 04 a 08 dentes Cariados, Restaurados ou Extraídos **

64 17,88% - - 20 44

De 08 ou + dentes Cariados, Restaurados ou Extraídos **

04 1,11% - - 01 03

Emergência (Dor)

51 14,24% - - - -

Problema periodontal 58 16,20% - - - -

Fonte: Relatório Odontológico do PSW, 2002 * N= 358, representa 56% da população Wajãpi. ** Necessidades mutuamente excludentes *** Legenda – H: hígido, D: desdentado, R: a restaurar, E: a extrair

Para efeito do estudo, as aldeias foram agrupadas em quatro regiões que mais se

assemelhavam às especificidades territoriais e populacionais, divididas de acordo com os

núcleos familiares mais semelhantes: núcleo das aldeias da estrada, núcleo das aldeias do

Mariry, núcleo das aldeias do Ytapé e núcleo das aldeias com influência religiosa (FIG 20).

Atualmente, em Terra Wajãpi existem 46 aldeias permanentes e/ou acampamentos

temporários distribuídos em 607.017 hectares, sendo que as aldeias apresentam particularidades

quanto ao acesso geográfico, seus núcleos familiares e ao contato com os segmentos da

sociedade nacional (IEPE, 2004; PROGRAMA WAJÃPI / CTI, 2002).

5566

Acesso terrestre.Acesso terrestre + fluvial (rio Felício).Acesso terrestre + fluvial (rio Onça).Acesso terrestre + fluvial (riozinho).

Influência religiosa (missionários).

FIGURA 20 - Localização das aldeias, em Terra Indígena Wajãpi. Núcleo das aldeias da estrada: Engloba as aldeias Aramirã, Pinoty, Pyrakenupã,

Okora’yry, CTA, Cinco minutos, Cachoeirinha, Jakare e Manilha. Estas aldeias têm como

característica o acesso facilitado para automóveis, devido estarem localizadas, próximas da

estrada. Perfazem um total de 179 indivíduos e representam 28% da população total. Foram

examinadas 59 pessoas (27,5%). Núcleo das aldeias do Mariry: Engloba as aldeias Mariry, Açaizal, Arawaty,

Kurawairy, Kamuta, Najaty, Okakai e Yvytõtõ. Estas aldeias têm como característica o acesso

terrestre + fluvial, bem como a presença de núcleos familiares mais tradicionais. Perfazem um

total de 185 indivíduos e representam 29% da população. Foram examinadas 61 pessoas (29%). Núcleo das aldeias do Ytapé: Engloba as aldeias Ytapé, Koakywa, Akarary, Kapuwera,

Karavovo, Pypyiny, Yvyrareta, Ytuwasu e Taja’ywyry. Estas aldeias têm como característica o

acesso terrestre + fluvial, bem como a presença de núcleos familiares mais tradicionais.

Perfazem um total de 234 indivíduos e representam 36,6% da população. Foram examinadas 76

pessoas (36%).

5577

Núcleo das aldeias com influência religiosa: Engloba as aldeias Jakareãkãgoka e

Akaju. Estas aldeias localizam-se no curso médio do Riozinho que constitui o limite sudeste da

Terra Indígena Wajãpi e têm como característica principal à proximidade geográfica e as

relações com fundamentalistas evangélicos da Missão Novas Tribos do Brasil. Perfazem um

total de 42 indivíduos e representam 6,4% da população. Foram examinadas 15 pessoas (6%).

A metodologia utilizada deteve-se na análise dos dados coletados dentro do Programa de

Saúde Wajãpi (PSW) em 2003. Os exames foram realizados, exclusivamente, pelo cirurgião

dentista do PSW e anotados pela auxiliar de cirurgião dentista (ACD) do programa.

A amostra constou de 211 indivíduos (33% do total) de ambos os sexos (103 feminino e

108 masculino), sendo a idade média 25,05 ± 14,85 e a moda, 21 anos (TAB. 4).

TABELA 4

CPO-d segundo a faixa etária

Faixa etária (anos) N CPO-d (média) Desvio padrão 6 4 1,50 0,57

7 a 12 36 2,77 1,65 13 a 24 89 6,86 3,47 25 a 36 40 11,10 5,78 37 a 48 24 10,20 6,85 49 a 60 10 18,60 7,24 61 a 72 7 16,85 5,64

> 73 1 14,00 0,00 TOTAL 211 8,17 6,04

Fonte: Relatório Odontológico do PSW, 2003

Os dados foram analisados, a partir do programa EPI INFO 3,2 e o CPO-d médio

encontrado foi de 8,17 ± 6,04 {C=2,38 ± 1,92; P=5,14 ± 6,47; O=0,63 ± 1,10} (GRAF. 2).

Quando analisado o CPO-d considerando a localização das aldeias e a faixa etária mais

prevalente (13-24 anos, 42,2% do total) não foi observada nenhuma diferença significativa (x2=

0,9795; p= 0,8062).

5588

0

5

10

15

20

25

30

Grupo Grupo Grupo Grupo

±8.97 (DP6.6)±7.96 (DP5.9)±7.40 (DP5.1)±8.06 (DP6.9)

GRÁFICO 2 - Média de CPO-d segundo os núcleos das aldeias

* CPO-d total ± 8,17 (DP 6,04) ** x2= 1,3355; p= 0,7207

Porém quando analisados os componentes do CPO-d na mesma faixa etária (13-24

anos), pode-se observar uma diferença no acesso ao tratamento restaurador (p= 0,0395) e às

extrações (p= 0,0047)

Ao visualizarmos o CPO-d, segundo os componentes, na mesma faixa etária, pode-se

perceber que as aldeias mais próximas da estrada possuem uma polarização do elemento

obturado, além de uma simetria entre os elementos perdidos e cariado (GRAF. 3).

Nas localidades que possuem um histórico mais tradicional, ao modo de vida Wajãpi,

percebeu-se um número pequeno de elementos obturados e de elementos cariados. Já nas aldeias

mais próximas, ao contato com missionários, percebe-se um aumento no número de dentes

perdidos, sugestivo de um quadro desencadeado pela maior oferta de produtos industrializados,

semelhante às aldeias que têm o acesso facilitado pela entrada constante de carros (núcleo das

aldeias da estrada).

Concluiu-se que a localização geográfica das aldeias, em Terra Wajãpi, pode estar

proporcionando diferenças no acesso ao tratamento em saúde bucal, pois as aldeias da estrada e

as aldeias que possuem maior proximidade com os agentes de contato – entre eles o religioso –

5599

apresentam uma polarização do componente ‘perdido’ em detrimento do componente ‘obturado’

das aldeias mais distantes.

Porém, é pertinente salientar que os dados coletados na rotina dos serviços e a

complexidade dos fatores relacionados à trajetória de contato com a sociedade nacional

demandam novas investigações para melhor entendermos a distribuição das doenças orais em

Terra Wajãpi.

0.96

3.36

3.06

0.38

2.69

3.61

0.71

2.32

3.42

0.6

3.8

2.4

Grupo Grupo Grupo Grupo

C ariadoPerdidoO bturado

GRÁFICO 3 - Distribuição dos componentes do CPO-d, segundo os núcleos das aldeias.

* Faixa etária 13-24 anos (42,2%) ** Perdido (x2=12,9738; p= 0,0047) e Obturado (x2= 8,3417; p= 0,0395)

6600

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Aprendendo Odontologia com os Wajãpi/AP

A odontologia precisa garantir, aos Wajãpi/AP, o capital social proporcionado pelas suas

atividades, porém isto somente será possível quando a equipe de saúde bucal souber identificar

as principais barreiras que prejudicam a operacionalização de suas ações, bem como entender

que os instrumentos proporcionados pelo pensamento biomédico não possibilitam conhecer,

compreender e utilizar as representações sócio culturais, deste povo.

Um dos sentimentos vivenciados pelos profissionais de saúde, em área indígena, diz

respeito ao isolamento social, porém este sentimento desrespeita a presença dos mais próximos-

a população indígena.

Da mesma forma, o isolamento científico dos profissionais de saúde acontece porque

preferem imaginar que estão desaprendendo, por estarem longe dos cursos de atualização e

especialização, a lançar um olhar diferenciado à lógica dos povos indígenas e, com isso,

aprenderem durante este momento de construção inter-etnica.

Dentro deste contexto, o cirurgião dentista precisa inserir em sua caixa inox não somente

suas peças de alta rotação, fórceps e curetas, mas, principalmente, a disposição para aprender

operar também com as idéias, símbolos e imagens dos povos indígenas.

No que tange à mudança no regime alimentar dos Wajãpi/AP, percebe-se que o consumo

de alimentos industrializados ocorre não pela necessidade nutricional ou escassez alimentar, mas

pela obtenção de um status diferenciado produzido pela política de assalariamento.

Os Wajãpi/AP ainda mantém uma alimentação baseada nas atividades agrícolas, na caça

e na pesca, porém a introdução de novos alimentos e as décadas de ausência da atenção

odontológica impactaram, negativamente, na saúde bucal deste povo. Para que este impacto

epidemiológico possa ser minimizado é necessário que a odontologia desenvolva desde já

abordagens educativas alertando a população das conseqüências à saúde, advindas do consumo

de alguns gêneros alimentícios, dos não índios.

Porém, esta estratégia somente terá êxito caso consiga alcançar sua

multidisciplinariedade, através dos diversos atores existentes em Terra Wajãpi. Desde os

agentes indígenas de saúde até os professores, passando pelas lideranças, técnicos de

enfermagem, membros da comunidade, enfermeiros, mães, médicos, caciques, pilotos fluviais e

terrestres.

6611

Quanto às referências sobre as narrativas míticas e a sua interface com a saúde bucal, é

fundamental, que através desta via de acesso, se almeje uma maior aproximação entre a

odontologia e as representações culturais dos Wajãpi/AP. Sem perder de vista que as referências

às narrativas míticas estão relacionadas a um contexto maior, ao da cosmologia, e portanto não

explicam o componente etiológico do processo saúde-doença bucal.

Todavia esta interface com a odontologia propicia importantes elementos para a garantia

de uma relação de vínculo com a comunidade, a sensibilização da equipe de saúde bucal e a

construção de instrumentos culturalmente diferenciados.

A construção destes novos instrumentos deve envolver a população em seus diversos

núcleos para que haja a possibilidade de disseminar a concepção de que a doença deve ser

prevenida e, não somente tratada, bem como o fortalecimento na formação dos AIS e dos

profissionais que em vez de sair à procura das doenças, devem ir à busca da saúde.

O valor da saúde bucal, para os Wajãpi/AP, sempre esteve muito atrelado à necessidade

de resolução do problema ou incômodo que se localiza na cavidade oral, quer seja pela

utilização de plantas da floresta para aliviar a dor, quer seja pela utilização de fibras vegetais

para a remoção de alimento entre os dentes.

Os registros observacionais, neste estudo, apontam para a presença de um discurso

técnico em saúde bucal intermediado pelos profissionais e repetido pelos agentes indígenas de

saúde à comunidade, tudo isso sob um pano de fundo que não condiz com a realidade cultural

da população.

Estas observações são respaldadas pelos registros discursivos dos Wajãpi quanto ao

processo saúde-doença, ficando visível à apropriação de elementos da odontologia ocidental

tradicional a ponto de não distinguir se estes valores são componentes da cultura em questão ou

da trajetória de contato com as ciências médicas.

Contudo, já se evidencia em Terra Wajãpi questionamentos da população sobre os

cuidados de saúde bucal. Neste contexto, os Wajãpi estão aprendendo a objetivar uma nova

prática de saúde bucal. Logo, este é um momento oportuno para a construção de uma

odontologia menos imposta e mais culturalmente diferenciada.

6622

“Quando tive meu primeiro contato com os Wajãpi, em abril de 2002, tive a

impressão que iria ensinar muito da odontologia a este povo, porém depois de

dois anos cheguei a conclusão que foram eles que me ensinaram...É uma dessas

lições que a gente nunca esquece e que diz respeito a própria maneira de pensar

e de fazer odontologia” (Diário de campo, 2003-2004).

6633

9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDO, T.; HIRATA, M.J.; MORI, M.; RIBEIRO, F.C.; RIGONATTO, D.D. Atuação odontológica no Parque Indígena do Xingu: dados de 05 anos de prevenção de cárie com aplicações de flúor gel. Enciclopédia Brasileira de Odontologia, n. 4, p. 597–608. ANTHONY, S. O significado dos ornamentos corporais. In: Os índios e nós. Rio de Janeiro: Campos, 1980, p. 43-57 ARANTES, R. Saúde bucal dos povos indígenas no Brasil: panorama atual e perspectivas. In: COIMBRA JR., C.E.A; SANTOS, R.V.; ESCOBAR, A.L. (Orgs.) Epidemiologia e saúde dos povos indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 49-72. ARANTES, R.; SANTOS, R.V.; COIMBRA JR., C.E.A. Saúde bucal na população indígena Xavante de Pimentel Barbosa, Mato Grosso, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, n. 17, p. 375-384, 2001. ARANTES, R. Saúde bucal de uma comunidade indígena Xavante do Brasil Central: uma abordagem epidemiológica e bioantropológica. 1998. 112 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública / Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 1998. ATHIAS, R. Índios, antropólogos e gestores de saúde no âmbito dos distritos sanitários indígenas. In: LANGDON, E.J.; GARNELO, L. (Orgs.) Saúde dos povos indígenas: reflexões sobre antropologia parcipativa. Rio de Janeiro: Contra capa livraria/Associação brasileira de antropologia, 2004. p. 217-232. AZEVEDO, M.M. Censos demográficos e “os índios”: dificuldades para reconhecer e contar. In: RICARDO, C.A. (Org.) Povos Indígenas no Brasil 1996/2000. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2000. p. 79-83. BRASIL. Portaria n. 70 de 20 de janeiro de 2004. Aprova as Diretrizes da Gestão da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena. Diário Oficial da União, 2004a. BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde, Departamento de Saúde Indígena. Diretrizes para a atenção em saúde bucal nos distritos sanitários especiais indígenas/DSEI. Brasília, 2004b (mimeo). BRASIL. República Federativa do Brasil, Os estados Brasileiros. Disponível em < http://www.brasil.gov.br/informe.htm >. Acesso em 10 Ago. 2003. BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde, Política nacional de atenção à saúde dos povos indígenas. Brasília, 2000. BRASIL. Portaria n. 1.163 de 14 de setembro de 1999. Dispõe sobre as responsabilidades na prestação de assistência à saúde dos povos indígenas, no Ministério da Saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União, 1999a.

6644

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6688

ANEXOS 6699

POPULAÇÃO WAJÃPI AP PÓLO BASE :ARAMIRÃ PERÍODO :1984 A 1984 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade1984 F 108 M 123 231PERÍODO :1986 A 1986 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade1986 F 125 M 137 262PERÍODO :1988 A 1988 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade1988 F 141 M 151 292PERÍODO :1990 A 1990 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade1990 F 154 M 171 325PERÍODO :1992 A 1992 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade1992 F 172 M 185 357

Fonte: SIASI, 10.01.2005

7700

POPULAÇÃO WAJÃPI AP PÓLO BASE :ARAMIRÃ PERÍODO :1994 A 1994 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade1994 F 188 M 205 393PERÍODO :1996 A 1996 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade1996 F 210 M 229 439PERÍODO :1998 A 1998 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade1998 F 241 M 254 495PERÍODO :2000 A 2000 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade2000 F 276 M 283 559

Fonte: SIASI, 10.01.2005

7711

POPULAÇÃO WAJÃPI AP PÓLO BASE :ARAMIRÃ PERÍODO :2001 A 2001 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade2001 F 286 M 294 580PERÍODO :2002 A 2002 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade2002 F 309 M 313 622PERÍODO :2003 A 2003 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade2003 F 327 M 330 657PERÍODO :2004 A 2004 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Sexo Quantidade2004 F 341 M 343 684

Fonte: SIASI, 10.01.2005

7722

NASCIMENTOS PÓLO BASE :ARAMIRÃ PERÍODO :2000 A 2000 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Qtd.Nascidos vivos 2000 29 PERÍODO :2001 A 2001 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Qtd.Nascidos vivos 2001 21 PERÍODO :2002 A 2002 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Qtd.Nascidos vivos 2002 45 PERÍODO :2003 A 2003 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Qtd.Nascidos vivos 2003 41 PERÍODO :2004 A 2004 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Qtd.Nascidos vivos 2004 31

Fonte: SIASI, 10.01.2005

7733

ÓBITOS PÓLO BASE :ARAMIRÃ PERÍODO :2002 A 2002 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Quantidade2002 3 PERÍODO :2003 A 2003 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Quantidade2003 6 PERÍODO :2004 A 2004 Pólo Base: ARAMIRÃ Período Quantidade2004 4

PERÍODO 2004 Grupo etário Descrição Capítulo CID Quantidade

< 1 ano Doenças do aparelho respiratório 1 Afecções originadas no período perinatal 1

Fonte: SIASI, 10.01.2005

7744

MULHERES ENTRE 12 A 49 ANOS PÕLO BASE: ARAMIRÃ ANO: 2000 Mulheres Mul. entre 12 anos 49 anos

276 128 ANO: 2001 Mulheres Mul. entre 12 anos 49 anos

286 133 ANO: 2002 Mulheres Mul. entre 12 anos 49 anos

309 137 ANO: 2003 Mulheres Mul. entre 12 anos 49 anos

327 146 ANO: 2004 Mulheres Mul. entre 12 anos 49 anos

334 154

Fonte: SIASI, 10.01.2005

7755