etica contemporanea

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BRASÍLIA-DF. ÉTICA CONTEMPORÂNEA

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Filosofia ética

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  • Braslia-DF.

    tica contempornea

  • Elaborao

    Juliandrey Oliveira Moura

    Rogrio de Moraes Silva

    Produo

    Equipe Tcnica de Avaliao, Reviso Lingustica e Editorao

  • Sumrio

    APRESENTAO ................................................................................................................................. 4

    ORGANIZAO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 5

    INTRODUO.................................................................................................................................... 7

    UNIDADE I

    CINCIA, TICA E POLTICA .................................................................................................................... 9

    CAPTULO 1

    DESENVOLVIMENTO DA TECNOCINCIA ................................................................................... 9

    CAPTULO 2

    TICA E FILOSOFIA POLTICA ................................................................................................... 12

    CAPTULO 3

    TICA E O MEIO AMBIENTE ..................................................................................................... 23

    CAPTULO 4

    ASPECTOS TICOS E FILOSFICOS DA CLONAGEM ................................................................ 27

    CAPTULO 5

    TICA E DIREITOS HUMANOS ................................................................................................... 40

    CAPTULO 6

    ASPECTOS TICOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL ......................................................... 47

    UNIDADE II

    DIVERGNCIA ENTRE TICA E POLTICA ................................................................................................ 56

    CAPTULO 1

    TICA E POLTICA ................................................................................................................... 56

    UNIDADE III

    DVIDAS SOBRE UMA SOCIEDADE GLOBALIZADA ................................................................................. 72

    CAPTULO 1

    RIZOMA E CARTOGRAFIA ....................................................................................................... 72

    CAPTULO 2

    TEORIAS DAS LINHAS CONSTITUINTES DA POLTICA E DE MODOS DE VIDA ................................ 79

    PARA (NO) FINALIZAR ..................................................................................................................... 85

    REFERNCIAS .................................................................................................................................. 86

  • 4Apresentao

    Caro aluno

    A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa rene elementos que se entendem necessrios para o desenvolvimento do estudo com segurana e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinmica e pertinncia de seu contedo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas metodologia da Educao a Distncia EaD.

    Pretende-se, com este material, lev-lo reflexo e compreenso da pluralidade dos

    conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos especficos da

    rea e atuar de forma competente e conscienciosa, como convm ao profissional que

    busca a formao continuada para vencer os desafios que a evoluo cientfico-tecnolgica

    impe ao mundo contemporneo.

    Elaborou-se a presente publicao com a inteno de torn-la subsdio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetria a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na

    profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

    Conselho Editorial

  • 5Organizao do Caderno de Estudos e Pesquisa

    Para facilitar seu estudo, os contedos so organizados em unidades, subdivididas em captulos, de forma didtica, objetiva e coerente. Eles sero abordados por meio de textos

    bsicos, com questes para reflexo, entre outros recursos editoriais que visam a tornar

    sua leitura mais agradvel. Ao final, sero indicadas, tambm, fontes de consulta, para

    aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

    A seguir, uma breve descrio dos cones utilizados na organizao dos Cadernos de Estudos e Pesquisa.

    Provocao

    Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes

    mesmo de iniciar sua leitura ou aps algum trecho pertinente para o autor

    conteudista.

    Para refletir

    Questes inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faa uma pausa e reflita

    sobre o contedo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocnio. importante

    que ele verifique seus conhecimentos, suas experincias e seus sentimentos. As

    reflexes so o ponto de partida para a construo de suas concluses.

    Sugesto de estudo complementar

    Sugestes de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,

    discusses em fruns ou encontros presenciais quando for o caso.

    Praticando

    Sugesto de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didtico de fortalecer

    o processo de aprendizagem do aluno.

  • 6Ateno

    Chamadas para alertar detalhes/tpicos importantes que contribuam para a

    sntese/concluso do assunto abordado.

    Saiba mais

    Informaes complementares para elucidar a construo das snteses/concluses

    sobre o assunto abordado.

    Sintetizando

    Trecho que busca resumir informaes relevantes do contedo, facilitando o

    entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

    Exerccio de fixao

    Atividades que buscam reforar a assimilao e fixao dos perodos que o autor/

    conteudista achar mais relevante em relao a aprendizagem de seu mdulo (no

    h registro de meno).

    Avaliao Final

    Questionrio com 10 questes objetivas, baseadas nos objetivos do curso,

    que visam verificar a aprendizagem do curso (h registro de meno). a nica

    atividade do curso que vale nota, ou seja, a atividade que o aluno far para saber

    se pode ou no receber a certificao.

    Para (no) finalizar

    Texto integrador, ao final do mdulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem

    ou estimula ponderaes complementares sobre o mdulo estudado.

  • 7Introduo

    Em toda a sua histria e existncia, a filosofia passa por perodos distintos, temas,

    disciplinas e reas de investigao. E aqui destacamos a tica Contempornea, que reflete sobre ao desenvolvimento da tecnocincia, tica e o meio ambiente, aspectos

    ticos do desenvolvimento sustentvel, as divergncias entre tica e poltica e sobre dvidas sobre uma sociedade globalizada.

    Este caderno, portanto, tem o objetivo de proporcionar informaes acerca da tica Contempornea, com o compromisso de orientar os profissionais da rea de Filosofia,

    para que possam desempenhar suas atividades com eficincia e eficcia.

    Objetivos

    Levantar aspectos relevantes sobre cincia e aspectos ticos do desenvolvimento sustentvel;

    Identificar aspectos relevantes das divergncias entre tica e poltica; e

    Identificar aspectos ticos contemporneos sobre uma sociedade globalizada.

  • 8

  • 9UNIDADE ICINCIA, TICA E POLTICA

    CAPTULO 1Desenvolvimento da tecnocincia

    As teorias ticas nascem e desenvolvem-se em diferentes sociedades como resposta aos problemas resultantes das relaes entre os homens. Devido a estas influncias o termo

    tica tornou-se progressivamente mais difcil de definir, caindo num relativismo de que

    o sculo XX, com todas as suas contradies, um bom exemplo.

    Esta surge com o objetivo de orientar coerentemente o comportamento dos seres humanos e de constituir um nmero de valores que sirvam como guia em todas as situaes.

    Na atualidade est muito relacionada com o desenvolvimento das cincias da vida, pois crescentes tm sido as descobertas de muitas curas para doenas, preservao da vida sobre condies artificiais, a clonagem, a eutansia e at robtica. Sobre todos estes

    temas, deve existir pois, uma reflexo tica no intuito do poder fazer e dever fazer. No

    entanto, muitos se opem e defendem que no correto estabelecer uma relao entre a tica e a cincia, pois como a tica se localiza no campo da ao humana, exerce muita

    presso nas decises de algumas entidades.

    A tica est interligada opo, ao desejo de realizar a vida, mantendo com os outros, relaes justas e aceitveis.

    Nos nossos dias um dos campos que se encontra mais carente no que diz respeito tica o das novas tecnologias, pois no existem leis de conduta e regras o que provoca

    uma aproximao do limite da tica no trabalho e no exerccio profissional. No entanto

    desde que surgiu a cincia com a experimentao, esta mantm uma relao difcil

    com a tica. Uma soluo aparentemente fcil seria separar a tica da cincia, esta

    ultima lida com a verdade (ou algo prximo a ela) e a tica com a vida prtica. Assim

    sendo a cincia seria a tica, a tica no teria nada a ver com a cincia sendo s utilizada

    nas suas aplicaes, em especial com a tecnologia.

  • 10

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    Os avanos cientficos e o consequente surgimento de inmeras questes ticas, o ser

    humano passou a ter uma tica que lida mais com questes mais profundas deixando

    parte as questes superficiais, ou seja, samos de um conjunto de regras prontas e

    passamos a questionar o seu sentido.

    Com todo este progresso verifica-se hoje necessidade de fazer com que a tica acompanhe

    cada vez mais e mais a cincia da a necessidade da criao da biotica.

    A sociedade humana contempornea, enquanto sociedade industrializada, deriva em larga medida de formas e ideias genuinamente tcnicas e cientficas, podemos afirmar

    que vivemos todos numa sociedade em que a tecnologia e a cincia se interligam de tal forma que se tornam mesmo indissociveis; toda a sociedade em geral, e at os prprios cientistas estabelecem como nica razo de ser da cincia a gerao de

    aplicaes tecnolgicas, dizemos por isso e logicamente que toda a cincia , na verdade

    tecnocincia.

    Eis-nos ento perante a sociedade tecnocientfica, uma sociedade, inteiramente

    aberta cincia, uma sociedade absolutamente tcnica, capitalista, recorrente a diversos tipos de novos engenhos, que, de uma forma ou de outra vo a pouco e pouco contribuindo para que surjam grandes e importantes alteraes no quotidiano de toda uma populao mundial.

    A tecnologia vem causando grandes discusses sobre as suas vantagens e desvantagens, e certo que o desenvolvimento tecnolgico-cientfico tem sido muito importante para

    o crescimento da nossa sociedade.

    Por isso se diz que todo este desenvolvimento cientfico imensamente ambguo, pois

    pode ser usado tanto para o bem como para o mal, tanto na promoo da felicidade como no agravamento das desgraas.

    A criatividade e a dinamicidade do homem tm sido ameaadas pelo uso de mquinas e as nossas atitudes tomadas de forma mecnica.

    J no mais agimos da maneira que achamos melhor, mas sim da forma que nos impem como sendo a melhor.

    necessrio que passem a ser impostos alguns limites ticos e polticos que possam controlar o poder da tecnocincia.

    A civilizao tcnica carrega consigo uma responsabilidade metafsica, pelo menos desde que o homem se tornou perigoso, no apenas para ele mesmo, mas para toda a biosfera E a restaurao da simbiose homem/natureza o primeiro passo a ser dado diante da arquitetura do mal perpetrada por intelectos terico-prticos, mercantilizao

  • 11

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    e degradao do meio ambiente, esgotamento dos recursos naturais, desigualdades sociais, violncia, conflitos, pois todos buscam e correm desalmadamente na nsia do

    poder, do domnio sobre tudo e todos do possuir mais e mais e mais.

    A Segunda Guerra Mundial aquando do gigantesco impacto que foi a exploso das

    bombas atmicas de Hiroshima e Nagasaki empreendeu um exame de conscincia

    cujo resultado corresponde a um desdobramento da distino abstrata entre cincia e tecnologia. Foi tambm preciso que o planeta se apavorasse com a destruio da biosfera

    para que riscos tcnicos comeassem a ser avaliados e criticados por organizaes no governamentais, como a Greenpeace e a Amnistia Internacional, entre outras, que lutam arduamente contra a desmesura que tomou conta dos donos do poder.

    Abordando um outro polo da questo, ser que vale a pena tirar muitos homens que dedicam as suas vidas pelo seu trabalho e o fazem da melhor maneira possvel para colocar no lugar deles uma mquina que far tudo de forma fria e mecnica?

    Aumentaremos com certeza o aumento da velocidade de produo, mas quantas famlias cairo na misria.

    Existe ainda um aspecto negativo bem visvel na nossa sociedade, o chamado custo

    de oportunidade, por exemplo, a deciso de adquirir um telemvel por parte de uma

    famlia pode parecer racional se considerada isoladamente, mas no se a famlia estiver em dificuldades financeiras e tiver de deixar de comprar alimentos para adquirir o

    telemvel, uma situao semelhante tecnocincia podemos raciocinar acerca do quo

    sensato no seria aplicar os recursos destinados s pesquisas de alta tecnologia, que na maioria dos casos so acessveis apenas s camadas mais ricas, na eliminao das causas dos problemas de sade da imensa maioria pobre da populao do mundo.

    A criatividade e a dinamicidade do homem tm sido ameaadas pelo uso de mquinas e as nossas atitudes tomadas de forma mecnica.

    A civilizao tcnica carrega consigo uma responsabilidade metafsica, pelo menos desde que o homem se tornou perigoso, no apenas para ele mesmo, mas para toda a biosfera E a restaurao da simbiose homem/natureza o primeiro passo a ser dado diante da arquitetura do mal perpetrada por intelectos terico-prticos.

  • 12

    CAPTULO 2tica e Filosofia Poltica

    Nos primrdios do sculo XX, a reflexo tica se fixou nos problemas dos fundamentos

    semnticos, metodolgicos e epistemolgicos: um conjunto terico que recebeu da

    filosofia analtica a denominao de Metatica.

    O questionamento a prpria possibilidade de uma tica, enquanto teoria normativa

    da ao, tornando posturas no cognitivas e emotivistas que sustentam a tese em que as proposies normativas no possuem contedo cognitivo, uma vez que no so propriamente sentenas declarativas, portanto, no so nem verdadeiras nem falsas. Desse modo, se as sentenas normativas no so nem verdadeiras nem falsas, ela no contm obrigaes e no podem ser fundamentadas.

    A tica enquanto teoria da ao moralmente correta impossvel, as grandes orientaes do debate tico contemporneo; as ticas deontolgicas, as quais, respectivamente,

    se centram na anlise dos julgamentos de fato e na anlise dos julgamentos de valor, ambos implicados no agir humano.

    A partir do problema da validade das normas que orientam pela legitimidade da ao e das instituies scio-polticas, surgem ideias como Soberania, Representao,

    Contrato, Estado, Opinio Pblica, Classe, Nao, Sociedade Civil, Partidos Polticos etc, so suscetveis de uma avaliao crtica profunda.

    Uma filosofia poltica pode ser construda de modo a considerar como referencial de sua

    orientao no apenas as comunidades polticas locais, regionais e nacionais, mas as relaes humanas no contexto de uma civilizao planetria, bem como as consequncias

    da interveno das cincias na ecosfera, na biosfera e dos mercados globais.

    Nota-se que a humanidade frente ao problema da corresponsabilidade capaz de fomentar uma conscincia solidria cosmopolita e que repercute a primazia do poltico no contexto

    do mundo globalizado ameaado por um colapso ecolgico e social, significando o

    pensar poltico como a condio de legitimar os fundamentos normativos bsicos das estruturas necessrias para as comunidades histricas distribudas sobre o planeta.

    tica

    Em situaes como estas que acabamos de enumerar, os indivduos se defrontam com a necessidade de pautar o seu comportamento por normas que se julgam mais

  • 13

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    apropriadas ou mais dignas de ser cumpridas. Estas normas so aceitas intimamente e reconhecidas como obrigatrias.

    Nestes casos, dizemos que o homem age moralmente e que neste seu comportamento se evidenciam vrios traos caractersticos que o diferenciam de outras formas de conduta humana. Sobre este comportamento, que o resultado de uma deciso refletida e, por

    isto, no puramente espontnea ou natural, os outros julgam, de acordo tambm com normas estabelecidas, e formulam juzos como os seguintes: X agiu bem mentindo

    naquelas circunstncias; Z devia denunciar o seu amigo traidor etc. De acordo com elas, os indivduos compreendem que tm o dever de agir desta ou daquela maneira.

    De outro lado, h juzos que aprovam ou desaprovam moralmente os mesmos atos. Todavia, tanto os atos quanto os juzos morais pressupem certas normas que apontam o que se deve fazer. Assim, por exemplo, o juzo: Z devia denunciar o seu amigo traidor,

    pressupe a norma os interesses da ptria devem ser postos acima dos da amizade.

    De fato, o comportamento humano prtico-moral, ainda que sujeito a variao de uma poca para outra e de uma sociedade para outra, remonta at as prprias origens do

    homem como ser social. Tudo isto faz parte de um tipo de comportamento efetivo, tanto dos indivduos quanto dos grupos sociais; tanto de ontem quanto de hoje.

    Os homens no s agem moralmente (isto , enfrentam determinados problemas

    nas suas relaes mtuas, tomam decises e realizam certos atos para resolv-los e, ao mesmo tempo, julgam ou avaliam de uma ou de outra maneira estas decises e estes atos), mas tambm refletem sobre esse comportamento prtico e o tomam

    como objeto da sua reflexo e de seu pensamento. D-se assim a passagem do plano

    da prtica moral para o da teoria moral; ou, em outras palavras, da moral efetiva para a moral reflexa. Quando se verifica esta passagem, que coincide com o incio

    do pensamento filosfico, j estamos propriamente na esfera dos problemas tericos

    morais ou ticos.

    Os problemas morais, os problemas ticos so caracterizados pela sua generalidade. Se na vida real um indivduo enfrenta uma determinada situao, dever resolver por si mesmo o problema de como agir de maneira a que sua ao possa ser boa, isto , moralmente valiosa. Ser intil recorrer tica com a esperana de encontrar nela uma norma de ao para cada situao concreta.

    A tica um comportamento pautado por normas, ou em que consiste o fim visado pelo

    comportamento moral, do qual faz parte o procedimento do indivduo ou o de todos. O problema do que fazer em cada situao concreta um problema prtico-moral e no terico tico.

  • 14

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    O problema prtico que o indivduo deve resolver na sua vida cotidiana e o problema terico cuja soluo compete ao investigador (a partir da anlise do material que lhe

    proporcionado pelo comportamento efetivo dos homens) no podem ser identificados.

    Sem dvida, a investigao terica no deixa de ter consequncias prticas, porque,

    ao se definir o que o bom, se est traando um caminho geral para que os homens

    possam orientar sua conduta nas diversas situaes particulares. Neste sentido, a teoria pode influir no comportamento moral prtico.

    As teorias ticas organizaram-se em torno do problema da definio do bom, na

    suposio de que, se soubermos determinar o que ele , poderemos saber o que devemos fazer ou no fazer.

    Juntamente com o problema da definio do bom colocam-se, tambm, outros

    problemas ticos fundamentais, tais como o de definir a essncia ou os traos essenciais

    do comportamento moral que o diferencia de outras formas de comportamento humano, como a religio, a poltica, o direito, a atividade cientfica, a arte, o trato social, etc.

    O problema da essncia do ato moral remete para outro problema importantssimo:

    o da responsabilidade. Entretanto, isto envolve o pressuposto de que ele pde fazer o que queria fazer, ou seja, ele pde escolher entre duas ou mais alternativas, e agir de acordo com a deciso tomada. O problema do livre arbtrio inseparvel do problema da responsabilidade.

    Problemas ticos so tambm o da obrigatoriedade moral, isto , o da natureza e fundamentos do comportamento moral enquanto obrigatrio, bem como o da

    realizao moral, no s como empreendimento individual, mas tambm como

    empreendimento coletivo.

    Os homens, em seu comportamento prtico-moral, realizam determinados atos. Ademais, julgam ou avaliam os mesmos, isto , formulam juzos de aprovao ou de reprovao deles e se sujeitam consciente e livremente a certas normas ou regras de ao. Tudo isto toma a forma lgica de certos enunciados ou proposies.

    Os problemas tericos e os problemas prticos, no terreno moral, se diferenciam,

    portanto, mas no esto separados por uma barreira intransponvel. As solues dadas aos primeiros no deixam de influir na colocao e na soluo dos segundos, isto , na

    prpria prtica moral. Por sua vez, os problemas propostos pela moral prtica, assim

    como as suas solues, constituem a matria de reflexo, o fato ao qual a teoria tica

    deve retornar constantemente para que no seja uma especulao estril, mas sim uma teoria de um modo efetivo de comportamento do homem.

  • 15

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    Assim, os problemas ticos caracterizam-se pela sua generalidade e isto os distingue dos problemas morais da vida cotidiana, que so os que se nos apresentam nas situaes concretas.

    O valor da tica como teoria est naquilo que explica, e no no fato de prescrever ou

    recomendar com vistas ao em situaes concretas. A tica teoria, investigao ou explicao de um tipo de experincia humana ou forma de comportamento dos homens,

    o da moral, considerado, porm na sua totalidade, diversidade e variedade, o que nela se afirme sobre a natureza ou fundamento das normas morais deve valer para a moral da

    sociedade grega, ou para a moral que vigora de fato numa comunidade humana moderna.

    A tica parte do fato da existncia da histria da moral, isto , toma como ponto de

    partida a diversidade de morais no tempo, com seus respectivos valores, princpios e normas. A tica estuda uma forma de comportamento humano que os homens julgam valioso e, alm disto, obrigatrio e inescapvel. Mas nada disto altera minimamente

    a verdade de que a tica deve fornecer a compreenso racional de um aspecto real, efetivo, do comportamento dos homens.

    tica com Aristteles

    Por que os seres humanos so dotados de razo? Por algum motivo fomos escolhidos para deter tamanha responsabilidade. O que nos deve governar para uma medida reta e certa? A resposta mais ingnua diria justia; mas qual o fundamento desta justia? Para o tratadista, filsofo e astrnomo Aristteles, a tica deve nortear os seres humanos para

    que estes administrem de forma justa no s suas vidas como tambm as grandes cidades.

    Para Aristteles, caso haja mais de um bem, devemos busc-lo no mais final de todos,

    que no caso consiste na felicidade. Para que o homem a alcance, no a deve buscar em um curto lapso temporal, mas sim deve sempre encarar tal busca como uma postura de vida, pois s assim ser feliz.

    Em relao ao homem, a excelncia moral considerada mais elevada e perfeita a justia

    na justia se resume toda a excelncia. Aristteles, diz ainda que: a justia neste

    sentido a excelncia moral perfeita. Neste diapaso, podemos considerar a justia

    como a excelncia moral mais perfeita porque alm de sintetizar as outras excelncias

    ela ao mesmo tempo individual e coletiva, sendo a prtica efetiva da excelncia moral.

    No resta dvida de que o homem que age de acordo com a tica ser um bom professor, pois educar seu pupilo de modo consoante a justia e criar um jovem virtuoso, tico - ou seja, expresso desnecessria justo. O homem virtuoso age conforme a excelncia

    moral e, deste modo, busca a justia para si e para a coletividade.

  • 16

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    Estudos das doutrinas ticas

    O estudo das doutrinas ticas, ou teorias acerca da moral, preferimos dividi-las nos seguintes segmentos, correlacionados historicamente: tica grega, tica crist medieval,

    tica moderna e tica contempornea.

    Sendo assim, vamos partir do princpio que a histria da tica teve sua origem, pelo

    menos sob o ponto de vista formal, na antiguidade grega, atravs de Aristteles (384 -

    322 a.C.) e suas ideias sobre a tica e as virtudes ticas.

    Na Grcia porm, foi possvel identificar traos de uma abordagem com base filosfica

    para os problemas morais e at entre os filsofos conhecidos como pr-socrticos

    encontramos reflexes de carter tico, quando buscavam entender as razes do

    comportamento humano.

    Scrates (470-399 a.C.) considerou o problema tico individual como o problema filosfico central e a tica como sendo a disciplina em torno da qual deveriam girar

    todas as reflexes filosficas. Para ele ningum pratica voluntariamente o mal. Somente

    o ignorante no virtuoso, ou seja, s age mal, quem desconhece o bem, pois todo

    homem quando fica sabendo o que bem, reconhece-o racionalmente como tal e

    necessariamente passa a pratic-lo.

    Para Plato (427-347 a.C.) ao examinar a ideia do Bem a luz da sua teoria das ideias, subordinou sua tica metafsica. Sua metafsica era a do dualismo entre o mundo sensvel e o mundo das ideias permanentes, eternas, perfeitas e imutveis, que constituam a verdadeira realidade e tendo como cume a ideia do Bem, divindade,

    artfice ou demiurgo do mundo.

    Pela razo, faculdade superior e caracterstica do homem, a alma se elevaria mediante a contemplao ao mundo das ideias. Seu fim ltimo purificar ou libertar-se da matria

    para contemplar o que realmente e, acima de tudo, a ideia do Bem.

    A razo deve aspirar sabedoria, a vontade deve aspirar coragem e os desejos devem ser controlados para atingir a temperana. Para alcanar a purificao necessrio

    praticar as vrias virtudes que cada parte da alma possui. Para Plato cada parte da alma possui um ideal ou uma virtude que devem ser desenvolvidos para seu funcionamento perfeito.

    A razo se manifesta na cabea, a vontade no peito e o desejo baixo-ventre. Somente

    quando as trs partes do homem puderem agir como um todo que temos o indivduo harmnico. Cada uma das partes da alma, com suas respectivas virtudes, estava relacionada com uma parte do corpo.

  • 17

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    A harmonia entre essas virtudes constitua uma quarta virtude: a justia.

    Plato de certa forma criou uma pedagogia para o desenvolvimento das virtudes. Na escola as crianas primeiramente tm de aprender a controlar seus desejos desenvolvendo a temperana, depois incrementar a coragem para, por fim, atingir a sabedoria.

    A tica de Plato est relacionada intimamente com sua filosofia poltica, porque para ele,

    a polis (cidade estado) o terreno prprio para a vida moral. Assim ele buscou um estado

    ideal, um estado-modelo, utpico, que era constitudo exatamente como o ser humano.

    CORPO ALMA VIRTUDE ESTADO

    Cabea Razo Sabedoria Governantes

    Peito Vontade Coragem Sentinelas

    Baixo-ventre Desejo Temperana Trabalhadores

    Talvez isto tenha ligao com a viso depreciativa que os gregos antigos tinham sobre esta atividade. curioso notar que, no Estado de Plato, os trabalhadores ocupam o lugar mais baixo em sua hierarquia.

    A tica platnica exerceu grande influncia no pensamento religioso e moral do ocidente,

    como teremos oportunidade de ver mais adiante.

    No s organizou a tica como disciplina filosfica, mas Aristteles (384-322 a.C.),

    formulou a maior parte dos problemas que mais tarde iriam se ocupar os filsofos morais:

    relao entre as normas e os bens, entre a tica individual e a social, relaes entre a vida terica e prtica, classificao das virtudes, etc. Sua concepo tica privilegia

    as virtudes (justia, caridade e generosidade), como j estudados anteriormente. A

    tica aristotlica busca valorizar a harmonia entre a moralidade e a natureza humana, concebendo a humanidade como parte da ordem natural do mundo, sendo portanto uma tica conhecida como naturalista.

    Segundo Aristteles, ser bom na medida em que o meio termo no facilmente

    encontrado: Por isso a bondade tanto rara quanto nobre e louvvel.

    Somente nela pode realizar-se o ideal da vida terica na qual se baseia a felicidade.

    A tica de Aristteles - assim como a de Plato - est unida sua filosofia poltica, j

    que para ele a comunidade social e poltica o meio necessrio para o exerccio da

    moral. O homem moral s pode viver na cidade e, , portanto, um animal poltico, ou

    seja, social. Apenas deuses e animais selvagens no tem necessidade da comunidade poltica para viver.

    Para encontrar respostas a problemas ticos de um fim de poca alguns autores ainda

    contriburam para tal fim:

  • 18

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    Jurgem Habermas, filsofo alemo nascido em 1924, professor da Universidade de Frankfurt.

    Suas obras pretendem ser uma reviso e uma atualizao do marxismo, capaz de dar conta

    das caractersticas do capitalismo avanado da sociedade industrial contempornea. Para ele, o desenvolvimento tcnico e a cincia voltada apenas para a aplicao tcnica acarretam na perda do prprio bem, que estaria submetido s regras de dominao

    tcnica do mundo natural.

    necessrio ento a recuperao da dimenso humana, de uma racionalidade no-instrumental, baseada no agir comunicativo entre sujeitos livres, de carter emancipador em relao dominao tcnica.

    Habermas percebeu a distoro dessa possibilidade de ao comunicativa, que produziu relaes assimtricas e impediu uma interao plena entre as pessoas.

    Sua proposta formula-se em termos de uma teoria da ao comunicativa, recorrendo inclusive filosofia analtica da linguagem para tematizar essas condies do uso da

    linguagem livre de distoro como fundando uma nova racionalidade.

    O referido autor busca uma teoria geral da verdade, segundo a qual o critrio da verdade o consenso dos que argumentam e defende a ideia de que argumentar uma tarefa eminentemente comunicativa.

    Somente se poderia aceitar como critrio de verdade aquele consenso que se estabelece sob condies ideais, que Habermas chama de situao ideal de fala. Ou seja, a razo definida pragmaticamente de tal modo que um consenso racional quando

    estabelecido numa condio ideal de fala. Para que isso seja possvel, definiu uma srie

    de regras bsicas:

    Essas regras so, em primeiro lugar, que todos os tenham as mesmas

    chances de participar do dilogo, em segundo, que devem ter chances

    iguais para a crtica. So formas de, quando uma argumentao tem

    lugar entre vrias pessoas, a eliminao dos fatores de poder que

    poderiam perturbar a argumentao.

    Uma terceira condio seria que todos os falantes deveriam ter chances

    iguais para expressar suas atitudes, sentimentos e intenes.

    A quarta e decisiva condio afirma que sero apenas admitidos ao

    discurso falantes que tenham as mesmas chances enquanto agentes

    para dar ordens e se opor, permitir e proibir etc.

  • 19

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    Um dilogo sobre questes morais entre senhores e escravos, patres e empregados,

    pai e filho, violaria, portanto as condies da situao ideal da fala.

    Por fim, Habermas ainda defende o projeto iniciado pelo Iluminismo como algo ainda

    a ser desenvolvido e significativo para nossa poca, desde que a razo seja entendida

    criticamente, no sentido do agir comunicativo.

    Agora o autor John Rawls, em sua Teoria da Justia (1971) afirma que a justia no

    um resultado de interesses, por pblicos que sejam. Ele fala de uma justia distributiva partindo de um estado inicial por meio do qual se pode assegurar que os acordos bsicos a que se chega num contrato social sejam justos e equitativos.

    A justia entendida como equidade por ser equitativa em relao a uma posio original que est baseada em dois princpios:

    a. cumpre assegurar para cada pessoa numa sociedade, direitos iguais numa liberdade compatvel com a liberdade dos outros;

    b. deve haver uma distribuio de bens econmicos e sociais de modo que toda desigualdade resulte vantajosa para cada um, a qualquer posio ou cargo.

    A concepo geral de sua teoria afirma que, todos os bens sociais primrios - liberdade

    e oportunidade, rendimentos e riquezas, e as bases de respeito a si mesmo devem ser igualmente distribudas, a menos que uma distribuio desigual desses bens seja vantajosa para os menos favorecidos.

    Singer e a Teoria da sensitividade dor e ao prazer

    Peter Singer defende que todos os humanos tm estatuto moral (exceto embries), bem

    como todos os animais, mas no as plantas. O Estatuto moral do animal tanto mais baixo, quanto mais baixa for a sua complexidade e menor for a sua capacidade intelectual.

    Singer e o Utilitarismo

    Em tica, utilitarismo a doutrina segundo a qual boa ou certa a deciso ou ao que traz mais benefcios coletividade, e m ou errada aquela que traz menos benefcios coletividade.

    Peter Singer tem vindo a atualizar e a aplicar esta teoria resoluo de importantes dilemas ticos atuais. Para Singer, todos os seres vivos com capacidade para sentirem dor e prazer so seres com estatuto moral e, portanto, so credores de obrigaes

  • 20

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    morais, como respeito pela vida e pela liberdade. nesse sentido que Singer tem vindo a desenvolver uma importante e fecunda teoria sobre os direitos dos animais, em particular os animais que tm mais conscincia do prazer e da dor e que se relacionam mais de perto com os humanos, estabelecendo com eles relaes de afeto, proteo, segurana, cuidado ou at mesmo servio.

    O que dizer das touradas face teoria tica utilitarista e, em particular, aos

    princpios do estatuto moral do respeito pela vida e do no exerccio da

    crueldade sobre os seres vivos capazes de terem conscincia da dor e do prazer?

    tica e Deontologia da Comunicao Peter Singer e a tica Prtica A Gradiva

    presenteou os seus leitores com um dos mais importantes livros de Peter Singer,

    tica Prtica. Singer, um dos mais importantes pensadores contemporneos,

    aborda neste tica Prtica algumas das questes mais preocupantes (e

    desafiantes) que se colocam tica atualmente. Como lidar com bicos de obra

    como sejam a eutansia, o aborto, o ambiente e os direitos dos contrrio das

    correntes comuns mais baseadas em religio que em tica propriamente dita,

    este professor australiano procura assentar a sua anlise em pressupostos claros

    e de natureza ambgua, mostrando ao leitor os erros e omisses que cometemos

    a miudamente, quando refletimos (ou no) nos assuntos abordados.

    Aborto, eutansia e infanticdio

    Consistente com sua teoria geral de tica, Singer sustenta que o direito integridade fsica est fundamentado na capacidade de um ser de sofrer, e o direito vida est fundamentado na capacidade de planejar e antecipar o futuro de algum.

    Crtica

    Os seus detratores argumentaram que Singer no tem o direito de julgar a qualidade de vida das pessoas portadoras de deficincia. A posio por Singer foi vigorosamente

    atacada por diferente grupos que a viram como um ataque dignidade humana, desde defensores de pessoas portadoras de deficincia a grupos religiosos, incluindo

    defensores do direito vida.

    Na Alemanha, prtica Nazi de assassinar aquela que era considerada vida no merecida, e as suas palestras foram vrias vezes interrompidas. Vrios afirmam que

    foram as suas ideias utilitrias que levaram ao eugenismo. As suas concluses em reas controversas como o aborto, o infanticdio e a eutansia, e a sua recusa em esconder as suas concluses sob um vu de eufemismo podem explicar a razo porque o seu

    trabalho atraiu tantas atenes.

  • 21

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    Os defensores de outros sistemas ticos como a deontologia ou a tica da virtude encontraram no trabalho de Singer argumentos contra o utilitarismo e o seu consequencialssimos.

    Os estudiosos afirmam que as suas concluses mostram por si s que o utilitarismo

    pode levar ao eugenismo, infanticdio, ou at justificao da tortura em determinadas

    circunstncias.

    Aprofundamento do tema A Eutansia

    Uma mquina de eutansia Eutansia a prtica pela qual se abrevia, sem dor ou

    sofrimento, a vida de um enfermo incurvel. A eutansia representa atualmente uma questo de biotica e biodireito. Algumas pessoas acham errado matar uma pessoa, mesmo que essa pessoa esteja a passar por um terrvel sofrimento e queira morrer por vontade prpria. Independentemente da forma de Eutansia praticada, seja ela

    legalizada ou no, considerada como um assunto controverso, existindo sempre prs

    e contras teorias eventualmente mutveis com o tempo e a evoluo da sociedade, tendo sempre em conta o valor de uma vida humana. Sendo eutansia um conceito muito vasto, distinguem-se aqui os vrios tipos e valores intrinsecamente associados:

    eutansia, distansia, ortotansia, a prpria morte e a dignidade humana.

    importante referir que se podem classificar dois tipos de eutansia, a eutansia

    ativa e a eutansia passiva. A eutansia ativa conta com o traado de aes que tm por objetivo pr fim vida, na medida em que planeada e negociada entre o doente e

    o profissional que vai levar a termo o ato.

    A eutansia passiva por sua vez, no provoca deliberadamente a morte, no entanto, com o passar do tempo, conjuntamente com a interrupo de todos e quaisquer cuidados mdicos, farmacolgicos ou outros, o doente acaba por falecer. So cessadas

    todas e quaisquer aes que tenham por fim prolongar a vida. No h por isso um ato

    que provoque a morte (tal como na Eutansia Ativa), mas tambm no h nenhum

    que a impea (como na Distansia). relevante distinguir eutansia de suicdio

    assistido, na medida em que na primeira uma terceira pessoa que executa, e no

    segundo o prprio doente que provoca a sua morte, ainda que para isso disponha da

    ajuda de terceiros.

    Peter Singer um especialista em tica aplicada e tambm uma das figuras mais

    conhecidas da corrente Utilitarista. A tica prtica sempre uma resposta a temas

    controversos, como os direitos dos animais, o aborto, o infanticdio, a pobreza mundial, o problema dos refugiados, o meio ambiente ou a eutansia. Em suma, Peter Singer um dos mais importantes pensadores contemporneos.

  • 22

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    No que concerne ao pesquisador Levinas, este percebe que o pensamento ocidental, a partir da filosofia grega, desenvolveu-se como discurso de dominao. O Ser dominou

    a Antiguidade e a Idade Mdia, sendo depois substitudo pelo eu desde a poca moderna at os nossos dias, porm sempre sob o mesmo sinal: a unidade unificadora

    e totalizante que exclui o confronto e a valorizao da diversidade, entendida como

    abertura para o Outro.

    Confrontando a filosofia ocidental, dialoga constantemente com os pensadores da

    tradio, como Plato, Descartes, Kant, Hegel, Bergson, Husserl e Heidegger. Esses

    dois ltimos esto sempre presentes em sua obra, seja partindo deles, seja j tentando super-los.

    A propsito, afirma:

    quase sempre, comeo com Husserl ou em Husserl, mas o que digo j

    no est em Husserl e, em outro lugar: Apesar do horror que um dia

    veio associar-se ao nome de Heidegger e que nada poder dissipar

    nada conseguiu desfazer em meu esprito a convico de que Sein und

    Zeit, de 1927, imprescritvel.

    Levinas guarda a descoberta da ideia do infinito, tomada como orientao metafsica

    para a sua tica.

    Hans Jonas foi um filsofo alemo, conhecido principalmente devido sua influente

    obra O Princpio da Responsabilidade, seu trabalho concentra-se nos problemas ticos sociais criados pela tecnologia. Jonas quer sustentar que a sobrevivncia humana depende de nossos esforos para cuidar de nosso planeta e seu futuro. Formulou um

    novo e caracterstico princpio moral supremo: Atuar de forma que os efeitos de suas

    aes sejam compatveis com a permanncia de uma vida humana genuna.

    Embora se tenha atribudo a O Princpio da Responsabilidade o papel de catalisador do movimento ambiental na Alemanha, sua obra O Fenmeno da Vida (1966) forma

    a espinha dorsal de uma escola de biotica nos Estados Unidos. A biologia filosfica

    de Hans Jonas tenta proporcionar uma concepo una do homem, reconciliada com a cincia biolgica contempornea.

    Tambm escreveu abundantemente sobre Gnosticismo, pelo que igualmente conhecido, interpretando a religio como um ponto de vista existencial filosfico. Jonas foi o primeiro

    autor a escrever uma histria detalhada do antigo gnosticismo. Alm disso, foi um dos

    primeiros autores a relacion-lo com questes ticas nas cincias naturais.

  • 23

    CAPTULO 3tica e o meio ambiente

    A palavra tica vem do grego ETHOS que significa: modo de ser, carter enquanto forma

    de vida do homem. tica a forma de proceder ou de se comportar do ser humano no seu meu social, sendo, portanto uma relao intersocial do homem, e seus parmetros so as condutas aceitas no meio social, e tem razes no fato da moral como sistema de regulamentao das relaes intersociais humanas.

    Portanto, a tica uma cincia da moral e pode ser definida como: a teoria ou cincia do

    comportamento moral dos homens em sociedade (Adolfo Sanches Vasquez, tica, ed. Civilizao Brasileira, 14 edio.1993).

    Podemos, tambm, dividi-la em:

    tica normativa que so as recomendaes;

    tica terica quando explica a natureza da moral relacionada s necessidades sociais.

    Enquanto teoria a tica estuda e investiga o comportamento moral dos homens, tendo seu valor como teoria naquilo que explica e no no fato que recomenda ou prescreve.

    Atualmente, ante as correntes intuitivas, positivas e analticas, a tica foi reduzida a anlise da linguagem moral, abstraindo-se as questes morais (conforme o citado autor).

    Entende-se com isso que a moral e a tica perderam significado social, dando-se

    hoje em dia importncia a obteno finalista do sucesso pessoal e material a qualquer

    custo, ficando assim reduzidas a preceitos delimitadores das relaes profissionais,

    restando apenas a tica normatizada e direcionada s profisses, no havendo mais

    uma tica universal. Passamos por uma crise tica e moral, faltando uma orientao tica geral.

    Como cincia da moral, a tica como conhecemos, est relegada a um plano inferior social, deixando de ser uma orientadora do comportamento humano, mas uma nova

    forma de relao tica vem surgindo, como pretendemos demonstrar, ante a degradao ambiental em larga escala e o desenvolvimento cientfico, o qual vem desvendando a

    origem do homem, tirando-o do pedestal de espcie superior.

    Toda a sociedade responsvel pela degradao ambiental, pois: o rico polui com sua

    atividade industrial, comercial etc; o pobre polui por falta de condies econmicas de viver condignamente e por falta de informaes, j que a maioria semianalfabeta; e o

  • 24

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    Estado polui por falta de informaes ecolgicas de seu administradores, gerando uma

    poltica desvinculada dos compromissos com o meio ambiente.

    Somando isso aos novos conhecimentos cientficos que concluem que o homem faz

    parte da natureza como vemos, por exemplo, na teoria evolucionista de Darwin, pela

    qual a raa humana tem origem no mesmo ancestral dos grandes macacos e evolui como todos os demais seres viventes, e ainda a Teoria de Gaia de Lovelock para a qual a Terra, Gaia, um ser vivo que pulsa em vida plena com todos os seus seres, incluindo o homem, em igualdade de condies, surgiu a necessidade do ser humano rever a sua ao predatria e consequentemente seu comportamento integral, fazendo com que a

    viso antropocntrica que rege a conduta humana, tendo o homem como o centro do universo, comece a perder fora.

    tica antropocntrica

    A tica antropocntrica, defendida principalmente por Kant, que orientou e deu base para as doutrinas posteriores, estuda o comportamento social do homem entre si, levando-o a condio de espcie superior pela razo, perde campo para uma nova viso:

    a viso ecocntrica.

    tica ecocntrica

    Esta nova viso ecocntrica que podemos definir como o homem centrado em sua casa

    - oikos = casa em grego, ou seja o homem centrado no tudo ou no planeta como sua morada, permite o surgimento de uma tica que estuda tambm o comportamento do homem em relao natureza global para com os demais seres vivos.

    Uma nova concepo filosfica homem-natureza. A tica passa a ser tambm, neste

    caso, um estudo extra social e extrapola os limites intersociais do homem, nascendo

    assim, uma nova tica diversa da tica tradicional. Surge a tica ambiental. Com ela ns

    passamos a ter mais humildade zoolgica, e consequentemente, passamos a ter um

    novo entendimento da vida.

    Percebendo isso, o ser humano passar a se preocupar com suas aes, passar a ter aes coerentes em relao Natureza e mesmo as suas aes intersociais passam a ser direcionadas causa da preservao da vida global. Ento, estar ele desenvolvendo cada vez mais uma viso holstica do mundo, ou seja, uma viso global. Essa nova filosofia ecocntrica e a conscientizao fazem com que o ser humano passe a se

    preocupar com suas aes entendendo que ele faz parte na natureza. No o dono da

  • 25

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    Natureza, passa a compreender que a Natureza no est ali para servi-lo, mas para que ele possa sobreviver em harmonia com os demais seres.

    A conscincia e viso global trazem a necessidade de desenvolver uma nova linha de conduta tica com a Natureza, formando uma nova interligao tica: homem-natureza.

    tica ambiental: definio

    Podemos definir essa tica Ambiental como a conduta, ou a prpria conduta,

    comportamental do ser humano em relao natureza, decorrente da conscientizao ambiental e consequente compromisso personalssimo preservacionista, tendo como objetivo a conservao da vida global.

    Uma nova relao tica

    Com essa nova tica, diferente da tica tradicional, pautamos toda a sua vida e assim estaremos agindo sempre com um maior compromisso tico. Compromisso criado por ns; dentro de ns.

    Esse compromisso tico personalssimo, de modo que no est adstrito a nenhum outro compromisso. um compromisso de todos os conscientes. um compromisso da sociedade consciente. tico no legal. No se trata de obrigao legal, mas moral e tica de cada um.

    O compromisso tico reflete-se em aes ticas, isto , em aes coerentes com os

    princpios ticos da pessoa, de modo que as aes impulsionadas por esta nova tica homem-natureza traro resultados favorveis preservao ambiental e consequentemente a melhoria da qualidade de vida.

    A tica ambiental aqui exposta passa a ser o incio de uma nova ordem mundial,

    uma nova filosofia de vida do ser humano alicerada em novos valores extra sociais

    humanos. Sua base cientfica o estudo da relao homem-natureza, englobando neste

    binmio todas as raas humanas e todos os seres existentes.

    Esta nova tica ajudar a formar uma humanidade consciente de sua posio perante a vida no planeta Terra e dar origem a uma nova postura, um novo comportamento calcado na preservao global da natureza, sendo uma nova esperana de vida.

    Essa nova forma de comportamento tico propiciar uma enorme satisfao subjetiva e ntima em cada indivduo, e consequentemente da sociedade humana de estar contribuindo com responsabilidade para a preservao do maior bem que existe que

  • 26

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    a Natureza como um todo, e isto nos dar a esperana de poderemos prolongar a existncia de nossa espcie nesse planeta com condies mais dignas, permitindo

    que possamos usufruir juntamente com os demais seres plenamente deste bem que a vida, s existente por comprovao cientfica na Terra, surgindo uma nova forma

    comportamental e uma nova esperana de vida, da a importncia de se conscientizar todos os segmentos da sociedade para essa nova relao tica.

  • 27

    CAPTULO 4Aspectos ticos e filosficos da clonagem

    Autonomia

    O conceito de autonomia nasce na cultura poltica da democracia grega para indicar as formas de governo autrquicas, e somente a partir do humanismo individualista da Idade Moderna, que culmina na Aufklrung (Iluminismo) do sculo XVIII, que o conceito de autonomia se aplica ao indivduo.

    O indivduo desde ento se torna um autntico sujeito moral, titular de direitos e deveres correspondentes, e capaz de querer o Bem voluntria e racionalmente. A primeira

    formulao sistemtica do conceito de autonomia, aplicado ao indivduo, deve-se a Kant, para quem o sujeito moral em questo a pessoa, isto , o indivduo racional e livre, e por isso que a tica kantiana ser conhecida como racionalismo tico.

    Em Fundamentao da metafsica dos costumes (1785), Kant afirma que a lei moral autnoma aquela que tem na vontade boa (das gute Wille) seu fundamento e legitimidade, sendo o nico princpio fundamental (Kant utiliza o termo supremo)

    da moralidade e, portanto, garantia da personalidade moral. Ela se contrape heteronomia que , propriamente, ausncia de moralidade, pois estaria embasada na vontade m (das bse Wille) e na irracionalidade.

    A tica kantiana permanece praticamente at Nietzsche, que em Alm do bem e do mal e A genealogia da moral (ambos de 1887) procede literalmente desconstruo do racionalismo kantiano ( conhecida sua afirmao de fazer filosofia a golpes de martelo).

    Sob este aspecto, a viso de Nietzsche aproxima-se do enfoque de uma tica, do qual

    perfilhamos, na qual a percepo do conflito moral que uma determinada questo

    propicia fundamental para, junto com a racionalidade, caminharmos efetivamente para uma reflexo autnoma. Nietzsche mostra, por exemplo, como atrs da vontade

    boa e dos princpios morais racionais agem, de fato, motivaes inconscientes e a vontade de poder, assim como o ressentimento resultante da frustrao da vontade de poder e que alimentaria a influncia das religies sobre os indivduos.

    Autonomia e subjetividade

    Penso, logo existo. A expresso de Descartes merece ser detidamente refletida. Cada

    um de ns nada mais tem, nada mais , que no o seu pensamento. Toda a humanidade,

  • 28

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    desde sempre, nada mais teve do que o pensamento de cada um de seus componentes. Portanto, tudo o que existe sempre existiu na psique das pessoas. A convergncia da

    descrio de fenmenos (descritos semelhantemente) por pessoas diferentes o que

    constitui a realidade.

    Logo, para pensarmos tica, devemos t-la como rigorosamente subjetiva. O que tica se no uma hierarquia de valores, uma tentativa de delineamento do certo ou errado, do bem ou do mal? Venha ela de um Deus externo, de um estatuto jurdico, de

    tradies, de observaes cientficas.

    A aceitao da ideia de autonomia, assim como foi por ns descrita, complexa para

    muitas pessoas. Se cada sujeito (e s assim ele poder ser sujeito e no objeto de

    sua vida) assumir sua autonomia estar contribuindo para algum tipo de mudana na

    postura tica de sua comunidade. Mesmo porque, j foi visto, ele s pode escolher entre

    usar a sua prpria subjetividade ou louvar-se pela subjetividade dos outros. Escolher

    entre pensar seus prprios cdigos ou pensar de acordo com os cdigos dos outros.

    Assim sendo, no terreno das ideias, referindo-nos momentaneamente tica, apenas existem dois tipos de pessoas: as obedientes e as inovadoras com todas as gradaes

    intermedirias.

    H tendncias a se considerar o Homem como ser imperfeito, eivado de vcios, desobediente a um Deus vigilante, que o observa e, muitas vezes, perdoa.

    Deixa-se de lado, assim, a considerao lgica do momento em que cada um de ns nada

    mais tem a no ser o seu prprio pensamento, com liberdade de se pautar segundo ele e

    estabelecer hierarquias de valores ou, ento, obedecer a regras criadas por outrem ter sido o Homem quem produziu Deus, e no vice-versa, a par de que a maioria de ns,

    como crena, sinta o contrrio. Assim sendo, a invocao da lei divina como obstculo aceitao de uma nova postura, ou conhecimento, ou tcnica, visivelmente uma postura heternoma (e no autnoma).

    Dentro desta tica acima, a da tica da reflexo autnoma, OS CLONES HUMANOS,

    por que colocarmos tantas barreiras possvel futura construo de clones humanos?

    Por que, se respeitarmos e tivermos bem claros os valores que desejamos preservar (entre os quais se destacam: o respeito vida e sua qualidade; a rejeio de todo tipo

    de dominao ou subjugao; a tentativa de administrao equilibrada do confronto individual x coletivo etc), vermos com tanto pnico a eventual implementao de um avano cientfico?

    Desejaramos menosprezar a tragicidade de extermnios, autoritarismos, iniquidades

    sociais aterradoras, terrorismos, todos presentes em nosso momento histrico, para

  • 29

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    nos determos angustiados face possibilidade (existente) de ser uma tcnica nova

    utilizada contrariamente aos nossos ideais de vida?

    Estaremos ns querendo esquecer que no um instrumento que taxaremos de tico

    ou antitico, e sim a forma de utilizao desse instrumento? A produo de energia nuclear um excelente exemplo, podendo ser empregada de forma construtiva para a

    sociedade, como ocorre quando ela tem fins teraputicos, ou de maneira destrutiva, nas

    bombas atmicas.

    Sabe-se que at o momento, que pesquisas cientficas em nmero e qualidade suficientes

    para que se possa ter segurana de que no se geraro portadores de anomalias congnitas que confrontem a qualidade de vida dos nascituros. Esta uma objeo importante, pois o que se defende no a liberdade do pesquisador de fazer o que bem entender, mas, isto sim e com toda nfase, o controle social rigoroso sobre toda pesquisa com seres humanos.

    No Brasil, normatizao totalmente fora de sintonia com os avanos da reproduo

    assistida (RA), quando ainda se probe a manipulao e o descarte de embries

    produzidos in vitro, como pretender que se acumule conhecimento suficiente para empreender futuramente uma clonagem de seres humanos?

    A sempre renovada discusso referente ao momento no qual o embrio humano passa a merecer respeito sua vida e integridade, apenas comprova a aleatoriedade e o carter pragmtico da caracterizao do incio da vida.

    Essa observao encontra esteio, na recente mudana do conceito de morte, quando a morte enceflica, por motivao essencialmente utilitria, foi identificada com morte.

    Assim como o desenvolvimento das tcnicas de transplantes de rgos vitais, a partir

    de doadores mortos, passou a exigir a redefinio do momento de morte, para que esses fossem viveis, o desenvolvimento das tcnicas de reproduo assistida est estimulando um questionamento do momento de incio da vida, para que, pelo destino que no se sabe qual dar aos embries excedentes.

    Com relao a esse aspecto, fcil perceber o quanto a caracterizao do momento de incio da vida no instante da fecundao do vulo, mormente nos pases em que

    o aborto crime, dificulte e mesmo impea o desenvolvimento de novas tcnicas de

    reproduo assistida.

    As tcnicas de reproduo assistida (RA), intervindo na juno dos gametas masculino

    e feminino, produzindo-se um embrio (ou pr-embrio, como muitos preferem denominar, nessa fase), requerem a replicagem desses conceptos para que haja

  • 30

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    expectativa de xito com sua implantao no tero: h, portanto, praticamente sempre,

    embries excedentes que habitualmente so congelados, mas cuja utilizao para se dar

    prosseguimento ao processo concepcional muito improvvel.

    A reduo embrionria (proteo da vida da mulher gestante, que no pode suportar mais do que um nmero definido de fetos), h que se encontrar uma forma, que a lei avalize, de se poderem descartar embries. Para que isso possa ocorrer, ser necessrio que se modifique o conceito de momento de incio da

    vida, uma vez que, na maioria dos pases, o direito vida clusula ptrea das constituies (exceo seja feita, conforme j se referiu, aos pases em que, embora se reconhea como momento de incio da vida a fecundao, permite-se a prtica do aborto).

    O conceito de momento de incio da vida, interessante ser estudado, visando aos referidos objetivos absolutamente pragmticos, ou que se abram excees legais que

    permitam a inutilizao de embries ou, de sua utilizao para outros fins, e este,

    especificamente, o assunto de que iremos tratar neste trabalho ou, finalmente, que se

    probam todas essas novas tcnicas que, ao menos em princpio, visam a buscar melhor qualidade de vida para pessoas que desejam procriar! Absolutamente inaceitvel , entretanto, o carter retrgrado de conceituaes e leis existentes, que o homem, tendo

    o poder de replicar embries ao seu talante, no os possa destruir, quando eles no fossem ser aproveitados, tornando-se vtima de seu feitio.

    Por fim, a vida um continuum que, mesmo abstraindo-nos das crenas atinentes espiritualidade, poder-se-ia considerar tendo seu incio material nos pr-gametas e seu fim na esqueletizao do cadver.

    Diante do exposto observa-se que o grande nmero de trabalhos j foi escrito sobre a partir de quando e at quando se reconhece que um ser humano pessoa (e este, certamente, no ser um deles), mas absolutamente evidente o carter inerente a uma

    cultura, aleatrio e pragmtico da tentativa de se estabelecerem esses limites.

    CLONES HUMANOS? Tratando-se de um horizonte novo, que se descortina, so dificilmente previsveis as virtuais aplicaes dessa tcnica.

    Sero os clones humanos produzidos to somente para a replicao gentica de pessoas, atendendo ao desejo (compreensvel) de sujeitos isolados ou de casais estreis? Acho

    que no.

    Tentativa do homem, de alcanar a imortalidade? Considero essa expectativa v, uma

    vez que a identidade gentica no determinante da personalidade, e, muito mais, a repetio gentica nada tem que ver com a continuao da subjetividade.

  • 31

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    E a construo de rgos, visando a realizao de transplantes, no ser tambm ela

    uma perspectiva teraputica capaz de produzir um extraordinrio salto no aumento da

    qualidade e quantidade de vida do ser humano? Poder-se- objetar que a produo de seres humanos, ainda que para fins teraputicos, uma violncia contra um dos

    inestimveis valores de nossa cultura: a vida.

    Cabe ressaltar, que no sero as tcnicas que nos levaro a um inferno tico. Parece-me no devermos tem-las, aprioristicamente, e sim monitorar cuidadosamente a sua aplicao.

    Utilizao de clulas troncos como instrumento para pr fim as diversas enfermidades

    Uma destas tecnologias, a qual vem sendo alvo de discusses no mbito da biotica e

    do direito a terapia celular com a utilizao de clulas-tronco embrionrias. O campo da biomedicina vem avanando de forma evidente, ancorado nas novas tecnologias aplicadas sade.

    As implicaes ticas e legais desta forma de terapia residem no fato de se utilizarem embries humanos como fonte de clulas-tronco nas pesquisas para o tratamento e cura de algumas doenas degenerativas, como o diabetes tipo 1 e esclerose lateral amiotrfica, mas especialmente nos processos degenerativos dos tecidos nervoso e muscular, bem como leses traumticas - como as causadas por acidentes - por exemplo

    na medula espinhal.

    Doenas degenerativas ou ainda leses em rgos vitais esto na lista da expanso no

    campo da teraputica com clulas-tronco. Enfermidades que antes eram intratveis ou incurveis ou leses at ento tidas como irreversveis passam a ter a promessa dos estudos referentes teraputica utilizando clulas-tronco embrionrias.

    O mecanismo de ao deste tipo de clula no tratamento e cura de doenas a capacidade que as mesmas apresentam em diferenciar-se no tecido orgnico necessrio para substituir ou restaurar o tecido ou rgo lesado ou degenerado.

    O professor Antnio Teixeira coloca que as:

    clulas-tronco so aquelas que encerram as informaes capazes de

    gerar um novo ser vivo igual ao seu semelhante parental. A clula-tronco

    pluripotente aquela que resulta da fuso do gameta masculino

    (espermatozide) com o gameta feminino (vulo). Ela pluripotente

    porque pode diferenciar pelo menos 230 tipos de clulas diferentes no

  • 32

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    corpo humano. E ainda, ela pode se transformar em clula germinativa

    geradora de gametas masculino e feminino. As clulas embrionrias no

    adulto perderam essa capacidade pluripotencial de diferenciao, ainda

    que algum potencial seja mantido (2005, p. 6).

    A capacidade pluripotente de diferenciao, reduzido nas clulas-tronco adultas compromete uma gama de tecidos-alvo passveis de serem tratados com o uso da teraputica com clulas-tronco embrionrias. Ao colocarmos aqui o conceito de clula--tronco e apontar a caracterstica principal das clulas-tronco embrionrias, Teixeira

    nos leva a entender o motivo pelo qual esse tipo de clula-tronco desejado quando se fala de terapia celular.

    Apesar dos possveis benefcios associados s pesquisas com clulas-tronco embrionrias no podemos esquecer que os avanos da biomedicina frequentemente incluem implicaes ticas e morais, j que trazem a tona junto s suas pesquisas discusses sobre direito vida, efeitos colaterais, sofrimento e dor.

    Sobre os aspectos ticos das pesquisas biomdicas o contedo no livro Biotica Cotidiana, de Giovanni Berlinguer, coloca a questo da utilizao dos embries humanos em experimentos biomdicos como um problema emergente e uma complexa

    questo relacionada Biotica. O autor revela o desejo de:

    uma perspectiva que veja a cincia, a lei e a moral unirem-se para

    resolver (ou quase) um problema de todos, recorrendo linguagem

    comum da preveno. Isso seria ainda mais positivo numa fase na qual

    emergem, nas fronteiras da pesquisa biomdica, possibilidades de novos

    conhecimentos, de aplicaes teis, e ao mesmo tempo, de profundas

    aberraes, diante das quais parece bem difcil prever a formao de

    um senso comum (p. 53).

    O autor ainda assinala para a dificuldade de se chegar a um acordo e a leis uniformes

    sobre este assunto. Ao prosseguir na sua escrita sobre a experimentao com embries,

    o autor problematiza, levando-nos a refletir a respeito da sorte daqueles embries no destinados a implantar-se no tero (p.53) e tambm sobre as discusses cientficas e morais que tocam a legitimidade ou no de utilizar embries humanos para experimentaes.

    Berlinguer citando o contedo presente na Conveno Biotica Europeia ou ainda

    Conveno de Oviedo para proteo dos direitos do homem e da dignidade do ser humano em relao biomedicina evidencia que a instituio se cala sobre a reproduo assistida, limitando-se a duas afirmaes sobre o embrio, presentes no

    artigo 18 desta Conveno.

  • 33

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    O autor nos mostra, no trecho subsequente, que este rgo se pronuncia de forma

    contraditria a respeito das pesquisas com embries humanos. Sobre as declaraes

    da Conveno:

    Uma bastante hipcrita, que enquanto a lei consente a pesquisa com

    embries in vitro, ela assegura uma proteo adequada ao embrio.

    [...] como se a pesquisa no implicasse quase sempre profundas

    alteraes do seu objeto, o embrio. A outra, mais precisa, que a

    criao de embries para fins de pesquisa proibida. Essa impe um

    limite apropriado e deveria evitar, caso extremo, a criao de fbricas

    de embries, mas foge ao dilema moral se lcito ou no, em geral,

    fazer experincias com embries. (p. 54).

    Em notcia divulgada pela Revista poca em 31 de Julho de 2010, temos a informao sobre o estado dos estudos com clulas-tronco embrionrias em humanos:

    Doze anos aps o nascimento da primeira linhagem de clulas-

    -tronco embrionrias humanas, na Universidade de Wisconsin, a

    Administrao de Drogas e Alimentos dos Estados Unidos (FDA)

    autorizou hoje, pela primeira vez, que essas clulas sejam injetadas

    experimentalmente em seres humanos. O estudo ser conduzido pela

    empresa de biotecnologia Geron, que financiou a pesquisa pioneira

    de Wisconsin, em 1998, e agora, aps uma dcada de experimentos in

    vitro e com animais, poder finalmente testar o potencial teraputico

    de suas clulas no organismo humano. Trata-se do primeiro e nico

    ensaio clnico com clulas-tronco embrionrias humanas aprovado no

    mundo at agora.

    A permisso ou proibio do uso de embries nas pesquisas com clulas-tronco est sob a jurisdio de cada pas, havendo, portanto, variaes neste quesito. No Brasil,

    recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por meio da Lei de Biossegurana (Lei no 11.105, de 24/3/2005), autorizou tais pesquisas.

    Alm da tutela vida, as pesquisas com clulas-tronco, e nesse caso no apenas em se tratando das embrionrias, mas tambm das adultas, trazem ainda as questes envolvendo os possveis efeitos prejudiciais da utilizao destas clulas no organismo humano.

    H estudos que apontam a imprevisibilidade das clulas-tronco quando implantadas nos tecidos orgnicos, podendo at causar tumores, levando-se em conta a grande capacidade proliferativa desse tipo de clula. Isso aponta para a necessidade de mais estudos no sentido de determinar de forma confivel quais os mecanismos que a levam

    a diferenciar-se no tipo de clula desejado.

  • 34

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    Nesse sentido, Cristiane Segatto na Revista poca (2009) relata o caso de implantao de clulas-tronco em humano a fim de combater uma doena neurodegenerativa, mas

    que, alm de no surtir o efeito teraputico esperado resultou na formao de um tumor cerebral.

    A notcia ainda traz um trecho escrito pela a autora do estudo, Ninette Amariglio, da Universidade de Tel-Aviv, em Israel, o qual sugere que, apesar do resultado negativo

    encontrado os estudos com clulas-tronco no devem ser abandonados, mas h necessidade de maiores estudos para que se possa assegurar o uso dessas clulas e garantir os benefcios esperados sem riscos aqueles que sero beneficiados com os

    avanos nesse campo:

    Nossa descoberta no significa que a pesquisa com clulas-tronco para uso

    teraputico deva ser abandonada. Significa que preciso fazer extensas

    pesquisas sobre a biologia das clulas-tronco e estudos pr-clnicos

    rigorosos antes de oferecer qualquer tipo de terapia aos pacientes.

    Como j referimos anteriormente, existem dois tipos de clulas-tronco, ambas com

    potencial teraputico em estudo: as clulas-tronco embrionrias e as adultas. Porm,

    a polmica quando se fala na teraputica por clulas-tronco quando ela feita com a utilizao das primeiras.

    Por serem clulas do tipo totipotente ou pluripotente, ou seja, por apresentar a capacidade de diferenciar-se em qualquer tecido do organismo humano, quando em comparao com as clulas-tronco adultas - em especial as presentes na medula ssea e

    no cordo umbilical - tem maior poder de regenerar os tecidos para os quais as clulas--tronco medulares, que produzem os diversos tipos de clulas do tecido sanguneo no so capazes de diferenciar-se, pois j esto programadas para gerar determinado tipo celular, apesar da plasticidade j verificada nesse tipo de clula-tronco.

    Os centros de pesquisa no campo da terapia celular com clulas-tronco embrionrias justificam que os embries utilizados so aqueles que por algum motivo foram descartados

    nas clnicas de fertilizao, e que somente so utilizados os embries que se encontram congelados h um tempo determinado, quando o seu uso passa a no ser adequado para fertilizao, j que a viabilidade do embrio aps ser implantado no tero diminui com

    o tempo de congelamento deste. Apesar das vantagens teraputicas oferecidas pelas clulas-tronco embrionrias quando comparadas s adultas, a grande questo quando se fala da sua utilizao que esta interveno necessariamente mata o embrio.

    Essa condio de se permitir a utilizao de embries descartados nas clnicas de fertilizao in vitro amparada na Lei no 11.105/2005, especificamente pelo Art. 5o, no qual se assegura que:

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    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilizao de clulas-

    -tronco embrionrias obtidas de embries humanos produzidos por

    fertilizao in vitro e no utilizados no respectivo procedimento,

    atendidas as seguintes condies: I sejam embries inviveis; ou

    II sejam embries congelados h 3 (trs) anos ou mais, na data da

    publicao desta Lei, ou que, j congelados na data da publicao

    desta Lei, depois de completarem 3 (trs) anos, contados a partir da

    data de congelamento.

    Nossa Carta Magna protege por meio da Lei de Biossegurana (Lei no 11.105 de

    24/03/2005) a pesquisa com clulas-tronco embrionrias, desde que respeitadas as

    condies especficas para a utilizao de embries humanos para fins de pesquisa

    e terapia, que so a inviabilidade do embrio ou respeitando o tempo determinado de congelamento.

    H discusses sobre se realmente o congelamento afeta a viabilidade dos embries e qual o critrio utilizado para garantir que, aps trs anos de congelamento, tempo

    defendido pela Lei de Biossegurana, o embrio no mais vivel para implantao

    no tero e, portanto, poder ser destinado s pesquisas no campo da terapia celular. Porm, nesse sentido surgem debates quanto viabilidade dos embries congelados e se h possibilidade dos mesmos, quando implantados no tero, desenvolverem-se normalmente apesar do tempo de congelamento.

    J para aqueles que defendem a no necessidade de se sacrificar embries humanos

    nas pesquisas com clulas-tronco e apostam na eficcia teraputica das clulas-tronco

    adultas a principal justificativa que no podemos matar uma vida para salvar outra.

    Nesse sentido os mesmos, ancorados na defesa da vida, rejeitam tais pesquisas.

    O que os impele a apostar nas clulas adultas que elas podem ser retiradas de um doador, no caso das medulares, sem comprometimento do mesmo, j que so constantemente produzidas. J as que esto presentes no sangue do cordo umbilical e da placenta tambm no comprometem o doador, j que este material descartado aps o parto.

    Elas apresentam boa plasticidade e, portanto, se for oferecido ambiente adequado e fatores de crescimento para a sua diferenciao e proliferao em outros tecidos que no o sanguneo, preferencialmente aqueles que compartilham a mesma origem embriolgica, isso poder ser um passo avante no sentido de poupar a destruio de

    embries para pesquisas teraputicas e reduzir os embates ticos e morais a respeito. Os estudos com clulas-tronco adultas tm demonstrado resultados promissores nos tratamentos de desordens hematolgicas, como a leucemia e em experimentos clnicos para tratamento de doenas autoimunes e degenerativas.

  • 36

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    Sendo assim, no sentido jurdico, a lei deve se adequar s mudanas sociais e ao desenvolvimento tecnolgico e cientfico no sentido de aliar os avanos no campo da

    biomedicina ao processo scio-histrico da humanidade, sem que estes avanos estejam

    distanciados de sua aplicao prtica, com vistas a valorizar as novas descobertas cientficas que possam melhorar a sade e a vida das pessoas. No podemos esquecer

    tambm que as discusses no campo cientfico e tecnolgico envolvem, e no poderia

    ser de outra forma, os aspectos polticos da vida em sociedade.

    As novas descobertas e avanos da biomedicina em sintonia com o desenvolvimento histrico, social e cultural de nossa sociedade no pode ser esquecido, pois na totalidade

    das relaes estabelecidas no campo social emergem, em se tratando de pesquisas cientficas, os valores ticos e morais universalizados quando falamos dos direitos

    humanos, principalmente o direito e respeito vida.

    Dalmo de Abreu Dallari nos leva a reconhecer o direito primordial vida, o direito de ser pessoa, quando coloca que:

    Qualquer ao humana que tenha algum reflexo sobre as pessoas e seu

    ambiente deve implicar o reconhecimento de valores e uma avaliao de

    como estes podero ser afetados. O primeiro desses valores a prpria

    pessoa, com as peculiaridades que so inerentes sua natureza [...].

    Ignorar essa valorao ao praticar atos que produzam algum efeito sobre

    a pessoa humana seja diretamente sobre ela ou atravs de modificaes

    do meio em que a pessoa existe, reduzir a pessoa condio de coisa,

    retirando dela sua dignidade (DALARI, 1998, p.231).

    No contexto da experimentao com clulas-tronco embrionrias, se considerarmos

    o embrio como um ser vivo em potencial, bastando para isso que lhe seja fornecido ambiente adequado para que possa desenvolver-se, ento, como ser vivo que , tem o mesmo direito vida que a tutela existente sobre o feto, a criana, ou o adulto.

    Se o embrio for visto como um ser humano em seu estgio inicial de desenvolvimento,

    e no como um aglomerado de clulas inconsciente e sem autonomia, ento este passa

    a ter direito proteo. Esta discusso sobre quando e em quais condies o embrio

    pode ser considerado feto, ou seja, ser humano, ainda est longe de ser superada.

    Assim, no campo da tica mdica que surgem as discusses mais acirradas, as quais

    muitas vezes, dependendo do tema em questo, no chegam a um consenso entre os

    envolvidos. No seio destas discusses, debates, confuses e dificuldades consensuais

    surge a Biotica como instrumento dedicado a tratar dos temas que so polemizados

    justamente pelo seu teor tico, moral, e algumas vezes religioso.

  • 37

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    Seguindo este norte Vieira nos traz que o vocbulo biotica indica um conjunto de pesquisas e prticas pluridisciplinares, objetivando elucidar e solucionar questes ticas provocadas pelo avano das tecnocincias biomdicas (1999, p. 15). Aqui a autora sinaliza para o fato do ser

    humano no ser apenas natureza, aspecto biolgico, mas tambm

    sociedade. Desta forma impossvel negar a presena de valores ticos

    e morais no mbito social e cultural.

    Sendo assim, as questes ticas, tidas como problemas imprevistos pela nsia criativa da cincia no podem de maneira alguma ser dissociadas das pesquisas e experimentaes

    biomdicas, principalmente no que diz respeito vida, caso dos embries.

    Quanto a este ponto h diversas discusses sobre quando e por que considerar o

    embrio um ser humano. Podemos considerar que a Biotica estabelece restries e

    cuidados ao uso dos embries em pesquisa e teraputica, por se tratar o embrio de um ser humano em seu estgio inicial do desenvolvimento.

    Enquanto temos entendimentos que colocam a existncia do ser humano desde

    o momento da concepo, ou seja, na formao do zigoto, ainda um aglomerado indiferenciado de clulas, pela unio entre vulo e espermatozoide, outros entendem

    que somente podemos considerar o embrio um ser vivo quando se desenvolve nele o seu sistema nervoso, expresso de sua capacidade orgnica de sentir e enviar sinais aos

    rgos e sistemas do corpo.

    Nesse caso a defesa da vida estritamente assegurada acima de qualquer justificativa

    cientfica ou legal e o debate sobre o uso de embries para terapia celular se estende

    em carter semelhante para aqueles que envolvem o aborto e a eutansia, por exemplo.

    Debates a esse respeito vm se desenrolando juntamente com os avanos das pesquisas com o uso de embries para terapia celular.

    Outra questo a ser pensada ao falarmos de clulas-tronco a aura mgica, o encantamento que tem envolvido as pesquisas nesse campo da biomedicina. Sobre este assunto importante atentar para o fato de as expectativas da sociedade quanto

    s possibilidades de tratamento e cura para muitas doenas que nos afligem estarem

    muito alm do verdadeiro desenvolvimento das pesquisas.

    Com relao dicotomia promessa/realidade envolvendo clulas-tronco,

    em texto publicado na tica Revista, (ed. 6; nov./dez. 2005), intitulado

    O frgil vnculo entre a medicina e a sociedade, Carlos Roberto

    Gherardi coloca, em relao s expectativas criadas pela sociedade em

    relao promessa de tratamento e cura de doenas, de longevidade

    ancorada nos avanos da cincia:

  • 38

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    No bom que a sociedade acredite que o progresso do conhecimento

    cientfico torne vivel a cura de qualquer doena e efetivo distanciamento

    da morte, por que tal crena pode confundi-la em suas expectativas e

    provocar reaes equivocadas diante da frustrao e do infortnio (p.12).

    Nesse sentido, quando falamos da terapia celular temos a promessa de tratamento e cura de algumas enfermidades tidas como letais ou incapacitantes, de forma a modificar

    a perspectiva dos acometidos por estas doenas quanto prpria sobrevivncia e

    qualidade de vida.

    Apesar das pesquisas nesse campo da biomedicina serem extremamente desejveis

    quando seu intuito primordial e sua justificativa so melhorar a vida das pessoas, o que

    vemos, repetidamente, que a divulgao destes avanos, principalmente no que tange aos meios miditicos, tem se mostrado incoerente, exagerada e por vezes mentirosa.

    Nesse sentido, em se tratando das pesquisas com clulas-tronco, Antnio Teixeira,

    em entrevista concedida tica Revista (ano III, n2, mar./abr., 2005) nos traz o seu entendimento quanto ao andamento destas pesquisas:

    Particularmente, acho que de se lamentar a possibilidade de perda

    de tempo e dinheiro investido, quando setores do mundo cientfico

    prometem entregar sociedade aquilo que ainda no est pronto para

    ser entregue. Penso que esse benefcio poderia ser levado sociedade

    num prazo mais curto e, certamente mais seguro, se os cientistas no

    fossem pressionados a seguir a rota do pragmatismo poltico, que

    no pode antecipar ou oferecer o conhecimento cientfico bsico para

    resolver aquela questo crucial (p. 6).

    Ao falar nos avanos da cincia, desconsiderar a apropriao e divulgao, por vezes indevida dos avanos e descobertas cientficas pela mdia, como vem ocorrendo em se

    tratando de clulas-tronco. Infelizmente e com certa frequncia nos deparamos com manchetes de impacto sobre os estudos cientficos, que nos levam instantaneamente a

    acreditar na superioridade, infalibilidade e onipotncia da cincia, tal o modo como os dados e fatos cientficos so divulgados pela mdia.

    No queremos saber que os estudos esto ainda insipientes, inconclusivos, ou que no se conhecem ainda os efeitos ou as causas. Importa-nos apenas o poderoso contedo da promessa trazida pela manchete.

    Enquanto a cincia se esfora para oferecer sociedade um conhecimento seguro, mesmo que s custas de tempo e recurso financeiro, a mdia precipita-se ao publicar

    informaes superestimadas das descobertas cientficas. Esta divulgao antecipada e

  • 39

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    indevida que leva as pessoas frustrao e a desconfiar do dever primordial da

    cincia que deve ser o de melhorar a vida das pessoas. As decepes e frustraes quando as expectativas da sociedade em relao aos avanos cientficos no so correspondidas

    na realidade, levam a mesma a desconfiar da cincia, quando na verdade esta ltima

    est conduzindo as pesquisas conforme as condies existentes permitem.

    Nesse sentido, aps trazer um exemplo da apropriao dos dados cientficos pela mdia,

    Sawaia in GOLDENBERG nos atenta para o problema da interpretao muitas vezes equivocada destes fatos cientficos pela mdia quando coloca que na nsia de fornecer informaes contundentes e de fcil compreenso para satisfazer seus leitores, a mdia divulga os resultados da pesquisa por meio do raciocnio da causalidade simples (2003, p. 85).

    Autor citado anteriormente, Gherardi (2005) comenta ainda em relao aos avanos

    na medicina:

    que se pode medir facilmente pelo importante aumento na esperana

    de vida daquelas comunidades que tiveram garantidos o direito e acesso

    sade. Todavia, esse avano no exclui, atualmente, as situaes

    conflituosas, criadas pelo aparecimento de uma verdadeira indstria da

    sade e da doena (p. 12).

    Ainda em relao ao que vem sendo discutido, e no sentido de

    afirmar o dito anteriormente em relao s representaes sociais

    sobre a cincia, o mesmo autor nos traz que: [...] importante que a

    sociedade conhea o carter transitrio do conhecimento cientfico e a

    ausncia de imutabilidade, de previsibilidade e de infalibilidade desse

    conhecimento (p. 12).

    Em suma, o que vem ocorrendo quando falamos de clulas-tronco que as descobertas e pesquisas neste campo, apesar das potencialidades oferecidas para o tratamento de algumas doenas, esto sendo superestimadas pela sociedade, e a mdia contribui substancialmente para isso.

    Assim, que Garrafa (2007) nos diz que precisamos avanar de uma cincia eticamente

    responsvel que domina os seres humanos para uma tecnologia que esteja a servio da humanidade, o que se refere, pois, no s as pesquisas com clulas-tronco, mas a toda e

    qualquer pesquisa, principalmente aquelas que envolvem os seres humanos.

  • 40

    CAPTULO 5tica e Direitos Humanos

    O tempo humano denomina-se histria. Logo, valores, instituies e direitos s podem

    ser estudados e praticados no interior da historicidade, j que o ser humano est sempre in fieri. A discusso sobre o problema das relaes entre tica e direitos humanos exige

    uma conceituao prvia de termos, a fim de que no caiamos em ideias formalistas,

    que s serviro para tornar a anlise retrica.

    preciso lembrar que na filosofia e nas cincias sociais, Herclito superou Parmnides,

    isto , o movimento e a transformao se impuseram diante das essncias imutveis e fixas. O ser humano um ser no tempo, que nele se transforma e constantemente

    se constitui.

    As sociedades no so essencialmente harmnicas. Elas esto sempre se transformando a partir dos conflitos e das contradies que a fazem mover e se transformar. Assim,

    as sociedades funcionam, muito mais, pela lgica das contradies do que pela lgica

    da identidade.

    Outro ponto que deve ser previamente tratado o da necessria eliminao de um entendimento da sociedade como um todo harmnico formado de individualidades. As sociedades humanas so complexas e os seus membros se atraem ou se repelem

    em funo de sua pertinncia. O homem s no existe, mesmo quando solitrio. Para

    se construir e entender-se, o homem precisa pertencer. Essa pertinncia vai desde a linguagem, passa pelos grupos e classes sociais e invade as culturas, os saberes, e at mesmo as idiossincrasias.

    Nesses entendimentos que os direitos devem ser vistos; no mais direitos que apenas se cristalizam em leis ou cdigos, mas que se constituem a partir de conflitos, que

    traduzem as transformaes e avanos histricos da humanidade. No podemos mais

    entend-lo como fruto de uma sociedade abstrata de sujeitos individuais, mas como a expresso coativa de tenses e contradies engendradas pelos embates de interesses

    e projetos de grupos sociais.

    O direito, para ser entendido em sua concretude, necessita de ser visto sob o ngulo do contexto que lhe deu origem, dos processos que o constituram das formas como foi

    normatizado e dos efeitos que gera nas sociedades.

    Tratar de direito significa tratar de concepes do mundo e do homem, tratar de

    escolhas valorativas de condutas a serem premiadas, ou punidas, tratar das concepes

  • 41

    CINCIA, TICA E POLTICA UNIDADE I

    de sociedade e Estado. Assim, inarredvel a dimenso tica ou antitica do direito, dependendo do olhar do grupo social que o encara.

    Isso no quer dizer que outros direitos no esto surgindo pelas lutas, reivindicaes e presses dos que se organizam para ter seus direitos consignados.

    O direito um fenmeno complexo. Muitas vezes ele confundido com lei, que uma

    de suas expresses - o denominado direito positivo.

    O direito tambm est se fazendo dia a dia das sociedades por aqueles que esto excludos de suas normas. Dai podermos concluir que o direito positivo, por expressar

    os comandos de quem detm o aparelho do Estado, no tutela o bem de todos, mas daqueles que pertencem aos grupos hegemnicos em dada sociedade.

    As mudanas histricas impuseram novos problemas e novos entendimentos que

    propiciam um outro referencial para os direitos humanos. O entendimento que os seres humanos tm de si, individual e coletivamente, varia no tempo, no espao e nas culturas. Logo, falar em direitos humanos no sculo XVIII francs no tem o mesmo significado de tratar o mesmo tema, hoje, no Brasil.

    A Grcia nos legou a primeira criteriologia para se aferir a justia ou no do direito. Quando

    os sofistas distinguiram logos de nomos, isto , a lei natural da lei humana introduziram um modo de aferir a justia e adequao das leis da sociedade. Isso pressupunha a existncia de um universo imutvel, com leis eternas, s quais as leis humanas deveriam

    se subordinar. Est ai uma das fontes do que hoje se entende por direito natural.

    Esse entendimento foi complementado, mais tarde, pelo pragmatismo romano, que, tratando das relaes entre os homens, definiu Justia como honesta vivera, alteram nan laedere, suum caique tribuere, traduzindo: viver honestamente, no lesar o outro, dar a cada um o que seu. Percebe-se ai, por detrs de uma expresso aparentemente

    edificante, uma estratgia de exerccio de poder, pois nela no esto definidos os valores

    da honestidade, quem o outro e qual o seu de cada um.

    Com essa conceituao de Justia, Pinochet ou Hitier poderia justificar suas aes.

    Mas ser na Grcia e em Roma que o conceito de cidadania vai ser utilizado no mbito poltico-jurdico. Esse conceito tinha um tom bem diferente do atual.

    O cidado grego, mesmo na urea poca de Pricles, em Atenas, era o nascido de famlia cidad de determinada cidade-estado. Os escravos, os estrangeiros, os periecos moradores da periferia, no eram cidados. Numa cidade-estado, era nfima

    a percentagem de cidados, o que evidencia a presena de uma cidadania oligrquica nessas cidades.

  • 42

    UNIDADE I CINCIA, TICA E POLTICA

    O mesmo pode ser dito de Roma, que dividia seu direito entre Jus Civile, ou direito dos cidados, e Jus Gentium, o direito das gentes ou daqueles que no eram cidados, que obviamente tinham menos direitos que os primeiros. S na poca de Caracala a cidadania

    foi estendida a todos que habitassem os territrios ocupados pelo Imprio Romano.

    Na Idade Mdia feudal o sentido de direito e de cidadania passa por profundo retrocesso. Inicialmente pela aceitao de uma outra esfera de leis, isto , no mais as leis humanas e naturais, mas, acima de todas elas, as leis divinas. Com isso, foi consolidada a hegemonia ideolgica e poltica da Igreja, enquanto nos feudos vigia o mais violento

    absolutismo do senhor, que era a fonte nica das normas que l vigiam, obedecendo to-somente aos difames divinos traduzidos pela Igreja. Ora, como a Igreja tambm era senhora feudal, ela no iria enfraquecer as relaes entre os senhores (suserania e vassalagem), nem diminuir os seus poderes no interior dos feudos.

    De qualquer modo, o que pode ser inferido dessa situao que os p