estudos sobre a mathesis ou anarquia e hierarquia da ciência: uma aplicação especial à medicina

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Estudos sobre a mathesis ou anarquia e hierarquia da ciência: com uma aplicação especial à medicina, de Johann Malfatti von Montereggio e com prefácio de Gilles Deleuze, traz nova luz à essência e à história do trabalho de Deleuze e, da mesma forma, apresenta o desafio de continuar o projeto pioneiro de decifrar, nos segredos escondidos, os símbolos da humanidade ao longo dos tempos. Esta publicação, portanto, nos convida a fazer parte deste projeto filosófico, antropológico e cosmológico, conhecido como Mathesis.

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Chapecó, 2012

Estudos sobre a mathesis ou anarquia e hierarquia da ciência com uma aplicação especial à medicina

Johann Malfatti von Montereggio

Primeira edição (1845)

Tradução do alemão para o francês (1849)Christien Ostrowski

Introdução da reedição francesa (1946)Gilles Deleuze

Tradução do francês para o portuguêsPatrícia Chittoni Ramos Reuillard

Revisão técnicaMaurício D’Elia Novello

Page 3: Estudos sobre a mathesis ou anarquia e hierarquia da ciência: uma aplicação especial à medicina

Reitor: Odilon Luiz Poli Vice-Reitora de Ensino, Pesquisa e Extensão: Maria Aparecida Lucca Caovilla

Vice-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Claudio Alcides JacoskiVice-Reitor de Administração: Antônio Zanin

Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu: Maria Assunta Busato

Todos os direitos reservados à Argos Editora da Unochapecó

Av. Atílio Fontana, 591-E – Bairro Efapi – Chapecó (SC) – 89809-000 – Caixa Postal 1141(49) 3321 8218 – [email protected] – www.unochapeco.edu.br/argos

Conselho Editorial: Rosana Maria Badalotti (presidente), Carla Rosane Paz Arruda Teo (vice-presidente),

César da Silva Camargo, Dirceu Luiz Hermes, Elison Antonio Paim, Érico Gonçalves de Assis, Maria Aparecida Lucca Caovilla, Maria Assunta Busato,

Murilo Cesar Costelli, Tania Mara Zancanaro Pieczkowski

Coordenador: Dirceu Luiz Hermes

Catalogação elaborada por Caroline Miotto CRB 14/1178Biblioteca Central da Unochapecó

Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem autorização escrita do Editor.

100 Montereggio, Johann Malfatti von M778e Estudos sobre a mathesis ou anarquia e hierarquia da ciência: com uma aplicação especial à medicina / Johann Malfatti von Montereggio ; tradução Patrícia Chittoni Ramos Reuillard. – Chapecó : Argos, 2012. 222 p. ; 23 cm. – (Grandes temas ; 18) Tradução de: La Mathèse ou anarchie et hiérarchie de la science: avec une application spéciale de la Médecine, 1849. Inclui bibliografias ISBN 978-85-7897-046-8 1. Filosofia. 2. Medicina – Filosofia. I. Título. II. Série. CDD 100

1ª edição: Studien über Anarchie und Hierarchie des Wissens: mit besonderer Beziehung auf die Medicin (1845)

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Sumário

Nota da tradução brasileiraPatrícia Chittoni Ramos Reuillard

PrefácioMaurício D’Elia Novello

Introdução: Mathesis, ciência e filosofiaGilles Deleuze

ApresentaçãoJohann Malfatti von Montereggio

Advertência do tradutor francêsChristien Ostrowski

PRIMEIRO ESTUDOA mathesis como hieróglifo ou simbólica da vida tripla

do universo, ou o Órganon místico dos antigos indianos

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SEGUNDO ESTUDOSomente no processo, não no produto

TERCEIRO ESTUDOSobre a arquitetura do organismo humano, ou a tripla

vida dentro do ovo, e o ovo triplo dentro da vida

QUARTO ESTUDOSobre o ritmo e o tipo, o consenso e o antagonismo

em geral e particularmente no homem

QUINTO ESTUDOSobre o duplo sexo em geral e sobre o

sexo humano em particular

PosfácioDavid Reggio

Quadro 1 – Figuras

Quadro 2 – Figuras

Lista dos principais nomes em sânscrito com sua transcrição moderna

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Prefácio

Maurício D’Elia Novello

“Sum, ergo cogito; Sum, ergo genero”

A difícil e primorosa tradução desta obra em língua portu-guesa, por iniciativa do professor David Reggio e da Argos Editora da Unochapecó, nos fornece um excelente material de grande re-levância para a reflexão sobre medicina, psiquiatria, psicanálise e filosofia desenvolvidas no Brasil.

Do ponto de vista contemporâneo, somos agraciados pela presença de uma introdução à Mathesis realizada pelo filósofo francês Gilles Deleuze, que continua desempenhando um papel importante na construção de nossas reflexões e práticas terapêu-ticas e sociais.

A introdução de Gilles Deleuze nos revela um exercício filo-sófico cristalino, oferecendo-nos um pequeno texto introdutório de sua autoria, no interior mesmo da Mathesis, pois só ela pode servir de prefácio a si mesma.

A ausência desta obra com sua introdução em nossas biblio-tecas, por se tratar de um plano fundamental, constitui uma difi-culdade suplementar e específica na compreensão de seu filosofar e de suas relações com toda a tradição da psicoterapia institucio-nal, da psiquiatria fenomenológica e da psicanálise existencialista.

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Esta obra se revela inestimável à compreensão dos fenôme-nos psíquicos e do teor das teorias psicanalíticas, por se referir à natureza humana e à natureza sexual humana.

Em tal compreensão, podemos incluir uma harmonia até então impossível às críticas de Gilles Deleuze e de Felix Guattari à psicanálise, em consonância com esse esboço genuíno, que nos abre um leque de novas possibilidades e de novos horizontes às ciências e, em particular, à medicina.

A psicanálise deve ser questionada na sua origem, no seu projeto e no seu desenvolvimento, pois sendo oriunda de uma ou-tra cultura, de um outro contexto e momento histórico, foi incluí-da em processos de catequização, de escravidão e de colonialismo implementados no Brasil.

A crítica das neurociências, como tentativa de recuperação e deformação da psicanálise, por meio da invalidação do método psicanalítico pela noção de modernidade e desenvolvimento, o que não passa de um outro método da ciência, se torna uma expo-sição da impossibilidade de compreensão dos fenômenos psíqui-cos sem a compreensão dos fenômenos físicos ou as respectivas “des-compressões” e “des-apreensões”.

A Mathesis revela, assim, à psicanálise o não colonial, do qual ela se oculta no seu expansionismo e na sua teorização: a di-mensão humana e um saber da vida.

Essa dimensão “não colonial” ultrapassa a adesão ao movi-mento anticomial na psiquiatria ou anti-hospitalar na medicina, pois não se trata apenas de uma relação socioeconômica e terapêu-tico-humanista, mas da terapêutica em sua medicina e da ciência stricto senso.

Quando a Mathesis cessa de ser a Ciência Universal da Vida, a importação de modelos e o não estudo concomitante sobre os

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métodos e os problemas subsequentes influem na nossa realidade e na nossa História, ao ponto destas serem reduzidas à pura apli-cação teórica e à satisfação de um ego num participar, ao reprodu-zir e contribuir à evolução de práticas de outras realidades.

Delinea-se nesta escolha a estratégia importadora, como re-cusa à excepção e ao individual – a negação do próprio descobri-mento –, o que não é plausível por não comportar a diferença e a distância duramente investidas, que demonstram uma realidade in-compatível a ser respeitada e uma compatibilidade a ser fabricada.

Sem dúvida, o processo colonial de importação e imposi-ção de um modelo no seio de outras práticas e modelos, que não seriam menos universais, mas que seriam, certamente, menos co-loniais, nos interroga sobre a tradução desta obra; entretanto, esta obra está longe da implantação de uma instituição colonial de prá-ticas corporais e de práticas do pensamento.

O recurso à Mathesis nos permite entender por meio da psi-canálise – servindo de exemplo à legítima importação científica de outras realidades, extendida à ciência brasileira e à ciência brasi-leira no mundo – o modo pelo qual estamos implicados na proble-matização e solução dos problemas brasileiros, que não precisam ficar necessariamente à parte e isolados. Muitas vezes, e não ne-cessariamente, estão em conjunção com os problemas do mundo, todavia sem jamais se constituírem nos mesmos problemas.

Esse movimento em nome de uma ciência “des-territoria-lizada” e “des-nacionalizada”, por ser integrada sem identidade e “a-histórica” – ciência do mundo ou ciência global –, não pode continuar a impor como História a História da Ciência ou a Ciência da História.

Torna-se sempre problemático quando tentamos focalizar este mundo padrão, ao qual a ciência se refere, sem se considerar a

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Mathesis, o que impede o engajamento em nossas revoluções pas-sadas e inibe as nossas revoluções futuras.

A psicanálise como projeto de uma psicologia científica e so-cial, enquanto ciência produtora e experimental, supõe a ruptura e a consequente construção posterior e substitutiva, desqualifican-do e desclassificando a realidade de origem, donde um problema de leitura da Grécia e de seus mitos, pois haveria uma modificação do cenário mental, como no modelo do sonho, somente pela mo-dernidade social.

Este projeto operacional do homem-máquina, túmulo vazio da Mathesis, demonstra o “alienismo” como paradigma científico, que é também presente na nosologia da psiquiatria de Pinel. Isto porque ele concebia a pedagogia e a terapia como bases de adap-tação e de resposta humana, fundadas numa trama de influências ou “paixões” – razões de uma diferença, variando e doutrinando o meio ambiente, como num projeto da res publica, “estranha-mente” ausente em Descartes.

Em referência ao que vem sendo tratado como norma con-sensual, ou o que observamos numa disputa cartesiana pela ruptu-ra entre a norma da razão e a norma da loucura, num contexto de lutas e resistências, trata-se unicamente da utilização da loucura como razão em todo esse processo de modernização urbana – a loucura “sem loucura” ou a loucura com loucos determinados por uma loucura social, em que são assinaladas e justificadas as razões de um tratamento fisicalista do psíquico, baseado na res extensa e no “homem-máquina”.

A física engloba a química na fisioquímica pelo átomo e pelo método cartesiano de fragmentação de toda sentença – a óptica do micro, como dúvida estrutural pertinente a um modelo constru-

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tor de sentenças –, os métodos de análise e, necessariamente, os métodos de síntese.

Tal método institui a desconstrução para a reconstrução por meio de sua realidade última ou essencial. Diferentemente em Pi-nel e em Freud, havia em Pinel a tensão entre natureza – cultu-ra ou a doença natural com seu posterior tratamento social para se reestabelecer o estado natural (o tratamento moral de Pinel é baseado nos animais com alma – “tratamento animalesco”); em Freud, já estávamos na ruptura entre natureza – cultura e na pro-dução das novas doenças sociais, as âncoras da modernidade e as raízes do inconsciente.

Malfatti deixa claro na Mathesis que a consciência de si não pode ser deduzida da reflexão pura, como tampouco a individua-lidade possa ser reflexo da reprodução pura. É somente no centro da reflexão e da reprodução, em seu ternário, como um ego coleti-vo, que surgem a consciência e a personalidade.

A “excitação animal” e a invenção da “pilha de Volta” vão produzir uma revolução na física e na química, no que se refere ao magnetismo e à eletricidade, estabelecendo-se e possibilitando uma integridade sistêmica. A relação entre tecido vivo, tecido excitável e tecido sensível demonstra assim a relação do psíquico à Ciência da Vida, conceituando-se a Vida em suas relações, ou atrações, ou afinidades ou magnetismo. O magnetismo animal encontra-se no bojo do desenvolvimento da Ciência Psíquica moderna. Na Mathesis, o físico não mais será conceptualizado como uma mera base do psíquico em relação à uma anterioridade psíquica criativa, aonde estabelecem-se relações de objetivo, representação, cultura interiorizada em sua mentalidade e materialidade inferiorizada em sua intelectualidade, em que o lugar do psíquico é a própria Vida, requerendo assim vitalidade e liberdade.

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A Mathesis renuncia à formulação do “UM” na concepção do “homem-social-puro-humano” e do “homem-máquina”, co-mo sua formulação lógica (res publica) e sua formulação política (re publica), baseadas no ocultismo, que fundamentam a asso-ciação e a confusão entre iniciado e místico.

Malfatti ainda se refere na Mathesis sobre o grande erro na concepção da consciência da espontaneidade (individualidade) psíquica por algo diferente do senso comum (simpatia) da exis-tência física, como se esta pudesse existir sem a primeira e como se aquela pudesse ser dominada pela outra.

Todo esse dilema é importante para a ciência experimen-tal, pois a escolha de uma realidade por um sonho pode se tornar um pesadelo em seus efeitos e em seu futuro. A anarquia revelada na Mathesis atinge proporções preocupantes pelo difusionismo e produtivismo, sem sequer se referir ao dualismo e à antítese, face à lógica da extinção e do esquecimento, pela adequação e moder-nidade.

Os passos civilizatórios e os passos humanos necessitam des-sa avaliação dos problemas e da escolha das soluções, analisando--se o campo e a extensão da intervenção científica por outros pa-radigmas, que não se resumem a um consenso social de um tempo considerado como expectativa de vida. Isto revela nossa participa-ção no Brasil e no mundo, mas também no futuro e no passado, ao se precisar inteligentemente o que é adotado e a sua evolução.

A nossa independência e a nossa participação no mundo, mesmo que passemos de escravos a senhores de escravos, seja pe-la nossa diversidade e singularidade, seja pelos nossos problemas cotidianos e pela dimensão da Nação, deveriam ser revistas no in-tuito de respeitarmos a nossa história e a nossa evolução, sem nos isolarmos, para assim se contribuir a esse mundo interno, como

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diferença inalienável, diante de nossa “identidade de si” e de nossa “identidade-universal”.

Entendemos que a pura conceptualização geolocalizada e subjetivada não seja suficiente para entendermos o que há de uni-versal em teorias, a exemplo da psicanálise, nem o que elas contêm de contextual e de equívoco clínico. Apenas desta forma podere-mos conceber teorias que nos permitam conceptualizar as reali-dades, para assim poder produzi-las e tratá-las, revelando o seu “grau de alienação” ou a posição da Mathesis.

A importância de sistemas em rede é paradoxal – lógica dos paradoxos –, por nos depararmos com imposição sistêmica, risco de incompatibilidade e impossibilidade de aplicação.

Ao serem guiados pela homogeneização imaginária maléfi-ca, desenvolvida em seu experimentalismo e futurismo, mas prin-cipalmente por agir sobre os planos concebidos como descartáveis e subdesenvolvidos, relegam-se o presente e o local à migração pela simples deslocalização, como se atingíssemos o universal na imaginação do conforto e no uso do outro.

Todo esse cenário acontece ao não se respeitar e ao não se entender o que deve ser desenvolvido sem ser submetido, por re-conhecer ter se alcançado uma linguagem não pertinente à reali-dade-própria e à identidade em si, então reveladora de um circuito externo, para não esgotar a imaginação na visão retrospectiva do pesar e da deformação, donde o conflito e o complexo, mas fun-damentalmente, por se relevar a importância capital da Mathesis.

O reducionismo implicado numa concepção única do men-tal – conforto de uma técnica e de uma verdade, investidas pelas pressões do que incomoda e do que se elimina ou se faz desapare-cer, mesmo sendo referente ao paradigma de uma época – deve ser contextualizado e localizado, pois não podemos nos referir ao pas-

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sado com arquétipos desbotados e com camadas “a-concêntricas”. É interessante notar que o reducionismo nos leva à fragmentação, expansão e profusão de técnicas e teorias, embora em torno do mesmo eixo egoico.

O que talvez pareça óbvio e irreversível num certo desenho do mundo porventura careça de proposições que coloquem em causa a sua atualização individual e sistêmica a cada momento, ao se entender a importância da árvore do conhecimento com suas raízes, e não apenas ao ser consumida em seus frutos, jogados ao acaso e sem liberdade como “favelas da consciência”.

Em absoluto, o movimento exige uma análise do grau de liberdade, pois não está se propondo uma defesa a um projeto regional como negação de um projeto global, que é referido ao desenvolvimento de centros optimais por estruturas individuais e sistêmicas.

Não se trata da lógica oportunista da escolha de um em de-trimento do outro, por um deslocamento e fixação de indivíduos, por intermédio de uma homogeinização da diferença substancial – escravidão, implicando-os numa ilusão geoperceptiva e cultural – a construção de um mundo lunar, e numa despolarização pela ilusão da projeção – a síntese como superação da antítese.

Nesse mundo lunar, a dupla realidade de cada um desapa-rece pelo “a-gravitacional”, perdendo-se à luz cônica ao se invia-bilizar instantaneamente tanto o universal quanto o individual e tanto o universal quanto o local, por uma verdadeira impostura sistêmica.

Aumenta-se o consumo de conhecimento sem relação subs-tancial com os problemas e soluções da raiz quadrada de cada in-divíduo, ao se perder a dimensão da doentia manifestação social nos indivíduos por se fazer do geral o específico.

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Usa-se humanisticamente o subentendido e o subliminar para se afirmar uma cultura ocultada em sua própria negação, seja no singular (não sendo uma cultura), seja no plural (a descaracte-rização e desvalorização das culturas).

A imagem da Ciência do “UM” produz a Ciência única, e paradoxalmente ela se estabelece como um germe de cultura pela ciência científica e “a-cultural”, por meio do produtivismo aplica-do às operações e modificações integradas à noção de intervenção e de unidade universal – o corpo vivo.

É importante ressaltar que este debate sobre a crise identitá-ria é um tema capital em nossas sociedades pela implantação deste modelo científico lunar, e que afirma e fundamenta a importância do entendimento humano.

Este conteúdo crítico e radical é essencialmente epistemoló-gico, por ser necessário ao que se considera adquirido e que pode se revelar inadequado e obsoleto pela renovação da mesma siste-mática em sua nova apresentação.

A Mathesis nos arraiga na terra no momento nos distancia-mos da Terra, descartando do Planeta, pela invenção e possibili-dade de um novo paraíso. Neste sentido, deveríamos nos pergun-tar se o Brasil não seria uma Nova Europa ou se seria uma Nova Zelândia.

O hábito nos leva a pensar que estamos no auge de nossa ciência pela evolução dos instrumentos terapêuticos, sempre mais modernos e mais eficazes. Isto nos autoriza a um voo sobre um passado ultrapassado, construindo-se o espelho do que possa ser considerado como diferente e melhor, ao se estabelecer uma com-petição definida por rígidos padrões e parâmetros, dentro de um oportunismo espacial para ser especial.

A persistência do passado em desuso e defasado, enquanto inscrito no cérebro dos sentidos – a passagem de uma dependên-

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cia à interdependência moderna –, nos faz alcançar a garantia ilu-sória da solução dos problemas da primeira lógica e da passagem, sem, portanto, se considerar a posteriori a sua múltipla fragmen-tação e os apelos dos antepassados – a soberania nacional estaria, assim, ameaçada no seu precário espírito federativo.

A História presente na tradução desta obra sobre a “Mathesis e a anarquia das ciências”, do Dr. Johann Malfatti von Montereggio e no palimpsesto dos borrões de Christien Ostrowski e de Gilles Deleuze, nos imprime estes sinais de advertência, sem considerá--los como um exercício do medo ou de fuga, ou seja, como pura reação e alienação de sua própria corrida, todavia como uma aten-ção necessária à criação, ao que não pode ser introduzido, e desta forma, muito menos alterado.

Um sistema dualista anárquico para se afirmar o dominante manipulador e sua técnica, em que o sujeito da manipulação ou o objeto manipulado são somente soluções ou questões secundá-rias à manipulação e à problematização, sendo estas últimas, final-mente, as questões descartadas e essenciais da ciência.

Ao criticar a psicologia desencarnada e desincorporada no pensamento e a fisiologia cristalizada na matéria, orientando-se no interior da Mathesis, Gilles Deleuze revela que a unidade não deve ser abstrata ou transcendental. Ele propõe a unidade co-mo uma terceira ordem ou a hierarquia para além da dualidade anárquica, ou seja, a unidade irredutível da vida ela mesma.

A res cogitans e a res extensa seriam inexoravelmente distin-tas, donde a unidade do saber cartesiano se faz num outro plano, sendo este referente a um Deus abstrato e transcendente à huma-nidade.

Ao se afirmar a unidade do saber no instante em que se afirma, rompe-se e se destrói, como o conceito de substância em

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Spinoza, o espírito cognoscente, que não abdica à ordem das coi-sas no pensamento, pensando a ordem de suas representações, permite a Gilles Deleuze revisitar a Mathesis, para invocar o re-encontro e a completude com a unidade perdida no homem vivo e na vida, que é inapropriadamente concebida como humana, sendo presente no símbolo.

A Mathesis demonstra tal unidade nesta verdadeira medici-na, em que a vida se define como saber da vida e o saber como a vida do saber.

A árvore do conhecimento não é uma mera imagem, não podendo se conceber a aparência na aparência, nem a banalização da aparência, por não se poder ainda visualizar os efeitos da apa-rência na aparência.

A tensão entre a tradição e o estranho produz a introdu-ção necessária ao que não faz apenas por se ler uma obra, acom-panhada de um dicionário na cabeceira do conhecimento e da imaginação, pois nos implica e nos responsabiliza adicionar essa advertência, “in-traduzindo” a sua enorme importância.

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IntroduçãoMathesis, ciência e filosofia

Gilles Deleuze

Talvez seja interessante definir a mathesis em suas relações com a ciência e a filosofia. Forçosamente, tal definição permanece, de certo modo, exterior à mathesis em si; ela é simples, provisó-ria e tende apenas a mostrar que, mesmo independentemente de qualquer momento histórico, a mathesis delineia uma das grandes atitudes do espírito, ainda atual. Isso significa que faremos aqui somente uma crítica aos argumentos que os cientistas e os filóso-fos ficam sempre tentados a invocar contra ela, além de um escla-recimento sobre a significação da palavra “iniciado”. Que não se perca de vista este plano de civilização indiana onde se desenvolve a mathesis; isso é o essencial. Não se dirá, dessa civilização, que é abstrata, seja em que grau for, mas apenas que, no próprio seio de nossa mentalidade ocidental, certas exigências fundamentais se deixam apreender, que a mathesis, em uma espécie de introdução, de prefácio a si mesma, é a única a satisfazer. É desse ponto de vis-ta que o livro do Dr. Malfatti apresenta um interesse capital. Com certeza, outras obras, que adentram mais a consciência indiana, foram publicadas depois dela; mas poucas introduzem melhor a noção de mathesis em si, em suas relações com a ciência e a filoso-fia, do que esta. (continua...)

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sobre o autor

Johann Malfatti von Montereggio: nasceu na cidade toscana de Lucca, em 1775. Estudou com o grande físico e médico ita-liano Luigi Aloisio Galvani. Depois, estudou com Johann Peter Frank, em Viena, com quem completou seus estudos de medicina em 1797. Malfatti logo ganhou a confiança da nobreza vienense, tornando-se um confidente de importantes círculos diplomáti-cos. Com a autoridade que foi-lhe confiada por esses dignitários, Malfatti criou a Sociedade Imperial de Médicos em 1837, mes-mo ano em que foi-lhe formalmente concedido o título de “Edler von Monteregio” pela nobreza vienense. Nesta altura, o renoma-do Malfatti tornava-se médico pessoal de Ludwig van Beethoven, mantendo contatos regulares com o teosófico martinista e filósofo Franz von Baader, com Friedrich Wilhelm Schelling e com Lorenz Oken. Johann Malfatti von Montereggio, reputado médico da elite europeia, fica então conhecido como místico e ocultista para al-guns; e como um fisiologista importante na história da medicina para outros. Em 1859, morreu em sua casa de campo, perto de Hitzing, de complicações no coração. Seu trabalho sobre a ma-thesis universalis continua a ser uma das obras mais intrigantes e um dos estudos mais eloquentes sobre o organismo humano, concebendo-se a cosmologia e a antropologia humana no seio da tradição romântica alemã. Esta obra é uma exploração ainda a ser plenamente compreendida no seu âmbito e totalidade.

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Argos Editora da UnochapecóSite: www.unochapeco.edu.br/argos

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Estudos sobre a mathesis ou anarquia e hierarquia da ciência: com uma aplicação especial à medicina

Johann Malfatti von Montereggio

Patrícia Chittoni Ramos Reuillard

Maurício D’Elia Novello

David Reggio

Grandes Temas

Dirceu Luiz Hermes

Alexsandro Stumpf

Neli Ferrari

Leonardo Favero

Neli FerrariFelipe Alison ZuanazziLuana Paula Biazus

Alexsandro Stumpf

Alexsandro StumpfMariani Tauchert

Araceli Pimentel Godinho

Carlos Pace DoriAraceli Pimentel GodinhoRodrigo Junior Ludwig

16 X 23 cm

Minion Pro entre 10 e 14 pontos

Capa: Supremo 250 g/m2

Miolo: Pólen Soft 80 g/m2

222

800

2012

Gráfica e Editora Pallotti – Santa Maria (RS)

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Este livro está à venda:

www.travessa.com.br www.livrariacultura.com.br

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Esta é uma obra rara, complexa e bela, concebida no âmago da filosofia romântica no século XIX, seguindo a tradição dos anti-gos gregos, neoplatônicos e místicos hindus, para apresentar os princípios universais do caminho cosmológico e fisiológico do homem. Este trabalho fora anteriormente republicado pela Griffon d’Or em 1946, prefaciado por um jovem Gilles Deleuze, representante de uma geração pós-guerra de pensadores france-ses. Esta é a primeira tradução adotada por um editor a partir do projeto de Christien Ostrowski, em 1849, e a primeira republica-ção do livro desde 1946. O autor do trabalho, Johann Malfatti von Montereggio, descreve a mathesis como a descoberta da “chave perdida”, revelando os princípios divinos perdidos nas areias do tempo, mas que estão sempre presentes a trabalhar profunda-mente nas dimensões da fisiologia e da psicologia humanas.

ISBN 978-85-7897-046-8

9 7 8 8 5 7 8 9 7 0 3 9 0